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Volume 1, Número 2 ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017 Artigo VIOLÊNCIA ESCOLAR: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS Páginas 133 a 146 133 VIOLÊNCIA ESCOLAR: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS SCHOOL VIOLENCE: CAUSES AND CONSEQUENCES Maria de Lourdes Lopes RESUMO: O presente artigo trata da violência nas escolas, suas causas e consequências. Atualmente é visível a manifestação da violência na sociedade em geral e nas escolas em particular. Frente a essa realidade, torna-se necessária uma análise sobre o tema que considere não a violência em si, mas os elementos a ela ligados. Assim, há que se verificar as manifestações da violência na sociedade, seus motivos, seus tipos e as possíveis consequências no ambiente escolar, considerando o desenvolvimento do educando. Uma vez realizada tal análise, pretende-se apresentar algumas possibilidades de trabalho que possam contribuir para amenizar a questão da violência nas escolas. Lembrando que a escola é o espaço social para a formação de cidadãos autônomos, se faz necessário repensar seu papel e propor alternativas que amenizem os conflitos vividos no ambiente escolar. Palavras Chaves:Violência, Escola, Sociedade. ABSCRACT: This article deals with violence in schools, its causes and consequences. The manifestation of violence in society in general and in schools in particular is now visible. Faced with this reality, it is necessary to analyze the subject that considers not the violence itself, but the elements linked to it. Thus, it is necessary to verify the manifestations of violence in society, their motives, their types and the possible consequences in the school environment, considering the development of the student. Once this analysis is carried out, it is intended to present some work possibilities that can contribute to soften the issue of violence in schools. Recalling that school is the social space for the formation of autonomous citizens, it is necessary to rethink their role and propose alternatives that ease the conflicts experienced in the school environment. Keywords: Violence, School, Society.

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Volume 1, Número 2

ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017

Artigo

VIOLÊNCIA ESCOLAR: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

Páginas 133 a 146 133

VIOLÊNCIA ESCOLAR: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

SCHOOL VIOLENCE: CAUSES AND CONSEQUENCES

Maria de Lourdes Lopes

RESUMO: O presente artigo trata da violência nas escolas, suas causas e consequências.

Atualmente é visível a manifestação da violência na sociedade em geral e nas escolas em

particular. Frente a essa realidade, torna-se necessária uma análise sobre o tema que

considere não a violência em si, mas os elementos a ela ligados. Assim, há que se verificar

as manifestações da violência na sociedade, seus motivos, seus tipos e as possíveis

consequências no ambiente escolar, considerando o desenvolvimento do educando. Uma

vez realizada tal análise, pretende-se apresentar algumas possibilidades de trabalho que

possam contribuir para amenizar a questão da violência nas escolas. Lembrando que a

escola é o espaço social para a formação de cidadãos autônomos, se faz necessário

repensar seu papel e propor alternativas que amenizem os conflitos vividos no ambiente

escolar.

Palavras Chaves:Violência, Escola, Sociedade.

ABSCRACT: This article deals with violence in schools, its causes and consequences.

The manifestation of violence in society in general and in schools in particular is now

visible. Faced with this reality, it is necessary to analyze the subject that considers not the

violence itself, but the elements linked to it. Thus, it is necessary to verify the

manifestations of violence in society, their motives, their types and the possible

consequences in the school environment, considering the development of the student.

Once this analysis is carried out, it is intended to present some work possibilities that can

contribute to soften the issue of violence in schools. Recalling that school is the social

space for the formation of autonomous citizens, it is necessary to rethink their role and

propose alternatives that ease the conflicts experienced in the school environment.

Keywords: Violence, School, Society.

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INTRODUÇÃO

Este artigo trata sobre a violência escolar que tem se tornado um problema de

grande dimensão que assola a humanidade. As crianças e os adolescentes não estão fora

do espectro do risco da violência. Pesquisadores de todo o mundo na intenção de descobrir

e compreender melhor as causas de violência tem produzido uma lista de fatores causais

quase que infinita, que percorrem as instâncias políticas, econômicas, sociais, culturais,

geográficas, etc. A violência em geral e em particular que acontece no âmbito escolar

envolve crianças e adolescente e também outro fator que se apresenta de forma grave no

nosso país.

Todos os dias nos chegam, através da mídia, notícias dos mais variados tipos de

violências vivenciadas na sociedade brasileira e mesmo um âmbito internacional.

Particularmente observa-se, dentro das escolas, crianças e adolescentes cometendo

infrações que se caracterizam por agressões verbais, físicas, pichações, bullings e frutos,

sem nenhuma causa aparente que justifique tais ações ou comportamentos. Esses tipos de

comportamentos, além de despertar o interesse em compreender o fenômeno da violência

de forma ampla, por parte das autoridades competentes, exigem também, daquele que se

dedicam à esfera educacional, um olhar mais atento e observador, quanto aos

comportamentos estudantis, suas manifestações e consequências no cotidiano escolar.

Vítima da violência, a criança, além de reproduzi-la, pode reagir através de uma

mudança brusca de comportamento. Falta de atenção, baixa auto-estima, variação de

humor e agressividade são alguns sinais aos quais os pais e educadores devem estar

sempre atentos. No entanto, apesar da violência ocorrer dentro das escolas, não é gerado

pela escola em si, mas por fatores externos, como famílias desestruturadas, narcotráfico,

conflitos sociais etc. Dessa forma, se faz necessário identificar os tipos de violência

sofridos pelas crianças, para melhor compreender seus reflexos no ambiente escolar.

Se as formas aparentes da violência são de fácil percepção, as formas psicológicas

ocasionadas por ameaças, humilhações, intimidações, rejeição e desrespeito, nem sempre

são percebidas e, muitas vezes, podem ser ainda mais graves. A invisibilidade desse tipo

de agressão contribui para gerar um ambiente de segregação dentro das escolas, com

grupelhos que marcam seu campo, seu espaço pela violência.

Todas essas considerações são analisadas no âmbito desse trabalho, tendo como

foco primordial, analisar especificamente a violência nas escolas, uma vez que a escola é

uma instituição que tem como objetivo socializar e re-socializar os indivíduos, para

viverem e reproduzirem determinadas relações. Dessa forma, é no campo da educação

que se faz imprescindível fazer o levantamento da situação atual e apresentar opções que

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possibilitem solucionar os problemas que afetem negativamente a escola e os meios a ela

relacionados.

Deve-se conscientizar a comunidade escolar e não-escolar sobre as formas da

violência e suas consequências na vida do indivíduo, bem como lhe oferecer condições

de análise quanto à influência dos inúmeros fatores de violência externos que refletem no

comportamento das crianças na vida escolar, fornecendo subsídios para que os

educadores identifiquem e busquem minimizar ou solucionar os mesmos, constituindo

assim, outras pretensões.

O que é violência, como se apresenta na sociedade, sobretudo, nas escolas, qual são

os elementos causadores dessa violência e de que forma educadores e comunidade podem

contribuir para amenizar o problema, constituem o elenco de questionamentos

necessários para realizar as propostas acima relacionadas, sendo, portanto, indispensável

conhecer o que se tem produzido e discutido sobre o tema da violência.

REFERENCIAL TEÓRICO

Violência Escolar

As principais teorias que tentam explicar os fenômenos da violência humana, e,

em especial, da violência entre os adolescentes, são inúmeras. Segundo Trindade (2003),

existem dezenas de teorias que procuram explicar o fenômeno da violência. A mais

conhecida é a chamada teoria biológica, muito antiga, tem a sua origem no trabalho de

um médico italiano chamado CesareLombroso, que, num livro chamado “O homem

Delinquente”, advogada a ideia de que o sujeito nasce delinquente, nasce violento. De

acordo com o italiano a violência não se faz, nasce-se com ela. E nasce-se violento porque

se possuem alguns traços, alguns sinais físicos, que seriam responsáveis por essa referida

violência.

Hoje em dia, no século XXI, ninguém mais adota a teoria biológica clássica tal

como conhecida por Cesare Lombroso, mas no seu lugar, dentro ainda do paradigma

biológico, aparecem versões contemporâneas, entre qual Trindade (2003), cita apenas

duas: aquelas que são provenientes da moderna genética, que nos oferece estudos a partir

do cariótipo humano. Então, dentro do estudo dos mapeamentos cariótipos, poder-se-ia

determinar queestivessem relacionados com a violência, com a agressividade e a

delinquência. A outra versão moderna da teoria biológica é aquela que nos é dada pelos

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hormônios genericamente falando, mais especificamente a partir das investigações com

os neurotransmissores.

É significativamente importante não esquecer que, a partir do significado

relevante desses estudos, trata-se de versões contemporâneas da velha e da antiga teoria

de Cesare Lombroso, biologista, determinista e positivista, bem como ao sabor do final

do século XX.

Segundo Trindade (2003), a segunda grande teoria ou elenco de teorias que

procuram explicar a questão da violência, foi desenvolvido por um discípulo de

Lombroso, o também italiano, jurista Enrico Ferri, tendo divergido de seu mestre, que era

um biologista, Ferri adotou a posição contrária, afirmando que o homem não nasce

delinquente, mas que ele torna-se delinquente ao longo da vida, porque o meio social, o

meio ambiente, os fatores externos, os fatores exógenos, que hoje nós chamaríamos de

mesológicos ou simplesmente ecológicos, convergem no sentido de que essa pessoa

venha a ser violenta. Essa teoria ou esse paradigma teórico recebe o nome de modelo

sociológico.

Essa teoria sociológica que nasce ao alvorecer deste século XX trouxe por sua

vez, traduções modernas. Durkhein é um dos autores que atualizam essas determinadas

versões, e assim o fez ao tratar da questão do suicídio, onde cuidou também do problema

da violência decorre da anomia, insto é, da ausência de normas quando não há limites

estabelecidos, a probabilidade da violência pela falta de coesão social é substancialmente

maior.

A outra versão moderna da teoria sociológica é dada por um americano chamado

Merton, que diz: a sociedade, sobretudo a moderna capitalista, sugere muitas coisas.

Supõe que conseguimos atingir muitos fins, como dinheiro, sucesso, patrimônio,

automóveis, roupas etc. Essa sociedade está constantemente propondo determinadas

metas. Entretanto, ela, não oferece a todas as pessoas os menos meios. Alguns têm mais,

outros têm menos.

Para Merton (2003), afirma que a violência e a delinquência decorrem exatamente

da diversidade de maios que as pessoas têm para alcançar os mesmos fins ou as mesmas

metas. A desigualdade entre meios e metas gera a violência. O espaço existente entre os

meios que a sociedade dá a alguns e as metas ideais que sugere pra todos, é preenchido

pela conduta agressiva, que assim, cumpre o papel de aproximar meios e metas.

Esta é uma forma moderna forma relativamente contemporânea de traduzir a

teoria sociológica clássica, aliás, tão determinista quanto à anterior. Para Trindade (2003),

o problema da agressiva só pode ser compreendido numa perspectiva de disciplina de

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múltipla causalidade. Dentro do modelo psicológico, através das facetas da conduta anti-

social.

Sigmund Freud (apud Trindade, 2003), entre outras coisas, descobriu que existe

um tipo específico de delinquência por sentimento de culpa. Esta culpa é via de

consequência, a violência também pode ser uma violência responsiva à culpa,

dependendo de como a mesma se manifesta.

Inconscientemente, a criança faz determinados atos agressivos, violentos, para

receber castigo por aquele sentimento inadequado que teve na infância. Ao receber o

castigo, a criança ou o adolescente, e mesmo o adulto, expiam, aplaca aquela culpa

inconscientemente.

A teoria freudiana é criticada em inúmeros aspectos, mas continua a ser ainda hoje

o marco referencial teórico mais expressivo da vertente psicológica. Trindade (2003)

enfatiza ainda que a partir da metade do século XX, mais precisamente de 1952, vão

surgir alguns autores, ora franceses, ora ingleses, mostrando que a violência decorre de

um prejuízo nos vínculos e nas relações precoces da criança e que, todos nós, seres

humanos, temos uma tendência inata à vinculação. Quando essa vinculação a que nos

referimos é rompida, vamos preencher essa ruptura, essa fratura, esse espaço vazio,

através de atos violentos.

Trindade (2003) acrescenta também que a contribuição mais importante e ao

mesmo tempo mais atual é a teoria de WilfredBion, Talvez a visão mais revolucionária

inovadora e criativa dos últimos tempos. Por último, é importante sublinhar que todos

esses grandes paradigmas, o biológico, o sociológico e o psicológico, tratam sempre de

sujeito, do individuo. Quer dizer, nós estamos procurando causas dentro da pessoa.

Mesmo quando falamos do meio ambiente, é ele dentro do sujeito, o que se confere

internamente.

Neste sentido, Trindade (2003), faz dias breves referências sobre as teorias da

violência. A primeira, relativamente à passagem evolutiva que o ser humano fez, quando

nos tornamos “homo sapiens’ e posteriormente passamos a nos constituir também como

“homo faber”, como aquele que produz e consome no meio social, parece que nos

esquecemos de uma pequena grande qualidade: esquecemos da capacidade de brincar,

esquecemos também que somos “homo lumens” capazes de sonhar.

Remetendo-nos a realidade da violência existente significativamente no cotidiano

escolar, pode-se afirmar que devido a sua complexidade e multiplicidade de facetas, a

compreensão do fenômeno das violências nas escolas impõe o desafio multidimensional

e pluricausal que envolve a todos aqueles que estão inseridos no âmbito escolar bem como

a, sociedade, a família e a própria escola. Neste sentido, compreender, e identificar a

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violência em sua forma de origem só trarão grandes contribuições para toda a comunidade

(ABRAMOVAY e RUA, 2003, p.27)

De acordo com o pensamento de alguns autores, Debarbieux (apud

ABRAMOVAY e RUA, 2003), simplifica afirmando que a escola está mais vulnerável a

fatores e problemas externos (tais como as questões econômicas, o desemprego e a

precariedade da vida das famílias nos bairros mais pobres).

Os referidos autores mencionam também que a educação sofreu o impacto da

massificação do acesso à escola (a política do direito universal do acesso à educação para

todos, que surgiu no Brasil após a Constituição Federal de 1988), a qual passa a receber

jovens negativamente afetados por experiências de exclusão (existentes na família, na

comunidade onde vivem) e pertencimento e gangues, o que implicam necessariamente

em consequências para todos os membros da comunidade escolar: alunos, professores,

pais e/ou responsáveis.

Portanto, esses fatores externos de vulnerabilidade à violência se somam àqueles

fatores decorrentes do aumento das condutas delinquentes e de incivilidades que ocorrem

no âmbito escolar e são decorrentes das relações sociais existentes na família e

vivenciadas no seio da sociedade. Acarretando necessariamente dessa forma problemas

que afetará o funcionamento da instituição escolar, dificultando seguramente o processo

de ensino e aprendizagem dos educandos e o trabalho de todos aqueles que integram e

que estão envolvidos na instituição escolar.

As Causas das Violências

Esse é um tema vasto e abrangente, portanto, não se pode tratá-lo a partir de uma

única causa, pois essas violências podem estar relacionadas a vários motivos. Diante de

um quadro cotidiano de violência, sua extensão ao campo escolar suscita discussões, seja

na família ou na comunidade, uma vez que a escola não é a única responsável pela solução

do problema, mas toda a sociedade, incluindo autoridades responsáveis. Por isso diversos

especialistas têm abordado o tema com a finalidade de conhecer as suas causas, de forma

ampla e não de forma fragmentada.

Partindo do princípio colocado por Viana (2002) de que entender a violência exige

conhecimento de suas causas, torna-se imprescindível, no campo da educação, fazer o

levantamento da situação atual de forma a contribuir com o corpo gestor escolar, em

particular, e com a sociedade em geral, na verificação dos problemas relacionados com a

violência e na viabilidade de possíveis soluções.

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Dos muitos fatores que envolvem esta questão, possuem dois sentidos, pois se por

um lado às ações praticadas pelo aluno, no espaço escolar, ultrapassam o que se considera

socialmente aceitável, por outro lado, compreende-se que estas atitudes têm suas origens

na própria realidade vivenciada pelo indivíduo, como uma resposta, em alguns casos às

muitas opressões e violências vividas por ele.

De forma geral, observa-se que as agressividades reproduzidas por alunos, podem

estar relacionadas ao que eles presenciam ou vivem dentro do convívio doméstico,

familiar ou social, mesmo não sendo comportamentos aceitáveis socialmente. O

indivíduo que possui comportamentos agressivos na escola, muitas vezes sofre ou

presencia atos de violência, pois geralmente está cercado por instrumentos e situações

que remetem à violência.

A mídia, por exemplo, é um instrumento que pode contribuir para que crianças e

adolescentes reproduzam atos violentos; isso acontece quando se vê na televisão cenas de

criminalidade, (inclusive em novelas), de forma empolgante, com distorções

significativas da realidade ou nos jogos de vídeo-game, violências e lutas. Percebe-se,

portanto, que os meios de comunicações têm colaborado para que a violência seja vista

de forma natural.

O indivíduo, quando ocupa os espaços na sociedade, chega com informações e

comportamentos adquiridos, os quais foram internalizados, de acordo com suas vivências.

É a partir desse quadro que se deve analisar o fenômeno, sobretudo, no espaço escolar.

Dentre as possíveis categorias de análise pode-se recorrer à privação, uma vez que

interfere na construção do código de valores do indivíduo.

De acordo com Mangini (2008, p. 106) sérias privações podem diminuir a

capacidade de administrar os próprios impulsos, os quais podem manifestar-se

livremente, prejudicando as relações sociais ou serem reprimidos por um superego

severo. Assim, é possível, no âmbito da escola, encontrar estudantes que banalizam a vida

e a ordem, praticando atos de violência e vandalismo.

Nesse sentido, a privação pode ocorrer em todas as esferas da vida. Uma criança,

por exemplo, pode ser privada desde o afeto, até os bens necessários ao seu pleno

desenvolvimento. As crianças que sofrem privações afetivas crescem sem família, sem

parâmetros, sem uma direção que age como um facilitador, mostrando a realidade e

propiciando a sua compreensão com princípios éticos e morais. Não possuindo um

referencial familiar e doméstico, um sentimento de segurança, o indivíduo busca isso fora

de casa, na escola, nas drogas e nos mais diversos caminhos.

A privação afetiva que algumas crianças sofrem, prejudica a formação de sua

personalidade, de seu caráter. Segundo Silva (2004) alguns fatores como carência afetiva,

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falta de cidadania e modelos positivos, podem contribuir para que crianças e adolescentes

cometam violência e se transformem em criminosos. Devido à ausência de afeto, as

crianças podem recorrer à violência como forma de chamar atenção para receber afeto.

Da mesma forma, uma criança que não é educada para respeitar os outros, a partir

das noções de valores e cidadania, busca satisfazer suas vontades e, quando isso não

acontece, ela se torna violenta, por possuir a violência como valor principal em sua

personalidade, como forma de resolver seus conflitos pessoais. Assim, crianças e

adolescentes se espelham em tipos e modelos e a sociedade atual, através da imprensa

escrita, falada e televisada, além da internet, têm mostrado muitos casos de assassinatos,

roubos, sequestros e tráficos de drogas.

Deste modo, faltam modelos humanamente adequados, ou seja, não-violentos,

para que os jovens possam segui-los como modelos positivos e dignos. A falta de afeto e

de valores está relacionada com a frequente ausência dos pais, que, em busca da

sobrevivência diária para a família, deixam seus filhos com irmãos mais velhos ou babás,

o que reduz cada vez mais o tempo de convívio familiar entre pais e filhos. Essa mudança

nas relações familiares tem várias implicações. O abandono pode decorrer tanto da

necessidade de trabalho dos pais, quanto do total despreparo por parte dos mesmos no

trato com a criança, e ainda pela inversão de valores com relação ao papel da escola.

É comum, a prática de terceirização da educação por parte dos pais. Atualmente,

as famílias têm transferido a responsabilidade da educação dos seus filhos para a escola,

distorcendo e descaracterizando a função da mesma. As perdas ou inversões dos valores

afetivos e morais essenciais à educação da criança a vitimou, pois não há mais referencial

baseado em afeto, cuidado, respeito mútuo entre crianças e adolescentes, que já não

sabem como se comportar na sociedade. As regras que prevalecem parecem ser: o

desrespeito, a agressão para com os espaços e com os outros.

O Professor e o Enfrentamento da Violência no Âmbito Escolar

Nas duas últimas décadas, temos verificado um significativo avanço da violência

no contexto internacional e brasileiro, desvelando um cenário que, se manifesta em

diferentes espaços e épocas. A violência tem se revelado de maneira ostensiva nos

relacionamentos humanos no contexto da sociedade, e esta, tem reproduzido nos diversos

circuitos e com múltiplas características.

A violência se manifesta por meio da tirania, da opressão e do abuso da força.

Ocorre do constrangimento exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a fazer ou deixar

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de fazer um ato qualquer. Existem diversas formas de violência, tais como as guerras,

conflitos étnico-religiosos e banditismo.

A violência, em seus mais variados contornos, é um fenômeno histórico na

constituição da sociedade brasileira. A escravidão (primeiro com os índios e depois, e

especialmente, com a mão de obra africana), a colonização mercantilista, o coronelismo,

as oligarquias antes e depois da independência, somados a um Estado caracterizado pelo

autoritarismo burocrático, contribuíram enormemente para o aumento da violência que

atravessa a história do Brasil.

Diversos fatores colaboram para aumentar a violência, tais como a urbanização

acelerada, que traz um grande fluxo de pessoas para as áreas urbanas e assim contribui

para um crescimento desordenado e desorganizado das cidades. Colaboram também para

o aumento da violência as fortes aspirações de consumo, em parte frustradas pelas

dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

Por outro lado, o poder público, especialmente no Brasil, tem se mostrado incapaz

de enfrentar essa calamidade social. Pior que tudo isso é constatar que a violência existe

com a conivência de grupos das polícias, representantes do Legislativo de todos os níveis

e, inclusive, de autoridades do poder judiciário. A corrupção, uma das piores chagas

brasileiras, está associada à violência, uma aumentando a outra, faces da mesma moeda.

A solução para a questão da violência no Brasil envolve os mais diversos setores

da sociedade, não só a segurança pública e um judiciário eficiente, mas também demanda

com urgência, profundidade e extensão a melhoria do sistema educacional, saúde,

habitacional, oportunidades de emprego, dentre outros fatores. Requer principalmente

uma grande mudança nas políticas públicas e uma participação maior da sociedade nas

discussões e soluções desse problema de abrangência nacional.

As Manifestações da Violência na Escola

A violência é, na atualidade, mais um componente do espaço escolar e contribui

efetivamente para a configuração de uma "paisagem" marcada por sentimentos de

insegurança e desconfiança no outro. De "apêndice da casa", essa instituição, cuja

constituição está intimamente ligada à modernidade e à sua construção, aparece hoje, na

opinião de alguns, como local perigoso.

A imagem -- já quase idílica -- da instituição escolar como espaço social

caracterizado pelo prazer e pelo encanto de aprender e de ensinar parece que vem sendo

substituída pela desconfiança e medo: desconfiança quanto às possibilidades do diálogo

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na resolução dos conflitos e medo de que a palavra seja substituída pela força, o que

constitui o princípio da violência (Arendt, 1997; Aquino, 1998).

A relação entre escola e violência não é um fato novo para os pesquisadores da

área educacional; no entanto, durante muito tempo, a violência no interior da escola era

analisada, basicamente, como a violência da escola, como uma ação exercida pelo

professor e demais representantes da instituição, que, consciente ou inconscientemente,

mas de forma arbitrária, inculcavam nos alunos uma determinada "visão" de mundo.

Quando vinda do corpo discente, era considerada como reação a um rígido sistema

hierárquico, a uma escola com características militares. É este o teor das críticas

elaboradas por autores denominados de critica reprodutivistas (2) (Saviani, 1999), em

cujo aporte teórico se fundamentou durante a década de 1970 e início da década de 1980,

outros autores, os quais denunciaram a escola como reprodutora das desigualdades

sociais, instrumento essencial do poder dominante em seu intento de manutenção e

perpetuação do status quo.

A partir de meados da década de 1980, paralelamente à redemocratização da

sociedade brasileira, pode ser identificada uma segunda abordagem, que, modificando o

foco, analisava a violência manifestada na escola como um fato cuja origem era exterior

à instituição, ou seja, tratava-se da violência contra a escola. Nesse contexto, procurava-

se mostrar a escola como vítima da invasão de minorias constituídas por excluídos, ou

como assediada sistematicamente pelo narcotráfico, em que professores e alunos,

formando um mesmo bloco, apresentava-se como vítimas de um estado de coisas que

exigia intervenção mais severa da parte do Estado. Nesse sentido, os agentes da violência

estariam fora dos muros da escola, portanto a questão deveria ser tratada como um

problema de segurança (Guimarães, 1998; Fukui, 1992).

A violência que se manifestava na escola era analisada como modalidade ou

subcategoria da violência urbana. Era a violência urbana "batendo às portas" da escola.

Não obstante, nos anos finais do século XX, a intensificação dos conflitos

escolares "intramuros", representada pelo expressivo aumento de ocorrências

relacionadas a agressões físicas e verbais dos alunos entre si e com professores, associada

à percepção de que o vandalismo contra os prédios públicos era praticado também pelos

próprios frequentadores das escolas, levou os estudiosos a analisarem o tema a fim de

captar as especificidades de sua manifestação na escola, a violência na escola.

Nesta terceira abordagem, o foco de análise é, nas palavras de Sposito (1998,), "a

violência escolar stricto sensu, aquela que nasce do interior da escola ou como

modalidade de relação direta com o estabelecimento de ensino" (grifo da autora).

Buscasse, assim, incorporar às análises os aspectos ligados à dinâmica da instituição

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escolar, ou seja, o olhar investigativo volta-se para o interior da escola, para as relações

que nesse espaço se travam. Gradativamente, as análises passam a considerar a violência

como um fenômeno interno à escola. Não sendo a escola uma ilha e estando, destarte,

condicionada ao meio social no qual está inserida, a violência urbana nela penetra, mas

seu padrão geral não é definido.

A instituição escolar, como escreve Guimarães (1996), não pode ser vista apenas

como reprodutora das experiências de opressão, de violência, de conflitos, advindos do

plano macroestrutural. A escola onde depositamos muitas das nossas esperanças de

formação de um cidadão capaz de um agir ético tem sido o espaço da expressão da

violência, fator antagônico a ética e que se opõe a concretização do objetivo maior da

educação para a cidadania.

Para Laterman (2003) as escolas tem sido espaço de várias expressões da

violência, “que desorganizam a rotina idealizada por professores e alunos: agressões

verbais e físicas, brincadeiras muito agressivas, humilhações, ameaças, depredações,

indisciplina excessiva, desrespeito” até a ação de grupos que se situam no entorno da

escola, agressões entre alunos e adultos.

Assim a violência no meio escolar, se constitui como um fenômeno complexo,

que segundo Luzardi (2003) tem preocupado a comunidade escolar, pois “toda a violência

inibe o potencial de desenvolvimento do ser humano e impossibilita o exercício da sua

plena cidadania” e não pode ser negligenciada.Também Ohsako e Charlot apontam a sua

preocupação com as manifestações da violência na escola, pois “ela coloca em risco a

função social da escola de socialização das novas gerações...”

(Charlot e Ohsako apud Santos, 2001) Assim a violência tem afrontado a

educação, ao lado de tantos outros desafios que a educação deve se confrontar como: o

analfabetismo, a evasão escolar, a educação de jovens e adultos, abriu-se, como cita

Guimarães, “uma nova pauta obrigatória da agenda pública educacional”, a questão da

violência em meio escolar.

Fante nos apresenta um quadro para a abordagem do tema em questão. Ela sugere

uma classificação para o estudo do fenômeno da violência no meio escolar, que

sinteticamente se apresenta assim: quanto ao grau (violência simples ou complexa);

quanto à forma (direta, indireta, explícita, implícita); quanto ao tipo (física e sexual,

verbal, psicológica, fatal); quanto ao nível (discente, docente, funcionários, pais,

instituição); quanto às dimensões (no interior da escola, no entorno da escola, da escola),

quanto às determinantes (biológicos, pessoais, familiares, sociais, cognitivos,

ambientais).

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Outro ponto que caracteriza o fenômeno da violência escolar, é o de ser um

fenômeno que não se limita aos países periféricos. Vale, contudo citar a observação de

Grams, secretário do Congresso Ibero Americano sobre Violência nas Escolas feita em

uma entrevista: ”a violência não é uma exclusividade das unidades escolares localizadas

em áreas de pobreza.”

O Professor Frente às Demandas da Violência na Escola

De acordo com Milani (2004) a disparidade econômica acarreta injustas

consequências sobre a qualidade de vida da população sobre vários aspectos,

notadamente, nas áreas da saúde, educação, moradia, segurança, entre outros, gerando

por assim dizer, a violência vertical. No momento em que as necessidades básicas não

estão sendo atendidas, aliadas aoutros problemas como o não desenvolvimento de

valores, a aproximação com as drogas e o narcotráfico, a facilidade para ingressar no

mundo dos crimes e a impunidade, podem ser considerados como facilitadores para o

avanço da violência social.

Ao voltarmos à atenção para a escola, seus alunos, professores, perguntamos sobre

a relação entre a violência social e àquela presente no ambiente escolar. Esta realidade,

esta vivência em meio a atos violentos, não estaria gerando na consciência de nossa

sociedade, de nossos jovens estudantes, a ideia de que este comportamento acontece, e

que deve ser considerado natural? Será que ao chegar à escola o aluno transfere a

realidade violenta e violentada para o interior da mesma? Assim, entre os variados

lugares em que a violência é exercida, temos o contexto escolar, no qual vem tomando

proporção alarmante, com recorrência cada vez mais banalizada, seja na mídia ou no

cotidiano da maioria dos brasileiros.

O papel do educador vem passando por um intenso processo de modificação nas

últimas décadas, reflexo também de constantes mudanças na sociedade, gerando novos

desafios e demandas e, entre estes se encontra a violência no contexto da escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo permitiu observar o fenômeno da violência como algo presente

entre as pessoas em todos os lugares e que atinge todas as classes sociais. A violência está

de tal modo enraizado no homem moderno, que não se pode deixar de reconhecer que é

fenômeno típico de nossa época, sempre presente e com as mais variadas faces. Seu

Volume 1, Número 2

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VIOLÊNCIA ESCOLAR: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

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crescimento se dá na mesma proporção que diminui as oportunidades de qualidade e de

vida, incluindo as condições básicas.

No âmbito escolar, aqui abordado com veemência, a manifestação da violência se

torna cada vez mais frequente entre os jovens. Tal fenômeno, no âmbito desse trabalho,

foi considerado como associado ao ambiente extraescolar, o qual promove

transformações e influência de maneira negativa, nas relações intraescolares, pois nesse

espaço, se manifestam os conflitos, os quais são reflexos dos problemas que acontecem

no seio da sociedade, inclusive na família, pois muitos jovens violentos advêm de famílias

desestruturadas, se considerarmos que a família é a base da sociedade.

Dessa forma, as abordagens em torno do tema foram orientadas no sentido de

contribuir para uma tomada de consciência, de reflexão, sobre o que pode ser feito sobre

a complexidade que o fenômeno constitui, bem como para amenizar a violência escolar,

promovendo o conhecimento de fatos até então desconhecidos. Nessa perspectiva

constatou-se a necessidade de se trabalhar com a comunidade, a família, e escola de forma

sintonizada, interagir forças, acreditando na possibilidade de oferecer a todos os

educandos, a oportunidade de desenvolverem as suas potencialidades de maneira

tranquila e saudável, para o bem de todos.

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