artigo ações coletivas e novo cpc uff

3 SEMINRIO INTERDISCIPLINAR EM SOCIOLOGIA E DIREITO Niteri: PPGSD-UFF, 22 a 24 de Outubro de 2013, ISSN 2236-9651, n.3, v. 3. p. 69-89.

TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS E COLETIVIZVEIS NO NOVO CPC: PERSPECTIVAS E

POSSIBILIDADES - Andre Vasconcelos Roque

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TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS E COLETIVIZVEIS NO NOVO CPC: PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES

Andre Vasconcelos Roque1 [email protected]

RESUMO O tema das aes coletivas, nas ltimas dcadas, vem recebendo destaque cada vez maior na doutrina brasileira. Seu desenvolvimento da tutela coletiva no Brasil foi marcado por trs grandes momentos: a aprovao da Lei da Ao Civil Pblica em 1985, a promulgao da Constituio da Repblica de 1988, e o advento do Cdigo de Defesa do Consumidor em 1990. No entanto, embora no sejam poucos os mritos, os processos coletivos no Brasil, em especial aqueles que dizem respeito aos chamados direitos individuais homogneos, falharam em sua promessa de proporcionar uniformidade de decises, celeridade e economia processual. O projeto do novo Cdigo de Processo Civil concentrou sua ateno em outro instituto, destinado resoluo de litgios de massa (incidente de resoluo de demandas repetitivas), que nada mais consiste que a ampliao, para alm da disciplina dos recursos extraordinrio e especial repetitivos nos tribunais superiores, da tcnica do julgamento por amostragem de causas repetitivas, em que so selecionados alguns processos representativos da controvrsia, deixando os demais suspensos, aguardando a definio da tese jurdica geral no julgamento do incidente. Evidentemente, muitas das vantagens proporcionadas pelo modelo de casos-teste so tambm perseguidas pelas aes coletivas. Ao contrrio do que se poderia imaginar, porm, o incidente de resoluo de demandas repetitivas previsto no projeto do novo CPC, caso aprovado, no afastar a necessidade de adequada tutela coletiva no Brasil. Isso porque os objetivos perseguidos pelas aes coletivas so mais amplos que os almejados pela resoluo de casos-piloto ou casos-teste. O incidente previsto no novo CPC tem por finalidade evitar a multiplicao de processos, proporcionando isonomia e segurana jurdica. No est entre suas finalidades, todavia, promover o acesso justia, nem assegurar a tutela de direitos ontologicamente coletivos. As aes coletivas, por outro lado, ao permitirem a agregao de pretenses nfimas, do ponto de vista individual, em um s processo, incrementam o acesso justia. Se um determinado ru proporciona danos individualmente nfimos, mas que assumem significativa proporo global, somente as aes coletivas funcionaro como instrumento idneo de tutela. Alm disso, muitas vezes os titulares dos direitos em discusso no possuem informao ou incentivos suficientes para litigar em juzo. Assim, as aes coletivas mostram-se capazes de romper com a inrcia dos litigantes individuais, algo que o incidente de resoluo de demandas repetitivas no seria capaz, sequer em tese, de alcanar, eis que pressupe a existncia, ou pelo menos a potencialidade, de aes individuais que possam ser qualificadas como repetitivas. Isso sem falar que somente o processo coletivo se destina

1 UERJ.




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a proporcionar a tutela de direitos difusos e coletivos stricto sensu. O presente estudo, assim, visa a investigar quais so as perspectivas para as aes coletivas no Brasil luz da iminente aprovao do projeto do novo Cdigo de Processo Civil, bem como a verificar de que forma deve ser disciplinada a relao entre processos individuais e coletivos, o incidente de resoluo de demandas repetitivas e a previso, tambm contemplada no projeto, de converso de aes individuais e coletivas, tudo com vistas a estabelecer um sistema harmnico e eficiente para a resoluo de demandas coletivas e coletivizveis.

PALAVRAS-CHAVE: Aes coletivas; Reformas legislativas; Incidente de resoluo de demandas repetitivas.

ABSTRACT The theme of collective actions, in recent decades, has received growing attention in Brazilian doctrine. Development of collective protection in Brazil was marked by three major facts: the approval of the Law on Public Civil Action in 1985, the promulgation of the Constitution of 1988 and the advent of the Code of Consumer Protection in 1990. However, although their many merits, collective processes in Brazil, in particular those concerning the so-called homogeneous individual rights, failed on their promise to provide uniformity of decisions, speed and procedural economy. The project of the new Code of Civil Procedure focused his attention on another institute for mass dispute resolution (incident of repetitive dispute resolution), which is nothing more than the expansion, beyond the discipline of repetitive extraordinary and special appeal in higher courts, of the judgment by sampling technique of repetitive cases, in which some representative processes of the controversy era selected, leaving the remaining cases suspended, pending the definition of the general legal rule in the trial of the incident. Of course , many of the advantages offered by the test cases model are also prosecuted by collective actions. Contrary to what one might imagine, however, the incident of repetitive dispute resolution in the new CPC project, if approved, does not take away the need for adequate collective protection in Brazil. This is because the objectives pursued by collective actions are broader than the resolution of cases pursued by test cases. The incident under the new CPC is intended to prevent the multiplication of processes, providing equality and legal certainty. It is not among its purposes, however, to promote access to justice or to ensure the protection of ontologically collective rights. Collective actions, on the other hand, by allowing the aggregation of claims negligible, in individual point of view, increment access to justice. If a particular defendant provides individually negligible damage, that takes significant proportion globally, only collective actions serve as an effective instrument of protection. Moreover, often the owners of the rights under discussion do not have enough information or incentives to litigate in court individually. Thus, collective actions show themselves capable of breaking the inertia of individual litigants, something that the incident of repetitive dispute resolution would not be able, even in theory, to reach, as it presupposes the existence, or at least the potential, of individual suits which may be regarded as repetitive. Not to mention that only collective actions are intended to provide the protection of diffuse and collective rights stricto sensu. This study thus aims to investigate what are the prospects for collective action in Brazil in light of the impending approval of the project of the new Code of Civil Procedure, as well as to




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check how should be disciplined the relationship between individual and collective actions, the incident of repetitive dispute resolution and the provision, also contemplated in the project, of converting individual actions into collective ones, everything in order to establish a harmonious and efficient system for the resolution of collective and collectivizable disputes.

KEYWORDS: Collective actions; Legislative reforms; Incident of repetitive dispute resolution.

1 INTRODUO

O tema das aes coletivas, nas ltimas dcadas, vem recebendo destaque cada vez maior na doutrina brasileira. Mesmo a partir das discusses que se desenvolvem sobre o novo Cdigo de Processo Civil, que concentrou sua ateno em outro instituto voltado resoluo de litgios de massa (o incidente de resoluo de demandas repetitivas), no se arrefeceram os debates sobre os novos rumos da tutela coletiva no Brasil, suas perspectivas e dificuldades. A rejeio, pela Comisso de Constituio e Justia da Cmara dos Deputados, do Projeto de Lei n 5.139/2009, que propunha uma nova Lei da Ao Civil Pblica, foi apenas uma etapa (negativa?) no lento processo de aprimoramento da tutela coletiva no Brasil. Sem dvida nenhuma, o direito brasileiro ocupa papel de destaque entre os pases da civil law no mbito das aes coletivas. No a oportunidade adequada para se apresentar um exame histrico detalhado da matria no Brasil, mas no se poderia deixar de destacar trs diplomas que foram essenciais para a consolidao da tutela coletiva no pas: a Lei da Ao Civil Pblica (Lei n 7.347/85), a Constituio da Repblica de 1988 e o Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90). Ao longo dos ltimos vinte anos, no apenas foram aprovadas estas e outras leis importantssimas, como se despertou o interesse de substanciosa doutrina sobre o tema. O assunto desponta, a todo momento, em inmeras monografias, dissertaes de mestrado, teses de doutoramento e artigos especficos.

A legislao brasileira atual em termos de aes coletivas, que se encontra estruturada basicamente na Lei de Ao Civil Pblica e no Cdigo de Defesa do Consumidor, revela extraordinrios mritos. Em primeiro lugar, o art. 81 do Cdigo




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consumerista define o que constituem os interesses e direitos difusos e coletivos stricto sensu, evitando controvrsias que ainda no foram bem resolvidas at hoje em outros pases (BARBOSA MOREIRA: 1988). Alm disso, inovando em relao doutrina italiana clssica, previu uma categoria dos chamados direitos e interesses individuais homogneos, em certa medida inspirada nas class actions americanas de categoria (b)(3), permitindo assim que direitos individuais de origem comum pudessem ser coletivamente tutelados em um nico processo, com o objetivo de promover o acesso justia, a economia processual e uniformidade das decises.

Ainda que se possa eventualmente questionar se o direito ptrio andou bem ou no em estabelecer uma categorizao apriorstica de direitos que podem ser tutelados coletivamente, no h dvidas de que a soluo representou uma louvvel tentativa de superao das controvrsias doutrinrias ento existentes (MANCUSO: 2004).

2 CONQUISTAS E DIFICULDADES

Apesar dos mritos da legislao sobre aes coletivas no Brasil, h ainda muito a se fazer. A experincia brasileira na matria se amadureceu razoavelmente, mas tambm revelou srias deficincias de nosso sistema. Uma das dificuldades observadas na prtica tem sido o tempo de tramitao das aes civis pblicas. Muito embora se trate de questo comum a todo o processo civil, que no recebeu o equacionamento devido em muitos outros pases mundo afora (ROQUE: 2011), no se pode ignorar que o problema assume feies ainda mais patolgicas no mbito das aes coletivas brasileiras.

Muito mais grave do que a resistncia de alguns juristas e juzes foi constatar que a legislao processual, construda sobre alicerces individualistas, precisava ser conformada nova realidade. Embora o Cdigo de Defesa do Consumidor disciplinasse vrios aspectos das aes coletivas, diversos institutos permanecem regulados somente no Cdigo de Processo Civil. Coube doutrina e jurisprudncia a rdua tarefa de revisitar os institutos do processo civil individual e adapt-los gradativamente para a realidade das aes coletivas, nem sempre com resultados animadores. Evidncia disso




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so os problemas observados na prtica quanto litispendncia, conexo, continncia e preveno, institutos ainda no disciplinados de forma satisfatria nas demandas coletivas. No incomum, por exemplo, que vrias aes civis pblicas, concomitantes ou sucessivas, sejam processadas em diferentes juzos, ocasionando decises contraditrias, harmonizadas apenas nas instncias superiores2.

A prpria legislao sobre processos coletivos apresenta srias deficincias em alguns aspectos. No Brasil, em sede de direitos e interesses individuais homogneos, a lei se satisfaz com a publicao de um edital no Dirio Oficial, convocando os interessados a intervirem como litisconsortes na ao coletiva, se quiserem. Segundo o art. 94 do CDC, outros meios de comunicao so possveis, mas apenas a publicao do edital obrigatria. A deficincia da forma de comunicao se afigura evidente: a presuno de conhecimento a todos pela simples publicao no Dirio Oficial transmuda-se em verdadeira fico jurdica. Com exceo dos casos de repercusso na mdia, provvel que os interessados nunca tomem cincia da ao civil pblica e jamais se habilitem para liquidar individualmente a condenao genrica, em caso de procedncia do pedido (art. 97 do CDC) (CARNEIRO: 2003).

Finalmente, no se pode desprezar a resistncia do Poder Pblico s aes coletivas. Nesse sentido, o principal recuo sofrido nos ltimos anos se deu quando o art. 16 da Lei de Ao Civil Pblica foi modificado, para dispor que a coisa julgada erga omnes ficaria restrita aos limites da competncia territorial do rgo prolator3.

2 O exemplo dos casos envolvendo a discusso sobre as assinaturas de telefonia fixa bastante eloquente.

Segundo um estudo emprico realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ), presidido por Kazuo Watanabe, foram propostas vinte e seis aes coletivas de idntico objeto contra a Telesp, tanto na Justia Estadual como Federal. As vrias aes coletivas ajuizadas, todavia, no foram capazes de conter a sangria de milhares de aes individuais tambm questionando a legalidade da assinatura telefnica, sobretudo nos Juizados Especiais Cveis. As dvidas envolvendo qual seria o juzo competente, a possibilidade de reunio das aes coletivas e mesmo de suspenso dos processos individuais ensejaram o Conflito de Competncia n 48.177/SP, apreciado pela Primeira Seo do Superior Tribunal de Justia. V. STJ, CC 48.177/SP, 1 S, rel. Min. Francisco Falco, rel. p/ ac. Min. Teori Albino Zavascki, j. 14.9.2005, DJ 5.6.2006 e o estudo do CEBEPEJ. Tutela judicial dos interesses metaindividuais. Aes coletivas. Braslia: Ideal, 2007, p. 62 e ss. 3 Este no foi o nico recuo imposto pelo legislador s aes coletivas, todavia. Outros exemplos

criticveis de reforma legislativa podem ser encontrados no art. 2-A da Lei n 9.494/97, acrescentado pela Medida Provisria 2.180-35/2001, que restringe os efeitos da sentena em aes coletivas propostas por associaes aos associados com domiclio no mbito da competncia territorial do rgo prolator e no art. 1, pargrafo nico da Lei de Ao Civil Pblica, tambm inserido pela Medida Provisria 2.180-35/2001, que probe a propositura de aes coletivas que envolvam tributos, contribuies previdencirias, FGTS e outros fundos de natureza institucional cujos beneficirios possam ser individualmente determinados.




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Durante muito tempo, apesar da posio da doutrina dominante (GRINOVER: 2007; DIDIER JR; ZANETI JR.: 2013; MENDES: 2012; MANCUSO: 2007; ABELHA: 2004; LEONEL: 2002; ARAJO FILHO: 2002) contra o atual art. 16 da Lei da Ao Civil Pblica, a jurisprudncia se mostrou vacilante. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o pedido liminar na ADIN n 1.576 ajuizada contra a MP n 1.570/1997, que se transformou na Lei n 9.494/1997, afastou a inconstitucionalidade do dispositivo4. Nada obstante, o mrito no chegou a ser apreciado, pois a Medida Provisria objeto de impugnao na ADIN acabou convertida na Lei n 9.494/1997 e a ao foi julgada prejudicada por falta de aditamento petio inicial.

No mbito do Superior Tribunal de Justia, sempre houve posicionamentos distintos e conflitantes sobre a matria ora versada5. Embora a orientao dominante naquele tribunal acolhesse a limitao prevista pelo atual art. 16 da Lei da Ao Civil Pblica, no havia uma posio consolidada acerca do tema.

No ano de 2011, a Corte Especial do STJ, ao apreciar os Recursos Especiais n 1.243.887 e 1.247.150, julgados no regime do art. 543-C do CPC, reconheceu, ainda que em obiter dictum, que no apenas o art. 16 da Lei da Ao Civil Pblica embaralha institutos processuais diversos, como tambm que tal norma deveria ser revisitada luz do art. 93 do CDC. Assim, se o dano de escala local, regional ou nacional, o juzo competente, sob pena de ser incuo o provimento, lanar mo de comando capaz de recompor ou indenizar os danos local, regional ou nacionalmente, levados em considerao, para tanto, os seus beneficirios, independentemente da limitao atinente competncia territorial do rgo prolator6. Consequentemente, caberia ao consumidor escolher o juzo mais conveniente para deflagrar a fase de liquidao e de execuo

4 V. STF, ADIn-MC 1.576, Pleno, rel. Min. Marco Aurlio, j. 16.4.1997, DJ 6.6.2003.

5 Compare-se, por exemplo, a posio outrora dominante em STJ, RESP 293.407, 4 T., rel. Min. Barros

Monteiro, rel. p/ ac. Ruy Rosado de Aguiar, j. 22.10.2002, DJ 7.4.2003; RESP 253.589, 4 T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 16.8.2001, DJ 18.3.2002; RESP 485.842, 2 T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 6.4.2004, DJ 24.5.2004; RESP 665.947, 1 T., rel. Min. Jos Delgado, j. 2.12.2004, DJ 12.12.2005 e EREsp 293.407, Corte Especial, rel. Min. Joo Otvio de Noronha, j. 7.6.2006, DJ 1.8.2006 (aceitando a limitao imposta pelo atual art. 16) com STJ, RESP 557.646, 2 T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 13.4.2004, DJ 30.6.2004; RESP 218.492, 2 T., rel. Min. Francisco Peanha Martins, j. 2.10.2001, DJ 18.2.2002; REsp 411.529, 3 T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.6.2008, DJe 5.8.2008 (em sentido contrrio, afastando tal limitao). 6 V. STJ, RESP 1.243.887, Corte Especial, rel. Min. Lus Felipe Salomo, j. 19.10.2011, DJe 12.12.2011

e RESP 1.247.150, Corte Especial, rel. Min. Lus Felipe Salomo, j. 19.10.2011, DJe 12.12.2011.




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individual da sentena genrica de condenao (seu domiclio, o domiclio do ru, o foro dos bens sujeitos eventual expropriao ou o da sentena).

O overrruling veio no ano seguinte, em precedente da Terceira Turma, relatado pela Min. Nancy Andrighi7. Decidiu-se expressamente no caso que a distino, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficcia e de autoridade da sentena, torna inqua a limitao territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada meramente a imutabilidade dos efeitos da sentena. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentena produzem-se erga omnes, para alm dos limites da competncia territorial do rgo julgador. A jurisprudncia mais recente do Superior Tribunal de Justia, assim, se inclina no sentido de afastar a limitao estabelecida no atual art. 16 da Lei da Ao Civil Pblica, esperando-se que haja consolidao desse entendimento pelos prximos anos8.

Assim, entre erros e acertos, o mrito obtido pelas aes coletivas no Brasil se revela notvel, porm, limitado em certa medida. Muitos direitos e interesses de natureza difusa e coletiva stricto sensu, que no tinham at a dcada de oitenta do sculo XX nenhum instituto processual capaz de proporcionar uma tutela adequada, finalmente puderam ser levados ao conhecimento do Poder Judicirio, com destaque para a proteo do meio-ambiente. Polticas pblicas de diversa natureza puderam ser discutidas atravs de processos coletivos, incluindo a regulao de servios pblicos como telefonia, gs e petrleo, energia eltrica, entre outros. Consolidou-se o regime de proteo e defesa do consumidor. Ademais, no se pode olvidar do desenvolvimento de ampla doutrina especializada sobre o tema. Dado o perodo relativamente curto em que as aes coletivas foram consagradas de forma mais consistente na legislao nacional, os mritos no so poucos, nem podem ser ignorados.

No entanto, os processos coletivos no Brasil falharam em sua promessa de proporcionar uniformidade de decises, celeridade e economia processual. Apesar do ajuizamento de vrias aes coletivas, nenhuma foi capaz de conter a verdadeira enxurrada de demandas individuais envolvendo as mais diversas questes. Apenas para

7 V. STJ, RESP 1.243.386, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.6.2012, DJe 26.6.2012.

8 O Projeto de Lei n 5.139/2009 e o Projeto de Lei do Senado n 282/2012 possuem regras que, se

aprovadas, representaro a superao da limitao territorial estabelecida pelo atual art. 16 da Lei da Ao Civil Pblica, na medida em que determinam que a competncia territorial do rgo prolator no restringir a coisa julgada nas aes coletivas.




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ficar nos exemplos mais atuais, no custa lembrar a imensa quantidade de aes envolvendo os expurgos inflacionrios nas cadernetas de poupana, os pedidos de reviso de aposentadorias e as demandas questionando a cobrana de assinatura nas contas de telefone (CEBEPEJ: 2007), entre muitas outras hipteses (MENDES: 2012).

Por esses motivos, sem deixar de lado as inmeras conquistas acumuladas, parece que chegou a hora de repensar o modelo brasileiro de processos coletivos.

3 PARA ONDE VAMOS?

3.1 O microssistema dos processos coletivos

O primeiro passo para a sistematizao das aes coletivas no Brasil foi dado pela doutrina. A publicao de numerosos estudos sobre o tema, a reestruturao de cursos de graduao e ps-graduao, incluindo a matria na grade curricular, bem como a realizao de inmeros eventos sobre o tema foram condies indispensveis para que se cogitasse, pouco a pouco, de uma Teoria Geral dos Processos Coletivos que, embora no totalmente independente, possui importantes peculiaridades. A inadequao de alguns institutos e princpios do processo individual, principalmente os que dizem respeito litispendncia, conexo e continncia, fortaleceu a ideia de que estaria surgindo no Brasil um verdadeiro Direito Processual Coletivo (ALMEIDA: 2003).

A premissa bsica desse novo ramo consiste em reconhecer sua autonomia, na medida em obedece a princpios e institutos prprios, distintos do direito processual individual. Evidentemente, alguns princpios so comuns a todos os ramos do processo, notadamente os de origem constitucional, como o devido processo legal e o contraditrio. Mesmo estes, porm, assumem feies peculiares no processo coletivo. O devido processo legal nas aes coletivas, por exemplo, no exige que os titulares dos direitos tutelados compaream pessoalmente em juzo, mas que sejam representados de forma adequada pelo legitimado coletivo9. Da mesma forma, institutos como a conexo,

9 O princpio o mesmo no direito norte-americano, em que se considera respeitado o devido processo

legal nas class actions pela representatividade adequada. Na ausncia de uma sistematizao terica das aes coletivas, a jurisprudncia americana considera excepcional a vinculao dos membros ausentes




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continncia e litispendncia devem ser revisitados. Dada a pluralidade de colegitimados para ingressar com ao civil pblica, no se pode exigir a identidade de partes formais para que haja litispendncia. Estes institutos processuais devem ser reavaliados no segundo os parmetros tpicos do processo civil individual, mas de acordo com o bem jurdico tutelado na esfera transindividual.

A concepo de um Direito Processual Coletivo autnomo levou a doutrina a sustentar a existncia de um microssistema legislativo de aes coletivas, estruturado basicamente na Lei de Ao Civil Pblica e no Cdigo de Defesa do Consumidor. Embora no se tenha alcanado ainda um sistema verdadeiro, as duas leis se complementam e se inter-relacionam: a Lei 8.078/90, ao regular a defesa coletiva dos consumidores, previu em seu art. 117 uma autorizao para que suas disposies fossem aplicadas aos direitos tutelados na Lei 7.347/85, acrescentando-lhe um dispositivo (art. 21) nesse sentido10. Por outro lado, o Cdigo de Defesa do Consumidor se abriu tambm para as normas contidas na Lei de Ao Civil Pblica, ao permitir, em seu art. 83, todas as espcies de aes capazes de promover a adequada e efetiva tutela dos interesses dos consumidores, bem como ao estabelecer, de forma expressa, a aplicao subsidiria das disposies da Lei 7.347/85 (art. 90)11.

O microssistema das aes coletivas complementado por vrias disposies esparsas tais como os arts. 3 a 7 da Lei n 7.853/1989; art. 3 da Lei n 7.913/89; arts. 210 a 213, 215, 217 a 219 e 222 a 224 do Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069/1990); art. 17 da Lei n 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa); art. 2

atravs de seu representante. No se trata, porm, de exceo a uma garantia constitucional. Trata-se, isto sim, da revisitao e adequao do devido processo legal ao Direito Processual Coletivo. 10

Nesse sentido, o veto presidencial ao art. 89 do CDC, que previa textualmente a aplicao das normas da lei consumerista a outros direitos difusos, coletivos e individuais homogneos, acabou ineficaz, porque o art. 117 da Lei 8.078/90 foi sancionado, inserindo um novo art. 21 na Lei de Ao Civil Pblica praticamente no mesmo sentido do dispositivo vetado. Alm disso, tambm foi sancionado o art. 110 do CDC, que alterou a Lei da Ao Civil Pblica para ampliar seu cabimento para qualquer outro interesse difuso ou coletivo. A doutrina dominante segue esse entendimento (GRINOVER: 2007; NERY JR.; NERY: 2006), com o qual se concorda integralmente. 11

A concepo de um microssistema das aes coletivas hoje se encontra consolidada na doutrina (ALMEIDA: 2003; ALMEIDA: 2007; MANCUSO: 2006; DIDIER JR.; ZANETI JR.: 2013). A jurisprudncia tambm vem admitindo a existncia de um microssistema de processos coletivos, com seus prprios institutos e princpios, como se verifica em STJ, RESP 510.150, 1 T., rel. Min. Luiz Fux, j. 17.2.2004, DJ 29.3.2004 (A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ao civil pblica, da ao popular, do mandado de segurana coletivo, do Cdigo de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criana e do Adolescente e do Idoso, compem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se).




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da Lei n 9.494/1997; arts. 80 a 83, 85 e 91 a 93 do Estatuto do Idoso (Lei n 10.741/2003) e arts. 21 e 22 da Lei n 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurana).

3.2 Rumo codificao?

Em um aprofundamento da reflexo sobre a situao do microssistema de processos coletivos, importantes processualistas chegaram concluso de que, passado o perodo inicial de amadurecimento e consolidao das aes coletivas, era chegada a hora de repensar o modelo e, mais que isso, de reunir as normas hoje esparsas sobre a matria em uma ordenao geral e sistemtica. Isso se deu por pelo menos dois motivos fundamentais. Primeiro, porque muitos institutos processuais ainda no haviam sido regulados de forma satisfatria para as demandas coletivas, especialmente a conexo, continncia e litispendncia. Por outro lado, a regulao da matria em uma complexa interao de normas autorremissivas cria um sistema inconsistente, que apresenta muitas dificuldades prticas.

A primeira proposta de sistematizao da matria em um Cdigo de Processo Coletivo foi elaborada por Antonio Gidi em 2002 e publicada no incio de 200412. Em linhas gerais, a proposta, intitulada Cdigo de Processo Civil Coletivo. Um modelo para pases de direito escrito, reflete a inequvoca influncia da experincia norte-americana das class actions sobre seu autor. Em alguns aspectos especficos, a proposta apresenta inovaes dissonantes do entendimento da doutrina brasileira dominante, tal como se verifica com a categorizao das aes coletivas, em que se prev apenas os direitos difusos e individuais homogneos (artigo 1.1)13. Em outros pontos, a proposta revela certa influncia da experincia americana como, por exemplo, no artigo 3.1, em que se estabelecem os critrios para aferir a adequao do representante e de seu advogado, em sua maioria extrados da doutrina e da jurisprudncia formadas nos Estados Unidos. Finalmente, em relao a alguns outros dispositivos, como a competncia territorial

12 Na realidade, embora a proposta de Antonio Gidi tenha sido publicada na Revista de Processo, n. 111,

cuja data nominal corresponde a julho-dezembro de 2003, essa proposta apenas veio efetivamente a pblico em 2004, na medida em que a Revista de Processo costuma ser comercializada alguns meses depois da data constante na capa. 13

Contudo, a inovao mais aparente que substancial, porque o conceito de direitos difusos apresentado na proposta engloba as atuais categorias de direitos e interesses difusos e coletivos stricto sensu.




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(artigo 4), ela se limita a repetir a sistemtica brasileira atual em linhas gerais, inovando apenas ao promover criticvel concentrao de aes coletivas envolvendo danos regionais e nacionais na Justia Federal.

Ainda no ano de 2002, em uma reunio promovida pelo Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, surgiu a ideia de um Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica, a partir de uma interveno de Antonio Gidi. O principal objetivo era apresentar no s um repositrio de princpios, mas um modelo concreto, adaptvel s peculiaridades de cada um dos pases envolvidos, para futuras reformas legislativas na matria. A proposta foi elaborada pelos eminentes professores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi e apresentada ao final de 2002. Uma comisso integrada por vrios juristas convocados pelo Instituto Ibero-Americano14 aperfeioou a proposta, quela altura j convertida em anteprojeto15. Aps debatidas as novas propostas, finalmente o anteprojeto foi aprovado em outubro de 2004, nas Jornadas Ibero-Americanas, em Caracas (Venezuela).

O Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica apresenta algumas disposies no mesmo sentido que a proposta de Antonio Gidi. Um exemplo se encontra logo no art. 1, na categorizao dos interesses e direitos objeto de tutela coletiva (so enunciadas apenas duas categorias: os difusos e os individuais homogneos)16. Alm disso, o Cdigo Modelo procurou incorporar em suas normas institutos processuais que no so especficos da tutela coletiva, mas que se revelam de extraordinria importncia prtica, como a antecipao dos efeitos da tutela (art. 5).

A partir do final de 2003, as discusses envolvendo o Cdigo Modelo chegaram aos cursos de ps-graduao stricto sensu no Brasil. No mbito da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP), tais debates resultaram na ideia de um Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos, mais adaptado realidade brasileira. As propostas em

14 A comisso foi integrada pelos seguintes juristas e professores: Ada Pellegrini Grinover, Aluisio

Gonalves de Castro Mendes, Anibal Quiroga Len, Antonio Gidi, Enrique M. Falcn, Jos Luiz Vzquez Sotelo, Kazuo Watanabe, Ramiro Bejarano Guzmn, Roberto Berizonce e Sergio Artavia. 15

Durante as discusses do anteprojeto do Cdigo Modelo, antes mesmo de formar a comisso revisora, vrios juristas haviam sido convocados para manifestar sua opinio sobre o Cdigo. A coordenao dessa tarefa coube a Antonio Gidi (Brasil) e Eduardo Ferrer Mac-Gregor (Mxico), que reuniram os trabalhos em um livro (GIDI; MAC-GREGOR: 2004). 16

Segundo Aluisio Gonalves de Castro Mendes, a primeira verso do Cdigo Modelo previa as trs categorias conhecidas de interesses e direitos transindividuais. Na segunda verso, procurou-se o




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torno de uma legislao sistematizada sobre aes coletivas, sob a coordenao de Ada Pellegrini Grinover, foram progressivamente trabalhadas. Aps transformada em anteprojeto, a proposta foi enviada em 2005 aos membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Posteriormente, o anteprojeto foi encaminhado ao Ministrio da Justia. Em janeiro de 2007, foi apresentada uma nova verso do anteprojeto.

Durante o primeiro semestre de 2005, agora no mbito dos cursos de ps-graduao stricto sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estcio de S (UNESA), desenvolveram-se debates no somente em torno do Cdigo Modelo, como tambm do anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos elaborado em So Paulo. A ideia inicial estava voltada para a apresentao de sugestes e propostas para a melhoria do anteprojeto. Nada obstante, as discusses acabaram evoluindo para uma reestruturao mais ampla, sob a coordenao de Aluisio Gonalves de Castro Mendes, com o escopo de oferecer uma proposta alternativa comprometida com o fortalecimento dos processos coletivos. O anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos elaborado na UERJ/UNESA foi apresentado no segundo semestre de 2005 aos membros do IBDP e, posteriormente, tambm encaminhado ao Ministrio da Justia.

No ano de 2008, constituda Comisso Especial, formada por juristas e integrantes da magistratura, Ministrio Pblico, Defensoria Pblica e advocacia para analisar as propostas encaminhadas ao Ministrio da Justia17. Depois de inmeras reunies e audincias pblicas, recuou-se na proposta ambiciosa de um Cdigo de Processos Coletivos, optando-se pelo consenso possvel em torno de uma nova Lei da Ao Civil Pblica, em que, ainda que abandonadas algumas ideias mais inovadoras, como a previso expressa de legitimao do indivduo para as aes coletivas em geral e do controle judicial da representatividade adequada, seriam aperfeioados alguns pontos

consenso mediante uma diviso bipartida. No houve uma ruptura total, todavia, porque os interesses e direitos coletivos stricto sensu foram agrupados e denominados difusos (MENDES: 2007). 17

A comisso foi formada pelos seguintes membros: Rogrio Favreto (Secretrio da Reforma do Judicirio na ocasio), Luiz Manoel Gomes Jr., Ada Pellegrini Grinover, Alexandre Lipp Joo, Aluisio Gonalves de Castro Mendes, Andr da Silva Ordacgy, Anizio Pires Gavio Filho, Antonio Augusto de Aras, Antonio Gidi, Athos Gusmo Carneiro, Consuelo Yatsuda Yoshida, Elton Venturi, Fernando da Fonseca Gajardoni, Gregrio Assagra de Almeida, Haman Tabosa de Moraes e Crdova, Joo Ricardo dos Santos Costa, Jos Adonis Callou de Arajo S, Jos Augusto Garcia de Sousa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Luiz Rodrigues Wambier, Petrnio Calmon Filho, Ricardo de Barros Leonel, Ricardo Pippi Schimidt e Srgio Cruz Arenhart.




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crticos da tutela coletiva. O anteprojeto foi concludo em fevereiro de 2009 e registrado na Cmara dos Deputados como Projeto de Lei n 5.139/2009.

O aludido projeto de lei, entre outras importantes inovaes, estabelecia uma relao de princpios pertinentes ao processo coletivo; aprimorava de forma importante as regras de competncia para as aes coletivas; criava os Cadastros Nacionais de Processo Coletivos e de Inquritos Civil e Compromissos de Ajustamentos de Conduta; admitia a flexibilizao procedimental; aprimorava as modalidades de comunicao da coletividade em matria de direitos individuais homogneos; afastava a limitao territorial para a coisa julgada; fortalecia a coisa julgada pro et contra, desde que se tratasse de questes de direito; previa que o ajuizamento de aes coletivas ensejava a suspenso dos processos individuais e aprimorava as regras atinentes liquidao e execuo, a serem promovidas, sempre que possvel, de forma coletivizada.

No mbito da Comisso de Constituio e Justia da Cmara dos Deputados, o Projeto de Lei n 5.139/2009 recebeu parecer favorvel quanto constitucionalidade, sendo rejeitado no mrito, todavia, sob os fundamentos de que, caso aprovado, ensejaria tratamento desigual entre as partes nos processos coletivos; conferiria poderes excessivos ao Ministrio Pblico e Defensoria Pblica; ensejaria insegurana jurdica e estimularia o ajuizamento de aes coletivas temerrias18.

O ano de 2012 trouxe outro acontecimento importante. Trata-se das propostas destinadas modernizao do Cdigo de Defesa do Consumidor, incluindo normas sobre comrcio eletrnico, superendividamento e processos coletivos. Os trabalhos da comisso de juristas ento nomeada19 resultaram em trs anteprojetos encaminhados ao Senado Federal. O Projeto n 282/2012, que o que mais importa para os fins do presente estudo, encampa alguns dispositivos que j estavam previstos no Projeto de Lei n 5.139/2009, tais como regras sobre competncia nas aes coletivas, criao dos Cadastros Nacionais de Processos Coletivos e de Inquritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta e a flexibilizao procedimental.

18 V., nesse sentido, parecer do Dep. Jos Carlos Aleluia, que conduziu a deciso da maioria da Comisso

de Constituio e Justia, disponvel em www.camara.gov.br (acessado em 19 de agosto de 2012). 19

Referida comisso de juristas foi presidida pelo Min. Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justia, sendo ainda composta pelos seguintes membros: Ada Pellegrini Grinover, Cludia Lima Marques, Kazuo Watanabe, Leonardo Roscoe Bessa e Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer.




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Alm disso, o projeto prev algumas outras propostas interessantes, tais como regras especficas de arbitramento de honorrios de advogado e de compensao financeira associao autora, como forma de incentivar outros legitimados a pleitear a tutela coletiva. Alguns dispositivos, porm, so bastante criticveis, tal como o que permite a condenao do ru em obrigaes especficas ressarcitrias, inibitrias ou em indenizaes por danos morais e materiais independentemente de pedido do autor. Ainda que absolutamente relevante a tutela coletiva, permitir a condenao do ru sem qualquer pedido expresso representa perigosa fragilizao de garantias fundamentais no processo, que no se justifica, mesmo diante de interesses transindividuais.

3.3 As aes coletivas e outros meios de resoluo coletiva de litgios

Sem prejuzo da recente apresentao do Projeto de Lei do Senado n 282/2012, ao que tudo indica, em vez de aprimorar as aes coletivas, sobretudo aquelas para defesa de direitos e interesses individuais homogneos, a tendncia nos ltimos anos tem sido concentrar as atenes sobre o projeto do novo Cdigo de Processo Civil (Projeto de Lei n 8.046/2010), aprovado no Senado Federal ao final do ano de 2010 e atualmente em fase final de discusso na Cmara dos Deputados.

Uma de suas inovaes mais importantes do projeto do novo CPC, com efeito, est no incidente de resoluo de demandas repetitivas. Estabelece a proposta que, havendo questo comum de direito capaz de gerar a multiplicao de processos, instaura-se o incidente, a ser apreciado diretamente pelo tribunal, com a suspenso de todos os processos individuais na rea de competncia territorial do tribunal. A tese jurdica a ser definida pelo tribunal no julgamento do incidente vincular todos os rgos judiciais inferiores, que devero decidir em conformidade deciso do incidente, sob pena de ajuizamento de reclamao. O propsito desse instituto, evidentemente, consiste em no somente evitar a multiplicao de processos idnticos, como tambm proporcionar isonomia e segurana jurdica.

Tal proposta tem inspirao no direito comparado, em especial na Alemanha20, onde j se previa o instituto do procedimento-modelo (Musterverfahren) no mbito da




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jurisdio administrativa (desde 1991), do mercado de capitais (desde 200521) e da jurisdio sobre assistncia e previdncia social (desde 2008). O Musterverfahren alemo funciona, guardadas as propores, de forma semelhante ao proposto incidente no projeto do novo CPC (CABRAL: 2008; RODRIGUES: 2011). Alm disso, o novo instituto tambm encontra razes no direito nacional, mais precisamente no incidente de julgamento por amostragem dos recursos especial e extraordinrio repetitivos (arts. 543-B e 543-C do CPC atual).

Os incidentes de julgamento por amostragem j existentes hoje no Brasil e o proposto incidente de resoluo de demandas repetitivas consistem, em linhas gerais, em um novo sistema de resoluo coletiva de litgios, denominado de casos-teste ou de processos-piloto. Seu funcionamento pode ser sintetizado da seguinte forma: em um conjunto de causas repetitivas sobre o mesmo tema, selecionam-se alguns processos representativos de toda a controvrsia de preferncia, aqueles cujas manifestaes das partes contenham maior variabilidade de argumentos e cujas decises contemplem maior nmero de fundamentos , deixando os demais processos suspensos. Os casos representativos so, em seguida, encaminhados para uma instncia superior ou um colegiado mais amplo para definio da tese aplicvel. Uma vez definida a tese comum, ela dever ser aplicada no s aos representativos, mas tambm aos demais processos suspensos, promovendo isonomia, segurana jurdica e economia processual.

Evidentemente, muitas das vantagens proporcionadas pelo modelo de casos-teste so tambm perseguidas pelas aes coletivas. Assim, poderia a implementao do incidente de resoluo de demandas repetitivas preencher totalmente o espao das aes coletivas no ordenamento jurdico brasileiro?

Ao contrrio do que se poderia imaginar, o incidente de resoluo de demandas repetitivas previsto no projeto do novo CPC, caso aprovado, no afastar a necessidade de adequada tutela coletiva no Brasil. Isso porque os objetivos perseguidos pelas aes coletivas so mais amplos que os almejados pela resoluo de casos-piloto ou casos-teste. Como se viu, o incidente previsto no novo CPC tem por finalidade evitar a

20 V., a propsito, a exposio de motivos redigida pela comisso de juristas que elaborou o anteprojeto

do novo CPC, com referncia expressa ao direito alemo. 21

A vigncia do Musterverfahren no mbito do mercado de capitais foi prevista de forma temporria, mas vem sendo prorrogada sucessivamente e pode se tornar definitiva em breve.




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multiplicao de processos, proporcionando isonomia e segurana jurdica. No est entre suas finalidades, todavia, promover o acesso justia, nem assegurar a tutela de direitos ontologicamente coletivos. As aes coletivas, por outro lado, ao permitirem a agregao de pretenses nfimas, do ponto de vista individual, em um s processo, incrementam o acesso justia. Se um determinado ru proporciona danos individualmente nfimos, mas que assumem significativa proporo global (pense-se, por exemplo, no caso em que uma fbrica comercialize cem gramas a menos do que consta em embalagens de sabo em p), somente as aes coletivas funcionaro como instrumento idneo de tutela. Alm disso, muitas vezes os titulares dos direitos em discusso no possuem informao ou incentivos suficientes para litigar em juzo.

Assim, as aes coletivas mostram-se capazes de romper com a fora inercial dos litigantes individuais, algo que o incidente de resoluo de demandas repetitivas no seria capaz, sequer em tese, de alcanar, eis que pressupe a existncia, ou pelo menos a potencialidade, de aes individuais que possam ser qualificadas como repetitivas. Isso sem falar que somente o processo coletivo se destina a proporcionar a tutela de direitos difusos e coletivos stricto sensu. No por acaso, alis, que o fortalecimento de institutos anlogos no direito comparado se verificou sem prejuzo das aes coletivas. Na Alemanha, a adoo do procedimento-modelo (Musterverfahren) ocorreu sem o abandono das tradicionais aes coletivas associativas (Verbandsklagen). No h motivo para que se acredite que o incidente de resoluo de demandas repetitivas, caso venha a ser aprovado no Brasil, torne desnecessrio o aprimoramento das aes coletivas no direito ptrio. Ainda sobre o projeto do novo Cdigo de Processo Civil, h que se destacar a previso, incorporada nas ltimas verses discutidas na Cmara dos Deputados, da possibilidade de converso da ao individual em coletiva, at mesmo de ofcio. Trata-se de instituto preocupante: se verdade que o processo no , nem pode, ser reduzido a coisa das partes e que sua estruturao descansa sobre um ponto de equilbrio entre os interesses dos litigantes e o interesse pblico na prestao da tutela jurisdicional, tal compreenso publicista no justifica a converso da ao individual independentemente da anuncia do autor, compelindo-o a demandar coletivamente. O autor que ingressou




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com determinado processo visando proteo de seu direito individual pode ter interesse em continuar litigando solitariamente, pois menos complexo, mais clere e talvez mais adequado aos seus interesses (permitindo-lhe, por exemplo, mais facilmente realizar um acordo).

O objetivo do projeto, que parece ser possibilitar a deflagrao de um processo coletivo sobre determinada matria suscetvel de repetio, poderia ser atendido com a absoro do tema entre os poderes do juiz, permitindo que este intime, mesmo de ofcio, os legitimados coletivos para que, caso entendam conveniente, ajuzem ao coletiva.

4 CONSIDERAES FINAIS

O momento atual, como se percebe, de amadurecimento e de aprimoramento da tutela coletiva no Brasil.

Como visto, o direito brasileiro ocupa hoje posio de vanguarda entre os pases da civil law no mbito das aes coletivas. Seu sistema de tutela de direitos e interesses metaindividuais se encontra razoavelmente estruturado na Lei de Ao Civil Pblica e no Cdigo de Defesa do Consumidor.

Isso , ao mesmo tempo, um fato animador e preocupante. Animador, porque mostra que hoje estamos em uma situao melhor que h dcadas atrs, em que muitos direitos simplesmente no podiam ser levados diante de um magistrado, representando efetiva denegao de justia. Preocupante, porque em algum momento acreditamos, talvez ingenuamente, que as aes coletivas ou mesmo processos judiciais, de forma geral pudessem resolver todos os problemas que afligem a nossa sociedade. O fato que se torna preciso buscar a valorizao do ordenamento jurdico em sua dimenso objetiva, abandonando a concepo de tutela exclusivamente de direitos subjetivos, algo to arraigado na cultura brasileira que, para estruturar a tutela coletiva, criaram-se novas categorias de direitos (difusos, coletivos e individuais homogneos). Concessionrias, grandes empresas e litigantes habituais em geral raciocinam a questo sob o aspecto macroeconmico. Se a perspectiva de certo comportamento ilcito proporcionar a estimativa de um montante de condenaes judiciais inferior aos custos




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operacionais para a correo dessa conduta, as empresas continuaro a praticar o ilcito, ensejando o ajuizamento de inmeras demandas repetitivas. Tais agentes direcionam sua conduta no sob o cdigo lcito/ilcito, mas de acordo com o cdigo lucrativo/no-lucrativo. Assim que servios no solicitados, cobranas indevidas, mau atendimento e falhas variadas na prestao de servios e fornecimento de produtos se transformaram em acontecimentos corriqueiros no Poder Judicirio brasileiro. Talvez uma das solues para diminuir a alta taxa de litigiosidade brasileira esteja em incrementar o papel das agncias reguladoras, incentivando uma atuao mais enrgica de sua parte, inclusive mediante a aplicao de severas penalidades em mbito administrativo contra os litigantes habituais, sempre que tal medida for necessria22. O fato que se precisa, urgentemente, pensar na tutela do ordenamento jurdico no s do ponto de vista dos direitos subjetivos e da lide processualizada, mas em sua dimenso objetiva, em uma perspectiva macroeconmica, para evitar a litigiosidade em seu nascedouro, a fim de que se possa superar a crise numrica do Poder Judicirio.

O prprio estudo das aes coletivas deve ser inserido nessa temtica. Como j notrio, algumas dificuldades tm sido verificadas quanto ao tempo de tramitao dos litgios coletivos, sobretudo nas demandas em defesa de direitos e interesses individuais homogneos. Tal situao pode ser atribuda, pelo menos em parte, a deficincias no sistema de vinculao dos integrantes do grupo e na sua notificao, bem como ausncia de disciplina legal satisfatria para os institutos da conexo, continncia e litispendncia no mbito dos processos coletivos. O tema da tutela coletiva no Brasil, portanto, ainda que no seja a panaceia para todos os males, permanecer atual e desafiador para as prximas dcadas.

5 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

22 Com entusiasmo acompanhou-se, por exemplo, recente interveno protagonizada pela ANATEL, em

que se restringiu a comercializao de novas linhas de telefone para as piores companhias de telefonia celular em cada estado. Os lucros perdidos pelas companhias penalizadas, aliados publicidade negativa, parecem um fator punitivo-pedaggico muito mais eficiente que qualquer indenizao por danos morais em processos individuais. Evidente que tal atuao das agncias reguladoras deve ser oportunamente




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