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    So Lus MA, 23 a 26 de agosto 2005

    A POLTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE:

    da dependncia do modelo do Desenvolvimento Sustentvel Hegemnico soberania nacional

    pela Sustentabilidade Scioambiental.

    Ricardo Benedito Otoni*

    RESUMO Analisam-se as bases conceituais que sustentam a Poltica Nacional do Meio Ambiente e sua dependncia ao modelo de Desenvolvimento Sustentvel Hegemnico. So apresentadas algumas propostas para mudana desta Poltica, atravs dos valores trazidos pelo modelo de Sustentabilidade Scioambiental. Por fim, so apontados alguns caminhos de transio entre os modelos de gesto ambiental postos, visando ampliao da soberania nacional na gesto do Meio Ambiente. Palavras-Chave: Poltica. Meio ambiente. Sustentabilidade.

    ABSTRACT Analyses the conceptuals bases have sustain the Environment National Politics and its dependence of development sustainable hegemonic model. Presents some proposals for change this politics through the value bring by the Social environment Sustainable model. To the end appointments any ways for transition between the models of environment management presents, to aim an amplification of the national sovereignty of environment management. Keywords: Politics. Environment. Sustainable.

    1 INTRODUO

    A Lei 6.938/81 de 2 de setembro de 1981, regulamentada pelo Decreto n. 99.274 de

    06/06/1990, dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente, seus Fins e Mecanismos de

    Formulao e Aplicao. Tal poltica foi elaborada em 1981, perodo de postura poltica

    centralizadora, de Estado forte e pouca participao da sociedade civil na construo de Polticas

    Pblicas. Com a elaborao e promulgao da Constituio Federal de 1988, chamada por alguns

    de Constituio Cidad, houve a adequao de alguns pontos desta poltica aos novos ditames de

    descentralizao e enraizamento da estrutura de federalizao nacional, transferindo a Estados e

    Municpios funes antes de competncia federal. Entretanto estes ajustes parecem no

    questionar a adequao ou no do modelo ideolgico hegemnico do Desenvolvimento

    Sustentvel realidade nacional.

    Para compreendermos a dependncia nacional ao Modelo do Desenvolvimento

    Sustentvel Hegemnico, analisaremos o processo de construo deste modelo e como o Brasil

    vem se submetendo a ele. Faremos uma breve anlise das principais diretrizes da Poltica

    * Gegrafo / UFMG - Mestrando em Polticas Pblicas / UFMA.

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    Nacional do Meio Ambiente e sua fundamentao neste modelo. Apontaremos ainda algumas

    degradaes ambientais de mbito nacional como conseqncia da adoo deste modelo.

    Em seguida analisaremos algumas propostas de emancipao nacional, que buscam

    auferir maior autonomia na construo de um modelo prprio de gesto ambiental, que requer a

    ampliao da soberania nacional sobre as questes ambientais, principalmente sobre a definio

    de qual concepo de meio ambiente devemos adotar e que tipo de qualidade ambiental

    queremos para o Brasil.

    Por fim fazemos consideraes sobre algumas possibilidades de transio do atual

    modelo para o novo modelo ambiental e da perspectiva desta transio dentro de uma poltica de

    ampliao da soberania nacional e auto-afirmao do Brasil na sua gesto ambiental.

    2 O MODELO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL HEGEMNICO

    Para compreendermos o processo de construo do atual Modelo de Desenvolvimento

    Sustentvel Hegemnico preciso observar alguns antecedentes histricos. Aps a Segunda

    Guerra Mundial, os Estados Unidos liderando a reconstruo dos pases devastados pela guerra,

    empregou, pela primeira vez internacionalmente, o termo Desenvolvimento ao invs do usual

    termo Crescimento. Ao empreg-lo, ele vincula o conceito de desenvolvimento noo de

    progresso. Coloca internacionalmente que os pases para progredirem devem ser desenvolvidos,

    automaticamente criando e incluindo diversos pases no rol dos subdesenvolvidos. A partir da

    todos os pases deveriam seguir o exemplo norte americano para serem desenvolvidos. Ainda no

    se falava no termo Sustentvel, pois as crticas ao modelo industrial de produo e consumo, s

    comeam a ter maior visibilidade a partir da Guerra do Vietn e dos Movimentos Sociais de fins

    dos anos 1960.

    A emergncia das manifestaes ambientais mundiais, do final dos anos 1960 e incio

    dos anos 1970, deu visibilidade internacional s criticas do nosso paradigma civilizatrio

    antropocentrista-cartesiano, indutor de super produo e consumo e gerador de resduos,

    poluio e perda da qualidade de vida. Ou seja, a crise do modelo civilizatrio industrial e suas

    relaes de produo-consumo, vem gerando uma crise ambiental. Essa situao, no entanto, j

    havia sido anunciada na primeira edio do livro clssico do Clube de Roma, Limites ao

    Crescimento (MEADOWS, 1972)1. (DIEGUES, 1992, p. 16, grifo do autor). Foi constatado que se

    todos os habitantes do planeta tivessem o nvel de consumo das classes mdias dos pases ditos

    desenvolvidos, seriam necessrios 1,5 planetas terra de recursos naturais, ou seja, era preciso 1 No incio de 1972, reuniram-se em Roma diversos movimentos ambientalistas internacionais, para debater as intensas degradaes ambientais que o planeta vinha, e vm sofrendo. Os debates apontavam para a no sustentabilidade do uso dos recursos naturais no modelo produtivo vigente. A proposta formulada foi de se limitar o crescimento econmico mundial, revalorizando a importncia da qualidade ambiental. Esta proposta denominada Limites do Crescimento no Relatrio Meadows, foi apresentada na Primeira Conferncia Internacional do Meio Ambiente, em Estocolmo 1972.

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    mudar os estilos de consumo excessivo dos habitantes dos pases desenvolvidos e das classes

    altas dos subdesenvolvidos. Esta desigualdade de consumo apresentada por Kliksberg (2002), o

    qual analisa as pesquisas elaboradas pela Organizao das Naes Unidas (ONU), atravs do

    seu Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ele mostra que as

    desigualdades vm se ampliando, pois a relao de renda entre os 20% da populao mundial,

    que vivem nos pases mais pobres e os 20% da populao mundial, que vivem nos pases mais

    ricos, era em 1960 de 1 para 30 na diferena de renda. J em 1990 a diferena de renda passou

    para 1 para 60 e em 1997 passou para 1 para 74, com tendncia de continuar aumentando a

    concentrao de renda nos pases mais ricos. Gonalves (2002) tambm analisa os dados

    apresentados pela ONU e afirma que:

    Os 20% mais ricos do mundo consomem, aproximadamente, 80% dos recursos naturais do planeta [...] E como essa estrutura desigual no surgiu do nada, mas, ao contrrio, foi instituda pelas prticas concretas que ensejaram essa enorme desigualdade, podemos afirmar que, como as prticas dos de cima no podem ser generalizadas para todos, elas no podem constituir os fundamentos do bem comum. (GONALVES, 2002, p. 56 57, grifo do autor).

    As manifestaes scio-ambientais do final da dcada de 1960 resultaram na

    realizao da I Conferncia Internacional do Meio Ambiente, em Estocolmo na Sucia em 1972.

    L, foi dada visibilidade internacional a diversas atividades altamente impactantes e degradantes

    da qualidade ambiental planetria. Como conseqncia, diversos pases passaram a criar ou

    fortalecer instituies de gerenciamento e controle ambiental, para responder as demandas

    sociais internacionais. No Brasil foi criada em 1973 a Secretaria Especial de Meio Ambiente

    (SEMA), ligada Presidncia da Repblica, que junto com o antigo Instituto Brasileiro de Defesa

    Florestal (IBDF), com a Superintendncia de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e com a

    Superintendncia de Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA), se apresentavam com as

    instituies nacionais de gesto e controle ambientais. A partir de 1989 estas quatro instituies

    se unificaram dando origem ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    Renovveis (IBAMA), o qual realiza a gesto ambiental no nvel de competncia federal.

    Durante a dcada de 1970, as grandes empresas transnacionais fizeram varias

    tentativas de reverter a imagem que adquiriram de degradadoras do meio ambiente, apoiando

    projetos de proteo de ursos, baleias, golfinhos e tartarugas. Entretanto a opinio pblica

    internacional ainda cobrava a responsabilidade das empresas sobre os diversos tipos de poluio

    ambiental provocado pelas mesmas. Foram criados termos que tentavam conciliar o Crescimento

    Econmico com a Sustentabilidade Ambiental. Entre eles o Ecodesenvolvimento e o

    Desenvolvimento Sustentvel, mas s em 1987 no Relatrio Brundtland, que o empresariado

    internacional passa a apoiar abertamente o conceito de Desenvolvimento Sustentvel: [...] ganhou notoriedade possivelmente por ter sido adotado em importantes documentos como a Estratgia mundial para a Conservao (UICN, WWF e PNUMA, 1980), o informe

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    Nosso Futuro Comum, da Comisso Brundtland (ONU, 1987), Cuidar da Terra (UICN, WWF e PNUMA, 1991) e o Informe da Comisso de desenvolvimento e Meio Ambiente da Amrica Latina e Caribe (1991). A definio mais conhecida o da Comisso Brundtland (Nosso Futuro Comum, 1987) segundo a qual o desenvolvimento sustentado aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das geraes futuras satisfazerem as suas. (DIEGUES, 1992, p. 19, grifo do autor).

    Em tal conceito no se pem limites expanso industrial de produo e nveis de

    consumo, nem de explorao dos recursos naturais, como queriam os ambientalistas. O

    crescimento agora est disfarado no termo Desenvolvimento e as altas rentabilidades

    econmicas baseadas na explorao do trabalho e dos recursos naturais, com conseqentes

    externalidades de poluio e pobreza so disfaradas pela noo de Sustentabilidade. Enquanto a

    palavra Desenvolvimento remete as noes de crescimento, evoluo, ampliao, o termo

    Sustentvel se refere manuteno de um dado estado de coisas, que no necessariamente a

    qualidade ambiental, pode ser muito bem a sustentabilidade de rentabilidades econmicas, pois

    est se referindo ao Desenvolvimento que remete s noes de lucratividade.

    Desde o Relatrio Brundtland de 1987, as grandes empresas vm criando

    instrumentos de auto-gesto do meio ambiente, tais como os Selos Verdes, a ISO 14.000 e mais

    recentemente, em funo da demanda social para a reduo das emisses de gases

    responsveis pela ampliao do efeito estufa em nossa atmosfera, o qual resultou no Protocolo de

    Kioto de 1997, criaram um mecanismo prprio de regulao, sem reduo das emisses, que so

    as Cotas de Emisso de Carbono. Neste sistema, as grandes empresas alugam reas de florestas

    preservadas, principalmente em pases ditos subdesenvolvidos, se comprometendo a no deixar

    desmatar as reas, em troca podem continuar emitindo para a atmosfera toneladas de carbono

    por hectare/ano preservado. Desta forma o Desenvolvimento Sustentvel proposto fragiliza a

    soberania nacional dos ditos subdesenvolvidos, sobre suas florestas e permite s grandes

    empresas continuarem produzindo com os mesmos nveis de emisso de gases. Em relao aos

    resduos slidos o principio de gesto ambiental semelhante, e o pior, inclusive ingenuamente

    ou no apoiado por muitos ambientalistas, atravs de programas de reciclagem:

    A banalizao e a superficialidade grassam nas lides ambientalistas, como se a crtica do Lixo Ocidental, tivesse se transformado na coleta seletiva do Lixo Ocidental, de que nos falavam os ambientalistas dos anos 60. Teramos, assim, sado da crtica civilizatria do projeto de origem judaico-crist europia como, nos anos sessenta, com a crtica idia de desenvolvimento, idia-chave do constructo moderno, e tivssemos caminhado nos anos oitenta para a idia de desenvolvimento sustentvel e, nos anos noventa, para a ISO14000, um selo verde. Aqui, aquela generosidade e solidariedade social to explicitada no ambientalismo dos anos sessenta est bastante atenuada, quando ainda presente. (GONALVES, 2002, grifo do autor).

    Desde o incio da dcada de 1970 que o Brasil vem se submetendo abertamente em

    suas polticas pblicas a este modelo. Primeiro com a continuao dos grandes projetos nacionais

    de infra-estrutura que no tiveram adequado tratamento de mitigao de seus impactos

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    ambientais, tais como, as grandes hidreltricas que alagaram reas imensas com perda de solos

    cultivveis e remoo de cerca de um milho de pessoas at o momento em todo o Brasil,

    rodovias que desmatam e induzem o desmatamento ao seu redor, usinas nucleares construdas

    sobre falhas geolgicas, incentivo ao agronegcio exportador de comodities em reas de Cerrado

    e atualmente desmatando a poro sul da floresta amaznica, etc...

    A construo da Poltica Nacional do Meio Ambiente de 1981 foi baseada no Modelo

    de Desenvolvimento Sustentvel, onde o principal continuar com o crescimento econmico,

    agora via Desenvolvimento Sustentvel, sendo as Questes Ambientais apenas uma

    externalidade dentro do propsito maior que o crescimento econmico. Alguns conceitos

    bsicos ambientais so tratados ambiguamente nesta Poltica, tais como ela repetidas vezes se

    refere manuteno do equilbrio ecolgico, levando a crer que a Ecologia seria um sinnimo de

    Meio Ambiente, o que sabemos que no procede, pois a Ecologia o processo de estudo do Meio

    Ambiente e no o objeto de pesquisa, ou seja, um desastre ecolgico na realidade se refere ao

    acidente com o pesquisador do meio ambiente, sendo mais adequado falarmos em desastres

    ambientais. Em dois artigos desta Poltica fica explcito sua dependncia ao Modelo de

    Desenvolvimento Sustentvel Hegemnico, prevalecendo o econmico sobre o ambiental:

    ART.2 - A Poltica Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservao, melhoria e recuperao da qualidade ambiental propcia vida, visando assegurar, no pas, condies ao desenvolvimento scio econmico, aos interesses da segurana nacional e proteo da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princpios: [...] ART.4 - A Poltica Nacional do Meio Ambiente visar: I - compatibilizao do desenvolvimento econmico-social com a preservao da qualidade do meio ambiente e do equilbrio ecolgico. (BRASIL. LEI 6.938, 1981, grifo nosso).

    Muitos pesquisadores advertem que enquanto tratarmos o meio ambiente como um

    subsistema de um sistema maior e principal que seria o sistema econmico, continuaremos em

    crise, conforme ressalta Diegues (1992) e Gonalves (2002). As manifestaes socioambientais

    esto tomando visibilidade internacional nos Fruns Sociais Mundiais, como o recm realizado em

    janeiro de 2005 na cidade de Porto Alegre Brasil. Diversas propostas de construo de um novo

    modelo de civilizao onde o scioambiental se sobrepe ao econmico esto sendo formuladas

    em todo o mundo Singer (2001) e Santos (2002b), todas com o ncleo comum de que a

    sustentabilidade deve ser do scioambiental e no do econmico, privilegiando a felicidade do

    ser em vez do ter. Ser possvel uma mudana de valores culturais to intensa de forma rpida?

    Apresenta-se a seguir algumas propostas para um processo gradual de transformao social.

    3 AS PROPOSTAS DE CONSTRUO DA SUSTENTABILIDADE SCIOAMBIENTAL

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    Para a maioria dos crticos do atual modelo civilizatrio hegemnico mundial, as bases

    de um novo modelo de civilizao devem ser o resgate das noes de coletividade, comunidade,

    fraternidade e liberdade, mas com igualdade. O dilema entre igualdade/coletivismo proposto pelo

    socialismo no sculo XX e a liberdade/individualismo proposto pelo capitalismo, permanece

    latente ainda hoje, pois o terceiro ideal da Revoluo Francesa do sculo XVIII que era o da

    Fraternidade, pouco conseguiu ser implementado pelos dois modelos.

    O debate sobre a tica das aes humanas vem sendo posto atualmente sobre

    questes de engenharia gentica, clonagem, transgnicos e tipos e nveis de produo e

    consumo. Estas inquietaes se devem em parte a forma como nossa civilizao concebe a

    natureza, baseada no antropocentrismo renascentista e nos fundamentos cartesianos da nossa

    cincia.

    A natureza deveria ser submetida, dominada, e, para isso, era necessrio que os deuses ali no mais habitassem, pois, caso contrrio, como dominar os deuses? Assim, o renascimento descobriu O Homem e dessacralizou a natureza, tornada assim objeto. Os mistrios da natureza deveriam ser revelados pela cincia, se necessrio sob tortura, como nos ensinara Francis Bacon. Todos os povos que mantinham uma relao divinizada com a natureza foram considerados primitivos, animistas e fetichistas que eram. [...] A natureza como outro-do-homem, como costumava dizer Adorno, a partir do renascimento, deve ser dominada e, assim, negada enquanto outro. (GONALVES, 2002, p. 65).

    A concepo clssica de Meio Ambiente como algo que nos envolve, ou seja, externo

    a ns e que devemos dispor como seres superiores deste planeta, posta em cheque ainda no

    sculo XIX por Engels (1991, p. 224), E assim, somos a cada passo advertidos de que no

    podemos dominar a natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, como algum

    situado fora da natureza. Enquanto o modelo ideolgico do Desenvolvimento Sustentvel

    permanece apoiado no Paradigma Clssico Atropocntrico-Cartesiano, de separao homem-

    natureza e dominao da ltima pelo primeiro, o novo modelo de gesto ambiental participativa

    centrado na Sustentabilidade Scioambiental se baseia no novo paradigma civilizatrio

    emergente2, aponta o re-envolvimento do ser humano com a natureza, a "valorizao do ser e no

    do ter e a efetiva implementao da fraternidade em conjunto com a liberdade e a igualdade.

    Uma proposta para o novo modelo de gesto ambiental baseado na Sustentabilidade

    Scioambiental se baseia no re-envolvimento das comunidades atravs da Economia Solidria

    (SINGER, 2001). Tal proposta tem o carter processual e o aspecto pertinente de enfatizar a

    solidariedade e o coletivismo comunitrio. A Economia Solidria proposta por Paul Singer (2001)

    se baseia no re-envolvimento cooperativista. Ele expe que:

    2 O paradigma emergente ainda se encontra em processo de construo, mas j apresenta alguns referenciais bsicos como a mudana da percepo antropocntrica-cartesiana pela biocntrica-holstica; a transversalidade de temas e interdisciplinaridade dos diversos saberes; e a revalorizao das diversidades ambientais e culturais atravs da globalizao contra-hegemnica e da auto-afirmao dos povos, apresentada pelo binmio emancipao-soberania da II Jornada Internacional de Polticas Pblicas da UFMA.

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    [...] o cooperativismo na verdade tem dois campos. Por um lado continua tendo as cooperativas autnticas que eu chamaria de socialistas, solidrias, igualitrias, democrticas, em que os scios so trabalhadores ou so consumidores [...] por outro, as que levam frente uma viso capitalista como as agrcolas em que voc tem grandes fazendeiros capitalistas explorando pequenos camponeses ou os grandes fazendeiros e os pequenos produtores associados na mesma cooperativa. (SINGER, 2001, p. 46).

    Ao apontar para dois modelos de cooperativismo, Singer nos mostra que o excesso de

    coletivismo pode gerar crises. Ele aponta a necessidade de valorizao do indivduo e mostra que

    as experincias de coletivizao mais radicais acabam gerando intensa frustrao nas pessoas.

    Para ele [...] a solidariedade tem que ter limites. [...] temos que achar formas de realmente

    conseguir chegar a um equilbrio, desculpem usar essa palavra, entre o egosmo e o altrusmo,

    entre a cooperao e a competio. (SINGER, 2001, p.51). Para ele este equilbrio seria sua

    proposta de Economia Solidria. Ela se apoiaria em algumas formas de organizaes sociais

    atuais emergentes:

    Hoje inmeros trabalhadores esto formando cooperativas nos assentamentos de reforma agrria, esto transformando empresas em vias de falir, ou que j faliram, em cooperativas ou empresas coletivas geridas pelos prprios trabalhadores, reabilitadas pelo esforo comum dos seus prprios trabalhadores e assim por diante. O que motiva esses trabalhadores todos, os seus sindicatos, e os que lhes do apoio lutar contra a pobreza, contra a excluso social, contra o desemprego. [...] essa semente que est sendo lanada muito mais do que uma forma de evitar a marginalizao, o desemprego e a pobreza. Ela um ensaio de uma economia oposta ao capitalismo. (SINGER, 2001, p.48, grifo do autor).

    Entretanto a Economia Solidria proposta por Singer (2001) pode ser minada por

    apropriao gradativa do grande capital empresarial. Como exemplo, temos as cooperativas de

    pequenos produtores de frangos do Paran e Santa Catarina, os quais fecharam contratos de

    produo e venda para grandes indstrias alimentcias, tirando sua emancipao no processo de

    produo e venda. O prprio Singer adverte para este tipo de situao: [...] o capitalismo tem uma

    enorme capacidade de se apropriar das coisas que so contraditrias a ele e aproveitar para

    dentro de si mesmo. Como, por exemplo, as prprias cooperativas. (SINGER, 2001, p.56).

    Outra proposta para a construo da Sustentabilidade Scioambiental passa pela

    ampliao dos estudos multidisciplinares e a modificao das relaes entre os saberes

    acadmicos e o chamado senso comum ou saberes tradicionais acumulados culturalmente. A

    revalorizao social dos saberes tradicionais e seu relacionamento com os saberes acadmicos

    poder re-envolver noes de solidariedade e construo coletiva entre as diversas

    compartimentaes do saber acadmico. Esta proposta est includa na percepo holstica do

    novo paradigma (GONALVES, 2002), portanto sua implementao gradual. Ela se processa

    por reformas nos currculos universitrios, que passem a contemplar saberes transversais e

    holsticos, e revalorizem os saberes culturais tradicionais acumulados. Observamos este processo

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    em algumas reas de conhecimento, sendo que talvez em algumas dcadas, poderemos perceber

    a gradativa mudana de valores e reconstruir a ligao homem-natureza perdida no

    Cartesianismo Cientfico Clssico.

    4 A TRANSIO ENTRE OS MODELOS AMBIENTAIS.

    Os modelos de gesto ambiental so baseados em conceitos e valores embutidos nos

    paradigmas culturais da sociedade. Com a crescente mobilizao popular e valorizao social

    sobre a manuteno e melhoria da qualidade ambiental, vm sendo ampliadas s pesquisas de

    tipos de atitude e vida mais saudveis ao ser humano. O paradigma antropocntrico iluminista

    vem sendo colocado em discusso. A retomada da democracia em muitos pases nas dcadas de

    1980 e 1990 criou o ambiente propcio construo de novos conceitos e valores sociais, os

    quais questionam o paradigma antropocntrico e prope novas diretrizes para a vida no planeta.

    A transio entre os modelos passa pelo processo de construo social de novos

    valores ambientais. Para isso um pressuposto a ampliao da participao social nos debates

    sobre a construo dos conceitos e valores Socioambientais. Para isso Santos (2002) expe que

    a democracia deve ser no s representativa, mas tambm participativa. Deve-se incentivar o

    cooperativismo puro ou coletivista-fraterno. Ampliar o valor da tolerncia multirracial. Revalorizar a

    biodiversidade e a diversidade de conhecimentos tradicionais. E por fim construir o

    internacionalismo operrio.

    [...] s haver emancipao social na medida em que houver resistncia a todas as formas de poder. A hegemonia feita de todas elas e s pode ser combatida se todas forem simultaneamente combatidas. Uma estratgia demasiadamente centrada na luta contra uma forma de poder, mas negligenciando todas as outras, pode, por mais nobres que sejam as intenes dos ativistas, contribuir para aprofundar em vez de atenuar o fardo global da opresso que os grupos sociais subalternos carregam no seu quotidiano. (SANTOS, 2002, p. 27).

    A construo do novo modelo ambiental brasileiro passar pela formulao de uma

    nova Poltica Ambiental Nacional, construda participativamente pela sociedade e baseada nos

    valores ambientais emergentes do novo Paradigma Civilizatrio Biocentrista Holstico, valorizador

    da biodiversidade ambiental e cultural, e do resgate da noo de totalidade entre os seres

    humanos e o meio ambiente. Este novo modelo dever ampliar a emancipao e a soberania

    nacional na gesto do meio ambiente de forma gradual, participativa e cidad.

    5 CONSIDERAES FINAIS.

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    A emancipao do povo brasileiro e a Soberania Nacional sobre a Gesto Ambiental

    do nosso pas fazem parte de um processo. As transformaes e mudanas na nossa Poltica

    Nacional de Meio Ambiente fazem parte deste constante processo auto-educativo da populao e

    sua respectiva construo de valores sociais. Segundo Freire (1975):

    [...] educar e educar-se, na prtica da liberdade, tarefa daqueles que sabem que pouco sabem - por isso sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais em dilogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais. (FREIRE, 1975, p. 25).

    Longe de concluir o assunto, apenas levantamos algumas questes e contribumos

    para o salutar debate da Poltica Ambiental Nacional, relativo dependncia e soberania nacional

    sobre nossa Poltica Ambiental. A caminhada longa, mas comea pelo primeiro passo.

    REFERNCIAS

    BRASIL. Lei 6.938/81. Poltica Nacional do Meio Ambiente. Braslia: Congresso Nacional, 1981. DIEGUES, Antnio Carlos. Desenvolvimento sustentvel ou sociedades sustentveis: da Crtica dos Modelos aos Novos Paradigmas. So Paulo em Perspectiva, So Paulo, v.6, n. 1-2, 1992. ENGELS, Friedrich. A Dialtica da Natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. FREIRE, Paulo. Extenso ou comunicao? 2. ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1975. GONALVES, Carlos Walter Porto. Natureza e sociedade: elementos para uma tica da sustentabilidade. In: QUINTAS, Jos Silva. (Org.) Pensando e praticando a educao ambiental na gesto do meio ambiente. Braslia: Edies IBAMA, 2002. KLIKSBERG, Bernardo. Como reformar o Estado para enfrentar os desafios sociais dos anos 2000? In: UNESCO Instituto de Poltica. Um novo caminho para o Brasil no sculo XXI. Braslia: UNESCO, Instituto de Poltica, 2002. SANTOS, Boaventura de Sousa. Introduo geral coleo. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.) Democratizar a Democracia: Os caminhos da Democracia Participativa. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002. (Coleo: Reinventar a emancipao social: para novos manifestos). __________. Os processos da globalizao. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.) A Globalizao e as Cincias Sociais. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2002b. SINGER, Paul. Economia Solidria: possibilidades e desafios. Rio de Janeiro: Proposta n. 88/89, mar. /ago. 2001.