artigo mulheres e ref. agr. no brasil

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Mulheres na Reforma Agrria A experincia recente no BrasilOr ganizaoAdr iana L. LopesAndr ea But t oMulheres na Reforma Agrria A experincia recente no BrasilPrograma de Promoo da Igualdade de Gnero, Raa e Et niaO Programa de Promoo da Igualdade de Gnero, Raa e Et nia (Ppigre) do Minist rio do Desenvolviment o Agrrio (MDA) at ua no desenvolviment o de polt icas pblicas que buscam promover a incluso social e os direit os econmicos das t rabalhadoras rurais, das populaes indgenas e das comunidades quilombolas, por meio do apoio produo, acesso e garant ia de uso da t erra.Para t al, at ua de f orma int egrada s secret arias e aos rgos vinculados ao MDA, promovendo o et nodesenvolviment o das comunidades quilombolas.Est a iniciat iva visa melhorar as condies de vida e f ort alecer a organizao dessas comunidades por meio do acesso t erra, promovendo cidadania, valorizando experincias hist ricas e cult urais, bem como recursos ambient ais, respeit ando valores e aspiraes dest es grupos para pot encializar sua capacidade aut noma.Ncleo de Est udos Agrrios e Desenvolviment o Rural (Nead)O Nead/MDA um espao de re exo, divulgao e art iculao inst it ucional com diversos cent ros de pesquisa, universidades, organizaes no-governament ais, moviment os sociais e agncias de cooperao nacionais e int ernacionaisAs aes do Ncleo so orient adas pelo desa o de cont ribuir para ampliar e aperf eioar as polt icas pblicas de ref orma agrria, de f ort aleciment o da agricult ura f amiliar, de promoo da igualdade e do et nodesenvolviment o das comunidades rurais t radicionais, com dest aque para a at uao junt o s mulheres rurais, comunidades quilombolas e juvent ude rural.O Nead/MDA t ambm at ua na perspect iva de quali car o debat e sobre o meio rural e democrat izar o acesso s inf ormaes. Nesse sent ido, o Ncleo mant m uma memria dinmica por meio do Port al Nead ht t p://www.nead.org.br e de sua bibliot eca virt ual, do Bolet im Nead Not cias Agrriase das publicaes edit adas.Mulheres na Reforma Agrri a a experi nci a recent e no Brasi lMDABraslia / 2008Organizadoras:Adriana L. LopesAndrea ButtoM956mMulheres na reforma agrria a experincia recente no Brasil / organizadoras Adriana L. Lopes, Andrea Butto Zarzar. Braslia : MDA, 2008. 240 p. ; -- (Nead Debate ; 14).Vrios autores.ISBN 978-85-60548-29-3I. Lopes, Adriana L. II. Zarzar, Andra Butto. III. Srie. 1. Gnero. 2. Reforma agrria. 3. Poltica pblica.CDD 305.4734LUIZINCIOLULADASILVAPresidente da RepblicaGUILHERMECASSELMinistro de Estado do Desenvolvimento AgrrioMARCELOCARDONAROCHASecretrio-Executivo do Ministrio do Desenvolvimento AgrrioROLFHACKBARTPresidente do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma AgrriaADONIRAMSANCHESPERACISecretrio de Agricultura FamiliarADHEMARLOPESDEALMEIDASecretrio de Reordenamento AgrrioJOSHUMBERTOOLIVEIRASecretrio de Desenvolvimento TerritorialANDREABUTTOCoordenadora-Geral do Programa de Promoo da Igualdade de Gnero, Raa e EtniaCARLOSMRIOGUEDESDEGUEDESCoordenador-Geral do Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento RuralADRIANAL. LOPESCoordenadora-Executiva do Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento RuralNEADDEBATE1 4Copyright 2007 by MDAPro je to Gr co , Capae Diagram aoCaco Bisol Produo GrcaRe viso e Pre parao de Origin aisRenata MoherdauiPro duo Edito rialLnin Ferreira da SilvaMINISTRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRRIO (MDA)www.mda.gov.brNCLEO DE ESTUDOS AGRRIOS E DESENVOLVIMENTO AGRRIO RURAL (Nead)SBN, Quadra 2, Edifcio SarkisBloco D loja 10 sala S2CEP: 70.040-910 Braslia/DFTelefone: (61) 3961-6420www.nead.org.br PCT MDA/IICA Apoio s Polticas e Participao Social no Desenvolvimento Rural SustentvelSumri oPref ci o5Assent ament os rurai s e gnero: t emas de re exo e pesqui sa7Leoni lde Servolo de Medei ros Mul heres e Reforma Agrri a no Brasi l 19Andrea But t oKarla Emmanuela R. HoraO Censo da Reforma Agrri a de 1996 e 1997 em uma Perspect i va de Gnero39Hi ldet e Perei ra de MeloAlbert o DiSabbat oFaculdade de Economi a/ UFFAgri cul t ura Fami l i ar nos Assent ament os Rurai s: nas rel aes ent re as mul heres e os homensO Caso do Pont alde Paranapanema81Hi ldet e Perei ra de Melo ( UFF)Paola Cappelli n ( UFRJ)Eli sa Guaran de Cast ro ( I EC)4M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilUm Ol har de Gnero nos Assent ament os da Reforma Agrri a153Hi ldet e Perei ra de MeloAlbert o DiSabbat oRudos com Marcas de Transgresses Ancoradas em Mul heres Assent adas185Gema GalganiSi lvei ra Lei t e EsmeraldoRel aes de Gnero em Assent ament os: a noo de empoderament o em quest o217Ani t a BrumerGabri ele dos Anj osPref ci oNeste livro esto reunidos diversos artigos acadmicos e de ges-toraspublicasquebuscamproblematizarapresenadasmulheresna reforma agrria no Brasil. Estudos quantitativos e qualitativos que abor-dam aspectos fundirios, da produo e reproduo, das relaes fami-liares, das lutas sociais dos movimentos sociais do campo e o das polti-caspblicas.Umapluralidadedetemasquerevelaaamplitudeda agenda a ser percorrida para garantir o direito das mulheres terra e sua autonomia econmica.Asautoraseoautorqueintegramestacoletnea,oriundosde instituieseregiesdevriasregiesdopas,discutemasdinmicas sociais em curso partindo de diferentes abordagens que resultam em uma atual e signicativa reexo sobre o estatuto das relaes entre homens e mulheres na reforma agrria.OMinistriodoDesenvolvimentoAgrrioeoInstitutoNacional deColonizaoeReformaAgrria,apartirdodilogocomasdistintas organizaesdemulheresedoscompromissosexpressosnoIIPlano Nacional de Reforma Agrria e no I e II Plano de Polticas para as Mulhe-res,vemimplementandoumconjuntodepolticaspblicasdirigidas promoo da autonomia econmica, componente essencial para superar as desigualdades que marcam a vida das mulheres assentadas. So aes bsicas voltadas para o reconhecimento das mulheres como cidads, por meiodoacessodocumentaocivil,derevisodosprocedimentose dasnormasqueregemoacessoaterraparaaefetivaodatitulao conjunta e aes armativas nas polticas agrcolas e de assistncia tcni-ca para fortalecer suas organizaes econmicas.Estas conquistas abrem novos horizontes para as lutas das mulhe-res,paraademocratizaodoEstadobrasileiroeparaaconstruode umnovoprojetodedesenvolvimentonacional.Apartirdosespaosde 6M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilparticipao conquistados e do fortalecimento das alianas sociais e pol-ticas, podemos avanar muito mais na elaborao e implementao das polticas pblicas voltadas para a superao das desigualdades impostas s mulheres rurais.Este livro contribui para analisar criticamente as mudanas recen-tes e para iluminar os caminhos a serem percorridos. Boa leitura!Ro lfHackbart Presidente do IncraGuilhe rm e Casse l Ministro do Desenvolvimento Agrrio7N e a d D e b a teAssent ament os rurai s e gnero: t emas de reexo e pesqui sa8M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilAssent ament os rurai s e gnero: t emas de reexo e pesqui sa::: Leoni l de Servol o de Medei ros*A literatura sobre assentamentos rurais j bastante volumosa e vem se nuanando por meio de estudos que apontam para aspectos particulares desta nova realidade criada por polticas pblicas estatais, a partir das presses dos trabalhadores rurais, em especial de acampamentos e ocupaes de terra. Sob essa perspectiva, extremamente bem-vinda a publicao de trabalhos que,explorandodiversostiposdedados,qualitativosequantitativos,jogam algumasluzessobreasrelaesdegneronosassentamentosepermitem uma consistente problematizao sobre a invisibilidade do trabalho feminino no mundo rural e sua continuidade em reas em que a luta tornou possvel o acesso terra.Oconjuntodeestudosapresentadosnessevolumemultifacetado. Hdiferenasmetodolgicaserecursoadistintassituaesempricas,em diversos pontos do Pas. Se esto longe de esgotar o universo de questes, sem dvida eles trazem um panorama relevante de temas e problemas em torno do lugar das mulheres nos assentamentos e constituem um esforo na direo de entender melhor as mudanas pelas quais vem passando o mundo rural, sob uma tica de gnero. E, sempre importante ressaltar, os assentamentos so apenas uma parte desta mudana. Nesta introduo, minha proposta comentar algumas vertentes te-mticas que aparecem nos artigos e apontar algumas linhas de possveis in-vestimentos em pesquisa.* ProfessoradoProgramadePs- graduaodeCinciasSociaisemDesenvolviment o,Agricult uraeSociedadeda Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/ UFRRJ). Bolsista do CNPq e do programa Cientistas do Nosso Estado, da Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj ).10M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilOs assent ament os so produt os de lut as e produzem demandas. Qual o lugar das mulheres?No geral, a literatura tem enfatizado que os assentamentos rurais so produtos de conitos em torno da posse da terra e das presses dos traba-lhadoresedesuasorganizaespelodireitoaoseuusopleno.Noentanto, muitas vezes, a nfase na dimenso conitiva da criao dos assentamentos acaba por, contraditoriamente, silenciar alguns de seus atores e as diferentes perspectivascomqueseengajamnaslutas.ocasodapresenadasmu-lheres,muitasvezessomenteevidenciadaquandoelasganhamdestaque como lideranas. Naanlisedessaslutas,relevanteproblematizaradimensode gnero nelas presente e, por vezes, uma espcie de diviso de trabalho pol-ticoqueseestabelececombasenessecritrio.Assim,relatandoeventos como marchas, acampamentos e ocupaes, embora de forma pouco siste-mtica, a literatura tem apontado, por exemplo, algumas diferenas sobre o lugardasmulheres,enquantocomponentededeterminadasestratgias desenhadas para as mobilizaes: em que circunstncias vo frente, como umaespciedesmbolosdasfamlias;emquemomentoscamemcasa com as crianas e os homens assumem as iniciativas, impulsionadas e ava-lizadas por toda a famlia. A anlise desses aspectos permite perceber o in-vestimento diferenciado e as dimenses complexas que o termo luta en-volve. A experincia desse processo pode ter signicados distintos para ho-mensemulheres,parajovenseparaadultosemumamesmafamlia.Da mesma forma, seus desdobramentos.Anita Brumer e Gabriele dos Anjos, em um dos captulos deste volu-me, mostram que a experincia de mobilizao em torno da luta pela terra constitui-secomoumarupturasocialcomasituaoanteriordasmulheres assentadas, tanto para aquelas originrias do meio rural devido precarie-dade de sua situao como membros de famlias de parceiros, arrendatrios oudeagricultoresfamiliarescomdiculdadedereproduo,comopara aquelasoriundasdeperiferiasurbanas,emsituaodesubempregooude-semprego. Como a literatura assinala, o acesso terra produz sensveis mu-danasnacondiodafamlia,paraaestabilidaderelativaqueseganha, criandocondiesparaaprpriareconstituiodelaosfamiliares,muitas vezes em processo de diluio em razo das migraes sucessivas impostas pela necessidade de garantir a sobrevivncia.. O processo de mobilizao que d origem aos assentamentos acaba por colocar em debate no s o tema da terra, mas diversos outros que podem passar a compor uma agenda extensa, que envolve vrias ordens de questes 11N e a d D e b a teno estritamente ligadas terra, mas tambm formas especcas de vivncia da passagem para a condio de assentados, trazendo continuidades e rup-turas em relao ao passado recente. Um deles certamente refere-se ao lugar damulheresuasdemandasespeccas,relacionadastitulao,crdito, sade, educao etc.H tambm continuidades importantes, que necessitam ser observa-das para que no se superestime as novidades que os assentamentos podem trazer. Aps a concretizao do assentamento, parece haver diculdades em manter os laos de solidariedade e a singularidade das relaes que se consti-turam no perodo de intensa mobilizao que corresponde aos acampamen-tos.ComoapontaumadasentrevistadasporAnitaBrumereGabrieledos Anjos:quandoeleschegam[nosassentamentos],oindividualismotoma conta,cadaumcanoseulote,nasuacasinha,comosseusbichinhos,ea coisa se desmantela. Poroutrolado,produtodaexperinciaacumuladanosencontros, seminrios,mobilizaesetc.,ondetemassocolocadosdemaneiranova, invertendo lugares aparentemente consolidados, a incorporao da linguagem dos direitos parece se solidicar. Uma das entrevistadas pelas autoras acima citadassintetizaessadescoberta:nstemosdireitose(...)nosabamos ondeprocurar.Acessoseguridadesocial,acrditos,titulaodaterra,a melhores condies de acesso a cuidados mdicos so algumas dessas dimen-ses que reposicionam as mulheres do campo. Os textos que se seguem trabalham principalmente em torno do que parece ser mais marcante e recorrente em toda a literatura feminista: a expe-rincia da luta e a constituio dos trabalhadores do campo em sem-terra, com todas as implicaes da construo de uma nova identidade poltica, no necessariamente implica em rompimento com as formas de dominao an-teriormente vigentes no interior da famlia. Se elas parecem estar suspensas em momentos crticos, relaes de poder anteriores se reavivam e se refazem na volta ao cotidiano. Como mostram diferentes pesquisas sobre assentamen-tos, isso se verica no s no que se refere s relaes de gnero, mas tambm em relao poltica, vida associativa, s formas de organizao produtiva.A percepo da condio de subordinao no decorrncia imedia-ta da participao na luta, mas em especial da forma como essa participao sed.Nessesentido,torna-secentralanalisaroprocessopeloqualseda constituio desses novos lugares das mulheres. A questo subjacente a de como se constituem possibilidades de desnaturalizao da dominao. Como a observao do processo de constituio dos movimentos sociais nos indica, no h nada de miraculoso nisso. Trata-se de um trabalho cotidiano de re-so-cializao (de homens e mulheres), que nem sempre tem continuidade.12M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilFrente a isso colocam-se questes tanto relacionadas continuidade dealgumnveldemilitncia,quantoreferentesparticipaodemulheres comuns que, no jargo dos movimentos sociais, constituem a massa ou a base. Essa participao parece no subsistir sem a presena de mediaes, capazes de problematizar condies anteriores, a partir da vivncia de expe-rincias diferenciadas que tendem a provocar um reordenamento de relaes e, conseqentemente, novos conitos. Produto do encontro entre concepes distintas sobre o lugar da mulher, eles percorrem desde os espaos pblicos at o interior do lar, desdobrando-se em questionamentos, mas tambm em reproduo da submisso. A tentativa de superar esses impasses visvel em algunsmovimentossociais,massuaintrojeoumprocessolentopara alm do crculo restrito dos que esto frente nas lutas, dos passam por cur-sos de formao etc, onde uma reordenao de lugares mais visvel e cons-truda cotidianamente.Hquestesespeccasnasrelaesdegneroqueimpemoseu tratamento vinculado problemtica geracional. Certamente, mulheres com lhos de idade mais elevada, capazes de assumir tarefas na casa e/ou no lote, ou mesmo com lhos que j saram de casa, tm maior possibilidade de as-sumir diferentes nveis de participao poltica do que mulheres jovens, com lhospequenos,queexigemmaiorcuidado.nestecasoqueaquestode gnero possivelmente aora em sua plenitude, uma vez que coloca em jogo a prpria possibilidade de redenio da diviso de trabalho domstico e a na-turalizao do papel da mulher como aquela que a responsvel maior pela criaodoslhosequelheimpeatividadesqueocupamtodootempo, comumacertarigidezdehorrios,comodarbanho,lavarroupas,preparar alimentao etc. Nesse contexto coloca-se a demanda, cada vez mais constan-te, por creches e escolas infantisnos assentamentos, na medida em que h um reordamento da lgica familiar que faz com que muitas vezes mes, sogras e irms, ou os parentes mais prximos no vivam perto e, assim, no possam dividir as tarefas cotidianas do cuidado das crianas. Ao lado disso, verica-se a reproduo de concepes enraizadas sobre o que seja o trabalho feminino e, ao mesmo tempo, seu lento mas progressivo questionamento.Sem dvida, nesse processo, a presena de agentes de organizaes sejasindicato,movimentopastoral,organizaesno-governamentais (ONGs),etc.fundamental,namedidaemquetmumpapelcentralna desnaturalizao de determinados comportamentos, em uma dura batalha de se levar a pensar em reorganizar e refazer prticas do cotidiano.1

1. interessante vericar como, aos poucos, nos espaos de formao construdos por algumas organizaes, tem-se in-corporadootema,produzindoespaosecondiesparaqueasmulherespossamfreqent-los,trazendoseus lhospe-quenos, pois dispem l de lugar seguro para deix-los.13N e a d D e b a teMudanas na lgi ca camponesaO quadro apontado pelos trabalhos reunidos no presente volume re-vela, em diversos aspectos, uma organizao das famlias assentadas que re-produz traos tpicos, h muito apontados nos estudos clssicos sobre campe-sinato. reiterado em todos os artigos que a produo agropecuria nos as-sentamentos est organizada por meio do trabalho da famlia e que o homem, na qualidade de responsvel pelo lote e como marido, apresenta-se como o chefe. ele quem organiza a produo e gere seu desenvolvimento no coti-diano, toma as decises a ela relativas, comercializa e decide o que fazer com eventuais ganhos ou como agir para minorar perdas, assim como para viabi-lizar outras possveis fontes de rendas, inclusive externas agropecuria. , via de regra, o homem quem coordena e distribui a partir de prticas costumei-ras,entreosfamiliaresquevivemnolote,tantoadultoscomocrianasas diferentes atividades: plantio, tratos agrcolas, colheita, cuidado dos animais, administrao e planejamento, a denio da nalidade dos itens da produo de seu lote (mercado e/ou consumo), os contatos com bancos, cooperativas, tcnicos etc. Ao fazer esta distribuio, o homem acumula um capital espec-co de conhecimento e de relaes que o habilita a permanecer com as mes-mas atribuies e manter sua posio de poder.No entanto, mudanas so inevitveis e no s por estarmos falando deassentamentos.Vriasdelascorrespondematransformaesmaisam-plas na dinmica da vida social que afetam o cotidiano das famlias rurais. A prpriadinmicadomundorural,emdiversospontosdopasacelerada pelas reivindicaes dos assentados, tem produzido alteraes nessa lgica. Um exemplo disso que, apesar da precariedade que tem caracterizado suas vidas ao longo dos anos, os assentados, por meio dos mecanismos de crdi-to a que tm acesso, conseguem utilizar algumas mquinas e insumos agr-colas. Isso tem provocado alteraes importantes na estrutura da famlia, na medida em que se reduz a necessidade de mo-de-obra e impe o remane-jamento de tarefas tradicionais. Aolongodosltimos25anos,osassentamentostambmforamo palco de experimentos de organizao produtiva que, pela sua natureza, colo-caramemdebateosarranjosprodutivostradicionais(oslhosaprendendo com os pais, as lhas com as mes, reproduzindo os modelos herdados), mas no sem gerar intensos conitos. Sob essa perspectiva, interessante pensar o que signicaram, em termos de problematizao e mudana nas relaes degnero,experinciascomoadoscoletivosimplantadospeloMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), no nal dos anos 80. Eles coloca-ram em questo todos os fundamentos da diviso de trabalho no interior das 14M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilfamlias, na medida em que a organizao da produo no se fazia regida pela lgica da organizao familiar nos lotes, mas sim do trabalho conjunto, soboutrasrelaesdepoder.Noentanto,nonecessariamentetrouxeram para a cena principal a crtica dominao masculina, ou seja, as inovaes em uma esfera no necessariamente se repercutem em outra. Ou mesmo, talvez se deva considerar que os rearranjos familiares que essas experincias impuseram provocaram uma resistncia surda a essas inovaes e geraram conitos e reformulaes, muitas vezes interpretados em outros termos.Um outro aspecto a considerar na reexo sobre gnero e mudanas na lgica camponesa que vm se manifestando nos assentamentos o perl dosassentados.ComomostraoestudosobreoPontaldoParanapanema, muitos deles passaram por sucessivas ondas de migraes, tendo vivenciado a experincia urbana em atividades marcadas pelo subemprego e precarieda-de. Essas experincias, acumuladas vivncia dos acampamentos, com toda a instabilidade que lhes constitutiva, permitem que se relativize o signicado dos valores tradicionais camponeses, uma vez que eles estavam em processo de crise antes mesmo do assentamento, em decorrncia da prpria crise pela qualpassamosmodosdevidatradicionais,provocado,entreoutrascoisas, pela expanso das diferentes formas do agronegcio. Como apontado no estudo sobre o Pontal do Paranapanema, apesar de uma trajetria bastante marcada pela instabilidade, aps o assentamento, a capacidade de deciso das mulheres bem menor do que sua participao efetivanaproduo.Asautorasassinalam,inclusive,queumdiscursoque podeestarescamoteandoestadiferenaadeclaraorecorrentedeque ambos decidem tudo, ambos trabalham, ambos discutem. Mas, a pala-vra nal muitas vezes s dos homens. As autoras interpretam o uso do termo amboscomoumaprimeirasinalizaodeumamudananotradicional comportamentomasculino,agoraadmitindoumaparceria,masnocomo uma mudana efetiva de prticas sociais arraigadas.Asassociaesdosassentamentospodemsetornarolugarpor excelnciadecriaodenovassociabilidades.Muitasvezes,noentanto, espera-se delas a possibilidade de instaurar uma nova ordem. Como apon-ta Gema Esmeraldo, isso nem sempre acontece. Nos casos por ela estuda-dos,aassociaoserviumaisparafortalecerasrelaesdedominao masculina e reforar o carter patriarcal da famlia. Na associao estudada, reduziu-seaparticipaopolticadamulhernasdecisessobreagesto produtiva das culturas agrcolas e inibiu-se seu acesso informao e rela-esinstitucionais.Umdosresultadosasadadaslhasqueestavam buscando empregos como domsticas por no conseguirem car nos lotes. Nessas funes, reproduzem o lugar tradicionalmente destinado s mulhe-15N e a d D e b a teres.Afamliaassentadareorganiza-se,masasposiestradicionalmente atribudas se reproduzem.Se a luta por terra indica uma resistncia a essa mudana e um es-foroderecuperaodaterra,nohcomonodeixardeperceberque outroselementosentramemjogo,mesmocomavalorizaodoethos campons, estimulada pelos movimentos sociais. O trabalhador que emerge dessasdisputastensionadoentrevaloresantigosenovos.Direcionara produomaisparaomercadoouparaoconsumo,colocaroslhoseas lhasparaajudarnalavoura,buscaralgumtrabalhocomplementarfora, deixar as lhas migrarem (ou muitas vezes, ver sua autoridade confrontada anteofatoconsumado)soalternativasquereorganizamafamliaeno podem ser lidas estritamente do ponto de vista da sua reproduo econmi-ca. H outros componentes no desenho da estratgia familiar, que envolvem rearranjos internos, disputas por capacidade de deciso, colocando o tempo todo em questo um modelo de autoridade paterna e as tradicionais relaes de gnero, tensionando os costumes. O papel da educaoUma outra mudana em curso apontada nos trabalhos o fato de que cada vez mais as crianas tm tido acesso escola. Grande parte dos artigos que compem esta coletnea aponta uma signicativa melhoria da situao educacional, pelo menos do ponto de vista da ampliao da oferta e aumento dos anos de escolaridade. Abre-se, assim, uma frente interessante de investi-gao em torno da relao entre escola, educao e gnero. A freqncia escola e a obteno de um certicado de concluso tem se mostrado um indicador frgil sobre alfabetizao, capacidade de lei-tura, escrita e reexo sobre determinadas questes que escapam esfera do cotidiano (inclusive nas cidades, como a imprensa tem recorrentemente denunciado e nossa experincia cotidiana nos mostra). No entanto, ela pode abrir novas perspectivas, diferenciando oportunidades. Do ponto de vista dos temaslevantadospelapresentepublicao,trata-sedeindagaratondea escola reproduz a tradicional viso do lugar das mulheres ou transmite con-tedos que conitam com as experincias familiares. Sem produzir juzos de valor, o fundamental problematizar que novos conitos se tecem a partir dessasexperincias,ouquedisputasdepoderesseconstituemnointerior das famlias. Tudo indica que essa tenso maior quando a varivel gnero introduzida. Mais do que uma questo de adeso a determinadas mudanas, o que parece estar em jogo a prpria denio e reproduo da autoridade. No caso 16M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ildas mulheres, menos estudado, o tema recoloca-se, com as jovens recusando-seaassumiropapeltradicionaldasmes,responsveispeloscuidadosdo-msticos,masnoencontrandoespaonombitodacomunidade.O acesso escola talvez contribua para a produo de um questionamento cada vez mais profundo desses papis. O tema da migrao das jovens, trazido por Hildete Melo e Alberto di Sabatto, chama a ateno para investigar com mais profundidade que jovens so essas que saem de casa, em que condies dei-xam o assentamento, para onde vo e at onde reproduzem nos novos espa-os e posies sociais os lugares que a tradio lhes atribui.Outro aspecto a ser ressaltado quando se pensa a relao entre g-nero e educao que esta e o processo de formao dos indivduos fazem-separaalmdaescola.Oacessoaequipamentoscomoteleviso,vdeo-cassetee,maisrecentementeDVDe,aindalentamente,ainternet,levam para o campo novos padres de comportamento, produzindo uma progres-siva e irreversvel desnaturalizao dos valores tradicionais e tambm trazen-do a necessidade de ganhos extras para o acesso a bens de consumo. Alm disso, o constante contato com agentes provindos de outros ambientes rela-tiviza o lugar da mulher. Segundo Gema Esmeraldo, o mundo do consumo mais do que o da produo que comea a interferir nos modos de vida da famlia camponesa. A autonomia dos hbitos camponeses comea a se re-lativizar diante do acesso aos meios de comunicao, do sistema de trans-porte dirio para as cidades, das redes de parcerias que se constroem com osmovimentossociaiseorganizaesno-governamentaisONGs,que introduzemvaloresecomportamentoscitadinosnomeiodosassentados. Ainda segundo essa mesma autora, a mulher que se mobiliza para garantir rendas extras que permitam o acesso ao consumo das novidades que lhes vo chegando e que, em grande medida, tm um papel importante na faci-litao das tarefas domsticas. Pol t i cas pbli cas e di rei t os da mulher Osltimos30ou40anosforammarcadospelaslutasfeministas, trazendoaquestodegneroparaapautadosmovimentossociais,como apontam Andra Butto e Karla Hora. Concomitantemente, as relaes familia-res foram reorganizadas e novos temas passaram a compor a agenda da luta por direitos. Diversos autores na presente coletnea, nas dcadas de 80 e 90, indi-cam que as mulheres tiveram garantida uma srie de direitos, que envolveram outras lutas que no estritamente a luta pela terra. Muitos desses direitos rela-cionam-se diretamente s conquistas dos movimentos feministas que eclodi-17N e a d D e b a teram nos anos 60 e que problematizaram profundamente o lugar da mulher na sociedade. Ganha destaque o direito terra, quer pensado como repartio igualitria do patrimnio familiar em termos de herana, quer como acesso aottuloparaocasal.Noentanto,emboraaConstituioFederalde1988 arme que o ttulo de domnio ou concesso de uso dever ser conferido ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente de seu estado civil, a sua regulamentao foi demorada. Sua implementao est relacionada, por um lado, s demandas das mulheres, em especial aquelas qua participam de organizaes;poroutro,aopapeldaspolticaspblicas,nosentidodegerar condies para a efetivao de direitos. O que no simples, como indicam alguns dados apresentados por Andria Butto e Karla Hora, uma vez que as polticas voltadas quer reforma agrria, quer aos agricultores em regime de economia familiar tinham em sua base o conceito de famlia, uma famlia com determinadospadresdeorganizaoqueaspolticasnocolocaramem questo. Ou seja, foram necessrias novas formas de interveno estatal para garantir direitos s mulheres, uma vez que os mecanismos das polticas pbli-cas,reconhecendoenormatizandodireitos,acabamtendoumimportante papel para que, cada vez mais, o tema das mulheres v ganhando espao na agenda e institucionalizando-se no interior da estrutura estatal e, assim, crian-do um patamar para novas demandas. Sem dvida, essas intervenes pare-cemjestarmostrandoseusefeitos,comoindicamosdadosapresentados pelas autoras sobre o aumento da titularidade dos lotes em nome de mulheres. Noentanto,cabeaindaindagaremquemedidaedequeformaasnormas tradicionais, em especial no que se refere ao patrimnio, se combinam com as instituies legais, de forma a reproduzir os costumes.Anita Brumer e Gabriele dos Anjos, valendo-se dos estudos de Carmen DianaDeeremostramque,emfunodapressodosmovimentossociais, houve mudanas nas normas de seleo de benecirios para facilitar o aces-so de mulheres aos resultados da reforma agrria. Essa presso tambm foi importante para garantir a adoo de uma perspectiva de gnero em todos os procedimentosadministrativosdoMinistriodoDesenvolvimentoAgrrio (MDA), como o caso da institucionalizao, dentro do Ministrio, do progra-madeaesarmativasparaigualdadedeoportunidadesedetratamento entre homens e mulheres; o estabelecimento de uma meta de 30% na repre-sentao das mulheres na distribuio de crditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Banco da Terra, quando estefoicriado,bemcomonostreinamentosdoPronafedosprogramasde extenso;oobjetivodeassegurar,progressivamente,30%derepresentao de mulheres na estrutura administrativa do MDA e, quando em 2003, tornou-se obrigatria a titularidade conjunta da terra. 18M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilO direito titulao tem se revelado crucial, em especial em casos de viuvezeseparao,porgarantirmulherodireitoterraeaconseqente estabilidade, mesmo que relativa, da famlia. Esse fato ganha maior signicado quandoseconsideraarelativamentealtafreqncia,emalgunslugares,de famlias cheadas por mulheres. A literatura sobre gnero no meio rural aponta ainda a relevncia do direito das mulheres trabalhadoras rurais aposentadoria e ao salrio-mater-nidade, tambm previstos na Constituio de 1988. No caso da aposentado-ria,elagaranteumaumentodarendafamiliar,mastalvezsejaequivocado olharesseaspectodeumnguloestritamenteeconmico.Paraalmdo aumento da renda, o pagamento da aposentadoria tambm mulher agri-cultora permite-lhe maior independncia no uso dos recursos e uma relativa autonomia, na medida em que a dependncia nanceira absoluta do marido se desfaz. Com isso abrem-se portas, mais uma vez, para a reordenao das relaes de poder no interior da famlia, como bem enfatizam Anita Brumer e Gabriele dos Anjos.Nos ltimos anos, foram tomadas outras medidas que visam melho-ria das condies das mulheres. o caso da criao de uma linha especca de crdito para mulheres rurais; de campanhas de esclarecimento e informa-o sobre o acesso ao crdito; eliminao de algumas barreiras junto a bancos e intermedirios na elaborao de projetos para obteno de crdito; ofertas de cursos de capacitao para gestores do crdito e para as prprias agriculto-ras, assentadas ou no. Para essas diversas iniciativas, havia um pressuposto bsico, nem sempre preenchido: a posse de documentos identicadores (car-teira de identidade, Cadastro de Pessoa Fsica etc). Desta perspectiva, as cam-panhas de documentao tiveram um papel central, como apontam Andra Butto e Karla Hora. No entanto, o reconhecimento dos direitos e a sua incorporao na institucionalidadeestatalnogarantemasuaefetivaimplementao.Aluta pelo reconhecimento , como apontado anteriormente, essencialmente pro-dutora de conitos e no so raros os casos em que os direitos garantidos na lei contrapem-se a costumes locais, tambm percebidos como direitos ou se enfrentam com concepes costumeiras de diversos agentes que atuam junto aos assentados e que tendem a desconhecer, na sua prtica cotidiana, algumas mudanasemcurso.Olharparaosdiversosplanossimultaneamenteese deter sobre as tenses geradas nesse processo constitui um desao importan-te para a pesquisa, uma vez que alguns temas sugeridos nos textos da presen-te coletnea ultrapassam o espao dos assentamentos ou das mulheres rurais, mas colocam-se como dimenses das formas como se constituem as relaes de gnero em nossa sociedade.19N e a d D e b a teMulheres e Reforma Agrri a no Brasi l20M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilMulheres e Reforma Agrri a no Brasi l ::: Andrea But t o1::: Karl a Emmanuel a R. Hora21. I nt roduoEste artigo analisa a inexo recente do Estado Brasileiro em rela-o s polticas para as mulheres rurais. Houve um reconhecimento da le-gitimidadedasreivindicaesdosmovimentossociaisdemulheresea valorizaodeumaagendadecunhofeministacomocondioparaum projeto nacional de desenvolvimento e uma sociedade mais democrtica. Apesardissoasdesigualdadesentrehomensemulherespersis-temnomeioruraldeformanaturalizadaeestruturadasobrelaesde poder e em bases econmicas3. Historicamente, as mulheres trabalhado-rasruraisaindanoforamsucientementereconhecidaspeloEstadoe pelasociedadecomoagricultorasfamiliareseassentadaspelareforma agrria.De uma forma geral, as polticas pblicas, pouco se direcionaram para este segmento, e quando o faziam, eram destinadas famlia rural considerando-a como um todo homogneo. Apenas recentemente, este quadrocomeaasealterar,noscomumnovoquadronormativoe institucional, mas tambm, com aes efetivas na incorporao e efetiva-o dos direitos das mulheres assentadas.1.Antroploga,ProfessoradaUniversidadeFederalRuraldePernambucoeCoordenadoradoProgramadePromooda I gualdade de Gnero, Raa e Etnia (Ppigre) do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio.2. Arquiteta-urbanista,Msc. em Geograa, Doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR. Consultora do ProgramadePromoodaI gualdadedeGnero,RaaeEtnia(Ppigre)doMinistriodoDesenvolvimentoAgrriopelo proj eto PCT/ FAO_UTF/ BRA/ 057/ BRA.3. Esta anlise embasa-se nos diferentes processos sociais, documentos (programas, proj etos e relatrios tcnicos), estudos, pesquisas e publicaes elaborados no mbito do Governo Federal, em especial, no Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) por meio do Programa de Promoo da I gualdade de Gnero, Raa e Etnia (Ppigre) e nas diretrizes e agenda pro-posta no I IPlano Nacional de Reforma Agrria em 2003 e nos Planos Nacionais de Polticas para Mulheres Ie I I , produzidos a partir de 2004. 22M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilH o incio de um novo caminho em curso no Governo Federal no sentido de implementar aes armativas reconhecendo a pluralidade e diversidade do campesinato e da agricultura familiar brasileira. Um cami-nho ainda a ser trilhado pela ao conjunta do Estado e movimentos so-ciaisvoltadasparaaelaboraoeimplementaodepolticaspblicas com enfoque de gnero.O escasso acesso das mulheres propriedade e aos recursos eco-nmicos, uma realidade no mundo. Estimativas da FAOindicam que apenas1%dapropriedadenomundoestnasmosdasmulheres.A maioria dos Estados nacionais sequer dispe de estatsticas ociais rela-tivas ao sexo dos/as proprietrios/as. Os sistemas de herana estabeleci-dos no cdigo civil e nos chamados direitos costumeiros condicionam o acesso terra condio civil das mulheres e sua posio na famlia. O direito terra e o controle da propriedade tm muitas implica-es sobre as relaes estabelecidas entre homens e mulheres. O contro-le amplia o grau de autonomia das mulheres. Nos casos de separaes e morte na famlia, elas preservam os seus direitos e ampliam a sua capa-cidade de decidir sobre sua vida afetiva, seus projetos pessoais, coletivos e garantem acesso renda prpria.OsEstadosnacionaisreproduzemalgicadeexcluso,aotomar como unidade de referncia deplanejamento e de ao o grupo familiar e, em especial, ao escolher o chefe da famlia como intercolutor. Na refor-ma agrria isso aparece de forma muito clara, as estatsticas ociais sequer identicamosexodossujeitosenvolvidosesofeitasexignciasparase encaixar no perl dos benecirios que excluem as mulheres: ser chefe de famlia,privilegiarfamliasmaioresecommaiorforadetrabalho(DEE-RE:2002).Aconcepoquesustentaestescritriosdequeapobreza umfenmenomasculino.Comissonosepercebeasuamanifestao diferenciada nos grupos sociais especcos, nos homens e nas mulheres.No distinta esta realidade quando se observam os demais direi-tos econmicos, como o caso do acesso assistncia tcnica, ao crdito, a mercados para comercializar os excedentes da produo familiar ou co-munitria.Aagriculturafamiliarecamponesaconstitui-seemalternativa aoatualmodeloagrcolahegemonizadopelaagriculturapatronal.Noen-tanto esta opo no pode ocultar que o familiar e campons desta outra agriculturaguardamuitosconitosinternos,hierarquiasentrehomense mulheres com forte expresso no acesso aos recursos econmicos. O trabalho nas comunidades rurais organiza-se a partir da diviso sexual do trabalho. As mulheres responsveis pelo trabalho reprodutivo e 23N e a d D e b a tepeloscuidadosdomstico,oshomensnotrabalhogeradorderendas monetrias,apenasestereconhecidocomoprodutivo.Acompanham estas distines valoraes e representaes da desigualdade que susten-tam por exemplo a noo de ajuda doshomens em casa e de ajuda das mulheres na roa.As mulheres pertencentes a populaes que usam de forma cole-tivaaterraeguardamnelarefernciascosmolgicasprprias,vmsua condio com a terra determinada por prescries sobre casamento que denem a moradia das mulheres, e a sua relao com o territrio.2. I nvi si bi li dade nas pol t i cas de reforma agrri a A anlise da presena das mulheres nas polticas de reforma agr-ria deve considerar dois elementos estruturantes da formao econmica e social do Brasil. A primeira refere-se a forma de apossamento da terra decorrente de uma estrutura agrria baseada no latifndio resultante da grandeempresacolonial.Oregimedesesmariasconsolidoubasespro-dutivas e econmicas que se assentavam na grande fazenda voltada para a exportao e na utilizao da fora de trabalho abundante e barata dis-ponibilizada, num primeiro momento, pelo trabalho escravo. Tal situao vigoroumesmoapsapromulgaodaLeideTerrasde1850,umvez que, entre outras coisas, estabelecia a compra como nica forma de aces-soterraeaboliaoregimedesesmarias.Comospreoselevadosdas terras e os baixos salrios ofertados, o campesinato brasileiro que se for-mava, os negros libertos e os trabalhadores rurais tiveram poucas condi-esdeacessolegalterra.Prevalesceu,assim,diversasformasde apossamento, na maioria das vezes, reproduzindo situaes de subordi-nao e opresso do/a pequeno/a produtor/a e sua famlia. Se, de um lado, o marco legal e institucional das formas de acesso terra pouco ampararam o campesinato brasileiro, de outro, foi a forma de constituio da sociedade agrria brasileira que acalentou as desigual-dades entre homens e mulheres com a consolidao de uma sociedade patriarcal. A partir dos hbitos culturais e costumes informados pelo Di-reito Positivo, a sociedade agrria associou a gura da mulher a sua posi-o na famlia. Referindo-se a esta doutrina Fischer e Gehlen: 2002 ar-mam:...Dopontodevistapatriarcalaterraumpatrimnioe,comotal, deve pertencer ao homem. A mulher, como dependente do pai ou do marido, de acordo com o direito consuetudinrio ou positivo, somente tem a possibi-lidade de administrar e se desfazer da terra em caso de m orte do referencial 24M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilm asculino e, m esm o assimteoricam ente, pois, a perda desse referencial, o patrim nio deve ser m antido com o bemm asculino....A elaborao de um novo marco jurdico sobre a questo fundi-ria brasileira que previsse a democratizao do acesso terra e criasse as condies para a reforma agrria, somente se concretizar com o Estatu-todaTerraem1964.Neleareformaagrriacompreendidacomoo conjuntodemedidasparapromoverumamelhordistribuiodaterra, mediantemodicaesnoregimedesuaposseeuso,eassimatender aosprincpiosdejustiasocialedoaumentodaprodutividade.Apartir de ento, a poltica de reforma agrria se concentrar na implantao dos assentamentos voltados para a instalao das famlias de agricultores fa-miliares, apoiadas por programas de desenvolvimento destinados uni-dadedeproduofamiliar.Masmesmonestenovomarcojurdicoe conceitual a condio subordinada das mulheres rurais no aparece.Omesmoocorreunosprocessosprodutivos.Amodernizao conservadora do campo brasileiro nos anos 70, por exemplo, se fez com aintensicaodousodemquinasagrcolaseinsumos,noincluiu equipamentos e infra-estrutura para facilitar o trabalho domstico, contri-buindo, mais uma vez, para a segregao e diviso sexual do trabalho.Nos assentamentos criados e nas unidades familiares j constitu-das manteve-se a subordinao das mulheres. Subentendidas no grupo familiar e na unidade de produo no existiram polticas especcas que lhes garantissem o acesso terra e a autonomia produtiva.No Brasil, os direitos das mulheres terra e ao desenvolvimento rural s entram na agenda pblica com a redemocratizao no nal dos anos 80 e em decorrncia das lutas das mulheres rurais pela igualdade.Nesse contexto a constituio de um novo quadro normativo de ao do Estado expressa por diretrizes, competncias e oramento, deu poucodestaquesituaodasmulheresemgerale,emparticular,no meio rural e na reforma agrria. Os programas e as diversas polticas dos anos 80/90, como as polticas de reordenamento fundirio (I PNRA, Novo Mundo Rural e Banco da Terra) e de desenvolvimento agrcola no consi-deraram a situao das mulheres, mantiveram a noo de famlia como unidade de referncia e a modernizao com o aumento da produtivida-de agrcola como objetivo. Aspolticasnoseadequavamrealidadeesdemandasdas mulheres rurais, e resultavam num claro processo de excluso das polti-cas produtivas, de acesso a direitos e de desenvolvimento rural, apesar de sua signicativa presena na populao rural. 25N e a d D e b a teNo contexto das polticas agrcolas, o melhor exemplo o crdito destinado agricultura familiar. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Pronaf, foi criado em 1996 a partir de reivindi-caodosmovimentossociaisnocampo,incluindoosmovimentosde mulheres.Osdadossoreveladores:nosprimeirosanosdoPronafa participao das mulheres como titulares dos contratos de crdito chegou a apenas 7% do total (GRZYBOWSKI:1999).Apesar de mudanas nas instrues do Pronaf, estabelecendo um mnimode30%dosrecursosaseremdestinadospreferencialmentes mulheres (Portaria 121, de 22 de maio de 2001), o acesso das mulheres ao crditonosealterou.Nasafra2001/2002,asmulheresrepresentavam 10,4% dos contratos realizados e 11,2% do montante nanciado.4 No caso dasassentadas,oacessodelasaoPronafAsignicavaumaproporo maior, 14% do total de benecirios/as, mas apenas 2,7% do total de con-tratos celebrados na modalidade A/C tinham mulheres como titulares.ProgramascomooProceraProgramadeCrditoEspecial Reforma Agrria e do Lumiar Programa de Assistncia Tcnica para a Reforma Agrria, implantados nos anos 90, no produziram ou no pu-blicizaram dados e informaes sobre a participao das mulheres. Isso diculta uma avaliao precisa dos seus impactos no combate desigual-dade de gnero no meio rural.ProvocadapelanovaConstituioFederalde1988,quepreviu direitosdasmulheresterraindependentedacondiocivil,adcada seguintefoimarcadaporvriaspesquisassobreotema.Interessante notar que, em sua grande maioria, estas no foram amplamente divulga-das, vindo a pblico somente agora, neste livro. OprimeirocensodaReformaAgrria(1996)produziuinforma-es relativas s mulheres assentadas mas que no foram objeto de ne-nhumainiciativaespeccaporpartedoEstado.NoCensoeemoutras pesquisas, a concluso relativa aos direitos das mulheres terra a mes-ma:aefetivaodosdireitosconquistadosnaleinoforamgarantidos pelo Estado; os procedimentos administrativos para inscrio, seleo e destinao dos lotes da reforma agrria continuavam inalterados. Considerando os direitos econmicos de forma mais ampla, a con-cluso semelhante. O Estado seguiu adotando como unidade de planeja-mentoafamlia,desconsiderandoasrelaesdepoderexistentesentre 4. Este percentual representa, na Safra de 2001/ 2002, 97.200 mulheres titulares de contratos e 244 milhes nanciados. Na safra 2002/ 2003 houve uma diminuio em nmeros de contratos, sendo 94.670, embora tenha aumentado o volume emprestado para 262 milhes.26M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilseus membros. Ao escolher a gura do titular exclui-se as mulheres das decises e do acesso a polticas pblicas permanecendo a invisiblidade da contribuio econmica, marginalizando-as da economia rural. Nas polticas de reforma agrria, o foco tambm permaneceu na famliaeasaesseguiramvoltadasexclusivamenteparaodesenvolvi-mentodaunidadedeproduofamiliar.Aidiadefamlianoerapro-blematizada,eashirarquiasdasrelaesdepodernoseuinteriorno eram reconhecidas. Nem eram considerados os problemas pertinentes situao que se encontravam as mulheres rurais em caso de abandono, viuvez e separao. Asmulheresparticipavamdoprocessodeseleodasfamlias cadastradas e benecirias da reforma agrria, mas no constava nenhu-ma meno sua posio na unidade de produo familiar. Os diversos cadastros, quer de seleo ou a relao de benecirios, reservavam ape-nas um tem de caracterizao do benecirio dado pelo campo denomi-nadoTitulareoutrodenominadoCnjuge,paraindicarassituaes de casamento. O Titular era compreendido como chefe da famlia, logo, pelo nome do homem; raramente constava o nome da mulher como ti-tular e chefe de famlia. Esta excluso cou evidente no Censo da Reforma Agrria(1996)queconstatouqueasmulherestitularesdaterraeram apenas 12% do total dos benecrios da reforma agrria. Em 2002, pes-quisarealizadapelaFAO/Unicamprevelouque87%dosttulosdaterra emitidos pelo Incra destinavam-se aos homens, indicando a manuteno da situao anterior.3. A reforma agrri a a part i r de 2003: a i nsero do cont edo de gnero A partir de 2003,h uma mudana importante no governo fede-ral com a implantao de iniciativas de ampliao dos direitos econmi-cos e polticos das mulheres rurais e de seu protagonismo envolvendo o fortalecimento de alternativas econmicas e a criao de oportunidades especcas e dirigidas s mulheres assentadas da reforma agrria. Mudan-a tambm expressa no carter participativo que passou a ser adotado na elaborao das polticas e nas aes voltadas para incentivar a participa-o das mulheres rurais em diversos espaos. Tanto o II Plano Nacional de Reforma Agrria (PNRA, 2004) quan-to o I e o II Plano Nacional de Polticas para as Mulheres (I PNPM, 2004; IIPNPM,2008)buscaramsuperaraausnciaanteriordoEstadocoma 27N e a d D e b a teincorporaodeproposiesdeaesarmativasedemudanasna concepo que orientam as polticas do meio rural na promoo da igual-dadedegnero.OIIPNRAassumiuodesaodeenfrentaro...padro seculardesubordinaoenegaodasmulheresruraisenquantosujeitos polticoseeconmicosdomundorural,assumindoquecabeaoEstadoa implementao de polticas dirigidas superao dessa situao de desigual-dade social...(MDA, 2004, p.23).Um passo importante no mbito da estrutura estatal foi a criao, em 2003 de Assessoria Especial do Ministrio do Desenvolvimento Agr-rio/InstitutoNacionaldeColonizaoeReformaAgrria,denominada ProgramadePromoodaIgualdadedeGnero,RaoeEtnia(Ppigre/MDA). O Programa passou a atuar no desenvolvimento de polticas pbli-casdepromoodosdireitoseconmicosdastrabalhadorasrurais,por meiodeaesdeapoioproduo,acessoegarantiadeusodaterra, acesso documentao civil e da valorizao da participao e do contro-lesocial.Incluiaesarticuladaseintegradasdosrgosvinculadosao MDA, suas secretarias e assessorias, ao Incra e com os demais ministrios e instituies ans. A principal interface interinstitucional com a Secre-taria Especial de Polticas para as Mulheres (SPM). Desde ento, a atuao do governo federal dirigiu-se para a reviso do marco legal constitudo e as concepes vigentes e para a implemen-taodeaesefetivasquegarantissemoreconhecimentodotrabalho desempenhado pelas mulheres e contribuissem para sua autonomia eco-nmica. Vimos construindo, gradativamente, um novo padro de atuao do Estado centrado nos seguintes eixos: promoo dos direitos das mulhe-res terra, reconhecendo-as como parte-titular dos assentamentos de re-formaagrria;garantiaaosdireitoscivisbsicos,permitindooacesso documentaobsica;efetivaodosdireitoseconmicosdasmulheres trabalhadoras rurais, atravs doapoio organizao produtiva, acesso ao crdito, assistncia/assessoria tcnica, mercados, dentre outras. 3 . 1 . Odire ito ate rdire ito sDesenvolver polticas para as mulheres no contexto rural implica reconhecer as desigualdades de gnero e adotar uma estratgia de supe-rao dos principais entraves conquista de sua autonomia econmica. Um passo fundamental superar os obstculos para que as trabalhadoras rurais e assentadas da reforma agrria possam acessar direitos sociais e polticas pblicas. este o objetivo do Programa Nacional de Documen-tao da Trabalhadora Rural - PNDTR. 28M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilParaqueareformaagrriadvisibilidadesmulheresruraise reconhea seu direito terra preciso garantir instrumentos que viabili-zam este acesso, ou seja, o acesso documentao civil e trabalhista para asassentadas.Semdocumentaobsicanohcomoseinscreverno cadastro do Incra. O PNDTR representa o reconhecimento de um direito, fruto das lutas dosmovimentosdemulheresapartirdosanos90,impulsionadaspelas campanhas de documentao. Representa ainda a institucionalizao desta ao, condio para que ela tenha escala e a dimenso de uma poltica uni-versal.Osmovimentos,comtodooseuacmulopolticoeorganizativo, participaramdiretamentedaimplementaodoProgramaintegrandoo comit gestor, responsvel pelo planejamento e avaliao do referido progra-ma. Participam, tambm na mobilizao e na organizao dos mutires de documentaoonde,almdoacessoaosdocumentos,asmulheresrurais recebem informaes sobre as polticas pblicas e programas sociais.O PNDTR foi criado em 2004 e j realizou 837 mutires itineran-tes em 1050 municpios predominantemente rurais, garantindo a emis-so de mais de 546 mil documentos que beneciaram mais de 275 mil mulheres trabalhadoras rurais. 3 . 2 . Dire ito te rra A luta dos movimentos feministas, nos anos 80, incluiu no artigo 189 da Constituio Federal o direito das mulheres rurais terra, preven-doatitulaodaterraemnomedohomemedamulheroudeambos, independente do estado civil. No entanto, restava a implementao efe-tiva deste direito.APortariadoIncran 981/2003tornouobrigatriaatitulao conjunta da terra para lotes de assentamentos constitudos por um casal em situao de casamento ou de unio estvel. Conquista da Marcha das Margaridas daquele ano. No caso de separao e em que a terra est em processodetitulaoareacacomamulher,desdequeelatenhaa guarda dos lhos, em respeito ao cdigo civil. No caso de separao, os homens ou as mulheres devem requisitar outra vez o acesso terra e so os/as primeiros/as beneciados/as com a criao de novos assentamentos da reforma agrria. Se houver uma falsa separao, a atitude ser consi-derada fraude e sofrer as penas previstas em lei. Nocasodeterrasjtituladas,os/asinteressados/aspodemirao cartriodeimveisparasolicitaramodicaoeinclusodonomeda mulher. So necessrios os documentos pessoais do casal e os de regula-29N e a d D e b a terizao fundiria do lote. No caso de assentamentos j criados, o casal deve ir ao Incra requerer a incluso do nome da mulher na titularidade do lote apresentando os documentos que comprovem a unio entre ambos.O cadastro dos/as candidatos/as para seleo para os assentamen-tos,ocontratodeconcessodeusoeottulodenitivodepropriedade tambm foram alterados para efetivar o direito de titulao conjunta obri-gatria.OIncraalterou,ainda,osprocedimentoseinstrumentospara emissodoCerticadodeCadastrodeImvelRuraleoCadastrodas Famlias nas reas de Regularizao Fundiria e de Titulao.Parafazervalerestedireito,asfamliaspassaramadeclararou comprovar obrigatoriamente a sua condio civil. A sistemtica de classi-caodasfamliasbeneciriasdareformaagrriafoialteradacoma incluso de um novo critrio complementar que deu preferncia s fam-lias cheadas por mulheres. O Incra tambm criou a Certido da Mulher Beneciria da Reforma Agrria para facilitar a requisio de seus direitos juntoaosrgosgovernamentais.Todasestasmudanasestocontidas na Instruo Normativa n38.No ter terra implica em no ter acesso s polticas de desenvolvi-mento.Poressemotivo,participardaproduonosassentamentosest, na maioria das vezes, limitado pelas responsabilidades desiguais entre ho-mens e mulheres no trabalho reprodutivo das famlias. Com menor tempo para o trabalho produtivo e sem acesso a decises de gesto da produo, as mulheres assentadas, assim como as agricultoras familiares, atuam nos quintais garantindo o auto-consumo das famlias. Ao no ter acesso a renda monetria permanecem invisveis na economia dos assentamentos. Os dados do Sipra - Sistema de Processamento de Informaes da Reforma Agrria, relativos ao perodo 2003/2007 j nos indicam a mudan-a, especialmente o impacto a partir de 2007 com a efetivao da Instru-o Normativa n38. Se a mdia at o incio dcada atual equivalia a 13% (BUAINAIN:2002), por fora da portaria 981 do Incra a mdia percentual entre os anos de 2003-2006 registra um total de 25,6% de mulheres como titularesdolote.ComaincorparaodaIN38noSipraopercentualau-menta e atinge 55,8% em 2007, conforme Tabela 1(ver pg. 30).Importante observar que nos dados obtidos junto ao Sipra acerca dos assentamentos, as mudanas na sistemtica de classicao dos bene-ciriosebeneciriasdareformaagrriaemfavordasmulhereschefes de famlia j se expressam de forma signicativa. Se em 2003 opercentual equivaliaa13,6%em2007ouniversodemulheresnessacondiono total de benecirios/as passa para 23%, conforme Tabela 2 (ver pg. 30).30M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s il3 . 3 . Ace sso ao co n he cim e n to t cn ico e s cio am bie n talParaviabilizaroacessoaoconhecimentotcnico,indispensvel para o fortalecimento econmico dos assentamentos, o Incra estruturou comosmovimentossociaisoProgramadeAssessoriaTcnicaeScio-ambiental (ATES).Diversas ocinas regionais foram realizadas com mulheres assen-tadas para avaliar este Programa. O resultado foi a elaborao de propos-tas de ajustes, tanto nas normas como no Manual Operativo. Novos obje-tivos foram includos: o reconhecimento e valorizao dos conhecimentos das trabalhadoras rurais; a insero das trabalhadoras rurais nos proces-sosdeconstruodosaber,commetodologiasquedemvisibilidadee contribuam para transformar a diviso sexual do trabalho; o incentivo incorporaodasdemandasindividuaisecoletivasdasmulhereesna produo; a orientao sobre adequaes no perl das equipes de articu-lao dos ncleos operacionais ATES para atender as especicidades das mulheres. Uma nova diretriz foi acrescentada tratando do apoio organi-zao econmica.Tabel a 1: Bene ci r i os/ as da Ref or ma Agr r i a porsexoPer odo: 2003 a 2007Font e: Sipra / Diret oria de Obt eno de Terras e Implant ao de Projet os de Assent ament o (Braslia)Ano Tot al Abs. Masculino % Feminino2003 36.3018.752 24,10 27.549 75,892004 81.25414.244 17,53 67.010 82,472005 127.50633.241 26,07 94.265 73,932006 136.35847.466 34,81 88.892 65,192007 67.53537.712 55,84 29.823 44,16Abs. Feminino % MasculinoTabel a 2: Mul her es Chef es de Faml i a em r el ao ao totalde bene ci r i os/ as da Ref or ma Agr r i a -Per odo: 2003 a 2007Font e: Sipra / Diret oria de Obt eno de Terras e Implant ao de Projet os de Assent ament o (Braslia)Ano % MCF em relao ao Total Tot al de MCF2003 36.3014.951 13,642004 81.2547.483 9,212005 127.50620.120 15,782006 136.35829.971 21,982007 67.53515.574 23,06Total31N e a d D e b a teOProgramapassouapreveroincentivoparticipaodasmu-lheresassentadasnosprojetosprodutivospormeiodacapacitaodos tcnicso da ATES em gnero e reforma agrria e da difuso de metodolo-gias que reconheam e favoream o protagonismo das trabalhadoras ru-rais. Iniciativas de adequao da composio e de capacitao das equi-pesdosncleosoperacionaisdosserviosdeATESforamfeitaspara atender as especicidades das mulheres e para viabilizar a implementa-o de projetos que visem a autonomia econmica das mulheres.Uma prioridade vem sendo dada promoo ativa e efetiva das mulheresnaelaboraodosPlanosdeDesenvolvimentodosAssenta-mentos(PDA)enosPlanosdeRecuperaodosAssentamentos(PRA), bem como no planejamento da gesto produtiva. Esta participao est voltada para a implementao de assentamentos diferenciados, nos quais a localizao das moradias, a implantao das infra-estruturas bsicas e a preocupao com a segurana alimentar e nutricional reitam este com-promisso com a superao das desigualdades.Esse dilogo entre governo e organizaes autnomas de mulheres eorganizaesmistasresultouemmodicaesquesintonizamaATES com a estratgia de promoo da igualdade entre homens e mulheres.A ao da ATES, a partir de 2008, passou a ser articulada e inte-gradaaoProgramadeOrganizaoProdutivadeMulheresRurais,cujo pblicobeneciriosoasmulherestrabalhadorasruraisdaagricultura familiar e da reforma agrria. O objetivo central deste novo Programa fortalecer as organizaes produtivas de trabalhadoras rurais, incentivan-doatrocadeinformaes,conhecimentostcnicos,culturais,organiza-cionais,degestoedecomercializao,valorizandoosprincpiosda econmicasolidriaefeminista,deformaaviabilizaroacessodasmu-lheres s polticas pblicas de apoio produo e comercializao, a m de promover a autonomia econmica das mulheres e a garantia do seu protagonismo na economia rural. (MDA/Ppigre, 2008). O Programa conta com aes voltadas para o fortalecimento institucional de grupos e redes de produtoras rurais, a promoo da agroecologia e manuteno da bio-diversidade, o acesso a polticas de apoio produo e acesso a mercados, alm da formao em gnero e desenvolvimento rural.3 . 4 . Cr dito paraasm ulhe re sasse n tadasOtemacrditonareformaagrriasemprefoiumassuntopol-mico,devidosituaodeprecariedadeporquepassavamosassenta-mentos e a elevada inadimplncia do Procera. No senso comum, o crdi-32M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilto at ento, destinado ao titular do lote, era visto como uma atividade do homem, inclusive pelas mulheres. A criao da linha Pronaf Mulher con-tribuiparamudarestaconcepoaoapoiaratividadesdesempenhadas exclusivamente pelas mulheres, proporcionando a elevao da auto-esti-ma e a maior autonomia monetria.O Pronaf Mulher foi criado no Plano Safra de 2003-2004. Come-ou no como uma linha de crdito especca, mas como um sobreteto, um valor adicional de 50% ao montante de recursos j disponibilizados s mulheres integrantes de famlias enquadradas nas linhas C e D. Para ampliar o acesso ao Pronaf de forma geral e facilitar o acesso aocrditoespecial,noPlanoSafrade2004/2005aDAPpassouaser feitaobrigatoriamenteemnomedocasal.OPronafMulhertornou-se umalinhadeinvestimento,emboraaindarestritosmulheresquese enquadravam nas linhas C, D e E.Apesar das mudanas e do aumento do acesso das mulheres ao crdito, as assentadas da reforma agrria ainda no eram atendidas. O crdito especial PronafMulher para as assentadas da reforma agrria s passou a existir na safra 2005/065 , como linha destinada ao investimen-toecusteio.Tevedesempenhorestritonasafra2006/2007.Osdados disponveis segregados por grupo no Pronaf Mulher, referem-se apenas aonordeste.Nestaregioregistram-secontratosemtrsestados:Rio Grande do Norte, Cear e em maior proporo o estado de Sergipe. Em sua maioria, as operaes contratadas foram destinadas para atividades de investimento.Se o crdito especial para as assentadas mais recente, o acesso aoPronafAnoo,massecaracterizaporlimitaesimportantes.O Pronaf estruturado como um crdito unidade familiar e compromete oconjuntodeseusintegrantes.At2004aDeclaraodeAptidoao Pronaf (DAP - documento que habilita o pblico enquadrado no programa a solicitar o crdito) tinha apenas um titular. Com a implantao da titula-ridade conjunta obrigatria na DAP, ocorreu um aumento para 18,7 % no n m erodecon tratoscon cedidosem n om edasm ulheresn asafra 2004/2005. O acesso das mulheres assentadas ao Pronaf A menor do que a mdiageraldeacessodasmulheresaoPronafnasafra2004/2005.A mdiageraldeacessodasmulheresaoPronaf,relativoaonmerode 5. As condies do Pronaf Mulher para este pblico corresponde a um nanciamento de at R$1.000,00 (hum mil reais) na safra de 2005/ 06 e na safra 2006/ 07 o valor foi de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais). A taxa de j uros de 1% ao ano e o prazo de pagamento de at 2 anos. Aquelas que pagam a parcela do crdito em dia, recebem um desconto de 25%. 33N e a d D e b a tecontratosnasafra2005/2006,foide25,5%.Entreasassentadasdare-forma agrria nesta mesma safra a mdia cai para 16,4%.Alm do Pronaf, as polticas de reforma agrria garantem o cha-madoCrditoInstalao.Ocrditoinstalaofoibastanteampliado, passando de R$ 4,5 mil em 2002para at R$18,3 mil em 2007. No h nocrditoinstalaoprevisoderecursosespeccosparaasmulheres. Em 2008 est se discutindo a criao da modalidade de crdito adicional para as mulheres assentadas, conforme orientaes estabelecidas naIN 38 de 13 de maro de 2007. 3 . 5 . Novasfre n te sCom o objetivo de qualicar a ao governamental e capacitar os gestores pblicos e as gestoras pblicas sobre a temtica de gnero e re-forma agrria, nos ltimos anos, foram desenvolvidos vrios projetos em parceria com instituies pblicas e movimentos de mulheres.Realizaram-se parcerias com instituies acadmicas para estru-turao de redes de pesquisas,realizao de encontros cientcos, edio de publicaes e outras iniciativas voltadas para o resgate da memria das mulherescamponesas,especialmentepormeiodoPrmioMargarida Alves de Estudos Rurais e Gnero. Destaca-se a ampliao recente da participao das mulheres rurais e do contedo de gnero na agenda internacional. Na Reunio Especializa-da sobre Agricultura Familiar (REAF) foi criado em 2005 por unanimidade dos governos dos quatro Estados-Membros do Mercosul o GT de Gnero.A partir de 2007 o GT Gnero em interface com o GT de Acesso TerraeReformaAgrriainiciouaimplementaodeestudoseanlises sobreasituaodoacessoterrapelasmulheresnospasesdaregio. Uma ao construda de forma articulada por representantes de governos e movimentos de mulheres destes pases, orientada por diretrizes e prio-ridadescomuns.Destaforma,oGTdeGnerodaREAFtempriorizado atividades de monitoramento e avaliao das polticas pblicas voltadas para as mulheres rurais, a produo de estatsticas e informaes sobre o direitoeasformasdeacessodasmulheresterraeaosprogramasde reformaagrria,e,aindaadifusodeinformaes,estudosepesquisas sobre as condies de vida e trabalho da mulher no meio rural. Estasiniciativastemrepercutidonaampliaodotratamento dado a estes temas em cada pas e na constituio de uma agenda regio-nalcomum,quetemintensicado,inclusive,aesdecooperaoede intercmbios bilaterais e regional.34M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s il4. Desaos da agenda governament alAsmulheresrepresentam47,8% dapopulaoresidenteno meiorural(PNAD2006).Soquase15milhesdemulheres,muitas delas sem acesso cidadania, sade, educao e sem reconhecimento dasuacondiodeagricultorafamiliar,trabalhadorarural,quilombola oucamponesa.Muitaslimitaesseimpemaodesenvolvimentoda autonomiaeconmicadasmulherestrabalhadorasruraisecomforte expresso entre assentadas da reforma agrria e agricultoras familiares, e entre elas destaca-se a falta de reconhecimento da atividade produtiva desempenhada por elas.H avanos signicativos na atuao recente do Estado na formu-laoeimplementaodeaesvoltadasparaasmulheresnareforma agrria, embora h muito ainda por ser feito. Nesta agenda destacam-se alguns desaos: 1) efetivar os direitos das mulheres terra, por intermedio domonitoramentodaexecuodaPortaria981eInstruoNormativa Incra 38, e da oferta de apoio jurdico para rever titulaes antigas; 2) qua-licar a prestao dosservios de ATES; 3) ampliar e qualicar o acesso ao crdito especial; 3) fortalecer a capacidade de gesto dos recursos e a participao das mulheres nas decises produtivas e econmicas. preciso avanar na estruturao, organizao e coordenao dos grupos produtivos de mulheres rurais. Neste sentido, o Programa de Or-ganizaoProdutivadeMulheresRuraisabrenovaspossibilidades.Ao integraraesdediversosrgosSecretariaEspecialdePolticaspara asMulheres,MinistriodoDesenvolvimentoSocialeCombateFome, MinistriodoTrabalhoeEmprego,SecretariaEspecialdeAquiculturae Pesca, Companhia Nacional de Abastecimento e o Ministrio do Desen-volvimento Agrrio e o Incra, o Programa cria condies mais favorveis paraoacessoaosconhecimentosdegestoeproduo,spolticasde agregao de valor e comercializao. Trata-se de uma ao maior, mais forteearticuladaquepoderrepercutirpositivamentenapromooda autonomia das mulheres e da igualdade no meio rural.AimplementaodoProgramaTerritriosdaCidadania,envol-vendo15ministriosedirigidoa60regiescommenorIDHemaior concentrao de assentamentos da reforma agrria e agricultura familiar, ao reconhecer a legitimidade e a importncia das demandas das mulhe-res rurais, e ao direcionar polticas para elas oferece um novo cenrio que poderconsolidaraincorporaodadimensodegneronaspolticas pblicas de desenvolvimento rural. 35N e a d D e b a te preciso superar a fragilidade e a insucincia de informaes e diagnsticossobreosprogramaseaspolticaspblicasemcurso,aper-feioandoacompreensosobreosprocessosdeempoderamento,de gerao de renda monetria e de construo da autonomia para as mu-lheres na reforma agrria.Nasocinasdepolticasparamulheresnareformaagrriareali-zadaspeloMDA/Incraaeducaoinfantil(EI)apareceucomonovade-manda, parte da Educao Bsica do Campo. Cresce o apelo e o reconhe-cimento da importncia dos direitos da criana, mas tambm, a respon-sabilizaodoEstadopelasocializaoegarantiadoscuidadosinfantis. O desao agora construir uma estratgia especca para ampliar e qua-licaraeducaoinfantilnomeioruralcomopartedasaesvoltadas para a superao das desigualdades entre homens e mulheres.Os desaos ainda so muitos. Mas os avanos conquistados per-mitem novos horizontes para a luta feminista no meio rural. A combina-odepolticasdepromoodedireitoscomaforaeaorganizao poltica, econmica e social das organizaes e movimentos de mulheres capaz de superar as desigualdades entre homens e mulheres historica-mente construdas no meio rural e, tambm, na reforma agrria.5. Ref ernci as Bi bli ogrcasIPNPMPlanoNacionaldePolticasparaasMulheres.Braslia:Pres.da Repblica/SPM, 2004.II PNPM Plano Nacional de Polticas para as Mulheres. Braslia: Pres. da Repblica/SPM, 2008.II PNRA Plano Nacional de Reforma Agrria. Braslia: MDA, 2004.BUANAIM,A.M;SILVEIRA,J.M.F.J.da;MAGALHES,M.M.ARTES,R.; SOUZA FILHO, H. M; NEDER, H. D; LEON, F.; PLATA, L.A (2002). Perl dos benecirios PCT e Incra, 2001. Relatrio de Pesquisa Convnio Fecamp, Nead, MDA. Mimeo, 393p.DEERE,C.D.Oempoderamentodamulher:direitosterraedireitosde propriedade na Amrica Latina. Porto Alegre. Editora da UFRGS, 2002FISCHER, I. R.; GEHLEN, V. Reforma Agrria: cho masculino, po feme-nino. Fevereiro 2002. Mimeo. www.fundaj.gov.br.GRZYBOWSKI, C.; SOARES, S. Eccia das polticas de gerao de emprego 36M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilerenda.RiodeJaneiro:ObservatriodaCidadania,n,3,p.125-134, 1999HEREDIA,B.;MENASCHE,R.;WOORTMANN,E.(orgs).Coletnea sobre Estudos Rurais e Gnero.Braslia: MDA/Nead(Nead Especial),2006.INCRA. Questes para discusso: o crdito produtivo e uma nova estratgia de produo. (apresentao em Power Point). 2007.LOPES, A.; MOLINA, C.; WOORTMANN, E.; ZARZAR, A. (orgs). II Colet-nea sobre Estudos Rurais e Gnero.Braslia: MDA/Nead(Nead Especial 4), 2007.MDA. Acesso das mulheres terra. Texto apresentado pelo GT de acesso terraeGTGneronoDebatedaSessoNacionalBrasileiradaREAF,na reunio preparatria para a IX REAF, 2008 (mimeo)MDA/DIEESE. Estatsticas do Meio Rural, 2006. Braslia/So Paulo, 2006.MDA/Incra. Balano da Reforma Agrria 2003-2005.MDA/Nead.CirandasdoPronaf.Braslia:MDA/Nead(NeadDebate,6), 2005.MDA/Nead.Gnero,agriculturafamiliarereformaagrrianoMercosul. Braslia: MDA/Nead (Nead Debate 9),2006.MDA/Ppigre.Docum entoProgram adeApoioOrganizaodosGrupos Produtivos de Mulheres Trabalhadoras Rurais, 2008. (mimeo)MDA/Ppigre.RelatriodosEncontrosRegionaisdePolticasdoMDA/Incra para as mulheres assentadas, 2006. (mimeo)MDA/Ppigre.RevistadoProgramaNacionaldeDocumentaodaMulher Trabalhadora Rural. Braslia: MDA, 2004MDA/Ppigre.AnlisedaevoluodaparticipaodasmulheresnoPronaf 2001-2006. (mimeo), 2007. MDA/Ppigre.Brasil com Igualdade para as Mulheres Rurais. Tex to comple-mentar apresentado para Conferncia Setorial de Mulheres como contribui-o para a I CNDRSS, 2008. (mimeo)MDA/Ppigre.RelatriodeGesto:Polticasparaastrabalhadorasrurais, 2003-2006. Braslia: MDA, 2007.MDA/Ppigre. Crdito Especial para Mulheres Assentadas da Reforma Agr-ria. (Verso para debate) (mimeo), 2008.37N e a d D e b a teMDA/Ppigre. Educao Infantil e Reforma Agrria. (Doc. em debate). (mi-meo), 2008.Normat i vasInstruoNormativan 37,de08dedezembrode2006Fixavalorese normas gerais para a implementao do Programa de Crdito Instalao aos benecirios dos projetos da Reforma Agrria.Instruo Normativa n38, de 13 de maro de 2007 - Dispe sobre normas do Incra para efetivar o direito das trabalhadoras rurais ao Programa Na-cional de Reforma AgrriaPortaria n981, de 2 de outubro de 2003 - Altera a Norma de Execuo N29, de 11 de setembro de 2002. - Efetiva o Direito de acesso terra para as trabalhadoras rurais na reforma agrriaPortaria n121, de 22 de maio de 2001 - Estabelece medidas para facilitar o acesso das mulheres agricultoras rurais aos recursos de crdito do Pro-naf, Banco da Terra e outros crditos fundirios.38M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s il39N e a d D e b a teO Censo da Reforma Agrri a de 1996 e 1997 em uma Perspect i va de Gnero40M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilO Censo da Reforma Agrri a de 1996 e 1997 em uma Perspect i va de Gnero*::: Hi l det e Perei ra de Mel o::: Al bert o DiSabbat o::: Facul dade de Economi a/ UFFI nt roduoA histria do Brasil cheia de conitos pela posse da terra. Estes se arrastam desde a chegada dos portugueses a esta regio, seja para ocu-par o vasto territrio na rota das riquezas asiticas do sculo XVI, seja para escravizar a populao amerndia e africana trazida fora para a grande fazendacolonial(PRADOJNIOR,1970).Acolonizaoportuguesaim-plantouagrandepropriedadeescravista,queproduziaparaomercado externo e para a subsistncia dos seus moradores. Com a promulgao da Lei de Terras de 1850, a terra foi transformada em uma forma patrimonial deriquezaedeexploraopredatriaderecursosnaturais,expulsoe incorporaodepopulaeslocaiseimigradas,oqueexplicaaextrema desigualdadeexistentenopas(TAVARES,1999).1Estaconcentraoda propriedade da terra est presente at os dias atuais, atravs do domnio da grande propriedade na estrutura agrria e o restante distribudo entre uma innidade de agricultores(as). Essa constatao refora a idia de que a reforma agrria uma diretriz para a poltica econmica e que sua apli-cao levaria a uma melhoria da distribuio de renda no Brasil. Com o m da escravido e a difuso do trabalho livre multiplica-ram-se as unidades familiares no meio rural nacional, atravs das posses *Este estudo faz parte do proj eto FAO/ MDA. 1.Estaleiimperialconsolidouagrandepropriedadefundiria,namedidaemquedeterminouqueaterraspoderiaser obtida pelo ato de compra e venda.42M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilepequenaspropriedades,masoacessoaterrapermaneceupresole-gislao,somenteatravsdeumatodecompraevenda(LeideTerras, 1850). Assim, as lutas sociais no campo brasileiro nunca desapareceram eexplodiramcommaiormpetonosanosde1950comomovimento das ligas camponesas, e retornaram com vigor nos ltimos vinte e cinco anos,comomovimentodostrabalhadoressemterra.essalutapela ReformaAgrriaagregou-seamobilizaodasmulheresdomeiorural pelaampliaodesuacidadania.Essasagricultoraspobres,ocupando posses e minifndios, trabalham e trabalhavam a terra com a famlia, mas a gura central desses ncleos produtores era e o Pai, o chefe da famlia. Adivisodotrabalhodecorredosexoedaidadedoscomponentesda famlia: os homens fazem determinadas tarefas, as mulheres outras e as crianas ainda outras, todos subordinados autoridade paterna.Incorporaraperspectivadegneronalutapelodireitoaterra implica combinar as denies de rural/urbano e a denio do signica-do de gnero. Rural e urbano so conceitos oriundos da separao campo ecidade,dageneralizaodasrelaesmercantisedaemergnciado capitalismo industrial, mas este estudo limita-se a tratar as mudanas na estruturasocioeconmicadasociedadebrasileira,privilegiandoomeio rural.Oconceitodegnero,ocondutordestaanlise,aconstruo histricaesocialdofemininoedomasculinoparaasrelaessociais entre os sexos, vividas na sociedade com forte assimetria. Esta formula-o terica uma das novidades dos ltimos quarenta anos, introduzida pelasacadmicasfeministasnacomunidadecientcainternacionale frutodorecrudescimentodomovimentodemulheresque,apartirdos anosde1960/70,avanouaproduocientcaeacadmicafeminista nomundoepossibilitouaemergnciadenovosfundamentostericos para interpretar a histrica discriminao das mulheres.2 NasltimasdcadasdosculoXX,aintroduodoprogresso tcnicomudaaorganizaodotrabalhoagropecurioequebraalgica familiar.Atualmente,asmulheressopequenasprodutoras,semterra, empregadas de forma temporria e permanente nas fazendas e surgem no cenrio poltico buscando uma nova identidade que as diferencie do tradicional papel feminino. Dessa forma, desde meados dos anos 1980, astrabalhadorasruraisvm-seorganizandoemtodoopas,emuma mobilizaoextraordinriaemcongressosespeccosenossindicatos 2. O conceito de gnero um dos principais instrumentais tericos utilizados pela produo acadmica feminista e deni-doporumadesuasmaisrelevant est ericas,JoanScot t ,comoGneroaorganizaosocialdadiferenasexual (1992,1994).43N e a d D e b a telocais, lutando pela extenso dos direitos trabalhistas sua categoria (CUT, 1991).essecontextoqueestetrabalhoanalisa,tendocomobaseas informaesproduzidaspeloICensodaReformaAgrriade1996/97. Este trabalho est organizado da seguinte forma: depois desta introduo feitaumaapresentaodaspossibilidadesexistentesdeinformaes sobreotemagneroemeiorural;emseguida,atravsdecruzamentos dos microdados da pesquisa, foram analisadas as variveis: sexo, idade, escolaridade, posio na famlia. Consi deraes sobre as bases de dados e a t emt i ca de gneroH uma grande diculdade de informaes no que se refere ao aspectodegneronaanlisedoprocessodetransfernciadeterrano pas. Da Lei de Terras de 1850 ao Estatuto da Terra de 1964, as polticas agrria e agrcola passaram por contestaes e obstculos sempre que a questodareformaagrriaeratrazidapelopovoparaaarenapoltica. Essa disputa provavelmente se reete na diferente perspectiva utilizada paraanalisaraestruturaagrrianacionalarespeitodacoletadedados sobreaquesto:umatratadaidenticaodoespaofundirioentre proprietrios e parceiros e a outra se ocupa com a forma como os pro-prietriosruraisocupameexploramtalespao(FERREIRA,1994).A primeira relaciona-se ao Cadastro de Imveis Rurais, cujo primeiro levan-tamento data de 1972 e era competncia do Instituto Nacional de Colo-nizao e Reforma Agrria (Incra).3 A segunda deriva dos censos demo-grcos e agropecurios realizados pelo Instituto Brasileiro de Geograa e Estatstica (IBGE).Estasagncias(IncraeIBGE),comoatendemademandaspr-prias, produzem informaes especcas para cada um dos seus contex-tos, o que diculta a compatibilizao dos dados das duas fontes de in-formaes. O IBGE foi fundado em 1936 e herdou a estrutura das esta-tsticas demogrcas e econmicas que vinham sendo produzidas pelo estadobrasileirodesde1872.JoIncrafoicriadoem1970,depoisda extinodoInstitutoBrasileirodeReformaAgrria(Ibra)edoInstituto NacionaldeDesenvolvimentoAgrrio(Inda),instituiesorganizadas depois que a Lei 4.504 Estatuto da Terra foi sancionada em 30 de no-vembro de 1964. 3. A rigor, o primeiro Cadastro de I mveis Rurais foi realizado em 1966, pelo ento I nstituto Brasileiro de Reforma Agrria (I bra), cuj os resultados no esto disponveis atualmente.44M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilO IBGE o rgo responsvel pelos censos demogrcos e eco-nmicos do pas, no caso especco pelos censos agropecurios que tra-tam especicamente da realidade do meio rural. Os censos demogrcos foramrealizadosnosanosde1920,1940,1960,1970,1980,1991e 2000 e os censos agropecurios foram a campo nestes mesmos anos e tambm em 1975, 1985 e 1995-96. Em 1872, 1890, 1900 foram feitas contagensdapopulaopeloServioFederaldeEstatsticas,masno foram contabilizadas as atividades econmicas propriamente ditas. Alm dos censos demogrcos que so decenais e continuam fazendo a con-tagemdapopulao,inclusivedapopulaoresidentenazonarural,os censoseconmicosforamextintos.Permaneceapenasoagropecurio, este foi a campo em 1995/96 e no momento est em fase de coleta (2007) com referncia ao ano de 2005/06. Alm dos censos, o Instituto produz ainda as seguintes pesquisas com informaes sobre o meio rural: a Pes-quisaNacionalporAmostradeDomiclios(PNAD),aPesquisadeOra-mento Familiar (POF) e a Pesquisa Sindical. OsCensosAgropecuriosutilizamcomoobjetodepesquisao estabelecimentoagropecurio,queumaunidadedeproduo,eque permite mensurar a concentrao de terras, mas no permite revelar in-teiramente a propriedade da terra, principalmente por que: 1) no atinge as propriedades em que no h produo agropecuria; e 2) no agrega todasasunidadespertencentesaummesmoproprietrio.Lamentavel-mente, no Censo Agropecurio s existe corte de sexo nas informaes sobrepessoalocupadonoestabelecimentoagropecurionasseguintes categorias:nmerodehomensemulheresresponsveispelafamliae membros no remunerados da famlia, empregados permanentes e tem-porrios,parceiroseoutracondio.Aindasim,estasinformaesso agregadasporestabelecimento,isto,somentetemosainformaode quantos homens ou mulheres esto ocupados no estabelecimento. Outragrandepossibilidadeparaanalisaromeioruralemum cortedegnerooferecidapelaPesquisaNacionaldeAmostraporDo-miclio(PNAD).Durantealgumtempoosestudiososutilizarampouco estas estatsticas nas suas anlises, mas na ltima dcada surgiram muitos trabalhos usando as PNADs, apesar da limitao da abrangncia da amos-tra,quenopesquisavaazonaruraldaRegioNorte.Issofoiresolvido quando a PNAD 2004 teve sua amostra expandida e a zona rural da Re-gioNortefoiincorporada,oqueampliouaspossibilidadesanalticas dessapesquisa.Narealidade,asinformaesprovenientesdasPNADs so uma das mais factveis para a anlise de gnero no mundo rural. Isso 45N e a d D e b a teporque seus microdados permitem os cruzamentos com a varivel sexo epermitemelaborarumaricaanlisedospapissexuaisedadiviso sexual do trabalho. A varivel base da pesquisa, a pessoa, discriminada por sexo, o que possibilita cruzamentos disponveis para todos os pontos levantados pelo questionrio, permitindo um panorama amplo de anlise de todos os campos da pesquisa. APesquisadeOramentosFamiliares(POF)analisaosgastosde consumodasfamliasbrasileirasefoiacampopelaprimeiravezem 1974/75,comonomedeEstudoNacionaldeDespesasFamiliares(EN-DEF),edepoiscomoPesquisadeOramentosFamiliaresem1987/88, 1995/96 e 2002/03. Ela abrange todo o territrio nacional e distribui a po-pulao residente pelas zonas urbana e rural. A unidade de anlise o do-miclio, mas na avaliao do questionrio do domiclio as caractersticas dos seus moradores so discriminadas, tais como responsvel pelo domiclio, sexo, idade, grau de instruo, cor/raa, religio e peso e altura. As informa-esdaPOFpodemserextremamenterelevantesparaadiscussoda problemtica das atividades de autoconsumo na anlise do meio rural. No entanto, todas estas pesquisas no identicam os estabelecimentos oriun-dos dos assentamentos de Reforma Agrria, o que coloca um grave empe-cilho para anlise do tema com estes instrumentos estatsticos.A segunda fonte nacional de informaes sobre o tema oriunda do Incra; este sucedeu ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrria (Ibra), que realizoulevantamentosdedados,zoneamento,cadastroetributao,e deniureasdeatuaoparaapolticaagrria.Essasaesgeraramum bancodedadossobreomeioruralnacional,quefoiherdadopelonovo rgo.Assim,oIncraagregaosdadosrelativosaomundoruralbrasileiro no Sistema de Informaes Rurais (SIR). Atualmente, no site deste rgo, o pblico pode acessar estas informaes na publicao Estatsticas do Meio Rural. A primeira grande tarefa do Incra quando de sua criao foi conti-nuar a realizao dos levantamentos sobre os imveis rurais que seus ante-cessores tinham criado. O primeiro Cadastro de Imveis Rurais foi elabora-do pelo Ibra em 1967, posteriormente foram feitos recadastramentos em 1972, 1978, 1992 e 1998. O primeiro Cadastro de Imveis Rurais feito pelo Incrafoiode1972,eseguiram-seosoutrosrecadastramentosnosanos citados acima. Infelizmente, nesses cadastros no h nenhuma informao referente ao sexo dos detentores de imveis rurais (proprietrios ou possui-dores a quaisquer ttulos). O detentor do imvel rural pessoa fsica identi-ca-se pela data de nascimento, nacionalidade, local de nascimento, se mora noimvelruralepelotipodedocumentodeidenticao,masnotem 46M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ildeclaradoseusexo.Assim,autilizaodoconceitoimvelrural,denido como uma unidade de propriedade, permite revelar de forma mais aproxi-mada a realidade da concentrao da propriedade da terra no pas. Mas a ausnciadosexodessesdetentoresumalacunagravenasanlisesde gnero.Portanto,recomenda-seurgentementequesejadiscriminadoo sexo dos detentores pessoas fsicas dos imveis rurais. Este Cadastro de Imveis Rurais foi o nico efetivamente implanta-do e mantido atualizado ao longo do tempo, devido ao seu carter tribut-rio. Com a Lei n8.022, de 12 de abril de 1990, foram transferidas para a Receita Federal as atividades relativas ao Imposto sobre a Propriedade Ter-ritorial Rural (ITR). O cadastro perdeu este aspecto e passou a ser utilizado para identicao de reas aptas para a reforma agrria. O recrudescimen-to da luta pelo acesso a terra forou a organizao de um Sistema de Infor-maes de Projetos de Reforma Agrria (Sipra). Este aglutina a produo do conhecimentosobreodesenvolvimentoruralcomestatsticasdiversas sobre os assentamentos e a reforma agrria, com o intuito de registrar as informaes dos processos de reforma agrria no pas, tais como: dados sobreestudosdeviabilidadetcnica,identicaodoProjeto,aspecto fundi rio,aspectodeconstituio,informaesdaorigem,aspectosfsi-cos,educao,apoiosocial,associativismo,energiaeltrica,assistncia tcnica, plano de desenvolvimento, demandas problemas e entraves. Estesistemadeinformaesmuitoimportanteporquepermite ter acesso ao registro dos dados dos Candidatos a Benecirios da Reforma Agrria: esses incluem a identicao do candidato e do cnjuge, histria ocupacional,composiofamiliar,exploraoagrcola,pecuria,crditos, renda familiar anual, maquinrio, infra-estrutura, habitao rural, sade e treinamento. Deve-se destacar uma importante mudana ocorrida na exe-cuo do II Plano Nacional de Reforma Agrria feita pelo MDA e implantada pelo Incra, atravs da Portaria n981/2003, que determinava a obrigatorie-dadedatitularidadeconjuntadaterraemnomedocasal(casamentoou unio estvel) para lotes de assentamento, uma reivindicao histrica do movimento das trabalhadoras rurais. No entanto, as informaes dos Cen-sos Agropecurios do IBGE e os Cadastros de Imveis Rurais do Incra4 tm dados precrios sobre os assentamentos da reforma agrria. At o presente momento, uma das poucas pesquisas com carter decensosobreaquestodareformaagrriafoifeitanonalde1996e 4.Deve-seconsiderar,entretanto,quenoestdisponvelatualmenteoCadastrodeProprietriosRurais,previstono Sistema Nacional de Cadastro Rural, que permitiria agregar todos os imveis rurais de um(a) mesmo(a) proprietrio(a), e que revelaria com mais dedignidade a concentrao da propriedade e posse da terra no pas.47N e a d D e b a teincio de 1997, e intitulou-se I Censo da Reforma Agrria no Brasil, coorde-nada por uma equipe da Universidade de Braslia UnB, em convnio com oIncra.Esteestudoteveumcartercensitrio,emboralimitadoconta-gemsimplesdobeneciriodareformaagrriaemprojetosdeassenta-mentos do Incra, por meio de informaes cadastrais.5 Os prprios autores do projeto zeram crticas coleta dos dados, mas, apesar das falhas, estes nmeros foram os primeiros em abrangncia que trataram da questo no pas. O I Censo da Reforma Agrria permite uma anlise de gnero, ainda que supercial, para os propsitos de uma pesquisa acadmica feminista, pois se limita a discriminar os benecirios por sexo, idade, escolaridade, estado civil, atividades rurais e no rurais. A metodologia utilizada foi cen-sitria, sendo uma contagem simples do benecirio da reforma agrria em projetos de assentamentos do Incra, por meio de informaes cadas-trais(SCHMIDTETALII,1998).Apesardereconheceralgunsproblemas metodolgicos,Sparovek(2003)armaqueestecensotrouxedadosat entodesconhecidossobreosassentamentos,inclusiveavarivelsexo. Este estudo analisa os microdados deste censo para desvendar a perspec-tiva de gnero no acesso a terra nos anos noventa do sculo XX no Brasil. Gnero no ICenso da Reforma Agrri aO I Censo da Reforma Agrria de 1996 e 1997 analisou uma po-pulao de 115.011 benecirios(as) da reforma agrria no Brasil. O Rela-trio dessa pesquisa alerta que este levantamento incluiu apenas as fam-lias assentadas at 31 de outubro de 1996 e que provavelmente este ca-dastrocompreende80%dasfamliasefetivamenteassentadasnopas naquele ano, com alguma variao de uma regio para outra (I Censo da Reforma Agrria do Brasil, s/data). As informaes foram coletadas entre dezembro de 1996 e janeiro de 1997. Esteestudofezumcruzamentodosmicrodadosdessecadastro censitrio e encontrou apenas 12,6 % de mulheres na populao pesqui-sada(Tabela1).Agrandemaioria,ouseja,85,9%dessaspessoastidas comobeneciriosdareformaagrriaeramdosexomasculino.Esta baixa taxa de participao feminina no processo da reforma agrria ree-te as diculdades das mulheres em obterem os ttulos de propriedade da terra, e expressa tambm o peso da tradio familiar, bem como a subal-ternidade do papel feminino na sociedade. A literatura feminista denuncia 5. Na literatura especializada, os assentamentos rurais so, de modo geral, considerados como oriundos de aes de refor-ma agrria.48M u lh e r e s n a R e fo r m a A g r r ia: a e x p e r i n c ia r e c e n te n o B r a s ilsistematicamente a ausncia da mulher do controle dos meios de produ-o e dos direitos econmicos como uma das faces da excluso social das mulheres (DEERE & LEON, 2001). No meio rural a diviso sexual do trabalho to forte que diante das reivindicaes das trabalhadoras rurais em 1986 e da presso do re-cm criado Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), composto por representantes da sociedade civil e feministas, o servio de extenso rural do Ministrio da Agricultura organizou o Primeiro Congresso Nacio-nal de Mulheres Rurais. Neste congresso praticamente todos os grupos de trabalhoreivindicaramadistribuiodeterraparamulhereschefesde famliaeatitulaoconjuntaparacasaisdeterrasdareformaagrria (DEERE,2004,181).Onzeanosdepois,oICensodaReformaAgrria mostra um quadro nitidamente masculino dos benecirios da Reforma Agrria no Brasil (Tabela 1).6 A legislao sobre a reforma agrria emanada do Estatuto da Ter-ra de 1964, vigente at 1985, priorizava os chefes de famlias dedicados s atividades agropecurias. Esse critrio discriminava as mulheres, por-queestandoohomempresentenafamlia,pelospadresculturais,ele eradesignadocomochefe.7AprprialegislaodoIncrabeneciavaa seleo masculina nesse processo, devido a um sistema de pontuao em queoshomensnaidadeentre18e60anosganhavamumpontoeas mulheres nas mesmas condies recebiam apenas 0,75 pontos. A justi-cativa para essa atitude era de que as mulheres eram consideradas menos experientesnotrabalhoagrcola.Comumsistematodiscriminatrio implantadopeloprpriorgoencarregadodefazerareformaagrria, no era estranho que as mulheres tivessem to baixa taxa de participao nos assentamentos da reforma agrria. Mesmo a mudana constitucional de1988noalteroumuitoestaquesto:oIncraestabeleceupesoigual para o trabalho de mulheres e homens no sistema de pontuao, mas as mulheres continuaram discriminadas pelos critrios que beneciavam as famlias mais numerosas e a experincia (Deere, 2004, 184, 185).8Quaisosentravesqueessapolticaagrriasofreuaolongodo tempo? O primeiro foi a prpria hostilidade dos proprietrios de terra, e dessa forma o rgo pblico para executar esta poltica viveu altos e bai-xos, criao, extino, re-criao; no h nada mais difcil do que implan-6. O sonho da titularidade conj unta s foi regulamentado em 2003.7. Esta norma estava apoiada no Cdigo Civil e foi modicada com a Constituio de 1988.8. Esta discusso sobre a titularidade da terra deve-se ao fato de que este estudo analisa os microdados do ICenso da Reforma Agrria de 1996/ 97, em que este era um problema importante naqueles anos. S em 2003 esta poltica foi mudada. 49N e a d D e b a tetar uma poltica de reforma agrria no Brasil. O segundo entrave, as mu-lheres rurais sofrem duas vezes: a injustia do direito ao acesso a terra e a ordem patriarcal que as sujeita no interior da famlia. As informaes da Tabela 1 explicitam uma realidade cruel, como chama ateno o Dossi As agricultoras do Sul do Brasil, organizado por Anita Brumer e Maria Ignez Paulilo (2004), publicado na Revista Estudos Feministas,principalmenteoartigodeCarmenDianaDeere(2004),ao comparar o Brasil com outros pases latino-americanos nos seus proces-sos de reforma agrria. O processo brasileiro tem baixa taxa de participa-o feminina, como mostra a Tabela 1, enquanto na Colmbia, tambm emmeadosdadcadade1990,opercentualatingia45%demulheres benecirias (DEERE, 2004, 175). Seguramente, esta baixa taxa de participao das mulheres como benecirias diretas da reforma agrria brasileira reete a discriminao smulheresqueprevaleceuantesdareformaconstitucionalde1988. Mas, no basta a lei para que a vida seja transformada, por isso o slogan feministana