artigo arranjo popular marta sare

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5/25/2018 ArtigoArranjoPopularMartaSare-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/artigo-arranjo-popular-marta-sare 1/14 145 BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Saré de Edu Lobo: memórias híbridas. Per Musi , Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158. Recebido em: 13/12/2012 - Aprovado em: 08/08/2013 Marta Saré  de Edu Lobo: memórias  híbridas Everson Ribeiro Bastos (UFG, Goiânia, GO) [email protected] Adriana Fernandes (UFPB, João Pessoa, PB) [email protected] Resumo: Nos anos de 1960, Edu Lobo era reconhecido pela preocupação estética e social em sua música. Os elementos para elaboração destas composições eram oriundos da música nordestina, da bossa nova e posteriormente da música “erudita”. A partir de alguns conceitos de hibridismo, buscou-se entender as fontes musicais reelaboradas por Edu Lobo, mais especificamente na canção Memórias de Marta Saré  (1968 - Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri). O resultado deste estudo revela que as hibridações elaboradas nesta canção evidenciam alguns aspectos que explicam a singularidade do compositor, além de mostrar como os próprios conceitos de hibridismo se misturam nesta obra, cuja partitura está publicada às p.159-166 nesse número 30 de Per Musi. Palavras-Chave: Memórias de Marta Saré  de Edu Lobo; hibridismo na música brasileira; música e teatro. Marta Saré  by Edu Lobo: hybrid memories Abstract:  In the 1960s Edu Lobo was recognized through aesthetic and social concerns in his music. The elements in the preparation of these compositions came from Brazilian Northeastern’s music, bossa nova and later on from “classical” music. Dealing with some concepts of hybridism, we sought to understand the musical sources developed by Edu Lobo, specifically in the song Memórias de Marta Saré  (Marta Saré’s Memories , 1968 - Edu Lobo and Gianfrancesco Guarnieri). The result of this study shows some aspects that explain the uniqueness of the composer, the hybrids produced by him, and also how the very concepts of hybridism blend in this piece, which score is published on pp.159-166 in this Per Musi issue. Keywords: Memórias de Marta Saré  by Edu Lobo; hybridism in Brazilian music; music and theater. PER MUSI – Revista Acadêmica de Música – n.30, 200 p., jul. - dez., 2014 1- Os conceitos de hibridismo Segundo KERN (2004), o termo hibridismo foi usado inicialmente nas ciências biológicas, sendo que a primeira referência de destaque foi utilizada por Charles Darwin (1809-1882) no seu impactante livro On the origins of species 1 . Neste livro ela aborda o hibridismo como a mistura de espécies animais e vegetais, e aponta que nas espécies “puras” os órgãos de reprodução são perfeitos, enquanto nos híbridos não. No entanto KERN (2004) aponta que Darwin entende que “[...] o cruzamento entre espécies é, sim, possível, e não parece ser “[...] vontade da Natureza que seja evitado” (p.54). Em uma concepção etimológica, BERN (2004) apresenta que a palavra híbrida, do grego hibris , “[...] remete a “ultraje”, correspondente a uma miscigenação ou mistura que viola as leis naturais” (p.99), surgindo assim a visão de que híbrido é anormal. Esta palavra refere-se à reunião de dois ou mais elementos que dão origem a um terceiro, onde um destes elementos pode-se destacar mais que o outro. Segundo BERN (2004), os termos mestiçagem (misturas de raças) ou sincretismo (misturas religiosas), estão sendo substituídos por híbrido ou hibridação, principalmente pela crítica pós-moderna. CANCLINI (2006) explica a sua preferência pelo termo hibridação: “[...] aparece mais dúctil 2  para nomear não só combinações de elementos étnicos ou religiosos, mas também a de produtos das tecnologias avançadas e processos sociais modernos ou pós-modernos” (p.XXIX). Na visão de BURKE (2003) o hibridismo pode ser positivo, no sentido de “[...] que toda inovação é uma espécie de adaptação e que encontros culturais encorajam a criatividade” (p.17); e negativo, devido à possível “[...] perda de tradições regionais e de raízes locais” (p.18). Já CANCLINI (2006) entende que a questão não é o desaparecimento de tradições diante da modernização e consequentemente da hibridação, mas sim como estas tradições estão se transformando (p.218). Na concepção de CANCLINI (2006) a hibridação refere-se a:

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    Recebido em: 13/12/2012 - Aprovado em: 08/08/2013

    Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas

    Everson Ribeiro Bastos (UFG, Goinia, GO)[email protected]

    Adriana Fernandes (UFPB, Joo Pessoa, PB)[email protected]

    Resumo: Nos anos de 1960, Edu Lobo era reconhecido pela preocupao esttica e social em sua msica. Os elementos para elaborao destas composies eram oriundos da msica nordestina, da bossa nova e posteriormente da msica erudita. A partir de alguns conceitos de hibridismo, buscou-se entender as fontes musicais reelaboradas por Edu Lobo, mais especificamente na cano Memrias de Marta Sar (1968 - Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri). O resultado deste estudo revela que as hibridaes elaboradas nesta cano evidenciam alguns aspectos que explicam a singularidade do compositor, alm de mostrar como os prprios conceitos de hibridismo se misturam nesta obra, cuja partitura est publicada s p.159-166 nesse nmero 30 de Per Musi.

    Palavras-Chave: Memrias de Marta Sar de Edu Lobo; hibridismo na msica brasileira; msica e teatro.

    Marta Sar by Edu Lobo: hybrid memories

    Abstract: In the 1960s Edu Lobo was recognized through aesthetic and social concerns in his music. The elements in the preparation of these compositions came from Brazilian Northeasterns music, bossa nova and later on from classical music. Dealing with some concepts of hybridism, we sought to understand the musical sources developed by Edu Lobo, specifically in the song Memrias de Marta Sar (Marta Sars Memories, 1968 - Edu Lobo and Gianfrancesco Guarnieri). The result of this study shows some aspects that explain the uniqueness of the composer, the hybrids produced by him, and also how the very concepts of hybridism blend in this piece, which score is published on pp.159-166 in this Per Musi issue.

    Keywords: Memrias de Marta Sar by Edu Lobo; hybridism in Brazilian music; music and theater.

    PER MUSI Revista Acadmica de Msica n.30, 200 p., jul. - dez., 2014

    1- Os conceitos de hibridismo Segundo KERN (2004), o termo hibridismo foi usado inicialmente nas cincias biolgicas, sendo que a primeira referncia de destaque foi utilizada por Charles Darwin (1809-1882) no seu impactante livro On the origins of species1. Neste livro ela aborda o hibridismo como a mistura de espcies animais e vegetais, e aponta que nas espcies puras os rgos de reproduo so perfeitos, enquanto nos hbridos no. No entanto KERN (2004) aponta que Darwin entende que [...] o cruzamento entre espcies , sim, possvel, e no parece ser [...] vontade da Natureza que seja evitado (p.54).

    Em uma concepo etimolgica, BERN (2004) apresenta que a palavra hbrida, do grego hibris, [...] remete a ultraje, correspondente a uma miscigenao ou mistura que viola as leis naturais (p.99), surgindo assim a viso de que hbrido anormal. Esta palavra refere-se reunio de dois ou mais elementos que do origem a um terceiro, onde um destes elementos pode-se destacar mais que o outro.

    Segundo BERN (2004), os termos mestiagem (misturas de raas) ou sincretismo (misturas religiosas), esto sendo substitudos por hbrido ou hibridao, principalmente pela crtica ps-moderna. CANCLINI (2006) explica a sua preferncia pelo termo hibridao: [...] aparece mais dctil2 para nomear no s combinaes de elementos tnicos ou religiosos, mas tambm a de produtos das tecnologias avanadas e processos sociais modernos ou ps-modernos (p.XXIX).

    Na viso de BURKE (2003) o hibridismo pode ser positivo, no sentido de [...] que toda inovao uma espcie de adaptao e que encontros culturais encorajam a criatividade (p.17); e negativo, devido possvel [...] perda de tradies regionais e de razes locais (p.18). J CANCLINI (2006) entende que a questo no o desaparecimento de tradies diante da modernizao e consequentemente da hibridao, mas sim como estas tradies esto se transformando (p.218). Na concepo de CANCLINI (2006) a hibridao refere-se a:

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    [...] processos socioculturais nos quais estruturas ou prticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e prticas. Cabe esclarecer que as estruturas chamadas discretas foram resultados de hibridaes. Razo pela qual no podem ser consideradas fontes puras (p.XIX).

    O conceito de hibridismo e o seu uso como matria para o capitalismo apresentado por ABDALA JR.(2004) como elemento que [...] favorece a disseminao das mais variadas possibilidades de consumo (p.18), relacionando a criao hbrida adequao das expectativas dos consumidores, ou seja, na opinio dele, favorece a cultura do dinheiro (p.18). No entanto

    [...] o conceito de hibridismo, no obstante, favorece o entendimento entre as pessoas e povos desde que no se reduza a um pastiche sem histria. das formas misturadas, crioulas3, diramos, que possvel se promover uma coexistncia contraditria, onde cada unidade considerada no se anule na outra; ou no se feche nas perspectivas da guetizao ou dos fundamentalismos (ABDALA JR., 2004, p.19).

    BERN (2004) tambm alerta que talvez

    [...] o conceito de hbrido corresponda a mais uma utopia (da ps-modernidade), que encobriria um certo imperialismo cultural prestes a apropriar-se de elementos de culturas marginalizadas para reutiliz-las a partir dos paradigmas de aceitabilidade das culturas hegemnicas. Tratar-se-ia ento apenas de um processo de glamourizao de objetos culturais originrios da cultura popular ou de massas para inseri-los em outra esfera de consumo, a da cultura de elite. Mas se por hbrido queremos nos referir a um processo de ressimbolizao em que a memria dos objetos se conserva e em que a tenso entre elementos dspares gera novos objetos culturais que correspondem a tentativas de traduo ou de inscrio subversiva da cultura de origem em uma outra cultura, ento estamos diante de um processo fertilizador (p.100 e 101).

    Ainda em relao aos problemas em torno do hibridismo, BHABHA (2005) apresenta que este termo no soluciona os conflitos entre duas culturas [...] em um jogo dialtico de reconhecimento (p.165).

    [...] O hibridismo uma problemtica de representao e de individualizao colonial que reverte os efeitos da recusa colonialista, de modo que outros saberes negados se infiltrem no discurso dominante e tornem estranha a base de sua autoridade suas regras de reconhecimento (p.165).

    Diante de tal concepo, importante ressaltar que logo na introduo de seu livro, CANCLINI (2006) esclarece de forma indireta as limitaes do conceito de hibridao, no se tratando de [...] fuses sem contradies, mas, sim, que pode ajudar a dar conta de formas particulares de conflito geradas na interculturalidade recente em meio decadncia de projetos nacionais de modernizao na Amrica Latina (p.XVIII). Essa postura reforada nos escritos de Alberto MOREIRAS (1999) quando ele encara a hibridizao como uma poderosa ferramenta poltica que pode relativizar as discusses de etnicidade, gnero e identidade nacional, principalmente quando existe uma tendncia essencializadora nestas discusses. A caracterstica flexvel, fluida do conceito de hbrido poderia justificar ou garantir a redeno do subalterno, abrindo possibilidades de articulaes.

    Em suas anlises sobre o conceito de hibridismo, KERN (2004) conclui que muitos tericos contemporneos, [...] ainda que muitas vezes seus discursos procurem negar o fato, acabam por aceitar a ideia de que as culturas, mais do que fechadas, so incompatveis e, quando foradas a se unir, resultam compsitos instveis (p.66). KERN (2004) tambm apresenta duas possibilidades que permeiam a concepo dos tericos ao tratar politicamente o termo hibridismo: o colonizado resistindo o colonizador atravs do hibridismo ou o colonizador dominando atravs do hibridismo.

    2- O hibridismo musicalAo revisar os conceitos de hibridismo, RIOS FILHO (2010) apresenta que a viso deste termo como um conceito que abrange e contempla outros, por exemplo frico, trnsito e apropriao, utilizada por diferentes autores entre eles CANCLINI (2006). Neste sentido, RIOS FILHO (2010) tambm entende que os termos [...] exoticismo, os conceitos de mestiagem, criolismo, dispora, nacionalismo, sincretismo, fuso, trasnacionalismo, antropofagia e sntese integram o amplo tema da hibridao e da hibridao musical, por consequncia (p.36 e 37). No entanto, o autor ressalta que apesar de seguir este pensamento, no desconsidera as problemticas que historicamente surgiram em torno do termo hibridismo.

    O hibridismo musical nesta ampla perspectiva apresenta uma considervel literatura, que segundo RIOS FILHO (2010) vem sendo publicada desde meados do sculo XX. evidente que com os avanos tecnolgicos e a maior complexificao das relaes sociais, a publicao de estudos sobre o hibridismo musical aumentou. Segundo RIOS FILHO (2010), grande parte destes trabalhos so da rea de musicologia e, [...] principalmente, do mbito da sociologia e estudos culturais aplicados msica [...] (p.34). Tambm acrescentamos aqui a rea de etnomusicologia, como por exemplo o artigo de Sarah Weiss: Permeable Boundaries: Hybridity, Music, and the Reception of Robert Wilsons I La Galigo, no Journal of Ethnomusicology, 2008.

    Especificamente em relao ao hibridismo na msica popular brasileira existem algumas pesquisas como ULHA, ARAGO E TROTTA (2001), ARAGO (2001), ZAN (2004 e 2005) BARRETO e BORM (2011), PIEDADE (2005 e 2011). Na perspectiva de entender como ocorrem as interaes e/ou hibridaes na msica popular instrumental brasileira, PIEDADE (2005) aborda as relaes musicais entre o jazz brasileiro e o jazz norte-americano, defendendo o conceito de frico de musicalidades. Nesta perspectiva as influncias e os elementos musicais adotados pelo jazz brasileiro a partir do jazz norte-americano surgem de uma conflituosa relao de aceitao e negao. Ou seja, ao mesmo tempo em que o jazz brasileiro busca absorver os elementos expressivos do jazz norte-americano tambm tenta se distanciar dele ao buscar suas prprias memrias nativas, como a utilizao da rtmica brasileira e de gneros musicais brasileiros.

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    No entanto, para esta pesquisa, delimitou-se abordar o pensamento de hibridismo musical discutidos por VARGAS (2007a e 2007b) que, na nossa compreenso, vai de encontro ao pensamento dos estudos culturais e literrios, que mais persistentemente tm estudado o fenmeno da hibridao. Comungamos com suas ideias de que a discusso sobre hibridismo nos traz informaes sobre relaes de poder e portanto, sobre questes ideolgicas que costumam estar disfaradas quando sob a forma de expresso musical.

    Recentemente, PIEDADE (2011) aborda a frico de musicalidades como hibridismo contrastivo, no qual as diferenas no so dissolvidas no novo produto gerado. Neste caso, o resultado do hibridismo contrastivo o elemento A junto com o elemento B, que resulta em AB. Em contrapartida o autor tambm apresenta o hibridismo homeosttico, onde A e B resultam em C, e segundo o autor este produto estvel, possui equilbrio e representa uma real fuso (PIEDADE, 2011, p.104). Para PIEDADE (2011), no contexto musical o hibridismo contrastivo o mais comum, alm de ser considerado uma fase que pode levar ao hibridismo homeosttico.

    Analisando os conceitos de PIEDADE (2005 e 2011), percebe-se alguns pontos de contato com parte dos pensamentos de alguns autores anteriormente citados. Por exemplo, o hibridismo contrastivo de PIEDADE (2011) encontra comunho parcial com a viso de CANCLINI (2006) e VARGAS (2007b), que reconhecem que o hibridismo um processo contraditrio e conflituoso. VARGAS (2007a) tambm afirma que o resultado de um objeto pode enviesar um dos elementos e no apag-lo.

    O conceito de hibridismo homeosttico de PIEDADE (2011), poderia se aproximar da possibilidade positiva do hibridismo apresentado por BERN (2004), ao dizer que (...) a tenso entre elementos dspares gera novos objetos culturais (p.100 e 101) e BURKE (2003) citado acima, falando sobre inovao, adaptao e criatividade. No entanto, essa discusso foge ao escopo deste artigo e guard-la-emos para um trabalho futuro.

    De forma generalista e devido a intermitncia de trabalhos no Brasil, na rea de msica hoje, falar de hibridismo ainda falar em termos pre-darwinianos, ou seja, de forma estril. como se o hibridismo em msica fosse apenas uma questo de identificao e classificao de elementos que entraram no compsito hbrido, limitando-se ao reconhecimento destes elementos formantes. No entanto, quando se entende que estas formaes no so aleatrias, elas tm significados e significantes, entende-se tambm que msica faz parte da vida social humana e portanto, est imbricada de ideologia, poltica, valores que esto sendo utilizados e expressados via musical, e ns, enquanto pesquisadores de msica, precisamos nos dar conta da importncia destes dados subliminares para o nosso prprio metier cotidiano.

    A Amrica-Latina um local onde se encontra simultaneamente a tradio, a modernidade e a ps-modernidade, como nos mostra CANCLINI (2006). O surgimento do hibridismo como instrumento de anlise destas relaes complexas e justapostas, para alm dos padres tericos unidirecionais, e com o intuito de no reduzir-se aos [...] limites estreitos e, ao mesmo tempo, porosos das fronteiras nacionais, [ importante na] busca de suplantar o entendimento adorniano da indstria cultural como fenmeno castrador da percepo e da criatividade na msica popular (VARGAS, 2007a, p.62).

    VARGAS (2007a) apresenta um interessante panorama do hibridismo na msica popular latino-americana e a sua relao com os avanos tecnolgicos:

    A msica popular latino-americana, sobretudo a partir de sua transformao pelos meios de reproduo e de comunicao, faz-se de sua conformao em mesclas e sobreposies de elementos arcaicos e modernos, nacionais e estrangeiros. Desde os tempos da colonizao, com as fuses da harmonia tonal europia e das polirritimias e melodias modais dos africanos e indgenas, at a difuso em massa por veculos como o rdio e a TV ou no formato mercantil do disco, fita cassete, do compact disc e do MP3 (forma compacta em arquivo digital), e a dinmica da cano popular sempre foi a da incorporao de elementos externos e da experimentao em novos formatos e instrumentaes, apesar mesmo da estandardizao imposta pelos processos de mercantilizao da msica pela indstria fonogrfica e pelas mdias (p.62 e 63).

    Em muitas hibridaes musicais da Amrica Latina observa-se a permanncia dos elementos dos primitivos justapostos aos dos civilizados, sendo [...] as msicas mestias, produto de peculiares hibridaes, que conseguiram enviesar e no simplesmente apagar - o centro da msica ocidental (VARGAS, 2007a, p.69). Exemplos desta perspectiva podem ser vistas em ulteriores cristalizaes da msica brasileira, como o samba e a bossa-nova. VARGAS (2007b) vai se deter em especial na anlise do processo de hibridizao no trabalho do grupo especfico Chico Science e Nao Zumbi.

    Para se abordar a complexidade do hibridismo na cultura, arte e comunicao so necessrios enfoques mltiplos e mveis, os quais devem ser conduzidos sem reduzir-se a padres tericos unidirecionais e evolucionistas. Lembrando ainda que no caso do estado hbrido deve-se atentar mais para as alteraes que para as constncias (VARGAS, 2007a).

    Sem dvidas o hibridismo ocorre em vrios nveis de fuso e o resultado final no ser mais os elementos iniciais, e ainda necessrio se considerar como a percepo destes elementos e do produto e quem o perceptor.

    3- Os hibridismos de Edu Lobo nos anos de 1960 Edu Lobo (1943-), carioca, filho de pernambucanos, desenvolveu nos anos de 1960, a hibridao da bossa nova com as sonoridades nordestinas. Segundo este compositor isto ocorreu pela busca de uma assinatura:

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    [...] uma maneira de eu fazer alguma coisa que no fosse repetir o que estava sendo feito, foi misturar essa informao que eu tinha de msica nordestina com toda a escola harmnica que eu tinha aprendido na bossa nova. E a minha msica comeou a se desenvolver dessa maneira. Acho que foi uma sada para ter uma assinatura, para ter uma caracterstica prpria (LOBO, 1999, s/p.).

    As principais fontes que influenciaram neste processo do lado bossanovista foram nomes como: Vincius de Moraes, Tom Jobim e Baden Pawel. E do lado nordestino foram as vivncias de frias que passou em Recife, da infncia at os 18 anos de idade. No entanto, um dos impulsionadores desta juno foi o contato com as letras do seu parceiro composicional Ruy Guerra, [...] minha msica comeou a procurar caminhos mais afros, comeou a ser mais enraizada, mais preocupada com o folclore, mais sem ser aquela linha radical de s o que folclore nacional (LOBO in MELLO, 1976, p.125). Ou seja, Edu Lobo desterritorializou4 e reterritorializou a msica nordestina, roformulando-a a partir da juno com a bossa nova.

    Segundo NAPOLITANO (2001), Edu Lobo era [...] considerado a grande esperana esttica, comercial e ideolgica de renovao da MPB5 (sobretudo entre 1965 e 1967) (p.143). importante lembrar que em meados de 1966, a grande preocupao dos msicos da linha engajada e nacionalista era o avano comercial da jovem guarda, que gerou um impasse sobre que caminhos deveriam seguir. Esta deciso deveria contemplar os seguintes aspectos: [...] constituir as diretrizes para a veiculao de uma mensagem nacionalista e engajada e ao mesmo tempo ampliar o pblico consumidor de MPB (NAPOLITANO, 2001, p.123).

    Portanto, os dilemas da MPB do perodo citado desenvolviam-se em torno de uma esttica (hbrida), que abrangia uma ideologia (poltico-social), a qual era divulgada dentro da indstria cultural. Aqui observa-se um intrincado processo em que a utilizao da msica hbrida corresponde s vrias problemticas que giram em torno deste conceito, como foi apresentado anteriormente: mistura esttica, representao e resistncia social , mercado e consumo.

    Um momento interessante da obra de Edu Lobo a composio de Memrias de Marta Sar, elaborada em parceria com Giafrancesco Guarnieri (letra) para a pea teatral Marta Sar, de autoria deste ltimo. Edu Lobo elabora um arranjo para esta cano e participa do IV Festival da TV Record de 1968, conquistando o segundo lugar e o prmio de melhor arranjo6. Poder-se-ia ter frisado aqui outras obras em que Edu Lobo se destacou em festivais, como Arrasto (Edu Lobo e Vincius de Morares) e Ponteio (Edu Lobo e Capinan), no entanto em Memrias de Marta de Sar (Edu Lobo e Gianfracesco Guarnieri) que Edu Lobo evidencia de forma mais intensa a influncia da msica erudita, ou seja, alm da bossa nova e das sonoridades nordestinas, a msica erudita aparece com mais fora gerando uma nova hibridao. Alm disso, esta composio considerada por Edu Lobo como a sua melhor cano de festivais7 (LOBO, 1995, p.34).

    Aps esta cano a obra deste compositor vai tomando outro rumo, que depois dos seus estudos orquestrais em Los Angeles (1969-1971) desencadeou em uma nova fase composicional nos anos de 1970, seguindo nessa hibridao de bossa nova, sonoridades nordestinas e msica erudita. Em relao a este ltimo campo musical, Edu Lobo cita que seus compositores preferidos so: Villa-Lobos, Stravinsky, Debussy, Ravel e Bartk (LOBO, 1999).

    4- Anlise: Memrias de Marta Sar Como j foi apresentado, a cano Memrias de Marta Sar faz parte da pea Marta Sar 8, que foi uma encomenda a Gianfrancesco Guarnieri feita pela atriz Fernanda Montenegro, e a trilha sonora9 foi composta por Edu Lobo.

    A temtica da pea, cuja partitura est publicada s p.159-166 nesse nmero 30 de Per Musi, gira em torno de vrios problemas sociais no contexto dos anos de 1960, como a pobreza no nordeste e a ditadura militar, e particularmente questes femininas, como o impedimento de um relacionamento no desejado pelo pai adotivo (Coronel), a violncia sexual, a prostituio, o preconceito e o feminismo.

    Da mesma forma que a pea, o texto desta cano no segue uma ordem cronolgica apesar de ser predominantemente descritivo (GUARNIERI, 2004, p.99). Os fatos apresentados pela letra retratam os vrios momentos vividos por Marta Sar (ver tabela no Ex.1), que podem ser resumidos nos seguintes aspectos: bons momentos com seu primeiro amor (Moo Severino), a raiva desse amor impedido e o cotidiano na fazenda onde morava na sua adolescncia.

    Analisando-se esta cano a partir da gravao do LP IV Festival da Msica Popular Brasileira vol.210, observou-se a seguinte instrumentao e estrutura formal (Ex.2).

    A instrumentao contempla duas vozes (Edu Lobo e Marlia Medalha), flauta, obo, fagote, cordas (destaque para o violoncelo), orgo, piano, violo, baixo acstico e bateria. Entre estes instrumentos chama a ateno o destaque dado ao obo e ao fagote na introduo, tpicos instrumentos de orquestra erudita 11.

    Em relao forma, esta cano apresenta quatro sees principais com um nmero varivel de compassos: introduo, A, B (refro) C e B1. Aps o refro Edu Lobo criou um interldio instrumental que prepara o retorno parte vocal, seguindo de maneira variada (letra e arranjo) a mesma estrutura j citada, apenas com o acrscimo de um refro final mais longo: A1, B, C1, B1 e B.

    Na interpretao vocal12 de Marlia Medalha e Edu Lobo, percebe-se na maior parte desta obra uma tendncia mais bossanovstica (naturalidade vocal, sem uso de ornamentos), no entanto, no segundo refro, a melodia desenvolve-se numa regio mais aguda e interpretada de maneira mais agressiva.

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    Nesta cano, o motivo principal aparece no incio da Seo A, e influencia a estrutura de vrios trechos desta obra. As notas que compe este motivo so: F #, Sol e Mi (Ex.3). A primeira pode ser entendida como nota de passagem para Sol, que a stima em relao ao acorde do momento, A7(9, #11), e a nota Mi a quinta deste acorde. Como se pode observar no Ex.3, a estrutura rtmica deste motivo composta por um grupo acfalo de semicolcheias e a relao intervalar entre as notas de segunda menor ascendente (F# - Sol) e tera menor descendente (Sol - Mi).

    Melodicamente o trecho inicial da 1 frase da Seo A corresponde a mesma relao intervalar da principal frase da Seo B (Ex.4).

    Consequentemente ambos esto construdos sobre 2 menor ascendente, 3 menor descendente, 5 justa ascendente; 2 maior descendente, 3 menor descendente e 2 menor ascendente. Alm disso, estes dois trechos contm o motivo principal, que equivale s trs primeiras notas da 1 frase da Seo A. Este recurso permite integrar as sees devido reiterao da ideia inicial.

    J a Seo C, foi elaborada a partir de um motivo baseado em notas repetidas, afinal trata-se da seo contrastante (Ex.5).

    No arranjo instrumental tambm observa-se relaes com o principal motivo desta cano, como por exemplo na introduo: o primeiro trecho das sextinas executadas pelo obo (Ex.6, c.4), uma parte do motivo principal invertido, pois ao invs de seguir a sequncia intervalar 2 menor ascendente e 3 menor descendente, apresentado com 2 menor ascendente e 3 menor ascendente. O mesmo ocorre com a primeira parte da melodia apresentada pelo fagote (Ex.6, c.8), que na verdade uma imitao com alteraes da melodia anteriormente apresentada do obo.

    O rgo tambm destaca o intervalo de 3 menor descendente, presente no motivo principal (Sol - Mi) (Ex.7, c.9-16). A introduo de Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) parece um jogo de ideias meldicas elaboradas a partir do motivo principal, com o uso de imitaes meldicas e explorando a escala mixoldia com quarta aumentada (Ex.7).

    Letra: Memrias de Marta Sar

    Interpretao:A partir do texto da pea Marta Sare

    A casa l na fazenda A lua clareando a porta

    Deixando um brilho claro Nas pedras dos degraus

    Cristal de lua

    Descrevendo a noite na fazenda

    Pra dentro, Marta Sar Pra dentro, Marta Sar

    Pra dentro, Marta Sar, Pra dentro... (refro)

    Momento em que Marta Sar estava conversando com Severino e ao perceberem que ela no estava em casa (fazenda) a chamam para entrar (GUARNIERI, 1968, p.I-25 e 26).

    O rosrio obrigatrio O jantar, l na cozinha Todo dia mesma hora As histrias de Dorinha

    Cotidiano na fazenda

    Dorinha refere-se Sinh Deodora, me de criao de Marta Sar.

    A lanterna azul partida

    A dor, a palmatria, a raiva

    A cantiga mais sentidaUm galope de cavalo, Moo Severino

    Quando coronel entra com uma lanterna na dispensa em que Marta estava trancada de castigo (GUARNIERI, 1968, p. I-40).Foi castigada por se envolver com o boiadeiro.

    Severino da boiada chegando, vaqueiro que trabalhava na fazenda, e era o grande amor de Marta Sar (GUARNIERI, 1968, p. I-28).

    Bate forte o corao

    Dor no peito magoado

    O sorriso mais sem jeitoDo primeiro namorado

    Momento em que mostra para Severino como batia seu corao por ele (GUARNIERI, 1968, p. I-28).

    Ela apanha de chicote e Severino apanha dos homens do Coronel (GUARNIERI, 1968, p. I-30).

    Momento que fazem jura de amor um para o outro, aps a jura de Marta Sar, Severino sorri meio encabulado (GUARNIERI, 1968, p. I-28).

    Moo Severino contra o sol! Posio em que Severino chegava cavalgando.

    Ex.1 - Tabela de interpretao da letra da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    Instrumentos

    Sees

    Intro. 16c.

    A 11c.

    B (Refro)

    18c.

    Ponte(2c.)

    C 10c.

    B1(Refro)

    10c.Flauta X X X

    Obo X X

    Fagote X X X X

    Voz (Marlia Medalha) X X X

    Voz (Edu Lobo) X X X

    Cordas X X X X X

    Violoncelo X X

    Contrabaixo X X X X X X

    rgo X

    Piano e Violo X X X X X X

    Bateria X X X X X X

    Instrumentos

    Sees

    Interl. 8c.

    A111c.

    B(Refro)

    18c.

    Ponte(2c.)

    C110c.

    B1(Refro)

    14c.

    Ponte(2c.)

    B (Refro) Fade out

    Flauta

    Igual Seo B

    Igual Seo C

    X X X

    Obo X X X

    Fagote X X

    Voz (M. Medalha) X X

    Voz (Edu Lobo) X X X

    Cordas X X X X

    Violoncelo X

    Contrabaixo X X X X X

    rgo

    Piano e Violo X X X X X

    Bateria X X X X X

    Ex.2 - Tabela de instrumentao e forma na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.4 - Comparao meldica entre o incio da Seo A e a Seo B (refro) na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.3 Principal motivo rtmico-meldico da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    O uso que Edu Lobo faz desta escala modal caracterstica da regio nordestina, o mixoldio com quarta aumentada, ressignificado, soando muito moderno, devido a nfase dada a 11 aumentada (R#) e aos intervalos harmnicos em segundas menores executados pelo rgo, R # - Mi e F # - Sol.

    O modo mixoldio, hbrido de mixoldio e ldio, por juntar notas caractersticas destes dois modos em um, a stima menor e a quarta aumentada, passou a ser utilizado por Edu Lobo devido a influencia da msica nordestina.

    Olha eu lembro muito de uma coisa que no existe mais, que eram os preges, as pessoas passando, vendendo os produtos, cada produto tinha um prego. Tem poucos que eu me lembro. [] E aquelas msicas e aqueles sons, e aqueles negcios e a tinha Caruaru e Banda de Pfanos, que um negcio impressionante de bonito, uma flauta de madeira, um cara tocando bumbo e outro tringulo e cantando com aquelas vozes. Fora isso a escala nordestina, que tem uma quinta diminuta que um negcio espetacularmente moderno para uma msica popular. [] isso tem na msica dele, que deve ter sido influncia dos mouros provavelmente [] (Edu Lobo, citado por TIN, 2008, p.174, grifo nosso)

    Este modo tambm chamado de ldio com stima menor, utilizado como escala para improvisao em estilos musicais como o jazz. Outra perspectiva sobre o modo

    apresentada por CAMACHO (2004), que ao analisar obras do compositor brasileiro Jos Siqueira de Lima, relata que este compositor nomeia o modo mixoldio com quarta aumenta como Modo Nacional, caracterstico da regio nordestina brasileira. No entanto a autora ressalta que este modo tambm chamado de Modo Karntico, [...] caracterstico da cultura indiana e encontrado em obras de Faur e Debussy (Claude Gervaise, citado por CAMACHO, 2004, p.72).

    Ento o modo utilizado por Edu Lobo em Memrias de Marta Sar um provvel elemento que possa remeter ao impressionismo francs, como apresenta CONTIER (1998). No entanto, no s pelo uso desta escala, mas tambm pelos instrumentos, pois a flauta, o obo e o corne ingls, so os instrumentos de madeira comumente utilizados como solistas por Debussy (GROUT; PALISCA, 2007, p.684).

    O modalismo o principal elemento no desenvolvimento harmnico/meldico desta cano e no o tonalismo, como apresenta CONTIER (1998), e tampouco acordes de tons inteiros como diz MELLO (2003, p.318), como mostra a tabela do Ex.8. Os principais modos utilizados

    Ex.5 - Principal motivo rtmico-meldico da Seo C na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.6 Obo e Fagote no primeiro trecho da introduo da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.7 rgo, fagote e obo no segundo trecho da introduo da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    foram: L mixoldio #4, R mixoldio, Sol mixoldio e drico e D jnico e mixoldio. interessante notar que a mudana de regio modal ocorre por movimentos de 4 justa ou 5 justa, com exceo do acorde de Ab7, que a nica passagem evidentemente tonal, mas no numa regio onde se desenvolve uma melodia, funciona apenas como uma preparao dominante (SubV7 13) para o prximo acorde.

    A harmonia desta cano tambm poderia ser observada tonalmente como sequncias de dominantes secundrias, no entanto, a permanncia de uma mesma fundamental durante sees inteiras sem progresses, possibilita uma estabilidade ou circularidade que faz remeter muito mais ao modal do que ao tonal14.

    Ainda sobre o modalismo, deve-se lembrar que:

    Tanto como fenmeno de arte moderna - onde o modalismo pode ser visto como mais um dos ismos do sculo XX -, quanto como contribuio terica e tcnica, esse campo se fez notar nas prticas tericas da msica popular e tambm na sua produo artstica. (FREITAS, 2008, p.259).

    Assim, baseando-nos em PERSICHETTI (1985), pode-se dizer que na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri), ocorre modulao modal (mesmo modo que se move para outras regies) principalmente por movimentos de 4 justa ascendente e 5 justa descendente. J as mudanas de modos que ocorrem mantendo-se o centro modal, tais como nas Sees, C, B1 e B1, chamado por PERSICHETTI (1985) de intercmbio modal.

    Em relao base rtmico-harmnica de Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri), percebe-se uma aproximao com a bossa nova ou jazz (uso de acordes com 6 maior, 7 menor, 9 maior, 11 aumentada e 13 maior), usando piano, violo, bateria e baixo acstico. O violo dedilha os acordes (geralmente em semicolcheias) e o piano realiza a harmonia de forma mais livre. J o baixo e a bateria realizam condues rtmicas baseadas no baio e na bossa nova. Um exemplo de conduo rtmica bossanovstica realizada pela bateria pode ser observado nos c.3-4 (Ex.9), com o chimbal em semicolcheias e aro imitando o tamborim no samba.

    O ostinato realizado pelo baixo a partir do c.5 (Ex.9) tambm usado na bossa nova, sobretudo o motivo rtmico do primeiro tempo (colcheia pontuada e semicolcheia) e o uso de oitavas e quintas dos acordes. Em outro trecho, Seo A1, a conduo rtmica est voltada para o baio, o que evidente na linha do baixo (Ex.10).

    Observando-se a relao entre a letra e a msica, percebe-se uma conexo geral a partir do modalismo, ou seja, uma temtica textual nordestina juntamente com uma sonoridade que remete a este lugar15. Em alguns trechos tambm possvel relaes mais especficas entre letra e msica (melodia e harmonia). Por exemplo, na Seo A, a letra desenvolve-se sobre uma melodia com grande variao rtmica e meldica, composta sobre o acorde mais tenso da cano, A7(9, #11), ou seja, atravs da letra, melodia e da harmonia, Edu Lobo j destaca logo no incio desta pea, o quanto as lembranas de Marta Sar na fazenda marcaram a sua vida (Ex.11).

    Sees Intro. A B (Ref.) Ponte C B1 (Ref.)

    Regiomodal L Mix. (#4) L Mix. (#4) R Mix.

    Acorde de Ab7(SubV7)

    Sol Mix.Sol Dr.

    Sol Mix. (#4)

    D Jon.D Mix.

    L Mix. (#4)

    Sees Interldio A1 B (Ref.) Ponte C1 B1 (Ref.) Ponte B (Ref.)

    Regiomodal L Mix. (#4) L Mix. (#4) R Mix.

    Acorde de Ab7 (SubV7)

    Sol Mix.Sol Dr.Sol Mix. (#4)

    D Jon.D Mix.L Mix. (#4)

    R Mix. R Mix.

    Ex.8 Tabela de sees e regies modais na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.9 Conduo rtmica do baixo e da bateria na introduo da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    Na Seo B (refro) a melodia e a letra tambm se desenvolvem em conexo, no sentido de que o texto repete apenas a frase pra dentro Marta Sar e a melodia sincopada sobre este texto tambm se repete sem alterao, com exceo da ltima frase onde ocorre uma finalizao por meio de notas mais longas (Ex.12, c.34-35).

    Em relao Seo contrastante (C), que apresenta um motivo principal baseado em notas repetidas (Ex.5), possvel uma conexo entre a forma natural da reza (oralmente em alturas repetidas) e a letra inicial deste trecho, o rosrio obrigatrio (Ex.13). Outros elementos do arranjo tambm colaboram neste sentido, pois nessa seo a dinmica dos instrumentos a menos intensa da cano e o nico momento em que a melodia cantada apenas por uma voz feminina, de Marlia Medalha.

    O rosrio obrigatrio/ O jantar l na cozinhaTodo dia a mesma hora/ as histrias de Dorinha

    Atravs de timbres e procedimentos dos instrumentos tambm percebe-se que em alguns trechos o texto evidenciado por semelhana (iconicidade16), como a flauta e o fagote em relao ao texto: deixando um brilho claro (Ex.14). A flauta faz um rpido arpejo descendente

    na regio aguda, encerrando a idia meldica com o obo, ambos enfatizando a nona (Si) e a dcima primeira aumentada (R#) do acorde de A7(9, #11).

    No quesito arranjo e orquestrao, observou-se um grande nmero de detalhes para contrastar as sees e o texto da cano. Sobretudo as linhas meldicas sutilmente compostas pelo obo (Ex.13), flauta (Ex.15, c.40 e 41) e cordas (Ex.15) que geralmente realizavam melodias passivas, ou seja, com pouca mobilidade rtmica (GUEST, 2009).

    No entanto, o exemplo acima (Ex.15) tambm ilustra uma melodia mais rtmica realizada pelo obo. Trata-se de um ostinato baseado em figuras rtmicas usuais do baixo na bossa-nova ou no samba, como colcheia pontuada seguida de semicolcheia.

    Na Seo A, tambm h um ostinato realizado pelo violoncelo, baseado nas notas Mi e Sol do motivo principal dessa cano (Ex.3). Na verdade, a ideia musical realizada pelo violoncelo praticamente uma imitao daquilo que foi feito pelo rgo na introduo, ou seja, uma variao timbrstica de um elemento j apresentado (Ex.16).

    Ex.10 Conduo rtmica de baio (baixo na Seo A1) na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    A casa l na fazenda/ a lua clareando a portaDeixando um brilho claro/ nas pedras dos degraus, cristal de lua

    Ex.11 Primeira frase da melodia da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.12 Relao entre a letra e a melodia da cano (Seo B - Refro) Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    5- ConclusoO hibridismo musical de Edu Lobo na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) concretiza-se nos seguintes elementos: letra com temtica nordestina (comum na linha da chamada MPB nacionalista), escala nordestina com tratamento moderno, instrumentao erudita e popular, harmonia bossanovstica e erudita, arranjo/orquestrao erudito e bossanovstico e matriz rtmica de bossa nova e baio. Todos estes aspectos musicais resultam numa sonoridade esttica muito particular, como diria Edu Lobo, uma assinatura. E ao mesmo tempo representava em forma de msica a ideologia da linha da MPB nacionalista, divulgada atravs da televiso e do disco, ou seja, no mercado cultural. Tentava-se atravs da msica elaborar o conhecimento comum dentro de uma outra perspectiva esttica, de uma certa forma oportunistamente e preconceituosamente, mas tambm e

    ao mesmo tempo buscava-se uma adaptao, adequao de universos vividos pelo prprio compositor em sua trajetria de vida. Sua msica expressa sua necessidade de negociao com o mundo musical no qual ele foi criado e no qual ele vivia, e que, similarmente, foi compartilhado por inmeras outras pessoas de sua gerao.

    Assim, os conceitos de hibridao nos ajudam a entender que nesta cano temos no s a juno do tradicional (modal nordestino) e do moderno (uma nova utilizao deste modal), a fuso de caractersticas da chamada msica popular e da msica erudita, mas tambm a representao de uma ideologia poltica, e a vendagem desta composio hbrida no mercado cultural. Ento o hibridismo desta obra contempla os aspectos positivos da concepo de BURKE (2004) em relao inovao e criatividade. J os negativos, uma suposta perda de tradies, a nosso

    Ex.13 Melodia cantada por Marlia Medalha e melodia passiva realizada pelo obo na Seo C da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.14 Exemplo da relao entre letra e arranjo na cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    ver so relativos porque se transformaram, concordando com a viso de CANCLINI (2006). Tambm contempla a concepo de um novo produto para consumo (ABDALA JR. 2004), e ainda de forma contraditria abarca as vises de BERN (2004), por misturar cultura popular (o modal nordestino), cultura de massa (disco e televiso) e de elite (grande parte do pblico era de classe mdia), ao mesmo tempo sendo [...] um processo de ressimbolizao em que a memria dos objetos se conserva e em que a tenso entre elementos dspares gera novos objetos culturais que correspondem a tentativas de traduo ou de inscrio subversiva da cultura de origem em uma outra cultura [...] (p.100 e 101).

    Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) apresenta seu hibridismo a partir de sua fuso de sonoridades reconhecveis. Voltamos a relembrar alguns elementos para ilustrar esta perspectiva: utilizao de instrumentos de base na msica popular (piano, violo, baixo e bateria) e outros menos comuns como fagote/obo e rgo que poderiam estar associados por exemplo msica de concerto e musica de igreja respectivamente; o uso do modo mixoldio com quarta aumentada caracterstico na msica nordestina, o que gera uma reconhecimento nativo pelo modo utilizado e um afastamento pela explorao de semitons e de acordes

    com nona e dcima primeira aumentada. Ou seja, o uso deste modo gera dvida sobre o mesmo, assim sendo, entendemos que tambm ocorreu uma aproximao de diferentes percepes, pois no fica claro se uma msica nordestina com tratamento modal tradicional ou uma msica moderna com explorao de semitons. Estas so apenas algumas das hibridaes detectadas, existem mais, como por exemplo, um pouco mais disfarada, a iconicidade estabelecida entre o que se narra na letra e a sonoridade produzida pelos instrumentos, hbrida devido s diferentes significaes que este signo tem considerando por exemplo dois ouvintes distintos. Mas essa tambm uma discusso para outros trabalhos.

    Conclui-se que a esttica hbrida de uma obra em um determinado contexto, gera em torno dela usos que so muito contraditrios, o que requer metodologias com enfoques mltiplos e mveis, os quais devem ser conduzidos sem reduzir-se a padres tericos unidirecionais e evolucionistas (VARGAS, 2007). Mostra ainda que dentro da indstria cultural desenvolvem-se elaboraes musicais complexas que no abandonam seu carter popular e no deixam de apresentar uma ideologia, mas podem promover um dilogo e uma aproximao de mundos que antes estavam separados, e este um terreno muito frtil para a pesquisa e para o conhecimento.

    Ex.15 Arranjo da flauta, obo, fagote e cordas na Seo B da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

    Ex.16 Relao entre o rgo na Introduo e o violoncelo na Seo A da cano Memrias de Marta Sar (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri)

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

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    Leitura recomendada:BASTOS, Everson R. Procedimentos composicionais na msica de Edu Lobo de 1960 a 1980. 2010. Dissertao (Mestrado

    em Msica) Escola de Msica e Artes Cnicas da Universidade Federal de Gois.

    Notas1 A edio utilizada por KERN (2004) foi publicada em Londres pela Harvard University Press, 2001, e a primeira edio deste livro foi publicada em

    1859.2 Dctil: Que se pode reduzir a fios, estirar, distender, sem romper-se (FERREIRA, 2004, p.330).3 Refere-se ao conceito crioulidade/criolizao desenvolvido por autores caribenhos como douard Glissant, Patrik Chamoiseau e Raphael Confiant,

    em que relativativizam as identidades, mas sem negar o outro ao afirmar-se, [...] que acarretaria a perda total da memria coletiva. (BERN, 2004, p.101).

    4 Desterritorializao e reterritorializao refere-se (...) a perda da relao natural da cultura com os territrios geogrficos e sociais e, ao mesmo tempo, certas relocalizaes territoriais relativas, parciais, das velhas e novas produes simblicas (CANCLINI, 2006, p.309).

    5 NEDER (2007) entende que a MPB dos anos de 1960 era um [...] espao de cruzamento e indistino de discursos de oposio entre o alto/baixo, o nacional/importado, o negro/branco, a mulher/homem, o erudito/popular (NEDER, 2007 p.145).

    6 Uma conquista importante, pois participaram deste festival arranjadores consagrados e experientes como, Lindulfo Gaya, Rogrio Duprat, Sandino Hohagen e Dori Caymmi.

    7 [...] no ficou to popular, mas quem conhece msica sabe, e se perguntarem das trs msicas de Festival, qual que eu acho mais merecedora de prmios, eu sinceramente daria Marta Sar (LOBO, 1995, p.34).

    8 Em 1968, esta pea fez parte da reinaugurao do teatro So Pedro, na Barra Funda em So Paulo. Segundo GUARNIERI (2004) as encomendas e convites feitos a ele permitiam grande liberdade de criao e experimentao. No caso especfico de Marta Sar a pea obedecia ao fluxo das lembranas da personagem, e este fluxo no tinha ordem cronolgica (GUARNIERI, 2004, p.99).

    9 Entre as vrias canes presentes no texto da pea foi possvel identificar trs delas na discografia de Edu Lobo: Memrias de Marta Sar (LP IV Festival da Msica Popular Brasileira vol. 2.1968), Marta e Romo (LP Cantiga de Longe, 1970) e Cinco Crianas (LP Limite das guas, 1976). Isto mostra que algumas canes que foram elaboradas especificamente para uma pea, ganharam autonomia como composies individuais que foram gravadas por Edu Lobo em diferentes pocas.

    10 Esta gravao pode ser ouvida no seguinte endereo: http://www.youtube.com/watch?v=a9UITT12Vng11 Na verdade, os instrumentos de orquestra da tradio musical europia foram introduzidos de forma mais destacada na msica popular brasileira

    urbana a partir de arranjadores como Pixinguinha e Radams Gnattali.12 As principais intrpretes das canes de Edu Lobo nos anos de 1960 foram Elis Regina e Maria Bethnia. Sobre Elis, Edu Lobo diz: [...] a voz dela se

    casa perfeitamente com o tipo de canes mais agressivas que eu fao (LOBO, in MELLO, 1976, p.126).13 SubV7 = Dominante substituta. No jargo da msica popular refere-se a um acorde de funo dominante (X7) posicionado tom antes do

    acorde a ser resolvido. E chamado de substituto por ter o mesmo trtono da dominante normal, no entanto realiza um movimento de baixo de descendente e no 5 ou 4 justa. No exemplo em questo, o SubV Ab7, possui o trtono D Sol b, enquanto a dominantenormal, que seria D7, apresenta enarmonicante o mesmo trtono, F # - D. Apesar desta divulgada nomenclatura no meio popular, a dominante substituta (SubV7), no substitui, ou seja, [...] no inaugura nenhuma relao funcional nova, apenas mais uma opo de sonoridade para a articulao cadencial V7 I (FREITAS, 1997, p.65). Relacionando msica popular a msica erudita, TIN (2002) mostra o vnculo do SubV7 com os acordes de sexta francesa e sexta germnica da teoria da harmonia na msica erudita. Para mais informaes veja TIN (2002).

    14 No contexto tonal, a relao por 4 justa acima ou 5 justa abaixo tm uma importncia fundamental, pois segundo SCHOENBERG (2004, p.91) a relao entre estas regies constitui um conjunto de cinco ou seis notas comuns entre a regio anterior e a prxima, e na categorizao dele nomeada como direta e prxima. Evidentemente o caso em anlise entendido como modal, porm a concepo de SCHOENBERG (2004) ajuda a lembrar a relao de notas comuns entre regies conduzidas por intervalos de 4 justa ascendente e 5 justa descendente. Neste sentido observa-se apenas uma nota diferente entre as regies modais mixoldias, L e R, R e Sol, Sol e D.

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    BASTOS, E. R.; FERNANDES. A. Marta Sar de Edu Lobo: memrias hbridas. Per Musi, Belo Horizonte, n.30, 2014, p.145-158.

    15 Afinal, as escalas ou modos foram construdos em diversas culturas e desenvolveram acentos tnicos que fixaram conexes entre um determinado modo e o seu territrio, a sua [...] paisagem sonora, seja ela nordestina, eslava, japonesa, napolitana ou outra (WISNIK, 1989, p.71).

    16 Iconicidade termo utilizado na perspectiva da semitica peirceana, pertencente a segunda tricotomia e que estabelece uma relao de semelhana entre signo e objeto. Segundo TURINO (1999 e 2008) a msica tende a atuar a, entre os cones e ndices, porque so signos referentes a experincias diretas que criam identificao emocional e social. Para mais informaes veja TURINO (1999 e 2008).

    Everson Bastos Mestre em msica, cultura e sociedade pela Universidade Federal de Gois e licenciado em piano pela Universidade Federal de Uberlndia. Atualmente professor efetivo da Escola de Msica e Artes Cnicas da Universidade Federal de Gois, atuando na rea de msica popular. No seu mestrado desenvolveu a dissertao intitulada Os procedimentos composicionais na msica de Edu Lobo de 1960 a 1980. Seus principais focos de pesquisa so: msica popular brasileira, anlise musical, improvisao e o piano na msica popular. Participa como pianista da Banda Pequi (Orquestra de Msica Brasileira UFG), que em 2011 lanou o CD Banda Pequi, Leila Pinheiro e Nelson Farias.

    Adriana Fernandes obteve seu PhD em etnomusicologia pela University of Illinois at Urbana-Champaign (EUA) com um trabalho sobre Forr e a migrao de nordestinos para So Paulo (2005). Atualmente professora efetiva do departamento de Artes Cnicas da Universidade Federal da Paraba onde trabalha na graduao em Teatro com as disciplinas de voz para o ator e na ps-graduao em Msica na linha de etnomusicologia. Seus interesses de pesquisa hoje esto voltados para as relaes entre msica e outras artes, principalmente teatro e dana. Seus trabalhos podem ser acessados em www.ufpb.academia.edu/AdrianaFernandes.