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ANPUH – Associação Nacional de História / Núcleo Regional de Pernambuco MULHER PROTESTANTE: ATRIZ OU PLATÉIA Ana Paula Araújo de Gusmão

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Page 1: Artigo de Ana Paula Gusmão

ANPUH – Associação Nacional de História / Núcleo Regional de Pernambuco

MULHER PROTESTANTE: ATRIZ OU PLATÉIA

Ana Paula Araújo de Gusmão

Page 2: Artigo de Ana Paula Gusmão

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Mulher Protestante: Atriz ou Platéia

Ana Paula Araújo de Gusmão Universidade Federal de Campina Grande

[email protected]

A Igreja Reformada Presbiteriana de Campina Grande tem as suas bases calcadas na

Reforma protestante e pertence a família das igrejas reformadas do Brasil em 1859, como fruto do trabalho missionário feito pala Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos como já mostrei anteriormente suas origens mais remotas estão ligadas nas reformas protestantes ocorridas na Suíça e na Escócia, no século 16, lideradas por personagens como Ulrico Zuínglio, João Calvino e João Knox. O nome, presbiteriana, vem da forma como a igreja é organizada e administrada, ou seja, através de “presbíteros” eleitos pela comunidade. Essas comunidades também são governadas por um “conselho” de “presbíteros” e esses oficiais também integram os concílios superiores das igrejas, que são os presbíteros, os sínodos e o Supremo Concílio.

A teologia utilizada pela Igreja Presbiteriana de Campina Grande é herdeira do pensamento do reformador João Calvino e das formulações confessionais (confissões de fé e catecismos) feitas pelos reformadores no século 16 e 17. A confissão de fé de Westiminster, bem como seus catecismos, são adotados oficialmente pela Igreja Presbiteriana do Brasil como seus símbolos de fé e padrões doutrinários. Podemos perceber que o conjunto de convicções presbiterianas são adquiridas pelo pensamento de Calvino, de outros teólogos e dos citados documentos confessionais.Dessa forma a Igreja Reformada Presbiteriana de Campina Grande tem por base principal nos seus cultos a soberania de Deus, a eleição divina, a centralidade da palavra e dos sacramentos, o conceito do pacto, a validade permanente da lei moral e a associação entre a piedade e o cultivo intelectual.

Os cultos da Igreja Presbiteriana de Campina Grande buscam obedecer ao que está escrito na palavra de Deus, ou seja, o culto presbiteriano caracteriza-se por sua ênfase teocêntrica. Por fim, as atividades da Igreja Presbiteriana de Campina Grande não se caracterizam só pelos cultos, mas há toda uma organização por parte dos líderes e da comunidade com a educação cristã dos seus fiéis através da escola dominical e outros meios também, há atividades em favor da comunidade, como manutenção de escolas, creches e orfanatos.

Podemos perceber, entretanto que o estudo da religião tem crescido no campo das ciências humanas e porque não dizer da História já que anteriormente só os cientistas sociais davam uma importância maior e se preocupavam a estudar esse fenômeno. A necessidade de conhecer, de uma forma mais detalhada as subjetividades que compõem a personalidade humana. A religião constitui um desses aspectos, e é o que busco trabalhar nessa monografia. Especificamente como a mulher da igreja reformada de Campina Grande percebe a condição de gênero e as hierarquias as quais está submetida. Para esse primeiro capítulo escolhi dos autores que discutem a problemática da religião de maneira clara para os propósitos desse trabalho: Max Weber, em seu livro “A Ética Protestante no Espírito do Capitalismo” e Pierre Bourdier em: “O poder simbólico”. Quanto a questão da mulher protestante ou mais especificamente dos efeitos da reforma protestante nas mulheres utilizo o pensamento de Natalie Zemos Davis em: “Culturas do Povo”.

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Weber mostra que Lutero foi um dos primeiros a introduzir o conceito de vocação quando o fiel tinha por obrigação aceitar os desígnios da vida assim como ela é, pois foi Deus que quis assim, o fiel, porém tinha que fazer a sua parte e viver só para Deus obedecendo a sua vontade e não pensando mais em si próprio.Esse discurso é utilizado na igreja Presbiteriana de Campina Grande para justificar a permanência da mulher no espaço privado, longe da liderança da igreja enquanto o homem é tido como “destinado” ao espaço público, a liderança da igreja reformada.Ao lado da teoria da vocação de Lutero, Calvino somou o conceito de predestinação, essa teoria tem como base a escolha de alguns eleitos por Deus enquanto os outros são condenados.Ou seja, o Deus da piedade foi substituído por um ser que define o destino de cada ser humano e tanto os eleitos e condenados devem viver de acordo com os princípios da vontade de Deus.Podemos perceber que a doutrina da predestinação ainda encontra lugar dentro da igreja Presbiteriana de Campina Grande e ela que norteia toda a liturgia da igreja.

Diferentemente de Weber, Bourdier enfatiza que a religião não influencia só a

economia, mas, também a política, a cultura e o social, ou seja, a mesma se encontra em todos os aspectos da vida da população. Bourdier também deixa claro a intenção da religião em naturalizar o discurso. “Em outras palavras, a religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo e , em particular, do mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente fundada em um principio de divisão política apresenta-se como a estrutura natural-sobrenatural do cosmos.”.1 Notamos que a religião pretende dar sentido a existência e a vida, dessa forma legitimando o lugar da mulher enquanto um ser submisso.É a partir do discurso religioso proferido pelos líderes bem como pelos fiéis que se institui um lugar para a mulher. Lugar de submissão, de subserviência, de inferioridade em oposição ao lugar de mando criado para o homem.

Boudier mostra que o surgimento das religiões monoteístas só foi possível com o

desenvolvimento das cidades e da mudança da mentalidade das pessoas. “A aparição e o desenvolvimento das grandes religiões universais estão associados a aparição e ao desenvolvimento das cidades, sendo que a oposição entre a cidade e o campo marca uma ruptura fundamental na história da religião e, concomitantemente, traduz uma das divisões religiosas mas importantes em toda a sociedade afetada por essa tipo de oposição morfológica”.2 Essa ruptura que Bourdier mostra é com relação as religiões praticadas pelo homem do campo, ou seja, as religiões politeístas que eram utilizadas pelos feiticeiros.Entretanto, com o desenvolvimento das cidades e a industrialização, essas práticas já não eram mais utilizadas com tanta freqüência, portanto com todas essas mudanças na conjuntura social a religião passa a ser racionalizada como nos mostra Bourdier. “Não seria demais lembrar as características da condição camponesa que obstam a “ racionalização” das práticas e crenças religiosas: entre outras, a subordinação ao mundo natural que estimula “ a idolatria da natureza” a estrutura temporal do trabalho agrícola, atividade sazonal intrinsecamente rebelde ao cálculo e à racionalização, a dispersão espacial da população rural que dificulta as trocas econômicas e simbólicas e, em conseqüência, a tomada de consciência dos interesses coletivos”.3 As práticas realizadas pela população rural já não são mais vistas com “bons olhos” por esse novo mundo que estava se formando. Um mundo onde estavam ocorrendo mudanças rápidas no qual o tempo não era medido mais pelas variações da natureza mas pelo relógio, mundo no qual as distâncias foram diminuídas devido ao avanço 1 BOUDIER, Pierre. O poder simbólico.p33 2 Idem. p 34 3 Idem. p34

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dos meios de transportes, mundo explicado pela ciência não mais pela magia, pelo misticismo no qual até a própria religião passa por um processo de racionalização. Uma religião organizada a partira de preceitos teológicos, com dogmas escritos, com leis definidas, com líderes preparados para instruírem seu fiéis a seguirem as leis da mesma (igreja).

Boudier mostra que a religião monoteísta tem uma forma de centralizar e

homogeneizar as práticas do cotidiano, não importando o contexto que essa prática se encontra. Essa homogeneização possibilita a designação de papéis por parte da igreja a seus fiéis, bem como verificar se tais papéis estão sendo devidamente exercidos.

Bourdier mostra, também, que a religião tenta legitimar o seu poder e o seu discurso

através de símbolos, como por exemplo para os cristãos a Bíblia, para os mulçumanos o Alcorão. Podemos perceber a importância dessa simbologia na igreja Presbiteriana de Campina Grande.A bíblia é utilizada como forma de justificar o papel da mulher como sendo submissa e inferior ao homem uma vez que os pastores nos seus discursos afirmam que não há nenhuma passagem bíblica que mostre a mulher como líder.

Além disso, o autor diz que a religião adapta o seu discurso de acordo com o grupo

que o recebe. Ou seja, a exposição oratória é heterogênea e múltipla dependendo do grupo social que está sendo veiculada.No meu trabalho posso perceber que é necessário também adaptar o discurso não apenas ao grupo social, mas também ao gênero. Quando o pastor dirige sua pregação as mulheres, ele as aconselha a orar por seus filhos e maridos, a serem boas donas de casa a se vestirem de forma composta sem expor muito o corpo uma vez que este é o templo do espírito santo e tem que ser revestido de pudor.

Natalie Zemon Davis diz que “do mesmo modo como os críticos católicos tinham

citado a frase de Paulo, da Epistolas aos Coríntios I, segundo a qual “as mulheres deviam manter silêncio nas igrejas” contra as mulheres protestantes que estavam lendo e falando sobre a Bíblia, agora os pastores reformados a citavam contra as mulheres protestantes que queriam pregar em público ou ter alguma posição específica na Igreja. Pierre Viret explicou,em 1560, que os eleitos eram iguais no sentido em que tinham sido chamados a serem cristãos e fiéis – homem e mulher, mestre e empregado, livre e servo. Mas o Evangelho não tinha abolido, no interior da Igreja, a estratificação e a ordem da natureza e da sociedade humana. Deus criara e Cristo confirmara essa ordem. Mesmo que uma mulher tivesse dons espirituais maiores que seu marido, ela não poderia falar na assembléia cristã. Sua tarefa, dizia o pastor Viret, era apenas instruir os seus filhos na fé quando eles eram jovens; se desejasse, ela poderia ser também professora de meninas”.4

Notamos que a reforma protestante trouxe mudanças e rupturas com relação à antiga

forma de pensar Deus e de pensar o mundo, como por exemplo as questões ligadas a doutrina. Agora na reforma protestante a salvação não é mais conseguida através das obras e sim através da fé, a Bíblia é democratizada e todas as pessoas tinham o direito de lê-la, a indulgência não era mais aceita pela nova religião. Entretanto, o lugar da mulher sofreu poucas alterações. Ela poderia ler a Bíblia, juntamente com seu esposo, porém não poderia interferir ou interpretar a seu modo, não poderia pregar, o seu lugar era de ouvinte e não de contestadora. Esse lugar atribuído à mulher apesar das mudanças ocorridas na sociedade ainda

4 DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do povo: sociedade e cultura no início da França moderna: oito ensaios.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p77.

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continua em vigor. Exemplo disso é a Igreja Presbiteriana de Campina Grande que continua a conceber o lugar da mulher como sendo de submissão ao homem e não de liderança.

O fim do culto a Maria, determinado pela reforma protestante deixa a mulher sem um

referencial de divindade feminina. Para Natalie Zemon Davis, as conseqüências para as identidades femininas foram muito profundas. “Agora, na hora do parto (...) elas não chamavam mais pela Virgem e não faziam mais preces a Santa Margarida. Em vez disso, como Calvino aconselhava, elas reclamavam e suspiravam para o Senhor, e Ele recebia essas queixas como sinal de sua obediência.

Obediência ao Senhor era, é claro, assunto de homens e mulheres. Mas as mulheres

tinham a carga adicional de serem obedientes a seus maridos. A posição protestante sobre o casamento oferece uma ilustração final do padrão ‘juntos mas desiguais’”.5

Sem o culto a Maria, a mulher não tinha nenhuma divindade feminina a obedecer e/ou

a pedir auxílio.Não tinha um modelo de mulher líder que congregasse pessoas em torno dela. A igreja Protestante deu ênfase ao lado sofredor da mulher (como vítima, como seguidora fiel de Deus) e excluiu as mulheres que eram lideranças.Mulheres como a própria Maria, que segundo a tradição católica tem o poder de interceder junto a Deus, e, também, mulheres como Débora, profetisa e juíza, que liderou um ataque, e como Miriã, profetiza que cantava louvores e esteve ao lado de Moisés e Arão na liderança do povo de Israel. Os únicos modelos de liderança alimentados pela igreja protestantes eram e são os modelos masculinos.Essa ausência de modelo feminino de liderança dá respaldo ao modelo de mulher construído pela Igreja Presbiteriana de Campina Grande.

Diante do exposto, as mulheres conquistaram bastante espaço na nossa sociedade,

apesar de ainda termos muitas batalhas e obstáculos para serem vencidos e ultrapassados como a conquista da cidadania, que não foi totalmente vencida. Temos um caminho muito longo para percorremos, pois continuamos a sofrer preconceitos, recebemos salários inferiores aos dos homens e muitas de nós são vítimas de violência doméstica.Além disso, a mulher inserida no contexto da religião protestante tem que ultrapassar vários empecilhos, tem que quebrar ainda mais tabus e preconceitos para ser aceita em funções que os homens consideram como sendo superior para a capacidade feminina. Conceitos e discursos ultrapassados continuam a ser e serão usados contra a mulher, entretanto quem sabe um dia ainda possamos ver bastante mulheres praticando o pastorado e o presbiterado bem como funções que a tragam para o lugar que merecem, não sendo dessa forma a igreja mais uma extensão do lar onde a mulher tem a função de cuidar dos filhos dos outros e de cozinhar em eventos da Igreja, mas que ela possa se emancipar também dentro dos “ muros da Igreja Reformada Protestante”.

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5 Idem. p. 81

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Referencia Bibliográfica. BOURDIER, Pierre. Poder simbólico. DAVIS, Natalie Zemon.Culturas do povo: sociedade e cultura no início da França moderna: oito ensaios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004.