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[Artigo] Concordância Verbal No Port Popular Do Brasil[Artigo] Concordância Verbal No Port Popular Do BrasilTRANSCRIPT
CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL:
ASPECTOS EMPÍRICO-TEÓRICOS DA CONCORDÂNCIA VERBAL NA
TERCEIRA PESSOA DO PLURAL OU P6 NA COMUNIDADE DE FALA DE
VITÓRIA DA CONQUISTA.
Jorge augusto Alves Silva (PPGLing /UESB)
Danilo da Silva Santos (PPGLing/UESB / UNEB)
Valéria Viana Souza (PPGLing /UESB)
Introdução
No rol das discussões acerca dos aspectos que caracterizam língua falada no Brasil,
tomamos a realização da concordância verbal na terceira pessoa do plural ou P6 como um
dos principais fenômenos de variação observável na língua vernácula utilizada por uma
significativa parcela da população constituída por falantes não escolarizados ou com
escolarização precária, que engrossam a base da pirâmide social.
O tema “concordância verbal na terceira pessoa do plural” há muito vem chamando
a atenção de estudiosos que apontam no apagamento das marcas de plural nos verbos um
fenômeno que só pode ser compreendido considerando o viés das particularidades que
oriundas do processo de formação da sociedade brasileira.
Pela apreciação do dialeto falado em Vitória da Conquista-Ba, visamos contribuir
com tais estudos, situando neste trabalho os primeiros resultados da análise parcial de seis
entrevistas realizadas com informantes residentes no município sede de vitoria da
conquista. As entrevistas analisadas constituem em parte do corpus do Português Popular
de Vitória da Conquista constituído pelo Grupo de Pesquisa em Linguística Histórica e
Sociofuncionalismo (UESB). A análise deste corpus busca fornecer subsídios para a
confirmação da hipótese de que a concordância verbal em P6 é uma regra variável,
condicionada por fatores linguísticos e sociais.
Para tanto, buscamos identificar quais fatores estariam interagindo quanto à
aplicação da regra de concordância no português popular de Vitória da Conquista e
verificar se a situação linguística indica mudança em progresso ou variação em estável.
Embasados em estudos que contemplaram a questão da concordância entre sujeito e
verbo no português popular como LEMLE & NARO (1977; 1977), NARO (1981), GUY
(1986), SCHERRRE (1988), NARO E SCHERRRE (1999) SILVA (2005), dentre outros,
adotamos a metodologia de análise quantitativa da Sociolinguística Variacionista.
Nosso corpus foi constituído por entrevistas realizadas no formato “Documentador
x Informante”, com diálogos de duração entre 40 a 60 minutos, transcritos
grafematicamente. As entrevistas ocorreram nos bairros onde os informantes residiam
abordando temas triviais como experiências da infânccia, brincadeiras, narrativas de vida,
opinião sobre a cidade, questões envolvendo as famílias dos entrevistados como
casamento, número de filhos, lazer, etc. de forma que os informantes não se sentissem
inibidos pela presença do documentador.
As transcrisções foram realizadas com auxilio do Grupo de Pesquisa em
Sociofuncionalismo da UESB, utilizando para a codificação dos dados a “Proposta de
Chave de Transcrição” elaborada por Dante Lucchesi (In SILVA, 2005, p. 205-217).
Nesse texto, faremos uma breve análise sobre a história dos estudos voltados ao
fenômeno da “concordância verbal”, comentando, em breves palavras, a contribuição das
pesquisas sobre o tema que tomaram como referencial a teoria sociolinguística
variacionista. Por fim, apresentaremos os dados dos primeiros resultados de nossa análise
sobre a concordância verbal em P6 na comunidade de fala de Vitória da Conquista, antes
de concluirmos com algumas considerações finais sobre nosso trabalho.
Nossa pesquisa busca refletir como continuidade aos resultados obtidos em estudos
anteriores de pesquisas sobre a concordância verbal em p6 realizadas em outras
comunidades, e contribuir para posteriores estudos sociolinguísticos fornecendo mais
dados sobre a concordância verbal em P6 no português popular do Brasil.
1. A sociolinguística e o tratamento da concordância verbal no português brasileiro
(PB)
As pesquisas embasadas na perspectiva teórica da sociolinguística variacionista,
empreendidas à partir do final da década de 1970, postularam uma nova forma de
contemplar o fenômeno da variação e ganharam impulso nas décadas seguintes ampliando
o campo de visão sobre a realidade linguística brasileira (SILVA, 2005, p.214).
Marta Scherre (1996, p. 29) aponta Anthony Julius Naro como autor dos primeiros
estudos teóricos a discutir, em 1975, a teoria variacionista. Contudo,será o trabalho
publicado e 1977, por Lemle e Naro, fruto do projeto Competências Básicas do Português,
que irá constituir-se como um marco nos estudos sociolinguísticos no Brasil.
Em 1979, o Projeto Censo, orientado por Naro, consegue organizar bancos de
dados linguísticos com base em gravações da fala de quarenta e oito informantes adultos,
classificando o corpus pelo sexo, idade, e estratificação social. Trabalhos iniciais que
surgirão a partir do modelo idealizado por Naro e Lemle tomarão o grau de saliência fônica
como principal elemento de influência na distinção entre formas de singular e plural.
Como conclusão de suas pesquisas, Naro observa a questão da mudança e
defenderá a tese de que no português popular do Brasil haveria uma tendência progressiva
à perda das marcas de flexão número-pessoa, tendência já notada no português lusitano,
mas que no Brasil viria a se acentuar, como fruto da deriva3 natural dos séculos. Porém, é,
sobretudo a partir da publicação da tese de Gregory Guy (GUY, 1981) que vemos
interpretações desarmônicas marcarem a dissensão entre hipóteses que colocariam a
mudança sob diferentes perspectivas:
a) Como mudança em curso – caminhando lentamente para a perda das regras de
concordância (NARO, 1981).
b) Como variação estável – em direção à regularização pela aquisição da regra sob
influencia da escolarização (GUY, 1986).
c) Polarização com variação estável para falantes não humildes e mudança para
falantes humildes (SCHERRRE, 1988).
Esses divergentes fluxos verificados no português do Brasil indicariam tendências
distintas para a perda da flexão, para aquisição, ou ainda para uma variação estável.
Guy, ao considerar a sócio-história da formação linguística do português brasileiro,
retoma a polêmica sobre a origem crioula do PB. Considerando a hipótese da deriva “mais
simples”, propõe uma revisão da possível origem crioula do português popular do Brasil,
oriunda do contato no período colonial entre falantes do português europeu e de línguas
africanas. Para Guy (1981, p.350), a resposta à perda de características que elevariam o PB
ao status de língua crioula estaria nos diferentes processos de descrioulização, ou de
contato com a língua padrão, o quais levariam a língua popular a uma tendência à
recuperação de elementos perdidos no momento da aquisição, pendendo para a língua de
maior prestígio.
Desse modo, ao contrario de Naro (1981), Guy verifica, atentando ao princípio da
saliência fônica, que no português popular do Brasil estaríamos vivenciando uma situação
na qual haveria uma disposição à paulatina aquisição das marcas de concordância.
2. Análise dos resultados iniciais
Na busca de verificar se, no português popular, o fenômeno da variação da
concordância verbal em P6, caracteriza-se como variação estável ou mudança em
progresso, em nosso trabalho, foram quantificadas as ocorrências selecionadas na fala de
06 informantes (6/24), num total de 216 ocorrências de CV em P6, utilizando o programa
de quantificação estatística Goldvarb 3.0b3. Os resultados, ainda não conclusivos,
apontaram a direção a ser seguida e questões que deveriam ser ponderadas, constituindo
uma base de reflexão sobre as primeiras hipóteses.
Para essa primeira rodada do Goldvarb, os falantes, todos adultos, com idade entre
20 a 80 anos, e residentes em bairros periféricos de Vitória da Conquista, foram
selecionados considerando os critérios sociais:
I - sexo:
A) homens - 03 informantes
B) mulheres - 03 informantes
II - idade:
A) faixa I – 20 aos 40 anos - 02 informantes
B) faixa II – 41 aos 60 anos - 02 informantes
C) faixa III – a partir de 60 anos - 02 informantes
III - escolaridade:
A) nível 01 – analfabeto - 03 informantes
B) nível 02 – com formação precária - 03 informantes
No quadro geral, o resultado quanto à observação da concordância verbal em P6,
revelou o significativo índice de não aplicação à regra geral de concordância.
TABELA 01 – ÍNDICE DE APLICAÇÃO DA REGRA DE CV EM P6
Concordância verbal em p6
Número de
ocorrências
Frequência
(+) aplicação da regra 47/216 21.8%
(-) não aplicação da regra 169/216 78.2%
A seguir, apresentaremos os resultados da análise observando a frequência
encontrada para cara grupo de fatores e quais variáveis se mostraram mais relevantes na
análise dos dados.
2.1 Variáveis extralinguísticas ou sociais.
Foi possível quantificar a frequência de 03 variáveis sociais: a) sexo; b) idade; c)
escolaridade.
Sobre a variável “sexo”, pesquisas que tomam como base o português popular vem
demonstrando uma direção contraria à hipótese de que, ante o desempenho dos papeis
sociais (WOLFRAM,1969; PAIVA, 2007), haveria uma suposta “maior consciência
feminina do status social das formas linguísticas”, fazendo com que as mulheres
apresentassem maior índice de aplicação à norma.
Em nossa análise, verificamos que a hipótese de WOLFRAM (1969), no caso do
português popular de Vitória da Conquista, pode ser questionada, por observamos que o
sexo masculino utiliza a variação próxima da norma. Contudo, a baixa estatística
observada na diferenciação dos dois grupos ainda não se constitui ainda suficiente para
uma teoria mais contundente, legando por hora o critério de variação de sexo como
basicamente neutro.
TABELA 02: VARIÁVEL SEXO
Já no tocante à variável “nível de escolaridade”, como previsto, sendo não
realização da concordância um fenômeno de variação ainda estigmatizado no PB, era de se
considerar a influência da escola ante a neutralização dessa variante linguística. Como
verificado em outras pesquisas, à medida que falantes avançam nos estudos este reflete
diretamente na fala. Entretanto, os dois níveis de análise compara falantes de níveis não
muito distantes de escolarização, sendo o nível II (formação precária) composto por
falantes que possuem no máximo 05 anos de escolaridade, instrução primária.
Considerando a relação entre essa variável e a CV em P6, obtivemos os seguintes índices:
TABELA 03: VARIÁVEL NÍVEL DE ESCOLARIDADE
Escolaridade
Aplicação da regra
Peso
Analfabeto
16/52
30,8%
0.31
Formação precária
31/164
18,9%
0.19
Apesar de não apresentar uma direção contraria ao esperado em nossas hipóteses
iniciais, a pouca diferenciação entre os dois níveis ainda não nos permite considerar essa
variável significativa, por não se revelar, nessa análise inicial, como principal fator que
impulsionaria a variação entre os dois grupos analisados.
Considerando a hipótese da bipolarização linguística do P.B. (LUCCHESI, 2001),
buscamos verificar se, na norma popular, os mais jovens tendiam para a aquisição da regra
apresentando índices superiores de flexão verbal de concordância em P6 que falantes de
faixa etária mais elevada. O processamento dos dados forneceu o seguinte quadro:
TABELA 04: FAIXA ETÁRIA.
Faixa etária
Aplicação à
regra:
Peso
Sexo
Aplicação da regra
Peso
Homem 17/61
27,9%
0.64
Mulher 30/155
19,4%
0.35
Ocorrências/
frequência
Faixa I (20 aos 40 anos) 18/75
24,0%
0.24
Faixa II (41 aos 60 anos) 23/111
20,7%
0.21
Faixa III (a partir de 60 anos) 6/30
20,0%
0.20
Os índices acerca dessa variável apresentaram-se equilibrados, contudo o Goldvarb
calculou um maior peso relativo (0.07) em relação a variação na faixa II (40 aos 60 anos).
Como verificado em pesquisas anteriores, O fato da população de meia-idade mais utilizar
a norma de prestígio, caracterizaria para essa variante um caso típico de estabilidade
(DUARTE E PAIVA, 2003, p.18). Como os resultados não são conclusivos, acreditamos
numa mudança significativa de índices quando outros dados foram acrescentados.
2.2 Variáveis linguísticas internas.
A análise das variáveis internas nos apresentou dados importantes sobre o perfil
linguístico da comunidade. Foram analisadas algumas variáveis linguísticas/estruturais que
consideramos mais significativas para nosso estudo, as quais, eliminando os nocautes,
foram selecionadas respeitando os seguintes grupos de fatores:
01 - Realização e posição do sujeito
02 - Concordância nominal no sujeito
03 - Indicação de plural no SN sujeito
04 - Caracterização semântica do sujeito
05 - Tempos do verbo
06 - Tipos de verbo
07 - Saliência fônica
08 - Relação núcleo do SN sujeito e verbo
Como previsto, concluímos que posição do sujeito na ordem da oração compõe um
dos grupos de fatores importantes que podem condicionar, ou influenciar, a aplicação da
regra de concordância. A quantificação das ocorrências verificou a seguinte frequência em
relação à ordem do sujeito:
TABELA 06: VARIÁVEL REALIZAÇÃO E POSIÇÃO DO SUJEITO
Realização e posição do sujeito
Ocorrências
Total
Frequência
Sujeito imediatamente anteposto 107/216 49,5%
Sujeito anteposto com constituintes intervenientes 29/216 13,4%
Sujeito retomado por um pronome relativo 13/216 6,0%
Sujeito não realizado 56/216 25,9%
Sujeito imediatamente posposto ao verbo 10/216 4,6%
Sujeito posposto separado do verbo por constituintes 01/216 0,5%
Na análise, verificamos que em todos os casos de sujeitos pospostos, 11/216
ocorrências, os falantes não aplicaram a regra de concordância, fazendo com que o uso
ordem inversa (BECHARA, 2006, p.584), não pudesse ser quantificado com regra variável
de concordância em P6, não sendo possível ainda confirmar a premissa de que a inversão
na ordem sintática desfavoreceria a concordância. Quanto às demais formas de constituição
do sujeito, foram observadas as seguintes frequências:
TABELA 07: REALIZAÇÃO E POSIÇÃO DO SUJEITO
Realização e posição do sujeito
Ocorrências
Frequência
Peso
Sujeito imediatamente anteposto 22/107
20,6%
0.21
Suj. Ant. Com const. Intervenientes 7/29
24,1%
0.24
Suj. Retomado por um pronome relativo 2/13
15,4%
0.15
Suj. Não realizado 16/56
28,6%
0.29
Sabendo que sujeitos imediatamente antepostos ao verbo provavelmente
favoreceriam a aplicação da regra1, buscamos verificar se o distanciamento entre sujeito e
verbo ou não-realização do sujeito influenciariam a aplicação da regra de concordância, os
resultados quando a não aplicação da regra em P6.
Os dados mostraram que nas ocorrências onde o sujeito foi retomado por um
pronome relativo (ex: as pessoas que trabalha lá) a frequência de não aplicação à regra foi
superior, seguido estranhamente pelo fator “sujeito imediatamente anteposto” (79.4% de
não concordância, 85/107). Por outro lado, as construções com sujeito imediatamente
anteposto foram as mais utilizadas pelos informantes, constituindo um total de 49,5% das
ocorrências.
Outro fenômeno peculiar foi o fato de as orações com sujeito não-realizado
apresentarem o maiores índices de aplicação da regra. O cruzamento dos dados com o
critério “saliência fônica” demonstrou que esse fenômeno poderia ser explicado pelo alto
índice de verbos de saliência nível 08 (formas acentuadas com mudança de radical; ex.
É/são) nas construções onde os sujeitos não foram realizados.
Em seguida, procedemos no controle da variável “concordância nominal no
sujeito”, partindo do principio de que “marcas “marcas levam a marcas e zeros levam a
zeros”( VIEIRA, 1997). Vimos a necessidade de controlar essa variável considerando a
hipótese de maior possibilidade de aplicação da regra de CV em casos nos quais ocorre
concordância dentro do SN que constitui o sujeito, principio denomina por Lucchesi como
coesão estrutural. Os dados apresentaram os seguintes resultados:
TABELA 08: CONCORDÂNCIA NO SN
Sn com concordância 11/42
26,2%
0.26 31/42
73,8%
0.76
1 A análise realizada por Naro (1981) verificou que tal variável posicional influenciaria a aplicação da regra
de concordância em maior probabilidade( peso .71) nos casos em do sujeito imediatamente anteposto, sendo
a regra menos aplicada em casos de sujeito posposto ao verbo(peso .24). Além disso, em sua pesquisa, Naro
(1981) percebeu que a quantidade de “material interveniente”, separando o sujeito do verbo, também exercia
influencia sobre a aplicação da regra.
Sn sem concordância 2/35
5,7%
0.06 33/35
94,3%
0.23
Não contrariando o princípio da coesão estrutural, essa variável foi selecionada pelo
Goldvarb como de alto nível de significância, sendo o fator “SN sem concordância” um
dos que mais motivaram a não aplicação da regra de flexão de numero no sintagma verbal.
Com o objetivo de verificar, do ponto de vista morfológico, qual das estratégias de
indicação de plural mais favoreceria a aplicação da regra de concordância, controlamos a
variável “a indicação plural no sujeito”. Para tanto, selecionamos dentro deste grupo de
fatores 03 co-variáveis que julgamos ser mais representativas (indicação de plural de
natureza mórfica, lexical ou com numeral). Obtivemos os seguintes resultados:
TABELA 09: INDICAÇÃO DE PLURAL NO SN SUJEITO
Indicação de
plural no sn
sujeito
Ocorrências
Com c.v.
Peso
Ocorrências
Sem c.v.
Peso
Mórfica 24/124
19,4%
0.19 100/124
80,6%
0.391
Com numeral 1/10
10%
0.10 9/10
90%
0.681
Lexical 3/11
27,3%
0.27 8/11
72,7%
0.422
Nesse subgrupo, o fator de indicação de plural no SN sujeito mais propenso a não
utilização da regra revelou-se ao contrário do que esperávamos ser a presença de um
numeral no SN. Vemos a necessidade de rever esse fator acrescentando a possibilidade do
numeral locar-se no entorno de marcas mórficas que indicariam concordância no SN. De
qualquer forma, numa visão geral a diferença entre tais variáveis no quesito de não
realização de concordância foi classificado pelo Goldvarb como não muito significativas.
Fator não menos importante, a verificação se na “caracterização semântica do
sujeito” pelos os traços [+ humano] e [-humano] 2 esta variável poderia favorecer a
aplicação da regra de concordância. A análise empírica do corpus revelou quanto a esse
fator a seguinte frequência:
TABELA 10: FREQUÊNCIA DE VARIAÇÃO NA CARACTERIZAÇÃO SEMÂNTICA DO SUJEITO
Traços
Aplicação da regra
Peso
[+humano] 44/196
22,4%
0.22
[-humano] 3/196
15,0%
0.15
Como esperado, em casos em que o sujeito possuía um traço semântico [+Humano]
verificou-se maior frequência de aplicação à regra. Contudo, acreditamos que o alto índice
2 Vieira (1997, p. 54) acrescentou a essa variável o traço [+/- concreto], e trata a questão por “animacidade”
do sujeito. Paiva e Duarte (2009, p.138) também defendem, no caso da terceira pessoa, a possibilidade de um
“meio termo” com classificação em sujeito [+/- humano] e sujeito [+/- animado].
de utilização de sujeitos [+humano] pelos falantes (90,7%) deu-se pela objetividade dos
temas abordados nas entrevistas.
O grupo de fatores que compunham a variável tempo verbal foi o que mais sofreu
redução no processo de quantificação. Isso se deu pela predominância do uso das formas
mais comuns do indicativo (presente, pretérito e imperfeito) e pelo fato de formas
perifrásticas e do subjuntivo apresentarem nocaute pela predominância de não
concordância.
Como tínhamos previstos, a análise demonstrou indícios, apesar de ainda não muito
significativos, de que a não aplicação da regra de CV em P6 pela influência da variável
tempo verbal estaria diretamente relacionada com a saliência fônica, uma vez que o uso de
formas menos salientes, como as não-marcadas do presente do indicativo, não
impulsionariam a aplicação a regra. Contudo o quadro geral dos tempos analisados
demonstrou um equilíbrio na alternância de formas desse grupo de variáveis.
TABELA 11: TEMPO VERBAL
Analisando a variáveis “tipo de verbo”, tal grupo de variáveis propiciou a nossa
observar se a pressão interna gerada pela carga semântico-funcional do verbo poderia, ou
não, determinar maior ou menor presença de marcas formais de plural na terceira pessoa
(conf. SILVA; 2008, GRACIOSA; 2001). Eliminando os nocautes o Goldvarb pode
quantificar a relevância de 04 tipos de verbos:
TABELA 12: FREQUÊNCIA DE VARIAÇÃO PELO GRUPO “TIPO DE VERBO”
Tipo de verbo
Aplicação da regra Não aplicação
Frequên. Peso Frequên. Peso
Transitivo 3/33
9,1%
0.09 30/33
90,9%
0.32
Intransitivo 8/88
9,1%
0.09 80/88
90,9%
0.28
De ligação 29/67
43,3%
0.43 38/67
56,7%
0.81
Auxiliar 7/28
25,0%
0.25 21/28
75,0%
0.54
Nota-se, pela análise do quadro, que ao tipo de verbo que influenciariam a
aplicação da regra, a co-variável “verbo de ligação” constituiu um peso consideravelmente
relevante, segundo a análise do goldvarb (0.814). O que colocou esse grupo de fatores, em
nossa análise inicial, como um dos mais representativos.
Já os verbos transitivos e intransitivos apresentaram índices, apesar de altos em
relação a não aplicação da regra, semelhantes. Cremos que o resultado obtido na análise
desse grupo de variáveis pode estar relacionado ao critério “saliência fônica”, dado o fato
do ato índice de utilização do verbo “ser”, forma de alto grau de saliência.
Pesquisas anteriores sobre a concordância sempre ressaltaram a importância da
saliência fônica. A influência da saliência fônica situa-se pelo nível de valor que os traços
distintivos, que marcam ou não a oposição semântica de formas sonoras distintas. Partimos
Tempo verbal Aplicação da regra
Frequên. Peso
Presente do indicativo 33/121
27,3%
0.27
Pretérito perfeito 6/39
15,4%
0.17
Pretérito imperfeito 8/47
17,0%
0.15
considerando a hipótese de que “quanto mais a forma for perceptível aos falantes, mais
saliente ela será e quanto mais saliente mais resistente à mudança.”
Tal princípio pré-supõe que no processo de flexão verbal as formas marcadas (ou
mais salientes) tendem a favorecer a aplicação da regra de concordância e formas menos
marcadas (ou menos salientes) tendem a desfavorecer a aplicação (SILVA, 2005).
Para observar a questão, da mesma maneira que Naro (1980), classificaremos o
nível de saliência dos verbos com base em dois critérios: o da força da acentuação e a da
diferenciação do material fonológico e morfológico envolvido(SILVA, 2003,2005).
A escolha de tais critérios nos permitiu contemplar a saliência em nove níveis,
divididos em dois grupos: verbos em que a marca de flexão encontra-se em sílaba não
acentuada (átona) e verbos em que a marca de flexão encontra-se em sílaba acentuada.
Entretanto, a primeira rodada do Goldvarb eliminou da analise comparativa de variação
dados de níveis em que todas as ocorrências registraram a não aplicação da
regra(knockouts), considerando nesse grupo o seguinte quadro quanto a aplicação da regra
de concordância:
TABELA 13: SALIÊNCIA FÔNICA
Posição
Nível de saliência
Frequência
Peso
Não
acentuada
2 – nasalização c/ mudança de qualidade:
Fala/falam
13/92
14,1%
0.14
Acentuada 4 – nasalização c/ acréscimo ou mudança da semivogal:
tá/tão; vai/vão
7/24
29,2%
0.29
5 – manutenção ou acréscimo da vogal acentuada,
acréscimo de seguimento: bateu/bateram; viu/viram;
parou/pararam
7/38
18,4%
0.18
8 – mudança da raiz: é/são 20/40
50%
0.50
Frequência de variação pelo grupo “saliência fônica”
Os resultados demonstram a coerência da hipótese de que quanto mais saliente,
perceptível a forma verbal, maior o índice de aplicação à regra, chegando o nível 8
(composto em nossa análise, na maioria das ocorrências pela utilização do verbo de ligação
“ser”) a influenciar a aplicação da regra em 50% das ocorrências.
Amalgamando os dos sub-grupos: a) em posição não-acentuada e; b) em posição
acentuada, retoma a ideia de que a saliência se constitui fator importante na análise da
variação. Conforme pode ser verificado na tabela 15.
TABELA 14: SALIÊNCIA FÔNICA
Nível de saliência
Aplicação da
regra
Não aplicação da
regra
Total*
Em posição não acentuada 13/92
14,1%
79/92
85,9%
42,6%
Em posição acentuada 34/102
33,3%
68/102
66,7%
47,2%
Frequência de variação pelo grupo “saliência fônica” com amalgama.
Por fim, analisamos o último fator considerando, a variável “presença de marcas de
plural adjacentes ao verbo”. O goldvarb quantificou a variável que mede a presença ou
ausência de marcas de plural no último elemento adjacente ao verbo o, no caso o SN
sujeito, buscando aferir o quanto, nesse elemento, a presença de uma marca explícita de
plural pode ou não favorecer a aplicação da regra de concordância verbal.
Assim como em outros grupos analisados anteriormente, o goldvarb eliminou os
fatores que não se apresentaram significativos, reconfigurando o grupo da seguinte forma:
TABELA 15: PRESENÇA DE MARCAS DE PLURAL
Presença de marcas de plural
adjacentes ao verbo em:
Aplicação da regra
Não aplicação
Total
Núcleo adjacente c/ marcas de plural 11/44
25,0%
0.25 33/44
75,0%
0.65 28%
Núcleo separado p/ adjetivo c/ marca
de plural
01/02
50%
0.50 01/02
50%
0.75 1,3%
Sujeito pronome “eles” 11/58
19,0%
0.19 47/58
81,0%
0.49 36,9%
Det. Antes do verbo c/ marcas de plural 01/03
33,3%
0.33 02/03
66,7%
0.44 1,9%
Numeral adjunto ao verbo 2/13
15,4%
0.15 11/13
84,6%
0.18 8,3%
A analise dos dados revelou que, nesse grupo de fatores a co-variável mais
representativa seria “núcleo do sujeito separado do verbo por adjetivo com marca de
plural”, demonstrando a presença de flexão em 50% dos casos, mais uma vez fazendo valer
o principio da coesão estrutural já que a presença de tais adjetivos só de deram em casos
onde se verificou concordância verbal no SN.
3. Considerações finais
Como resumidamente exposto, a análise parcial dos dados revelou informações
importantes para a manutenção de algumas hipóteses que nortearão a nossa pesquisa
sociolinguística na comunidade por nós estudada. Mais uma vez, verificamos que o
fenômeno linguístico da concordância entre sujeito e verbo, particularmente em casos de
utilização da terceira pessoa do plural(P6), revela-se como sujeito a variação no português
popular, sendo a aplicação da regra de concordância de numero entre sujeito e verbo uma
variável condicionada por fatores sociais e estruturais.
Os dados, mais uma vez, demonstraram a importância de se controlar as variável
“saliência fônica” e a importância do princípio da coesão estrutural. Contudo, resaltamos
por se tratar de uma pesquisa em andamento, considerando a limitação do número
informantes, esta análise não respalda resultados decisivos para sustentação de hipóteses
definitivas.
Dessarte, continuamos nossa pesquisa em busca de resultados mais contundentes,
visando, por fim, contribuir aos estudos Variacionistas, e situar, na comunidade de Vitória
da Conquista-Ba, a dimensão do fenômeno da concordância verbal em P6, fenômeno que
muito nos tem a dizer acerca do português popular do Brasil.
4. Referencias Bibliográficas
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