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0 ARTICULAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS: o caso da conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Ricardo Marques Silva Aquidauana /MS, Brasil Junho - 2009 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

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ARTICULAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS: o caso da conurbação

Ponta Porã e Pedro Juan Caballero

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Ricardo Marques Silva

Aquidauana /MS, Brasil Junho - 2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

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ARTICULAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS: o caso da conurbação

Ponta Porã e Pedro Juan Caballero

por

Ricardo Marques Silva

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia, área de concentração em Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), como requisito para obtenção do grau de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Tito Carlos Machado de Oliveira

Aquidauana/MS, Brasil.

Junho – 2009

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586a SILVA, Ricardo Marques.

Articulações transfronteiriças: o caso da conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. -- Aquidauana, MS : UFMS, 2009.

141 f. ; 30 cm. (Dissertação de Mestrado)

1. Fronteira. 2. Cidades-gêmeas. 3. Rede urbana. I. Título.

CDD (22) 910.81

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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Centro de Ciências Humanas e Sociais

Programa de Pós-Graduação em Geografia

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de Mestrado.

ARTICULAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS: o caso da conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero

Elaborada por Ricardo Marques Silva

Como requisito para obtenção do grau de Mestre em Geografia

BANCA EXAMINADORA:

Tito Carlos Machado de Oliveira, Prof. Dr. (Presidente / Orientador)

Cleonice Gardin, Prof ª. Dª. (UFGD) (Membro titular)

Fabrício Vázquez, Prof. Dr. (Universidad Americana) (Membro titular)

Aquidauana-MS, 30 de junho de 2009.

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DEDICATÓRIA

A Adriana e a Mariana, eternas fontes de paz e felicidades em minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

Ao alcançar este triunfo em minha vida, vejo, com certeza, que não o fiz sozinho.

Por isso, agradeço, de coração, aos que colaboraram invariavelmente para a elaboração deste

trabalho.

Primeiramente, a Deus, por ter me dado ânimo para superar as dificuldades surgidas

pelo caminho e por ter me colocado em contato com um lugar de valiosíssimos valores

humano e cultural: a fronteira.

À Municipalidad de Pedro Juan Caballero, à Prefeitura Municipal de Ponta Porã, ao

Arquivo Público Estadual, ao Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e à

Aduana de Pedro Juan Caballero, pelas informações prestadas e dúvidas esclarecidas.

Às Universidades e às faculdades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, pelo pronto

atendimento no fornecimento de dados universitários.

Ao Colégio Militar de Campo Grande, local onde consigo meu sustento e me realizo

profissionalmente, pelo incentivo ao meu aprimoramento intelectual.

Aos componentes do Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço (CADEF) –

em especial aos professores Tito, Roberto Paixão, Jacira, Marcelo e Paulo e às colegas

Ângela, Jeniffer, Suzana, Marta, Marta Sulema, Marli, Marlene e Eliani Lamberti – pelo

estímulo e solidariedade para entender e divulgar a fronteira.

A Elisângela e a sua equipe do Laboratório de Geoprocessamento da UFMS, campus

Aquidauana, pela elaboração cartográfica de mapas e pela constante ajuda na representação

espacial dos fenômenos fronteiriços.

A Daniele, pela sua voluntariedade e esmero no apoio de secretaria do curso.

Aos professores e alunos do curso de Mestrado em Geografia, com os quais tive a

grata alegria de compartilhar momentos de aprimoramento de meus conhecimentos, angústias

e muitas alegrias.

À Professora Cleonice Gardin, pelo rigor intelectual e pelo zelo humano, sempre

dispensados.

A Nilza Mara Panzetti Alonso (Dona Nilza), por estar sempre disponível para as

leituras das diversas etapas deste trabalho, às quais sempre acrescentava valiosas críticas e

sugestões.

Ao meu orientador, Professor Tito Carlos Machado de Oliveira, que afiançou meu

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trabalho, respeitou-me intelectualmente – ao compreender meu ritmo, minhas dificuldades e

minhas ansiedades – e foi o principal responsável pela minha iniciação ao estudo do espaço

fronteiriço.

Por último, àquelas que estiveram presentes em várias etapas do curso de mestrado e

deste trabalho, inspiraram-me e, sobretudo, trazem paz e alegrias à minha vida: minha

companheira Adriana e minha filha Mariana.

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Dissertação de Mestrado Programa de Pós-Graduação em Geografia

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Autor: Ricardo Marques Silva Orientador: Tito Carlos Machado de Oliveira

Local e Data da Defesa: Aquidauana, 30 de junho de 2009.

RESUMO

Ponta Porã (Mato Grosso do Sul – Brasil) e Pedro Juan Caballero (Amambay – Paraguai) desconhecem a força que possuem juntas. Essa importância é subestimada tanto pelas unidades da federação como pelos países aos quais pertencem. O mérito – que essas cidades-gêmeas começaram a adquirir alguns anos depois do término da Guerra com o Paraguai – circunscreve-se em constituírem uma conurbação em linha de fronteira seca. Oriundas de uma motivação econômica inicial comum, a extração e a circulação da erva-mate, hoje catalisam pessoas e mercadorias, demonstrando ser um nó essencial na lógica das redes. Mas, qual é a importância que elas têm para as articulações urbanas nas redes de seus respectivos países? Dar resposta a essa indagação é o propósito maior deste trabalho. Se a rede urbana ainda é uma temática atual, estudá-la numa zona transfronteiriça torna-se um verdadeiro desafio, uma vez que o que prevalece na fronteira é a contradição “foco de tensão versus local de convívio e troca”. Desse modo, focamos nossas atenções às conexões e às interações existentes, naquela localidade, nos dois lados da fronteira, bem como entre eles. Nesse percurso, descobrimos que as sociedades de fronteira possuem uma especificidade inegável e que os seus agentes econômicos e sociais formam um cenário de interações dentro do território das redes. A quantificação e qualificação das articulações da conurbação Ponta Porã – Pedro Juan Caballero foi desenvolvida por uma investigação embasada na coleta e na análise de informações e dados primários e secundários, assim como nos trabalhos de campo realizados, em que elegemos as variáveis: sistema urbano e fluxos de pessoas e de mercadorias. Palavras-chaves: fronteira, cidades-gêmeas e rede urbana.

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RESUMEN

Ponta Porã (Mato Grosso do Sul – Brasil) y Pedro Juan Caballero (Amambay – Paraguay) desconocen la fuerza que tienen juntas. Esa importancia está subestimada tanto por las unidades de la federación como por los países a los que pertenecen. El mérito – que esas ciudades gemelas empezaron a adquirir hace algunos años, tras el fin de la Guerra con Paraguay – se circunscribe en el que constituyen una conurbación en línea de frontera seca. Oriundas de una motivación económica inicial común, la extracción y la circulación de la yerba mate, hoy catalizan a personas y mercancías y demuestran ser un nudo esencial en la lógica de las redes. Sin embargo, ¿cuál es la importancia que esas ciudades tienen a las articulaciones urbanas en las redes de sus respectivos países? Contestar a tal indagación es el propósito más grande de este trabajo. Si la red urbana todavía es una temática actual, estudiarla en una zona transfronteriza se vuelve un verdadero reto, una vez que lo que prevalece en la frontera es la contradicción “foco de tensión versus lugar de convivencia y cambio. De ese modo, reconcentramos nuestras atenciones a las conexiones y a las interacciones existentes, en aquella localidad, en los dos lados de la frontera, bien como entre tales lados. En ese recorrido, descubrimos que las sociedades de frontera tienen una especificidad innegable y que sus agentes económicos y sociales forman un escenario de interacciones dentro del territorio de las redes. La cuantificación y la cualificación de las articulaciones de la conurbación Ponta Porã – Pedro Juan Caballero se ha desarrollado por una investigación basada en la recolección y en el analisis de informaciones y datos primarios y secundarios, así como en los trabajos de campo realizados, en los que elegimos las variables: sistema urbano y flujo de personas y mercancías. Palabras clave: frontera, ciudades gemelas y red urbana.

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ABSTRACT

Ponta Porã (Mato Grosso do Sul – Brazil) and Pedro Juan Caballero (Amambay – Paraguay) ignore the strength that they possess together. Such importance is also underestimated by the other states of the federation as well as by the countries to which they belong. The worth – acquired by these twin cities some years after the end of the War against Paraguay – is due to the fact that they form a conurbation in a dry borderline. Originated from a common economical motivation, namely the production and trade of the mate herb, today they catalyze people and goods, proving to be an essential knot in the logic of the networks. But, what is their importance for the urban articulations in the networks of their respective countries? Finding an answer to that question is the main purpose of this paper. If the urban network is still a current issue, to investigate it in a transborder zone is the real challenge, once the contradiction “focus on tension versus place of living and trade” is what prevails in the borderline zone. This way, we focused our attention on the connections and the interactions present there, on both sides of the border, as well as among them. As a result, we have discovered that the border societies possess an undeniable specificity, and that their socio-economic agents form a scenario of interactions inside the network territory. The quantification and qualification of the conurbation Ponta Porã - Pedro Juan Caballero was developed through an investigation based on the collection and analysis of information, and on primary and secondary data, as well as in the field work done, in which we chose the variables: urban system and the flow of people and goods.

Keywords: border, twin cities and urban network.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Fotografia da linha internacional de fronteira entre Brasil e Paraguai nas cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, em março de 2008..................................

19

Figura 2 – Mapa de localização das principais cidades-gêmeas em linha de fronteira...

20

Figura 3 - Quadro de métodos de investigação em Ciências Sociais...............................

23

Figura 4 – Quadro de Diferenciação entre Faixa e Zona de Fronteira.............................

61

Figura 5 – Mapa de fluxos de pessoas e de mercadorias antes e após a construção do ramal ferroviário de Campo Grande para Ponta Porã.......................................................

82

Figura 6 – Mapa de migrações para o Sul do antigo Estado de Mato Grosso.................

86

Figura 7 – Esquema das principais cidades-gêmeas paraguaias e estrangeiras em linha de fronteira........................................................................................................................

92

Figura 8 – Gráfico de crescimento populacional das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero...................................................................................................................

99

Figura 9 – Mosaico das universidades paraguaias em Pedro Juan Caballero..................

102

Figura 10 – Imagem de propaganda veiculada em jornal de grande circulação na cidade de Campo Grande-MS...........................................................................................

105

Figura 11 – Mapa de fluxos de universitários e pós-universitários brasileiros com destino a Pedro Juan Caballero.........................................................................................

107

Figura 12 – Mosaico das universidades brasileiras em Ponta Porã.................................

109

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Figura 13 – Mapa de fluxos de estudantes brasileiros para Ponta Porã...........................

114

Figura 14 – Fluxos de mercadorias (soja e carne) pela fronteira Ponta Porã – Pedro Juan Caballero...................................................................................................................

122

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – População dos municípios fronteiriços do Sul de Mato Grosso na década de 1920..............................................................................................................................

84

Tabela 2 – Evolução populacional de Ponta Porã, no período 1920 - 1954....................

85

Tabela 3 – Quantitativo populacional do município de Ponta Porã no ano de 1950.......

87

Tabela 4 – População urbano-rural em Ponta Porã (1940-2007).....................................

95

Tabela 5 – População urbano-rural em Pedro Juan Caballero (1950-2002)....................

98

Tabela 6 – Evolução populacional em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã de 1950 aos dias de hoje........................................................................................................................

99

Tabela 7 – Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior paraguaia, em Pedro Juan Caballero, segundo as carreiras cursadas e a nacionalidade brasileira...........

104

Tabela 8 – Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior brasileira, em Ponta Porã, segundo a carreira cursada e a cidade de origem...........................................

110

Tabela 9 – Quantitativo de alunos por local de domicílio segundo as instituições de ensino superior brasileiras em Ponta Porã........................................................................

111

Tabela 10 – Quantitativo de alunos de instituição de ensino superior que cursam em Ponta Porã por origem de domicílio.................................................................................

112

Tabela 11 – Quantitativo de alunos de ensino superior paraguaio, em Pedro Juan Caballero, e brasileiro em Ponta Porã...............................................................................

113

.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AMTL – Área de Mercado de Trabalho Local

CADEF – Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço

DGECC – Dirección General de Estadística y Censos

FAP – Faculdades de Ciências Administrativas de Ponta Porã

FATEP – Faculdade de Tecnologia de Ponta Porã

FIP – Faculdades Integradas de Ponta Porã/UNIDERP/Anhanguera

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MAGSUL – Faculdade de Ciências Contábeis de Ponta Porã

NAFTA – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio

PDFF – Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira

PNDR – Política Nacional de Desenvolvimento Regional

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TLC – Tratado de Livre Comércio

UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

UNA – Universidade Nacional de Asunción

UNINORTE – Universidad del Norte

UPAP – Universidad Politécnica y Artística de Paraguay

UTIC – Universidad Tecnológica Intercontinental

UTCD – Universidad Católica, Universidad Técnica de Comercialização de Desenvolvimento UTF – Universidad Tres Fronteras

VEDERSA – Visão Estratégica de Desenvolvimento Econômico da Região Sonora-Arizona

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................

18

1 EMBASAMENTO TEÓRICO..................................................................................

28

1.1 Redes: origens e retomada de um conceito............................................................

28

1.1.1 Redes: gênese de um conceito................................................................................

28

1.1.2 Redes: emergência de um conceito.........................................................................

31

1.2 A rede urbana..........................................................................................................

34

1.2.1 O cerne da rede urbana..........................................................................................

35

1.2.2 As redes de localidades centrais em primeira instância........................................

40

1.3 A fronteira como elemento de análise....................................................................

43

1.3.1 O caráter contraditório das fronteiras em um mundo contemporâneo..................

42

1.3.2 Fronteira: conceituando um termo complexo........................................................

53

1.3.3 A fronteira ameaça a soberania dos Estados-nação ou as fortalece?................... 55

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1.3.4 Uma abordagem de fronteiras sob o prisma da região..........................................

57

1.4 A simultaneidade fronteira-rede urbana...............................................................

62

1.5 O mérito das cidades-gêmeas nos espaços fronteiriços........................................

67

1.6 O poder de articulação dos centros urbanos fronteiriços....................................

69

2 A CONSTRUÇÃO DE FLUXOS E NÓS NA INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA.............................................................................................................

72

2.1 Pedro Juan Caballero – de un punto de paraje a una ciudad internacional.......

72

2.2 Ponta Porã – a Princesinha dos ervais...................................................................

74

2.2.1 A erva-mate.............................................................................................................

75

2.2.2 A agropecuária.......................................................................................................

78

2.2.3 O Contrabando.......................................................................................................

78

2.2.4 Vias de transporte e de comunicações....................................................................

80

2.2.5 Evolução demográfica............................................................................................

83

2.2.6 A Marcha para o Oeste........................................................................................... 88

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3 O ESPAÇO FRONTEIRIÇO DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN CABALLERO................................................................................................................

90

3.1 Um espaço capturado..............................................................................................

90

3.2 Os fluxos dos homens..............................................................................................

93

3.2.1 Crescimento populacional combinado...................................................................

94

3.2.2 A faceta da recém função universitária.................................................................

100

3.3 Os fluxos de mercadorias........................................................................................

115

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................

125

REFERÊNCIAS.............................................................................................................

131

ANEXOS.........................................................................................................................

137

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INTRODUÇÃO

Nestes primeiros passos de um novo século, há muitas dúvidas e incertezas quanto aos

destinos que o mundo segue. A informática e as telecomunicações aproximam os homens e os

países, e enfraquecem as fronteiras. A globalização econômica e cultural divide opiniões.

Tudo é impreciso; a única certeza é a de que o planeta está em profunda transformação e

nunca mais será o mesmo de outrora. É um mundo decorrente da economia do século XXI,

que traz, cada vez mais, as benesses e os reveses da globalização.

As exigências de um capitalismo com nova roupagem abrem campo para uma

reconfiguração espacial nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, em especial, na

América do Sul. Daí estarmos diante de uma grande oportunidade para melhorar as condições

de vida de populações marginalizadas e historicamente exploradas. Para tanto, é necessário

identificar essas possibilidades, notadamente a implementação e o reforço das relações

socioeconômicas, culturais e espaciais entre o Brasil e seus vizinhos fronteiriços. Por isso,

com certeza, as redes e a rede urbana têm destaque nesse pretenso processo de

desenvolvimento.

Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são duas cidades-gêmeas, brasileira e paraguaia,

respectivamente; literalmente encontram-se separadas por uma única avenida1, mas unidas

por inúmeros laços históricos, econômicos, sociais, culturais e familiares. Compreender essa

conurbação – em linha de fronteira, que divide dois países e que, não necessariamente, separa

seus fenômenos socioeconômicos e culturais – não é tarefa nada fácil (Figuras 1 e 2).

A problemática deste trabalho tem seu foco nas conexões e nas interações

estabelecidas entre a rede urbana brasileira e a rede urbana paraguaia, tomando-se por base o

1 Avenida Internacional.

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estudo das funcionalidades, dos fluxos e das hierarquias da rede urbana comandada pela

conurbação/cidades-gêmeas Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai).

Sabendo-se que o delineamento da pesquisa a ser desenvolvida é permeado por fins –

sendo a busca desses traduzida pelas ações que queremos alcançar com o estudo sobre a rede

urbana transfronteira articulada pela conurbação das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan

Caballero – e levando-se em consideração essas variáveis, o trabalho necessitou de um

sentimento norteador para nos motivar.

FOTOGRAFIA AÉREA

Figura 1 – Fotografia da linha internacional de fronteira entre Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai), em março de 2008.

Portanto, desvendar como e de que forma a conurbação se posiciona na ligação da

rede urbana paraguaia com a brasileira é o propósito maior desta pesquisa. Para isso,

buscamos compreender a rede urbana no território transfronteiriço Brasil-Paraguai, com

articulações na conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, indicando que papéis

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desempenha cada cidade como centro difusor de desenvolvimento regional no processo de

criação, apropriação e circulação do valor excedente.

Por conseguinte, o tema é uma excelente oportunidade para a Geografia, como ciência

do espaço, dialogar com outras áreas do conhecimento. Nessa ótica, aproximamo-nos da

Economia, fortificando os pilares da Geografia Econômica, pois é a legítima herdeira da visão

espacial dos fatos econômicos (EGLER, 1995). A Geografia Urbana, em especial, também foi

requisitada pela própria gênese da temática das redes. As Ciências Sociais nos deram

explicações sobre as relações expostas e ocultas da e pela sociedade. Nesses diálogos, o

desenvolvimento da temática foi uma ocasião favorável para praticar a interdisciplinaridade,

pois aquelas e outras áreas do conhecimento nos ajudaram na pesquisa como fontes de

informações e de ferramentas para análise e explicação das relações socioespaciais.

Figura 2 – Mapa de localização das principais cidades-gêmeas em linha de fronteira. Fonte: <http://www.integracao.gov.br/programas/programasregionais/faixa/cidades_gemeas.asp> Acesso em 17 fev 2008.

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Acreditamos que o desenvolvimento da temática explicitada seja uma oportunidade

para minimizar uma lacuna no conhecimento científico relativamente às investigações dos

fluxos existentes na rede urbana fronteiriça entre o Brasil e o Paraguai – especialmente entre o

estado de Mato Grosso do Sul e o departamento de Amambay – com o propósito de fornecer

suportes ao planejamento territorial. Além disso, considera-se a grande importância do estudo

da rede urbana constituída por pequenas e médias cidades, tão pouco estudadas em nosso país.

O retorno da pesquisa para a sociedade foi um grande incentivo, pois é uma chance

para demonstrar a importância socioeconômica que os espaços fronteiriços têm para o bom

relacionamento com nossos países vizinhos, assim como para a integração latino-americana,

em especial ao fortalecimento do Mercosul.

Em relação aos procedimentos metodológicos, o presente trabalho teve como ponto

inicial o interesse em abordar as opções de procedimento disponíveis e, diante dessas,

elegemos a mais adequada à pesquisa.

A escolha da metodologia de pesquisa corresponde à definição de um conjunto de

procedimentos a fim de que o processo de investigação seja suficientemente rigoroso, preciso

e coerente, de modo a evitar possíveis imprecisões.

Desse modo, a pesquisa teve como estratégia a atuação em quatro vertentes:

- do referencial teórico sobre redes, rede urbana, fronteira e relações fronteiriças;

- do levantamento histórico sobre a formação territorial da conurbação e adjacências;

- das pesquisas sociais e levantamento de dados primários e secundários;

- do tratamento de dados e informações.

Esses pilares serviram como suporte às análises e às conclusões sobre as interconexões

entre as cidades transfronteiriças Brasil-Paraguai baseando-se na conurbação Ponta Porã-

Pedro Juan Caballero.

Do ponto de vista das Ciências Sociais, as alternativas metodológicas de investigação

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correspondem aos métodos indutivo e dedutivo (Figura 3). O primeiro caracteriza-se por

partir da observação e da análise da realidade para chegar à explicação e à teoria.

Diferentemente, o método dedutivo permite a aproximação do conhecimento sem negar a

existência dos componentes subjetivos e ideológicos.

Acreditamos que o método dedutivo foi o mais apropriado para a abordagem da nossa

problemática. A confrontação dos postulados teóricos com a realidade permitiu confirmar (e

em alguns casos, refutar) ideias já pressupostas por nós. Partimos, dessa maneira, da definição

teórica para, então, realizar a observação da realidade.

A favor da escolha de nossa metodologia de estudo, encontramos as seguintes palavras

de Mendéz (1997, p. 57) “[...] las teorias son redes que lanzamos para expressar aquello que

llamamos el mundo: para racionalizarlo, explicarlo y dominarlo. Y tratamos de que la malla

sea cada vez más fina.”.

Acrescentamos, ainda, em convergência ao método dedutivo, que, quanto mais

precisas e estruturadas sejam as teorias disponíveis, maior será a capacidade para selecionar

as informações necessárias. Começamos definindo um contexto teórico e histórico mediante

uma revisão da bibliografia disponível que permitiu responder a problemática e os objetivos

da pesquisa.

Após essa fase (abordagem teórica), coletamos e analisamos as informações, assim

como buscamos explicações concretas, procurando seguir as orientações de Bezzon (2004, p.

21) “Posteriormente à formulação do problema e já baseado em uma revisão bibliográfica, o

pesquisador deverá construir hipóteses, passo este que o orientará em seu trabalho

investigativo [...]”. Assim, ao final dessa fase, tivemos o enunciado de ideias a contrastar.

Essas suposições, de fato, estiveram integradas de forma coerente numa interpretação teórica.

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Método indutivo Método dedutivo • Perguntas iniciais

• Observação preliminar • Revisão bibliográfica • Identificação de objetivos • Definições de hipóteses

Contexto teórico

Coleta e análise de informações

• Tipos de informações:

- Estatística/documental - Cartográficas/imagens - Trabalho de campo - Questionário/entrevista

• Técnicas de análise

- Quantitativa - Qualitativa

Coleta e análise de informações

Busca de explicações e conclusões

• Agentes e estratégias • Fatores internos/externos • Valorização de resultados

Busca de explicações e conclusões

Inferência / teorização

• Generalização • Da teoria à explicação da

realidade e vice-versa

Contrastação de hipóteses

Exposição de tendências e propostas

• Cenários previsíveis • Análise prospectiva • Propostas de intervenção • Programa de atuação

Exposição de tendências e propostas

Figura 3 – Quadro de métodos de investigação em Ciências Sociais. Fonte: Adaptado de MÉNDEZ, R. (1997. p. 19). Tradução livre do original em espanhol.

Embora, devidamente alertados pelas leituras que realizamos e pelas orientações de

nossos docentes quanto aos procedimentos metodológicos a serem adotados, deixamo-nos cair

numa armadilha. A metodologia nos foi dada, o caminho pelo qual deveríamos seguir estava

traçado e planejado. Mas, reconhecemos que no afã de melhor entender e compreender a

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fronteira e os fenômenos socioeconômicos lá existentes, desviamo-nos de etapas essenciais

em nossa pesquisa. Desse modo, apesar de parecer, grosso modo, que a pesquisa tenha

decorrido sem objeções e de acordo com o planejado, as idas e vindas foram muitas.

Acerca dos levantamentos e dos estudos bibliográficos, nos campos teórico e histórico,

buscamos o histórico geral sobre as matrizes socioeconômicas e os principais produtores e

reprodutores do espaço fronteiriço. Os fundamentos teóricos sobre a temática foram

procurados e analisados, acreditamos, suficientemente a fim de embasar a dissertação. Nas

partes teórica e histórica, a pesquisa bibliográfica, as leituras e os fichamentos foram

essenciais para o direcionamento e redirecionamento do trabalho, exatamente por se tratarem

da sua etapa estrutural.

Levando-se em consideração que dados e informações disponíveis para analisar a

temática são bastante diversificados, quantitativa e qualitativamente, a escolha daquelas

julgadas significativas pressupôs certo planejamento teórico, ainda que não explicitado. Em

nosso caso, a seleção dos indicadores mais adequados atendeu à exigência da definição de

critérios prévios relacionados com a interpretação das peculiaridades da localidade abordada.

Nesse sentido, elegemos as seguintes categorias de informações a serem levantadas e

analisadas nos próximos capítulos:

- articulações transfronteiriças (fluxos de pessoas e mercadorias que circulam

nas redes materiais ou técnicas);

- hierarquia urbana existente;

- identificação dos principais atores na produção e na reprodução do espaço

fronteiriço abordado

Seguindo as orientações de Nogueira (1988), a coleta de dados ocorreu em fontes

primárias e nas fontes utilizadoras ou publicadoras de dados (secundárias). Os instrumentos

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utilizados na coleta de dados e informações foram a conversa orientada ou entrevista direta e a

aplicação de questionários.

Vale ressaltar que os procedimentos metodológicos e operacionais utilizados, para o

que adotamos o método dedutivo, tiveram o fim de alcançar os objetivos traçados. Assim,

buscamos, primeiramente, verificar as bases teóricas existentes sobre o assunto e como se deu

a formação da localidade em estudo. Providos de conceitos sobre a temática e verificado o

surgimento da conurbação, tratamos de caracterizar as interações espaciais nessa área de

fronteira.

A utilização de fontes secundárias e primárias foram os pilares de nossa pesquisa. As

primeiras ocorreram junto a investigações já realizadas nas cidades-gêmeas fronteiriças em

questão e em outras de iguais características e similaridades, a exemplo das procedidas em

Ciudad del Este.

As fontes primárias tiveram seu foco na obtenção de dados que corroborassem ou

refutassem ideias pré-concebidas para análises. Nesse viés, tiveram suma importância os

dados conseguidos junto a órgãos públicos brasileiros e paraguaios, diretamente (em

entrevistas e conversas direcionadas) ou à vista de suas publicações. Também nesse sentido,

os diálogos com pesquisadores sobre o espaço fronteiriço e os de geografia – oportunizados

nos eventos científicos e em grupos de estudo2 e com colegas e professores do curso de

mestrado em Geografia, durante as disciplinas – foram momentos de aprendizado e de

reflexões para avanços ou mudanças de rumo.

Outro procedimento de igual valor foram as idas a campo. Vivenciar a localidade foi

realmente impressionante, mesmo nos poucos momentos em que lá estivemos. Para um

pesquisador, a neutralidade é a sua meta, mesmo que saiba que jamais será conseguida. Mas,

acreditamos que não basta apenas ver de fora. É indispensável perceber que a linha

2 Nossa participação no Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço (Cadef) serviu como fonte de estudos, debates, discussões e, sobretudo, estímulo à elaboração deste trabalho.

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internacional que divide as duas cidades não passa de uma invenção do homem; ouvir a

mescla de sons em vários idiomas (português, espanhol, portunhol, guarani e, em menor

quantidade, mas não em importância, alguns asiáticos) e sentir a riqueza cultural ímpar da

fronteira.

Tema tradicional na Geografia, a rede urbana é apenas uma das facetas das redes. Por

isso, do ponto de vista teórico-metodológico, abordamos como embasamento as seguintes

temáticas: redes (gênese e emergência), rede urbana (seu cerne, a rede de localidades centrais)

e fronteira (seu caráter contraditório, sua conceituação, sua importância para a soberania dos

países e suas relações com região); as ligações e associações entre fronteira e rede urbana, o

mérito das cidades-gêmeas, além da temática motivadora deste trabalho, as articulações

exercidas pelos centros urbanos, sob a ótica dos espaços fronteiriços. Todos esses assuntos

são fenômenos que se espacializam, tornando-se necessária a sua investigação e

representação, portanto apresentados na próxima parte.

Munidos dos pressupostos da base teórica, demonstrados pelos conteúdos básicos e

pelos principais debates existentes, buscamos, na terceira etapa desta dissertação (capítulo 2),

chegar ao entendimento da construção da rede urbana transfronteira articulada pelas cidades-

gêmeas de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Essas cidades nasceram, em fins do século

XIX, da erva-mate, uma atividade extrativa vegetal com destino a mercados internacionais.

Portanto, uma região comandada de fora, cujos núcleos urbanos abrem caminhos para o

escoamento da produção e, desde o início, apontam para uma organização territorial em rede.

Assim, percebemos que o que era um simples ponto de parada para descanso dos carregadores

daquele produto, hoje é uma localidade próspera de convívio e troca. Mas, que se contradiz

por ser, também, um foco de tensão.

Verificar de que maneira a conurbação foi construída e de que modo se inseriu nas

economias regionais, nacionais e internacionais é imprescindível para compreender suas

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atuais funções na rede urbana transfronteira. Para tanto, resgatamos as passagens mais

importantes do histórico de ambas as cidades: a importância dos ervais, a agropecuária, o

contrabando, as vias de transporte e de comunicações, a evolução demográfica e a geopolítica

brasileira de ocupação do Oeste de seu território.

O terceiro capítulo busca demonstrar a organização e o dinamismo do território de

fronteira, mediante a identificação dos centros urbanos regionais que sofrem e exercem

influência e controle econômico e político sobre a zona transfronteiriça. Outro fim é o

esclarecimento da gênese e da evolução da rede urbana mediante sua hierarquização e sua

especialização, citando os principais atores na produção e na reprodução do espaço fronteiriço

abordado.

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1 EMBASAMENTO TEÓRICO

O desdobramento do tema requer uma revisão de conceitos tradicionais e

importantíssimos para o entendimento dos fenômenos sociais ocorridos nas e entre as cidades

fronteiriças. Para tanto, detalharemos os pressupostos teóricos relativos à fronteira, às redes,

destacando as concepções de rede urbana.

1.1 Redes: origens e retomada de um conceito

O surgimento do termo redes reflete, de certa maneira, a tentativa em explicar as

transformações pelas quais o mundo passou, em decorrência das revoluções industriais ainda

no século XIX. Entretanto, seu uso permaneceu restrito para designar especialmente as

relações socioeconômicas e as configurações espaciais, isto é, a rede urbana, por um curto

período, pós anos 1950. Nas últimas décadas do século XX, o termo é retomado para explicar

a revolução informacional em curso, sem, contudo, excluir a rede urbana.

Buscamos, assim, apresentar fundamentos para a explicação do teor das redes na sua

origem, evolução e atual utilização, além de procurar dotar de consistência teórica este estudo

sobre a rede urbana transfronteiriça Brasil-Paraguai.

1.1.1 Redes: gênese de um conceito

A abordagem do papel das modernas redes telemáticas nas transformações da

organização espacial, segundo Dias (1995), transmite a nós uma valiosa herança sobre a

constituição e a evolução do conceito de redes. A busca de seu significado não se encontra

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somente no campo da Geografia ou nos domínios desta ou daquela disciplina. Pelo contrário,

a sua compreensão encontra-se na intersecção das diversas áreas do conhecimento.

Para Dias (1995, p. 141) “toda a história das redes técnicas é a história de inovações

que, umas após outras, surgiram em respostas a uma demanda [...]”. Daí podermos aferir que

os fluxos, os nós e as redes técnicas (ferrovias, rodovias, telegrafia, aerovias, telefonias e a

teleinformática) existem para aproximar as pessoas. A necessidade de comunicação entre os

seres humanos é imperiosa e envolve diferentes fluxos como o de mercadorias, o de

informações ou o de pessoas.

O avanço tecnológico, já no século XIX, voltou-se para as redes, conforme detalhado a

seguir:

Uma leitura da história das técnicas nos mostra o quanto as inovações nos transportes e nas comunicações redesenharam o mapa do mundo no século 19. Tratava-se de um período caracterizado pela consolidação e sistematização de inovações realizadas anteriormente. As trilhas e os caminhos foram progressivamente substituídos pelas estradas de ferro no transporte de bens e mercadorias; com o advento do telégrafo e em seguida do telefone, a circulação das ordens e das novidades já dispensava a figura do mensageiro. Todas estas inovações, fundamentais na história do capitalismo mundial, se inscreveram e modificaram os espaços nacionais, doravante sulcados por linhas e redes técnicas que permitem maior velocidade na circulação de bens, de pessoas e de informações (DIAS, 1995, p. 141 e 142).

Entretanto, Castells (1999) observa que a revolução tecnológica atual é resultado de

um período histórico de reestruturação global do capitalismo. A consequência desse período

já é visível pela nova sociedade emergente, que é capitalista e informacional. A complexidade

dessa nova economia, dessa sociedade e de uma cultura em formação deixa uma armadilha

que, efetivamente, nos tem aprisionado. Por isso, deixamo-nos iludir ao acreditar que a

sociedade é determinada pela tecnologia. Apesar das inovações tecnológicas pertencerem à

sociedade, não podemos aceitar a concepção de que elas estão sob nosso controle, conforme

podemos verificar nas seguintes ideias apresentadas por Castells (1999, p. 25):

Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema infundado, dado que a tecnologia é (grifo do autor) a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.

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Vemos, desse modo, que a sociedade não determina e também não é determinada pela

tecnologia, mas que a sociedade pode direcionar o seu desenvolvimento por meio do Estado.

Foi o que vimos no desfecho da Guerra Fria: um lado conseguiu potencializar os avanços

tecnológicos em poder dos órgãos governamentais, transmitindo-os à sociedade3; ao passo

que o outro, sem a mesma habilidade, sucumbiu.

Retomando a temática das redes técnicas, Dias (1995) faz uma revisão literária para

resgatar as origens do termo rede. Seu aparecimento remonta à primeira metade do século

XIX. A rede aparece como um conceito-chave para pensadores da época, especialmente

franceses, como Claude Henri de Rouvroy (o Conde de Saint-Simon)4 e seus discípulos. O

engenheiro e economista Michel Chevalier capturou o termo rede, em 1832, para designar as

relações entre comunicações e crédito. Para ele, as vias de transporte e os bancos possuíam

estreitas relações para a união material dos centros de produção da indústria. Assim, a rede de

bancos relacionava-se intrinsecamente com a rede de linhas de transporte. Nessa mesma

década, surgiram estudos com a finalidade de apontar a lógica acerca da existência de um

sistema integrado, por estradas de ferro e canais, e hierarquizado em redes de primeira ordem

e redes secundárias.

Em todos esses trabalhos está bastante explícita a apresentação do termo rede

referindo-se à propriedade da conexidade. Mas, foi Leon Lalanne quem primeiro teorizou

sobre o assunto, em 1863, ao buscar formular leis que indicassem a lógica das redes de

estrada de ferro. Assim, dedicado a elas, formulou o primeiro ensaio teórico de que se tem

conhecimento (DIAS, 1995).

3 Típico caso dessa transmissão de tecnologia do Estado para a sociedade ocorreu com a internet. Esta foi concebida pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DARPA) para barrar uma tentativa de controle ou destruição do sistema de comunicação norte-americano pela ex-URSS. 4 Filósofo e economista reformista francês que defendeu a criação de um Estado organizado racionalmente por cientistas e industriais. Suas ideias centrais ficaram conhecidas como sansimonismo, que teve vários discípulos. Também previu a industrialização da Europa e sugeriu a união entre os países para acabar com as guerras. NETSABER. Apresenta biografias de pensadores da Humanidade. Disponível em: <http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3192.html>. Acesso em: 26 jan. 2008.

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Em 1952, Monbeig (apud DIAS, 1995), ao retratar a atuação dos cafeicultores no

estado de São Paulo5, segue os passos dos franceses6 e revela a influência das redes

ferroviárias sobre a organização espacial. Dessa forma, Monbeig ratifica o que dissemos sobre

a importância das redes técnicas sobre a configuração do território, das formações da rede

urbana e de uma região.

Seguindo o curso da história, em 1955, o também geógrafo, Jean Labasse expôs que os

estudos sobre as ferrovias tinham sido substituídos pelos que se referiam aos bancos. A

essência desses trabalhos não modificou as abordagens relativas à organização espacial das

estradas de ferro. Ademais, a conexidade também marcava os trabalhos sobre a rede bancária

e sobre o fluxo de capitais.

Labasse e Monbeig foram os últimos a abordar sobre a interferência das redes na

organização do espaço. Após seus trabalhos, houve um esvaziamento nos estudos sobre o

crescimento ou sobre a multiplicação das redes. As exceções foram os inúmeros trabalhos

sobre rede urbana, até as últimas décadas do século XX (DIAS, 1995).

1.1.2 Redes: emergência de um conceito

De certo modo, o abandono dos estudos das redes por mais de uma geração –

permanecendo a investigação da rede urbana com urbanistas e geógrafos notadamente – fez

reduzir o tema ao espectro do arranjo e rearranjo (qualitativo e quantitativo) das cidades.

Acreditamos que essa visão foi dimensionada notadamente pelo vertiginoso crescimento

populacional e consequente processo de urbanização ocorrido na segunda metade do século

XX. Assim, o tema redes ficou circunscrito aos procedimentos de planejamento territorial. As

5 Trata-se da tese sobre os Pioneiros e Plantadores de São Paulo. Em seu último capítulo intitulado “Regiões ou Redes”, são demonstradas a participação dos capitais dos plantadores de café na formação das estradas de ferro e na toponímia das zonas de produção, por exemplo: Alta Araraquara, Sorocabana. 6 Referimo-nos aos pensadores franceses anteriormente citados.

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características fundamentais desse período foram de acordo com Dias (1995, p. 146): “[...] um

planejamento urbano especialmente fundiário e um planejamento dos equipamentos coletivos

essencialmente setoriais, implicando assim num quadro pouco propício a uma reflexão

transversal sobre as redes e sua territorialidade”.

Mas, por que as redes emergem com tal força na virada do milênio nos diversos

campos disciplinares, seja no seu uso pelos autores, seja pelos movimentos sociais? A

retomada da temática, para Dias (1995), tem a sua emergência estabelecida pelas imposições

das novas complexidades no processo histórico, decorrentes do século XX, culminadas com a

globalização:

A questão das redes reapareceu de outra forma, renovada pelas grandes mudanças deste final de século, renovada pelas descobertas e avanços em outros campos disciplinares e na própria Geografia. Neste novo contexto teórico, a análise das redes implica abordagem que, no lugar de tratá-la isoladamente, procure suas relações com a urbanização, com a divisão territorial do trabalho e com a diferenciação crescente que esta introduziu entre as cidades. Trata-se, assim, de instrumento valioso para a compreensão da dinâmica territorial brasileira (DIAS, 1995, p.149).

Os processos de múltiplas ordens7 necessitam, notadamente, de estratégias de

circulação e de comunicação. Daí a emergência das redes. A circulação cada vez mais

crescente de tecnologia, de capitais, de matérias-primas, de mercadorias e de pessoas, assim

como a comunicação entre os centros de decisão e entre estes e as localidades de produção

pressupõem uma organização e articulação entre os territórios.

Circular e comunicar é o destino das redes na atualidade e, ao que tudo indica, por um

considerável período. Para isso, elas têm de se adaptar não somente às variações do espaço,

mas também às mudanças temporais já ocorridas e que poderão ocorrer com a globalização8.

Desse modo, as redes tornam-se móveis e inacabadas. Isso faz gerar um movimento que

aponta para um processo de construção e desconstrução do espaço, articulada e gerida como 7 Entre esses processos temos: integração produtiva, integração de mercados, integração financeira, desintegração de fronteiras e exclusão espacial de várias sociedades do planeta. 8 Sobre globalização, admitimos o conceito do sociólogo Jacques Leenhardt (2001, p.95) que, conforme suas palavras: “A globalização não é um fenômeno que se possa analisar do ponto de vista só do espaço. Sem dúvida, é o processo de extensão a todo o planeta das redes de transporte, de comunicação e de comércio. Mas ela ganha uma dimensão política, econômica e social a integrar também o fluxo dos mercados financeiros e modifica assim também a nossa consciência do tempo.”.

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instrumento do poder. Seguindo esse raciocínio, a rede volta-se, então, para o território, posto

que este seja, nas palavras de Souza (1995, p. 78), “fundamentalmente um espaço definido e

delimitado por e a partir de relações de poder”.

Se as redes têm o poder de territorializar e desterritorializar o espaço, elas irão

privilegiar alguns lugares e abandonar outros, isto é, “[...] as redes são vetores de

modernidade e também de entropia [...]” (DIAS, 1995, p.154). Desse processo difundido pelas

redes surgem espaços habitados por massas de despossuídos ou os aglomerados de exclusão9

(HAESBAERT, 2006), como também pode haver regiões ganhadoras (BENKO e LIPIETZ,

1994) ou mesmo os meios de inovação10 (CASTELLS, 1999).

A relevância das redes é de tal vulto que Castells (1999) – no seu livro A sociedade em

rede, um dos estudos que melhor interpreta o mundo atual – centra suas análises na

Revolução Informacional e nas estruturas em redes das empresas. Para esse pensador, as

falhas de interpretação do mundo de hoje passam por querermos reduzir as transformações em

curso aos avanços tecnológicos. Esses avanços, de fato, ocorrem cada vez em maior

velocidade e não há como negar que a atual sociedade é permeada pela tecnologia, mesmo

que não seja explicada exclusivamente por ela. O que está em evidência é uma nova estrutura

que o capitalismo vem montando para se reproduzir. A sociedade, deste modo, tem uma nova

estratégia para lidar com uma economia e uma cultura embasadas na informação:

[...] o surgimento da economia informacional caracteriza-se pelo desenvolvimento de uma nova lógica organizacional que está relacionada com o processo atual de transformação tecnológica, mas não depende dele. São a convergência e a interação entre um novo paradigma tecnológico e uma nova lógica organizacional que constituem o fundamento histórico da economia informacional. Contudo, essa lógica organizacional manifesta-se sob diferentes formas em vários contextos culturais e institucionais (CASTELLS, 1999, p. 174).

9 Para Haesbaert (1995), o aglomerado de exclusão “[...] se associa então ao “não regulado/ordenado”, onde a imprevisibilidade é uma condição essencial e fica difícil conviver (“racionalmente”, pelo menos) com a lógica da geografia das redes e territórios.”. 10 O pioneiro a pesquisar os meios de inovação foi Philippe Aydalot. Esses lugares compreendem um conjunto específico de relações de produção e gerenciamento com base em uma organização social.

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A produção em massa da economia baseada no fordismo já não satisfazia as

necessidades do capitalismo, o que colocava em risco a sobrevivência das empresas. Estas,

por sua vez, necessitaram tornar-se flexíveis e aproveitarem a estratégia da formação das

redes. Contudo, atuar em rede foi insuficiente, pois a estrutura produtiva assim não era. Para

tanto, a própria empresa teria de tornar-se uma rede. Estrutura esta que se espalhou em todo o

mundo. Assim, nas palavras de CASTELLS (1999, p. 174):

[...] a experiência histórica recente já oferece algumas respostas sobre as novas formas organizacionais da economia informacional. Sob diferentes sistemas organizacionais e por intermédio de expressões culturais diversas, todas elas baseiam-se em redes. As redes são e serão os componentes fundamentais das

organizações (grifo do autor). E são capazes de formar-se e expandir-se por todas as avenidas e becos da economia global porque contam com o poder da informação propiciado pelo novo paradigma tecnológico.

A concepção atual de redes não perde a sua gênese, abordada anteriormente, para

expressar a conexidade. Os fluxos se estabelecem na e pela rede e são direcionados ou não a

certos espaços. A rede tem a capacidade de conectar alguns espaços, mas, por outro viés, pode

excluir. Os gestores das redes não são neutros. Eles repassam para as redes sua lógica, assim

como reproduzem sua estrutura socioeconômica para o território sob seu controle. Isto, na

maior parte das vezes, acirra as diferenças entre os espaços, de tal forma que podemos dizer

que a rede une, mas também desune.

1.2 A rede urbana

A rede urbana é apenas uma das facetas das redes. Nortear seu conceito é passo

obrigatório para o entendimento da organização da base produtiva e sócio-cultural dessa

faceta sob análise.

Historicamente, a rede urbana foi bastante pesquisada em seus mais diversos aspectos

contextuais e variadas abordagens, tanto em escala nacional como regional. No Brasil, o tema

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redes urbanas é privilegiado pelas ciências desde meados da década de 1950, com diversas

etapas de expansão e retração (FRESCA, 2004).

No contexto mundial, resultantes da necessidade de caracterização e de classificação

das cidades, as redes urbanas são estudadas para compreender o forte processo de urbanização

proveniente da Primeira e da Segunda Revolução Industrial, ocorridas nos atuais países

centrais. Assim, já nos anos de 1920, surgem os primeiros estudos sobre diferenciação de

cidades em termos funcionais (CORRÊA, 2006).

A temática em questão é um clássico para geógrafos e não-geógrafos, se levarmos em

conta as bruscas mudanças no modo de vida das sociedades com a industrialização. Diversos

campos do conhecimento buscam explicações e soluções para o processo de crescimento

urbano e suas consequências no cotidiano. Entretanto, percebemos empiricamente que esses

estudos privilegiam os grandes centros urbanos e, por vezes, as cidades médias. Sobre as

cidades menores, ainda é tímida a abordagem. Mas esse não é um fator que nos desanima ante

uma abordagem de parte da rede urbana transfronteira Brasil-Paraguai, considerando-se as

seguintes palavras de Corrêa (2006, p. 15):

Especialmente quando se considera um país de dimensões continentais, como o Brasil, onde a longa e desigual espaço-temporalidade dos processos sociais tem sido a regra e onde a rapidez e a intensidade da criação de centros e transformação da rede urbana são ainda notáveis no final do século XX.

Nesse viés, encontramos recente trabalho de Fresca (2004), A rede urbana do norte do

Paraná, sobre a refuncionalização de centros urbanos no norte-paranaense. Iniciativas como

essas confirmam que o tema está longe de se esgotar.

1.2.1 O cerne da rede urbana

O processo de urbanização tem uma grande significação para a produção e reprodução

do espaço. Essa evidência torna-se preponderante para o capitalismo. A cidade é o locus

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inicial e por excelência desse sistema, certo de que o mundo citadino não é uma invenção do

capitalismo, mas que este o incorpora como principal meio para seu surgimento e evolução,

de forma que as articulações entre as cidades são de vital importância para a sua

sobrevivência. A produção, a circulação e o consumo dos produtos se concretizam na e pela

rede urbana.

Se a cidade não é um produto originário do capitalismo, a rede urbana começa a tomar

corpo com a implementação desse sistema ainda em seus primórdios. Daí compreendermos

que a concepção de rede urbana passa, obrigatoriamente, pelo entendimento das relações

capitalistas de produção. Contudo, vemos que não há novidades nessa proposição, pois a

própria cidade teve e tem sua grande evolução por força do capitalismo.

Diante disso, conceituar rede urbana não se torna um grande esforço. Segundo Corrêa

(2006, p. 16), rede urbana é “numa definição mínima e inicial, o conjunto de centros urbanos

funcionalmente articulados entre si”. No entanto, sua inicial apreensão se contradiz com sua

realidade. Sua normatização e a tentação de criar modelos para a rede urbana subjugam a sua

espacialização. Cada malha de cidades tem, certamente, sua especificidade, em decorrência de

sua história, das características de sua região, de pertencer a um país desenvolvido ou não e de

outros tantos fatores.

As vias de abordagem do tema podem ser diferentes, mas não excludentes entre si. A

Geografia privilegia seus estudos, notadamente, tomando-se por base as diferenciações das

cidades, conforme os seguintes aspectos (CORRÊA, 2006):

• Funções dominantes – são abordagens clássicas que datam dos anos 1920 e

põem em evidência a divisão territorial do trabalho no âmbito da rede urbana;

• Dimensões básicas de variação dos sistemas urbanos – nestas destacam-se

características econômicas, demográficas e sociais entre as cidades. Essas abordagens tiveram

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como base teórica o modelo centro/periferia de John Friedmann. Aparecendo em segundo

plano a cidade como centro difusor do desenvolvimento;

• Relações entre tamanho demográfico e desenvolvimento – consideram a rede

urbana como um todo, destacando-se, assim, a ideia de primazia urbana;

• Hierarquia urbana – são os mais tradicionais e numerosos estudos sobre redes

urbanas. É fruto das análises sobre sua natureza (número, tamanho e distribuição). O

referencial teórico para a diferenciação hierárquica entre as cidades é a teoria das localidades

centrais de Walter Christaller. Redes dendríticas, mercados periódicos nos níveis hierárquicos

inferiores e circuitos econômicos são alguns dos estudos elaborados com base nessa via de

abordagem da rede urbana;

• Relações cidade-região – temática explorada especialmente pela escola francesa,

tornou-se a extensão da discussão cidade/campo. Interligam-se a outras vias, como as funções

urbanas, as características sociais dos habitantes, o tamanho e a hierarquia urbana. Nessas

relações, define-se a cidade como produto da região.

Estendendo-se o conceito da relação cidade-região, no trabalho interinstitucional

Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil: estudos básicos para a caracterização

da rede urbana (IPEA, IBGE e UNICAMP, 2001, p.339), encontramos suporte teórico

referente a essa relação: “A rede urbana pode ser também abordada do prisma entre cidade e

região [...] Essa abordagem pode ser considerada o prolongamento e a transformação

dinâmica da temática tradicional das relações entre cidade e campo [...]”. Essas relações são

frutos das profundas mutações do sistema produtivo e, sobretudo, da transformação da

sociedade rural numa sociedade urbana, ocorrida no último século. Os estudos regionais dão-

nos base para verificarmos que a rede urbana pode ser desvencilhada conforme as relações

entre cidade e região. Por meio dessas e de diferentes linhas de sua abordagem, inúmeras

contribuições foram dadas para o entendimento das relações no cotidiano das cidades.

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Para o enquadramento da problemática, da natureza e do significado de rede urbana,

Corrêa (2006) sugere a compreensão dos seguintes temas:

- a rede urbana como reflexo e condição para a divisão territorial do trabalho;

- as relações entre rede urbana e os ciclos de exploração com base na criação,

apropriação e circulação do valor excedente;

- as relações entre rede urbana e forma espacial;

- o caráter mutável da rede urbana (periodização).

Como orientação metodológica, Corrêa (1995) deixa claro que a rede urbana é uma

forma espacial numa determinada escala, assim como o são a casa, o bairro e a cidade. É a

materialização de uma relação socioeconômica no espaço ou o arranjo e o rearranjo de um

conjunto de objetos com um padrão espacial específico. Porém, a forma não é tudo. É apenas

a externalização dos fluxos e nós. Por isso, não podemos nos prender a essas saliências

aparentes do espaço. O autor indica que a investigação do espaço deve ser realizada, levando-

se em consideração algumas categorias de análise, são elas: forma - já explicitada, função,

estrutura e processo.

Quanto às outras categorias, resumidamente, o autor associa função à tarefa, atividade

ou papel do(s) objeto(s). Assim, a rede urbana tem funcionalidades que devem ser

identificadas. A estrutura remete-se à matriz social vigente, à natureza social e econômica

vivida pela sociedade (CORRÊA, 1995). Particularmente à nossa temática, fica fácil perceber

que a fronteira de hoje não é igual à de ontem, já que sua natureza histórica é diferente. O

processo é a estrutura em transformação. Por último, a forma é a visualização da própria

história por meio das suas rugosidades11.

Alertados, teórico-metodologicamente, não podemos cair na armadilha de limitarmos

nosso estudo sobre as articulações da rede urbana, numa região de fronteira, às aparências ou,

11 Rugosidades são heranças, isto é, formas herdadas do passado e cristalizadas no espaço.

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por outra via, abordarmos a essência sem considerar o contexto histórico e geográfico. A

ausência ou o pouco aprofundamento na análise do espaço, sob o prisma de suas categorias,

traz sérias distorções ao entendimento do objeto, pois, nas palavras de Santos (1985 p.52):

Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade.

Em outra obra, Corrêa (1989, p.48) especifica melhor a conexão entre estrutura,

processo, função e forma relativos à rede urbana:

A rede urbana pode ser considerada como uma forma espacial através da qual as funções urbanas se realizam. Estas funções – comercialização de produtos rurais, produção industrial, vendas varejistas, prestação de serviços diversos etc – reportam-se aos processos sociais, dos quais a criação, apropriação e circulação do valor excedente constituem-se no mais importante, ganhando características específicas na estrutura capitalista [...].

Podemos verificar que a hierarquia urbana e a especialização funcional da rede urbana

são definidoras de uma complexa tipologia de centros urbanos. Isto ocorre porque a rede

urbana reflete as vantagens e desvantagens de um centro em relação a outro, calcadas na

divisão territorial do trabalho. Por outro lado, a rede urbana também irá condicioná-la. Desse

modo, nas palavras de Corrêa (1989, p. 48) a rede urbana possui uma dupla vinculação,

constituindo-se “simultaneamente em um reflexo da e uma condição para a divisão territorial

do trabalho [...]”.

Detalhadamente, as redes urbanas dos países subdesenvolvidos são um prolongamento

das redes dos países desenvolvidos. Não podemos negar que nas diferentes escalas

geográficas haverá uma relativa autonomia interna das redes urbanas daquelas nações, mas

seu comando está nos países centrais. Nessa ótica, a rede urbana intermedeia os fluxos,

tornando-se parte da divisão internacional do trabalho. Por isso, reforçamos que a criação, a

apropriação e a circulação do valor excedente ocorrem na e pela rede urbana (CORRÊA,

1989).

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1.2.2 As redes de localidades centrais em primeira instância

Os trabalhos sobre rede urbana, em sua maioria, dedicaram-se a investigar número,

tamanho e distribuição das cidades, assim como, indiretamente, a natureza da diferenciação

entre elas. Conforme mencionado anteriormente, a via de abordagem da rede urbana mais

tradicional e numerosa é relativa à hierarquia urbana. Um dos clássicos no assunto, o livro de

Corrêa (1989) intitulado A rede urbana, traz bastante clareza sobre a amplitude da questão.

Esse autor apresenta uma breve gênese dos estudos sobre rede urbana.

Cronologicamente temos: a obra do banqueiro francês Richard Cantillon, em 1755, que

buscou otimizar o tempo e o espaço em seus negócios; em 1841, Jean Reynaud antecede em

quase um século a teoria das localidades centrais, fornecendo ideias bastante similares a esta;

Leon Lalanne, como visto anteriormente, esforçou-se em criar um modelo para a organização

espacial das linhas ferroviárias, em 1863. Mas, os grandes estudos sobre a hierarquia urbana

foram concebidos durante as décadas de 1920 e 1930. Foram revelados nomes importantes na

Geografia, na Sociologia e no planejamento urbano como Galpin, Kolb, Bobeck e Dickinson.

Porém há um consenso para o reconhecimento de que a teoria das localidades centrais, de

Walter Christaller, seja a mais completa obra sobre o assunto.

Publicada em 1933, a teoria das localidades centrais aplica o princípio da

racionalidade econômica no estudo da distribuição hipotética desses espaços e a definição das

áreas de mercado. A distância econômica ou o custo dos transportes representam o alcance

máximo de um bem ou serviço oferecido por um centro (RIBEIRO, 2002).

Essa representação no espaço ocorre por meio de círculos de demanda de bens e

serviços. O padrão locacional proposto por Christaller para um conjunto de localidades

centrais de mesma ordem resume-se à superposição dos círculos e à formação de regiões

complementares hexagonais, contíguas e idênticas, com o centro desta figura ocupada pelos

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núcleos urbanos mais desenvolvidos. A acomodação dos centros de igual nível nas arestas de

hexágonos concêntricos, em decorrência daquela superposição, corresponde ao modelo

teórico final.

Posteriormente, Corrêa (1997b) indica que a rede hierarquizada de localidades centrais

representa uma cristalização material entre locais de produção e locais de consumo no

território. Essa rede viabiliza a produção e a reprodução capitalista na estrutura territorial. Por

intermédio dessa rede territorial é que ocorre o fluxo de drenagem de capitais e produtos para

os centros de acumulação.

A rede hierarquizada de localidades centrais serve, também, para a reprodução das

classes sociais, segundo observado por Corrêa (1997b, p. 21 e 22) no excerto a seguir:

A rede de localidades centrais aparece também como uma estrutura territorial por meio da qual o processo de reprodução das classes sociais se verifica [...] A continuidade do processo de acumulação capitalista implica necessariamente a reprodução deste amplo espectro social, e esta reprodução se faz, em grande parte, através do consumo diferenciado de bens e serviços oferecidos pelas localidades centrais, diferenciação esta que não se refere apenas aos tipos (educação, saúde, automóveis, aparelhos eletrodomésticos, confecções etc.) como também à quantidade e qualidade dos bens e serviços consumidos.

Essa desigual capacidade de obter capital e produtos pelas classes sociais se

materializa e se cristaliza no espaço, no processo histórico. Por isso, visualizamos a rede

urbana como um arranjo espacial complexamente escalonado. A rede de localidades centrais

exerce, assim, duas funções primordiais: a ratificação do processo de acumulação do capital e

a reprodução das classes sociais.

Observação interessante faz George (1983) quanto à delimitação e à caracterização da

rede urbana. Para ele, o esboço de redes urbanas não se pode confundir com a presença de

hierarquia, especialmente a administrativa. Segundo George (1983, p. 229) “Para que haja

uma rede urbana, é preciso que existam diversas relações que estabeleçam ligações funcionais

permanentes, não só entre os elementos urbanos da rede, mas também entre estes e o meio

rural [...]”.

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A dificuldade em realizar essa distinção encontra respaldo na indicação de que as

zonas subdesenvolvidas do mundo são carentes de meios de comunicação e de instrumentos

de trocas, refletindo uma debilidade das redes urbanas nesses países (SANTOS, 1981). É

certo que esse pensador expôs suas ideias para contradizer os que não acreditavam numa rede

de localidades centrais existente nos países pobres. Mas, como esse mesmo autor enfatiza, a

questão passa pela existência de redes urbanas. Uma localidade central sempre estará conexa

à outra, porém, “É preciso concluir que, para as massas pobres, não existe rede urbana, ou,

mesmo, que ela não existe em nenhuma circunstância (à parte, é claro, a hierarquia

administrativa) porque não existem serviços acessíveis mais além de um nível rudimentar

[...]”. (SANTOS, 1981, p. 151).

Diante das ideias de Corrêa (1995 e 1997b) e levando-se em consideração as

observações de George (1984) e de Santos (1981), podemos afirmar que as proposições de

Christaller ainda são legítimas e dão suporte para o entendimento da rede urbana

transfronteira em estudo. Por isso, esta deve ser analisada primeiramente à luz do ideário das

redes de localidades centrais.

1.3 A fronteira como elemento de análise

A fronteira é um fato geográfico que remete a outras concepções na e pela sociedade.

Por isso, é, inegavelmente, um fato social. Daí ela ser material, já que está circunscrita no

espaço; limitando, separando, diferenciando, homogeneizando e, ainda, unindo, ao mesmo

tempo em que se torna moral.

No contexto europeu, a fronteira política foi divisa e suporte, razão de ser para os

Estados-nação, há bem pouco tempo. Hoje, a adoção de uma nova concepção de fronteira é

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imperativa para a própria sobrevivência do continente. Assim, seja na teoria, seja na prática,

ela é dicotômica e contraditória em seu espaço-temporalidade.

1.3.1 O caráter contraditório das fronteiras em um mundo contemporâneo

Abordar a temática fronteira torna-se um grande desafio, pois possui uma infinidade

de especificidades, passando por delimitar uma região estratégica até as possibilidades de

integração entre Estados-nação. Referentemente à última ideia, temos o processo de décadas

pela eliminação das fronteiras no continente europeu. O caminho da paz passa

necessariamente pela mudança na concepção de fronteira. Depois de duas guerras, que

praticamente destruíram a Europa e modificaram os arranjos geopolítico e econômico do

mundo, a União Européia surge como pauta em comum para as potências daquele continente

(RAFFESTIN, 2005).

O fim das fronteiras nacionais tem sido substancialmente uma das principais

características deste início de século. Isso acontece, em parte, por estabelecer-se uma nova

lógica espacial, que seleciona espaços previamente indicados para conectar as sociedades e os

territórios, formando uma lógica das redes. Essa noção, juntamente com a globalização12 e o

informacionalismo tem preponderado e orientado o comportamento de “tudo” e de “todos”

(LAMBERTI, 2006).

O tempo foi o primeiro a ser relativizado com os pressupostos das revoluções

industriais, nos séculos XVIII e XIX. Atualmente, e desde as décadas finais do último século,

é a vez do espaço também ser subjugado; afinal, esta é a maior marca da globalização. As

12 O conceito de globalização elaborado por Lamberti (2006) é bastante sintetizador e rico, pois vê nesse fenômeno a interação da expansão extraordinária dos fluxos (objeto de nosso estudo) internacionais de bens, serviços e capitais; com o acirramento da concorrência nos mercados internacionais; somados à interação entre os sistemas econômicos nacionais. As revoluções ocorridas na informática e nas telecomunicações e, de nosso ponto de vista, agregados a uma Nova Ordem Mundial, em que pese a supremacia do capitalismo e de seus defensores, validam e certificam o império da informação e do dinheiro.

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velocidades dos fluxos reduzem o espaço. Daí a lógica espacial das redes ser condicionada

pelos espaços de fluxos, organizando uma rede de relações para além das fronteiras (limites)

nacionais.

De fato, o afrouxamento ou a eliminação dos limites nacionais torna-se uma

premência para um novo século. Para isso, necessitamos entender a fronteira sob um outro

prisma. Além de uma materialização no espaço, a fronteira torna-se notadamente moral.

Como a moralidade é uma invenção da sociedade, ela passa a ser também um fato social.

Mas, não podemos esquecer as origens da categoria fronteira, ligadas ao conceito de limite,

regere fines, conforme a seguinte proposição de Raffestin (2005, p.10):

A fronteira vai muito mais além do fato geográfico que ela realmente é, pois ela não é só isso. Para compreendê-la, é preciso retornar à expressão “regere fines” que significa traçar em linha reta as fronteira, os limites [...] Assim uma fronteira não é somente um fato geográfico, mas também é um fato social [...].

O regeres fines sobressai-se especialmente na cultura ocidental, delimitando uma área

de segurança, transcrevendo-se no espaço, limitando a diferença, seja ela econômica, cultural,

religiosa, ideológica, psicológica, histórica, social, seja qualquer outra distinção. Daí

conforme observa Raffestin (2005, p. 11), ser possível dizer “que a concepção de fronteira

passa pelo entendimento da diferença ou tenha como berço esta”.

Infelizmente, nossa cultura reduz a concepção de fronteira, em particular, à

representação cartográfica, esquematizada pelas linhas coloridas ou pontilhadas nos mapas e

em cartas, reforçando a ideia do outro. Porém, é um erro grave reduzir a fronteira apenas a

essa concepção, haja vista que a fronteira transcende às convenções cartográficas. Afinal,

ainda segundo Raffestin (2005, p. 12):

A fronteira, portanto, é bem outra coisa e a história não pode ser interpretável sem ela, pois as sociedades foram sempre definidas pelas fronteiras que elas traçaram. Elas acompanham os movimentos dos povos e marcam as grandes viradas nas transformações das civilizações.

As ordens mundiais impostas pelos países europeus no colonialismo da América, no

neocolonialismo da África e da Ásia e, atualmente, na globalização comandada pelos países

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centrais deixaram, e ainda deixam, essa falsa impressão sobre a fronteira, negando todo um

passado e a vivência de outras civilizações.

A nova conformação política e econômica global induz o fortalecimento dos blocos

econômicos regionais. Para tanto, as fronteiras passaram a desempenhar papel fundamental

para o desenvolvimento nacional.

Contudo, a necessidade de integração imposta pelas estruturas de um novo século não

traduz a realidade das fronteiras brasileiras, conforme citam Costa e Gadelha (2005, p. 26):

Apesar de estratégica para integração sul-americana uma vez que faz fronteira com dez países, de corresponder a 27% do território nacional (11 estados e 588 municípios) e reunir aproximadamente 10 milhões de habitantes, configura-se como uma região pouco desenvolvida economicamente (grifo nosso), historicamente abandonada pelo Estado, marcada pela dificuldade de acesso a bens e serviços públicos, falta de coesão social, inobservância de cidadania e por problemas peculiares às regiões fronteiriças.

Se as fronteiras são elos que, na visão contemporânea, em potencial, servem para

estreitar os laços entre os países, o Brasil não está aproveitando essa vantagem crucial em um

mundo de mudanças de paradigmas. Reconhecemos que o viés economicista é fundamental

para a visão geral de um espaço. Sem querer entrar em discussões quanto à preponderância ou

não da economia, as fronteiras caracterizam-se particularmente pelo seu pouco

desenvolvimento econômico. Entretanto, não são os aspectos econômicos que acabam

excluindo as regiões fronteiriças, mas sim os aspectos políticos e sociais13.

Na visão de Wong-Gonzáles, as concepções de fronteira passam necessariamente por

duas linhas de abordagens: primeiramente, o apresentado até o momento, como possibilidade

de integração e complementaridade; numa segunda vertente a qual, em nossa visão,

predomina especialmente na América Latina, é a do limite político-jurídico concebido como

local de conflito e separação, conforme relatado a seguir nas palavras de Wong-Gonzáles

(2005, p. 156):

13 Não é intenção nossa debater a preponderância ou não dos aspectos econômicos sobre os políticos e sociais. Adotamos o pressuposto de que as fronteiras são os “últimos” espaços a receberem as atenções do Estado, mesmo para os militares, apesar de aí se encontrar o front. Por isso, a exclusão ocorre a partir dos aspectos políticos e sociais, mas é vista primeiro sob o aspecto econômico.

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Existen visiones opuestas sobre las relaciones e interaciones internacionales a escala fronteriza, ya sea vistas desde el gobierno central (federal), por un lado, y desde los estados o comunidades fronterizas por otro. En la actualidad, mientras que para la mayoría de las regiones o estados fronterizo la contigüidad geográfica es tomada como una oportunidad para incrementar los flujos comerciales y de servicios, la integración y la complementariedad económicas, para los gobiernos federales - por el contrario -, en general la línea fronteriza es vista como sinónimo de migración ilegal, contrabando y narcotráfico. Esta situación se agudiza em momentos de crisis económica, convulsión política, amenaza terrorista o de conflito bélico. Es decir, desde el punto de vista de los Estados nacionales, más que puntos de vinculación, tradicionalmente las regiones fronterizas han sido consideradas puntos de conflicto y separación.

A primeira ideia, alavancada pelo processo de integração nacional e globalização,

traduz a descentralização vista pelos estados e municípios que vivenciam a realidade

fronteiriça. As regiões transfronteiriças já existem funcionalmente, faltando que se

formalizem. Algumas iniciativas de oficialização dessas regiões já vinham sendo tomadas por

alguns estados do México e dos Estados Unidos, antes mesmo do Tratado Norte-Americano

de Livre Comércio (NAFTA), como a conurbação Tijuana (México)-San Diego (Estados

Unidos) (ANGUIANO-TÉLLEZ, 2005), região Sonora (México)-Arizona (Estados Unidos)

(WONG-GONZÁLES, 2005). Quanto a essa região econômica conjunta, o projeto Visão

Estratégica de Desenvolvimento Econômico da Região Sonora-Arizona (VEDERSA) visa

alcançar maiores níveis de complementaridade e competitividade nos mercados

internacionais, tratando-se de uma aliança estratégica ou de uma região associativa

transfronteiriça.

A região Sonora-Arizona, nos estudos de Wong-Gonzáles (2005), é apresentada como

uma localidade de simetrias e complementaridades. Há séculos, os estados mantêm vínculos

geopolíticos e econômicos em decorrência de suas histórias, de suas culturas e dos meios

ambientes bastante similares. O tráfego diário de pessoas, em decorrência das maquiladoras14

concentradas nas cidades fronteiriças, e os agronegócios, que funcionam como um cluster

regional transfronteiriço, constituem uma integração funcional e formal. Assim, as fronteiras,

14 Maquiladoras são empresas que importam peças e componentes de suas matrizes estrangeiras para que os produtos (como carros, computadores, aparelhos de som) sejam manufaturados (montados) - em geral, por trabalhadores que ganham um salário inferior ao daqueles que trabalham nas matrizes - para depois exportar o produto final para o país de origem da empresa ou para outros países em que o produto seja competitivo.

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para esse autor, são vistas como mediadoras de conflitos e novos espaços para a integração e

desenvolvimento dos Estados. Uma das alternativas para promover o desenvolvimento e a

colaboração transfronteiriça, reforçando o caráter das fronteiras como pontos de conexão, são

iniciativas como a do consórcio para a governança dessa região.

Numa visão panorâmica da fronteira entre os Estados Unidos e México, Piñeiro (2005)

afirma que o caminho mais oportuno, para se estudar os fenômenos fronteiriços desse local,

exige não apenas a observação da escala geográfica, mas, também, sua exploração de acordo

com o contexto geográfico15. As interações sociais, culturais, econômicas e demográficas

fronteiriças são particulares, distinguindo-se do restante do território do país estudado e

mesmo de outras fronteiras.

Em situação contrária às possibilidades de integração, surge a visão dos governos

federais, que entendem a fronteira como ponto de conflito e separação, assim como ameaça à

soberania política, econômica e sócio-cultural (migrações). Os controles da fronteira pelos

aparatos governamentais devem firmar nesse local a presença do Estado-nação. A visão da

fronteira como uma malha permeável à migração ilegal, ao contrabando e ao narcotráfico

prepondera, sobretudo para o país fronteiriço com melhores situações socioeconômicas.

O outro país é visto pejorativamente, conforme destacado por Piñeiro (2005, p. 412)

sobre as discordantes visões da fronteira pelos mexicanos e estadunidenses:

La frontera México-Estados Unidos es considerada en ambos países como un área

estratégica, en México esto se debe a su desarrollo social y económico y en Estados

Unidos se debe a su importancia en términos de su seguridad nacional. Las

principales ciudades fronterizas llaman la atención de ambos gobiernos en temas

relacionados con la migración internacional e indocumentada, conflictos

ambientales, escasez de recursos naturales, industria maquiladora, mercados

laborales, problemas sobre narcotráfico y asuntos relacionados con derechos

humanos. La mayoria de los problemas sociales, ambientales, políticos que se

presentan en estas ciudades fronterizas se convierten en problemas internacionales.

15 O contexto geográfico ultrapassa simplesmente a delimitação geográfica e reforça a ideia de que o mais acertado é falar fronteiras, devido às múltiplas facetas que esta apresenta.

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A fronteira com o México, numa visão centralizada, é percebida pelos Estados Unidos

como mazela. De igual maneira ocorre com o nosso vizinho Paraguai; há, no imaginário do

governo federal e da população, que não vive o cotidiano fronteiriço, a concepção de que a

maledicência vem daquele lado e da própria fronteira.

Ainda na concepção de fronteira como limite, Ribeiro (2002) afirma que a formação

do Estado nacional europeu esteve fortemente atrelada ao estabelecimento das fronteiras.

Também foi importante para o desenvolvimento do capital mercantil e para a formação de

mercados unificados e protegidos (protecionismo). O controle interno dos territórios,

realizado pelos senhores feudais e pelos incipientes burgos para fins aduaneiros, passa para os

limites externos do Estado e permanece até os dias de hoje.

As fronteiras (limites) são mutantes; a permeabilidade é relativa e até certo ponto

confusa, típica do período que estamos atravessando, conforme percebemos nas ideias de

Ribeiro (2002, p. 03):

No âmbito do sistema de estados nacionais, os limites devem atuar como filtros

(grifo da autora) aos fluxos internacionais. Nesse sentido, podem ser mais ou menos permeáveis – podendo inclusive ser dissolvidos no que diz respeito a certos intercâmbios – em função dos sistemas jurídicos internos que regulam as políticas aduaneiras, migratórias, sanitárias etc.

Relativamente ao reordenamento das fronteiras, em casos específicos como na União

Européia, Ribeiro (2002, p. 09) cita que:

No caso da União Européia, observa-se um “deslocamento” da fronteira, isto é, a transferência do controle sobre os fluxos (sobretudo de pessoas) para as margens

externas (grifo da autora) ao bloco, de forma a garantir, de um lado, a fluidez interna ao Mercado Comum no que tange aos movimentos de capital e, até certo ponto, da força de trabalho e, de outro, a “homogeneidade interna” via repressão da imigração ilegal.

Acrescenta, ainda, corroborando vários autores, que a fronteira como limite

internacional é uma convenção, com caráter jurídico da soberania e da competência territorial

de um Estado. Daí seu conceito ser remetido a metáforas como sinapse (da Biologia) e

interface (da Informática). Isso reforça a sua permeabilidade seletiva (filtros); faz adotar

novas indumentárias, ou seja, a concepção de fronteira como zona de comunicação e troca

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(conexão e interação) cria pontes entre nações e, por último, ajuda a eliminar as barreiras

físicas e psicológicas.

Essas considerações demonstram que o conceito de fronteira necessita ser revisto, em

razão das exigências de um novíssimo mundo, como nos mostra Ribeiro (2002, p. 05):

Mudanças recentes no sistema de estados nacionais, vulgarmente expressas no termo “porosidade” das fronteiras nacionais, ou na afirmação de que os estados nacionais estão sendo dissolvidos pela globalização, indicam que a funcionalidade dessa convergência conceitual precisa ser revista, pois o caráter dessas mudanças está gerando uma divergência entre a função política dos limites e a função econômica das fronteiras.

Entretanto, essa dita porosidade não acontece em toda a fronteira ou ocorre de maneira

aleatória e sem claras intenções. As “pontes” entre as nações atendem à lógica do capitalismo.

Para isso, são estabelecidas supressões ou diminuições dos instrumentos jurídicos válidos

isonomicamente no restante do território. Esses espaços (territórios especiais) são as já

conhecidas Zonas Francas, Zonas de Livre Comércio, Centros Financeiros Offshore e Zonas

de Processamento de Exportação.

Em termos pragmáticos, ou seja, políticas públicas realizadas pelo governo brasileiro,

a fronteira é contemplada pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) com

a intenção de promover a integração da América do Sul. Os objetivos centrais dessa estratégia

governamental, pelo menos no discurso, são a integração de zonas deprimidas para a

desconcentração da produção e renda no espaço, assim como o fortalecimento de integração

de logísticas de infra-estrutura no subcontinente americano.

Inserido no PNDR, temos o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira

(PDFF), existente desde fins da década de 1990. Este programa divide a faixa de fronteira em

três áreas denominadas Arcos (Norte, Central e Sul). O estado do Mato Grosso do Sul faz

parte do Arco Central, juntamente com Rondônia e Mato Grosso.

O desenvolvimento integrado das cidades-gêmeas é uma das três grandes linhas de

ação do PDFF, conforme destacado por Costa e Gadelha, (2005, p. 37): “entende-se que a

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nova ordem mundial identifica cidades contíguas como uma oportunidade de fortalecer e

catalisar os processos de desenvolvimento sub-regional e de integração supranacional [...]”.

Ao concebermos o pressuposto de que a cidade organiza a região, admitimos que as

possibilidades para o desenvolvimento das regiões transfronteiriças têm, na integração das

cidades-gêmeas, um grande poder de liderar esse desejado implemento espacial. Mais uma

vez, retornamos à aceitação do fortalecimento dos blocos e das relações regionais como

oportunidade de caminhar num milênio cheio de incertezas, como a globalização.

Em pesquisa sobre o turismo na fronteira, Paixão (2006) discorre que os fluxos

mundiais de bens, de serviços e de pessoas sofrem fortes reflexos das estruturas dominantes.

Assim, a visão de fronteira do período anterior à Segunda Guerra Mundial é diferente do das

décadas seguintes, marcadas notadamente pela bipolarização do mundo, distinguindo-se ainda

mais nestes tempos de globalização. Essas mudanças nem sempre são captadas de imediato

pelas sociedades e pelos seus estudiosos, ocorrendo uma lacuna entre o vivido e o percebido.

Por esses motivos, as ciências não captam instantaneamente as modificações socioeconômicas

e, assim, não pode ser diferente com relação à concepção de fronteira:

Ao considerarmos os avanços obtidos pela ciência nas últimas décadas do séc. XX, depara-se com uma constatação de que tal avanço não se constituiu de igual modo no que diz respeito aos estudos das fronteiras, inclusive pela ciência geográfica. Foi dado um tratamento bastante tímido a esse termo quando comparado a outros estudos do conhecimento humano; mesmo na Europa e nos Estados Unidos esses estudos são relativamente recentes, sendo muito mais ausentes e frágeis no Brasil (PAIXÃO, 2006, p. 66).

A historiadora Pesavento (2001) reconhece que as fronteiras são particularmente

simbólicas para o estabelecimento de representações que classificam, hierarquizam e limitam,

definidas pela diferença e alteridade com relação a outros. Acrescenta que elas não se

reduzem a marcos divisórios. As fronteiras representam a passagem, a comunicação, o

diálogo e o intercâmbio. Pela permeabilidade das fronteiras surge algo novo, tornando-se um

conceito.

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A fronteira, segundo Pesavento (2001, p. 8), é “[...] ambivalente ou bifronte, que se

compara como uma espécie basculante entre o encerramento e a abertura, entre o marco que

define e delimita e a janela ou porta que possibilita a comunicação”. Essa expressão

emblemática é o que caracteriza a condição de fronteira na virada para um novo milênio.

Inicialmente, então, temos uma lacuna, somado ao fato de que as fronteiras, querendo

ou não, foram relegadas à noção de limite por grande parte da sociedade mundial, em especial

a latino-americana. Acreditamos que, em parte, isso ocorre porque os avanços nas áreas

tecnológicas são mais perceptíveis, não sendo acompanhadas pela constatação de suas

conseqüências na sociedade e no espaço. Mesmo assim, os reflexos de um “novo mundo”

estão aí, presentes, visíveis e perceptíveis, convidando-nos a entendê-los.

Se a fronteira, por si mesma, já é bastante complexa, Pesavento (2001) acrescenta que

essa dificuldade aumenta quando se leva em consideração a presença de vieses da urbanização

como a conurbação, bastante característica na confusão das ruas e avenidas de Pedro Juan

Caballero e Ponta Porã. De certo modo, esse fenômeno requer uma explicação conceitual

bastante apurada.

A atual concepção de fronteira é vista, pela sociedade, como um todo, de modo muito

aproximado. Os militares, ainda carregados pelas ideologias do século XX, têm a fronteira

como um marco, um limite, reduzindo-a a front. O estado, em especial, por meio de seus

órgãos governamentais, possui uma visão também restrita, pois apenas amplia o fenômeno

fronteiriço para uma faixa ou zona, separando-a como uma região desconexa do restante do

país, relativizando as suas ações (PAIXÃO, 2006).

Essas observações nos deixam à vontade para reforçar que o mundo ainda está em

profunda e contínua transformação, como nunca foi visto até os dias de hoje.

Realizando um resgate histórico, de modo geral, as fronteiras até a Segunda Guerra

Mundial foram importantíssimas para a formação e consolidação dos estados nacionais. O

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limite deveria ser bem claro: uma nação não poderia sobrepor-se a outra. O território,

demarcado e legalizado, foi palco para a consolidação dos estados nacionais.

No pós-guerra, a fronteira adquire formato ideológico. O duelo capitalismo versus

socialismo produz profundas mudanças territoriais e, por conseguinte, altera o espaço

fronteiriço. Nesse período a fronteira marca, mais uma vez com a concepção de limite, o

espaço capitalista ou socialista, onde um se encerra e o outro começa, avançando sobre as

nações e o nacionalismo, que não perderam sua importância e, em muitos casos, até tenham

aumentado. Resumindo, de acordo com Paixão (2006, p. 68), as fronteiras “[...] passaram a

encerrar espaços territoriais de igual conteúdo ideológico, em exclusão a outros alinhamentos

[...]”. As consequências desse período para as fronteiras são conhecidas: maniqueísmos e

restrições na circulação de mercadorias e de pessoas (duas Alemanhas, duas Coréias, Cortina

de Ferro, por exemplo).

O atual período ainda está carregado de matizes das visões de fronteira anteriores. Os

militares ainda veem a fronteira como limite e marco da soberania, um front, neste novo

milênio. Os estados contemporâneos, perante os avanços tecnológicos, estão meio

desnorteados. Para o capitalismo atual, a fronteira não pode ser impeditiva para os fluxos,

sejam materiais (capitais, produtos, serviços e pessoas) ou imateriais (informações). Num

outro viés, as fronteiras ainda são necessárias. Por mais paradoxal que seja, ainda haverá

Estados-nação. Novas fronteiras surgirão e muitas outras antigas serão reforçadas, seja para

impedir o deslocamento das pessoas, seja para conter atos extremados como os do terrorismo

transnacional. Isso ocorreu notadamente a partir do 11 de Setembro e suas conseqüências

territoriais para o mundo. Essa confusão e desordem mundial acontecem em virtude da

porosidade que a fronteira adquiriu nos últimos anos, pois, analisando melhor essa

contradição, Oliveira (2003, p. 12) vê que o mundo:

[...] pode estar dando as costas para os processos desencadeados nos últimos anos consubstanciados no conceito de globalização multidimensional para retomar a velha temática política e estratégico-militar característica das relações internacionais

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interestatais, situação que recoloca os processos de integração regional como fundamentais nas relações internacionais pós-11 de setembro de 2001.

De qualquer maneira, a atual fase do capitalismo requer uma revisão do conceito de

fronteira e sua discussão, visto haver um destaque com a sua eliminação ou afrouxamento

crescente. Mas, há de se relembrar que a flexibilização das fronteiras somente ocorrerá em

locais onde haja interesse para o capital.

1.3.2 Fronteira: conceituando um termo complexo

Por mais que se possa contestar, conceituar fronteira não é um algo fácil de se fazer.

Embora não aparente complexidade ou dificuldade, o seu entendimento é palco de relações

contraditórias e nem sempre de simples visualização e percepção. Agrega-se a esse empecilho

a trajetória histórica de formação, evolução e a falsa impressão de seu desaparecimento nos

dias atuais.

Verificamos, na imensa parte dos estudos sobre fronteira, para não dizer em sua

totalidade, que a fronteira possui dois sentidos bastante definidos e divergentes: o de limite e

o de comunicação e interação, cabendo aqui outros tantos sinônimos e palavras afins. O

limite, que tanto se espalha, que está para acabar, pelo que parece, ainda tem fôlego na

refuncionalização, especialmente a de separar pessoas e mercados indesejáveis. As conexões e

relações fronteiriças também não estão tão abertas quanto desejamos (ou não). Elas ocorrem

em espaços selecionados, sobretudo por meio das cidades-gêmeas.

Para confirmar essa tendência, trazemos aqui algumas definições sobre fronteiras.

Raffestin (2005), uma das principais referências no assunto, entende fronteira como um

processo que ultrapassa a noção de fato geográfico, tornando-se um fato social, daí sua

criação ser inerente à sociedade. Para esse intelectual, ainda, a fronteira nasce da diferença e

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delimita o interior do exterior. Ao mesmo tempo, a fronteira é limite, materializada pelas

convenções cartográficas das linhas coloridas ou pontilhadas.

Assim, as fronteiras tomam vida, para logo se tornarem cicatrizes, pois são fáceis de se

ver e difíceis de se mover. Para tudo o que possui extensão e fim existem fronteiras. Por isso

que Abinzano (2005) as considera manifestações, simbolizações e materializações extremas.

Contudo, em se tratando de sociedades, somente as encontramos nas linhas de fronteira. Na

mesma direção dos autores citados, Dorfman e Rosés (2005) afirmam que, numa concepção

inicial do que seja fronteira, tem-se que todo objeto ou fenômeno cuja existência possua

extensão ou fim terá um término. Nesse ponto ou local está a fronteira:

No caso dos Estados-nação [...] fronteira é o espaço onde se entrelaçam as influências dos estados em contato [...] distingue os territórios estatais, mas não os torna estanques (grifo nosso), na medida em que fluxos de pessoas, objetos e informação cruzam constantemente o limite (DORFMAN e ROSÉS, 2005, p. 196).

Os olhares de cada pesquisador – com as suas distintas formações e nacionalidades,

seus inúmeros objetos de estudo, suas infindáveis localidades de investigação, nos mais

diversos períodos históricos e em tantas outras diferenças do ser humano e de suas relações –

nos enriqueceram com a temática fronteiras.

Esse suporte teórico recebido nos encoraja a fazer algumas considerações sobre a

fronteira. Talvez seja arriscado dizê-lo, porém, analisando a trajetória das fronteiras, podemos

afirmar que o capitalismo as comanda, o que se torna claro quando percebemos que a

fronteira (limite) forjou Estados-nação (assim como foi forjada), sendo ela mesma primordial

para o nascimento e crescimento do capitalismo. Depois, no mundo bipolar, o sistema do livre

comércio usa a fronteira para sufocar sistemas competitivos e de ideologias antagônicas. Por

último, nos dias atuais, para se manter hegemônico, o capitalismo rompe barreiras onde lhe

convém e as mantêm fechadas, também, onde lhe seja conveniente. Por isso, acreditamos que

a fronteira não apenas está a serviço do capital como também denuncia a sua presença .

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1.3.3 A fronteira ameaça a soberania dos Estados-nação ou as fortalece?

Visto que a discussão sobre o pretenso fim da soberania afeta, em maior ou menor

grau, os Estados-nação, nesse sentido, as fronteiras são ponto central e sua abordagem não

pode ser negligenciada. Assim, a discussão sobre o conceito de fronteira também passa,

obrigatoriamente, pela questão da soberania. Está bem claro que, por meio dos vertiginosos

processos de regionalização e de globalização, somos levados a acreditar que o papel dos

Estados nacionais vem sendo substituído pelos organismos supranacionais e pelas

corporações transnacionais. Porém, há atitudes contrárias a esse pensamento. Se por uma

vertente, a globalização permeia as fronteiras, eliminando barreiras ao fluxo de bens e

capitais, por outro lado, o que verificamos é o aumento de investimentos de capital físico e

político, para o controle dos fluxos migratórios destinados, especialmente, aos países centrais.

Temos testemunhado essa ocorrência no NAFTA, na vigilância dos migrantes latino-

americanos pelos Estados Unidos, assim como com os africanos e os moradores do Leste

Europeu que rumam para o lado ocidental, conforme constatamos, a seguir, nas palavras de

Riquelme (2005, p. 55):

Assim, paralelamente à implementação do Tratado de Livre Comércio (TLC) ou NAFTA [...] existe uma barreira cada vez mais fortalecida contra a livre circulação dos imigrantes especialmente do México para os Estados Unidos. Esse e outros exemplos são utilizados pelos críticos da globalização para demonstrar que o estado não “está em retirada”, mas pelo contrário. Os investimentos para um maior controle da fronteira mais parecem indicar que o estado está de volta.

Esse autor conclui que a soberania não está em extinção; apenas acrescentou-se a essa

categoria o componente reciprocidade. Na União Européia, modelo de bloco regional, a perda

de parte da soberania pelos países integrantes não significa renúncia, dos mais fracos, a sua

autodeterminação, ou mesmo, vassalagem pelos mais desenvolvidos. Quanto a essa ideia,

Riquelme (2005, p. 56) enfatiza que “A conjuntura mundial impulsiona a formação dos pactos

regionais integradores, que exige dos países a substituição da noção estática e onipotente de

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soberania por uma concepção mais dinâmica, com ênfase no componente de reciprocidade

(grifo do autor)”.

Santos (2001) afirma que, em muitas análises sobre as interferências e consequências

da ação da globalização sobre a soberania das nações, nem sempre são tiradas conclusões

acertadas. Por isso, surgem proposições como a desterritorialização, fim das fronteiras e a

morte do Estado. Para ele, a soberania está longe de se esvaziar. A globalização adicionou ao

território nacional a economia internacional, tornando-o, de certo modo, dependente desta. O

mais interessante de tudo isso é que os grandes mediadores são os Estados nacionais,

conforme as ideias expostas por Santos (2001, p. 76 e p.77):

[...] Com a globalização, o que temos é um território nacional da economia internacional, isto é, o território continua existindo, as normas públicas que o regem são da alçada nacional, ainda que as forças mais ativas do seu dinamismo atual tenham origem externa. Em outras palavras, a contradição entre o externo e o interno aumentou. Todavia, é o Estado nacional, em última análise, que detém o monopólio das normas, sem as quais os poderosos fatores externos perdem eficácia [...].

Então, falar do desaparecimento das fronteiras é descabido. Mesmo assim, não

podemos afirmar que a globalização em nada afeta a soberania. Está bastante claro que as

fronteiras tornaram-se porosas diante do avanço do capitalismo em todas as partes do mundo.

Isso requer uma nova concepção não só de soberania, mas, também, de fronteira.

Conquanto Riquelme (2005) analise a interferência da globalização sobre a soberania

como algo que agrega, dando origem à reciprocidade e Santos (2001) enxergue a questão

como um jogo de forças antagônicas, reforçando as contradições, os dois autores concordam

com o não-desaparecimento da soberania. Daí podermos afirmar que o Estado ainda é o

senhor do território, ratificado pelas seguintes ideias de Santos (2001, p. 77):

Ao contrário do que se repete impunemente, o Estado continua forte e a prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais dispõem de força normativa para impor sozinhas, dentro de cada território, sua vontade política ou econômica [...] É o Estado nacional que, afinal, regula o mundo financeiro e constrói infra-estruturas, atribuindo, assim, a grandes empresas escolhidas a condição de sua viabilidade. O mesmo pode ser dito das instituições supranacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Nações Unidas, Organização Mundial de Comércio), cujos editos ou recomendações necessitam de decisões internas a cada país para que tenham eficácia.

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A cessão de partes desse poder – que se denomina soberania – no fundo, são fichas

postas para entrar ou continuar no grande jogo da globalização. O que acontece é que uns

países apostam mais, ao passo que outros apostam menos. O certo é que quanto mais se cede,

menos soberano o país se torna. Contudo, concordamos com a visão de Santos (2001) de que

não existe apenas o caminho da passividade; por isso a sua luta intelectual, como sugere o

título de sua obra Por uma outra globalização.

Acreditamos, também influenciados por Santos (1997), que o debate sobre a

diminuição da soberania do Estado se submete à nova lógica das redes. Recordemo-nos,

conforme abordagem teórica da emergência das redes, que a atual lógica organizacional está

relacionada com os avanços tecnológicos em curso, mas não se confunde com estes. A

racionalidade técnica não descartou o Estado, apenas necessita menos dele.

1.3.4 Uma abordagem de fronteiras sob o prisma da região

A nosso ver, as respostas que procuramos passam, também, pela discussão do conceito

de região e regionalização, bem como pelas análises das relações entre cidade e região.

Reconhecemos que região é um conceito-chave para geógrafos e não-geógrafos, quando esses

incorporam a dimensão espacial em suas pesquisas. Porém, a sua abordagem aprofundada

ultrapassa os objetivos deste trabalho. Reconhecidamente, discorrer sobre região é uma tarefa

delicada, conforme nos sinalizam vários autores: para Corrêa (1995), a complexidade do

conceito de região levou muitos autores a pregar a perda de valor dessa categoria de análise,

ou mesmo o seu desaparecimento, por muitos outros. Geiger (1969) indica que o

entendimento de região, à primeira vista, parece fácil, mas, em sua opinião, é o mais

complexo assunto geográfico; Bezzi (2004, p. 241) considera que “[...] a própria palavra

‘região’ torna os geógrafos prisioneiros de um problema complexo e [...] falar de região é

caminhar em um terreno cheio de labirintos e de armadilhas epistemológicas”.

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Contribuição semelhante, sobre as complexidades dos conceitos de fronteira e de

região, Paixão (2006) nos dá, ao destacar que este último termo é bastante utilizado no senso

comum e, de certa forma, demonstra intencionalidades, utilizado de modo amplo. A facilidade

da aceitação do termo região apoia-se, de acordo com esse mesmo autor (2006, p. 103 e 104),

na sua apropriação e utilização como: “[...] designação que estabelece a diferenciação entre

diferentes lugares vividos, informados ou imaginados [...]”. Conforme esse pesquisador,

ainda, temos as seguintes considerações:

Se o estudo das fronteiras apresenta-se complexo como objeto de investigação acadêmica, sua associação ao termo região só faz aumentar tal complexidade em todas as instâncias e situações imaginadas, do senso comum ao meio técnico ou político, do plano empírico ao teórico. Desse modo, a composição terminológica região e fronteira abrem uma gama de possibilidades de análise em conformidade aos objetivos pelos quais são evocadas a cada espaço-tempo (PAIXÃO, 2006, p.103).

Por meio dessa contribuição podemos afirmar que, quando se aborda o conceito de

região, referindo-se à região de fronteira, fica explícito a que estamos nos referindo. Porém,

temos de reconhecer que a região, por si mesma, não se basta e também não se explica.

Denota, portanto, uma inconsistência, em nossa opinião.

Encontramos, em Yázigi (2001, p. 30-31), uma explicação para a transitoriedade do

conceito região, ligada às origens desse termo:

A taxionomia começa a se desenvolver com o naturalista sueco Carl Von Linné (1707-1778). Efetivamente, as grandes navegações do Renascimento revelaram novos mundos de plantas e animais que a ciência, florescente, precisava classificar [...] Logo se percebeu que um único traço não era suficiente para constituir uma região; por isso se passou à prática de adjetivar o vocábulo para qualificá-lo: região natural, histórica, econômica, administrativa e assim por diante [...]

Há uma transitividade nesse conceito, o que talvez seja a sua grande riqueza e, ainda

assim, a sua utilização no senso comum é palco de pesquisas e discussões no meio acadêmico,

especialmente na Geografia. Por isso, o conceito requer um complemento, no nosso caso, a

região fronteiriça.

Mas, para não omitirmos palavras sobre esse conceito, reforçamos que, atualmente, a

cidade é a grande indutora do desenvolvimento na e da região. A região não pode ser mais

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vista como uma realidade viva, com coerência interna e estanque, formando um sistema

fechado. Os estudos regionais pós-modernos, como a região fronteiriça, deverão levar em

consideração a heterogeneidade, a diferença e a coesão funcional e político-simbólica,

constituindo um sistema aberto. As regiões são espaços determinados arbitrariamente segundo

exigências metodológicas específicas, tal como deixa transparecer essa ideia de Abinzano

(2005, p. 114), “[...] no se trata de regiones geográficas sino de espacios humanizados.

Donde lo que importa son las relaciones entre personas e coletivos sociales [...]”.

As interações entre duas sociedades, política e juridicamente falando, que ocupam

ambos os lados de uma linha de fronteira, formam uma especificidade inegável, que chega a

formar, de fato, uma sociedade ímpar e complexa. Essas inter-relações se manifestam,

essencialmente, no núcleo mais denso e significativo. Desse modo, mesmo não analisando o

conceito de região, por critérios metodológicos escolhidos para esta pesquisa, a sua concepção

inicial permite aferir que o estudo das cidades, no caso específico, as conurbações

transnacionais ou cidades-gêmeas, é o caminho mais válido para compreender a região

fronteiriça, segundo Abinzano (2005, p. 116):

[...] Ahora bien, es necesario insistir que la región de frontera es um espacio determinado por las acciones humanas y no por sus propias características físicas, pero también, es imprescindible tener en cuenta todas las características físicas de el medio ambiente, la topografia, los recursos naturales, el clima, etc. Y las infraestruturas disponibles como caminos, transportes, comunicaciones, puente etc.

Falar de fronteira é complicado – quando o mais apropriado seria designarmos

fronteiras; abordar região somente faz sentido se associarmos a esta os múltiplos significados

e horizontes das fronteiras. Existe uma identidade fronteiriça que é formada pelas atividades

econômicas, sociais e culturais que se estabelecem no contato entre os Estados. O cotidiano, o

lugar16, faz a região de fronteira.

16 Conforme exposto pela Profª Dr Cleonice Gardin, por ocasião da qualificação desta pesquisa, o termo lugar traz consigo a ideia de singularidade. É neste sentido que buscamos empregá-lo.

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Vista de perto, por meio da descentralização, numa escala local ou regional, a fronteira

possui sentido amplo e de integração. Somente assim poderá ser analisada como uma região

não estanque, porque, de acordo com Dorfman e Roses (2005, p. 197), “A população

fronteiriça desenvolve práticas que se especializam e apresentam semelhanças em ambos os

lados da linha, o que pode ser entendido como a formação de uma região: a região fronteiriça

[...]”. As práticas cotidianas específicas de cada lado da fronteira constituem uma base

comum, é nelas que as influências das comunidades dos Estados em contato se entrelaçam,

conforme a seguinte afirmação de Dorfman e Roses (2005, p. 196 e 197):

A fronteira distingue os territórios estatais, mas não os torna estanques, na medida em que fluxos de pessoas, objetos e informação cruzam constantemente o limite. Na fronteira criam-se possibilidades de atividades econômicas, atraindo população, inclusive de origens diferentes daquelas das nações em contato, a descontinuidade e justaposição das normas nacionais sendo a origem dessas possibilidades.

A região fronteiriça vai modificar sua funcionalidade com as transformações nas

estruturas mundiais. No Sul do Brasil, a fronteira, ainda no século XIX, é tomada como um

espaço articulador de resistências sócio-políticas, com funções estratégicas de obstáculos ao

avanço e ações de territorialidades dos Estados-nação. Hoje, as fronteiras são áreas

privilegiadas de contato e de entrelaçamento político, tornando-se um espaço simbólico de

convergências culturais. Desse modo, constituem um palco de uma forte relação entre espaço

geográfico e identidade.

O conceito de região e as reflexões sobre ela contribuem por afirmar que não é a

região sozinha e, sim, a região fronteiriça, que tem servido como termo aglutinador de

espaços como zona fronteira, faixa fronteiriça e mesmo a fronteira. A região fronteiriça

sintetiza todos esses espaços como um único lugar, onde se encerram vivências, identidades e

aspirações. Acreditamos que, apesar de todas as críticas relativas a esse conceito, nas relações

fronteiriças, ele tem respaldo suficiente para poder caracterizar e esmiuçar a fronteira ante as

exigências deste novo século, cheio de incertezas e contradições.

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Como acrescentamos à discussão os termos “faixa de fronteira” e “zona de fronteira”,

afirmamos que existe uma diferença bastante relevante entre elas (Figura 4).

A primeira pode ser entendida como uma linha geopolítica estipulada em acordos e

tratados, constituindo uma realidade concreta. São áreas convencionadas, referidas sempre a

um espaço definido, estabelecido pelos países ou outras formas de organização política

segundo as normas do direito internacional, leis e constituições dos envolvidos (ABINZANO,

2005, p. 114).

Relativamente ao nosso país, a faixa fronteiriça é estabelecida em 150 km de largura

paralela à linha divisória, conforme previsto na Lei nº 6.634, de 02 de maio de 1979 e

confirmada pela atual Constituição Federal. No lado paraguaio, a faixa de fronteira de nossos

vizinhos é bem menor, 50 km ao longo das fronteiras; porém, não se encontra devidamente

promulgada e regulamentada. Ressalta-se que, no lado brasileiro, os ideais da segurança

nacional marcam profundamente a concepção de fronteira.

Figura 4 - Quadro de Diferenciação entre Faixa e Zona de Fronteira. Fonte: MACHADO, L. et al., 2005, p. 96.

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A segunda, a zona fronteiriça é mais abrangente, menos formal (político-jurídico),

carregada de matizes e interações econômicas e culturais próprias, caracterizada por uma

paisagem específica. Os fluxos e interações transfronteiriças constituem um espaço social

transitivo. A zona de fronteira aproxima-se, ainda, da atual concepção de região, como um

‘sistema aberto’, dotado de coesão funcional e de identidade político-simbólica (MACHADO,

2005, p. 95).

Resumidamente, a zona de fronteira apresenta um conjunto de múltiplas relações

econômicas, sociais, políticas, culturais, pessoais, trabalhistas e muitas outras que se

estabelecem num espaço transnacional. Numa outra vertente, a faixa de fronteira é rígida,

associada aos limites territoriais do poder do Estado.

1.4 A simultaneidade fronteira–rede urbana

Se por um lado a rede urbana ainda é uma temática atual, abordá-la numa zona

transfronteiriça torna-se um grande desafio.

Precisando examinar a relação rede urbana–fronteira, resgatamos o entendimento de

que a fronteira, inicialmente, tem duas concepções: fronteira política (limite) e fronteira

socioeconômica. Acreditamos que se inserem outras concepções como fronteira social,

fronteira cultural, fronteira informal, fronteira lingüística e tantas outras. No entanto, vamos

nos limitar às duas primeiras. É bem claro que a fronteira política não delimita a fronteira

socioeconômica. As cidades, de ambos os lados da fronteira, se relacionam como vasos

comunicantes e, em muitos casos, se miscigenam, formando verdadeiras redes urbanas

internacionais e cidades centrais, por vezes, em cidades-gêmeas - no caso deste estudo, a

conurbação Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai).

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Os processos de controle (jurídico, político e administrativo), dominação (econômico e

social) e apropriação (cultural e simbólico) do espaço geográfico não obedecem aos limites e

propósitos dos Estados-nação. Desse modo, sabemos, com clareza, que a fronteira, ao ser

abordada separadamente, já é algo específico, por ser um espaço de transição e requerer um

grande detalhamento. Essas particularidades se multiplicam, pois a essa condição somam-se o

caráter internacional, o processo de conurbação e o das ligações e relações entre cidades (rede

urbana).

Segundo Machado (2005, p. 92), os estudos das relações fronteiriças requerem a

abordagem da noção de rede e, em nossa opinião, a de rede urbana, por ser um conceito

essencial para a compreensão e entendimento da organização da base produtiva e sócio-

cultural.

Ao interpretar a fronteira sob a ótica das redes surgem duas questões: a relação

território-rede17 e a oposição rede-enclave. A articulação e a desarticulação territorial

dependem fundamentalmente das redes. Assim, para Machado (2005, p. 92) “[...] a

organização territorial em rede, ao englobar desde a rede urbana até as redes decisórias,

sociais, culturais, políticas, tem poder explicativo importante para a compreensão das

territorialidades [...]”. Desse modo, rede e território não são contraditórios. Pelo contrário,

tornam-se conceitos complementares e interdependentes. Visto desse ângulo, existe, sim, uma

articulação transfronteira entre o Brasil e o Paraguai.

Os fluxos comerciais, de técnicas, sócio-culturais e informacionais não se anulam e

não são impedidos de acontecer pelo território, na sua complementaridade, superposição e

hierarquias nacionais ou transnacionais. Alguns percebem a oposição entre território e rede,

em razão da contraditória visão de permanência e independência do primeiro versus

efemeridade e dependência do último.

17 Apesar deste conceito permitir um aprofundamento maior, conforme indicado por Fabrício Vázquez durante a apresentação desta dissertação, nossa intenção é demonstrar que território e rede não são antagônicos entre si.

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Nas relações fronteiriças Brasil-Paraguai, é interessante observar que nosso país, na

visão de pesquisadores não-brasileiros e brasileiros, reproduz a exploração econômica que

tanto sofremos dos países centrais. Dessa forma, o setor enclavado paraguaio, a região

fronteiriça, passa a ser uma continuidade, economicamente falando, do Brasil, pois as

decisões relativas ao investimento e à circulação de capital são tomadas aqui.

De acordo com Riquelme (2005, p. 57), “começavam e terminavam no país central,

depois de passar pelo país periférico, onde somente ficavam as partes correspondentes aos

impostos e salários do pessoal local”. O autor denuncia que há enclaves de prósperos

migrantes brasileiros no Paraguai, concentrando-se na região fronteiriça, constituindo um

espaço regional específico. Esses espaços econômicos afetam os componentes sócio-políticos

e culturais das comunidades dos distritos limítrofes ao Brasil.

Entretanto, a concepção de enclave é repudiada por outros autores, que veem-na

associada ao estudo do território como um equívoco. Se para Riquelme (2005) o

entendimento da ocupação da região fronteiriça por capitais e pelos migrantes brasileiros (os

brasiguaios18) pode ser explicada pela noção de enclave, para Machado (2005, p. 91 e p. 92),

o território fronteiriço paraguaio, ao se distinguir do restante do país e se identificar

econômica e sócio-culturalmente com o nosso, reforça o papel das redes no mundo atual:

A terceira noção que norteou o trabalho é a de rede (grifo dos autores). Embora com freqüência vista como modismo por setores da comunidade científica, ou mesmo pelos especialistas em marketing, a noção de rede é fundamental para o entendimento da organização da base produtiva e sócio-cultural. É igualmente eficaz para eliminar do vocabulário do desenvolvimento econômico local e regional a infeliz noção de “enclave”. Lugares e territórios cuja base produtiva se diferencia do entorno podem ser mais bem entendidos através da noção de rede. A vida das cidades da faixa de fronteira, por exemplo, não importa se situada ou não na divisória internacional, com freqüência depende mais de interações com espaços não-contíguos do que com o espaço adjacente.

Retomando a discussão da lógica das redes, concebemos, inicialmente, que essas

interconexões entre as localidades, no processo de globalização em marcha, ocorrem, quase

18 O termo brasiguaio não é totalmente aceito pela comunidade científica. De um modo geral, designa os migrantes brasileiros e seus descendentes, nascidos ou não em território paraguaio, que ocupam sobretudo as cidades próximas à fronteira.

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que exclusivamente, entre as ditas cidades globais. Entretanto, a realidade dos territórios é

bem diferente: eles não deixam de existir ou ficam reduzidos a meros agentes passivos de um

ordenamento maior. Cada ponto, no território, onde ocorram relações socioeconômicas possui

certa articulação (qualitativa e quantitativa) que insere essa localidade a uma rede de lugares,

segundo uma lógica intencional e pré-definida. Assim, concordamos com Lamberti (2006, p.

32), quando afirma que “[...] o lugar mais simples é centro de uma periferia engendrando uma

rede mais fina (grifo da autora) [...]”.

Desse modo, algumas cidades se destacam em relação a outras por mérito, fazendo um

ciclo em espiral. Os tempos e as localidades jamais se repetirão, apesar de haver uma ordem

para que as infindáveis relações entre as pessoas (atitudes e comportamentos, sobretudo os de

consumo) e as sociedades sejam homogêneas. O círculo, em particular econômico, entre as

cidades cria funcionalidades e hierarquias que desembocam nas redes – no caso deste estudo,

nas redes urbanas, podendo ser notáveis, como as formadas pelas cidades globais e

microeconômicas (rede mais fina), conforme destacado por Lamberti (2006), ou, ainda, na

interpolação das fronteiras, no caso as cidades-gêmeas e sua área de atuação.

O ponto em comum entre todas essas escalas geográficas encontra-se no fato de que há

uma única lógica, que recorta os mais distintos espaços, com o fim de obter o equilíbrio

espacial. Por mais que possa parecer contraditório, o que impera é o desequilíbrio, de acordo

com a seguinte observação de Lamberti (2006, p. 34): “[...] o espaço organizado em redes é

descontínuo e fragmentado, dinâmico e instável: ilha de prosperidade versus mar de atraso.”.

Destarte, essa autora repudia a existência de enclaves nas regiões fronteiriças,

conforme defendido por Riquelme (2005). No fundo, há uma lógica territorial que irá fazer

que, nestes novos tempos e espaços, haja uma apropriação das regiões fronteiriças, visto que,

nas redes, nenhum espaço pode ser desprezado. Todos os espaços têm uma função e, de uma

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forma ou de outra, estão inseridos na globalização, mesmo que como reserva de meios de

produção e/ou mercados consumidores.

Pelo que parece, o termo enclave não é bem aceito no meio acadêmico, como suporte

suficiente para explicar e justificar a peculiaridade dos espaços fronteiriços. Vem de longa

data o reconhecimento da especificidade da região de fronteira. Conforme nos relata Ribeiro

(2002), Christaller, nos estudos sobre as localidades centrais, nas primeiras décadas do século

XX, apresenta uma lógica para as cidades-gêmeas. Esses núcleos urbanos se complementam e

exercem uma dada importância em relação a sua região. Neles não há a sobreposição de uma

cidade sobre a outra, já que não ocorre a repetição na oferta de determinados bens e serviços.

Outro fator que dá certa vantagem à cidade-gêmea é a continuidade física ou a ligação

geográfica próxima e facilitada, que pode reforçar a sua vocação para a articulação. Desse

modo, analisando a situação da América do Sul no que se refere à integração, em especial no

MERCOSUL, os maiores avanços de solidariedade nos campos políticos, sociais, espaciais,

culturais e econômicos ocorrem nas cidades-gêmeas. Disso pode-se concluir que “O

argumento de Christaller é bastante atual [...]” (RIBEIRO, 2002, p. 20). Essa sinergia que as

cidades-gêmeas apresentam torna uma localidade central com uma determinada centralidade

qualitativa e quantitativa, nas redes urbanas regionais e nacionais de seus países, assim como

na escala internacional.

As interações espaciais na região de fronteira brasileira-platina, grosso modo, ocorrem

por motivos estruturais e conjunturais, notadamente. Os fluxos de pessoas, bens, serviços e

informações visíveis (formais e funcionais) e invisíveis (ilícitas) constituem a lógica estrutural.

A ordem conjuntural é decorrente das flutuações monetárias e da oscilação das mercadorias

produzidas na região, segundo Ribeiro (2002, p. 20):

[...] em termos dos fluxos econômicos, as interações espaciais na zona de fronteira brasileira-platina derivam de duas ordens privilegiadas, ambas operantes em múltiplas escalas. Em primeiro lugar intervém uma lógica estrutural na qual o grau de complementaridade entre as unidades geográficas com aptidões e produções diferentes, anima os diversos fluxos de pessoas, bens, serviços e informações, tanto

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visíveis (legais) como invisíveis (contrabando). De outro lado incide uma ordem conjuntural, representada por flutuações monetárias (câmbio), que engendram movimentos turísticos excepcionalmente grandes, e pela variação dos preços de produtos, principalmente agrícolas, que engendram uma oscilação na direção do movimento de cargas.

Como os fatores são complexos e bastante abertos, próprio da fronteira, os fluxos são

instáveis.

1.5 O mérito das cidades-gêmeas nos espaços fronteiriços

As sociedades de fronteira possuem uma especificidade inegável. Os seus agentes

sociais formam um cenário de interações dentro do território das redes. As cidades, núcleos

mais densos e representativos da região fronteiriça, formam uma rede, cujo estudo torna

necessário utilizar metodologias que dêem conta da complexidade e dinamismo que as

constituem. Por isso, a região fronteiriça se define em especial por seu núcleo central. Daí a

estratégia de quase toda a totalidade dos pesquisadores da fronteira concentrar seus esforços

nas cidades-gêmeas, onde melhor são esboçadas as interações das sociedades

transfronteiriças.

Cidades-gêmeas são pares de centros urbanos, frente a frente, em um limite

internacional, conurbados ou não, que apresentam diferentes níveis de interação: fronteira

seca ou fluvial, diferentes atividades econômicas no entorno, variável grau de atração para

migrantes e distintos processos históricos (DORFMAN e ROSES 2005).

Por que as cidades-gêmeas foram contempladas pelo poder público, para promover o

desenvolvimento regional? Para Costa e Gadelha (2005) essas conurbações são as mais

sensíveis a questões políticas, econômicas e diplomáticas dos países envolvidos, chamadas

diferenças horizontais.

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A escolha das cidades-gêmeas como instrumento analítico e político da integração sul-

americana faz-se pelo fato de essas conurbações, ou proximidades geográficas, estarem

situadas adiante desse processo, conotando a fronteira à possibilidade do fortalecimento do

MERCOSUL. Afinal, as redes urbanas, em suas diversas escalas (local, regional, nacional e

transnacional) têm, nas cidades, a sua articulação.

As cidades-gêmeas também retratam, por meio da territorialidade, os fluxos e

interações transfronteiriças e, de acordo com (MACHADO, 2005, p. 108), “[...] são lugares

onde as simetrias e assimetrias entre sistemas territoriais nacionais são mais visíveis e que

podem se tornar um dos alicerces da cooperação com os outros países da América do Sul e

consolidação da cidadania.”. Podem ser consideradas, também, como espaços que apresentam

vantagens ou privilégios, ao longo das fronteiras, para as comunicações e conexões.

Há diversos exemplos de complementações e interações nas fronteiras, por meio das

cidades-gêmeas, destacando o caráter da centralidade nessas regiões, articuladas pela rede

urbana.

Um dos casos mais estudado são as conexões entre as cidades fronteiriças norte-

americanas e mexicanas, nem sempre postas contíguas ao limite internacional. De maneira

geral, esses complementos ocorrem com e nas maquiladoras. A fragmentação da planta

industrial e, em consequência, a divisão espacial das fases e dos meios de produção reforçam

a configuração espacial das cidades-gêmeas. A nova Divisão Internacional do Trabalho é

verificada em detalhes nesse espaço. De um lado, as atividades intensivas e de tecnologia de

ponta estabelecem-se nos Estados Unidos. Assim, a maior parte dos lucros e investimentos

ficam em território norte-americano, o que permite que a maior parte dos capitais se

reproduzam nesse país. Na região fronteiriça mexicana localizam-se as cidades-maquiladoras.

As etapas produtivas, que necessitam de alta aplicação de mão-de-obra, ocorrem desse lado

do limite, o que atrai fortes fluxos migratórios para essas cidades e, mesmo para os Estados

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Unidos, demonstrando a articulação que a fronteira exerce no território mexicano (RIBEIRO,

2002).

De modo bastante interessante e bem característico do cunho internacional ou

globalizante da economia, as mercadorias produzidas na fronteira México-Estados Unidos são

concebidas e ditadas de fora, isto é, os centros de decisão e gestão encontram-se, na maioria

dos casos, longe da região fronteiriça, assim como esses produtos são destinados, em sua

maior parte, ao mercado internacional.

1.6 O poder de articulação dos centros urbanos fronteiriços

Retomando a questão das localidades centrais, o que mais nos interessa, na sua teoria,

é saber quais as alterações que ocorrem, em decorrência das interações nas áreas de fronteira.

Logicamente, as proposições de Christaller não são aplicáveis a todos os espaços

como observado no excerto a seguir:

[...] nem todos os lugares podem ser incluídos no modelo e na lógica da rede de localidades centrais. Dentre tais exceções encontram-se, entre outros, lugares vinculados a fenômenos pontuais absolutos da superfície terrestre (point-bounded

places), aos quais denomina lugares dispersos. Centros localizados nas proximidades dos limites internacionais (comumente abrigando um posto aduaneiro), portos, centros predominantemente industriais ou de mineração, estão incluídos na categoria de lugares dispersos, visto apresentarem fatores locacionais não relacionais e, portanto, não contemplados pelo modelo (Ribeiro, 2002, p. 16).

A fronteira, desse modo, é um típico caso de localidade dispersa, o que muito nos

interessa em vista do nosso objetivo de estudo. Pela teoria das localidades centrais, na

fronteira, em virtude de postos de fiscalização e controle, as interações sofrem um

esvaziamento por força dos limites entre Estados-nação. Dessa restrição, a situação perfeita de

competitividade não ocorre, descaracterizando o surgimento de um círculo nos moldes

citados. Surgem dois semicírculos unidos (ou separados) por um diâmetro, a fronteira.

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Entretanto, a discussão teórica realizada neste trabalho sobre a natureza da fronteira

nos dias atuais permite-nos repensar aquela teoria em áreas de limite internacional.

Primeiramente, reconhecemos que a concepção de fronteira não se restringe ao front, limite.

A permeabilidade das fronteiras é uma exigência das relações entre os países que cada vez

mais atuam em redes. Essa recente organização espacial, pelas quais os fluxos ocorrem,

permite uma nova interpretação para as ideias de Christaller, no que se refere às interações

transfronteiras. Observamos que repensar a teoria não tira a validade das ideias desse autor,

mesmo considerando as décadas decorridas desde a publicação de seu trabalho. Christaller, de

certo modo, já previa as relações transfronteiras, conforme veremos mais adiante.

A União Européia tem sentido essas transformações provocadas pela relativa

supressão das funções fiscais e de controle sobre os padrões de circulação. Em decorrência

disso, os organismos supranacionais têm adotado recortes alternativos ao das unidades

administrativas das diversas nacionalidades. Uma dessas medidas é a adoção da Área de

Mercado de Trabalho Local (AMTL), que visa facilitar os fluxos de pessoas que vivem e

trabalham na fronteira (RIBEIRO, 2002). Nessa região, existe a predominância de um centro

com alto grau de atração. Assim, os tempos atuais exigem uma reformulação metodológica

nos estudos das regiões fronteiriças dos países daquele bloco econômico.

Ribeiro (2002) avança ainda mais na questão, ao abordar as interações na fronteira,

que ocorrem por meio de cidades-gêmeas, conurbadas19 ou não. Relembremos a ideia de que

as duplas de cidades são segmentos privilegiados ao longo da fronteira. O motivo defendido

por Christaller para a ocorrência desses espaços privilegiados é a centralidade que os dois

núcleos urbanos exercem, por serem concebidos como um só, pela sua complementaridade,

proximidade ou junção geográfica. Este padrão de localização pode ser explicado:

[...] estes lugares compartilham a função de centralidade em relação a uma região comum. Ainda que funcionalmente adequada à interposição do limite, esta

19 O termo conurbação significa que as áreas urbanas de dois ou mais municípios encontram-se contíguas ou unidas.

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configuração resultaria na diminuição da importância agregada dos dois centros (dada à redundância na oferta de determinados bens e serviços). A supressão da descontinuidade significaria um acréscimo da centralidade (logo, uma ampliação da área de influência) do lugar central depois da unificação. (RIBEIRO, 2002, p. 19).

As interações espaciais na fronteira brasileira-platina se relacionam a uma lógica

estrutural e a uma ordem conjuntural. A lógica estrutural está alicerçada na complementação

entre as cidades-gêmeas. As aptidões e produtos diferentes incrementam os fluxos visíveis e

invisíveis. As flutuações monetárias e a variação dos preços dos produtos representam a

ordem conjuntural.

Por fim, verificamos, nas proposições de Christaller, que as localidades centrais são

dotadas de atividades de distribuição de bens e serviços. E a importância dessas funções

centrais permite que uma localidade exerça uma certa influência em relação a outras

localidades.

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2 A CONSTRUÇÃO DE FLUXOS E NÓS NA INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA

Historicamente, o espaço físico e social fronteiriço do Brasil com o Paraguai é fruto de

um conflito armado20 de grande significação para a formação do ideário nacional ou do

nacionalismo para ambos os países. Portanto, foco de tensão.

Porém, as atividades econômicas e sociais desenvolvidas durante a ocupação da

fronteira no pós-guerra atribuíram-lhe um viés de solidariedade, o que não impediu uma visão

da fronteira tida como limite pelo governo central brasileiro, em particular, por causa de sua

política de segurança nacional. Assim, essas duas concepções de fronteira ora se

contrapuseram, ora se sobrepuseram.

Portanto, para entender por que as principais atividades econômicas desses dois

municípios fronteiriços baseiam-se, hoje, na agricultura e no comércio de produtos

importados, são necessárias, além da leitura teórica realizada, uma contextualização histórica

do espaço fronteiriço em estudo. Por questões metodológicas, abordaremos, respectivamente,

a inserção de Pedro Juan Caballero e a de Ponta Porã na economia mundial por meio do

resgate histórico de suas principais atividades econômicas e sociais, de sua evolução

populacional, da estruturação histórica da rede urbana transfronteiriça e do comércio legal (e

ilegal).

2.1 Pedro Juan Caballero – de un punto de paraje a una ciudad internacional

A cidade de Pedro Juan Caballero21 surgiu às margens da antiga lagoa que deu nome a

sua cidade-gêmea brasileira, Ponta Porã. O lugar servia como parada de descanso para as

20 Guerra do Paraguai ou da Tríplice Aliança como mais comumente é conhecido. Porém, devido a outras visões e concepções sobre esse episódio militar, tem sido chamado também de Grande Guerra ou Guerra com o Paraguai. 21 Foi batizada em homenagem a um dos líderes da independência paraguaia.

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tropas de carretas que iam e vinham de Villa Real Concepción, em virtude do transporte da

erva-mate. Assim, a expressão de Sánchez (2008) retrata muito bem o surgimento da primeira

cidade, ao afirmar que “Todo comenzó a orillas de la laguna Punta Porá […]”. O que era

uma parada recebeu casas, depois um pequeno comércio22, mais adiante a primeira igreja e,

enfim, a sua fundação oficial em 190123.

Assim, as caravanas que carregavam a erva-mate da Companhia Mate Laranjeira

vindas do Brasil descansavam nas adjacências da laguna Punta Porá. Nesses locais de parada

para repouso surgiu um núcleo populacional que, com o passar dos anos, converteu-se nas

cidades de Pedro Juan Caballero, capital do departamento24 de Amambay, e de Ponta Porã, no

lado brasileiro.

O surgimento desse centro urbano e a colonização pioneira dessa área fronteiriça

foram condicionados, inicialmente, pela instalação e pelo desenvolvimento da atividade

ervateira no lado brasileiro25. Assim, Pedro Juan Caballero e Ponta Porã articulam uma

estrutura urbana antiga, com crescimento embaraçado e acanhado.

Em 1945, numa atitude estratégica do Estado paraguaio para ocupar seu território e dar

identidade ao mesmo, o departamento de Amambay surge do de Concepción e passa a ter

Pedro Juan Caballero como capital.

Na verdade, a principal cidade daquele departamento paraguaio cresce mais como

extensão da rede urbana brasileira do que como uma cidade ligada à capital paraguaia e a

outros centros de poder daquele país. Os laços pedrojuaninos se fazem mais presentes, até os

dias atuais, às cidades brasileiras, mesmo que haja forte fluxo de produtos importados vindos

de Ciudad del Este. Souchaud (2007, p. 288) destaca bem esse fenômeno da dependência das

cidades fronteiriças paraguaias ao território brasileiro ao afirmar que:

22 A primeira loja comercial data de 1894 e pertenceu a José Tapia Ortiz 23 Pedro Juan Caballero foi criada pelo Decreto Lei em 30 de agosto de 1901. 24 Unidade federativa que se assemelha ao estado, no Brasil. 25 A região, antes do conflito Brasil com o Paraguai, era habitada por tribos de indígenas, como os Nhandevas e os Caiuás, descendentes do povo Guarani.

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Finalmente, a comienzos de este siglo26, en la frontera oriental se posicionan aldeas administrativas que organizan una débil actividad transfronteriza basada, principalmente, en la exportación de la yerba mate. [...] El fenômeno destacable es que la red formada por los brasilenõs se inscribe al marge de los focos de poblamiento paraguayos tradicionales (Pedro Juan Caballero, Salto del Guairá) (grifo nosso).

A ocupação de Pedro Juan Caballero processou-se espontaneamente ao longo da linha

internacional em virtude da concentração do comércio e dos serviços. Desse modo, o centro

comercial da cidade formou-se paralelamente ao limite entre o Brasil e o Paraguai, avançando

algumas poucas quadras em direção a este país.

Assim, as deficiências da rede urbana paraguaia sempre permitiram a existência de um

sistema urbano dominado pelos circuitos econômicos existentes no lado brasileiro.

2.2 Ponta Porã – a Princesinha dos ervais

Ponta Porã, no lado brasileiro, também surgiu em função da atividade extrativa dos

ervais nativos nas duas últimas décadas do século XIX. Tem suas origens na instalação, em

1880, de um pequeno destacamento militar para controle e segurança das carretas que

transportavam a erva-mate. Esse contingente militar atraiu moradores da Colônia Militar do

Dourados, que construíram ranchos e formaram o povoado que deu origem ao atual município

de Ponta Porã27:

Ponta Porã, antes de ser nome de cidade, era nome de um paradeiro, junto a uma lagoa, onde o viandante – índio ou soldado da colônia do Dourados, fazia descanso. Como o lugar ao redor era muito bonito, enfeitado pela lagoa de límpidas águas, própria para beber, ficou conhecido por esse nome, que quer dizer “Lugar Bonito” (grifo do autor). Embora por ali não existisse vivente algum, perdurava o nome (GUIMARÃES, 1992, p.41).

No prisma da História Regional, o desenvolvimento histórico da região fronteiriça sul

do, então, estado uno do Mato Grosso esteve estritamente condicionado ao movimento global

26 Refere-se ao século XX. 27 O município de Ponta Porã foi criado em 18 de julho de 1912, data de sua emancipação de Bela Vista.

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do desenvolvimento do sistema capitalista na América do Sul, em especial no Brasil e nos

países da Bacia Platina. As relações da fronteira em estudo articularam-se por causa das

necessidades dos mercados inter-regionais e da própria região platina.

A construção das bases materiais e culturais do território fronteiriço do Sul de Mato

Grosso ocorreu na denominada “fase heróica da História mato-grossense28”. Esse período

deixou como herança uma identidade marcante e singular nesse território, em razão da sua

especificidade e à sua complexidade como espaço fronteiriço, além da sua articulação com a

grande região platina, fazendo-a distinguir-se das outras regiões brasileiras (CORRÊA,

1997a). Porém, esta parte do trabalho não se limita a esse período. Abordaremos as principais

atividades econômicas desenvolvidas (erva-mate, gado e agricultura), o contrabando, as vias

de transporte e comunicação assim como a evolução demográfica de Ponta Porã, acrescentada

pela Marcha para o Oeste.

2.2.1 A erva-mate

A inserção de Ponta Porã e de Pedro Juan Caballero nas economias de seus respectivos

países e na mundial ocorreu, primordialmente, em decorrência da indústria da erva-mate na

passagem do século XIX para o XX. Nesse processo, tiveram grande importância as

iniciativas do Comendador Thomaz Larangeira, das empresas Matte Laranjeira e,

posteriormente, Matte Laranjeira, Mendes e Cia na efetiva ocupação e povoamento29, não

apenas da conurbação, mas, também, de praticamente toda a fronteira sul do antigo estado de

Mato Grosso.

28 Denominação adotada por Virgílio Corrêa Filho (1957) que compreende o período do término da Guerra com o Paraguai até as duas primeiras décadas do século XX. 29 O comendador Thomaz Larangeira acompanhou a Comissão Demarcadora de Limites entre Brasil e Paraguai nos anos de 1872 e 1873. Nesse período, ele teve contato com os ervais nativos e viu nestes uma promissora indústria extrativa aos modelos da que vigorava no Paraguai. Assim em 1878, iniciou a exploração monopolista dessa planta. Anos depois, em 1891, seu empreendimento recebeu a parceria do Banco Rio e Matto Grosso, o que originou a Companhia Matte Laranjeira, sediada em Porto Murtinho. Em 1902, essa empresa é adquirida pela firma Laranjeira, Mendes e Cia, com sede em Buenos Aires.

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Dessa maneira, a conurbação Ponta Porã–Pedro Juan Caballero surgiu em decorrência

da expansão de mercados e da penetração do comércio, facilitadas pelos avanços tecnológicos

da época e pelo grande desenvolvimento e ampliação da rede de transporte. A conquista e a

incorporação dessa região fronteiriça fizeram parte do processo de alargamento das fronteiras

internas do continente sul-americano e do Brasil, conforme mencionado por Corrêa (1997a, p.

182):

Os exemplos mais evidentes no Brasil desse movimento expansionista interno foram a ocupação do Planalto Paulista com a cultura cafeeira, a ocupação de parte da região amazônica com o Ciclo da Borracha (grifo da autora) e de parte do Centro-Oeste, no Sul de Mato Grosso, com a pecuária extensiva e a exploração de vastos ervais naturais limítrofes do Paraguai (grifo nosso). Esse novo movimento de penetração e conquista territorial deve ser considerado do ponto de vista do redimensionamento da exploração de terras, de recursos naturais e de potencialidades econômicas em regiões que, até então, pouco significavam para o mercado global [...]

A extração da erva-mate, a partir dos últimos anos do século XIX, tornou-se principal

fonte de renda para o, então, estado de Mato Grosso. Desse modo, explicar as atuais cidades

de Ponta Porã e de Pedro Juan Caballero passa, necessariamente, pelo cultivo, pela exploração

e pela circulação dessa mercadoria. Ponta Porã, desde cedo, destacou-se na produção da erva-

mate, conforme apresentado por Ayala e Simon (1914, p. 414): “Ponta Porã é o município que

produz a maior parte do matte que se exporta do Estado: os hervaes estendem-se por muitas

centenas de léguas e constituem uma grande fonte de riqueza [...]”. Assim, vemos que a

localidade não se restringiu apenas à sua inicial formação que era de ser um “nó na rede da

erva-mate”.

Certamente, a erva-mate foi o fator preponderante para o povoamento da região

fronteiriça em estudo. Mas, como isso ocorreu somente após quase quatrocentos anos de

ocupação do nosso continente por espanhóis e portugueses? Os ervais nativos foram

mantidos intactos pelos indígenas não somente porque estes impediram que aventureiros

povoassem a área, mas, em especial, pela ausência, até então, de uma mercadoria que

“valesse” a aventura colonizadores pelos campos e cerrados tão distantes dos mercados.

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O sucesso da extração da erva-mate pela Empresa Matte Laranjeira deu-se, sobretudo,

por causa do monopólio exercido por essa firma, por meio do arrendamento de terras do

Estado, e da exploração da mão-de-obra paraguaia, em especial. Corrêa Filho (1957) aponta

esse tamanho poder econômico e político da Matte Laranjeira como decorrente do fato de sua

receita ser muito superior, nos anos 1920, à do próprio estado de Mato Grosso. A disparidade

era tamanha que a receita da arrendatária chegou a ser seis vezes superior à dessa unidade

federativa.

No plano político, a Matte Laranjeira, por várias vezes, financiou políticos e ditou

ordens ao legislativo e ao governo estadual (CORRÊA FILHO, 1957). Entretanto, apesar de

todo esse poderio com o monopólio comercial e com o arrendamento exclusivo, a extração

deixou de ser centralizada e passou a ser realizada, também, por proprietários de pequenos

ervais. Eles introduziram outros cultivos e cuidaram melhor dos ervais nativos. Essa pequena

mudança na estrutura fundiária da fronteira permitiu que a economia regional, nos anos 1920,

não sofresse um colapso em virtude do surgimento da concorrência dos ervais argentinos e

paraguaios da região das antigas missões:

A cultura missioneira da erva, logrando extração por baixo preço, praticamente vedou a entrada, no mercado platino, do produto mato-grossense, que, na quase totalidade, para lá se encaminhava. A repercussão na economia regional seria catastrófica, se ainda vigorasse o antigo arrendamento, pleiteado em 1912, por longo prazo, facilmente se prolongaria, caso vencesse na ocasião. Mas, reduzida progressivamente em seu âmbito, a empresa resistiu melhor à conjuntura, assim como os pequenos industriais, que se reuniram em Cooperativa, para eficiente defesa, facilitada pela pluralidade das suas bases econômicas, de que a erva-mate será apenas uma das várias componentes, sem a passada supremacia (CORRÊA FILHO, 1957).

As bases econômicas da fronteira se diversificaram e mantiveram o povoamento da

região. As estradas carreteiras transformaram-se em rodovias e interligaram as cidades

fronteiriças. Também as antigas paradas dos viajantes tornaram-se núcleos urbanos. Assim, a

ocupação inicial foi consolidada, os centros urbanos formados e a rede urbana fronteiriça pré-

instalada.

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2.2.2 A agropecuária

Seguidamente à erva-mate, a pecuária foi desenvolvida na fronteira sul de Mato

Grosso, nas últimas décadas do século XIX. Em razão da abundância de terras nessa região,

diversas fazendas de gado foram implantadas. Ayala e Simon (1914) retratam que, passadas

duas a três décadas da formação dessas fazendas, o município de Ponta Porã, que

correspondia a uma considerável extensão do território fronteiriço do Sul de Mato Grosso,

possuía mais de cem grandes fazendas.

Porém, o destino de suas criações era bastante restrito ao consumo interno de carne

(verde, salgada ou seca) e à exportação de gado em pé para invernadas no Leste brasileiro,

sobretudo para o interior paulistano.

No início do século XX, as atividades econômicas de destaque em Ponta Porã

abrangiam, também, a agricultura. Havia plantações em grande escala para a época: milho,

arroz, feijão e cana-de-açúcar. Cultivos trazidos da Argentina como o trigo, a cevada e a

aveia, de igual modo, estavam presentes nas terras fronteiriças; assim como os introduzidos

por colonos vindos do Sul do país como pêssegos, maçãs, pêras e outras frutas não nativas de

nosso continente (AYALA e SIMON, 1914).

Apesar de o relato desses autores, em Album Graphíco do Estado de Matto Grosso,

indicar uma relativa diversidade e produtividade agrícola no sul da fronteira da unidade

federativa, por volta daquela mesma época, a base econômica sempre foi a exportação da

erva-mate.

2.2.3 O Contrabando

A conurbação Ponta Porã–Pedro Juan Caballero, desde seu nascedouro, foi palco de

instabilidades como o contrabando. A condição de fronteira, conforme abordado no

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referencial teórico sobre essa temática, foi a fundamental motivação para esse descaminho nas

atividades comerciais de abastecimento e de exportação de produtos.

O contrabando contrariou os interesses do Estado, na época, ao desestimular a

produção local dos produtos importados ilegalmente. Porém, ele não deixou de ser uma

estratégia de sobrevivência. A atividade ilegal não atingiu apenas a atividade comercial, mas

também outras áreas econômicas, como a agricultura, conforme destacado a seguir por Corrêa

(1997a, p. 191):

Nas atividades comerciais de abastecimento e de exportação da produção regional, o contrabando vicejou a ponto de ferir frontalmente os interesses do Estado, matando qualquer iniciativa lícita e regular de agricultura, ou de outras atividades produtivas para atender os mercados interno e externo. Mas, em se tratando de garantir a sobrevivência dos núcleos isolados na imensidão do território fronteiriço, o contrabando assim como a sonegação de impostos tornaram-se práticas rotineiras e muito interessantes como fonte de lucro para comerciantes e produtores que se estabeleceram na região [...]

Vemos, desse modo, que essas práticas, tão usuais nos dias de hoje, têm raízes na

formação territorial da região fronteiriça e está relacionada à sua própria condição de

fronteira. Daí o mérito das cidades-gêmeas em estudo serem um ponto privilegiado para essas

práticas e para muitas outras não formais.

Boa parte dos lucros (de comerciantes e de proprietários que se estabeleceram na

fronteira naquele período) vieram daquelas práticas não formais30, conforme inserido no

Relatório Provincial da então Thesouraria de Fazenda de Matto Grosso em Cuiabá, no ano de

1887:

Tive denúncia que pela fronteira do Paraguay com esta província, entre Bella Vista e Ponta Porã, se tem introduzido contrabando de mercadorias estrangeiras importadas do Paraguay, o que não somente é um crime que defrauda a Fazenda Nacional, como prejudica consideravelmente o comércio lícito (CORRÊA, 1997a, p.193).

Se os principais produtos de exportação eram a erva-mate, como já citado, seguido

pelo gado, os produtos industrializados eram importados diretamente do Rio de Janeiro e de

São Paulo pelas vias legais e, também, vindos pelo território paraguaio por vias da

30 No próximo capítulo, veremos que essas práticas, na verdade, tratam-se de atividades funcionais, podendo ser visíveis ou invisíveis.

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ilegalidade. Essas relações refletem o contexto histórico do período de surgimento e expansão

da cidade, que era, de acordo com Corrêa (1997a, p. 176), “[...] baseada na exploração cada

vez mais intensiva e vertical dos mercados produtores de matérias-primas e consumidores de

mercados industrializados [...]”.

2.2.4 Vias de transporte e de comunicações

As estradas carreteiras foram importantes vias que, inicialmente, serviam para escoar a

erva-mate para fora da fronteira e retornavam com produtos de primeira necessidade (vinho,

arroz, sal, bebidas e outros artigos de importação), ocorrendo, notadamente, de maneira ilegal

pelo território paraguaio.

Com a consolidação das bases materiais da fronteira, surgem necessidades econômica,

política e estratégica de unir a região aos centros de poder do estado e do país por meio de

vias e meios de transporte mais modernos. A ferrovia prestou-se a isso. Primeiramente, os

trilhos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil chegariam bem próximos à fronteira com

Bolívia, em 1918. Mas, vislumbrava-se unir a fronteira com o Paraguai a essa estrada de ferro,

por meio de um ramal de Campo Grande a Ponta Porã. Esse trecho levou décadas para ser

concluído; teve início em fins da década de 1930 e terminou em 1953 (QUEIROZ, 1999).

Não há como negar que o fator estratégico foi preponderante na decisão da construção

da Noroeste do Brasil, tanto sua linha principal, como o ramal até Ponta Porã. A rivalidade

geopolítica com a Argentina e o isolamento das fronteiras foram preocupações constantes de

diversos governantes locais, estaduais e até mesmo da União. Acerca de Ponta Porã, o, então,

presidente do estado de Mato Grosso, Costa Marques (apud QUEIROZ, 1999, p.123), relata,

em 1913, que:

As comunicações entre os habitantes de uma e de outra povoação são francas e freqüentes, é como se todos pertencessem ao mesmo país e residissem no mesmo território. Do lado paraguaio é que estão as principais casas de negócio, sendo a

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maior parte delas pertencente a brasileiros, alguns dos quais têm ali o seu comércio e no Brasil a sua residência particular [...] A erva [mate] contrabandeada segue em carretas para a vila Concepción do Paraguai, que dista de Ponta Porã umas 70 léguas [...] Essa erva é quase toda negociada por mercadorias procedentes da República vizinha, as quais também entram para o Brasil pelos mesmos processos.

Identificamos, dessa forma, nos fluxos de mercadorias na rede urbana transfronteiriça,

as origens do comércio ilegal (contrabando) presente na atualidade.

Mas, mesmo antes da construção do ramal ferroviário para Ponta Porã já havia

atenções para uma relativa melhoria das comunicações dessa e de outras cidades da fronteira

com a Noroeste do Brasil, por meio das estradas de rodagem. Nesse sentido, destacaram-se as

obras militares inseridas, a partir dos anos 1920, no programa de construção de estradas de

rodagem31, no extremo sudoeste do estado (Porto Murtinho, Bela Vista e Ponta Porã). A

conclusão da obra de ligação da atual capital sul-mato-grossense a esta última cidade ocorreu

entre os fins de 1927 ao início de 1928 (Queiroz, 1999).

Aliada à expansão da rede rodoviária, seguiram as linhas telegráficas. Em 1922, Ponta

Porã se une a Campo Grande nesse sistema de comunicação. Portanto, é a afirmação de que as

estradas de rodagem e as linhas telegráficas surgem de necessidades militar e política, mas

assumem intenções econômicas e sociais, apesar de no trecho Campo Grande-Ponta Porã não

serem coincidentes.

Após a chegada do tronco central da Noroeste do Brasil e antes da construção do seu

ramal para Ponta Porã (1918-53), a ligação dessa cidade a Campo Grande podia ser realizada

por dois caminhos terrestres distintos: pelos altos da serra de Maracaju ou por Dourados e Rio

Brilhante:

[...] o traçado seguido pela linha telegráfica era bastante diverso daquele da estrada de rodagem em construção, também entre Campo Grande e Ponta Porã. De fato, saindo dessa última cidade, essa estrada desenvolvia-se no rumo direto de Campo Grande, pelo alto da cuesta (a chamada “serra de Maracaju”), por se tratar aí de terrenos que facilitavam a obra; a linha do telégrafo, por seu turno, ao sair de Ponta Porã dirigia-se primeiramente para a direção nordeste e só depois tomava francamente o rumo norte, em busca de Campo Grande; dessa forma, a linha passava em localidades que ficavam à margem da rodovia e relativamente distantes dela,

31 Este programa ficou a cargo das Comissões de Estradas e Rodagem Militares que atuaram do início da década de 1920 a fins de 1950 no estado de Mato Grosso.

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como Dourados e Entre Rios (atualmente chamada Maracaju) [...] (QUEIROZ, 1999, p. 145).

A existência de mais de uma ligação de Ponta Porã a Campo Grande demonstra a

atração da estrada de ferro e da capital sul-mato-grossense, como também deixa clara a

importância de Ponta Porã na zona fronteiriça. De acordo, ainda, com o mesmo autor, já havia

um serviço regular de ônibus entre aquelas duas cidades desde os anos 1920 (Figura 5).

Figura 5 – Mapa de fluxos de pessoas e de mercadorias antes e após a construção do ramal ferroviário de Campo Grande para Ponta Porã.

Nesse período, acrescenta-se, contudo, que o sentido dos fluxos comerciais de e para

Ponta Porã sofreu brusca mudança. Antes da construção da ferrovia, os produtos

atravessavam a fronteira seca diretamente por Ponta Porã–Pedro Juan Caballero. Depois da

chegada da ferrovia, passavam necessariamente por Campo Grande. Aumentou a distância

percorrida, mas diminuíram os gastos com transporte:

[...] a ferrovia chega em Ponta Porã no começo da década de 1950. A Noroeste, responsável pelo surgimento de vários povoados em Mato Grosso do Sul, impulsionou o desenvolvimento econômico da cidade, trazendo pessoas e mercadorias. Colocou Ponta Porã no contexto diário das autoridades brasileiras e

Campo Grande

DouradosPedro Juan Caballero

BRASIL

Concepción

Ponta Porã

PARAGUAI

Legenda

antes da construção do ramal para Ponta Porã

N

Escala: 1:3.000.000

Laboratório de GeoprocessamentoDGC/CPAQ

Organização: SILVA, R.M. (2009)Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)

Rio

Par

agua

i

Rio

Par

agua

i

Yby Yaú

Chiriguelo

MG, RJ, SP

Principais rodovias

Ferrovia

Principais sentidos de fluxos de pessoas e mercadorias

depois da construção do ramal para Ponta Porã

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dos grandes centros políticos e econômicos do país. Antes, o abastecimento da população local era proveniente do Paraguai. As mercadorias chegavam no Porto de Concepción e, de lá, via Chirigüelo, eram trazidas para a fronteira. Com a Noroeste, inverteu-se a direção. Ponta Porã e a fronteira passaram a ter contato mais fácil com São Paulo e o Rio de Janeiro, sede do poder político nacional [...] (QUEIROZ, 1999, p. 455).

O aparelhamento militar do Sul de Mato Grosso completou as intenções político-

militares na fronteira. Houve a construção de quartéis e a melhoria de outros, iniciadas pelo,

na época, ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, como o atual 11º Regimento de Cavalaria

Mecanizada, com sede em Ponta Porã, instalado nesse período.

Retornando às condições das vias de transporte e de comunicações empreendidas no

Sul de Mato Grosso, nas primeiras décadas do século XX, a rota entre Ponta Porã e Campo

Grande era “[...] perfeitamente trafegável a automóvel [...]” (QUEIROZ, 1999, p. 452).

Assim, a adoção do automóvel foi, paulatinamente, transformando as antigas carreteiras, de

traçado incerto e variável, em rodovias.

2.2.5 Evolução demográfica

A convergência de pessoas para a fronteira sul-mato-grossense com o Paraguai

constituiu-se de um reflexo remoto da expansão das relações capitalistas na América do Sul e

das fronteiras interiores, a partir das últimas décadas do século XIX.

A evolução demográfica de Ponta Porã, perante à cultura e à exportação da erva-mate,

aponta para a existência de grandes populações para o estado e para a época, no início do

século XX. Com poucos anos de emancipação, o município já contava com mais de 25.000

habitantes32 , na década de 1920; na cidade, ainda vila, moravam 3.000 pessoas (Tabela 1)

32 O então município de Ponta Porã do início do século XX abrangia um enorme território desde a Serra de Maracaju aos rios Santa Maria, Brilhante, Ivinhema e Paraná. Área que atualmente corresponde aos Municípios de Dourados e de Antônio João a Mundo Novo (AYALA E SIMON, 1914).

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É de suma importância, também, destacarmos o contexto histórico regional de

desbravamento do Sul de Mato Grosso, atual estado de Mato Grosso do Sul, e de sua zona

fronteiriça. Vários vetores concorreram para a construção territorial, segundo os

apontamentos de Corrêa (1997a, p. 187):

O conjunto articulado desses fatores – migração interna e externa, mudanças nas relações de trabalho, regime de grande propriedade rural – explicaram em suas linhas gerais, o processo de ocupação do Sul de Mato Grosso à semelhança de outras regiões continentais: a implantação de fazendas criatórias nos Pantanais e nos campos de Vacaria: o desenvolvimento da atividade extrativa ervateira, e os problemas decorrentes do poderoso monopólio da Companhia Matte Laranjeira; a formação de latifúndios e a eclosão de violentos conflitos pela posse da terra entre grandes proprietários, novos posseiros e remanescentes das antigas nações indígenas; o afluxo de ondas pioneiras de ocupação de gaúchos, paulistas, mineiros, goianos; a imigração em massa de paraguaios que fugiam da falta de trabalho e da grande instabilidade reinante no Paraguai pós-guerra da Tríplice Aliança; e o deslocamento de estrangeiros de diversas nacionalidades, atraídos pelas oportunidades do intercâmbio fluvial de mercadorias de Mato Grosso pela Bacia Platina.

Tabela 1 – População dos municípios fronteiriços do Sul de Mato Grosso na década de 1920.

Município População na década de 1920

Aquidauana 9.826

Bela Vista 9.735

Campo Grande 21.360

Corumbá 19.574

Miranda 6.819

Nioaque 7.907

Ponta Porã 25.518

Porto Murtinho 3.586

Total do Estado 248.680

Fonte: Corrêa, 1997a, p.289.

A disponibilidade de terras, divulgada pelos remanescentes da Guerra com o Paraguai

e a necessidade de mão-de-obra fizeram da fronteira do Sul de Mato Grosso uma das frentes

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pioneiras33

no Brasil de fins do século XIX. Desse modo, brasileiros de diversas regiões

(paulistas, mineiros, goianos, nordestinos e gaúchos) deslocaram-se para a região fronteiriça

sul-mato-grossense, o que fez o município de Ponta Porã ter um significativo crescimento

populacional para a época, conforme indicado na Tabela 2.

Tabela 2 – Evolução populacional de Ponta Porã, no período 1920 - 1954.

Município/Período 1920 Fins da década de 1920

1936 1940 1950 1954

Amambai - - - - - 16.083

Ponta Porã 25.518 19.112 25.490 33.412 20.627 19.997

Fonte: Corrêa, 1997a p.289 e Corrêa Filho, 1952, p. 53 e 54.

Para esse aumento demográfico, merece destaque o deslocamento de gaúchos para os

ervais nativos e aos campos naturais, bastante similar aos pastos e à economia ervateira do Sul

brasileiro34. Ponta Porã foi um dos destinos para os gaúchos, conforme destacado por Corrêa

(1997a, p. 261):

[...] O ano de 1894 registrava a chegada de inúmeras famílias do Rio Grande do Sul a Ponta Porã, solicitando permissão para residirem em terrenos desocupados. No ano de 1903, as autoridades de Ponta Porã já mencionavam de forma explícita as suas preocupações com a chegada de gaúchos na zona dos ervais, em razão dos conflitos, cada vez mais freqüentes, com a Companhia Matte Laranjeira.

A redução dos contingentes populacionais é explicada pelo motivo de, durante a

década de 1920, cessada a safra, muitos imigrantes retornavam à sua terra natal ou avançavam

para o interior do estado rumo a outros municípios e destaca-se que das terras de Ponta Porã e

33 Denominação consagrada por Pierre Mombeig para os movimentos migratórios internos no Brasil na passagem do século XIX para o XX. 34 O deslocamento de gaúchos para a fronteira do Sul de Mato Grosso além da similaridade das atividades econômicas (gado e erva-mate) teve grande contribuição o cenário de conflitos pela posse da terra e pelo controle regional que houve no estado do Rio Grande do Sul no século XIX. Um dos principais conflitos foi a Revolução Federalista que “[...] cavara trágico fosso entre os combatentes das lutas renhidas. Inúmeros os que não se conformaram com a derrota, e preferiram exilar-se a submeter-se ao mando inclemente dos triunfadores. E Mato Grosso, de preferência, afigurou-se-lhes a terra da Promissão.” (CORRÊA FILHO, 1952, p. 50)

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Bela Vista surgiram os municípios de Maracaju (1929), Entre Rios, atual Rio Brilhante (1929)

e Dourados (1935) e, de 1940 a 1954, o município de Amambaí pertencia a Ponta Porã.

A prosperidade da indústria ervateira e a boa acolhida das primeiras comitivas de

retirantes rio-grandenses atraíram outros conterrâneos que, pouco a pouco, penetravam para o

interior de Mato Grosso passando pelo Paraguai. O percurso realizado pelos gaúchos desde

sua origem era bastante singular. A forte atração dessas terras sobre esse povo fazia-os

procurar o caminho mais “curto” – atravessarem a fronteira com a Argentina em direção a

oeste e, em seguida, irem na direção norte, pelo território paraguaio, para retornarem ao Brasil

pela fronteira seca (Figura 6).

Figura 6: Mapa de migrações para o Sul do antigo Estado de Mato Grosso. Fonte: Adaptado de FIGUEIREDO A. de (1972, p. 210), com desenho de CARVALHO, E. M. (2009).

S.Borja

S.Luiz Gonzaga

Foz do Iguaçu

P. Prudente

P. Epitácio

Três Lagoas

Campo Grande

Bela Vista

Ponta Porã

AmambaíConcepción

Asunción

Corrientes Posadas

Pedro Juan Caballero

20º

22º

24º

26º

28º

30º

32º

58º 56º 54º 52º 50º 48º

MIGRAÇÕES

Gaúchas

Paranaenses e Paulistas

MATO GROSSO DO SUL

SÃO PAULO

PARANÁ

SANTA CATARINA

RIO GRANDE DO SUL

PARAGUAI

N

Escala: 1: 12.800.000

Dourados

ARGENTINA

Rio

Pa r

a gu a

i

Principal "porta" de entrada

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A produção ervateira atraiu um grande número de braços, sobretudo dos paraguaios,

conforme se pode constatar neste trecho de Corrêa (1997a, p.259):

Ao findar a guerra com o Paraguai, Mato Grosso recebeu um significativo número de estrangeiros e de brasileiros de outras regiões, que demandavam a sua fronteira sul. Os paraguaios, que representaram a maior fatia dessa frente demográfica, e por isso permaneceram em maior evidência no desenvolvimento histórico da região, entraram pela via fluvial do Baixo-Paraguai e pela fronteira seca, através de inúmeras passagens que permitiram trânsito livre de gente, de bois e de mercadorias entre os dois países, como nas regiões de Bela Vista e Ponta Porã (grifo nosso). Vieram fugidos da desolação do pós-guerra em seu país de origem, da fome, da insegurança e falta de garantias de vida agravadas pelas freqüentes crises políticas e revoluções, que se sucederam de forma contínua num Paraguai destroçado, endividado e sem perspectiva de desenvolvimento a curto ou médio prazo.

A própria atividade extrativa da erva-mate necessitava de trabalhadores e viu, nos

paraguaios, a mão-de-obra adequada, uma vez que já estavam, conforme aponta Corrêa Filho

(1957, p. 50), “[...] acostumados à penosa extração [...]”. Os números representativos dessa

população de estrangeiros, sobretudo, paraguaios podem ser verificados na Tabela 3.

Tabela 3 – Quantitativo populacional do município de Ponta Porã no ano de 1950

Origem Quantitativo %

População total 20.627 100

Estrangeiros em geral 2.352 11,40

Paraguaios 2.022 9,8

Fonte: Adaptado de Corrêa Filho, 1957, p. 54.

Desse modo, nos ervais da fronteira sul-mato-grossense predominavam os imigrantes

paraguaios como mineiros35 e, em menor proporção, no trato do gado bovino. Em suma, a

mão-de-obra paraguaia foi importantíssima para o desenvolvimento econômico da fronteira,

assim como o seu povoamento. A vida, entretanto, para eles, era rude e as condições de

trabalho, mal remunerado ou compulsório, eram brutais e desumanas, chegando mesmo a

35 Termo proveniente do Paraguai e que designa o trabalhador dos ervais.

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situações de semi-escravidão do mineiro e do vaqueiro paraguaio, em território brasileiro,

para reduzir os custos de produção, conforme destacado a seguir:

Na área do mate, quase todo o trabalho de coleta e preparo da erva é feito por paraguaios. Sujeita-se o ervateiro ou mineiro aos processos de trabalho mais primitivos e brutais. O transporte do fardo do mate, o “raio”, pesando algumas vezes mais de 150 quilos, é feito hoje pelo ervateiro às costas; tal peso produz um intumescimento no pescoço do mineiro, muito semelhante ao produzido pelo bócio. O salário do empregado, muito baixo, é à base das arrobas transportadas. Daí, o interesse do mineiro em transportar o máximo possível (CORRÊA FILHO, 1957, p. 54).

O próprio sucesso da empresa Matte Laranjeira foi atribuída à concorrência desleal,

desta com suas rivais paraguaias e argentinas, feita às custas da exploração da mão-de-obra.

2.2.6 A Marcha para o Oeste

A Marcha para o Oeste36, com relação a Mato Grosso e à fronteira, em especial,

repercutiu na criação, no ano de 1939, da Colônia Militar de Dourados37 e da Comissão

Especial de Revisão de Concessão de Terras na Faixa de Fronteira. Em 1943, foram

36 Política territorial do Estado Novo de centralização do poder a fim de manter a integridade nacional e conter os regionalismos, por meio de uma expansão para o Oeste. Mas, de fato, a “Marcha” resultou na ocupação e nacionalização das fronteiras do Oeste, deixando uma lacuna territorial entre essas fronteiras e as franjas povoadas do Leste (QUEIROZ, 1999). Sobre a Marcha para o Oeste, Sprandel (1994, p. 19) acrescenta que “[...] Nacionalmente, começava a delinear-se um grande projeto, chamado de ‘Marcha para o Oeste’. Nele, teve papel preponderante uma série de intelectuais que, de uma forma ou outra, encontravam-se ligados às revistas Estudos Brasileiros, editada pelo Instituto de Estudos Brasileiros, que começou a circular em julho de 1938, e Novas Diretrizes, do mesmo ano. Tais revistas configuraram-se como tribuna para propostas de intelectuais como M. Paulo Filho, Moacyr Silva, Nelson Werneck Sodré, Antônio Gavião Gonzaga, João Pinheiro Filho, Luís Amaral e Arthur Neiva. [...] Em conferência realizada no Instituto de Estudos Brasileiros, em 10 de agosto de 1938, M. Paulo Filho alertava para a ‘nacionalização e colonização de fronteiras’, referindo-se ao Brasil como ‘país das fronteiras abandonadas’, notadamente no Sul do Mato Grosso, onde denunciava não haver uma população nacional. 37 Foi criada em 16 de junho de 1939, juntamente com outras, na área de fronteira, pelo Decreto-Lei nº- 1.351, visando:

a) nacionalizar as fronteiras do país, particularmente aquelas não assinaladas por obstáculos naturais; b) criar núcleos de população nacional em trechos de fronteira situados defronte das zonas ou

localidades prósperas do país vizinho, bem como nos daquelas onde haja vias ou facilidades de comunicação, rios navegáveis, estrada ou campos que dêem acesso ao território brasileiro;

c) promover o desenvolvimento da população nacional nas zonas ou localidades das fronteiras onde haja exploração de minas, indústria pastoril ou agrícola em mãos estrangeiras do país limítrofe (SPRANDEL, 1994).

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implantados os Territórios Federais de Ponta Porã e de Iguaçu38, respectivamente, no Sul de

Mato Grosso e no oeste do Paraná. Desse modo, as áreas de atuação da Matte Laranjeira

deixavam de estar sob a alçada desses governos estaduais e passavam para a esfera federal.

Sobre o sucesso ou não da Marcha para o Oeste, são pertinentes as seguintes palavras

de Sprandel (1994, p. 20):

[...] Não quero entrar aqui em considerações sobre a eficiência ou não da "Marcha para o Oeste". Lembro apenas que, no caso da fronteira do Estado do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, onde foram criadas Colônias Agrícolas, a previsão de Oliveira e Waibel estava correta. Do fracasso da experiência, surgiram imensos latifúndios e muitos dos ex-colonos buscaram novas oportunidades em território paraguaio, numa inversão total dos objetivos iniciais previstos.

Essa ação centralizadora e nacionalizadora39 buscou manter a área de fronteira livre

dos regionalismos e das políticas locais que, na visão do Estado Novo, causava o

“despovoamento da fronteira” em favor da concessão dessas terras às companhias

estrangeiras, o que comprometia a segurança nacional. Para tanto, uma das providências para

povoar a região fronteiriça foi a criação, em 1943, da Colônia Agrícola Nacional de

Dourados, a ser instalada no Território de Ponta Porá e que se efetivou, de fato, somente em

1948 (QUEIROZ, 1999).

38 Juntamente com estes dois foram criados os territórios federais do Amapá, do Rio Branco e do Guaporé, pelo Decreto-Lei nº 5.812. 39 Além das ações mencionadas, constou na Marcha para o Oeste: “O Decreto-Lei nº 6.430, de 17 de abril de 1944, dispõe sobre as transações imobiliárias e o estabelecimento de indústria e comércio de estrangeiros na faixa de fronteira. Segundo ele, na faixa de 150 quilômetros ao longo da fronteira do território nacional, as transações de terras particulares só serão permitidas a estrangeiros desde que não ultrapassem dois mil hectares e que a área total de terras a eles pertencentes ou por eles utilizadas em cada município, não exceda o terço da área deste. Tratando-se de arrendamento, o limite passa a ser de 8.000 hectares” (SPRANDEL, 1994).

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3 O ESPAÇO FRONTEIRIÇO DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN CABALLERO

Neste capítulo, argumentamos sobre a importância da conurbação Ponta Porã–Pedro

Juan Caballero para a conexão no e do espaço fronteiriço e o fazemos por meio dos elementos

colhidos na investigação realizada – embasados na coleta e na análise das informações obtidas

em dados primários e secundários, assim como nos trabalhos de campo realizados. Para tanto,

seguimos os parâmetros metodológicos apresentados na introdução deste trabalho. A

comprovação teórico-prática deu-se por meio de uma investigação empírica dos fluxos

existentes entre aquelas cidades e o seu entorno, tendo-se como objetivo, também, quantificar

e qualificar o grau de articulação da conurbação Ponta Porã – Pedro Juan Caballero.

Para operacionalizar as análises comprobatórias da rede urbana, selecionamos algumas

variáveis: sistema urbano e fluxos de pessoas e de mercadorias.

3.1 Um espaço capturado

Pela análise realizada, somos levados a considerar que a estrutura urbana paraguaia

sofre um grave desequilíbrio. Assunção é a única cidade grande em território paraguaio. Nela

concentram-se aproximadamente 30% da população do país. Essa macrocefalia urbana40 leva

a capital paraguaia a se destacar na escala sul-americana, ao lado de São Paulo, Rio de

Janeiro, Buenos Aires e Bogotá. Porém, Assunção desequilibra a estrutura urbana paraguaia

ao concentrar cerca de 60% da população urbana. Assim, o Paraguai demonstra-se uma nação

urbana em sua capital, mas rural em seu território (SOUCHAUD, 2007).

A irregular distribuição populacional paraguaia deixa Pedro Juan Caballero e as

demais cidades de pequeno e médio portes num segundo plano. Dessa forma, essa cidade

40 Existência de uma única cidade que concentra um considerável percentual da população de um país.

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insere-se num espaço inacabado no qual as impressões de decadência e de crescimento se

confundem.

Até meados do século XX, o crescimento demográfico de Pedro Juan Caballero foi

muito lento. Depois desse período, apesar de não constituir uma rede urbana verdadeiramente

paraguaia, a cidade cresceu demograficamente. Entretanto, essa evolução está praticamente

desconectada das demais cidades de nosso país vizinho. Pedro Juan Caballero está,

consideravelmente, mais articulada à rede urbana brasileira. Esse fato rechaça nossas ideias

iniciais de que a conurbação tratava-se de um ponto de contato e intersecção entre as redes

urbanas de ambos os países. Do lado paraguaio, a ligação maior da cidade é com Concepción,

que também sofre forte influência populacional e demográfica dos brasileiros, conforme

destacado a seguir por Souchaud (2007, p. 290):

Las deficiências de la red urbana paraguaya van a favorecer la instauración de um

sistema urbano dominado por los brasileños, el que, si bien discreto y poço

poblado, juega um papel estructurante esencial y conoce um desarrollo importante,

sobre todo después del comienzo de la década del 90.

As cidades fronteiriças paraguaias se estruturam em virtude do exterior. Possuem uma

relação imediata com esse exterior, articulada pelas fronteiras e pelos rios Paraná e Paraguai,

principais eixos de comunicação internacional. Essa tendência territorial faz surgir cidades-

gêmeas paraguaias com as de países vizinhos.

As principais cidades paraguaias são, por ordem de importância, respectivamente:

Assunção, Ciudad del Este, Encarnación, Pedro Juan Caballero e Salto de Guairá.

Observamos que Pedro Juan Caballero é a quarta cidade mais importante do Paraguai e, da

mesma forma que as outras cidades citadas, situa-se na fronteira e constitui cidade-gêmea

(Figura 7).

Outro fato interessante é que, na composição populacional das conurbações ou

cidades-gêmeas destacadas, a cidade vizinha possui população proporcional à do lado

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paraguaio. Essas cidades se desenvolveram por serem nós primordiais numa rede41 e servirem

como elos para fluxos de pessoas e mercadorias. Assim, o que prevalece nessas cidades –

constatado nas idas a campo – é a supremacia do setor terciário. Esse dinamismo

transfronteiriço é base da economia local e, apesar de espontâneo, não deixa de ser

dependente de estruturas estrangeiras (VÁZQUEZ, 2006).

Figura 7 – Esquema das principais cidades-gêmeas paraguaias e estrangeiras em linha de fronteira. Fonte: VÁZQUEZ (2006, p. 37). Concordando com as ideias apresentadas sobre as estruturas urbana e territorial

paraguaias, Souchaud (2007) afirma que a localização periférica das principais cidades

paraguaias não explica seus baixos desenvolvimentos. A motivação principal tem raízes na

natureza das atividades urbanas e rurais:

Los paraguayos no son constructores de ciudades sino de una única ciudad, la

capital, Asunción: dato que debe ser asociado al de una ruptura en la distribuición

jerárquica y espacial del sistema urbano [...] El escaso desarrollo y el desequilibrio

de la estructura urbana provenienen, en realidad, de el escaso grado de ocupación

de los campos interiores y fronterizos. En un comienzo la ciudad se estructura a

partir de la actividad rural de la que capta la renta [...] Luego, pasado cierto nivel

41 Referimo-nos aqui à gênese do conceito de rede, desenvolvido no primeiro capítulo.

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de acumulación, la ciudad se impone sobre el campo y dirige la organización [...]

Hemos visto que los paraguayos son, en su mayoria e históricamente, pequeños

productores campesinos, actividad poco estructurante de la red urbana en razón de

los escasos excedentes que genera y de un casi nulo grado de apertura en el

mercado local o regional [...] (SOUCHOUD, 2007, p. 292).

Nesse caso, como a estrutura socioeconômica paraguaia não é propícia à formação de

um sistema urbano desenvolvido e pouco estruturante de rede urbana, as atividades brasileiras

(mais bem organizadas, mas nem por isso menos injustas) “invadem” o território vizinho e

capturam a frágil rede urbana paraguaia.

Complementarmente, o mesmo autor nos remete ao debate que realizamos na parte

teórica deste trabalho, em que apresentamos alguns investigadores da rede urbana paraguaia

que veem os espaços fronteiriços capturados pela influência brasileira como um enclave,

dando exemplos concretos, como o observado a seguir:

[...] las ciudades fronterizas tienem un impacto muy reducido sobre la estruturación

de los campos fronterizos. Ciudad del Este, Pedro Juan Caballero y Salto del

Guairá continúan siendo enclaves terciarios muy especializados, puntales de las

redes comerciales internacionales [...] En suma, la penetración brasileña es doble,

polariza el exterior de los centros urbanos preexistentes (Pedro Juan Caballero,

Ciudad del Este) e interviene dentro del territorio reorganizado el dispositivo

urbano paraguayo. (SOUCHOUD, 2007, p. 296).

Espaço econômico enclavado ou inserido na dinâmica contemporânea de redes, Pedro

Juan Caballero não compete com Ponta Porã e vice-versa. Como cidades-gêmeas, uma não se

submete à outra e passam a se desenvolver e a crescer populacionalmente de modo

combinado, conforme veremos a seguir.

3.2 Os fluxos dos homens

O estudo sobre redes urbanas serviu, por muito tempo, para caracterizar e classificar as

cidades, sobretudo quanto ao surgimento e ao crescimento delas (urbanização), por

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conseguinte, ao tamanho das cidades. Destarte, os núcleos urbanos aumentam seus efetivos

pelo crescimento vegetativo42 e pelo crescimento demográfico43.

Igualmente, sabemos que as fronteiras não são estanques; mercadorias, informações e,

notadamente, pessoas cruzam esse limite, tornando-as permeáveis e vivas.

3.2.1 Crescimento populacional combinado

Oriundas de um ponto de parada para descanso dos carregadores de erva-mate, no

século XIX, a cidade de Pedro Juan Caballero e a de Ponta Porã cresceram ao longo da linha

internacional e concentraram atividades comerciais e de serviços em ambos os lados da

fronteira. Assim, ocorreu a inserção inicial da conurbação nas economias dos dois países e

tornou-se porta de entrada de migrantes paraguaios e gaúchos, sobretudo para o Oeste

brasileiro. Muitos por aí ficavam, em face das atividades extrativas e das comerciais,

conforme vimos no segundo capítulo.

Verificamos, pelos dados registrados na Tabela 4, que Ponta Porã conta, atualmente,

com mais de setenta e dois mil habitantes; caracteriza-se, portanto, como uma cidade de

pequeno porte. Comparadamente ao período do primeiro registro (1940), observamos que a

sua população mais que dobrou. A população urbana somente ultrapassou a rural na década de

1980, ao passo que esse processo no Brasil ocorreu nas décadas de 1950 e 60, mas não

fugindo à evolução ocorrida na região centro-oeste.

Acreditamos que a redução da população verificada no censo de 1950 tenha ocorrido

por causa da emancipação do atual município de Amambai, no ano de 1948, originado de

porções territoriais e populacionais de Ponta Porã. Outros desmembramentos de Ponta Porã

42 Diferença entre natalidade e mortalidade numa dada localidade em um determinado período de tempo. 43 Trata-se do crescimento vegetativo acrescido dos imigrantes e diminuído dos emigrantes.

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também ocorreram e deram origem aos atuais municípios de Antônio João (em 1964)44; Aral

Moreira (em 1976) e Laguna Carapã (em 1992).

Tabela 4 – Evolução populacional urbano-rural em Ponta Porã (1940-2007)

Situação de domicílio

1940

1950

1960

1970

1980

1991

1996

2000

2007

Rural 26.212 14.108 18.155 19.451 10.587 8.501 5.490 6.533 15.523

Urbana 6.784 5.889 12.107 14.347 27.483 47.040 53.015 54.383 56.684

Total 32.996 19.997 30.262 33.798 38.070 55.541 58.505 60.916 72.207

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censos demográficos de 1940, 1950, 1960, 1970, 1980 e 1991; Contagem populacional de 1996; Censo demográfico de 2000 e Contagem populacional de 2007. Organização: SILVA, R. M.

Ainda na mesma tabela, podemos observar o grande incremento da população rural

ocorrido no período 2000-2007, fato que pode ser explicado pela implantação dos

assentamentos rurais: Corona, Boa Vista, Dorcelina Folador, Itamarati I, Itamarati II e Nova

Era.

Pedro Juan Caballero cresceu, notadamente, em virtude dos processos migratórios que

estão ligados, como na maior parte dos lugares, ao mercado de trabalho. Assim, muitos

camponeses venderam suas pequenas propriedades e se instalaram na periferia da cidade. A

principal ocupação para os novos moradores é o comércio informal que, por sua vez, estimula

novas migrações, conforme destacado a seguir, por Benitez (2008, p. 5): “[...] el mercado

laboral está muy relacionado a los movimientos poblacionales, es así que los migrantes

pasan a formar parte de la fuerza del trabajo de las áreas receptoras [...]”.

Para verificarmos os recentes processos migratórios não-brasileiros dessa cidade

fronteiriça, busquemos os meados da década de 1970, quando os asiáticos – em particular

chineses e coreanos – ingressaram no Paraguai para, de início, serem agricultores. Mas, com o 44 Município oriundo de Ponta Porã e Bela Vista

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passar do tempo, venderam suas terras e se dirigiram às cidades para tornarem-se prósperos

comerciantes. Esse processo ocorreu primeiramente em Ciudad del Este, seguindo-se por

Pedro Juan Caballero e por mais algumas cidades limítrofes ao Brasil, nas décadas seguintes.

Os fluxos migratórios brasileiros para o Paraguai tiveram início na década de 1960;

porém; o grande impulso ocorreu a partir da década posterior com a formalização dos

Tratados de Itaipu (1973) e de Amizade e Cooperação (1975), introduzindo investimentos

nacionais nesse país. A economia paraguaia recebeu capitais brasileiros na agricultura

comercial (especialmente a soja) e na pecuária, concentrados nas regiões fronteiriças com o

Brasil.

Anteriormente ao fluxo de imigrantes de origem asiática, o departamento de

Amambay tornou-se zona de expansão agrícola, nos anos 1960 e 1970, constituindo-se na

primeira região produtora de café no Paraguai, dando condições para que o país fosse o

terceiro produtor da América. Para a cultura cafeeira implantada nesse departamento, visto

que os camponeses paraguaios ainda não tinham conhecimento desse cultivo, levas de

brasileiros deslocaram-se. Baianos, paranaenses e gaúchos, em especial, foram à procura de

oportunidades nos cafezais. Entretanto, estes desapareceram ou cederam lugar à atividade

madeireira, que, por sua vez, diminuiu bastante até os dias de hoje. Como resultado desse

processo migratório, muitos brasileiros permaneceram em solo paraguaio, tanto no campo,

com a cultura da soja, nos anos 1980 e 90, ou indo para as cidades engrossar o comércio

informal (BENITEZ, 2008).

Os “primeiros” migrantes brasileiros recebidos pelo Paraguai eram pequenos

proprietários arrendatários e posseiros expulsos pelo processo de modernização do campo no

Brasil. Mesmo que não se localizem especificamente na fronteira do estado de Mato Grosso

do Sul com o Paraguai, os departamentos de Alto Paraná e Caaguazu (atual Canindeyú) foram

os primeiros a receber os migrantes brasileiros. Em sua grande maioria eram migrantes

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pobres, provenientes do Norte e do Nordeste e, em sua maior parte, pequenos e médios

agricultores provenientes dos estados do Sul do Brasil, formando um verdadeiro processo de

colonização em terras paraguaias.

Esse fluxo migratório aumentou agressivamente, requisitando, sobretudo, migrantes de

nosso estado e do Paraná, por meio de um processo de colonização privada de grandes

proprietários brasileiros, conforme se pode confirmar neste excerto:

[...] os grandes proprietários brasileiros, donos de terras no Paraguai passaram a contratar famílias de pequenos produtores rurais, principalmente dos estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, que foram levados como arrendatários ao Paraguai [...] ali estas famílias desmataram e prepararam a terra para o plantio de pastos ou para o mercado agrícola. (RIQUELME, 2005, p. 63).

De modo geral, a migração brasileira caracteriza-se por seu volume, densidade e

concentração geográfica na região fronteiriça; alguns distritos chegam a constituir 70% da

população em dedicação à atividade agrícola e poderio econômico.

Riquelme (2005) aborda a temática da soberania paraguaia sob o ponto de vista da

presença de brasileiros em terras desse país. Ele afirma que, desde a década de 1970, há um

grandioso ingresso de agricultores e capitais brasileiros que formam os chamados enclaves da

soja, com benefícios particularizados e prejuízos socializados, conforme visto a seguir:

[...] O modelo agro-exportador baseado no cultivo e no comércio da soja, sem dúvidas, gerou divisas para o Paraguai e enriqueceu um grupo seleto de brasileiros e seus sócios paraguaios. Mas ao mesmo tempo, desarticulou a economia familiar rural, desencadeou migrações internas e saturou os mercados de trabalho urbano, aumentou os índices de pobreza e baixou os níveis de qualidade de vida em grandes setores da população paraguaia. Da mesma maneira, acelerou o processo de devastação dos recursos naturais provocando danos à ecologia e ao meio ambiente (RIQUELME, 2005, p. 50).

As consequências desse modelo agro-exportador, da modernização da agricultura e da

expansão da fronteira agrícola brasileira, em território paraguaio, foram semelhantes aos

ocorridos em nossas terras. Essas principais transformações se deram por desarticulação da

produção agrícola familiar voltada ao consumo interno, fluxos migratórios em massa para a

fronteira agrícola, reestruturação agrícola, formação de novos latifúndios, aceleração da

monocultura comercial da soja, desemprego rural, intensificação da migração interna rural-

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urbana e degradação ambiental. A causa maior dessas modificações, segundo Riquelme

(2005), foi a política de “portas abertas” ao capital e à mão-de-obra brasileira.

Uma das consequências danosas de processos migratórios brasileiros e não-brasileiros

foi o crescimento urbano desordenado e a falta de regulação e ordenamento territorial, como

bem caracterizado no texto a seguir:

Caminábamos por la línea. Era un lugar donde había espacio, verde y alguna poca

basura, de los negocios para turista del micro centro de Pedro Juan Caballero.

Algunas veces había un olor a caballo y un carrito que vendía yagua hacu y ybira

soó.

En la entrada de la ciudad estaban los aserraderos, y por la ruta los rolleros de

ybiraro mi.

Con el pasar del tiempo no podíamos caminar más pues a cada día un nuevo lugar

se construía y el camino se trancaba. Hasta que dejamos de pasar por ahí […] (BENITEZ, 2008, p. 01).

Conhecedores de que a culpa pela desorganização urbana não pode ser atribuída ao

crescimento populacional, vemos que, de fato, houve um grande incremento demográfico em

Pedro Juan Caballero nos pouco mais de cinqüenta anos (Tabela 5). A sua população está oito

vezes maior. Os dois primeiros decênios observados, anos 1950 e 1960, foram os que

alcançaram maior crescimento. Atualmente, a taxa de crescimento está em torno de 1,3%.

Tabela 5 – População urbana e rural em Pedro Juan Caballero (1950-2002)

Situação de domicílio

1950

1962

1972

1982

1992

2002

Rural 7546 15570 27597 13568 23704 23597

Urbana 3968 10355 21105 37240 53566 64592

Total 11514 25925 48702 50808 77270 88189

Fonte: DGEEC. Organização: SILVA, R. M.

Verificamos que, se em relação às atividades econômicas, as cidades-gêmeas não se

sobrepõem uma a outra, o mesmo também se aplica aos contingentes populacionais, conforme

podemos constatar na Tabela 6 e visualizar na Figura 8.

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Tabela 6 – Evolução populacional em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã de 1950 aos dias atuais

Cidade

Anos 1950

Anos 1960

Anos 1970

Anos 1980

Anos 1990

Início século XXI

Ponta Porã

19.997 30.262 33.798 38.070 55.541 72.207 Pedro Juan

Caballero

11.514 25.925 48.702 50.808 77.270 88.189 Total 31.511 56.187 82.500 88.878 132.811 160.396 Fonte: IBGE e Dirección General de Estadística y Censos (DGECC).

Se analisarmos em conjunto, Pedro Juan Caballero (com 88.189 pessoas) e Ponta Porã

(com 72.207 moradores) têm uma população, atualmente, superior a 160.000 habitantes. Com

esse contingente populacional e pela peculiaridade de serem cidades-gêmeas fronteiriças,

deveriam ser mais bem consideradas por políticas públicas de ambos os países.

Figura 8 – Gráfico de crescimento populacional das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero Fonte: IBGE e DGECC.

0

20 .00 0

40 .00 0

60 .00 0

80 .00 0

100 .00 0

120 .00 0

140 .00 0

160 .00 0

180 .00 0

anos 19 50 anos 1960 ano s 1970 ano s 1980 anos 199 0 séc. XXI

Ponta Porã Pedro Juan Caballero ambas as cidades

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3.2.2 A faceta da recém função universitária

A fim de aferir, em nossa investigação, as articulações transfronteiriças exercidas pela

conurbação, escolhemos os fluxos de pessoas que se deslocam para ali, com o objetivo de

complementar seus estudos em nível de graduação e de pós-graduação. Mais uma vez a

condição de fronteira é primordial para que muitos brasileiros de cidades vizinhas, de diversos

estados e de lugares muito distantes dirijam-se para Pedro Juan Caballero e para Ponta Porã,

em busca de qualificação ou de aperfeiçoamento profissional.

Vimos que ocorre uma complementaridade bastante interessante: na cidade paraguaia

estão instaladas nove instituições de Ensino Superior (sendo a Universidade Nacional de

Asunción, UNA, pública e as outras particulares), destinadas, sobretudo, à oferta dos cursos

cujo investimento financeiro é mais elevado no Brasil (medicina, enfermagem e os de pós-

graduação); no lado brasileiro há quatro universidades: uma pública e três privadas, que não

concorrem com as paraguaias.

Conforme foi comentado na parte em que abordamos os pressupostos teóricos, a

compreensão do meio geográfico fronteiriço requer um grande esforço para sistematizar os

diversos vetores e suas resultantes que atuam nesse espaço, em especial, o movimento da

população representado pelos universitários e pós-universitários. Uma das resultantes

encontra-se na complementaridade existente na fronteira, pois esta possui especificidades e

particularidades próprias.

Portanto, essas instituições de ensino superior apontam para uma das novas facetas da

reinserção da conurbação neste novo milênio, conforme já nos informara Vázquez (2006, p.

78), sobre Pedro Juan Caballero:

[...] la reconversión de la ciudad se orienta actualmente a los servicios educativos terciarios originados en la instalación de diversas universidades privadas así como

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en la demanda joven, tanto paraguaya como brasileña, que percibe el futuro con una mirada “profesional” [...]

A opção educacional é uma alternativa para a instabilidade da atividade comercial,

extremamente vulnerável às oscilações cambiais, em particular em momentos de crises

econômicas, conforme a “teoria” nos indica e conseguimos constatar em nossa pesquisa

empírica.

Constatamos que em Pedro Juan Caballero a procura pelos cursos se faz por

brasileiros e por paraguaios residentes na conurbação ou não. Nossa investigação pautou-se,

notadamente, na descoberta de instituições, de cursos, de quantitativos, de nacionalidades e de

motivações centrais para a realização de estudos, tudo relativo aos alunos matriculados em

instituições de ensino superior, sediadas nessa cidade.

Destacamos que o ambiente fronteiriço está repleto de integrações funcionais (visíveis

ou invisíveis) e de integrações formais45. Os estudantes brasileiros que cruzam a fronteira para

complementar seus estudos estão circunscritos na chamada complementaridade funcional

visível fruto de uma permissividade bastante característica do ambiente fronteiriço e do

aparente conflito “formal-funcional”. A complementaridade cotidiana fronteiriça faz surgir

formas espaciais, como as universidades, e fluxos de pessoas para aí adquirirem seus produtos

e serviços.

Assim, conforme observado por nós no levantamento referente ao Ensino Superior

fronteiriço, e confirmado por Oliveira (2008, p.8): “[...] a população geral cruza a fronteira

para adquirir uma diversidade de mercadorias e serviços (saúde, educação etc), transacionar

moedas sem considerar os trâmites formais e, na maioria dos casos, tolerada – aqui chamada

de complementaridade visível. [...]”

Para demonstrarmos um dos vieses da complementaridade funcional visível,

primeiramente fizemos um levantamento das nove instituições da cidade paraguaia (Figura 9),

45 Mais adiante abordaremos as concepções desses termos.

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Figura 9 –– Mosaico das universidades paraguaias em Pedro Juan Caballero. Na sequência, da esquerda para a direita: Universidad Católica, UPAP, Universidad del Pacífico, UTCD, UNINORTE, Universidad Columbia, UTIC, UNA e Universidad Tres Fronteras.

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todas denominadas universidades. Observamos que os critérios paraguaios para que uma

instituição de ensino superior seja denominada Universidade são um pouco diversos dos

adotados no Brasil. Assim, deparamo-nos com algumas instituições com estrutura física muito

precária e mínima: poucas salas e sem bibliotecas, entre outras. Do mesmo modo,

aparentemente, verificamos o funcionamento de um número reduzido de cursos nessas

instituições.

São muitos os cursos de graduação; concentram-se nas áreas médicas, humanas e

engenharias. Portanto, bastante amplo. Porém, chamou-nos a atenção o quantitativo de alunos

nas faculdades médicas (Medicina, Enfermagem, Odontologia e outras afins) (Tabela 7).

Como é do senso comum, sabemos que o principal fator para a grande procura desses cursos é

o custo da mensalidade que, em muitos casos, pode chegar a um quarto do valor praticado em

território brasileiro. Daí ser comum constatar a presença de muitos brasileiros em salas de

aulas paraguaias. Para exemplificarmos, em uma das instituições pesquisadas, Universidad del

Pacífico, do total de duzentos e cinqüenta alunos matriculados em Medicina, cento e

cinqüenta, em torno de 60%, são brasileiros não residentes em Ponta Porã. É comum vermos,

em períodos próximos às matrículas, propagandas em revistas, jornais, outdoors e televisão e,

ainda, por meio de panfletagens, em Campo Grande (Figura 10).

Em outra instituição, a Universidad del Norte (UNINORTE), dos mil e duzentos

estudantes quase um terço (350) é de brasileiros.

A procura por esses cursos em Pedro Juan Caballero é tão grande que, segundo

informações das secretarias dessas e de outras universidades pesquisadas, há brasileiros

oriundos de mais de mil quilômetros de distância, dos estados de São Paulo, Minas Gerais

entre outros. Destacamos, também, que não nos foi possível estimar o quantitativo de

estudantes paraguaios oriundos de outros municípios e demais regiões do Paraguai. Mas,

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sabemos que esse número é bastante significativo, ante a economia de aglomeração das

universidades estabelecidas na fronteira.

Tabela 7 – Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior paraguaia, em Pedro Juan Caballero, segundo as carreiras cursadas e a nacionalidade brasileira.

Alunos Instituições de Ensino Superior

Cursos Brasileiros Matriculados

Universidad Columbia

- Direito, Administração e Computação 45 850

UNINORTE - área médica (Medicina, Nutrição, Enfermagem, Obstetrícia, Odontologia, Fisioterapia) - outras (Direito, Administração, Ciências Contábeis e Computação)

350 1200

Universidad del Pacífico

- área médica (Medicina, Nutrição, Enfermagem, Obstetrícia, Odontologia, Fisioterapia)

150 250

UTIC - área de Humanas - pós-graduação (mestrado em Educação)

5 180

Universidad Católica

- Enfermagem - área de Humanas

33 571

- pós-graduação (Doutorado em Educação) 30 UTCD - pós-graduação (Mestrado em Educação, Ciências Ambientais, Psicologia Clínica, Administração, Psicopedagogia)

300

350

- Direito 3 UNA - Agronomia 30

1200

- Direito e Engenharia Civil 1 UPAP - pós-graduação (Mestrado em Direito Público Internacional)

27 87

UTF - pós-graduação (Mestrado em diversas áreas)

– 50

TOTAL 974 4738 Fontes: Universidad Columbia, Universidad del Norte (UNINORTE), Universidad del Pacífico, Universidad Tecnológica Intercontinental (UTIC), Universidad Católica, Universidad Técnica de Comercialização de Desenvolvimento (UTCD), Universidad Nacional de Asunción (UNA), Universidad Politécnica y Artística de Paraguay (UPAP) e Universidad Tres Fronteras (UTF), em 2008. Organização: SILVA, R. M. Nota: O quantitativo de alunos brasileiros refere-se aos desta nacionalidade não residentes em Ponta Porã.

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Em relação aos cursos de pós-graduação a demanda também é igual aos da graduação.

Além da questão econômica, reparamos que outro importante fator contribui para que

brasileiros de estados diversos e longínquos desloquem-se, quinzenalmente ou mensalmente,

para terem dois ou três dias de aulas: é a facilidade de ingresso em um curso de mestrado ou

doutorado. Os cursos oferecidos, em sua maioria, são os de Humanas (sobretudo em

Educação, Ciências Ambientais, Psicologia e Administração), pois não requerem muitos

investimentos (laboratórios, materiais, instrumentos e acompanhamento detalhado na prática

investigatória) nem há rigor no processo seletivo para ingresso nesses cursos.

Figura 10 – Imagem de propaganda veiculada em jornal de grande circulação na cidade de Campo Grande-MS. Fonte: Jornal Correio do Estado, em 14 Jan 2008.

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Em nossas visitas às instituições paraguaias, tivemos conversas dirigidas com alguns

gestores educacionais e seus auxiliares. Percebemos que o público brasileiro é seu grande

objetivo. Na Universidad Técnica de Comercialização de Desenvolvimento (UTCD), por

exemplo, mais de 90% dos pós-graduandos são brasileiros; dos 350 alunos matriculados 330

residem em território brasileiro. Numa outra instituição, Universidad Politécnica y Artística

de Paraguay (UPAP), 100% dos mestrandos em Direito Público Internacional são brasileiros

residentes em: Campo Grande, Dourados, Amambaí e algumas cidades do interior paulista.

Mas nem sempre as informações são passadas facilmente. Quanto ao quadro de

carreiras de uma certa universidade paraguaia, fomos informados, durante a pesquisa social,

de que não há cursos regulares. Grupos são montados conforme as demandas, notadamente,

para os cursos de Pós-graduação. Ainda em relação a essa instituição, apesar de a direção ter

informado que não havia brasileiros nos cursos, deparamo-nos com diversos estudantes

conversando em português. Acreditamos que nos foram omitidas algumas informações em

razão de esta universidade ser a mais recente em Pedro Juan Caballero e, pelo que tudo indica,

não estaria, na época (2008), devidamente autorizada a funcionar nessa cidade.

Vemos, assim, que um verdadeiro circuito econômico surge em decorrência da função

universitária. Estrutura física para receber os estudantes (hotéis e restaurantes), divulgadores e

agenciadores de estudantes, assim como transporte alternativo para deslocamento das cidades

de origem à conurbação têm-se tornado cada vez mais comuns. Isso demonstra que as

articulações formais dependem das funcionais e vice-versa, pois, de acordo com Oliveira

(2008, p. 04) “[...] na fronteira, há uma mobilidade que obedece a uma lógica própria. [...]”.

Para exemplificarmos um caso de complementaridade funcional, descobrimos que,

regularmente, há alguns anos, existe uma linha de ônibus de Campo Grande a Pedro Juan

Caballero. O transporte não ocorre somente com estudantes daquela cidade, mas, também, de

muitas outras de Mato Grosso do Sul e de outros estados, como São Paulo e Mato Grosso.

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Acrescentamos que a rede está em processo de ampliação, uma vez que, há um ano, passou a

realizar o transporte de alunos de Rondonópolis e Cuiabá, ambas desse último estado.46

Verificamos que o transporte é realizado na seguinte periodicidade: quinzenalmente

saem, de Campo Grande, dois ônibus de turismo e no final de semana subseqüente sai um; há

uma linha mensal de Cuiabá e outra, da mesma maneira, de Rondonópolis. Dessas três

cidades há um total de aproximadamente 200 pessoas que vão estudar na cidade paraguaia.

Sabemos, também, que muitos estudantes utilizam outros transportes como vans e carona

solidária, porém, não foi possível quantificar (Figura 11).

Figura 11 – Mapa de fluxos de universitários e pós-universitários brasileiros com destino a Pedro Juan Caballero.

46 Essas informações foram obtidas com um agenciador de estudantes brasileiros, na cidade de Campo Grande.

Campo Grande

Dourados

Pedro Juan Caballero

BRASIL

Concepción

Ponta PorãPARAGUAI

de o

utra

s cid

ades

par

agua

ias

de S

ão P

aulo

de C

uiab

á e

Ron

donó

polis

Legenda

Fluxos de universitários e pós-universitários

N

Escala: 1:3.000.000

Laboratório de GeoprocessamentoDGC/CPAQ

Organização: SILVA, R. M. (2009)Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)

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Confeccionamos o mapa dessa ilustração embasados nas dinâmicas territoriais

representadas na Figura 347, apresentada na segunda parte deste trabalho. Naquela ilustração,

podemos verificar que as interações transfronteiriças ocorrem prioritariamente por intermédio

das cidades-gêmeas, daí a importância ímpar desses núcleos urbanos. O mérito dessas cidades

está em catalisarem, “numa só vez”, as articulações formais e funcionais (variáveis em

intensidade e sentido). A referida figura aponta que, ainda que de um só lado da fronteira, um

dos núcleos urbanos desenvolve (e comanda) articulações com outras cidades de menor porte,

que fazem parte da sua área gravitacional. Essa sub-região, formada e sustentada em

decorrência das complementaridades existentes na fronteira, contribuirá para o aumento das

articulações formais e funcionais presentes nas cidades-gêmeas.

Por isso, não é de surpreender que em Ponta Porã exista um considerável número de

instituições de Ensino Superior – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS),

Faculdades Integradas de Ponta Porã/UNIDERP/Anhanguera (FIP), Faculdades de Ciências

Administrativas de Ponta Porã e Faculdade de Tecnologia de Ponta Porã (FAP/FATEP) e

Faculdade de Ciências Contábeis de Ponta Porã (MAGSUL) – que, de maneira alguma,

chegam a competir com as instaladas no lado paraguaio (Figura 12).

Desse modo, em Ponta Porã, verificamos que os cursos são essencialmente em nível

de graduação. Em nível de pós-graduação, encontramos somente o curso de especialização em

Letras, pela UEMS48 e alguns outros, também de especialização, na modalidade semi-

presencial, oferecidos pelas outras instituições de Ensino Superior brasileiras.

47 Ver essa figura na página 23 deste trabalho. 48 Cujos dados não incluímos em nossa pesquisa pelo fato de esse curso não funcionar naquele campus definitivamente; a cada ano ele é desenvolvido numa unidade diferente daquela universidade.

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Figura 12 –– Mosaico das universidades brasileiras em Ponta Porã. Na sequência, da esquerda para a direita: FIP/Uniderp, Magsul, FAP/FATEP e UEMS.

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Quanto aos cursos disponibilizados, predominam os da área de Humanas; quase não

há os de engenharia e não existem as chamadas carreiras médicas (Tabela 8).

Tabela 8 – Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior brasileira, em Ponta Porã, segundo a

carreira cursada e a cidade de origem.

Quantitativo de alunos Cidade de origem

Instituições de ensino superior

Cursos Matriculados

Ponta Porã

Outros municípios

Ciências Contábeis 134 134 – Administração 195 ND ND Ciências Econômicas 160 ND ND

UEMS

Normal Superior

100 60 40

Administração 162 Computação 49

Direito 332

FIP

Letras

63

606

256

350

FAP/FATEP Administração, Ciências Contábeis, Letras, Geografia, História e Engenharia Civil

408

377

31

MAGSUL Pedagogia, Educação Física, Artes e Biologia

625 459 166

1286 587 TOTAL

2228

1873 Fontes: UEMS, FIP, FAP/FATEP e MAGSUL, 2008. Organização: SILVA, R. M. Notas: ND (Informação não disponível).

Ainda em relação aos cursos de Ponta Porã, observamos que todos funcionam no turno

da noite, excetuando-se dois da UEMS: Ciências Contábeis, que funciona pela manhã e o

Normal Superior, semi-presencial com encontros quinzenais, nos finais de semana. Todos os

cento e trinta e quatro alunos do curso de Ciências Contábeis da UEMS residem em Ponta

Porã. Apesar de não conseguirmos saber quantos moram na cidade por fazerem o curso, é de

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amplo conhecimento que muitos estudantes são oriundos de outros municípios e residem em

pensões, em repúblicas e em casas de familiares dessa cidade.

Constatamos que a diferença entre o número de alunos matriculados e o da cidade de

origem ocorre por conta de não termos os dados dos cursos de Administração e de Ciências

Econômicas da UEMS, discriminados com “ND” (informação não disponível). Porém, esses

quantitativos, “matriculados” e “cidade de origem”, respectivamente, 2228 e 1873 alunos, não

são discrepantes entre si, levando-se em consideração a falta daquela informação.

Podemos notar que as informações constantes na tabela 9 demonstram, especialmente,

as cidades de domicílio-origem dos estudantes em nível superior.

Tabela 9 – Quantitativo de alunos por local de domicílio segundo as instituições de ensino superior brasileiras

em Ponta Porã.

Quantitativo Local de domicílio

UEMS FAP/FAT

EP

MAGSUL FIP

Antônio João ND - 36

Amambaí ND - 64

Aral Moreira ND - 17

Coronel Sapucaia ND - 22

Bela Vista ND - 27

Dourados 5 4 -

Fazenda Itamarati ND 12 -

Sem informação 35 5 -

350

40 31 166 350

Total

587

Fontes: UEMS, FIP, FAP/FATEP e MAGSUL, 2008. Organização: SILVA, R. M. Nota: ND (Informação não disponível)

Nessa tabela observamos que há 587 alunos que fazem o percurso, diariamente, de

cidades como Antônio João, Amambaí, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Bela Vista e

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Dourados e de localidades próximas – Fazenda Itamarati e bairros distantes de Ponta Porá,

para as instituições de ensino superior desse município. Do mesmo modo que em Pedro Juan

Caballero, do lado brasileiro, podemos considerar a cidade fronteiriça brasileira como um

polo universitário.

Ressaltamos que a tabela 10 traz informações valiosíssimas e bem mais completas em

relação a esses parâmetros. Nesse levantamento, as informações referem-se ao quantitativo

por cidade de domicílio, obtidas diretamente com os condutores de transporte alternativo.

Acreditamos que essas informações sejam confiáveis e mais próximas da realidade que as

obtidas junto às instituições de ensino superior. Nessas entrevistas, encontramos o

quantitativo de 647 alunos que moram fora de Ponta Porã, portanto, bastante próximo dos 587

estudantes do registro anterior. Alertamos que, apesar de as fontes dessa tabela não serem de

órgãos “oficiais”, elas foram obtidas junto a profissionais que fazem diariamente o trajeto das

diversas cidades fronteiriças para Ponta Porã, em alguns casos, há muitos anos.

Tabela 10 – Quantitativo de alunos de instituição de ensino superior que cursam em Ponta Porã por

origem de domicílio.

Alunos Domicílios

em números %

Antônio João 140 24,64

Amambaí 196 30,29

Aral Moreira 46 7,11

Coronel Sapucaia 55 8,5

Bela Vista 140 21,64

Dourados 20 3,09

Fazenda Itamarati 50 7,73

Total 647 100

Fonte: pesquisa social realizada junto aos condutores de transporte alternativo, em 2008. Organização: SILVA, R. M.

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Assim, adotamos essas informações para qualificar e quantificar. Além disso,

acreditamos que seja uma das missões primordiais de um geógrafo, espacializar o fenômeno

estudado, em nosso caso, os fluxos de pessoas.

Com o olhar de volta à Tabela 10, observamos que o município com maior número de

estudantes é o de Amambaí, com quase um terço (30,29%); Bela Vista e Antônio João estão

empatados em segundo lugar, ambos com 21,64 %, e Dourados é o que possui o menor fluxo,

com 3,09%. A última colocação se explica pelo fato de Dourados estar, na rede urbana,

hierarquicamente, acima de Ponta Porã, além de abrigar universidades e faculdades de maior

porte.

Ao examinarmos as informações relativas aos municípios da conurbação, os números

indicam quase sete mil estudantes matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação

(Tabela 11).

Tabela 11 – Quantitativo de alunos de ensino superior paraguaio, em Pedro Juan Caballero, e brasileiro em Ponta Porã

Brasileiros não residentes na conurbação

Município

Matriculados

em números

%

Ponta Porã

2228 647 29,04

Pedro Juan

Caballero

4738 974 20,56

Ambos os municípios

6966 1621 23,27

Fontes: universidades instaladas em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, em 2008. Organização: SILVA, R. M.

Vemos que essas vagas são ocupadas por pessoas oriundas de outras localidades. No

lado brasileiro, aproximadamente um terço dos estudantes (29,04%) não são de Ponta Porã,

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mas residem nas cidades que estão sob a influência desse município. Em Pedro Juan

Caballero, 20,56% dos universitários e pós-graduandos são brasileiros que vêm de lugares

muito distantes, sem contar os muitos paraguaios oriundos de outras localidades. Nas duas

cidades, quase um quarto dos estudantes são “de fora”.

Tendo-se em conta que em Pedro Juan Caballero predominam os cursos da área

médica (Medicina, Enfermagem e afins) e os de pós-graduação (mestrado e doutorado),

observamos uma complementaridade, no campo educacional, entre essa cidade e Ponta Porã,

que possui, em sua grande maioria, cursos de graduação (Figura 13).

Figura 13 – Mapa de fluxos de estudantes brasileiros para Ponta Porã. Fonte: pesquisa social realizada junto aos condutores de transporte alternativo, em 2008.

De certo modo, já prevíamos essa configuração em nossas hipóteses e as idas a campo

serviram para corroborar as expectativas. Assim, as articulações formais complementam as

funcionais e também no sentido inverso.

Campo Grande

Dourados

Pedro Juan Caballero

BRASIL

Ponta Porã

PARAGUAI

Legenda

Fluxo de universitários

N

Escala: 1:3.000.000

Laboratório de GeoprocessamentoDGC/CPAQ

Organização: SILVA, R.M. (2009)Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)

Aral Moreira

Amambaí

Coronel Sapucaia

Antônio João

Bela Vista

3%

7 %

8%

30%

21%

24,64%

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Nossas análises apontam para a formação, na conurbação, de um polo universitário, no

qual dois fatores são importantíssimos: a condição de fronteira - pois é possível estudar no

lado paraguaio e residir no brasileiro, o que traz sensíveis vantagens culturais e de adaptação;

o outro, mais evidente, trata-se do custo reduzido dos estudos, ainda que – sem querer avaliar

o nível de qualidade desses cursos – após a conclusão, haja, em território brasileiro,

dificuldades para validar e reconhecer práticas e conhecimentos adquiridos na cidade-gêmea

em questão.

Portanto, confirmamos, na prática, o que a teoria nos alerta: na fronteira existem as

mais variadas complementaridades que nem sempre estão amarradas aos ditames formais, tal

como observa Oliveira (2005, p. 377): “[...] As coisas, os fatos, os atos – enfim a vida – que

ocorre ali, é movida por necessidades e/ou vontades que fogem dos grilhões do escopo legal.”.

Por outro lado, mesmo que a vontade eterna do ser humano seja a de generalizar e

classificar, esse autor nos alerta, ainda, que essas complementaridades criam um território

bastante singular em relação ao Estado-nação e entre si mesmas. Assim, uma fronteira jamais

se aproximará de outra, cada fronteira constitui-se numa única fronteira.

3.3 Os fluxos de mercadorias

As relações de Pedro Juan Caballero – de acordo com a nossa observação – com o seu

entorno rural é bastante restrita; a sua base econômica está no desenvolvimento, sobretudo,

comercial e financeiro. Estrutura semelhante possui Ciudad del Este (segunda maior cidade

paraguaia), porém, com volume muito superior, em vista do estímulo proporcionado pela

construção da usina hidrelétrica de Itaipu, nos anos 1970 e 80 e, atualmente, à condição de

zona franca. Vertiginosamente, essa cidade torna-se centro financeiro internacional e centro

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de comércio internacional de materiais eletrônicos e informáticos, de produtos de consumo de

luxo (bebidas, perfumes e cigarros), com fins à reexportação para o Brasil.

Percebemos que o que ocorre nessas cidades está estritamente vinculado à relação de

interdependência que a fronteira mantém com o exterior, “fugindo”, portanto, ao escopo do

Estado-nação e demarcando as tendências descentralizadoras peculiares do processo de

globalização. Se por um lado ocorre isso, num outro viés aumentam a complementaridade e a

competitividade nos mercados internacionais, características das cidades-gêmeas.

Não estranhamos que outras cidades paraguaias recém fundadas, nos anos 1960/70,

próximas à linha de divisa com o Brasil aproveitaram a condição de fronteira para seguirem

os passos de Ciudad del Este, a partir dos anos 1990. Mesmo cidades antigas como Pedro

Juan Caballero e Salto del Guairá também aproveitam a proximidade de mercados e

populações brasileiras para praticarem a reexportação, apenas com o detalhe de não serem

zona franca. Daí podermos explicar a vinculação de Pedro Juan Caballero com Ciudad del

Este, de onde vêm os produtos mencionados anteriormente.

Desse modo, verificamos que a condição de fronteira – acrescida da vantagem de ser

seca e por meio de duas cidades-gêmeas – faz Pedro Juan Caballero se especializar na

comercialização de produtos importados. O núcleo urbano dessa cidade, no fundo, é centro de

comércio internacional das mercadorias mencionadas com destino aos mercados brasileiros.

As vantagens cambiais competitivas, oriundas de políticas monetárias paraguaias e brasileiras

– porém, nem sempre estáveis – são o principal motivo para que um número significativo de

turistas brasileiros se dirija para Pedro Juan Caballero a fim de adquirirem esses produtos

estrangeiros, em particular para consumo próprio.

Conferimos, junto à Câmara de Comércio de Pedro Juan Caballero, que, diariamente,

cerca de três mil pessoas realizam compras nessa cidade. Atualmente, há em torno de 650

estabelecimentos comerciais registrados. Entretanto, esse quantitativo oscila bastante por

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causa da instabilidade do câmbio monetário. O aumento do comércio na cidade também é

verificado na paisagem, com a presença formal de bancos e lojas comerciais de porte (como o

Shopping China49) e com a marca funcional representada pelos ambulantes e pelo Shopping

Mercosul50, apenas para citar, na paisagem fronteiriça. Quanto à população economicamente

ativa, presumimos que 70% das vagas de trabalho na fronteira encontram-se na atividade

comercial.

Quanto aos fluxos de mercadorias, faz-se necessário discernir as complementaridades

que as cidades-gêmeas realizam. Nas ideias apresentadas por Oliveira (2005), a fronteira pode

integrar-se por meio de duas maneiras distintas e variáveis, porém não contraditórias: uma de

cunho completamente funcional e outra de natureza formal, que, na verdade, complementam-

se.

A integração funcional não se confunde com ilegalidade, ilicitude ou contravenção.

Ela parte, no dizer de Wong-Gonzáles (2005), das “fuerzas del mercado”. Portanto, não estão

à margem da economia, mas no seu âmago. É concebida pelas articulações, no caso

transfronteiriças, dos atores sociais presentes: no comércio, nos serviços e na produção

industrial de proximidade, sem respaldo formal; nos empréstimos remunerados, ou não, de

máquinas, equipamentos e instrumentos para aplicação, em especial, no campo; na compra de

pequenos imóveis; nas pequenas transações de capitais.

A funcionalidade da fronteira se aproxima bastante da concepção de circuito inferior

da economia que, num outro estudo nosso sobre informalidade, vimos ser

essencialmente constituído pelas formas de fabricação “não-capital intensivo”, pelos serviços não modernos fornecidos “a varejo” e pelo comércio não-moderno e de pequena dimensão. Os empregos oferecidos nesse setor raramente são permanentes e sua remuneração situa-se com freqüência no limite ou abaixo do mínimo vital. O contrato, frequentemente, assume a forma de um acordo pessoal entre patrão e empregado. Aqui têm importância os trabalhos familiar e autônomo. A média de

49 Moderna loja que comercializa reexportados. Antes, localizava-se no centro da cidade; atualmente, afastou-se, mas tornou-se referência na paisagem urbana devido ao seu tamanho com amplo estacionamento e comodidades para compra, alimentação e lazer, nos moldes dos shopping centers. 50 Associação de vendedores “informais” de reexportados que se concentram, pelo lado paraguaio, nas proximidades da linha internacional entre as duas cidades.

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ocupados por unidade de produção é baixa; mas em compensação, o número global de pessoas ocupadas é considerável. Esse circuito é o verdadeiro fornecedor de ocupação para a população pobre da cidade e os migrantes sem qualificação (SILVA, 2002 p. 38).

Ainda acerca do circuito inferior e, por extensão, às manifestações funcionais, Santos

(1979, p. 38) confirma nossas concepções sobre esses aspectos ao afirmar que “o circuito

inferior não é informal [...] pois tem sua própria organização e suas próprias leis operacionais

e de evolução [...]”, caracterizado por um número máximo de oportunidades de emprego com

um volume mínimo de capital.

Embora possa parecer confuso, o outro espaço econômico é o circuito superior que,

“oposto” ao circuito inferior, possui relações de complementaridade e concorrência. O

circuito superior, de um modo geral engloba atividades que utilizam o capital de forma

intensiva e uma tecnologia de médio e alto nível, o que o aproxima da integração formal.

Como exemplos desse subsistema, temos o comércio e a indústria do tipo exportação e

reexportação, as atividades bancárias, a indústria urbana moderna, os serviços modernos, os

atacadistas e transportadores (SILVA, 2002).

A integração formal, vista como legado do circuito superior, possui um viés legal e

tende à complementaridade de feição jurídica. A verticalidade (de cima para baixo) é a sua

maior característica. Entre alguns casos, temos: os acordos bilaterais; as importações e

exportações aduaneiras; os estabelecimentos de entidades supranacionais; os intercâmbios

estudantis, científicos e tecnológicos; os protocolos de combate ao narcotráfico; os programas

de controle fitossanitário; os acordos administrativos municipais (com fins de planejamento,

estímulo ao comércio e ao turismo local, à preservação da natureza, à disposição final de

resíduos sólido); os protocolos de intenções e muitas outras formas associativas e combinadas

(OLIVEIRA, 2008).

Essas atividades, funcionais e formais, constituem um sistema único da economia

urbana e fazem com que as cidades não possam mais ser estudadas como uma entidade em si,

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todo “maciço”. Desse modo, Oliveira (2005, p. 384-385) nos adverte que é necessário haver

um equilíbrio entre esses subsistemas urbanos:

[...] toda relação funcional excessiva que se distancie de ações formais, pode violar ou ameaçar a salubridade das conquistas e os vínculos de integração existentes na fronteira. Porém: o avesso também é problemático. [...] Contudo, se a ausência completa de integração formal (grifo do autor) é um mal, a sua presença ilimitada (digamos, forte em demasia) também o é. Com a presença muito acentuada das articulações pelo lado formal restringe-se a funcionalidade, visto que, a formalidade exige um aparato institucional (quase sempre de natureza fiscal e repressiva) que cresce e decresce, independente dos níveis de circulação dos fluxos formais. Todas as vezes que reduz o trabalho de controle da formalidade por razões diversas, o aparelho institucional volta-se para coibir as articulações funcionais (quase nunca ilegais); como efeito, reduz os níveis de complementaridades e os intercâmbios (comerciais e culturais) que sustentam o dinamismo do território, em especial, nas conurbações e semiconurbações).

Por constituírem um sistema próprio, as articulações sofrem pressões e inquietações.

Os atores socioeconômicos, nas cidades-gêmeas, buscam aumentar a integração funcional e

fugir das amarras dos Estados-nação, isto é, da formalidade. Por outro lado, o aparato estatal

tenta impor regras e, por conseguinte, limitar a funcionalidade e ampliar a integração formal.

O que parece ser o conflito entre duas lógicas distintas, na verdade, trata-se do

fechamento de um sistema. Como, por exemplo, a venda de reexportados por ambulantes

(funcional) e pelas lojas (formal).

Quanto ao entendimento sobre reexportação, vemos que a ideia maior que esse

conceito traz é a revenda de uma mercadoria não produzida em um determinado país ou

localidade, conforme bem detalhado por Lamberti (2006, p. 42):

[...] a reexportação se refere à entrada de mercadorias em um país produzidas em outro com o objetivo de serem vendidas ao exterior independente da ocorrência do processo de transformação ou não dessas no país que as importou. Portanto, a reexportação corresponde ao processo de entrada de bens finalizados ou não num determinado país com destino a um terceiro país, logo não se destina ao mercado consumidor interno do país importador.

Essa autora complementa sua abordagem apontando que as principais razões dessa

prática são: inexistência de relações políticas e comerciais, de rede adequada de transporte e

de técnicas, e de capitais suficientes para a transformação do produto por parte do país

exportador (LAMBERTI, 2006). Acreditamos que, além das motivações apresentadas pela

autora, a noção de rede, tal qual exposta na segunda parte deste trabalho, explica por que

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mercadorias vindas do outro lado do mundo passam por vários nós até o consumidor final,

visto haver caminhos mais curtos – porém menos vantajosos – para consumar o ato comercial.

Por exemplo, um consumidor de Campo Grande poderia muito bem adquirir certos

produtos importados em sua própria cidade por intermédio da rede de comércio legal. Porém,

os menores preços praticados pelas lojas e pelos ambulantes de Pedro Juan Caballero atraem

esse cidadão, mesmo que ele tenha de percorrer algumas centenas de quilômetros até a cidade

paraguaia.

Para Souchaud (2007) a reexportação trata-se de uma atividade econômica separada,

aproximando-se da ideia de enclave econômico. Vista num primeiro plano, de fato, assim se

parece. Nesse local há a comercialização de produtos já importados para consumidores de

outros países. Portanto, uma atividade econômica (a reexportação) desconexa das originadas

na localidade. O que temos a afirmar é que esse local não foi escolhido ao acaso. Assim, foi

por apresentar benefícios e particularidades que se sobressaíram: localização geográfica

(fronteira), vantagens cambiais (conjunturais) e menores taxações em impostos e tributos

(estruturais). No fundo são estratégias de circulação e de comunicação apresentadas pelas

redes como marcos da globalização, mesmo que fujam à formalidade, conforme se pode

constatar nas palavras de Lamberti (2006, p. 67):

Do ponto de vista da atratividade e qualidades territoriais, a vantagem competitiva de Pedro Juan Caballero em relação à Ponta Porã está pautada na diferença das políticas fiscais, sendo a carga tributária paraguaia inferior da praticada no Brasil. Além disso, o tratamento tributário diferenciado dado aos produtos brasileiros que são exportados, faz com que os mesmos produtos sejam vendidos dos dois lados da fronteira, porém com preços que chegam a ser até 50% inferiores no lado paraguaio. É nesse contexto que se insere a lógica da reexportação. Porém, a reexportação praticada na conurbação não atende somente ao conceito oficial. É sinônimo de triangulação, uma vez que os produtos são exportados por empresas brasileiras e retornam para o Brasil por meio do turismo de compras. Dessa forma, o controle aduaneiro não existe porque se registram nas aduanas apenas dois dos três movimentos dos produtos.

A autora considera, ainda, que a reexportação é salutar para o Paraguai, sobretudo para

as cidades-gêmeas em linha de fronteira. Portanto, a condição de fronteira é um grande

“trunfo” para essa prática e satisfaz a lógica das redes.

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Conforme aconteceu no Oeste brasileiro, a produção agropecuária exportadora avança

por terras paraguaias, comandada por agricultores e empresários brasileiros, os “brasiguaios”,

que avançam, não apenas economicamente, mas socioculturalmente, também, como destaca

Vázquez (2006, p. 73):

El proceso de adquisición de nuevas tierras para el cultivo de soja reconvierte no

solamente el uso del suelo sino que, además y quizás más importante que eso,

“brasileriza” el territorio con nuevos usos, significaciones, infraestructuras y

funcionamientos culturales que, como resultado natural de la reproducción social y

territorial, convierte a la región agro exportadora en un dispositivo productivo

sojero brasileño en territorio paraguayo.

Observamos que essa “brasileirização” no processo agro-exportador ocorre porque o

valor das terras paraguaias próximas à fronteira oriental é menor. Outro fator é o da

infraestrutura brasileira de transporte. O escoamento da produção agrícola é baseado,

sobretudo, no modal rodoviário. Daí uma parte da produção dos estados do Paraná e Mato

Grosso do Sul, em especial a soja, entrar em solo paraguaio para ser exportada,

respectivamente, por Ciudad del Este e Pedro Juan Caballero. Das plantações e das centrais de

processamento de nosso estado, a produção sul-mato-grossense segue, em caminhões, já em

solo do país vizinho, até Concepción, onde é transferida para barcaças no rio Paraguai com

destino ao Rio da Prata e a águas marítimas internacionais (Figura 14).

Por isso, a crítica de nossos vizinhos em ver o sistema da soja na região fronteiriça

modelado (ocupado, ativado e produzido) por atores socioeconômicos estrangeiros que

regulam o funcionamento, o mercado, os benefícios e a atuação dos outros atores. E, como já

é de se esperar, muitos camponeses cedem lugar ao latifúndio, mais propenso aos cultivos

para exportação. Assim, o Paraguai, cada vez mais, torna-se dependente do Brasil.

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Campo Grande

DouradosPedro Juan Caballero

BRASIL

Concepción

Ponta Porã

PARAGUAI

Legenda

" saída" da soja

N

Escala: 1:3.000.000

Laboratório de GeoprocessamentoDGC/CPAQ

Organização: SILVA, R.M. (2009)Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)

Rio

Par

agua

i

Rio

Par

agua

i

Principais rodovias

" entrada" de carne e madeira

Figura 14 – Fluxos de mercadorias (soja e carne) pela fronteira Ponta Porã – Pedro Juan Caballero. Diante dessas análises, muitos estudiosos da dinâmica territorial paraguaia consideram

a região agro-exportadora fronteiriça com o Brasil como uma região bisagra51. Diante das

manifestações econômicas, culturais e linguísticas ocorridas nesse território, podemos afirmar

que não há margem para outra interpretação, conforme exemplificado a seguir:

Algumas empresas agropecuárias possuem relações comerciais com a fronteira; hoje já se observa que na rede de armazenamento de grãos está incluído o Paraguai (grifo nosso); como os frigoríficos têm mantido uma certa frequência (incerta para contabilizar) na compra de gado paraguaio [...] (OLIVEIRA, 2005, p. 393).

Ao observarmos a figura 14, depreendemos que se os fluxos de soja ocorrem no

sentido Brasil-Paraguai – não tendo este país como consumidor final, mas cedendo seu

território para diminuir custos de transporte e complementar a produção –, a carne faz o

caminho inverso com destino a mercados brasileiros.

Outras atividades agropecuárias, em geral realizadas por pequenos camponeses,

também sofrem influência de dinâmicas brasileiras. Por exemplo, o arranjo produtivo da

51 Que está sujeita a lógicas externas, chegando a ser considerada uma região perdedora.

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mandioca em solo paraguaio é muito condicionado pela percepção de demandas brasileiras.

Essa lógica, denominada exógena por ser comanda de “fora” do território, ultrapassa a lógica

territorial e aumenta a articulação formal:

[...] a implantação de diversas fecularias (amido) e farinheiras, tanto do lado brasileiro quanto do paraguaio, motivou o plantio de mandioca em toda região de fronteira o que tem consumado um aumento do preço do produto in natura, e como efeito, aumentado as possibilidades de elevação de renda, estimulando o plantio em propriedade de pequeno e médio porte e, o mais importante – segundo informações difíceis de serem contabilizadas – tem motivado agricultores (brasileiros e paraguaios) a avançarem com o plantio de mandioca sobre áreas de tradicional plantio de cannabis sativa no Paraguai. [...] (Oliveira, 2005, p. 398).

Para constatarmos esses fenômenos quanto aos fluxos de mercadorias, realizamos

algumas idas a campo. Elas destinaram-se a contatos diretos (conversa dirigida) realizados

com agentes da Aduana de Pedro Juan Caballero e com uma agência de importação e

exportação, conhecida como despachante de produtos, também dessa cidade. Nessas

aproximações, confessamos, não fomos muito felizes, apesar de terem sido realizadas com

auxílio de pesquisadores residentes na conurbação e com domínio do idioma vizinho.

Segundo o órgão fiscal referido, os produtos que passam pela fronteira seca são

bastante diversos; os principais são: produtos veterinários, implementos agrícolas,

suplementos minerais, maquinários, materiais de construção (cimento, telhas, calhas, tintas

etc), cereais, pneus, carvão, açúcar e outros. Chamou-nos bastante atenção a complexa

estrutura alfandegária paraguaia, com a obrigatoriedade de intermediários para o processo de

comercialização com o exterior. O contato com a aduana tem de ser feito por meio de um

despachante credenciado e o transporte da carga é submetido, necessariamente, a um agente

de transporte.

A situação de porto seco faz com que Ponta Porã tenha destaque na pauta de

exportações no estado do Mato Grosso do Sul. O município vem liderando as exportações sul-

mato-grossenses nos últimos dois anos. Na lista de produtos exportáveis estão à frente os bens

de capital. Na prática, o que tem feito o crescimento das exportações na cidade é a sua

localização geográfica, que vem atraindo empresas exportadoras para a região de fronteira.

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Do total de produtos exportados por esse município 15 a 20% permanecem em território

paraguaio e o restante segue para outros países, especialmente os da América Latina

(CORREIO DO ESTADO, 2008, p. 6a). Lembramos, entretanto, que essas exportações são

aquelas declaradas por empresas instaladas nesse município e que muitos outros produtos –

como a soja, proveniente de outras cidades do estado – saem, legal e ilegalmente, por esse

ponto da fronteira.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a consumação desta pesquisa, examinamos uma das facetas que a fronteira,

especificamente a conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, possui no tocante às

articulações transfronteiriças. Para isso, foi necessário transpor as seguintes etapas: buscar

pressupostos teóricos acerca da temática, resgatar a construção das articulações espaciais e as

caracterizar na atualidade (qualificar e quantificar – adotando algumas variáveis: o fluxo de

mercadorias e de pessoas – as interações e as complementaridades existentes entre essas

cidades e outras em seu entorno ou mesmo mais distantes).

Concentramos, inicialmente, nossos esforços para nos munirmos de fundamentos

teóricos sobre a problemática estudada. Buscamos conceitos e temas que dessem base à

investigação. Fomos do macro para o micro, ou do todo para as partes, conforme prescreve o

método dedutivo.

Assim, vimos que um dos conceitos que mais bem tem interpretado este mundo

globalizante e globalizado é o de rede. Afinal, se esse tema surgiu em decorrência das

transformações do processo de industrialização lá no século XIX, foi “esquecido” no XX e,

nessas primeiras décadas, é retomado com propriedade para tentar explicar este novo milênio.

Acreditamos que as redes têm sido vitais justamente porque suas principais funções são

comunicar e circular, atendendo às inovações tecnológicas em constante evolução. Por isso, as

redes são móveis e inacabadas, selecionam os pontos do território nos quais vão lançar suas

malhas e fincar seus nós, o que, certamente, territorializa e desterritorializa.

A rede urbana é apenas um dos vieses da rede e, por conseguinte, é um dos conceitos-

chave mais imediato que enquadra o nosso trabalho. Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são

um desses pontos que não foram escolhidos ao acaso. Estão inseridas na dinamicidade das

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bases produtivas brasileiras e voltam, ambas as cidades, para o Brasil, por conseguinte, nas

malhas da rede urbana desse país.

Temática clássica na Geografia e em disciplinas correlatas, a rede urbana pode ser

entendida como o locus onde a produção, a circulação e o consumo se realizam; daí ser um

produto do capitalismo. Por rede urbana, ainda, entendemos ser a malha de centros urbanos

conectados entre si. É por onde as funções se realizam e os fluxos de toda natureza

contemplam os pontos de um território. A hierarquia também é inerente à rede urbana. Nessa,

um centro urbano se sobressai sobre outro e tem melhores chances de estar inserido na

globalização.

Duas ideias centrais de fronteira, que norteiam este novo milênio, ficaram bem

marcadas: de um lado temos a fronteira viva como limite que encerra em si um foco de

tensão, já por outro prisma, ela é tida como centro de contato e foco de vida intensa entre

populações, onde o funcional e o formal se encontram. Considerando-se o caso da conurbação

Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, os fenômenos sociais são numerosos e ativos. A

dinamicidade espacial dessa conurbação dá origem a interesses materiais, intelectuais e

morais que traduziram - e ainda traduzem - num mesmo espaço, a dicotomia “foco de tensão

versus local de convívio e troca”.

Esse caráter contraditório que a fronteira possui é fruto de ser, ela mesma, mais que

um fato geográfico que se espacializa e tem por principal função histórica e social dividir,

mas, num outro viés, não consegue contrariar a natureza humana: o agregar-se. No mundo

contemporâneo essas contradições tendem a se acirrar, levando-se em consideração que os

avanços tecnológicos deixam os homens e as sociedades, num certo sentido, uns mais

próximos aos outros.

Daí conceituar fronteira requer um esforço para analisar as concepções que ela teve no

passado para contrastar com as atuais. Consequentemente, o limite convive com a porosidade

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(para permitir comunicações, complementaridades e interações). Porém, essas funções não

ocorrem em todos os pontos da fronteira senão onde as redes assim as desejam. Com certeza,

em Ponta Porã-Pedro Juan Caballero, as articulações estão presentes em tal ordem que se

torna, historicamente, um nó na rede, em especial na rede urbana.

O mérito das cidades-gêmeas em área de fronteira encontra-se em elas serem um nó

nas malhas do território-rede que atende às imposições da presente globalização, mas não se

desfaz das artimanhas da fronteira-limite. Cabem, então, alternativas não muito novas para a

satisfação do capitalismo, seja por meios formais, como a reexportação, ou não (funcionais

visíveis e invisíveis).

A conurbação, logo, é um ponto de passagem e de permanência de pessoas e, em

especial, de mercadorias entre o Brasil e o Paraguai. Portanto, articula vontades e

necessidades para ambos os lados da fronteira. Verificamos que essa tendência faz parte da

história e que ambas as cidades nasceram com essa vocação.

A inserção da fronteira na economia nacional dos dois países ocorreu por causa da

exploração dos ervais nativos naquela área. O escoamento da produção permitiu que estradas

e núcleos urbanos surgissem. No retorno para a região produtora de erva-mate, as carretas

traziam diversos gêneros de primeira necessidade e alguns artigos de luxo, mas também havia

o contrabando. Espontaneamente, a presença de serviços e comércio se concentrou na linha de

fronteira, o que atraiu pessoas, tanto para ficar como adentrar ao Oeste brasileiro. Assim se

deu a formação das bases materiais e culturais do território fronteiriço.

Nessa construção também teve importância – porém menor – a agropecuária. Essas

atividades econômicas principais (a erva-mate, a agropecuária e os descaminhos decorrentes

da própria condição de fronteira como o contrabando) permitiram que a fronteira tivesse uma

evolução populacional surpreendente, a ponto de Ponta Porã obter o destaque de município

mais populoso do Sul de Mato Grosso nos anos 1920.

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A ferrovia Noroeste do Brasil – primeiramente chegando a Campo Grande (1918) e,

posteriormente, chegando a Ponta Porã (1953) – modificou os fluxos de e para a fronteira.

Antes da ferrovia, as relações dessa região com o exterior e com o eixo econômico do Brasil –

São Paulo e Rio de Janeiro – davam-se pelo território paraguaio, por via terrestre até

Concepción e, daí em diante, pelas vias fluvial e marítima. Houve, consequentemente, uma

reterritorialização cujo cunho maior foi o político-estratégico, com fins de manter o controle e

a unidade do território brasileiro.

Para chegarmos a um dos pontos centrais deste trabalho, buscamos a comprovação

teórico-metodológica das articulações exercidas pelas cidades-gêmeas Ponta Porã e Pedro

Juan Caballero por meio de variáveis que pudessem apreciar e dimensionar as suas interações

espaciais com outros centros urbanos.

A fim de atingir esses objetivos, investigamos as características das articulações em

três frentes: quais e como ocorrem os contatos entre as redes urbanas brasileira e paraguaia, os

deslocamentos populacionais e os fluxos de mercadorias.

Contrariando nossas concepções iniciais para balizar o trabalho, vimos que a fronteira

não é o local onde ocorre, de fato, a confluência entre os sistemas urbanos de nosso país com

o do Paraguai. A fronteira – não a política, mas a socioeconômica – encontra-se mais a oeste,

em território paraguaio. As cidades fronteiriças orientais de nosso país vizinho encontram-se

capturadas pelas bases econômicas e sociais brasileiras. Assim, a rede urbana brasileira, vista

desse modo, avança a fronteira para atender as diretrizes da globalização, isto é, conectar

todos os pontos do território de modo a permitir que os fluxos se estabeleçam.

Quanto aos fluxos dos homens, verificamos que a conurbação exerce, desde seu

surgimento, atração de pessoas para aí residirem ou mesmo como ponto de passagem do

território brasileiro para o paraguaio. O próprio crescimento conjunto das duas cidades

corrobora essa ideia.

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O paralelismo entre as duas cidades é marcante, conforme demonstrado no

crescimento demográfico desses municípios, chegando a ser proporcional e, de certo modo,

combinado. Entretanto, o que mais desperta a atenção é a quantidade de brasileiros e seus

descendentes que vivem no país vizinho, sobretudo, na franja fronteiriça, conhecidos como

brasiguaios. Essa estrutura territorial paraguaia é bem característica de toda a fronteira,

porém, mais acirrada em Ciudad del Este, segunda cidade paraguaia, e também em Pedro Juan

Caballero, a quarta maior cidade.

Outro modo de demonstrar as articulações exercidas pela conurbação foi por um

levantamento dos fluxos de universitários e pós-universitários para essa localidade, surgidos

na segunda metade dos anos 1990 e estimuladas pelos propósitos do Mercosul. Essa função

universitária é recente e decorre, em particular, da própria condição de fronteira. A primeira

característica que nos chamou atenção é o fato de não haver concorrência entre as instituições

brasileiras com as paraguaias. Os cursos ofertados não são coincidentes, em sua maioria.

Logo, o que existe é uma complementaridade.

Essa recém faceta universitária é uma das estratégias das cidades-gêmeas para

reinserção, no contexto regional e nacional, de ambos os países e a constatação da

complementaridade das funções formais com as funcionais. Observamos, como exemplo, a

procura de cursos paraguaios (em especial de pós-graduação e na área médica) por brasileiros

– articulação funcional – que se deslocam centenas de quilômetros para adquirir uma

formação ou uma pós-qualificação, movidos, em particular, pelos custos mais baixos das

mensalidades em relação às universidades e às faculdades brasileiras. Assim, o fluxo de

brasileiros e paraguaios para Pedro Juan Caballero e Ponta Porã evidencia as articulações

transfronteiriças exercidas pelas cidades-gêmeas.

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Por último, tentamos rastrear os fluxos de mercadorias que passam ou que

permanecem na conurbação para a reexportação com destino a consumidores brasileiros. A

dinâmica dos fluxos de mercadorias, por conseguinte, é bastante clara.

Retomadas algumas argumentações apresentadas no trabalho e estabelecidas

correlações entre determinadas ideias e os resultados da pesquisa, podemos afirmar que em

relação às interações espaciais e às complementaridades existentes, as cidades dessa

conurbação são subestimadas. No caso da cidade brasileira, Ponta Porã é classificada em

níveis de menor porte e importância.

Ambas as cidades são analisadas e classificadas por órgãos brasileiros e paraguaios,

não se levando em consideração as articulações transfronteiriças funcionais (visíveis ou

invisíveis), as formais (ou de jure), tampouco suas sinergias e suas especificidades por se

localizarem em linha de fronteira. Essas articulações assim como a fronteira tratam-se de um

caso peculiar e de complexa caracterização, por este motivo, dignas de apreciação e

admiração.

Diante de nosso singelo esforço em tentar compreender a fronteira e as articulações aí

capitaneadas, podemos afirmar que Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são analisadas,

desprezando-se a força que juntas detêm.

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ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS APLICADAS NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

Roteiro de entrevista, junto às instituições de ensino superior, integrante do projeto de pesquisa “Articulações transfronteiriças: o caso da conurbação fronteiriça Ponta Porã e Pedro Juan Caballero” desenvolvido pelo mestrando Ricardo Marques Silva (UFMS) sob orientação do Prof. Dr. Tito Carlos Machado de Oliveira (UFMS).

Instituição:..................................................................................................................................... Entrevistado/função:..................................................................................................................... Data da entrevista:.................................... 1. Perfil da instituição: Brasileira ( ) Paraguaia ( ) 2. Nível(eis) de ensino oferecidos: Graduação ( ) Especialização e Mestrado ( ) Doutorado ( ) 3. Cursos oferecidos e quantitativo de alunos por instituição:

Graduação Especialização e Mestrado Doutorado

Curso Quant Curso Quant Curso Quant

Agronomia Administração Administração Administração Ciências Ambientais Ciências Ambientais Artes Direito Direito Biologia Educação Educação Ciências Contábeis Psicopedagogia Psicopedagogia Ciências Econômicas Psicologia Clínica Psicologia Clínica Computação Direito Educação Física

UFMS UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

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Enfermagem Engenharia Civil Fisioterapia Geografia História Letras Medicina Normal Superior Nutrição Odontologia Pedagogia Psicologia Clínica

4. Domicílio de origem dos estudantes e quantitativo:

Local de domicílio

Quantitativo

Ponta Porã

Pedro Juan Caballero

Antônio João

Amambaí

Aral Moreira

Coronel Sapucaia

Bela Vista

Dourados

Fazenda Itamarati

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ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS APLICADAS AOS CONDUTORES

Roteiro de entrevista, junto aos condutores de veículos de transporte alternativo, integrante do projeto de pesquisa “Articulações transfronteiriças: o caso da conurbação fronteiriça Ponta Porã e Pedro Juan Caballero” desenvolvido pelo mestrando Ricardo Marques Silva (UFMS) sob orientação do Prof. Dr. Tito Carlos Machado de Oliveira (UFMS).

Entrevistado (condutor):........................................................................................................... Data da entrevista:....................................

1. Há quanto tempo trabalha como condutor? _______________________________________________________

2. Qual o tipo de veículo e capacidade?

_______________________________________________________ 3. Qual(is) a cidade(s)/bairro(s) de origem e respectivo(s) quantitativo(s)?

Local de origem

Quantitativo

Ponta Porã Pedro Juan Caballero Antônio João Amambaí Aral Moreira Coronel Sapucaia Bela Vista Dourados Fazenda Itamarati

UFMS UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

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ANEXO C – SISTEMATIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Empresa/Órgão/Instituição Entrevistado(s) / função(ões)

Informações pesquisadas

1. Universidade Estadual de mato Grosso do Sul (UEMS)

Alessandra de Freitas - Características dos cursos e dos estudantes - Pesquisa bibliográfica sobre o tema pesquisado - aplicação de questionário

2. Faculdades Integradas de Ponta Porã/UNIDERP/Anhanguera (FIP)

Daniela Marques Leão Costa e Rejane Custódio (secretárias acadêmicas)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

3. Faculdades de Ciências Administrativas de Ponta Porã e Faculdade de Tecnologia de Ponta Porã (FAP/FATEP)

Lalib Esgaib Kayatt (proprietária) e Aurila Matos Rodrigues (secretária acadêmica)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

4. Faculdade de Ciências Contábeis de Ponta Porã (MAGSUL)

Gisele Benitez Flor (coordenadora do curso de Biologia)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

5. Universidad Columbia del Paraguay Fernando Villas Boas Romañach (diretor)

- Características dos cursos e dos estudantes - Pesquisa bibliográfica sobre o tema pesquisado - aplicação de qestionários

6. Universidad del Norte (UNINORTE) Vítor (não autorizou a identificação completa)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

7. Universidad del Pacífico Eduardo Franco (diretor) e Natália Veiga (secretária administrativa)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

8. Universidad Tecnológica Intercontinental (UTIC)

Ewerton D. Fernandez Veronez (secretário administrativo)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

9. Universidad Católica Maria Elena Mario de Regúnega (diretora acadêmica)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

10. Universidad Técnica de Comercialização de Desenvolvimento (UTCD)

Não autorizou a identificação

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

11. Universidad Nacional de Asunción (UNA) Humberto Ortiz (secretário acadêmico)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

12. Universidad Politécnica y Artística de Paraguay (UPAP)

Márcia Maria Cabrera Romero (secretária acadêmica)

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

13. Universidad Tres Fronteras (UTF) Não autorizou a identificação

- Características dos cursos e dos estudantes - aplicação de questionário

14. Administração de Aduana de Pedro Juan Caballero

Epifânio Godoy Fluxos de produtos que transitam pela fronteira (importação e exportação) e funcionamento do sistema de comércio exterior do Paraguai (Código Aduaneiro)

15. Prefeitura Municipal de Ponta Porã Wandi (arquiteta) Indicações de fontes de dados socioeconômicos

16. Municipalidad de Pedro Juan Caballero Anderson Menuti (função não informada) e Wilda

Indicações de fontes de dados socioeconômicos

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Inés Mendonza (encarregada da Divisão e urbanismo e Cadastro)

17. Agência Cáceres (Despachante Aduaneiro) Ramón Cáceres (sócio-proprietário)

Fluxos de produtos que transitam pela fronteira (importação e exportação) e funcionamento do sistema de comércio exterior do Paraguai (Código Aduaneiro)

18. Gobernacion del Departamento del Amambay Francisco Barreto (secretário de educação

Indicações de fontes de dados socioeconômicos

19. Condutores de veículos alternativos de transporte de estudantes para Ponta Porã

Diversos condutores (não autorizaram a identificação)

- Fornecimento de dados socioeconômicos - aplicação de questionário

20. Guias turísticos e divulgadores de cursos de graduação e de pós-graduação em Pedro Juan Caballero

Marquinhos e Poliana (não autorizaram a identificação completa}

- Fornecimento de dados socioeconômicos - aplicação de questionário

21. Casa Nica Nicanor Luiz Orué (proprietário)

Indicações de fontes de dados socioeconômicos

22. Suplementos Agrícolas Conquista Paulo Roberto Albertini (proprietário)

Indicações de fontes de dados socioeconômicos

23. Instituto Histórico Cultural de Mato Grosso do Sul

Hidelbrando Campestrini (presidente)

Pesquisa bibliográfica sobre o tema pesquisado

24. Arquivo Público Estadual Caciano Lima (diretor) Pesquisa bibliográfica sobre o tema pesquisado

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