artigo jogos e brincadeiras populares na formao de profess ores de educao fsica

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EntrelaandoRevista Eletrnica de Culturas e EducaoN. 1 p. 1-13, Ano I (out/2010) ISSN 2179.8443

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JOGOS E BRINCADEIRAS POPULARES NA FORMAO DE PROFESSORES DE EDUCAO FSICA: consideraes sobre a assuno cultural e a emancipao humana presentes na pedagogia da autonomiaAnlia de Jesus Moreira1 Universidade Federal do Recncavo da Bahia

RESUMOTratamos2 neste artigo da descrio de uma experincia pedaggica com jogos e brincadeiras populares pesquisados por alunos da disciplina Educao Fsica I (a Educao Fsica na Educao Infantil) do curso de Licenciatura em Educao Fsica da UNIRB, Faculdade Regional da Bahia no ano de 2008, em Salvador-BA. Aps levantamento de repertrio das manifestaes identificadas como jogos e brincadeiras populares, identificamos o percurso histrico de alguns jogos e a ligao destes com a cultura popular. A partir do aporte histrico, construmos por meio de planos e aulas as possibilidades pedaggicas destas manifestaes da cultura corporal. Inicialmente os jogos foram socializados nas aulas do semestre dos discentes e como culminncias do projeto, aps sistematizao da pesquisa, aplicaram esses jogos na escola municipal Otto Alencar, na cidade de Simes Filho, na regio metropolitana de Salvador. O alvo foram alunos dos ciclos iniciais do ensino fundamental (1 a 4 srie) e Educao Infantil. O objetivo deste texto refletir sobre essa experincia pedaggica partir dos princpios de assuno da identidade cultural e emancipao humana de Paulo Freire, analisando suas repercusses na formao de professores de Educao Fsica. Palavras-chave: Cultura popular. Educao fsica. Emancipao.

ABSTRACTThis article deals with the description of a teaching experience with games and play popular searched by students of Physical Education I (Physical Education in Early Childhood Education) from the Bachelor of Physical Education UNIRB, Regional School of Bahia in 2008, in Salvador-BA. After surveying the repertoire of expressions identified as popular sports and games, we have identified the route of some historical connection between these games and popular culture. From the historical contribution, we have built through plans and teaching the pedagogical possibilities of these manifestations of body culture. Initially the games were socialized in the classes of the semester the students' heights and how the project, after systematic research, applied these games in the school hall Otto Alencar, the city of Simes Filho, in the metropolitan region of Salvador. The target students were the initial1

Professora Assistente do CFP, Graduada em Licenciatura Plena em Educao Fsica, (UCSAL), Mestra e doutoranda em Educao (FACED/UFBA), e-mail: [email protected]. Embora esta autoria seja nica, utilizo a terceira pessoa do plural para me referir a produo coletiva, vez que esta contemplou a pesquisa de estudantes.

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cycles of basic education (1st to 4th) and Early Childhood Education. The aim of this paper is to reflect on this learning experience from early assumption of cultural identity and human emancipation of Paulo Freire, analyzing their impact on training of PE teachers. KEY WORDS: Popular culture. Physical education. Emancipation.

INTRODUOPesquiso para conhecer o que ainda no conheo e comunicar ou anunciar a novidade. (Paulo Freire - Pedagogia da Autonomia)

A importncia pedaggica dos jogos populares hoje um dos fenmenos mais estudados pela Educao Fsica. E no difcil compreender essa necessidade diante dos argumentos que sustentam o objeto de investigao desta rea. A cultura corporal ou cultura corporal do movimento3 envolve as relaes corpo-sociedade e remete essas discusses ao papel deste componente curricular na escola. Sabe-se que impossvel continuar justificando a Educao Fsica na escola apenas pelo vis biolgico e desportivo, vez que este componente curricular da educao bsica reconhece as dimenses psicolgicas, culturais, afetivas e cognitivas, como influentes para a formao do sujeito e de sua atuao no contexto social, como deixa perceber Castellani Filho: da competncia da Educao Fsica, dar tratamento pedaggico aos temas da cultura corporal, reconhecendo-os como dotados de significado e sentidos porquanto construdos

historicamente. (1998.p.54). Observamos ainda que as constantes mudanas ocorridas na sociedade brasileira tm provocado discusses acerca do papel da escola como articuladora de aes que proporcionem ao sujeito condies para que ele reaja e participe das transformaes sociais. Na perspectiva de Paulo Freire,(1996) isso denota fundamentalmente duas frentes de ao: reconhecimento e assuno da identidade cultural e a emacipao humana.Na obra Pedagogia da Autonomia, 1996, Paulo Freire considera que: assumir-se culturalmente , sobretudo, assumir em termos identitrios, a dimenso da individualidade e de classe dos sujeitos, visando o respeito por uma prtica educativa progressista. (p.41-42).

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As duas nomenclaturas referem-se s correntes de pensamentos distintas dentro da produo acadmica da Educao Fsica. Este texto considera as duas terminologias como legtimas e confluentes como objeto de estudo da Educao Fsica no mbito da cultura escolar.

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Sendo a escola um local onde as tenses sociais devem ser problematizadas, de se esperar que ela debata e reconhea os ritmos prprios e linguagens expostos pelos sujeitos, porquanto so as linguagens construtos do elo entre os alunos, a escola e a sociedade. Para a Educao Fsica, esse elo a compreenso das relaes entre corpo, movimento e sociedade por meio da cultura, na medida em que se cria e recria a histria corporal do hoje, seja ela comunitria ou incorporada de outras culturas. Esse impacto cultural pode ser evidenciado no compromisso do processo educativo emancipatrio considerando a formao docente como um lugar de experincias histricas e polticas. Mas esta experincia, segundo Freire, 1996, jamais pode se dar virgem do conflito entre as foras que obstacularizam a busca da assuno de si por parte dos indivduos e dos grupos e das foras que trabalham em favor daquela assuno. (p42). O conflito, portanto, denota passagem da postura ingnua para a postura crtica e um processo emancipador vigilante sem o qual impossvel manter o fomento da esperana como elemento permeado da criticidade e afetividade humana. Estes so os aspectos preliminares que justificam o interesse pelo valor cultural e histrico dos jogos, brinquedos e brincadeiras populares ou infantis na prtica pedaggica da Educao Fsica, especialmente na educao infantil e nas sries iniciais do ensino fundamental,tendo em vista a formao docente na rea da educao fsica. Estas faixas de idade escolar entre 03 e 08 anos, so propcias a aculturao, a socializao e a camaradagem, observando que estes elementos constituem o arcabouo afetivo na infncia. Com o objetivo de perceber como os jogos e brincadeiras populares repercutem na escola a partir da memria dos alunos do curso de licenciatura em Educao Fsica da UNIRB, desenvolvemos um estudo buscando a apropriao de um repertrio mnimo levantado pelos prprios estudantes. A esse respeito nos reportamos ao que disse Paulo Freire sobre formao docente para a autonomia: O que importa, na formao docente, no a repetio mecnica do gesto, este ou aquele, mas a compreenso do valor dos sentimentos, das emoes, do desejo, da insegurana a ser superada pela segurana, do medo que, ao ser educado, vai gerando a coragem. (FREIRE, 1996, p.45). Numa etapa posterior, aps a vivncia prtica destes alunos nas aulas da disciplina Educao Fsica I, partimos para a prtica de ensino numa escola pblica. As aulas foram ministradas pelos futuros professores tendo como discentes estudantes do ensino infantil e

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sries iniciais do ensino fundamental da escola municipal Otto Alencar, na cidade de Simes Filho, regio metropolitana de Salvador. Este artigo resulta das reflexes e avaliao desta prtica de ensino. Ao elevar esse resultado produo literria, tratamos de explicitar a riqueza cultural dos jogos populares e a representatividade destes saberes na escola, destacando o interesse do tema na formao de professores de Educao Fsica. Para analisar os resultados objetivos e subjetivos da experincia refletimos sobre a pedagogia freireana especialmente no que se refere aos princpios de assuno da identidade cultural e emancipao humana no contexto de formao docente.

METODOLOGIA DA PESQUISAO objetivo deste trabalho com alunos do curso de Licenciatura em Educao Fsica foi, sobretudo, perceber o interesse destes pela memria ldica infantil. Em outro plano procuramos como mediadores do processo, propiciar um levantamento de repertrio, capaz de fomentar uma estratgia de utilizao destes saberes nas futuras aulas de estgio obrigatrio dos alunos. O trabalho foi desenvolvido sistematicamente no segundo semestre letivo de 2008 com a turma noturna do 3 semestre, cursante do componente curricular Educao Fsica I. 20 alunos participaram do projeto, pesquisando os jogos junto a familiares ou amigos. Ainda na primeira fase, pesquisaram as possveis origens culturais dos jogos citados pelos entrevistados e na terceira fase, em equipe, construram planos de aula para executar os jogos, aplicados Educao Infantil e ciclo inicial do ensino infantil (zero a seis anos, e, sete a oito anos). Aps a experincia entre os alunos, os jogos foram aplicados em um nico dia na escola municipal Otto Alencar, na cidade de Simes Filho, na regio metropolitana de Salvador.

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ETAPAS 1

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SISTEMATIZAO ENTREVISTA DOS ALUNOS COM PESSOAS MAIS VELHAS (AMIGOS E FAMILIARES) SOBRE OS JOGOS QUE ELES COSTUMAVAM PRATICAR ENTRE 03 E 07 ANOS DE IDADE PESQUISA SOBRE A ORIGEM CULTURAL DESTES JOGOS TRANSFORMAO DOS JOGOS EM PLANOS DE AULA

RESULTADO Produo de 16 entrevistas com os jogos lembrados pelos entrevistados.

Classificao dos 12 jogos por origem cultural. Formando 04 equipes com 04 (quatro componentes, cada uma). Cada equipe construiu um plano de aula, com tempo mnimo de 30 minutos para ser aplicado nas aulas terico-prticas da disciplina sob a mediao dos alunos e da professora regente da disciplina.

Quadro dos jogos e brincadeiras encontrados: MANIFESTAES 1. Barra Manteiga 2 Chicotinho queimado 3.Pega-pega 4.Capoeira 5.Pula-corda 6.Peteca 7.O mestre mandou 8.Baba (futebol) 9.Cirandas 10 Pegou-gelou (esttua) 11.Garrafo 12 Muda cacique.

A EXPERINCIA COM ALUNOS DO CURSO DE EDUCAO FSICA: IMPLICAES NA FORMAO CULTURAL E PROFISSIONAL DOS SUJEITOSA reflexo crtica sobre a prtica se torna uma exigncia da relao Teoria/Prtica sem a qual a teoria pode ir virando blblbl e a prtica, ativismo. (Paulo Freire).

Justificar este trabalho exige uma explicao sobre a pergunta surgida por ocasio da construo do projeto: Por que, neste momento em que os professores de educao fsica se interessam tanto em valorizar a disciplina na escola, no se preocupam tambm em criar ou recriar elementos que possam enriquecer suas aulas e motivar os alunos? Tal pergunta nos levou a refletir sobre o caminho percorrido pela Educao Fsica no Brasil, desde sua fase higienista e eugenista at a emergncia dos dias atuais. Comentamos que a ginstica calistnica, como contedo associado aptido fsica, tambm contribuiu para a supresso da alegria e do prazer nas aulas. O esporte, por sua vez, acabou institucionalizando o futebol. Virou consenso na roda de alunos envolvidos no projeto, que

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esses contedos no suprimiram a motivao e o prazer, mas sua prtica usual, repetida e massificada, acabou engolindo as possibilidades de outros contedos, dentre eles os jogos populares,conforme define Ghiraldelli (1988):

nem sempre alteraes na literatura sobre Educao Fsica correspondem a uma efetiva mudana ao nvel da prtica. Muitas vezes, a prtica s se altera quando a concepo que lhe d diretrizes j perdeu hegemonia. Alm do mais, essa defasagem ocorre de maneira diferente para cada regio do pas. (GHIRALDELLI, 1998. p.16)

Esta constatao de Ghiraldelli exige uma breve reflexo sobre cultura popular na formao de professores de Educao Fsica. Conceitualmente, cultura popular (Bosi, 2008), define-se em termos prticos e sociais como efeito contra-hegemnico chamada cultura erudita da escola. Entretanto, preciso dimensionar o significado da cultura popular na relao de seus atores. Segundo Bosi, existe a cultura criada pelo povo, que articula uma concepo de mundo e da vida em contraposio aos esquemas oficiais. (p.78). No significa, contudo, que esta viso obedea a uma fixidez temporal e cultural, capaz de provocar rupturas radicais. Consideramos, portanto, que a mobilidade da cultura popular, sua espontaneidade folclrica e comunitria, so permeadas de uma reelaborao constante. (BOSI, p.79). Concordamos com Bosi quando a autora analisa as possibilidades interativas da cultura popular ao se fundir com a tradio, folclore e mobilidade social. Compreendemos que este jogo situacional que afeta o quadro de referncias sociais e culturais para produzir outras percepes de mundo e contrapor a chamada cultura de massa e o universo cultural dialtico. Nesta direo cabe uma explanao sobre trabalho, sociedade e educao. Os modelos de produo e reproduo do trabalho, baseados na realidade impositiva do capitalismo mundial, tm provocado, historicamente, reflexes acerca do papel do professor na conduo das esperanas coletivas. Entendendo que os fatos sociais no so deslocados de uma materialidade objetiva e subjetiva (FRIGOTTO, 2003, p.17), afirmamos que tratar de formao no contexto de dominao imperialista cultural e poltica requer a busca por outros modos de conduzir esta formao. Desta forma, acreditamos que a valorizao da pesquisa no mbito da cultura popular, pode oferecer novos aportes capazes de contrapor a viso conteudista e mercadolgica presente nas prticas pedaggicas.

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A partir deste panorama, precisamos atentar para o significado de formao, compreendida aqui como um movimento integrador das vrias potencialidades humanas regidas por realidades sociais e culturais e as especificidades e instrumentos necessrios prtica pedaggica. Neste sentido preciso perceber a engrenagem poltica a que est submetida a educao. Segundo Frigotto:

A educao no Brasil, particularmente nas dcadas de 60 e 70, de prtica social que se define pelo desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes, concepes e valores articulados s necessidades e interesses das diferentes classes e grupos sociais, foi reduzida, pelo econonomicismo, a mero fator de produo capital humano. (FRIGOTTO, 2003, p.18).

neste contexto que se insere a formao de professores de Educao Fsica, ambicionando a formao crtica de crianas, jovens e adultos e tentando escapar das suas bases formativas fragmentadoras. Vivemos, portanto da ambio de construirmos uma formao cuja base conceitual seja a militncia cultural. Entendemos cultura como prtica de significao ou bem simblico, e, educao, como mediadora de um contexto social determinado, que relaciona e reflete seu tempo e contextos, e o projeto de sociedade que ela explicita e conforma, ou para se tornar um dos instrumentos de sua transformao. Com estas consideraes, compreendemos que, por expressarem vivamente a cultura corporal, os jogos populares, assumem uma dimenso comunitria, verdadeiramente histrica. Quando se brinca de muda-cacique (ver figura 1), quando se pratica baleado, quando se faz uma picula ou um baba, realiza-se uma insero de costumes, valoriza-se a relao desses jogos com a identidade cultural e social do lugar e, reconta-se um pouco da histria do sujeito individual e coletivo.

JOGO: conceito e ludicidadePara Huizinga, 2000, um dos elos lingsticos mais importantes o jogo: o jogo o fato mais antigo que a cultura, pois pressupe sempre a sociedade humana, ultrapassa os limites da atividade puramente fsica ou biolgica e confere um sentido a ao. (p. 03-04). Tal afirmao nos permite analisar o jogo em sua concepo mais original que o domnio ldico. Nela, est sustentada a necessidade do jogo como fonte de prazer e criao.

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Kishimoto, (1999, p.16) salienta que a concepo de jogo no pode ser vista de modo simplista, mas pelo significado da aplicao de uma experincia, instrumentalizada pela cultura da sociedade. Isso significa que quando algum joga, est ao mesmo tempo desenvolvendo uma atividade ldica. Neste contexto podemos observar uma relao ntima entre atividade fsica e prazer. Huizinga, no entanto, deixa evidente uma observao sobre ludicidade e jogo:

O fato de apontarmos a presena de um elemento ldico na cultura no quer dizer que atribuamos ao jogo um lugar de primeiro plano, entre as diversas atividades da vida civilizada, nem que pretendamos afirmar que a civilizao teve origem no jogo atravs de qualquer processo evolutivo. (idem ibidem p.30).

A partir desta afirmao, se faz necessria a compreenso de que a ludicidade, presente em vrios aspectos e instrumentos da vida e da prpria educao, no se constitui na tbua de salvao. A ludicidade est para o sujeito e ele necessita valoriz-la. Neste contexto, percebemos nos jogos populares, uma riqueza infinita de elementos ldicos, diludos em repertrio, linguagem e identidade comunitria. Kishimoto, 1999, trata de diferenciar, jogo, brinquedo e brincadeira. Para a autora, brinquedo enquanto objeto sempre suporte da brincadeira, esta por sua vez, pode ser definida como ao que a criana desempenha ao concretizar as regras do jogo e mergulhar na ao ldica. Lorezoni, (2002) Estabelece uma diferena entre jogo e brincadeira. Diz o autor que: o jogo uma brincadeira com regras e a brincadeira, um jogo sem regras. O jogo se origina do brincar ao mesmo tempo em que o brincar. Entendemos, portanto, que a diferenciao se situa numa definio conceitual, perspectivada pela infncia em seu sentido psicolgico, logo, tradutor de um estgio vital peculiar do ser humano, caracterizado, sobretudo, pela natureza ldica. Construindo uma ponte entre os significados do ldico e o sentido de alegria e esperana na Pedagogia da Autonomia, interpretamos a dimenso ldica na infncia como uma relao entre a alegria necessria atividade educativa e a esperana. (FREIRE, 1996.p.72). preciso, pois, observar o contraditrio desta esperana, ou seja, o efeito da desesperana, para vislumbrar o problematizao de uma prtica docente progressista. Devemos observar ainda que ao tematizar cultura e libertao, a pedagogia freireana chama a ateno para o falseamento das relaes entre os sujeitos e as prticas de dominao das classes hegemnicas. (ZITKOSKI, 2006). Lembra este autor, que na obra Pedagogia do

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Oprimido, 1993, Paulo Freire denuncia a lgica da dominao a partir do antidilogo cultural e seus fins de impedir a participao popular na organizao da vida social. Ao negar na escola esta imerso da cultura popular, criamos possibilidades perigosas para a estratgia da dominao. Neste aspecto que observamos o valor da pesquisa sobre jogos populares que ora discutimos como uma prtica alternativa que rompe a estrutura conteudista da Educao Fsica. Isso se torna concreto a partir da experienciao dos prprios oprimidos, ou, no caso especial do ato educativo, a partir da construo de uma pedagogia do oprimido por meio do prprio oprimido. A esse respeito, diz-nos Zitkoski que:

Nesse sentido, no so os intelectuais, as academias, ou os lderes polticos que devero elaborar para os oprimidos a pedagogia de sua luta poltica, mas as prprias classes populares. Elas devem encontrar em si mesmas as foras necessrias para reconstruir a histria humana por meio de prticas que ressignifiquem a produo da cultura, as relaes interpessoais e a vida poltica de cada sociedade. (p.33).

Dentro da concepo de processo emancipatrio humano, esta experincia com os jogos populares na formao docente da educao fsica visou, luz do pensamento freireano, uma valorizao tambm do sujeito discente e o papel de pesquisador de sua prpria histria. Cremos que em termos filosficos, a prtica da alegria e da esperana, em se tratando da cultura ldica infantil, torna-se aliada da criticidade como ligao da [...curiosidade ingnua curiosidade epistemolgica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das emoes, da sensibilidade, da afetividade, da intuio ou adivinhao]. (FREIRE, 1996, p.45). A garantia desta inteno foi exposta no reconhecimento do repertrio ldico popular dos alunos de educao fsica e na sistematizao desse saber at a forma pedaggica empregada durante as aulas na escola Otto Alencar.

OS JOGOS POPULARES NA CONSTITUIO DA CULTURA CORPORAL INFANTILDe acordo com Kishimoto (1993. p15-16) que denomina jogos populares de jogos infantis tradicionais, compreender a origem e o significado dos jogos pede uma investigao das razes folclricas. Para autora, a determinao das origens dos jogos infantis se fundamenta na histria brasileira e na constituio do seu povo. Desta forma, nos diz que veio com os primeiros colonizadores o folclore lusitano, incluindo os contos, histrias,

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lendas e supersties que se perpetuaram pelas vozes adocicadas das negras, e tambm os jogos, festas, tcnicas e valores (idem, p.18). Graas a essa afirmao, podemos concluir que grande parte dos jogos tradicionais popularizados ou regionalizados, como a amarelinha, bolinha de gude, pula-corda, pio, chegaram ao Brasil pelas mos dos colonizadores portugueses, outros foram incorporados da cultura indgena e afro-brasileira. Kishimoto revela assim como a modalidade de jogos infantis ou populares est inserida como cultura. essa cultura no oficial, desenvolvida, sobretudo, pela oralidade, incorporando criaes annimas das geraes que vo sucedendo. (idem, ibidem,p.15). Por tais argumentos, afirmamos que os jogos tradicionais infantis contm um forte elemento folclrico, e assumem caractersticas de anonimato, dando assim a entender que por estes aspectos, muito difcil conhecer a origem desses jogos: Sabe-se apenas que os jogos infantis tradicionais so provenientes de prticas abandonadas por adultos, de fragmentos de romances, poesias, mitos e rituais religiosos, tradicionalidade e universalidade dos jogos assenta-se no fato de que povos distintos e antigos como os da Grcia e Oriente brincavam de amarelinha, de empinar papagaio, jogar pedrinhas. (KISHIMOTO. p. 15, 1993) So, portanto, os jogos populares, expresses de uma cultura corporal comunitria e que merecem melhor repercusso no ambiente escolar bem como na prtica pedaggica da Educao Fsica num contexto de educao infantil e ensino fundamental. As tatuagens expressas nos jogos populares so valores que, incorporados, contribuem de forma significativa para a construo formal do sujeito. Tais argumentos sobre jogos populares que nos levaram a fomentar este projeto, procurando incentivar os alunos, futuros professores de educao fsica, a pesquisar e vivenciar tais prticas em um nvel disciplinar de formao at a culminncia em escola regular da rede publica.

A CULMINNCIA NA ESCOLA OTTO ALENCAR EM SIMES FILHOA Escola Otto Alencar, na cidade de Simes filho, (60 km de Salvador) possui oito salas de aula e atende a crianas em idade de pr-escola at a antiga quarta srie do ensino Fundamental, hoje, Ciclos de Escolarizao Bsica, CEBs).

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Embora os jogos tenham se constitudo em plano de aula numa perspectiva de ensinoaprendizagem, a ida dos alunos a escola, no dia 21 de novembro de 2008, teve outro objetivo: proporcionar uma manh de lazer atravs dos jogos, brinquedos e brincadeiras populares.(ver figura 02). Ao revisar a literatura sobre jogos populares, percebemos que sua aplicabilidade nas aulas de Educao Fsica no se resume a uma mera estratgia de tornar mais ldico o processo educativo. A necessidade da utilizao de elementos ldicos na Educao bem mais exigente e recomendada, conforme discorreu Marcelino (1996), citando o princpio 7 da Declarao dos Direitos da Criana, aprovada pelas Naes Unidas. Para o autor (a criana deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras, os quais devero estar dirigidos para a educao: a sociedade e as autoridades pblicas se esforaro para promover o exerccio deste direito) (p.39). J em Coletnea de Autores (1992) existe uma preocupao com a localizao e a identidade da comunidade escolar. A esse respeito, um resgate dos jogos infantis na escola suscitaria esse compromisso:

Num programa de jogos para as diversas sries, importante que os contedos dos mesmos sejam selecionados, considerando a memria ldica da comunidade em que o aluno vive e oferecendo-lhe ainda o conhecimento dos jogos das diversas regies brasileiras e de outros pases. (p.67).

Alm desta considerao, preciso observar a concepo de infncia e educao fsica presente nesta experincia. Para tanto, preciso tecer uma breve reflexo sobre a especificidade da disciplina no Ensino Infantil. Para Dbora Sayo, numa perspectiva de educao infantil que considera a criana como sujeito social que possui mltiplas dimenses e que estas, precisam ser evidenciadas nos espaos educativos voltados para a infncia, as atividades ou objetos de trabalho no deveriam ser compartimentados em funes e/ou profissionais. (2000, p.4). Sendo a Educao Fsica responsvel por dar tratamento pedaggico aos temas da cultura corporal no ambiente escolar, especialmente, esclarecemos que o planejamento dos alunos para a culminncia do projeto na escola Otto Alencar, levou em questo a possibilidade de ampliao da experincia em futuras visitas do grupo. Conclumos que o trabalho desenvolvido pelo grupo de alunos primou por uma viso de criana e

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desenvolvimento infantil (Go Tani, 2001). Para o autor, importante para qualquer projeto educacional, atender adequadamente s necessidades biolgicas, psicolgicas, sociais e culturais das crianas. (p.112). Para o foco deste projeto, sua culminncia tambm considerou importante a aproximao dos alunos com a realidade e a cultura dos meninos da escola Otto Alencar, questes previamente levantadas na semana anterior ao evento que finalizou o projeto.

REFERNCIASBOSI, Eclea, Cultura de Massa e cultura popular: leituras operrias, 12 ed. Vozes, Petrpolis, RJ, 2008. CASTELLANI FILHO, Lino. Poltica Educacional e Educao Fsica, Polmicas do Nosso tempo. Autores Associados (coleo Polmicas do nosso Tempo), Campinas, SP, 1998. COLETIVO DE AUTORES, Metodologia, do ensino de educao fsica, Coleo Magistrio, 2 grau (srie Formao do professor) 4 edio. So Paulo, Cortez, 1992. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, saberes necessrios prtica educativa, Ed Paz e Terra, (coleo leitura), So Paulo, 1996. FRIGOTTO, Gaudncio. Educao e a crise do capitalismo real. 5 ed. Cortez, So Paulo, 2003. GHIRALDELLI, Paulo Jr. Educao Fsica Progressista. A Pedagogia Crtico-Social dos Contedos e a Educao Fsica Brasileira. 6 edio, Ed. Loyola,. So Paulo, SP, 1997. HUIZINGA, Johan. Homo Ldens, 4 edio, Editora Perspectiva, So Paulo, SP, 2000. LORENZONI, Marlene, V. Brincando brincadeira coma criana deficiente. Ed.Menole, So Paulo,2002). MARCELINO, Nlson Carvalho, Estudos do LAZER: UMA INTRODUO. Coleo educao fsica e esportes. Autores Associados, Campinas, SP,1996. KHISHIMOTO, Tizuko Morchida, Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educao, 3 edio. Cortez, So Paulo, 1999. __________. O jogo, a Criana, e a Educao, 7 edio, Vozes, Petrpolis, RJ, 1993. SAYO, Dbora Thom. Infncia, Educao Fsica e Educao Infantil. Secretaria Municipal de Educao de /Florianpolis, SC, 2000. TANI, GO. Educao Fsica na Educao Infantil: pesquisa e produo do conhecimento. Revista Brasileira de Educao Fsica, supl. 4. P.110-15 so Paulo, 2001.

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