artigo novembro2010

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Mais umas achegas sobre a crise A ditadura e o domínio avassalador do capital financeiro mantêm-se em toda a linha e a ditar leis à esfera política e ao regime democrático, como se a brutalidade da crise económica, social e financeira, gerada pelos devaneios da Banca, ganância dos especuladores e apetite voraz dos grandes grupos económicos – que se guiam segundo os dogmas do neoliberalismo e o endeusamento dos mercados - não devesse servir de lição, e obrigasse à rotura de paradigma e modelo de desenvolvimento. Nada disto está a acontecer, para mal dos povos, massa trabalhadora, micros, pequenos e médios empresários, outros sectores e estratos sociais menos favorecidos de países periféricos como Portugal. Volta e meia, bombardeiam-nos com as notações das chamadas agências de rating e a reacção diária dos mercados financeiros cuja postura se assemelha a de um bando de mafiosos, para utilizarmos as palavras do insuspeito economista norte-americano, Paul Krugman (Nobel da Economia). A natureza especulativa e irracional dos mercados, não obstante a viabilização do Orçamento de Estado para 2011 (acompanhada de encenação mediática entre os partidos do centrão) que aloja duras medidas de austeridade assimétricas, porque dirigidas, sobretudo, aos estratos sociais de baixos e médios rendimentos, é tão voraz e insaciável que o actual aperto de cinto ainda não é suficiente, como também não pára de influenciar a subida permanente das taxas de juro dos financiamentos externos.

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Page 1: Artigo novembro2010

Mais umas achegas sobre a crise

A ditadura e o domínio avassalador do capital financeiro mantêm-se em toda a linha e a

ditar leis à esfera política e ao regime democrático, como se a brutalidade da crise

económica, social e financeira, gerada pelos devaneios da Banca, ganância dos

especuladores e apetite voraz dos grandes grupos económicos – que se guiam segundo

os dogmas do neoliberalismo e o endeusamento dos mercados - não devesse servir de

lição, e obrigasse à rotura de paradigma e modelo de desenvolvimento. Nada disto está a

acontecer, para mal dos povos, massa trabalhadora, micros, pequenos e médios

empresários, outros sectores e estratos sociais menos favorecidos de países periféricos

como Portugal. Volta e meia, bombardeiam-nos com as notações das chamadas

agências de rating e a reacção diária dos mercados financeiros cuja postura se assemelha

a de um bando de mafiosos, para utilizarmos as palavras do insuspeito economista

norte-americano, Paul Krugman (Nobel da Economia). A natureza especulativa e

irracional dos mercados, não obstante a viabilização do Orçamento de Estado para 2011

(acompanhada de encenação mediática entre os partidos do centrão) que aloja duras

medidas de austeridade assimétricas, porque dirigidas, sobretudo, aos estratos sociais de

baixos e médios rendimentos, é tão voraz e insaciável que o actual aperto de cinto ainda

não é suficiente, como também não pára de influenciar a subida permanente das taxas

de juro dos financiamentos externos.

A tragédia da realidade portuguesa e de outros países, está em que a linha dominante

dos governos europeus, quer sejam socialistas ou sociais-democratas (as designações

são mera semântica e na prática falamos do mesmo), ou dos génios da economia que

todos os dias nos entram em casa através das Televisões a defender idênticas posições

com ligeiras nuances (ai! o pluralismo democrático!), apontam invariavelmente para a

receita que conduziu à crise! Cegueira e masoquismo quanto baste!

A defesa insane de cortes salariais num país onde o salário mediano ronda os 700 euros,

reduções nas prestações sociais, desigualdades escandalosas nos sacrifícios infligidos,

desemprego de massas, captura pelo capital financeiro das partes ainda apetecíveis da

economia, liberalização do sistema financeiro … é a saída ortodoxa para a crise.

A defesa de cortes nos salários por parte de alguns senhores bem pensantes com

vencimentos e rendimentos ultramilionários que advogam cortes de 20/30 por cento

(!!!) sob o pretexto de assegurar a produtividade e a competitividade das empresas e

economia, é socialmente insustentável porque os salários já são baixos, e não é com

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base neste factor que se ganham quotas de mercado. Foi chão que já deu uvas. A aposta

micro terá que focalizar-se, fundamentalmente, na capacidade de organização e gestão

dos empresários, na mão-de-obra qualificada, na incorporação tecnológica, na

diferenciação do produto, na especialização, nos canais de distribuição, no marketing,

no design, na inovação, na qualidade, etc. E a aposta macro terá que residir no

incremento do aparelho produtivo, na agricultura, nas pescas e numa nova política

industrial. O problema central que enfrentamos, contrariamente ao que parece ser, não é

o défice orçamental. É o elevado e crescente endividamento do país, que em boa parte

se deve ao défice permanente da Balança Comercial Portuguesa. Importamos muito

mais do que exportamos porque assistimos a uma profunda desindustrialização e uma

quebra significativa da produção agrícola e das pescas. Não é com garrote nos

rendimentos de trabalhadores e famílias, e recessão económica que a todos atinge, que

se resolve o problema dos défices neste país à beira-mar plantado.

Francisco Martins

Jornal “Terra Ruiva”, n.º 116, Novembro de 2010