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72 ���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 3, p. 72-80, Julho / Agosto / Setembro 2016 Qualidade de vida e desvantagem vocal em cirurgias de cabeça-pescoço Rafaela Della Giacoma Prado Toscano 1 Renata Azevedo 2 Fernando Danelon Leonhardt 3 Marina Padovani 4 Brasilia Maria Chiari 5 1) Especialista em Distúrbios da Comunicação Humana. Fonoaudióloga. 2) Doutora em Ciências. Fonoaudióloga Professora Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da UNIFESP. 3) Doutor em Medicina. Otorrinolaringologia. Otorrinolaringologista e Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Pesquisador assistente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP. 4) Doutora em Ciências. Fonoaudióloga Pesquisadora colaboradora da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP. 5) Professora Titular e Livre Docente. Fonoaudióloga Professora Titular, Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da EPM-UNIFESP. Instituição: Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP: Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Departamento de Fonoaudiologia da EPM-UNIFESP. São Paulo - SP - Brasil. Correspondência: Rafaela Della Giacoma Prado Toscano - Rua Joaquim Marcelino Leite, 15 - (Cond 2 Casa 78) - Jardim Interlagos - CEP: 13186-642 - Hortolândia / SP - Brasil - Telefone: (+55 19) 97413-0290. Artigo recebido em 02/06/2016; aceito para publicação em 24/01/2017; publicado online em 15/02/2017. Conflito de interesse: não há. Financiamentos: CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), bolsa de estudo concedida ao início deste estudo. CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), bolsa concedida no segundo semestre de execução do estudo. FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), bolsa concedida no terceiro semestre de execução deste estudo. Artigo Original Quality of life and voice handicap index in head-neck surgery RESUMO Introdução: As cirurgias de cabeça e pescoço podem resultar em alterações funcionais e de qualidade de vida. Objetivo: verificar o impacto autopercebido na qualidade de vida, capacidade funcional e desvantagem vocal de pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral e laringe submetidos à tratamento cirúrgico, nos períodos pré-operatório, 30° e 90° pós-operatório. Método: Foram avaliados 18 pacientes. A qualidade de vida foi avaliada por EORCT QLQ-C30, EORTC QLQ-H&N35 e PSS e a desvantagem vocal por IDV-10, todos aplicados nos três períodos de forma distinta e consecutiva. Resultados: No 30º pós-operatório foram encontradas alterações nos domínios: alimentação em público, inteligibilidade de fala, normalidade da dieta, capacidade física, dificuldades de sentido, dificuldades de fala e uso de sonda nasoenteral. No 90º Pós-operatório, a piora do grau de conforto para ser compreendido, tipo de alimento, declínio da capacidade física, dificuldades de sentido e uso de sonda nasoenteral (uso estendido) se mantiveram, além da presença de maior desvantagem vocal, declínio da capacidade de interação social e dificuldades para ganho de peso. Conclusões: Pacientes com neoplasias de cavidade oral e laringe apresentam alterações significantes da qualidade de vida, capacidade funcional e desvantagem vocal nos primeiros 90° pós-operatório. Descritores: Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Qualidade de Vida; Voz. ABSTRACT Introduction: Head and neck surgerys can results in funcional and quality of life changes. Objective: to verify self-reported impact on quality of life, performance status and voice handicap index of patients with oral cavity and larynx squamous cell carcinoma submitted to surgey in preoperative, 1 and 3 months of follow- up. Method: we evaluated quality of life in 18 patients using the EORCT QLQ-C30, EORTC QLQ-H&N35 e PSS questionnaires and the Voice Handicap Index by IDV-10 questionnaire, applied separately and consecutively in all periods. Results: 30º post-operative revelead decreases for “eating in public”, “understandability of speech”, “normalcy of diet”, decreases of “physical functioning”, “senses problems”, “speech problems”, and “feeding tube” domains. In 3 months post-operative, decreases to “understandability of speech”, “normalcy of diet”, “physical functioning”, “senses problems”, “feeding tube” (extended use) was remained, and in addiction, higher “voice handicap”, “trouble with social contact’ and disability to “weight gain”. Conclusion: Pacientes with oral cavity and larynx squamous cells carcinoma self-reported significant results of quality of life, performance status and voice handicap in the first 3 months of follow-up. Key words: Head and Neck Neoplasms; Quality of Life; Voice. INTRODUÇÃO As neoplasias de cabeça e pescoço constituem cerca de 6% dos tumores malignos primários 1 . Apresentam altas taxas mundiais de mortalidade (20/100 mil habitantes) com maior acometimento da região laríngea, seguido do acometimento de cavidade oral, orofaringe, hipofaringe, glândulas salivares e nasofaringe. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer, a incidência mais recente de neoplasias de cabeça e pescoço revela cerca de 14.000 casos novos para o ano de 2010.

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72 ���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 3, p. 72-80, Julho / Agosto / Setembro 2016

Qualidade de vida e desvantagem vocal em cirurgias de cabeça-pescoço

Rafaela Della Giacoma Prado Toscano 1 Renata Azevedo 2

Fernando Danelon Leonhardt 3 Marina Padovani 4

Brasilia Maria Chiari 5

1) Especialista em Distúrbios da Comunicação Humana. Fonoaudióloga.2) Doutora em Ciências. Fonoaudióloga Professora Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da UNIFESP.3) Doutor em Medicina. Otorrinolaringologia. Otorrinolaringologista e Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Pesquisador assistente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e

Pescoço da UNIFESP.4) Doutora em Ciências. Fonoaudióloga Pesquisadora colaboradora da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP.5) Professora Titular e Livre Docente. Fonoaudióloga Professora Titular, Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da EPM-UNIFESP.

Instituição: Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP: Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Departamento de Fonoaudiologia da EPM-UNIFESP. São Paulo - SP - Brasil.

Correspondência: Rafaela Della Giacoma Prado Toscano - Rua Joaquim Marcelino Leite, 15 - (Cond 2 Casa 78) - Jardim Interlagos - CEP: 13186-642 - Hortolândia / SP - Brasil - Telefone: (+55 19) 97413-0290. Artigo recebido em 02/06/2016; aceito para publicação em 24/01/2017; publicado online em 15/02/2017.Conflito de interesse: não há. Financiamentos: CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), bolsa de estudo concedida ao início deste estudo. CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), bolsa concedida no segundo semestre de execução do estudo. FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), bolsa concedida no terceiro semestre de execução deste estudo.

Artigo Original

Quality of life and voice handicap index in head-neck surgery

Resumo

Introdução: As cirurgias de cabeça e pescoço podem resultar em alterações funcionais e de qualidade de vida. objetivo: verificar o impacto autopercebido na qualidade de vida, capacidade funcional e desvantagem vocal de pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral e laringe submetidos à tratamento cirúrgico, nos períodos pré-operatório, 30° e 90° pós-operatório. método: Foram avaliados 18 pacientes. A qualidade de vida foi avaliada por EORCT QLQ-C30, EORTC QLQ-H&N35 e PSS e a desvantagem vocal por IDV-10, todos aplicados nos três períodos de forma distinta e consecutiva. Resultados: No 30º pós-operatório foram encontradas alterações nos domínios: alimentação em público, inteligibilidade de fala, normalidade da dieta, capacidade física, dificuldades de sentido, dificuldades de fala e uso de sonda nasoenteral. No 90º Pós-operatório, a piora do grau de conforto para ser compreendido, tipo de alimento, declínio da capacidade física, dificuldades de sentido e uso de sonda nasoenteral (uso estendido) se mantiveram, além da presença de maior desvantagem vocal, declínio da capacidade de interação social e dificuldades para ganho de peso. Conclusões: Pacientes com neoplasias de cavidade oral e laringe apresentam alterações significantes da qualidade de vida, capacidade funcional e desvantagem vocal nos primeiros 90° pós-operatório.

Descritores: Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Qualidade de Vida; Voz.

AbstRACt

Introduction: Head and neck surgerys can results in funcional and quality of life changes. objective: to verify self-reported impact on quality of life, performance status and voice handicap index of patients with oral cavity and larynx squamous cell carcinoma submitted to surgey in preoperative, 1 and 3 months of follow-up. method: we evaluated quality of life in 18 patients using the EORCT QLQ-C30, EORTC QLQ-H&N35 e PSS questionnaires and the Voice Handicap Index by IDV-10 questionnaire, applied separately and consecutively in all periods. Results: 30º post-operative revelead decreases for “eating in public”, “understandability of speech”, “normalcy of diet”, decreases of “physical functioning”, “senses problems”, “speech problems”, and “feeding tube” domains. In 3 months post-operative, decreases to “understandability of speech”, “normalcy of diet”, “physical functioning”, “senses problems”, “feeding tube” (extended use) was remained, and in addiction, higher “voice handicap”, “trouble with social contact’ and disability to “weight gain”. Conclusion: Pacientes with oral cavity and larynx squamous cells carcinoma self-reported significant results of quality of life, performance status and voice handicap in the first 3 months of follow-up.

Key words: Head and Neck Neoplasms; Quality of Life; Voice.

Código 779

INtRoDuÇÃo

As neoplasias de cabeça e pescoço constituem cerca de 6% dos tumores malignos primários1. Apresentam altas taxas mundiais de mortalidade (20/100 mil habitantes) com maior acometimento da

região laríngea, seguido do acometimento de cavidade oral, orofaringe, hipofaringe, glândulas salivares e nasofaringe. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer, a incidência mais recente de neoplasias de cabeça e pescoço revela cerca de 14.000 casos novos para o ano de 2010.

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Qualidade de vida e desvantagem vocal em cirurgias de cabeça-pescoço. Toscano et al.

Cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia primárias ou adjuvantes podem resultar em alterações funcionais e estéticas2-3, bem como, alterações na fala4, voz5, deglutição3,6 e desfigurações faciais. Tais alterações tendem a expor a desvantagem de forma aparente e podem ainda afetar as relações sociais e oportunidades de trabalho, decorrentes de um prejuízo na autoestima e na relação entre o paciente e seus familiares2.

A depender do grau de severidade, as neoplasias de cabeça e pescoço, podem ainda interferir na inteligibilidade de fala e, portanto, influenciar na efetividade da comunicação, reduzir a segurança e o prazer de se alimentar e consequentemente trazer impactos diversos na qualidade de vida destes indivíduos7-9.

A qualidade de vida relacionada à saúde e à capacidade funcional constituem importantes recursos passíveis de avaliação para definição do melhor tratamento na população em estudo, uma vez que, a avaliação realizada anteriormente à intervenção fornece subsídios para interpretação correta na conduta do tratamento10.

Atualmente, é possível verificar um aumento do interesse que clínicos e pesquisadores têm demonstrado em estudar as possíveis alterações na qualidade de vida, com avaliação realizada por meio de questionários que abordam os aspectos funcionais, físicos e emocionais3,6,7,9,11,12. Sendo assim, uma maior incidência de neoplasias associada à reduzida taxa de cura provoca a necessidade de múltiplos esforços da equipe multidisciplinar, a fim de compreender a necessidade de inclusão de instrumentos que mensurem a qualidade de vida dos pacientes portadores de neoplasias de cabeça e pescoço2,13.

O protocolo European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionaire-Core 30 (EORTC QLQ-C30), desenvolvido e validado por um grupo internacional que estuda qualidade de vida em neoplasias - a European Organization for Research and Treatment for Cancer- avalia a qualidade de vida global de pacientes portadores de neoplasias em geral, através de domínios globais14.

O protocolo módulo-específico EORTC QLQ-H&N35 (European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionaire – Head and Neck35), avalia a qualidade de vida nos diferentes estadiamentos e modalidades de tratamento. Ambos devem ser aplicados conjuntamente15-16. O EORTC QLQ-H&N35 é considerado uma valiosa ferramenta para verificar estudos clínicos aplicados antes, durante e após o tratamento cirúrgico, radioterapia e quimioterapia. Ambos os protocolos devem ser aplicados em conjunto e podem ser considerados instrumento padrão para avaliar pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço, considerando questões específicas como localização anatômica da doença, variações ao longo do tempo, sequelas e tratamento15-16.

A Performance Status Scale for Head and Neck Cancer Patients (PSS) foi criada com objetivo de avaliar as funções de “alimentação em público”, “inteligibilidade

de fala” e “normalidade da dieta” vivenciadas nesta população. Validada, prática e simples, projetada para ter fácil aceite entre pacientes e profissionais da saúde, não requer treinamento específico e pode ser aplicada em vasto grupo de afecções de cabeça e pescoço, com grande aplicação clínica e em pesquisas17.

O protocolo Voice Handicap Index-10 (VHI-10)18 é um instrumento específico, com versão validada para o português brasileiro - “Índice de Desvantagem Vocal-10”19 e tem como objetivo avaliar as desvantagens provocadas na vida do indivíduo acometido de disfonias vocais, baseado em sua própria perspectiva. É uma versão reduzida do protocolo original Voice Handicap Index (VIH-30).

Questionários específicos quando comparados com outros protocolos classificados como doença-específicos para neoplasias de cabeça e pescoço, avaliam o impacto que as alterações de voz e deglutição refletem na qualidade de vida nessa população. No entanto, é escassa a literatura com publicações a partir do uso de instrumentos específicos para avaliação da desvantagem vocal, principalmente em câncer de orofaringe20, bem como em pacientes laringectomizados totais4.

É de extrema importância a aplicação de questionários de avaliação da qualidade de vida geral e específicos, de forma periódica, ao longo de toda a fase de tratamento de pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço9. Tais instrumentos podem ser uma importante ferramenta de triagem para diversos sintomas como depressão, alcoolismo e risco de incapacidade para o trabalho, no direcionamento de medidas mais abrangentes para um suporte clínico e social21.

Estudos variados revelaram diferentes aspectos que afetam a qualidade de vida desta população e sugerem piora durante os primeiros seis meses pós-tratamento, percebida por esses pacientes. Revelam aumento dos escores para a qualidade de vida de forma evidente, no primeiro ano pós-tratamento. No entanto, os valores não se assemelham àqueles referidos inicialmente7,12,13,22,23.

Acredita-se que a aplicação de protocolos que avaliam aspectos como qualidade de vida, capacidade funcional e desvantagem vocal como EORTC QLQ C30, EORTC QLQ-H&N35, PSS e IDV-10 em pacientes com neoplasias de cavidade oral e laringe, no período pré-cirúrgico e pós-cirurgico imediato, pode auxiliar no aprimoramento da conduta clínica médica e fonoaudiológica.

Desta forma, o objetivo do presente estudo foi verificar o impacto autopercebido na qualidade de vida, capacidade funcional e desvantagem vocal de pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral e laringe submetidos à tratamento cirúrgico, nos períodos pré-operatório, 30 dias e 90 dias pós-operatório.

mÉtoDo

Estudo em caráter de coorte transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade. Participaram da pesquisa 18 pacientes do Ambulatório

de Cirurgia de Cabeça e Pescoço de um hospital público terciário. Apresentaram idade média de idade 52,5 anos (34-69). Os critérios de inclusão foram: hipótese diagnóstica de carcinoma epidermóide de cavidade oral ou laringe em fase pré-operatória de tratamento, e independente de indicação ou não de radioterapia e quimioterapia adjuvantes. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos pacientes acompanhados já em período de tratamento pós-operatório, tratamento com radioterapia e/ou quimioterapia exclusivo, sem intervenção cirúrgica, diagnóstico de neoplasias de outros sítios de lesão, presença de história pregressa de alterações neurológicas, disfagia grave ou ainda dificuldades de compreensão dos procedimentos.

Dos 49 pacientes avaliados, foram excluídos 31 pacientes por deixarem de atender a todos os critérios de inclusão em algum período da avaliação ou por falecimento.

Os materiais utilizados para avaliar a qualidade de vida autopercebida foram: dois protocolos da European Organization for Research and Treatment of Cancer - Protocolo de qualidade de vida geral em neoplasias (EORTC QLQ-C30) e seu módulo específico (EORTC QLQ-H&N35) e o questionário Performance Status Scale (PSS).

O protocolo EORTC QLQ-C30 (versão 3.0) é um questionário que avalia a qualidade de vida global em pacientes portadores de neoplasias, em geral. Composto por 30 questões, divididas em 7 escalas. Os itens avaliam sintomas adicionais comumente relatados por pacientes com neoplasias. A avaliação é baseada numa escala de 0 a 100 pontos, na qual quanto menor o escore pior o estado de saúde e quanto maior o escore maior é a qualidade de vida global, exceto as escalas de sintomas, nas quais quanto maior o escore, maiores os sintomas e pior a qualidade de vida16.

O EORTC QLQ- H&N35 é um questionário módulo-específico que deve ser aplicado conjuntamente com o EORTC QLQ-30, possibilitando assim avaliar tanto domínios gerais quanto os mais específicos. Avalia a qualidade de vida em pacientes portadores de neoplasias de cabeça e pescoço nos diferentes estadiamentos e modalidades de tratamentos como procedimentos cirúrgicos, tratamentos complementares como radioterapia e quimioterapia entre outros. É composto por 35 questões e apresenta sete domínios a serem avaliados. Apresenta 30 questões com 4 opções de resposta (“não”, “um pouco”, “bastante” e “muito”) de 4 pontos e 5 questões com respostas “sim” ou “não”. A avaliação é baseada numa escala de 0 a 100 pontos, sendo inversamente proporcional, quanto maior o escore, pior a intensidade do problema no domínio avaliado.15,16, 22.

O PSS é um questionário dividido em três sub-escalas discretas que descrevem a performance dos pacientes em três domínios separados por função: domínio da “alimentação em público”, domínio da “inteligibilidade

de fala” e domínio da “normalidade da dieta”. Em cada sub-escala, uma lista apropriada de itens é organizada hierarquicamente, com a função normal em um extremo e a incapacidade total em outro. Os pacientes recebem três escores, um para cada sub-escala, determinados através de uma entrevista não-estruturada ou através da autoavaliação do paciente alfabetizado17.

Com intuito de avaliar a desvantagem vocal sofrida por estes pacientes, o protocolo IDV-10 foi utilizado. Este protocolo é uma versão reduzida do protocolo original IDV-30, composto pelas 10 questões mais representativas do original.

O protocolo original (IDV-30) é um instrumento que avalia o índice de desvantagem vocal e apresenta 30 questões subdivididas em três domínios: “emocional” (E), “funcional” (F) e “orgânico” (O). Os escores são calculados por meio de somatória simples e podem variar de 0 a 120, sendo que quanto maior o valor, maior a desvantagem vocal. As afirmações são respondidas em uma escala de 4 pontos, sendo que 0 se refere a resposta “nunca” e 4 “sempre”. Cada domínio apresenta como pontuação de 0 a 40, sendo o último indicativo de maior desvantagem vocal. Neste estudo o protocolo IDV-10 foi selecionado por ser encontrado na literatura como instrumento alternativo, que contempla necessidades como tempo reduzido para aplicação de questionário de autoavaliação vocal em atendimentos ou triagens19.

A aplicação dos protocolos foi organizada em três etapas distintas e consecutivas: • 1ª etapa: avaliação em fase pré-operatória (Pré-

Operatório)• 2ª etapa: avaliação em fase 30 dias pós-operatório (30

dias pós-operatório)• 3ª etapa: avaliação em fase 90 dias pós-operatório (90

dias pós-operatório).A primeira etapa (Pré-Operatório) consistiu na

aplicação dos protocolos na data da primeira consulta do paciente ao ambulatório em fase pré-operatória, consulta em que são realizados exames e agendamento do procedimento cirúrgico ao qual o paciente será submetido. O retorno do paciente ao ambulatório para acompanhamento após um e três meses da cirurgia realizada (período pós-operatório) caracterizam a segunda e terceira etapa (30 dias pós-operatório e 90 dias pós-operatório).

Os três momentos de avaliação apresentaram a mesma estrutura de aplicação dos procedimentos. Ao início da avaliação, foram obtidas informações sócio-demográficas e de identificação dos pacientes, por meio de entrevista semi-dirigida. As informações clínicas foram também coletadas a partir de informações descritas nos prontuários dos pacientes. Todos os dados obtidos foram inseridos na ficha de dados de identificação do paciente.

Realizada análise descritiva dos dados por meio da distribuição de frequências absoluta e relativa, média, desvio padrão, mediana e valores mínimo e máximo.

A comparação das médias dos escores segundo as variáveis de interesse foi feita pelo teste de Mann-

Qualidade de vida e desvantagem vocal em cirurgias de cabeça-pescoço. Toscano et al.

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Whitney. Foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman entre a idade e os escores. Na análise dos escores ao longo do tempo foi feita a comparação das médias dos escores entre os momentos pré-tratamento e 30 dias e entre o pré-tratamento e 90 dias pós-tratamento utilizando o teste de Wilcoxon.

Em todas as análises considerou-se significativo quando p<0,050.

ResuLtADos

Os seguintes dados foram predominantes na amostra deste estudo: predomínio do sexo masculino e de faixa etária acima de 40 anos, com idade média de 52,5 anos. A amostra foi constituída em sua maioria pela presença de hábitos para tabagismo e etilismo. O sítio de localização do tumor foi a cavidade oral em 11 pacientes (61,6%) e a laringe em 7 (38,9%). O estágio avançado do tumor na fase do diagnóstico foi prevalente em 16 (88,9%) pacientes. O esvaziamento cervical foi realizado em 9 (50,0%) pacientes, submetidos ao procedimento em segundo tempo (de uma a três semanas após a ressecção do tumor primário). A radioterapia e quimioterapia, aplicada 90 dias do pós-operatório, foi selecionada como tratamento adjuvante para 10 (55,6%) pacientes. Da amostra, 13 (72,2%) pacientes necessitaram de uso de sonda nasoenteral. A Tabela 1 resume a população do estudo.

A Figura 1 demonstra os resultados do protocolo EORTC QLQ-C30. É possível observar que para o domínio “capacidade física” (CFi), houve declínio significativo do escore pré-operatório em relação aos 30 dias e 90 dias pós-operatório (p<0,031 e p<0,021, respectivamente). Em comparação ao período pré-operatório, o escore do domínio “capacidade emocional” (CE) apresentou diferença estatística de 30 dias pós-operatório (p<0,031), com volta aos valores do período pré-operatório (p>0,315). Para o domínio “capacidade social” (CS) quando comparado o pré-operatório com o escore 30 dias pós-operatório, não houve diferença estatística (p>0,677), contudo com significante declínio no seguimento de 90 dias pós-operatório (p>0,048). Não houve diferenças estatisticamente significantes na comparação entre pré-operatório e 30 dias pós-operatório e entre pré-operatório e 90 dias pós-operatório respectivamente, para os domínios “escala de saúde global” (ESG) (p>0,732 e p>0,193); “capacidade funcional” (CF) (p>0,328 e p>0,959); “capacidade cognitiva” (CC) (p>0,282 e p>0,619); “fadiga” (F) (p>0,157 e p>0,421); “náusea e vômito” (NV) (p>0,748 e p>0,196); “dor” (p>0,188 e p>0,374); “dispneia” (DIS) (p>0,524 e p>0,336); “insônia” (INS) (p>0,719 e p>0,445); “falta de apetite” (FA) (p>791 e p>0,435); “constipação” (CONS) (p>0,832 e p>722); “diarreia” (DI) (p>0,655 e p>1,000) e “dificuldades financeiras” (DF) (p>0,176 e p>0,526).

A Figura 2 demonstra os resultados do protocolo EORTC QLQ-H&N35, e observa-se que o domínio “dor” apresentou melhora significativa em comparação entre o

tabela 1. População do estudoCasuística (n=18) Variável média (variação) ou n°. (%)Gênero Masculino 13 (72,2%) Feminino 5 (27,8%)Idade ‹40a 2 (11,1%) ›40a 16 (88,9%) Média 52,5 (34 a 69)escolaridade Ensino Fundamental 15 (83,3%) Ensino Médio 2 (11,1%) Ensino Superior 1 (5,6%)tabagismo Tabagista 15 (83,3%) Não tabagista 3 (16,7%)etilismo Etilista 14 (77,8%) Não etilista 4 (22,2%)sitio Cavidade Oral 11 (61,6%) Laringe 7 (38,4%)estadio Inicial 2 (11,1%) Avançado 16 (88,9%)Radioterapia prévia Sim 1 (5,6%) Não 17 (94,4%)Quimioterapia prévia Sim 1 (5,6%) Não 17 (94,4%)esvaziamento cervical Unilateral 9 (50,0%) Bilateral 9 (50,0%)Radioterapia adjuvante 90° Pós-operatório Sim 10 (55,6%) Não 8 (44,4%)Quimioterapia adjuvante 90° Pós-operatório Sim 10 (55,6%) Não 8 (44,4%)sonda Nasoenteral Sim 13 (72,2%) Não 5 (27,8%)

Figura 1. Legenda: Abreviação: ESG = escore saúde global; CFi = capacidade física; CF = capacidade funcional; CE = capacidade emocional; CC = capacidade cognitiva; CS = contato social; F = fadiga; NV = náusea e vômito; DIS = dispneia; INS = insônia; FA = falta de apetite; CONS = constipação; DI = diarreia; DF = dificuldades financeiras.

Qualidade de vida e desvantagem vocal em cirurgias de cabeça-pescoço. Toscano et al.

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pré-operatório com 30 dias e com 90 dias pós-operatório (p<0,006 e p<0,056, respectivamente). O escore do domínio “dificuldades sensitivas” (DS) apresentou piora significante na comparação entre o período pré-operatório com 30 e com 90 dias pós-operatório (p<0,050 e p<0,056, respectivamente). Em comparação ao período pré-operatório, o escore do domínio “dificuldade de fala” (DF) apresentou piora estatística em 30 dias pós-operatório (p<0,050), com retorno aos valores pré-operatório (p>0,265). O tratamento ofereceu melhora significativa para o domínio “sentir-se doente” (SD) na comparação entre pré-operatório e 30 dias pós-operatório (p<0,027), voltando aos valores iniciais ao pré-operatório (p>0,320). O tratamento não provocou alterações no escore para o domínio “uso de medicação” (MED) em 30 dias pós-operatório, contudo apresentou melhora significante na comparação entre pré-operatório e 90 dias pós-operatório (p<0,059). Para o domínio “uso de sonda nasoenteral” (SNE), houve um declínio significativo nos escores de comparação entre o período pré-operatório com 30 e com 90 dias pós-operatório (p<0,001 e p<0,021, respectivamente). O tratamento não provocou alterações nos escores do domínio “ganho de peso” (GP), em comparação ao pré-operatório e 30 dias pós-operatório, contudo apresentou alterações significantes na comparação entre pré-operatório e 90 dias pós-operatório (p>0,096 e p<0,034, respectivamente). Não houve diferenças estatisticamente significantes nos três períodos avaliados nos domínios “deglutição” (DEG) (p>1,000 p>0,593), “dificuldade de alimentação socialmente” (DAS) (p>0,568 e p>0,434); “dificuldade de contato social” (DCS) (p>0,593 e p>0,551); “interesse sexual reduzido” (SEX ¯) (p>0,937 e p>0,766); “dentição” (DE) (p>0,089 e p>0,242); “abertura de boca” (AB) (p>0,440 e p>0,666); “boca seca” (BS) (p>0,667 e p>0,905); “saliva pegajosa” (SP) (p>1,000 e p>0,504); “tosse” (TO) (p>0,121 e p>0,524); “suplemento nutricional” (SN) (p>0,102 e p>0,739) e “perda de peso” (PP) (p>0,527 e p>0,096).Os protocolos EORTC QLQ-C30 e EORTC

QLQ-H&N35 revelaram maior variabilidade, sugerindo uma habilidade de discriminar os efeitos do diagnóstico de neoplasias e seu impacto na qualidade de vida nos escores iniciais.

A Figura 3 resume os resultados do protocolo PSS. A piora da capacidade funcional foi significativa na comparação entre os períodos pré-operatório e 30 dias pós-operatório nos três domínios: “alimentação em público” (p<0,057), “normalidade da dieta” (p<0,006) e “inteligibilidade de fala” (p<0,002). Na comparação entre os períodos pré-operatório e 90 dias pós-operatório, houve piora significativa da capacidade funcional apenas para os domínios “normalidade da dieta” (p<0,038) e “inteligibilidade de fala” (p<0,003). Para o domínio “alimentação em público”, o tratamento retornou aos valores iniciais (p>0,499). O PSS demonstrou que a população estudada apresentava uma melhor percepção da capacidade funcional nos três domínios alimentação, dieta e fala no período pré-operatório.

A Figura 4 resume os resultados do questionário IDV-10 e revela que o tratamento não resultou em alterações significantes em 30 dias de seguimento comparado com o escore pré-operatório (p>0,100). Contudo, houve significante piora do índice de desvantagem vocal no período de 90 dias pós-operatório, quando em

Figura 2. Legenda: Abreviação: DEG = deglutição; DS = dificuldades sensoriais; DF = dificuldade de fala; DAS = dificuldade de alimentação socialmente; DCS = dificuldade de contato social; SEX ↓ = interesse sexual reduzido; DE = dentição; AB = abertura de boca; BS = boca seca; SP = saliva pegajosa; TO = tosse; SD = sentir-se doente; MED = medicação para dor; SN = suplemento nutricional; SNE = sonda nasoenteral; PP = perda de peso; GP = ganho de peso.

Figura 3.

Figura 4.

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comparação com o escore pré-operatório (p<0,037). O IDV-10 demonstrou que houve piora significativa do índice de desvantagem vocal na comparação entre o pré-operatório e 90 dias pós-operatório.

DIsCussÃo

As alterações de fala, voz, deglutição, respiração, alimentação e o impacto psicológico decorrente da incapacidade funcional, associados à própria doença e aos efeitos adversos do tratamento, impactam de forma significante a qualidade de vida de pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço24. O conhecimento sobre o impacto destas alterações funcionais na qualidade de vida relacionadas à voz e à deglutição faz-se necessário para auxiliar a equipe médica e a de reabilitação no direcionamento do tratamento com “enfoque no paciente”20. Ressaltando ainda que, tais alterações podem ocorrer tardiamente ao longo do processo de tratamento, torna-se importante avaliar a qualidade de vida e a função de maneira prospectiva e longitudinal.

Este estudo apresenta uma casuística heterogênea e reduzida, portanto, tais aspectos não permitiram uma análise multivariada dos resultados obtidos. Não há amostragem suficiente para comparação entre algumas variáveis. Tem-se, portanto, uma análise descritiva da população em estudo, bem como análise da comparação entre os períodos pré-operatório x 30° pós-operatório e pré-operatório x 90° pós-operatório.

Os protocolos EORTC QLQ-C30, EORTC QLQ-H&N35 e PSS foram escolhidos para este estudo por serem comuns à área de pesquisa de qualidade de vida em neoplasias de cabeça e pescoço e o protocolo IDV-10 por ser comum à área de voz. Requerem aplicação rápida, simples e fácil, e com efetividade comprovada para o objetivo a que se propõe14,16-18,23. Os dados deste estudo representam a autoanálise que os indivíduos fizeram sobre a interferência que a capacidade funcional e o índice de desvantagem vocal pré e pós-tratamento cirúrgico provocaram em sua qualidade de vida, por meio dos protocolos citados.

A qualidade de vida global sofreu alterações significativas identificadas apenas na escala funcional do protocolo EORTC QLQ-C30 (Figura 1), para os domínios “físico”, “emocional” e “social”. O domínio “físico” apresentou piora crescente em ambos os períodos de comparação, pré-operatório x 30° e em 90° pós-operatório. O domínio “social” apresentou piora significante na avaliação de 90° pós-operatório quando comparado ao período pré-operatório. Já o domínio “emocional” foi o único que apresentou melhora significante para 30° pós-operatório, e retorno aos valores iniciais em 90°pós-operatório. Em estudo de pacientes com neoplasias de orofaringe em estágio avançado, avaliados após 1 ano de tratamento, verificou-se destaque para a melhora significativa para os sintomas de “dor” 11. Em outro estudo, pacientes com neoplasias de cabeça e

pescoço submetidos à radioterapia, revelaram elevados níveis de sinais e sintomas relacionados ao tratamento e a capacidade “emocional” foi influenciada de forma significante pelo tipo de procedimento cirúrgico16.

Os domínios avaliados pelo protocolo EORTC QLQ-H&N35 (Figura 2) que apresentaram piora crescente em ambos os momentos de seguimento, foram os domínios “dificuldades sensitivas” e “uso de sonda nasoenteral”. Para percepção de “dificuldade de fala”, o tratamento promoveu piora significativa em 30° pós-operatório, com retorno aos valores iniciais em 90°pós-operatório. Para o domínio “ganho de peso”, houve piora significativa em 90° pós-operatório. Em contrapartida, o tratamento ofereceu para o domínio “dor” uma melhora significativa em ambos os períodos de seguimento. Para o domínio “sentir-se doente” houve melhora significativa no 30°pós-operatório com retorno aos valores iniciais em 90° pós-operatório. Para o domínio “uso de medicação” o tratamento não promoveu alterações durante os 30° pós-operatório, mas apresentou melhora em 90° pós-operatório.

Tais resultados corroboram com alguns estudos encontrados na literatura. Pacientes com neoplasias de cavidade oral avaliados com EORTC QLQ-C30 e EORTC QLQ-H&N35, apresentaram elevados índices de escore para “dor” associados de forma significativa à melhor sobrevida9. A qualidade de vida avaliada em diferentes modalidades de tratamento de neoplasias de orofaringe (acompanhamento médio de 71 meses) apresentou problemas reduzidos e estatisticamente significantes para os domínios “deglutição”, “alimentação social”, “saliva pegajosa”, “boca seca” e “abertura de boca” para grupo tratado cirurgicamente. A pesquisa concluiu que a qualidade de vida pós-tratamento para neoplasias de orofaringe geralmente apresenta bons resultados7. Contudo em outra pesquisa, a qualidade de vida e voz de pacientes submetidos à laringectomia total com uso dos questionários EORTC QLQ-C30, EORTC QLQ-H&N35 e IDV-30, revelou resultados semelhantes e outros distintos para alguns domínios dos protocolos. O protocolo EORTC QLQ-C30 apresentou pontuações semelhantes à população normal, com exceção à reduzida escala de qualidade de vida global e o protocolo EORTC QLQ-H&N35 revelou alterações para os domínios “dificuldades de fala” e “dificuldades sensitivas”, que corroboraram com o presente estudo. Contudo, evidenciou ainda alterações distintas como “tosse”, “xerostomia” e “sexualidade”. Os autores observaram correlações significantes entre desvantagem vocal e os domínios de “qualidade de vida global”, “escalas funcionais”, “dispneia e náusea” e “dificuldades financeiras” (EORTC QLQ-C30) e entre “dificuldades de fala”, “contato social”, “dor”, “dificuldades sensoriais”, “sexualidade” e “dificuldade de alimentação social” (EORTC QLQ-H&N35). A aplicação conjunta destes protocolos captura a maioria das alterações decorrentes da cirurgia de laringectomia total, incluindo os problemas vocais25. As capacidades funcionais avaliadas no pré-

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operatório podem definir as capacidades funcionais resultantes no pós-operatório, e consequentemente, podem indicar melhor qualidade de vida. Os déficits funcionais podem persistir após 6 meses e após o tratamento cirúrgico. Estes déficits permanecem após o tratamento, e pacientes com melhores aspectos funcionais tendem a melhor qualidade de vida26.

Pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço podem apresentar variados déficits funcionais e na qualidade de vida3,20,26, como o surgimento de problemas na alimentação em decorrência do sítio da lesão, bem como os efeitos secundários ao tratamento como dificuldade de abertura de boca, mastigação, presença de dor, xerostomia dentre outros27. Estas alterações podem ainda influenciar quanto ao tipo do alimento a ser selecionado para consumo. Neste estudo, a população apresentou boa função para os domínios do protocolo PSS (“alimentação em público”, “normalidade da dieta” e “inteligibilidade de fala”) no período pré-operatório. Contudo, houve piora significativa da capacidade funcional para os 3 domínios avaliados, na comparação entre pré-operatório x 30° pós-operatório. No cruzamento pré-operatório x 90° pós-operatório, a piora da capacidade funcional ocorreu para os domínios “normalidade da dieta” e “inteligibilidade de fala”. Para o domínio “alimentação em público”, o tratamento retornou aos valores iniciais (Figura 3). Modalidades de tratamento quando combinadas, podem apresentar piores resultados ao longo do seguimento no período de 1 ano, período este de tendência à estabilidade dos escores28. Em um estudo, houve declínio significante para os 3 domínios do PSS no período de 6 meses de seguimento de pacientes com neoplasias de orofaringe e tratados cirurgicamente12.

Pacientes com neoplasias de orofaringe em estágio avançado e tratados cirurgicamente, apresentaram baixos índices para os domínios “alimentação em público” (54), “inteligibilidade de fala” (61) e “normalidade da dieta” (53) do protocolo PSS11. Pacientes com neoplasias de cavidade oral, orofaringe e laringe, foram divididos em dois grupos: laringectomizados e não-laringectomizados, para verificar a correlação entre teste de inteligibilidade de sentença de palavras com a qualidade de vida (UW-QOL, PSS, FACT, FACT-H&N). Os autores observaram correlação entre alterações de inteligibilidade das sentenças com os domínios de fala, mastigação e deglutição do questionário UW-QOL, e os domínios “inteligibilidade de fala”, “alimentação em público” e “normalidade da dieta” do questionário PSS, as análises apresentaram diferenças significativas8. Pacientes com neoplasias de cavidade oral, orofaringe e laringe, com alteração de inteligibilidade de fala apresentam impacto negativo significante na qualidade de vida e atitude de frustração em relação à inteligibilidade de fala3. Em outro estudo com resultados complementares, ao avaliar a capacidade funcional de pacientes pós-laringectomia total, foi possível observar melhoras em logo prazo dos domínios avaliados pelo PSS, principalmente do domínio

“normalidade da dieta” que atingiu maior pontuação após 6 meses de tratamento. Já para os domínios “alimentação em público” e “inteligibilidade de fala”, houve diferença significativa comparando pacientes com menos ou mais de 6 meses do pós-operatório. Resultados possíveis para indicar redução da confiança nas interações sociais e necessidade de maior familiaridade com a nova configuração anatômica nos primeiros 90° pós-operatório, com manutenção destes29.

Com relação ao IDV-10, na comparação do período pré-operatório x 30° pós-operatório, o tratamento não apresentou alterações significantes (Figura 4). A comparação pré-operatório x 90° pós-operatório revela uma piora significativa do índice de desvantagem vocal percebido por esta população. Desta forma, a partir de uma análise descritiva, observa-se uma piora crescente do índice de desvantagem vocal. Tais resultados corroboram com oestudo em que avaliaram o impacto cirúrgico na qualidade de vida de pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço. Aqueles com neoplasias maiores, maior ressecção em parte posterior da cavidade oral ou aqueles submetidos à radioterapia referiram piora da qualidade vocal no 3º mês de pós-operatório, com estabilidade das avaliações entre o período de 3 e 6 meses e tendência à melhora após 12 meses. Estes dados são sugestivos de um impacto negativo da voz na qualidade de vida nos primeiros 90° pós-operatório, devido à dificuldade de comunicação, lembrando que as neoplasias são uma doença debilitante do ponto de vista vocal, causa ansiedade e frustração, provavelmente em decorrência da oscilação na qualidade vocal ou pela incerteza da capacidade de comunicação, de acordo com a situação (laringectomia total)26.

Embora não tenha sido possível realizar análise entre grupos nesta população, a literatura discorre sobre trabalhos que revelam dados semelhantes em pacientes com neoplasias de cavidade oral e laringe. Em estudo realizado com a aplicação do protocolo IDV-30 em pacientes submetidos à laringectomia total, sugerem que o índice de desvantagem vocal em pacientes laringectomizados totais é moderado25. É possível destacar que pacientes com neoplasias de orofaringe submetidos a cirurgias amplas e combinadas a outras modalidades terapêuticas para o tratamento da neoplasia e linfonodos, apresentam maior impacto das alterações vocais sobre a qualidade de vida relacionada à voz20.

No presente estudo optou-se em acompanhar os pacientes no período pré-tratamento e durante os 90 dias pós-operatório, a fim de se verificar as possíveis alterações que impactam a qualidade de vida pré e pós-tratamento cirúrgico recente. Estudos demonstram piora da qualidade de vida durante os seis primeiros meses pós-tratamento, com aumento evidente dos escores em até um ano pós-tratamento, embora distintos dos escores iniciais7,10,12,13,30. Os resultados encontrados neste trabalho corroboram com a literatura, uma vez

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que, para todos os protocolos aplicados foi possível verificar piora de aspectos avaliados durante os 90° pós-operatório.

Em síntese, foi possível observar que nos primeiros 30° pós-operatório, os pacientes com neoplasias de cavidade oral e laringe referiram alterações da qualidade de vida quanto à piora do grau de conforto para comer em público (“alimentação em público”), para ser compreendido (“inteligibilidade de fala”), tipo de alimento (“normalidade da dieta”), declínio da “capacidade física”, “dificuldades de sentido” (olfato e paladar), “dificuldades de fala” e “uso de sonda nasoenteral”. No período 90 dias de pós-operatório, as alterações quanto à piora do grau de conforto para ser compreendido (“inteligibilidade de fala”), tipo de alimento (“normalidade da dieta”), “declínio da capacidade física”, “dificuldades de sentido” (olfato e paladar) e “uso de sonda nasoenteral” (uso estendido) se mantiveram, e em somatória, a presença de maior “desvantagem vocal”, “declínio da capacidade de interação social” e dificuldades para “ganho de peso”.

A amostra reduzida desse estudo limita a possibilidade de generalização das conclusões, contudo, os achados são semelhantes àqueles encontrados na literatura, sugerindo que estes resultados possam ser válidos. Tais achados nos permitem recomendar que novas investigações em uma população maior sejam realizadas para demonstrar a reprodutibilidade dos resultados e estabelecer quais aspectos fonoaudiológicos devem ser enfatizados nos primeiros 90 dias do pós-operatório.

A comparação do período pré-operatório com 30° pós-operatório e 90°pós-operatório evidenciou alterações significantes tanto para piora quanto melhora para alguns domínios avaliados. Estes resultados reforçam a necessidade de se conhecer quais as alterações específicas que pioram a qualidade de vida de pacientes com neoplasias de cavidade oral e laringe, submetidos a tratamento cirúrgico, nos primeiros 90 dias do pós-operatório. Tais achados revelam-se extremamente importantes para auxiliar a conduta da equipe médica e especificamente, nortear a atuação clínica fonoaudiológica fornecendo assim, subsídios para se verificar os aspectos fonoaudiológicos (funcionais e vocais) que devem ser enfatizados neste período, promovendo a qualidade de vida destes pacientes.

CoNCLusÕes

Pacientes com neoplasias de cavidade oral e laringe autopercebem alterações significantes da qualidade de vida, capacidade funcional e desvantagem vocal nos primeiros 90 dias do pós-operatório. Estes dados permitem nortear a atuação clínica médica e fonoaudiológica, sob o conhecimento dos aspectos que podem piorar a qualidade de vida e que devem ser enfatizados de forma precoce e preventiva, bem como criar mudanças de conduta e cuidado por parte da equipe multidisciplinar, visando à melhora da qualidade de vida destes pacientes.

ReFeRÊNCIAs

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