artigo

3

Click here to load reader

Upload: laura-canario

Post on 08-Jul-2015

87 views

Category:

Education


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Artigo

26 Física na Escola, v. 9, n. 1, 2008Usando um LED como fonte de energia

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

OSol é fonte de energia fundamen-tal para o nosso planeta. A cadasegundo, trilhões e trilhões de

átomos de hidrogênio (H) se fundemformando átomos de hélio (He). Nestasreações há uma diminuição da massa dosreagentes e uma grande liberação de ener-gia, que é irradiada na forma de luz e calorpara todo o espaço em seu entorno. Partedesta energia chega ao nosso planeta, con-tribuindo de forma vital para a manu-tenção da vida.

Com a crescente preocupação emfrear a degradação do planeta e o cons-tante aumento pela demanda de energia,o Sol vem ocupando lugar de destaque co-mo uma grande eimportante fonte deenergia alternativa.Há alguns anos os ar-quitetos passaram ase preocupar comconstruções que pri-vilegiam a ilumina-ção natural; algumasresidências utilizam aenergia solar para o aquecimento da água,por meio de coletores solares; em umaescala ainda muito pequena a energia so-lar também é transformada em energiaelétrica - as células fotovoltaicas são osdispositivos responsáveis por esta trans-formação direta da energia solar em elétri-ca. Estas células são feitas com materiaissemicondutores e seu alto custo é um fa-tor limitante para uso em larga escala.Muitas pesquisas têm sido feitas no senti-do de tornar estas células mais eficientes,de modo a reduzir o custo da energia con-vertida por célula.

Neste artigo vamos enfocar o funcio-namento de uma célula fotovoltaica. Paraque o professor tenha condições demostrar, na prática, a transformação daenergia solar em elétrica, sugerimos umamaneira de ligar um relógio digital pormeio de uma “célula fotovoltaica de baixo

custo”: um LED.1

Materiais semicondutores

Os materiais semicondutores são abase da indústria eletrônica. Sua impor-tância está na possibilidade de alteraçãode suas características elétricas de forma“simples”. Estes materiais recebem o nomede semicondutores por não serem total-mente isolantes - como a borracha, ou ovidro - mas também não serem bons con-dutores como o cobre, ou o ferro. No en-tanto, se forem adicionados átomos dife-rentes a estes materiais, eles podem tersuas características elétricas alteradas. Osilício (Si) é um exemplo de semicondutor

muito utilizado naindústria. Se um áto-mo de fósforo (P) forinserido em um cristalde silício, haverá umelétron a mais na redecristalina. Este elétronpoderá se mover pelomaterial, pois não estáfortemente ligado ao

átomo. O novo material possui elétronsem excesso e é por isso chamado semi-condutor tipo n. O oposto ocorrerá se umátomo de gálio (Ga) for inserido na redecristalina de silício. Um elétron estaráfaltando, e este “buraco” se comportarácomo uma carga positiva,2 que tambémpode mover-se pelo material, pois umelétron de um átomo vizinho pode ocupareste espaço. O semicondutor com falta deelétrons é chamado de semicondutor tipop. A Fig. 1 ilustra este processo de inserçãode átomos estranhos em uma redecristalina, denominado “dopagem” [1].

Uma célula fotovoltaica é uma junçãodos dois tipos de materiais semicondutoresdescritos acima. Uma junção pn, como adenominamos, possui propriedades muitopeculiares e é de grande interesse na indús-tria eletrônica, tendo várias aplicações [2].Nas Figs. 2 e 3 há um esquema do que

Esdras Garcia AlvesColégio Santo Agostinho, Belo Horizonte,MG, BrasilE-mail: [email protected]

Andreza Fortini da SilvaEscola Municipal Francisco Borges daFonseca, Belo Horizonte, MG, Brasil

Com a crescente demanda de energia elétrica ea atual preocupação com a preservação am-biental, as energias limpas se transformaramem necessidades urgentes. A energia solar é umaexcelente alternativa. As células fotovoltaicas- dispositivos construídos com materiais semi-condutores - podem transformar a energia so-lar diretamente em energia elétrica.

As células fotovoltaicas são osdispositivos responsáveis pela

transformação da energia solarem elétrica. Estas células são

feitas com materiaissemicondutores e seu alto custoainda é um fator limitante para

uso em larga escala

Page 2: Artigo

27Física na Escola, v. 9, n. 1, 2008 Usando um LED como fonte de energia

ocorre em uma junção pn quando ela éiluminada [3].

A luz é constituída por fótons comenergia E = hν, onde h é a constante dePlanck e ν é a freqüência da luz. Quandoestes fótons incidem sobre a junção, elespenetram no material e podem ser absor-vidos por elétrons na banda de valência.3

Se a energia do fóton for da mesma ordemde grandeza que a diferença de energia dasbandas, Eg na Fig. 2, o elétron poderá al-cançar a banda de condução, onde estarálivre para se mover. A saída de um elétronda banda de valência deixa um buraco namesma. Com a iluminação constante, ha-verá um grande número de pares elétron-buraco gerados pela absorção de fótons.Devido à presença dos átomos dopantes,os elétrons da banda de condução se deslo-carão para a região n e os buracos da banda

de valência se deslocarão para a região p.Se um fio condutor conectar o lado p aolado n, teremos uma corrente de elétronsse movendo da região de maior concentra-ção de elétrons para a região com escassezde elétrons, como em uma pilha.

O LED como célula solar

As células fotovoltaicas convencionaisainda são muito caras e raras no mercadocomum. Como modelo de célula fotovol-taica propomos o uso de um LED, muitomais acessível em termos de custo emercado. Testamos vários tipos de LEDs,e os melhores resultados foram encontra-dos com LEDs vermelhos de 10 mm comencapsulamento transparente. Os LEDsvermelhos de 5 mm com encapsulamentotransparente também apresentaram bonsresultados.

O LED também é constituído por umajunção pn [4]. Na Fig. 4 há um diagramailustrando o dispositivo. O lado n da jun-ção está preso a um contato metálico, queserve também como um espelho refletorpara direcionar a luz. No lado p há apenasum fio estabelecendo o contato elétrico en-tre o semicondutor e o outro terminal doLED, de modo que a maior parte do semi-condutor fica exposta. Esta construção énecessária porque a luz sai diretamentede onde houve uma combinação entre umelétron e um buraco. Um elétron quevenha da banda de condução para ocuparum buraco na banda de valência deveperder energia. Esta energia é liberada naforma de fótons, cuja energia correspon-de ao valor de Eg. Portanto, se foremconstruídos LEDs com diferentes valorespara Eg - e isto é conseguido utilizandodiferentes dopantes - pode-se produzirdiversas cores para a luz dos LEDs. Comoo valor de Eg define a energia dos fótonsemitidos, o espectro de emissão de um LEDpossui um pico bastante pronunciado emtorno de um comprimento de onda carac-terístico, como mostra a Fig. 5.

Embora os LEDs sejam projetadospara emitir fótons, eles também podemfuncionar como receptores de luz. Em di-versos artigos na literatura encontramoso uso de LEDs como fotosensores [5-7].Porém, assim como a emissão é bastantepronunciada em torno de uma freqüênciacaracterística, a recepção se dá para umafaixa de freqüências cuja energia esteja emtorno de Eg. Este comportamento resso-nante dos LEDs permite que eles sejamutilizados como sensores para faixas

Figura 1. (a) Representação bidimensional de um cristal de silício. (b) Quando um átomode fósforo é adicionado à rede ele disponibiliza um elétron, que fica livre para se moverpelo cristal. (c) Se for adicionado um átomo de gálio, haverá a falta de um elétron(buraco). Como um elétron de um átomo vizinho pode ocupar este buraco, o efeito finalé o de uma carga positiva se movendo pelo cristal.

Figura 2. Fótons com energia E = hν atingem a junção. Se a energia dos fótons for daordem de grandeza de Eg, um elétron da banda de valência (BV) pode absorver a energiado fóton.

Figura 3. Absorvendo a energia do fóton, o elétron alcança a banda de condução (BC).Os elétrons na banda de condução tendem a se concentrar no lado n e os buracos nabanda de valência no lado p, devido à presença dos átomos dopantes.

Figura 4. Detalhes internos da estruturado LED.

Page 3: Artigo

28 Física na Escola, v. 9, n. 1, 2008Usando um LED como fonte de energia

restritas do espectro. Fótons com energiasmuito diferentes de Eg não são efetiva-mente absorvidos pelos elétrons e nãohaverá a geração de pares elétron-buraconestas situações. Um LED que emita luzverde, por exemplo, será um bom recep-tor para luz verde,mas não para outrascores do espectro. Épor este motivo quesugerimos utilizarcomo fontes de luz,nos experimentos aseguir, o Sol ou umalâmpada incandes-cente, pois estas fon-tes possuem um es-pectro contínuo deradiação, possuindotodas as freqüênciasda luz.

Para verificar a produção de tensão elé-trica em um LED iluminado, basta ligar osseus terminais a um voltímetro para medirtensões contínuas na escala de 2 V e ilu-minar o LED com uma fonte de luz intensa.A tensão pode chegar a 1,5 V se o LED forexposto ao Sol. Embora a tensão sejarelativamente alta, a corrente alcançada nãopassa de poucos microamperes, mesmo sobiluminação intensa. Tal fato pode sercompreendido observando o tamanho dosemicondutor do LED, que não passa de1 mm2. Uma célula fotovoltaica convencio-nal possui uma grande área de materialsemicondutor exposta à luz, de forma apoder absorver uma grande quantidade defótons, ou seja, muita energia. Portanto énecessária uma carga compatível parafuncionar com uma corrente tão baixa; umrelógio digital é ideal para esta aplicação.

O relógio digital usado por nós é dotipo encontrado em lojas de produtos po-pulares. É necessário retirar a bateria e sol-

Referências

[1] Eduardo de Campos Valadares, Alaor S.Chaves e Esdras Garcia Alves,Aplicações da Física Quântica: Do Tran-sistor à Nanotecnologia (Livraria daFísica, São Paulo, 2005), 1ª ed.

[2] Robert Boylestad e Louis Nashelsky,Dispositivos Eletrônicos e Teoria deCircuitos (Prentice-Hall do Brasil, Riode Janeiro, 1994), 5ª ed.

[3] Reginaldo da Silva, Adenilson J.Chiquito, Marcelo G. de Souza eRodrigo P. Macedo, Revista Brasileirade Ensino de Física 2626262626, 379 (2004).

[4] Marisa Almeida Cavalcante, CristianeR.C. Tavolaro, Dione Fagundes deSouza e João Muzinatti, Física naEscola 33333:1, 24 (2002).

[5] L. Nieves, G. Spavieri, B. Fernades e R.A.Guevara, The Physics Teacher 3535353535, 108(1997).

[6] Marisa Almeida Cavalcante, CristianeR.C. Tavolaro e Rafael Haag, Fisica naEscola 66666:1, 75 (2005).

[7] Marisa Almeida Cavalcante e RafaelHaag, Revista Brasileira de Ensino deFísica 2727272727, 343 (2005).

dar dois fios nos terminais da mesma (su-gerimos desmontar o relógio e soldar osfios diretamente na placa). Ligue os termi-nais do LED aos fios do relógio e ilumine oLED com uma luz bastante intensa, de pre-ferência o Sol, e veja se o relógio funciona.

Se não funcionar, in-verta os fios, pois tantoo LED quanto o relógiopossuem polaridade. Épossível fazer o relógiofuncionar com umalâmpada incandescente- indicada para as de-monstrações em diasnublados - mas nestecaso devem ser usadosno mínimo três LEDsligados em série. Estaé uma estratégia paraalcançar maior tensão,

se o professor desejar aplicá-lo em outrassituações. Em nossa versão, mostrada naFig. 6, colocamos os LEDs em um disco demadeira e o fixamos em uma bola dedesodorante roll-on. Utilizando este arti-fício é possível orientar os LEDs para a posi-ção de máxima incidência de luz.

Conclusão

Muitos livros falam sobre o uso dascélulas fotovoltaicas, mas não fornecemdetalhes sobre seu funcionamento e nemsugestões alternativas que o professor

possa utilizar para ilustrá-la na prática.Tendo estes aspectos em vista, procuramosabordar de forma sucinta o funciona-mento das células fotovoltaicas a fim defornecer uma base teórica para a compre-ensão da transformação direta da energiasolar em elétrica. Enquanto educadores,acreditamos que promover o contato dejovens estudantes com tecnologias poten-cialmente transformadoras é uma formade sensibilizá-los quanto à necessidade deuma busca de soluções concientes para asociedade.

O uso deste material não se restringeapenas a estudantes da educação básica,onde o professor pode usá-lo em seqüên-cias sobre transformações de energia. Emdiversas oficinas que realizamos com pro-fessores e estudantes de graduação, hásempre um grande espanto quando vêemum relógio funcionando com a energia“gerada” por um LED. A física de semi-condutores pode ficar mais atrativa comestes experimentos que surpreendem nos-so senso comum.

Notas1Diodo emissor de luz, em inglês. Os

LEDs são aquelas lampadazinhas facil-mente encontradas nos painéis de equipa-mentos eletroeletrônicos.

2O buraco não é fundamentalmenteuma carga positiva, mas sim, como o pró-prio nome sugere, a ausência de um elé-tron.

3A banda de valência é a última bandade energia com elétrons ligados aos áto-mos em um sólido.

Figura 6. LEDs funcionando como célulafotovoltaica.

Muitos livros falam sobre o usodas células fotovoltaicas, masnão fornecem detalhes sobre

seu funcionamento e nemsugestões alternativas que oprofessor possa utilizar parailustrá-la na prática. Assim,

abordamos de forma sucinta ofuncionamento dessas células,fornecendo uma base teórica

para a compreensão datransformação direta daenergia solar em elétrica

Fig. 5. Espectro de emissão de um LED azul.