artigo da graduação publicado em anais de encontro de psicopedagogia

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  • 7/23/2019 Artigo Da Graduao Publicado Em Anais de Encontro de Psicopedagogia

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    O FIM (TELOS) COMO LUGAR PARA SE PENSAR O

    SENTIDO DE SER EM ARISTTELES:

    UMA LEITURA COMENTADA DOS PRIMEIROS CAPTULOSDO LIVRO I DA TICA A NICMACO.

    Daniel do Valle PRETTI1

    O presente artigo tem como objetivo realizar uma leitura sobre os textos de Aristteles,

    mostrando que certamente eles ainda tem muito o que nos ensinar, sendo sua tica a

    Nicmaco talvez a maior prova disso. Por meio de uma leitura atenta e esforada, no

    intuito de situar minimamente o horizonte fsico, poltico e metafsico do filsofo, e

    olhar atravs de suas sutilezas, pretendemos demonstrar a intima relao entre o homem

    e seu fim (telos). Em toda atividade humana est presente uma relao essencial com o

    fim (telos), de maneira que conhec-la decisivo para nossa vida. E, como nos diz

    Aristteles, tal investigao no tem outro intuito a no ser nos tornarmos melhores.

    Palavras chave: Fim (telos), Aristteles, tica a Nicmaco e Sentido de Ser.

    (I) O FIM (TELOS) DO HOMEM

    Aristteles inicia sua tica a Nicmaco dizendo que toda ao e propsito humanos,

    assim como arte ou indagao visam um fim (telos); a saber, algum bem

    (ARISTTELES, 1992). Pode-se interpretar tal frase a partir de vrios vieses.

    Aristteles seria um dogmtico que v em todas as aes do homem uma natureza

    prvia que balizaria suas decises. Isto , todo fazer humano estaria voltado para o bem

    entendido como um fazer moralmente bom. Todavia, temos de advertir que a tica a

    Nicmaco no uma tica normativa ou moral, nos termos que conhecemos

    contemporaneamente por tica. O bem ao qual se refere Aristteles um bem ligado a

    um estatuto, uma posio, uma conformao de vida melhor do que a anterior. Assim,

    todo fazer humano visa esta melhor conformao da prpria vida, mesmo que em

    1Bacharel em Cincias Econmicas Universidade Federal do esprito Santo, 2008.Graduando em Filosofia, UFES.

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    determinada existncia tal visar implique em uma ao dita como imoral, ou mesmo que

    no resulte em uma efetiva realizao do que anteriormente era visado, ou ainda, que na

    efetiva realizao do que era anteriormente visado tal conformao no se mostre como

    a melhor opo. Em outras palavras: visar o bem no quer dizer alcanar o bem, no

    quer dizer ter uma boa compreenso de um reto caminho para o alcance de determinado

    bem, nem mesmo quer dizer conhecer o que realmente aquele bem visado. De uma

    forma geral, podemos dizer que a tica a Nicmaco tem o propsito de investigar o

    que este bem, que sempre se mantm em perspectiva em todo fazer, assim como o

    caminho que sempre est em jogo em sua conquista ou no pelo homem.

    Porm, antes mesmo de entrar na discusso promovida por Aristteles acerca deste bem,

    e do melhor dos bens visado pelo homem, ser que compreendemos o fundamento

    desde onde sua investigao se coloca? Ser que est explcito o que est em jogo

    quando ele inicia sua argumentao, fundamentando todas as atividades do homem num

    fim (telos)? Ter esta teleologia alguma especificidade na tica a Nicmaco?

    (II) O FIM (TELOS) DO HOMEM E O DA NATUREZA

    Defenderemos neste item uma interpretao do que entendemos que seja o solo desde

    onde provm as investigaes aristotlicas que versam sobre o fim ( telos), a saber: toda

    teleologia aristotlica est intrinsecamente ligada a uma ontologia. Em outras palavras,

    todo ente tem uma ligao essencial com seu prprio fim. Tal ligao fundamenta

    radicalmente seu ser, e mais, onde fica mais evidente seu sentido de ser. Se

    conseguirmos demonstrar que esta suspeita verdadeira, estaremos autorizados a

    defender mais a frente, especificamente tratando da tica a Nicmaco, que a

    investigao aristotlica muito mais do que um estudo que tem como seu objeto o

    bem. Antes, ou, sobretudo, que seja uma analtica que visa apontar para o sentido de seraberto em cada existncia humana e que por isso decisivo para nosso bem viver2.

    2Aristteles fala disso em diversos lugares, por exemplo: estamos investigando para nos tornarmosbons (ARISTTELES, 1104a) e Os argumentos verdadeiros, ento, parecem extremamente teis, no

    somente com vistas ao conhecimento mas com vistas igualmente prpria vida; se eles se harmonizamcom os fatos, merecem crdito, e assim estimulam as pessoas que os entendem a viver melhor(ARISTTELES, 1172b).

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    A Fsica de Aristteles parece nos oferecer subsdios para melhor fundamentarmos

    nossa suspeita com respeito a esta relao entre teleologia e ontologia. L, Aristteles

    diz que os entes fsicos so levados para seus lugares naturais (ARISTTELES, 1952).

    Lugar, neste sentido, define tanto o ente no que ele , seu ser, quanto seu movimento

    de ser. O fim (telos) do ente fsico seu lugar natural. Como ente fsico, a pedra tende

    para baixo, assim como o ar para cima3.

    A natureza (ph!sis) no precisa de uma determinao externa a si mesma que defina

    seus entes no que eles sejam4. A natureza definida como princpio de movimento em

    si e ditado por si mesmo (ARISTTELES, 1952). Por exemplo, quando observamos

    uma semente que cresce ganhando aos poucos a conformao de uma rvore, podemos

    dizer que este movimento da natureza daquele ente. O movimento que determina a

    mudana existencial de semente para rvore algo que pertence estrutura da semente

    enquanto ente fsico. Quando o ente fsico chega a seu fim ( telos), justamente porque

    atingiu seu lugar natural e sua conformao adequada. Em outras palavras, o ente fsico

    atinge sua plenitude quando retorna para casa, para seu lugar de origem, seu ethos

    que a prpriaph!sis. O para onde, em direo a que, o enderear-se de um ente

    fsico faz parte de sua conformao enquanto ente, tanto quanto seu lugar, determinando

    o que ele e o sentido no qual ele vem a ser. Dessa maneira, a Fsica aristotlica

    intrinsecamente ontolgica, j que sem tal princpio os entes deixam de se conformar

    enquanto entes fsicos, ou seja, deixam de ser o que so. Reforando, no caminho, no

    impelir-se no sentido de determinao do que so, em si e por si mesmos, que os entes

    podem ser compreendidos como entes fsicos.

    Ser ento que quando Aristteles aponta para um fim (telos) que pertence a todo fazer

    do homem, ele tambm no est apontando para um mbito que condiz ao homem emsua essncia? Nesta mesma esteira, no correlacionar ele caminho e finalidade? Fica,

    todavia, suspensa a dvida at que ponto a especificidade do fim (telos) natural e do fim

    humano se distinguem ou se confundem. Se so realmente dois ou o mesmo

    principalmente, porque comum no mundo filosfico grego, em especial no

    3Further, the typical locomotions of the elementary natural bodies namely, fire, earth, and the likeshow not only that place is something, but also that it exerts a certain influence. Each is carried to its own

    place, if it is not hindered, the one up, the other down (ARISTTELES, 1952, 209a).4

    Mesmo na tica a Nicmaco Aristteles diz algo semelhante: pois nada que existe por natureza podeser alterado pelo hbito. Por exemplo, a pedra, que por natureza se move para baixo, no pode serhabituada a mover-se para cima, ainda que algum tente (ARISTTELES, 1992, 1103a).

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    pensamento de Aristteles, a expresso estar de acordo com a natureza (kata ph!sei),

    como um apontar para uma boa medida da realizao de algo pelo homem5.

    Podemos ento dizer, com o que vem sendo esclarecido, que a opo aristotlica de

    iniciar a investigao pelo fim (telos) no casual ou arbitrria. No fim ( telos) do

    homem est algo que o compe de maneira essencial. A investigao pelo fim (telos)

    humano a investigao pelo que o homem, assim como em que sentido ele vem a

    ser. Vejamos como Aristteles procede esta anlise na tica Nicmaco.

    (III) O PRINCPIO DE SUBORDINAO DOS FINS PARA O ALCANCE

    DOS BENS

    Aristteles divide os fazeres humanos das mais diversas ordens naqueles que tm sua

    finalidade (telos) fora de si mesmos - onde o produto do fazer melhor que o prprio

    fazer - e as atividades que tm sua finalidade (telos) em si mesma (ARISTTELES,

    1992). As atividades que tm o fim fora de si mesmas podem ter de se subordinar umas

    as outras (ARISTTELES, 1992). Por exemplo, a arte da montaria com relao arte

    da caa a cavalo. Nada mais natural, somente por subordinar a finalidade da arte de

    montar a cavalo que possvel a arte da caa a cavalo, quando o contrrio no

    verdadeiro. Assim, visando determinado bem, o caado, a arte da caa a cavalo melhor

    do que a arte da montaria, ou ainda, tem-se uma estima maior pela primeira do que pela

    segunda, j que a primeira subordina a segunda. Contudo, como de sua prpria

    definio, as atividades que tm seu fim em si mesmas no se subordinam a nenhuma

    outra atividade, ao menos na perspectiva especfica dada a cada caso. No faz sentido

    perguntarmos o por que, o motivo, ou o fim outro deste tipo de atividade, se sua prpria

    realizao j responde por tal. Na medida em que alcanou o bem, no h necessidadeintrnseca a atividade de perguntarmos por algo para alm dela Dessa maneira, tais

    atividades independentes de qualquer outra finalidade, seriam melhores do que as outras

    de finalidade dependente (ARISTTELES, 1992), j que bastariam a si mesmas.

    5 Na Fsica, Aristteles aponta para vrias formas de relacionamento com a PH"SIS: conforme aPH"SIS Para mais ver ARISTTELES, Fsica, livro I. Na Poltica Aristteles tambm d-nos

    uma indicao bem clara: Ora, a natureza de cada coisa precisamente seu fim. Assim, quando um ser perfeito, de qualquer espcie que seja homem, cavalo, famlia dizemos que est na natureza(ARISTTELES, 1998, p. 4).

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    Precisamos ainda acurar esta definio. Existiriam atividades que bastariam a si mesmas

    por excelncia? Tal pergunta parece difcil de ser respondida por que parece almejar de

    nossa parte um catlogo de atividades, assim como todas as finalidades por elas

    possivelmente desempenhadas. O que nos parece um exerccio infrutfero, e no ser o

    propsito de Aristteles. O que o texto das aulas de Aristteles nos autoriza dizer que

    muitas atividades podem ser encaradas com fins diversos. Por exemplo, a arte de tocar

    um instrumento pode ser tanto um exerccio que tem o fim em si mesmo, e que no

    precisa de justificativa nem regulao externa; como pode servir para um fim outro, o

    de ganhar dinheiro. Nesse sentido, o fim da ao de tocar um instrumento se subordina

    ao de ganhar dinheiro. Prova de que tal subordinao no tem um valor moral, no

    sentido dogmtico do termo, j que apesar do exemplo acima ser plenamente possvel,

    Aristteles considera a crematstica uma artes das menos valorosas, j que seu fim,

    nunca um fim em si mesmo. Todavia, ser que temos suficientemente claro qual a

    relao entre fim e a arte de ganhar dinheiro para Aristteles, para igualmente

    condenarmos a anlise?

    (IV) A SUBORDINAO DOS FINS PARA O ALCANCE DOS BENS PELAS

    ATIVIDADES ECONMICAS ECONOMIA E CREMATSTICA

    Qual a relao entre fim (telos) e Economia? Assim como todas as atividades humanas,

    como j exposto anteriormente, as atividades econmicas visam, no fim (telos), o

    alcance de um bem. Se utilizarmos o exemplo anterior, tal compreenso parece ser

    bastante bvia. Um instrumentista toca seu instrumento para que recebendo seu

    ordenado possa ser capaz de satisfazer determinadas necessidades ou desejos. Em outras

    palavras, ele toca seu instrumento para que possa obter e usufruir de um bem como fim(telos) de sua atividade. Existem, entretanto, alguns outros aspectos agravantes

    questo que so bem delineados por Aristteles na Poltica, como veremos a seguir.

    A anlise da investigao aristotlica da subordinao dos fins para o alcance dos bens

    pelas atividades econmicas na Poltica, alm de reforar nossa suspeita j apontada

    de que toda teleologia aristotlica est intimamente relacionada com o sentido de ser de

    todo ente, nos possibilitar tambm retomar as discusses na tica a Nicmaco a

    partir de um outro olhar. Identificar porque Aristteles no faz uma anlise extensasobre a subordinao pelas atividades econmicas na tica a Nicmaco, a descartando

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    rapidamente apenas como uma ressalva de um descaminho em direo investigao do

    bem, tambm outro de nossos objetivos nesta seco.

    Aristteles divide o que normalmente compreendemos por Economia em duas espcies:

    a economia (oikonoma) e a crematsitca (krematistik). A diferena entre elas sua

    relao com o fim (telos) de sua atividade. A economia tem como fim (telos) a obteno

    dos bens necessrios para a vida do homem, enquanto a crematstica parece ser uma

    atividade que no tem limites, isto , no tem fim (telos) definido (ARISTTELES,

    1998, p. 22). Pretendemos ser capazes de igualmente concluir tal assero no fim desta

    seco, s que concatenada com as discusses anteriores.

    Aristteles, sendo coerente com nossa exposio sobre a Fsica, delimita a economia

    como uma forma de aquisio natural dos bens, enquanto a crematstica como uma

    forma de aquisio artificial (ARISTTELES, 1998); sendo a classificao como

    artificial, neste caso, pejorativa. natural exercer atividades que tm como finalidade

    adquirir bens que so necessrios vida humana. Exemplos para isso no faltam, o

    prprio Aristteles oferece-nos inmeros. A agricultura, a caa at a prpria guerra

    entra na conta de um meio natural de aquisio dos bens, em determinadas

    circunstncias. Quais sejam: a aquisio dos bens necessrios vida. Mais ainda,

    segundo esta orientao a troca de produtos pode obedecer sem problemas a tais

    princpios. No est em questo a atividade nela mesma, apesar destas consideraes

    serem objeto de seces posteriores, onde Aristteles faz uma anlise de algumas

    maneiras prticas de adquirir (ARISTTELES, 1998, p. 28 a 30), outrossim, a relao

    da atividade com seu fim (telos) o que a distingue como pertencente economia ou a

    crematstica.

    Utilizemos-nos de um exemplo. Um produtor de sapatos que deseje trocar seus produtos

    por po a fim de alimentar-se; e um padeiro, por sua vez, que deseje trocar seus pes por

    sapatos a fim de calar-se, podem trocar seus produtos de maneira a satisfazer suas

    necessidades, configurando-se como algo plenamente natural6. Por este tipo de troca, os

    6Quando uma tribo tem de sobra o que falta a outra, elas permutam o que tm de suprfluo atravs detrocas recprocas; vinho por trigo ou outras coisas que lhe podem ser de uso, e nada mais. Trata-se de um

    gnero de comrcio que no est nem fora das intenes da natureza, nem tampouco uma das maneirasnaturais de aumentar seus pertences, mas sim um modo engenhoso de satisfazer as respectivasnecessidades. (ARISTTELES, 1998, p. 23)

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    produtos chegam ao fim pelos quais eles forma destinados (ARISTTELES, 1998).

    Mesmo que no negcio a troca se desenvolva com notria perda de um dos negociantes,

    o produto chega a seu destino, ele usado pelo outro participante da troca7. Um negcio

    ruim no descaracteriza a troca como natural, ao menos no nos termos colocados por

    Aristteles. Vejamos como ficaria a situao, obedecendo ao mesmo princpio descrito

    da oikonomia,todavia com a introduo da moeda. O sapateiro trocaria seus sapatos por

    moedas para que numa ocasio oportuna possa comprar os pes, e vice-versa. A moeda

    aparece como um meio que possibilita a aquisio, num tempo e numa quantidade mais

    oportuna, de um bem final8.

    Se por um lado, a moeda um lugar oportuno para se pensar o desenvolvimento das

    trocas econmicas, j que ela funciona como o mdio das trocas, ela tambm um lugar

    adequado para se pensar a desmedida com relao s atividades econmicas. Podemos

    investigar o que Aristteles chama de crematstica, ou arte de ganhar dinheiro, partindo

    ento da moeda. Pensemos num exemplo similar ao anterior9.

    Um sapateiro vende seus sapatos para o padeiro, ou seja, troca seu produto por uma

    quantidade de moeda. Em posse deste dinheiro o sapateiro agora pode comprar o que

    lhe convier, pode satisfazer qualquer uma de suas necessidades ou mesmo um de seus

    desejos mais suprfluos. No dinheiro no existe uma determinao especfica do que ele

    pode adquirir. E nessa possibilidade de aquisio esta inclusive a subordinao de

    outras atividades. Retomando e relacionando os exemplos utilizados por ns

    7Aristteles d um exemplo cmico na tica a Nicmacos. Uma pessoa que fez a promessa a umcitarista, dizendo que quanto melhor ele tocasse o seu instrumento mais ela lhe pagaria, mas na manhseguinte, quando o citarista pediu o cumprimento da promessa, a pessoa disse que j havia pago o prazer

    que teve com o prazer que proporcionou (ARISTTELES, 1992, 1164a). O que segundo a nota dotradutor refere-se ao prazer da expectativa agradvel.8Foi esse comrcio que, dirigido pela razo, fez com que se imaginasse o expediente da moeda. No eracmodo transportar para longe as mercadorias ou outras produes para trazer outras, sem estar certo deencontrar aquilo que se procurava, nem aquilo que se levava conviria. Podia acontecer que no precisassedo suprfluo dos outros, ou que no precisassem do vosso. Estabeleceu-se, portanto, dar e receberreciprocamente em troca algo que, alm de seu valor intrnseco, apresentasse a comodidade de ser maismanejvel e de transporte mais fcil como o metal, tanto o ferro quanto a prata ou qualquer outro(ARISTTELES, 1998, p. 24).9A forma de abordagem sobre a questo bastante parecida com a efetuada por Marx, especialmente noCaptulo 3 dO Capital. O que Marx entende como Capital pode muito bem ser emparelhado com o queAristteles entende como Crematstica, as diferenas basicamente se baseiam em suas fundamentaes.Aristteles fundamenta a Crematstica em seu princpio de subordinao, j exposto por ns, que o leva

    a necessariamente fazer uma anlise estratificada da sociedade. Enquanto Marx fundamenta o Capital emsua teoria do valor, que o possibilita desvendar os processos de explorao do homem pelo homem,nesta sociedade estratificada.

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    anteriormente, podemos fazer a seguinte anlise: com o dinheiro, o sapateiro pode

    subordinar a atividade do msico a fim de obter determinado bem, no caso, ouvir sua

    msica; o mesmo podendo acontecer, a princpio, com qualquer outra atividade. Mais

    frente teremos a oportunidade de contestar tal primazia do dinheiro, focando-se

    justamente na sua deficincia de ser insubordinvel.

    O dinheiro s se efetiva quando abdicado, e apenas pontualmente em um fim ( telos)

    especfico, na obteno de um bem. A opo pela compra de um produto a abdicao

    da compra de todos os outros, a desiluso de todas as outras promessas de aquisio

    de bens que o dinheiro poderia realizar em nome de uma efetivao unitria, final. Nesta

    efetivao fecha-se o ciclo iniciado pela produo: o produto usado. No uso o sentido

    de sua produo finalmente se completa, o produto adquire plenamente o sentido para o

    qual sua existncia foi produzida, isto o sentido pelo qual ele veio a ser (poiesis). Ele

    passa ento a cumprir a funo pela qual foi destinado. O que novamente refora nossa

    tese inicial de que no fim (telos), conforme as investigaes aristotlicas, o sentido de

    ser de algum ente fica mais evidente.

    A atividade da crematstica, por sua vez, nega-se ao fechamento do ciclo, tenta romper

    com a finitude prpria da atividade econmica. Ela procede abdicando do dinheiro em

    nome de dinheiro. Ou seja, aquilo que antes era o meio para a obteno de um bem,

    passa a ser o fim (telos) do processo. Inicia-se a troca com o dinheiro, que ento

    trocado por um produto qualquer, que revendido, e novamente se est em posse de

    dinheiro. Como salienta Marx nO Capital, tal relao no passaria de uma tautologia

    se permanecesse nestes termos (MARX, 2001). Abdicar de algo em troca de obter

    posteriormente a um processo esta mesma coisa no faz sentido. A crematstica precisa

    que se abdique do dinheiro em nome de uma promessa, em nome de um desejomovente, a saber, o desejo de aquisio de algo mais, nesse caso, mais dinheiro.

    Existe, portanto, na crematstica um desejo que move insaciavelmente sua atividade, um

    desejo que no se limita a seu prprio objeto de desejo mas volta-se para o constante

    reforo do desejar. Aristteles menciona este desejo em dois lugares: na Poltica,

    expondo como o comrcio um exemplo de atividade ligada crematstica, e o outro

    justamente no incio do segundo captulo da tica a Nicmacos, como ressalva paraum descaminho possvel sobre a investigao sobre o bem:

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    A outra maneira de enriquecer pertence ao comrcio, profisso

    voltada inteiramente para o dinheiro, que sonha com ele, que no tem

    outro elemento nem outro fim, que no tem limite onde possa deter-se

    a cupidez (ARISTTELES, 1998, p. 25,grifo nosso).

    Se h, ento, para as aes que praticamos, alguma finalidade que

    desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e

    se no escolhermos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o

    processo prosseguiria at o infinito, de tal forma que nosso desejo

    seria vazio e vo) evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o

    melhor dos bens (ARISTTELES, 1992, 1094. [ grifo nosso]..

    Aristteles refere-se ento falta de limite da crematstica, que movida por este tipo

    de desejo na Poltica, a cupidez pelo dinheiro. E, refere-se a este tipo de desejo, que se

    volta sempre para um algo mais, como um desejo vazio de sentido. Ser ento que, por

    a crematstica ser uma atividade que no tem limites estabelecidos, que almeja no ter

    um fim (telos), podemos caracteriz-la como fora das consideraes aristotlicas de que

    toda atividade humana visa um fim, a saber, o bem? Vejamos atravs do nosso exemplo

    se tal suposio verdadeira.

    O sapateiro de nosso exemplo poderia empregar seu dinheiro obtido pela venda de seus

    sapatos na expanso de novas possibilidades para a produo de sua oficina, poderia

    emprest-lo a juros assim o processo, se no for interrompido por um princpio

    exterior, pode muito bem no ter fim. A arte de ganhar dinheiro no nos oferece

    prognsticos de seu fim. Contudo, isso no inviabiliza sua caracterizao como uma

    atividade que tem no bem seu visar final. A grande questo que seu visar de

    alguma maneira enviesado. A forma da crematstica visar o bem em sua atividade sempre o mantendo como uma meta a se visar; ao aproximar-se da meta, ela novamente

    o projeta para longe. Existe algo de trgico nesta relao da crematstica com o seu

    voltar-se para o fim, de maneira que nos lembra a eterna corrida de Aquiles atrs da

    tartaruga, no paradoxo criado por Zeno, ou a tragdia de Ssifo, empurrando sua pedra

    morro acima eternamente, ou ainda, o mito de Prometeu, tendo seu fgado comido e

    renascido todos os dias.

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    A distino entre a relao da atividade com seu fim o que distingue a economia da

    crematstica. A primeira como uma atividade que bem sucedida na sua busca por dar

    um sentido a existncia, e que o demonstra, no casualmente em sua relao com o fim

    (telos); enquanto a segunda delimita uma existncia que no enxerga possibilidade de

    completude do que se em seu fim, abdicando precisamente de seu fim ( telos) como o

    lugar onde pode ganhar plenamente seu sentido. Como vimos, a crematstica uma

    atividade em busca de uma finalidade sem fim, ou uma atividade que promove um

    sentido sem sentido, o que de forma alguma compreendido de uma maneira boa no

    mundo grego, fazendo com que no possa ser a atividade que estamos procurando.

    (V) A IMPORTNCIA DE UM BEM FINAL PARA O HOMEM POR QUE

    CONHEC-LO?

    O encaminhamento dado por Aristteles no incio do captulo dois da tica a

    Nicmacos, j citado por ns na seco anterior, d-nos, alm de uma ressalva para um

    descaminho possvel do uso de seu princpio de subordinao pela crematstica, a

    dimenso da finitude da vida do homem. Subordinar determinadas atividades em busca

    de fins no algo desconexo no pensamento de Aristteles, junto dele est a busca por

    um sentido para existncia, na mesma medida em que delimita o que lhe prpria.

    Assim, Aristteles visa encontrar um bem, como j citado, que no se subordine a

    nenhum outro, o melhor dos bens. Seguindo o princpio de subordinao, este melhor

    dos bens tambm o ltimo dos bens. Reforando nossa suspeita, ao encontrar este bem

    e a atividade que lhe corresponda encontraremos os limites onde o homem ganha seu

    sentido de mais radical de ser, onde seu fim (telos) tambm sua completude; onde ele

    torna-se uno com sua prpria existncia.

    No entanto, sejamos prticos para acompanharmos a discusso de Aristteles: de que

    nos serve conhecermos este bem? No estar ele em pauta em todo fazer

    independentemente de o conhecermos ou no? Considerando o que dissemos at aqui

    sobre a essencialidade do fim (telos) para se delinear o que o homem, a resposta a essa

    pergunta j nos parece, de alguma maneira, esboada. Aristteles elucida tal questo

    com um exemplo excepcional: conhecer o bem ao qual visamos, assim como acontececom um arqueiro que conhece seu alvo, nos facilita a melhor ajustarmos nossa mira

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    (ARISTTELES, 1992). Alm de estarmos claramente na posio do arqueiro, que visa

    um fim (telos), segundo viemos reforando desde o comeo, temos de salientar que a

    seta em questo tambm nossa prpria existncia. Levando-se em considerao que

    em cada existncia do homem est em jogo mirar um bem, e em ltimo dos casos o

    melhor dos bens, conhecer o alvo no nada trivial. Conhecer este melhor dos bens

    precisa acometer todo nosso ser, a ponto de nos colocar no sentido deste alvo. J que

    mesmo quem no faz o esforo de conhec-lo, parece igualmente estar tentando atingi-

    lo, j que tal definio pertence a todo homem enquanto tal. Ver o que melhor para se

    fazer, conhecer o que so as atitudes devidas, que exigem por si prprias que sejam

    tomadas, para melhor conformar a prpria vida prover-se do poder de bem enfrentar

    os perigos e exigncias de sua existncia; um poder que se confunde com o que se .

    Ao mesmo tempo em que somos os arqueiros de nossa existncia, e uma boa viso nos

    ajuda a bem alcanarmos o que julgamos ser uma melhor conformao para nossa

    prpria vida; somos tambm a seta, somos ns que nos lanamos na existncia, no risco

    mais eminente de estarmos numa empreitada mal calculada, sem sentido; ou de no

    chegarmos jamais ao que almejamos, deste sentido no se efetivar em um fim como

    completude; de navegarmos pela vida a deriva. E, mesmo assim, viver confiar, ter a

    esperana num bem ltimo, que subordinando todos os sentidos de nossas atividades d

    sentido a nossa prpria vida, pois sem sentido no h sentido em viver. A vida uma

    obra que se edifica na prpria vida. Um bem final (telos) para ela o completar-se

    adequado desta obra; o desvelar-se da vida em sua inteireza, onde cada homem

    ganha o sentido prprio de sua existncia.

    (VI) QUE ATIVIDADE VISA O MELHOR DOS BENS?

    Apesar de muito discutirmos sobre a fundamentao da anlise de Aristteles na tica

    a Nicmaco, ainda pouco avanamos em suas discusses. Aristteles, deixando como

    pano de fundo os temas por ns j discutidos, pergunta-se ento pela arte ou cincia que

    tem em conta este melhor dos bens. A princpio parece ser a Poltica. A poltica por ser

    imperativa e predominante sobre tudo, j que a todas as outras atividades pode

    subordinar dentro dapolis, parece ser a atividade que tem em conta este bem ltimo. Acincia poltica no somente subordina as outras atividades no que elas devem fazer

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    para a obteno do bem que elas tm em conta, mas dita tambm em que medida elas

    devem fazer o que fazem, e at mesmo se o que fazem deve ser aprendido ou no, e em

    que medida, dentro da polis. (ARISTTELES, 1992). O que est em questo

    igualmente o bem, mas o bem que se insere no modo de ser da polis. Poderamos

    pensar, porm, que existe neste ponto uma contradio entre o que vnhamos dizendo e

    o exposto como a atividade que se ocupa do melhor dos bens, a saber: uma possvel

    contradio entre o individual e o coletivo.

    Certamente que at aqui a discusso se moveu dentro do mbito da existncia individual

    de cada um. Quando o homem realiza uma atividade visando um bem, um homem que

    est em questo. Assim como a existncia de cada um. O homem pode subordinar sua

    atividade obteno de um bem coletivo ou mesmo do bem de um outro ser, o que no

    retira deste visar um carter prprio. Ele s se porta assim porque considera a atividade

    em questo como promotora de um bem, mesmo que possa estar errado, como j

    ressaltamos. Todavia, quando Aristteles delimita a poltica como o lugar da atividade

    humana que lida com o melhor dos bens, estaria ele referindo-se ao bem de uma

    existncia individual em contraposio ao bem dapolis? Estaria ele referindo-se a uma

    melhor conformao de vida de um homem ou do homem em comunidade? Esta

    verdadeiramente a questo: h contraposio entre individual e coletivo neste caso?

    Aristteles inclusive deixa claro que sua investigao na tica a Nicmaco tinha

    como objetivo delimitar este mbito individual, mas que deveria ser ento

    complementado na Poltica por esta abordagem coletiva (ARISTTELES, 1998). A

    investigao individual da tica no pode ser compreendida separadamente da

    compreenso coletiva da Poltica, simplesmente por que uma no existe sem a outra.

    O homem no feito de compartimentos isolados, objeto de uma antropologia e de umasociologia. O homem o que de uma vez s. No h entre ambos os mbitos excluso,

    e sim complementaridade. Vejamos como Aristteles marca a relao entre visar o bem

    individual e o coletivo na Poltica.

    Como sabemos, todo Estado uma sociedade, a esperana de um

    bem, seu princpio, assim como de toda associao, pois todas as

    aes do homem tm por fim aquilo que consideram um bem. Todas

    as sociedades, portanto, tm como meta alguma vantagem, e aquela

    que a principal e contm em si todas as outras se prope maior

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    vantagem possvel. Chamamo-la Estado ou sociedade poltica.

    (ARISTTELES, 1998, p.1).

    O homem por sua natureza, como dissemos desde o comeo um

    animal feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que notivssemos necessidade uns dos outros, no deixaramos de desejar

    viver juntos. Na verdade, o interesse comum tambm nos une, pois

    cada um a encontra meio de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim

    principal, comum a todos e a cada um em particular

    Mas no apenas para viverjuntos, mas sim para bem viver juntos

    que se fez o Estado (ARISTTELES, 1998, p. 53). [grifo nosso].

    Como fica bem claro, no possvel pensar o homem sem pesar os outros que vivem

    junto dele. A primeira coisa que une os homens o fato de no serem auto-suficientes,

    serem carentes; da mesma maneira como fundamenta Plato na cidade idealizada nas

    palavras de Scrates na Repblica (PLATO, 2001). O que necessariamente os faz

    ter de se subordinar a uma instncia coletiva. Aristteles vai at mais alm, dizendo que,

    mesmo que fossem em si e por si mesmos os homens prefeririam viver em sociedade

    para terem maior capacidade de bem viver. A adio do adjetivo bem no nem um

    pouco por acaso, ele se relaciona visceralmente com as discusses por ns j

    implementadas. A polis a instncia humana por excelncia. S o homem vive em

    sociedade. E, neste ponto, Aristteles taxativo: no vive em sociedade por ser um

    ajuntamento de homens, como numa liga qualquer, por exemplo, comercial. Se

    colocssemos as cidades de Megara e Conrinto uma ao lado da outra, relacionando-se

    apenas comercialmente, elas no se constituiriam como uma nica polis. O que

    solidifica uma sociedade precisamente a honra e a virtude (ARISTTELES, 1998, p.

    54). por ter de se subordinar, por ter de viver junto para bem viver, que o homem

    homem. Por encontrar no outro os limites de si mesmo que ele pode ser em todas suaspossibilidades. No h nada mais humano do que encontrar no outro seus prprios

    limites.

    A cidade reflete assim este mesmo princpio guia de todas as aes humanas, o de visar

    o bem. No entanto, de forma ainda mais excelente, por que pode subordinar estes bens

    individuais, tornando-se algo ainda maior e mais completo(e) embora seja desejvel

    atingir a finalidade apenas para um nico homem, mais nobilitante e mais divinoatingi-la para uma nao ou para as cidades (ARISTTELES, 1992, 1094b). Trata-se

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    prprio ente que est em questo, demanda esta forma de tratamento. O exemplo dado

    por Aristteles muito feliz:

    os homens instrudos se caracterizam por buscar a preciso em

    cada classe de coisas somente at onde a natureza do assunto permite,

    da mesma forma que insensato aceitar raciocnios apenas provveis

    de um matemtico e exigir de um orador demonstraes rigorosas

    (ARISTTELES, 1992, 1094b).

    Algo destas consideraes sobre o mtodo nos chama particularmente ateno. Qual

    seja, sua relao com as discusses tidas at ento. Tais consideraes metodolgicas

    tm naturalmente a importncia de elucidar o leitor que o caminho trilhado tem de ser

    construdo na medida em que se desvelam suas metas, na medida em que se

    compreende qual o assunto que est em jogo; que bem o melhor dos bens e a que

    atividade ele relativo, e de que forma.

    O que chamamos ateno que o que est em jogo na anlise somos ns mesmos, nossa

    vida. Falar da ao poltica difcil no s pela abrangncia de seu assunto, mas

    tambm por sua recproca especificidade para cada homem. E a propriedade de cada um

    tem de ser ganha, paradoxalmente, na prpria vida. Tanto assim que Aristtelesassin-la o despreparo da juventude para fazer uma investigao deste tipo; a saber, uma

    investigao que lide com as decises polticas (ARISTTELES, 1992). No pelo fato

    de terem pouca idade, mas sim por terem pouco vivido, e por isso no conhecerem do

    assunto que lidam; a vida.

    Aristteles parece apontar, muito antes de Wittgenstein, que os limites da minha

    linguagem so os limites de meu mundo (WITTGENSTEIN, 1968, 5.6). Os jovens tmde viver para constiturem e reforarem sua compreenso de mundo, e de vida. Para que

    ento, vivendo, possam falar da vida! Possam falar de uma vida bem vivida. Os motivos

    dados por Aristteles condizem com a tradio helnica: os jovens tm de deixarem de

    ser atormentados por suas paixes.

    A linguagem acaba, ou comea, isto , estabelece seus limites, quando do outro lado se

    impe dinmica da existncia. Neste sentido o nico parmetro metodolgicoaristotlico a vida. a vida que d o assunto e o modo do que merece ser investigado.

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    Na vida, s nos basta no sermos incontinentes e guiarmos-nos pelo fluir natural da

    prpria linguagem (logos) (ARISTTELES, 1992).

    (VIII) OS TIPOS DE VIDA

    Finalizaremos nossas consideraes sobre o assunto abordando os trs tipos de vida

    investigados por Aristteles. Elas so importantes para anlise porque so

    possibilidades paradigmticas encontradas por Aristteles para considerar sobre o

    melhor dos bens. Com a investigao sobre os trs tipos de vida, Aristteles deixa

    explcito o vnculo entre as atividades do homem, o voltar-se para um fim (telos)/bem

    de toda a atividade, e a existncia do homem como um todo, sua vida.

    Investigar estes trs tipos de vida nos serve para compreender quais so as

    possibilidades vislumbradas por Aristteles como possveis bens ltimos, e igualmente

    investigar qual deles de fato o melhor dos bens. Em outras palavras, se h uma

    maneira mais significativa de viver, que coincide com uma determinada atividade e um

    determinado bem, que configura uma vida dedicada a algo. Esta maneira mais

    significativa de viver tem o nome de felicidade no pensamento de Aristteles

    (ARISTTELES, 1992) 11.

    importante salientar, contudo, que apesar destes tipos de vida representarem as

    atividades a ele vinculados e os bens ltimos por eles visados, esta forma de

    conceituao no necessariamente deve ser lida de uma maneira estrita. Isto , como

    uma forma de separao que exclui o vnculo entre as partes, como se no fosse possvel

    que estes bens estivessem conjuntamente presentes na vida de um homem. De formageral, acreditamos poder falar que os trs tipos de bens pertencem essencialmente ao

    homem, de maneira maior ou menor, sendo-nos interessante somente na medida em que

    nos fazem pensar. E justamente a prevalncia de um ou de outro visar de determinado

    11Retomando nossa investigao, e diante do fato de todo o conhecimento e todo propsito visarem aalgum bem, falaremos daquilo que consideramos a finalidade da cincia poltica, e do mais algo de todosos bens a que pode levar a ao. Em palavras, o acordo quanto a este ponto quase geral; tanto a maioriados homens quanto as pessoas mais qualificadas dizem que este bem supremo a felicidade, e

    consideram que viver bem e ir bem equivale a ser feliz; quanto ao que realmente felicidade, hdivergncias, e a maioria das pessoas no sustenta opinio idntica dos sbios (ARISTTELES, 1992,1095a).

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    bem que o mais importante, porque faz com que um ou outro tenha significado

    maior dentro da vida.

    Os trs paradigmticos tipos de vida so: a vida dos prazeres, a vida da honra e a vida

    contemplativa (ARISTTELES, 1992). Ele chega a considerar a vida que visa o

    dinheiro como bem final, mas pelas consideraes j feitas acreditamos, seguindo a

    pouca importncia dada na tica a Nicmaco, no h necessidade de nos atermos a

    ela.

    A vida dos prazeres sem dvida a de anlise mais complicada. Aristteles descarta o

    prazer como melhor dos bens no livro I de sua tica a Nicmaco porque a que mais

    nos aproxima dos animais, e portanto no pode ser o que d primazia ao homem

    (ARISTTELES, 1992). De fato, o argumento bastante convincente, todavia

    Aristteles faz questo de dar ao prazer um tratamento todo especial ao longo de suas

    especulaes, sendo justo abord-lo conforme o momento dentro da obra. Os prazeres

    so especificamente investigados ainda por duas vezes ao longo da obra, alm de

    aparecerem reiteradamente ao longo dos livros.

    Uma forma positiva de encarar os prazeres igualmente exposta por Aristteles. Os

    prazeres e os sofrimentos so um lugar sintomtico para se compreender o carter nas

    aes do homem, e mais elas de certa maneira coroam uma ao justa

    (ARISTTELES, 1992). Um ato virtuoso necessariamente acompanhado de prazer,

    no entendimento de Aristteles. Seguindo explicitamente seu mestre, Aristteles afirma

    que a verdadeira educao sentir prazer fazendo as coisas certas e sofrer fazendo as

    coisas erradas (ARISTTELES, 1992). Nada to verdadeiro e ao mesmo tempo distante

    de ns contemporneos. Repensar uma educao nestes termos uma tarefa nossa.

    A vida voltada para honra, por sua vez, tem primazia sobre a vida pautada nos prazeres.

    De fato, ser reconhecido pelos outros homens, e aqui Aristteles tem em vista o ser

    reconhecido pelo que se , faz parte de uma vida feliz, sem dvida alguma. Entretanto,

    levando em considerao a premissa do princpio de subordinao, fundamento de

    toda tica e Poltica aristotlica a vida voltada para honra depende dos outros

    (ARISTTELES, 1992). Depende que os outros lhe reconheam, e lhe atribuam mrito;

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    algo que pode ou no acontecer, o que no torna sua atividade insubordinvel, fato

    logicamente necessrio para identificar o melhor dos bens.

    Aristteles elege ento a vida contemplativa como uma vida eminentemente feliz

    (ARISTTELES, 1992). Cabe a primeira considerao de que diferentemente do que se

    possa apressadamente pensar, a contemplao encarada como uma atividade no

    pensamento aristotlico, no se confunde com o lazer, apesar de ser prazerosa, ou o

    entretenimento (ARISTTELES, 1992), igualmente considerados no livro X. A

    contemplao o exerccio da faculdade que a todas as outras subordina, o pensamento

    (nous). Esta capacidade ao menos em parte divina (ARISTTELES, 1992). E, apesar

    de ser possvel que a faamos junto dos outros, nada nos impede de que a faamos, e a

    faamos honrando os deuses sozinhos (ARISTTELES, 1992). A contemplao o

    reduto da liberdade humana, subordinando todas as outras atividades, e dando ao

    homem um sentido plenamente significativo a sua existncia.

    REFERENCIAS:

    ARISTTELES. The works of Aristotle. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1952.

    ARISTTELES. tica a Nicmacos. 2. ed. - Brasilia: EDUNB, 1992.

    ARISTTELES. A poltica. 2. ed. - So Paulo: Martins Fontes, 1998.

    MARX, Karl. O capital: critica da economia poltica: livro primeiro: o processo de

    produo do capital. 17. ed. - Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, c2001.

    PLATO. A Repblica. 9. ed. - Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2001.

    WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophias. So Paulo: Ed. Nacional,

    1968.