artigo

8
O HOMEM INTEGRAL: UMA ANÁLISE DA PEDAGOGIA CATÓLICA A PARTIR DE RECORTES JORNALÍSTICOS Bruno Santos Marones Costa

Upload: pra-rosana-e-haroldo

Post on 20-Feb-2016

218 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

...

TRANSCRIPT

Page 1: Artigo

O HOMEM INTEGRAL:

UMA ANÁLISE DA PEDAGOGIA CATÓLICA A PARTIR DE RECORTES JORNALÍSTICOS

Bruno Santos Marones Costa

Page 2: Artigo

2

O HOMEM INTEGRAL: UMA ANÁLISE DA PEDAGOGIA CATÓLICA A PARTIR DE RECORTES

JORNALÍSTICOS

Bruno Santos Marones Costa (Pós-graduando – UNICAP)

Nas décadas de 30 e 40, os jornais e revistas de cunho católico que circulavam

no Estado de Pernambuco, foram responsáveis por uma intensa massificação

ideológica, cujo objetivo primordial centrava-se na busca pela afirmação da

pedagogia católica enquanto modelo educacional absoluto. Partindo do pressuposto

de que a imprensa é capaz de modelar consciências, é possível entender o porque

da quantidade de matérias jornalísticas envolvendo inúmeras questões relacionadas

a estes paradigmas pedagógicos, que serviram de base para que a referida

imprensa pudesse atuar ativamente nos intermináveis embates ideológicos que

marcaram o período. Para entende-los faz-se necessário historicizar alguns dos

principais acontecimentos que se desenrolaram nos primeiros anos do século XX.

Tratava-se de um período significativamente conflitante para a Igreja Católica, já que

a Constituição promulgada no ano 1891 pela Assembléia Nacional Constituinte havia

sido responsável pela separação entre Igreja e Estado.

Dessa forma, é possível observar que o laicismo constitucional passa a

representar um “problema” que precisava de soluções imediatas, ou seja, fazia-se

necessário erradicar o “catolicismo de clausura”2 que fazia dos católicos brasileiros

uma “maioria nominal, sem força atuante”3.

Assim, o projeto de recatolização da sociedade começa a ser colocado em

prática, tendo as suas articulações iniciais sido feitas pelo arcebispo de Olinda, D.

Sebastião Leme, através de uma emblemática Carta Pastoral que o mesmo

escreveu no ano de 1916:

“Se, de fato, não somos uma força determinante no regime público do Brasil, é porque não temos a compreensão nítida dos nossos deveres sociais, não cultivamos hábitos de propaganda, não recebemos tradições de disciplina. Em uma palavra, falta-nos desenvolver aquela ação que, por interessar de perto à Igreja e à

2 NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira Repúb lica. Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1974.p. 58. 3 Ibdem

Page 3: Artigo

3

sociedade, muito bem é chamada de Ação Social Católica. Deixamos campo livre aos golpes audaciosos de insignificante minoria. [...] Nós, os católicos do Brasil, insultados e dispersos, teimamos em viver chorando um passado que se foi. [...] Não agitamos, não movemos, não agimos”4.

Fazia-se necessário uma retomada de posição. Nesse âmbito, o combativo e

polêmico, Jackson de Figueiredo funda a revista “A ORDEM”, que posteriormente

coloca-se a serviço do recém criado Centro D. Vital, “uma fonte inspiradora de novas

tendências de afirmação e defesa dos princípios católicos. Em Pernambuco,

surgiram vários outros movimentos [...], dentre os quais a Congregação Mariana da

Mocidade Acadêmica”5, onde, novamente, a intelectualidade católica se fazia

presente. Ao levantarem bandeiras relacionadas ao catolicismo e consequentemente

ao patriotismo, os Congregados Marianos adotam uma postura patriótico-religiosa, já

que na ótica deste grupo o conceito de cidadania estava ligado ao catolicismo. A

partir daí, começam a surgir novas ramificações da C.M.M.A6, vindo a destacar-se a

União Nacional Católica por Deus e pela Pátria (U.N.C.D.P), uma espécie de

“brigada de choque”7que a cada nova manifestação entoava a Marcha de Cristo Rei:

“Avante por Cristo / Que é nosso Rei / Que impere na Pátria / Jesus e sua lei”8.

Na verdade, os unionistas9 tinham como objetivo primordial a busca pela

introdução do ensino religioso nas escolas públicas, onde a pedagogia católica

deveria ser utilizada em toda a sua amplitude, fato que começa a ser amplamente

discutido nas páginas da imprensa católica através de reportagens marcadas por um

nítido tendenciosismo: “Na religião, a pedagogia se completa e aperfeiçoa. Ali se

encontra o conceito total do bem e da verdade, fins últimos da educação. A perfeita

educação é, portanto, religiosa”10.

Veiculando quase que diariamente notícias relacionadas a pedagogia católica em

face da moderna educação escolanovista, a imprensa católica buscava manipular a

4 Carta Pastoral de Dom Sebastião Leme. Tribun a Religiosa, Recife, 23 set. 1916.p. 01 5 MIRANDA, Apud, COSTA, Bruno Santos Marones. Agamenon Magalhães e os “ Capangas de Deus” : a construção discursiva de uma ideologia patriótico-religiosa em Pernambuco durante o Estado Novo. 2004. Monografia (Especialização em História Regional do Brasil: Nordeste) – Centro de Teologia e Ciências Humanas, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2004.p. 28. 6 Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica 7 FERREIRA, Eduardo. Ruy de Ayres Bello: do engenho á academia. Recife: Assembléia Legislativa de Pernambuco, 2001.p. 37 8 Ibdem 9 Membros da União Nacional Católica por Deus e pela Pátria 10 “O Afro-brasileiro” e o problema da educação visto através das palavras do governo pernambucano. Fronteiras, Recife, ano 7, n. 12, p. 5, dez. 1938.

Page 4: Artigo

4

opinião pública, alertando a população para os perigos proporcionados pelos novos

pedagogos e sua metodologia pagã: “A escola sem Deus será a fonte mais

perniciosa de todas as desgraças sociais. Os crimes, os atentados contra a

propriedade e contra a vida, vem de uma educação que não se recebeu sob o olhar

de Deus [...]”11.

A luta contra o laicismo constitucional teve no ano de 1931 um dos seus

momentos cruciais. Depois de realizados inúmeros comícios pelos membros da

U.N.C.D.P., o Ministro Francisco Campos apresentou ao Presidente Provisório da

República e este sancionou o projeto de ensino religioso facultativo nas escolas

oficiais.

“[...] O regime laicista teve quarenta anos para dar provas de si. [...]. Durante quarenta anos de República, gerações e gerações se sucederam em nossas escolas públicas, sem que ouvissem falar jamais em deveres morais ou religiosos [...]. Estamos, portanto, em face de um novo período em nossa vida nacional. O decreto de 30 de Abril de 1931 veio pôr termo ao laicismo de nossa pedagogia pública. Está longe de ser uma lei perfeita. O veneno laicista penetrou demais nas fibras das gerações que ele próprio formou, impedindo que, de um dia para outro, desapareçam todos os preconceitos [...]” 12

Analisando a discursividade construída pelos católicos, é possível compreender

que o ensino leigo era considerado uma praga que deveria ser imediatamente

combatida, fato que leva o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, divulgado no

ano de 1932, á sofrer severas críticas. Isso porque os escolanovistas afirmavam ser

a escola leiga o melhor caminho para a formação do indivíduo. Tendo suas bases

ideológicas alicerçadas pelo pensamento de Rosseau, Spencer, Dewey e Durkheim,

o movimento Escola Nova instaurou de fato um clima de conflito aberto dentro do

cenário educacional. Como já foi dito anteriormente, a imprensa torna-se peça

fundamental no transcorrer desse conflito, onde a intelectualidade católica irá centrar

grande parte de sua argumentação na encíclica “Divini Illius Magistri” , escrita pelo

papa Pio XI, afirmando que o exercício da educação cristã cabe primeiramente á

família, depois á Igreja e, por fim, ao Estado.

Sendo, Igreja e família, veículos primaciais para se alcançar a educação integral,

ou seja, aquela que engloba corpo e espírito, os mesmos teriam que desempenhar

11 PEDROZA, Xavier. “De como a escola sem Deus é fonte de desgraça social”. A Tribuna, Recife, 26 de ago. 1930.p. 03.

Page 5: Artigo

5

papel imprescindível na erradicação dos males provenientes da moderna pedagogia.

Dentre eles é possível destacar o temido naturalismo pedagógico, cujas raízes

podem ser encontradas nos escritos de Jean-Jacques Rousseau, criticado inclusive

pelo direcionamento que deu a sua vida pessoal, incluindo um relacionamento com

sua criada, Thereza Levassur, com quem veio a ter cinco filhos. Segundo a

historiografia, todos foram abandonados na recorrida Casa dos Expostos, fato

utilizado com bastante recorrência por diversos críticos de sua obra pedagógica

fundamental, O Emílio. Segundo Luis Delgado, “Jean-Jacques Rousseau [...] nunca

chegaria a educar Emílio se Emílio fosse seu filho, porque o teria enjeitado e posto

na roda como fez metodicamente aos cinco meninos de Thereza Levassur [...]”13.

Ao narrar a vida do protagonista desde o seu nascimento até o casamento, o

filósofo francês apresenta em sua obra, O Emílio, suas concepções pedagógicas

fundamentais , ou seja, segundo Rosseau, a criança não deveria sofrer qualquer

influência de uma educação geral ou religiosa até os quinze anos de idade, pois

estas modificariam o seu comportamento natural, mesmo porque, na sua visão,

“tudo é bom ao sair das mãos do autor da natureza; mas tudo se degenera nas

mãos do homem”14. É por isso que o jovem deveria ser educado no campo, “longe

dos maus costumes das cidades”15, onde as suas liberdades seriam fatalmente

cerceadas.

Diante da “corrosiva” ideologia rousseauniana, a intelectualidade católica passa a

listar uma série de danos que a mesma poderia causar dentro do processo de

construção integral do indivíduo, como por exemplo, a “exclusão ou menosprezo da

formação sobrenatural [...]; ilimitada liberdade da criança, atentando contra

autoridade do educador; [...] exagero da cultura física, etc.”16

Além do naturalismo inerente a filosofia de Rosseau, a Escola Nova irá utilizar-se

dos estudos feitos por Spencer. Na verdade, o ideário católico, colocava que o

cientificismo spenceriano tinha as suas bases “em um naturalismo levado as últimas

conseqüências”17, visto que a educação deveria seguir inteiramente as leis da

12 “Educação religiosa. A Ordem, Rio de Janeiro, n.11, jan. 1931.p. 257-259. 13 DELGADO, Luis. “O Papa e a educação”. A Tribun a, Recife, 10 jun. 1930.p. 01 14 MONROE, Paul. História da educação. São Paulo: Editora Nacional, 1978.p. 258. 15 ROSSEAU. Apud. VIEIRA, Epitácio Fragoso. O senso antropo lóg ico em Jean-Jacques Rousseau. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1989.p. 105. 16 FILHA, Maria José L. “A educação cristã, no conceito de Pio XI”. A Tribun a, Recife, 24 ago. 1940.p. 09 17 BELLO, Ruy de Ayres. “ Spencer e a pedagogia ‘científica’ ”. A Tribun a. Recife, 17 out. 1942.p. 05.

Page 6: Artigo

6

natureza. Não é por acaso que a valorização das atividades corporais

representavam uma constante nessa linha de pensamento que colocava o homem

como um ser orgânico, um animal. A “primeira condição do sucesso neste mundo é

a de ser um bom animal e a primeira condição da prosperidade nacional é a nação

ser formada de bons animais”18.

Torna-se bastante claro que os adeptos da conservadora pedagogia católica irão

posicionar-se radicalmente contra essa vertente naturalista:

“A moderna exaltação da cultura física, pretendendo dar a esse setor da educação um valor exagerado, e esquecendo o seu aspecto de dependência da educação geral, é, como se sabe, uma conseqüência do naturalismo pedagógico, em que frequentemente se inspira a ‘escola nova’. Desde que Spencer falou da eficiência do ‘bom animal humano’ como condição do êxito do homem nesta vida e de progresso das nações, surgiram educadores que quase se alhearam de qualquer outra preocupação além da de formar no homem esse bom animal [...]. A interdependência de fato existente entre alma e corpo não é absoluta. Dizer o contrário seria incidir no erro do determinismo fisiológico, que situa no organismo humano toda a causalidade da vida psíquica. Ao contrário disso, os fatos evidenciam a relatividade dessa dependência entre o psíquico e o orgânico. Espíritos geniais tem brilhado em corpos débeis ou enfermiços e muitas competições físicas de atletas apolíneos encerram muitas vezes espíritos medíocres e doentios. A preocupação exclusiva ou dominante do aspecto físico da educação é um erro funesto contra a filosofia pedagógica e contra os resultados da obra educativa [...]. O ‘Mens Sana In Corpore Sano’ de que falavam os antigos pedagogos, ao que, aliás, não devemos emprestar o valor de uma máxima, não se consegue com uma educação parcial ou fragmentária, mais será conseqüência de uma educação total [...]”19

Apesar do posicionamento contrário em relação a cultura física, a preocupação

em preservar o corpo enquanto espaço sagrado tornava-se cada vez mais presente

no discurso católico, mesmo porque, segundo a visão teológico cristã,

principalmente na católica, “o corpo do homem não será, após a morte,

exclusivamente diluído no reino mineral, mas será reconstituído na forma de Corpo

Glorioso, no final dos tempos”20. Portanto, fazia-se necessário preserva-lo em toda a

18 SPENCER. Apud. SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de história da educação. São Paulo: Editora Nacional, 1967.p. 306. 19 BELLO, Ruy de Ayres. “A educação física”. A Tribun a, Recife, 22 mar. 1941.p. 01. 20 JÚNIOR, João Luiz Correia; COSTA, Marcos Roberto Nunes (Org.). Os mistérios do corpo: uma leitura multidisciplinar. Recife: INSAF, 2004.p. 19.

Page 7: Artigo

7

sua essência. Uma educação física mal orientada, por exemplo, poderia ser fatal, em

especial para o corpo feminino, cujos cuidados deveriam ser redobrados, fato que

pode ser comprovado através de um acontecimento ocorrido no estado do Rio de

Janeiro, porém, noticiado no jornal pernambucano A Tribuna:

“[...] Não há muito, nesta capital (Rio de Janeiro), uma menina de um colégio leigo, por um natural instinto de pudor, resistiu ao médico que procurava submete-la ás infamantes formalidades de um exame biométrico. Levantou-se grande escândalo, houve intervenção da família e a pequena teve que ser retirada do colégio. Se todos os pais educassem assim suas filhas, em um ambiente de respeito ao pudor e dignidade feminina, mui depressa teriam fim esses abomináveis excessos de uma educação materialista e anti-cristã”21

Tratava-se de uma sociedade significativamente normatizada, onde a mulher

tinha por obrigação adequar-se aos códigos morais que regiam o seu meio, fazendo

assim “inúmeros ajustes e concessões para [...] preservar o ideal de pureza e

submissão”22, que as transformariam, segundo Michelle Perrot, em verdadeiras

divindades do santuário doméstico. Dentro desses estereótipos, o corpo feminino

exposto constituía uma verdadeira ameaça. Não é por acaso que haviam cuidados

excessivos em relação ao vestuário da mulher:

“Em certas competições esportivas inter-municipais, jovens do interior, viram-se compelidas a desfilar em trajes impróprios para moças e á vista da multidão onde sempre se aglomeram curiosos mal intencionados. É preciso banir de vez a mórbida tendência de forçar nossas jovens a usarem trajes esportivos, que uma consciência cristã ou simplesmente honesta repudia por inconvenientes a uma futura mãe de família [...]”23

Quando o Papa Pio XI escreve que é extremamente perigoso o “naturalismo que

[...] invade o campo da educação em matéria delicadíssima como é a honestidade

dos costumes”24, o mesmo referia-se não só aos cuidados em relação ao corpo,

como também sobre a própria sexualidade. Por isso, criticava-se a utilização da co-

21 “Contra as aberrações de uma educação física mau orientada”. A Tribun a. Recife, 26 abr. 1941.p. 05 22 MALUF. Apud. SANTOS, Chrislene Carvalho dos. A construção social do corpo feminino em Sobral (1920-1925). Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000, 104. 23 “Pastoral coletiva do episcopado da província eclesiástica de S. Paulo”. A Tribun a. Recife, 31 jan. 1942.p. 03 24 RATTI, Achillle. Documentos de Pio XI (1922-1939). São Paulo: Paulus, 2004.p. 188.

Page 8: Artigo

8

educação25 em algumas escolas. Afirmava-se que na época crítica da puberdade, os

jovens ainda não possuíam completo domínio sobre os seus impulsos sensuais.

Entendendo que nessa época, a atração mútua pelo sexo oposto era mais elevada

do que na idade mais adulta, os pedagogos católicos defendiam a divisão por sexo ,

no que diz respeito as práticas educacionais.

Em Pernambuco, inúmeros colégios irão adotar os preceitos da pedagogia

católica. Dentre eles, é possível destacar os tradicionalíssimos Colégio Nóbrega ,

Salesiano, Marista, São José, Damas Cristãs, Vera Cruz e a Academia Santa

Gertrudes. Eram instituições educacionais, onde encontrava-se arraigada uma moral

cristã que na sua essência buscava formar esse homem integral, ou seja, um

indivíduo educado sem os unilateralismos da moderna educação, que na ótica

católica, era responsável pela crise de caráter que assolava a humanidade.

“A pedagogia católica elevou os pagãos e bárbaros ao estado da civilização de que todos nós nos gloriamos. A pedagogia laicista fez voltar ao mundo a degradação moral do paganismo e á barbárie, cuja última etapa é hoje o bolchevismo russo. O que resta de bom no meio destas ruínas é ainda a herança da pedagogia católica”25

25 O termo co-educação relaciona-se as escolas mistas 25 S.J, P. Antonio Fernandes. “O Problema da co-educação”. Fronteiras. Recife, Ago. 1932.p. 11-12.