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LITERATURA DIGITAL: AVENTURA DO LIVRO E DO LEITOR.

Marcos Douglas PEREIRA1

Fragmentao da leitura, de um lado, modificao da produo editorial, de outro: o perigo duplo. Nas novas circunstncias, os dispositivos editoriais mudam. A revoluo eletrnica, evidentemente, acelera as concentraes. (CHARTIER, 2009, p. 144).

Resumo: O mundo virtual representa hoje a nova possibilidade de se lidar com o real e a literatura surge como elemento transformado e transformador. A rede mundial de computadores vem nesse momento como fator de grande dialogismo no que se refere aos textos em geral e possibilita a interao humana e a inferncia na obra literria. H uma nova forma de ler, escrever, divulgar e interagir com a obra que apresenta grande mobilidade e tem intrigado a todos. O novo leitor, a obra digital e a identidade autoral sero o foco de discusso nesse artigo, sem deixar de lado as noes de texto, textualidade e avanando pelo hipertexto e suas possibilidades. Palavras-chave: Literatura; Ciberespao; Hipertexto;

1 - Introduo A redefinio da Literatura mais visvel do que nunca, nos dias atuais. Os paradigmas literrios esto se modificando com o advento da Internet, nos anos 90, e com as prticas literrias ciberespeciais. Porm a revoluo literria apresentada atravs dos textos literrios eletrnicos no a primeira e tampouco a ltima que a histria da Literatura viu e ver. Chartier (2009, p. 7) j comentava que a primeira tentao a revoluo eletrnica com a revoluo de Gutenberg quando o texto copiado a mo, com toda sua dificuldade e alto custo, foi reorganizado atravs dos tipos mveis que mecanizaram, aceleraram o processo de reproduo dos textos e tornaram-nos mais acessveis, fazendo com que a leitura do texto literrio se difundisse e alcanasse seu auge no Sculo XIX. Os dias atuais apresentam um1

Mestrando em Letras Estudos Literrios (UEM) Universidade Estadual de Maring

panorama revolucionrio com os PDFs, e-books, blogs, tablets e outros modos de divulgao de textos de autores que, sem essas ferramentas, jamais sonhariam em um dia ver seus textos circularem em diversas esferas e, qui, aferir algum lucro com eles. Diversas questes surgem desses novos paradigmas literrios como: qual o lugar que a virtualizao ocupar na Literatura? Como a teoria literria compreender essa nova situao ? Cabe uma literatura eminentemente eletrnica em um futuro distante? Suplantar a Literatura digital literatura tradicional cannica? Tais questes ampliam uma outra, central, que ocupa as mentes da crtica e dos filsofos h sculos: o que Literatura ? e que permanece sem resoluo, sendo que provavelmente nunca ser resolvida. Tais questes que passam pela morte da literatura, necessitam de reflexes que precisam ser observadas sob novas ticas, diferentes das simplificadoras, e que sejam ricas em possibilidades como a prpria diversidade do meio eletrnico. Com a finalidade de abordar tais questes percorrer-se- o caminho do trajeto da literatura em modalidade histrica, de forma breve, para que se possa discutir a literatura frente a tais perspectivas contemporneas e que contemplam o ciberespao.

Caminho histrico Os conceitos de Aristteles e Plato pacificaram, durante sculos, as discusses sobre o fazer literrio, seus objetivos e motivos. No sculo XVII os conceitos se veem dissolutos pelas dvidas e as problematizaes se veem ricas no campo terico, para, nos sculos XIX e XX, atravs de diversas correntes como o Impressionismo, o objetivismo, o New Criticism, a psicanlise, o Formalismo Russo entre outros reabriram as discusses e ampliaram as possibilidades, nos legando pano de fundo para as novas questes que surgiriam com o advento do texto ciberntico. Atualmente quanto ao pensamento crtico, o conceito de literatura varivel, modificando-se de acordo com os pressupostos tericos de correntes determinadas: o impressionismo, o formalismo russo, a crtica literria sociolgica ou uma juno de vrias correntes, em interligaes e excluso de princpios. Tal modo de pensar inclusor, de distanciamento, de comparao e de aproximao somente possvel devido ao imenso corpo terico e literrio que se adicionou aos estudos da teoria da literatura durante os sculos novas teorias, definies e questes.

Tais consideraes, apesar de claras e j bem disseminadas so pressuposto chave para a construo de conceitos e reflexo acerca das novas questes que se apresentam e que, como observou Chartier (2009, p. 7), apesar de intrigantes no so novidade do ponto de vista de revoluo literria, uma vez que, a Literatura caminha em um plano, por assim dizer, nada firme e em terreno acidentado e sujeita ao panorama crtico-histrico que lhe d motivos e combustvel para sua produo e manuteno constante.

A aventura digital

O gnero cannico da cibercultura o mundo virtual. No devemos entender esse termo no sentido escrito da simulao computacional de um universo tridimensional explorado com um capacete estereoscpico e datagloves. Vamos antes apreender o conceito mais geral de uma reserva digital de virtualidades sensoriais e informacionais que s seu utilizam na interao com os seres humanos. (LEVY, 1999. p. 147)

Novas metodologias e paradigmas se fazem necessrios para abarcar as novas tecnologias e a diversidade que o meio digital trouxe Literatura, sem dispensar ,porm, as teorias tradicionais que serviro de base para a compreenso da literatura e para a tentativa de se desenhar algumas possibilidades da Literatura digital. O processo prprio das linguagens eletrnicas imprime na obra um estatuto de perda da identidade, uma vez que o texto no meio eletrnico sai do poder do autor e adquire status de pertencente ao meio virtual necessariamente. Os meios tecnolgicos impregnam a obra quando est se insere no meio atravs de sua transformao semitica. A literatura ganha movimento e os sentidos se intercambiam quando agem em seu novo meio atravs da simbiose de significados. As possibilidades para a obra no meio digital so muitas e ainda no h como se apropriar de todas as suas possibilidades, mas muitos recursos j tem sido utilizados pela literatura em meio digital. As produes literrias, como no caso das fanfictions, se utilizam de diversos recursos, como, por exemplo, os chats, as anlises feitas em sites dirigidos pelos prprios fs, as listas de discusses, entre outros recursos que dinamizam e tornam a obra literria menos impregnada pela autoridade autoral e mais pertencente ao pblico alvo, sem

diminuir a importncia que se d ao original e aumentando a riqueza de possibilidades da obra. A quantidade de possibilidades de obras literria, de valores estticos variveis uma constante na rede mundial de computadores. Muitas so as obras e seus desdobramentos. Os pilares principais so a Intertextualidade, a hipertextualidade e a intratextualidade.

Hipertexto, intratexto e intertexto: o movimento das possibilidades literrias.

Para (KOCH, 2003:61) : todo texto constitui uma proposta de sentidos mltiplos e no de um nico sentido, e que todo texto plurilinear na sua construo todo texto um hipertexto. As possibilidades do hipertexto trazem grandes possibilidades que do, por assim dizer, vozes aos discursos unvocos. As diversas leituras que um texto possui so realizadas e ampliadas pelos leitores que do vozes a esses textos e imprimem significados diversos ao texto. O texto, devido s suas possibilidades de leitura no-linear proporcionadas pelo texto virtual, assume um carter de ininterruptibilidade muito maior do que o prprio texto impresso em papel. Na concepo de Bakhtin (1988:92), a lngua no um contexto fechado, isolado mas um processo scio histrico, sendo o homem um ser social e sempre precisando de um outro que complete o ciclo comunicativo. Esses fatores fazem do hipertexto algo muito mais democrtico e dinmico no campo da leitura. Entendendo ainda a comunidade textual como uma rede onde relembramos o conceito de Bakhtin de polifonia, o dialogismo, a pluralidade de vozes constitui, nessa rede de sujeitos da comunicao uma rica possibilidade ligada ao conceito de texto, quando este aparece no meio virtual. Sendo assim, o intertexto possibilita a continuidade dos discursos, concordando, discordando, contrapondo, relembrando, ao mesmo tempo em que ns elaboramos novas propostas, reafirmamos outros discursos anteriores, discurso esse, de toda a coletividade. E por isso, pode est implcito ou explcito em nossa fala, at sem percebermos, mas est l, no nosso inconsciente, pois somos seres sociais e interdependentes.

Nesse panorama, podemos afirmar que o hipertexto, com suas possibilidades de mltiplos sentidos deixa pistas em sua construo de que possui a materialidade nele imbricada de vozes diversas. A quebra de linearidade do texto explorada no hipertexto, abrindo horizontes que o texto convencional em papel dificilmente alcanaria com tanta praticidade e mltiplas possibilidades. Surge a necessidade ento de novos estudos que abranjam a explorao das mltiplas possibilidades do universo criado pelo hipertexto e sobre as maneiras como ele vem sendo explorado, mesmo que de forma tmida pela gama de possibilidades que traz receio aos seus utilizadores. O paradigma do intertexto no vem, porm, como o assassino, por assim dizer, do autor. A autoridade dele permanece e ele age como um incendiador que iniciar uma grande fogueira possibilitando, com sua veia artstica, novas ampliaes que no acabariam com sua criao mas enriqueceriam-na. A intertextualidade atravs de sua verticalidade percebe-se no texto admitindo-se que o texto um mosaico grande de outras vozes anteriores que ecoam na mente do autor de seus leitores continuamente, sendo retrabalhado o tempo todo e sendo perfeito em um espao virtual que garanta maior dilogo e interatividade mais frequente e rpida. O hipertexto assim alado pela intertextualidade aumentando assim o potencial intertextual de uma forma muito palpvel e se combinando de forma mais eficiente e prtica na literatura digital.

Literatura ciberespacial

Assim, a literatura digital que se apresenta atualmente e que vem evoluindo ao longo dos anos, nos apresentando novos questionamentos e nos instigando a realiza-la, disseca-la e discuti-la, traz efeitos inovadores atravs da interconexo e da virtualizao. A imaterialidade, a instantaneidade, a mobilidade, a fluidez, a adaptabilidade, a coletividade, a interatividade, a multiplicidade, o dialogismo so o caminho e a face da literatura eletrnica. Os anseios e possibilidades desenhados por essa literatura permeariam os sonhos de diversos autores da antiguidade clssica como uma utopia e hoje encontram-se plenamente repletos de possibilidades de realizao atravs das diversas mdias presentes.

A literatura digital significa, mais do que a volatilizao do referente, a sua modificao em autorreferente. Pode-se verificar na teoria dialgica de Backtin, atravs ainda da teoria de desconstruo de Derrida o prenncio de muitas possibilidades do meio digital. Os modos de desconstruo e at a instabilidade da posse da autoria so verificados nessa situao. A mudana drstica das situaes que a vida moderna nos traz, entre elas a prpria relao entre a velocidade e dinamicidade dos bits do computador acaba por nos lanar em um vazio, no mais existencial, mas conceitual em relao literatura digital e suas ousadas e inovadoras cartadas nos confundindo quanto aos mtodos a serem utilizados e explorados. O dinamismo do ciberespao configura-se nas suas faces inter, intra e hipertextuais. Um remodelamento quanto essncia e alma dessa nova forma literria chega para causar novos debates e trabalhar com toda a estrutura de valores vigentes tentando entender a nova situao dos estatutos literrios e acomod-lo condio de dinamismo que o ciberespao proporciona.

O novo estatuto e a participao autoral na obra digital.

O espao, antes privilegiado, da Literatura,, carregada de status e de poder, colocada em um pedestal, talvez nas acrpoles ou no centro do Monte Parnaso, como um sonho deslocou-se, saiu dos montes olimpos do convvio com as divindades e veio imaterializada para a internet, para o espao democrtico e gil, para o ciberespao. Isso no causou seu fim, sua morte, mas seu renascimento, seu novo nascimento, agora disfrutando de muitos mais meios para subsistir e para se metamorfosear nos mostrando a possibilidade nova de reiniciarmos a escrita como se nunca antes ela houvesse existido, mas ao mesmo tempo sem deixar de recorrer ao passado. A questo autoral, to posta em voga, e motivo de tanta preocupao com a chegada do meio virtual e com a insero nesse panorama da obra virtual, tambm discutida quando se fala no status da obra por Foucault (1992,p. 56-57)

A funo autor est ligada ao sistema jurdico e institucional que encerra, determina, articula o universo dos discursos; no se exerce uniformemente da mesma maneira sobre todos os

discursos, em todas as pocas e em todas as formas de civilizao; no se define pela atribuio espontnea de um discurso ao seu produto, mas atravs de uma srie de operaes especficas e complexas; no reenvia pura e simplesmente para um indivduo real, podendo dar lugar a vrios eus em, simultneo, a vrias posies-sujeitos que classes diferentes de indivduos podem ocupar (1992, p. 56-57).

O papel do autor, que parece perder sua identidade nesse novo estatuto da obra se transfigura de um eu para vrios, por assim dizer ns quando a obra alcana o meio digital. Tal transfigurao no altera seu discurso, mas torna ele mais democrtico e atualiza-o constantemente com a inferncia dos demais sujeitos que, por meio de diversas possibilidades, inferem na obra indiretamente e constantemente atravs dos diferentes meios que o ciberespao disponibiliza diariamente. Consideraes finais

A literatura se v, diante dessas novas perspectivas, carente de uma nova identidade e enfrenta diversos desafios nessa nova era de literatura digital sem data prevista para acabar e com muitas questes a ser resolver surgindo constantemente. Mesmo assim, a mediao eletrnica, no um monstro destruidor que subjugar a arte literria, pode ser um suporte que traga novos modos de fazer a produo artstica, baseados na mobilidade, na imaterializao, na instantaneidade, na interatividade, no dialogismo e na polifonia. A postura a se analisar quanto literatura nesse momento no deve ser discriminatria. No se pode esquecer, no entanto, que a imprensa e a escrita so tcnicas e nem por isso so consideradas ofensivas humanidade, como rotulada a informtica desde seu surgimento e primeiras inferncias. Tal crise no representa, porm, o fim da literatura, mas uma nova postura e status do texto literrio nessa nova ordem e configurao de valores. O novo desafio da literatura parece configurar-se atravs no da construo de uma nova literatura mas da desconstruo do fazer literrio e da prpria obra. A nostalgia da Literatura deve ser ponto a ser esquecido nesse momento para no prejudicar as novas possibilidades alcanadas pelo livro digital, no ciberespao em todas as suas possibilidades.

Referncias Bibliogrficas

BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV, V.N.). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora: Hucitec. So Paulo, 1988. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro, Ouro Sobre Azul, 2006.

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___. Cibercultura. Traduo Carlos Irineu da Costa. So Paulo: 34, 1999. ___. Cibercultura. Traduo Carlos Irineu da Costa. So Paulo: 34, 2001a.