arte no tomÉ: uma experiÊncia de mediaÇÃo artÍstica e cultural baseada na comunidade

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GT: Teatro - Eixo Temático: 1. Teatro/Educação: interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade. ARTE NO TOMÉ: UMA EXPERIÊNCIA DE MEDIAÇÃO ARTÍSTICA E CULTURAL BASEADA NA COMUNIDADE Fernando Antônio Fontenele Leão (IFCE, Ceará, Brasil) Maria de Lourdes Macena de Souza (IFCE, Ceará, Brasil) RESUMO O artigo apresenta uma pesquisa-ação em mediação artística e cultural, realizada na comunidade do Tomé, Chapada do Apodi, Ceará, no ano de 2014, que buscou promover o fortalecimento da identidade cultural e do sentido de solidariedade comunitária a partir de atividades de Arte/Educação baseada na comunidade. A região vive um contexto de vulnerabilização, como resultado da instalação de empresas do agronegócio, e sofre com a imposição de uma nova cultura e a fragmentação das comunidades. Tendo elencado a metodologia da pesquisa-ação, buscamos, por um lado, conhecer a realidade, por meio de pesquisa bibliográfica, observação participante, entrevistas individuais e coletivas; e, por outro lado, intervir na realidade, por meio de apresentações artísticas, oficinas de arte/educação e difusão de canções e poemas apresentados por moradores. Constatamos que a pesquisa-ação gerou um ambiente cultural favorável para a aquisição de novos conhecimentos, a reformulação de hábitos sociais e a promoção de uma atitude crítica e criativa diante da realidade. Palavras-chave: Arte em comunidade; Cultura popular; Emancipação social. ART IN THE TOME: AN ARTISTIC AND CULTURAL MEDIATION EXPERIENCE BASED IN THE COMMUNITY ABSTRACT The article presents a research-action in artistic and cultural mediation, held in the community of the Tome, Chapada do Apodi, Ceará, in the year 2014, which sought to promote the strengthening of cultural identity and sense of community solidarity through Community Based Art Education. The region is experiencing a context of vulnerability as a result of the implementation of the agribusiness companies, and suffer with the imposition of a new culture and the fragmentation of communities. Having listed the action research methodology, we seek, on the one hand, to know the reality, by means of bibliographical research, participant observation, individual and collective interviews; and, on the other hand, intervene in reality, through artistic presentations, workshops and dissemination of songs and poems submitted by residents. We note that action research generated a favorable cultural atmosphere for the acquisition of new knowledge, the reworking of social habits and the promotion of a critical and creative attitude in the face of reality. Key words: Art in the community; Popular culture; Social emancipation.

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O artigo apresenta uma pesquisa-ação em mediação artística e cultural, realizada na comunidade do Tomé, Chapada do Apodi, Ceará, no ano de 2014, que buscou promover o fortalecimento da identidade cultural e do sentido de solidariedade comunitária a partir de atividades de Arte/Educação baseada na comunidade. A região vive um contexto de vulnerabilização, como resultado da instalação de empresas do agronegócio, e sofre com a imposição de uma nova cultura e a fragmentação das comunidades. Tendo elencado a metodologia da pesquisa-ação, buscamos, por um lado, conhecer a realidade, por meio de pesquisa bibliográfica, observação participante, entrevistas individuais e coletivas; e, por outro lado, intervir na realidade, por meio de apresentações artísticas, oficinas de arte/educação e difusão de canções e poemas apresentados por moradores. Constatamos que a pesquisa-ação gerou um ambiente cultural favorável para a aquisição de novos conhecimentos, a reformulação de hábitos sociais e a promoção de uma atitude crítica e criativa diante da realidade.

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GT: Teatro - Eixo Temático: 1. Teatro/Educação: interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.

ARTE NO TOMÉ: UMA EXPERIÊNCIA DE MEDIAÇÃO ARTÍSTICA E CULTURAL

BASEADA NA COMUNIDADE

Fernando Antônio Fontenele Leão (IFCE, Ceará, Brasil) Maria de Lourdes Macena de Souza (IFCE, Ceará, Brasil)

RESUMO

O artigo apresenta uma pesquisa-ação em mediação artística e cultural, realizada na comunidade do Tomé, Chapada do Apodi, Ceará, no ano de 2014, que buscou promover o fortalecimento da identidade cultural e do sentido de solidariedade comunitária a partir de atividades de Arte/Educação baseada na comunidade. A região vive um contexto de vulnerabilização, como resultado da instalação de empresas do agronegócio, e sofre com a imposição de uma nova cultura e a fragmentação das comunidades. Tendo elencado a metodologia da pesquisa-ação, buscamos, por um lado, conhecer a realidade, por meio de pesquisa bibliográfica, observação participante, entrevistas individuais e coletivas; e, por outro lado, intervir na realidade, por meio de apresentações artísticas, oficinas de arte/educação e difusão de canções e poemas apresentados por moradores. Constatamos que a pesquisa-ação gerou um ambiente cultural favorável para a aquisição de novos conhecimentos, a reformulação de hábitos sociais e a promoção de uma atitude crítica e criativa diante da realidade. Palavras-chave: Arte em comunidade; Cultura popular; Emancipação social.

ART IN THE TOME: AN ARTISTIC AND CULTURAL MEDIATION EXPERIENCE BASED IN THE COMMUNITY

ABSTRACT The article presents a research-action in artistic and cultural mediation, held in the community of the Tome, Chapada do Apodi, Ceará, in the year 2014, which sought to promote the strengthening of cultural identity and sense of community solidarity through Community Based Art Education. The region is experiencing a context of vulnerability as a result of the implementation of the agribusiness companies, and suffer with the imposition of a new culture and the fragmentation of communities. Having listed the action research methodology, we seek, on the one hand, to know the reality, by means of bibliographical research, participant observation, individual and collective interviews; and, on the other hand, intervene in reality, through artistic presentations, workshops and dissemination of songs and poems submitted by residents. We note that action research generated a favorable cultural atmosphere for the acquisition of new knowledge, the reworking of social habits and the promotion of a critical and creative attitude in the face of reality. Key words: Art in the community; Popular culture; Social emancipation.

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1. Introdução

O denominado progresso, pautado pelo capitalismo neoliberal, impõe suas diretrizes: reduz o papel do Estado, flexibiliza os mercados, privatiza as empresas estatais, integra os países em desenvolvimento a um contexto global. As promessas são de que o fluxo de recursos internacionais elevem os investimentos, promovam a modernização tecnológica e aumentem a eficiência produtiva (MARQUETTI, 2003). Os grandes empreendimentos multinacionais têm chegado ao Ceará com promessas de desenvolvimento, de geração de empregos, de infraestrutura tais como estradas, adutoras, linhas de transmissão de energia, entre outras. O que acompanhamos, porém, é a desapropriação de terras, os danos irreparáveis à natureza (humana e não humana), a violência da imposição de uma cultura completamente diversa da vivenciada pelas populações que vivem na região há dezenas de anos.

Testemunhamos, assim, comunidades cujos hábitos e valores locais foram completamente abandonados e seus moradores transformados em mão-de-obra, coagidos a assumir um novo modo de estar no mundo. A perda da identidade cultural e a fragmentação das comunidades anulam possibilidades de emancipação social. Essa é a realidade da comunidade do Tomé, comunidade rural no Vale do Jaguaribe cearense, sendo obrigada a conviver com um forte processo de expansão agrícola, de produção de frutas para a exportação, e suas consequências; leia-se violência física e simbólica; aumento de problemas sociais tais como o alcoolismo, a drogadição, a prostituição, a gravidez precoce; inúmeros casos de intoxicação, câncer, aborto, malformação congênita, em decorrência da exposição aos agrotóxicos.

Propomos, então, como contraponto à ação antidialógica de um capitalismo liberalizado, uma ação cultural dialógica que busca conhecer e incitar uma transformação da realidade problemática enfrentada pelas comunidades impactadas pelo agronegócio na Chapada do Apodi, Ceará.

O tema deste trabalho é, pois, uma ação de mediação artística e cultural, realizada na comunidade do Tomé, entre os meses de fevereiro e dezembro de 2014, com o objetivo de favorecer o fortalecimento da identidade cultural e do senso de solidariedade comunitária (noções de pertencimento, coesão, cooperação), por meio de atividades de Arte/Educação baseada na comunidade. Das atividades realizadas, organizamos programações com apresentações artísticas nas mais diversas linguagens – em especial, a linguagem teatral –, visando promover o acesso aos bens artísticos e culturais e favorecer diálogos interculturais; oficinas de arte/educação, com a intenção de proporcionar a crianças e adolescentes vivências significativas em arte; uma formação em contação de histórias para profissionais da educação básica, com o intuito de fortalecer a prática didática de arte/educadores da região; e registro e apresentações públicas de canções, narrativas e poemas apresentados por moradores, como uma forma de valorizar e difundir a cultura produzida localmente.

Nossa pergunta de partida: teria a arte tal potencial emancipatório capaz de revitalizar a cultura local e os laços de solidariedade comunitária, sendo um caminho para a construção de um mundo mais belo e mais justo? Nossa hipótese é que sim, desde que os moradores e as moradoras da comunidade tenham o direito ao acesso, à informação, à formação e à produção dessa arte, ou seja, que essa arte seja democratizada na comunidade. Apenas dessa maneira, a arte, que é linguagem, faculta aos homens e às mulheres a possibilidade do diálogo e da

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reflexão sobre as “situações-limite” a fim de criarem, em comunhão, o “inédito viável” (FREIRE, 2008).

No referencial teórico, apresentamos, em linhas gerais, a atividade econômica do agronegócio e seus impactos sobre a população da comunidade do Tomé, referendados por Rigotto (2011); nossa compreensão de mediação e mediação artística e cultural, com base em Paulo Freire (1996; 2005; 2014) e Ana Mae Barbosa (2002; 2009); e explicitamos algumas funções pedagógicas da arte, consideradas em nosso trabalho, tendo como referência os escritos de João-Francisco Duarte Júnior (1988).

Ao elencar a pesquisa-ação como base metodológica para este trabalho, consideramos o objetivo de conhecimento em torno da situação problemática vivida por moradores da Chapada do Apodi e nosso objetivo prático de ação para animar as lutas populares em função da transformação da situação, de acordo com Thiollent (2011) e Barbier (2002).

Por fim, nossos resultados trazem atividades, observações e depoimentos de moradores e participantes da ação sustentados nas categorias co-laboração, união, organização e síntese cultural, propostas pela Teoria da Ação Dialógica de Paulo Freire (2005).

Este artigo é um desdobramento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da Licenciatura em Teatro, no IFCE, concluída em junho de 2015, com o título Noites Culturais na comunidade do Tomé: mediação artística e cultural e a construção de um saber emancipatório.

A experiência como arte/educador por mais de 10 anos em escolas e projetos sociais no estado do Ceará, a formação na Especialização em Cultura Popular, Arte e Educação do Campo – Residência Agrária, na Universidade Federal do Cariri (UFCA), a vivência junto ao Núcleo Tramas/UFC (Trabalho, Meio Ambiente e Saúde), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, além do desejo imperioso de me solidarizar com as lutas das comunidades e movimentos sociais com quem tenho partilhado tantas experiências e anseios de libertação, me instigaram à realização desta pesquisa-ação.

2. Referencial teórico

A comunidade e sua cultura impactadas pela atividade econômica

A comunidade do Tomé, uma das mais antigas comunidades da Chapada do Apodi, conta com aproximadamente 600 famílias e é dividida pelos limites municipais de Limoeiro do Norte e Quixeré (parte pertence a um município, parte pertence a outro), no extremo leste do estado do Ceará.

Desde o início da implementação da atividade do agronegócio1 na região, atraída por infraestrutura e incentivos governamentais, na década de 1990, os moradores têm sofrido significativas alterações no seu modo de vida e enfrentado processos de desterritorialização, com a crescente perda da autonomia de seu potencial ecológico, a degradação da biodiversidade, a competição pelo uso da água, um quadro de adoecimento da população cada vez mais agravado e o desaparecimento de comunidades (RIGOTTO, 2011).

Tal situação se configura como um contexto de vulnerabilidade social. Para Porto (2007), os grupos sociais são considerados vulneráveis quando – em virtude

1 O agronegócio é um sistema agrícola com fins comerciais, caracterizado pelo latifúndio, pela monocultura, pelo

trabalho assalariado, pela produção em grande escala – especialmente, para a exportação –, e pelo uso intensivo de agrotóxicos.

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de sua classe social, gênero, raça ou etnia – estão suscetíveis a uma maior possibilidade de exposição a processos que concentram poder político e econômico, sendo dependentes da capacidade das instituições da sociedade em regular, fiscalizar, controlar e mitigar os riscos que esses grupos estão suscetíveis.

Sabemos, referendados por Brandão (1994), que as permutas entre natureza e sociedade são interconstituintes na vida e no imaginário dos povos tradicionais. A perda do território para as comunidades, além de ser um fator gerador de pobreza, interfere diretamente em sua reprodução sociocultural. A expropriação de seu lugar representa para as comunidades a perda da autonomia cultural e, com ela, seus valores, significados, formas de expressão, práticas produtivas e modos de vida.

M.2, uma senhora poetisa da comunidade, lamenta que o hábito de se reunir para contar histórias venha desaparecendo.

[Após contar uma história que seu pai lhe contou sobre “visagens” enquanto caçava] Ali, de Limoeiro, Luiza de Chico Pequeno sai lá da casa dela pra vir..., pra sair doze horas, perto de uma hora... nós contando história, do nosso passado, nossos pais, nossos avós... coisas que no dia-a-dia a gente não vê, antigamente a gente via, tinha, convivia. Isso são coisas que ajuda na memória, se você está estressado fica com sua mente ‘maneira’, você ri... eu acho bom... mas é pouco, hoje é bem ‘pouquim’ (informação verbal)

3.

O hábito de se reunir para contar histórias, sendo esse um momento de partilha de experiências, de reprodução dos sentidos e significados da cultural local, vai esmaecendo e dando lugar à outra dinâmica do cotidiano, exigida pela nova organização do trabalho.

O trabalho nas empresas do agronegócio guarda enormes diferenças com o que era compreendido por trabalho na agricultura camponesa. As longas e exaustivas jornadas de trabalho, muitas vezes, com apenas 15 minutos de intervalo para o almoço anula a possibilidade do diálogo, desagrega e dispersa. Trabalhadores do agronegócio na Chapada do Apodi chegaram a denunciar que eram obrigados a almoçar em meio à plantação: “quem tinha bicicleta ia para o refeitório, quem não tinha almoçava debaixo das máquinas, no meio do mato” (TEIXEIRA, 2011, p. 497). Bosi (1986), afirma que

Não só o ritmo natural é violentado no trabalho: todo o organismo é forçado a se dobrar ao ritmo da máquina que determina até a hora da refeição do trabalhador, o que tanto indignava Marx. Os ritmos sociais são também rompidos, as horas de encontro, de refeição, o serão. O ritmo de vida familiar perde toda a coerência (p. 22).

É a imposição de uma cultura exterior que vai desfazendo o sentido dos hábitos para aquela comunidade, destruindo sua coesão e ressignificando ideologicamente o mundo.

Para Freire (2005), essa dinâmica injusta desumaniza homens e mulheres e provoca uma distorção na vocação ontológica e histórica de “ser mais” (humanização). A reação dos oprimidos, no entanto, com o intuito de denunciar a violência das relações que alienam e de anunciar a construção de um mundo justo é o caminho para restaurar sua própria humanidade. Mediação: ação cultural, educativa, artística e política

Freire (2005, p. 79) afirma que “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados

2 A fim de garantir o anonimato dos entrevistados, utilizaremos apenas a inicial do nome. 3 Entrevista I. M. [28 fevereiro 2014]. Entrevistador: Fernando Leão, Comunidade do Tomé, casa de M., poetisa, Quixeré, 2014. Arquivo MP3.

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pelo mundo”. Essa afirmação é fundamental para se compreender a prática da mediação. Freire desconstrói a dicotomia que se estabelecia entre professor e aluno, anula as relações verticais entre aquele que ensina e aquele que aprende, e funda uma dinâmica de “co-laboração” necessária à compreensão e à transformação da realidade. Assim, educador-educando e educando-educador são sujeitos cognoscentes em diálogo entre si e com o objeto cognoscível, o mundo.

Embora Freire utilize a palavra mediatização, em vez de mediação, entendemos que o sentido é justamente aquele com o qual nos identificamos e utilizamos para o termo mediação, que seja a superação do imediato no mediato a partir do diálogo. Ou, em outras palavras, mediação, ou mediatização, seria uma construção dialógica que permitiria um conhecimento culturalizado (mediato, mediado), para além daquele que o mundo oferece (de modo imediato, direto) aos nossos sentidos.

A mediação é, inclusive, base de nosso desenvolvimento como ser humano. Poderíamos nos perguntar: se concordamos que a cultura, ou seja, o legado simbólico e material encontra-se no conhecimento organizado, que se traduz em nosso modo de compreender, ser e estar no mundo, e nos objetos que construímos socialmente, de que modo nos tornamos seres culturais? LEONTIEV (1978) pensa que

Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, ‘os órgãos da sua individualidade’, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função, este processo é, portanto, um processo de educação. (p. 272)

Trata-se de uma relação sujeito-conhecimento-sujeito, fundamental aos processos de significação do mundo pelo indivíduo, ou seja, de humanização (VYGOTSKY, 2007).

Assim, se compreendemos que a cultura não é estática, não está circunscrita à reprodução dos significados anteriormente construídos, mas “cumpre também, dentro das necessidades de produção do sentido, a função de reelaborar as estruturas sociais e imaginar outras novas” (CANCLINI, 1983, p. 29-30); e que nosso propósito – que considera a democratização da Arte – não se resume ao acesso e a fruição das obras artísticas e culturais apenas, mas intenta problematizar a cultura dada (no caso da comunidade do Tomé, a cultura que se estabelece com a chegada da atividade econômica do agronegócio), ao tempo que estimula a produção da cultura local; então, pensamos que a postura ideal do mediador não é permanecer entre o espectador e a obra, como um intermediário. Essa postura, no máximo, ofereceria os meios de o espectador se apropriar da obra e lê-la de acordo com os “olhos” do próprio mediador, contendo o seu marco valorativo e não o da realidade da comunidade. Aqui, cabe uma explicação. Não estamos negando a importância que tem o olhar do mediador, quase sempre um estudioso e conhecedor da arte erudita a que tem acesso apenas uma elite cultural; menos ainda propondo que os membros das classes populares não devam ter acesso às obras e aos códigos da arte erudita. Em vez disso, chamo a atenção para que o processo de mediação artística e cultural com base na comunidade não se resuma a direcionamentos e explanações sobre uma “arte culta” e seus códigos “propriamente artísticos” (BOURDIEU, 2007). Atinamos, então, que a postura mais instigante e fecunda ao mediador que propõe sua ação com base na comunidade, é a atitude de quem se abre ao diálogo, que permanece aberto às provocações que o outro e a própria obra podem suscitar neste novo contexto.

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Concordamos com BARBOSA (2002) ao afirmar que não se trata “de perguntar o que o artista quis dizer em sua obra, mas o que a obra nos diz, aqui e agora, em nosso contexto, e o que disse em outros contextos históricos, a outros leitores” (p. 18-19). É certo que há elementos que o mediador já contatou anteriormente, das outras vezes que esteve diante da obra, de um artigo que leu a respeito, dos comentários de um professor na universidade, e essas referências podem ser trazidas na mediação com os espectadores. Resta, no entanto, saber apresentar esses elementos como uma entre muitas possibilidades de leitura, realizada em certas circunstâncias históricas, e nunca como uma análise determinante que possa reduzir a capacidade de interpretação ou o ânimo do espectador de postar-se criativamente para uma apreciação original da obra.

Em uma de nossas atividades de mediação artística e cultural, o ator Edivaldo Férrer apresentou o poema Da paz, de Marcelino Freire, que trata de uma mãe, enlutada pelo assassinato de seu filho, que se recusa a fazer parte de uma manifestação pela paz.

Eu não sou da paz. Não sou mesmo, não. Não sou. Paz é coisa de rico! (...) A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue! (...) Quem vai ressuscitar meu filho, o Joaquim? Eu é que não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo. Carregando na avenida a minha ferida (FREIRE, 2011).

O poema apresentado, o que está dado, é o imediato. Quando os espectadores são provocados, por um silêncio que procede à leitura, pelo questionamento acerca das motivações que levam a personagem a afirmar que não é da paz, pelas falas de alguns presentes sobre a violência na região, pela lembrança de Zé Maria do Tomé, filho da comunidade, assassinado como Joaquim, filho da personagem do poema, bem como sobre o ofício do poeta ao ler e representar/recriar com palavras o mundo, os espectadores estabelecem uma relação aprofundada com a obra e intensifica sua experiência estética. Assim, na mediação, no conhecimento mediado – não apenas pelo mediador, senão pela própria obra e pelos demais espectadores – o indivíduo compreende melhor a obra artística e a realidade em que está inserido.

Para BOURDIEU (2007), “toda obra é, de alguma forma, elaborada duas vezes: pelo criador e pelo espectador, ou melhor ainda, pela sociedade a que pertence o espectador” (p. 76). Assim, quanto menor for a diferença entre o código exigido pela obra e o código construído historicamente pela comunidade que, ora, recebe essa obra, mais profícua será a atividade de mediação. No início do poema, diante da afirmação “eu não sou da paz”, percebemos que a frase gerou um estranhamento e a plateia reagiu com surpresa. Essa reação aconteceu porque os discursos a favor da paz são comuns na escola, na rádio, na fala dos políticos que são escutadas comumente por aquelas pessoas. Esse é um código já construído e internalizado. No entanto, ao confrontar – por meio do poema – esse discurso de paz, construído com determinados interesses, e a violência do cotidiano, ou seja, o inverso da paz que é vivenciado no real, os espectadores poderão refletir e desconstruir um conceito vazio para, em seu lugar, reconstruir o conceito críticamente.

Arte e suas funções cognitivas

O mediador artístico e cultural deve encorajar uma mudança de postura e de pensamento e favorecer a criação de outro mundo, mais belo e justo, primeiramente na imaginação. Pois, de acordo com Schultz, “de modo a projetar minha ação futura, conforme ela vai se desenvolver, tenho de me situar, na minha fantasia, num tempo futuro, quando a ação já terá sido realizada, quando o ato resultante já terá sido

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materializado” (apud DUARTE JÚNIOR, 1988, p. 100). Daí a importância de trabalhar a arte/educação nessa comunidade, que, diante da realidade problemática em que está inserida, tanto carece de esperança, de utopia. Utopia essa que levou os moradores a pintar uma Árvore dos Sonhos em um de seus muros, antecipando na imaginação criadora um território de paz, saúde, ambiente saudável, cooperação, água de qualidade, segurança, adubação orgânica, frutas sem agrotóxicos, mais educação, consciência e respiração saudável.

Utilizamos, pois, em nossa mediação artística e cultural na comunidade do Tomé, algumas funções cognitivas ou pedagógicas da arte (DUARTE JÚNIOR, 1988). A primeira delas está relacionada à liberdade do sentir. Ou seja, por meio da arte, reduzir o controle do intelecto – muitas vezes, determinado pelo mundo do trabalho e do consumo capitalista – para acessar sentimentos, próprios daquele momento ou relacionados com situações ocorridas em outro momento e que são trazidos à memória pela obra artística. Em seguida, tendo a arte propiciado uma experiência pré-reflexiva (do sentir), pode também se tornar objeto de reflexão (do pensar), e equilibrar, assim, as faculdades emocionais e intelectivas para favorecer uma ampliação da percepção na experiência estética. Posteriormente, integrando os aspectos da emoção e do intelecto no indivíduo, a arte também pode possibilitar o diálogo do sentir e do pensar entre os indivíduos. Trata-se de um diálogo intercultural, portanto, não havendo a imposição de um modelo sobre o outro, mas devendo a obra ser lida, em última instancia, a partir do lugar e das relações construídas pelo espectador. Também a arte tem como uma de suas funções cognitivas agilizar a imaginação, com potencial de originar novos sentimentos e permitir nos situar num tempo futuro, franqueando a utopia e separando “o plausível do imponderável” (p. 102). Finalmente, a arte, permitindo ensaiar e planificar uma nova realidade no plano simbólico, viabiliza também a transformação social e a consequente emancipação na realidade. Permite-nos, assim, mensurar a distância, calibrar nossa bússola e seguir em direção a “um mundo em que seja menos difícil amar” (FREIRE, 2005, p. 213). 3. Metodologia

Freire (1995) afirma que deve ser “a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política” (p.100). Amparados por esta afirmação, buscamos em diálogos com parceiros da universidade, na observação participante e em entrevistas individuais e coletivas definir a metodologia do trabalho.

As primeiras ideias de ação surgiram em diálogo com o Núcleo Tramas4, ainda em 2012 e 2013. Pensávamos a importância de uma ação cultural incluindo a juventude, porque entendíamos que os jovens são dos segmentos sociais mais vulnerabilizados, porque dos mais assediados pelas empresas do agronegócio e suscetíveis a problemas sociais como a drogadição, o alcoolismo, a gravidez precoce.

4 Núcleo de pesquisas do Departamento de Saúde Comunitária, da Faculdade de Medicina, da Universidade

Federal do Ceará (UFC), que realiza pesquisas acerca dos impactos do agronegócio e dos agrotóxicos sobre a saúde dos moradores na Chapada do Apodi, desde 2007.

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Em fevereiro de 2014, aproveitando uma reunião de organização da Semana Zé Maria5, apresentamos à comunidade do Tomé nossa primeira proposta de trabalho: uma série de oficinas com técnicas do Teatro do Oprimido, intentando discutir os problemas sociais ao tempo que incitávamos uma ampliação na produção cultural local. Àquela altura, como aluno do Curso de Especialização em Cultura Popular, Arte e Educação do Campo – Residência Agrária, na Universidade Federal do Cariri (UFCA), nos foi concedida uma Bolsa CNPq (ATP-A) para a realização da ação.

Realizamos visitas à comunidade, acompanhados de integrantes do Núcleo Tramas6, conversamos com moradores, falamos sobre nosso propósito de uma ação de teatro/educação na comunidade. Marcamos três datas para o início do trabalho com os jovens, mas os jovens não apareceram. Em nossas conversas, fizemos duas descobertas: vários moradores não sabiam o que era teatro e alguns reagiam negativamente à proposta de uma ação com viés político claramente definido, em oposição à atividade do agronegócio na região. O caso do líder comunitário Zé Maria, brutalmente assassinado por suas denuncias relacionadas à contaminação da água da comunidade por agrotóxicos, à pulverização aérea, às irregularidades na concessão de terras no Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, ainda ecoava entre os moradores. Possíveis represálias das empresas, como assédios, demissão de trabalhadores, também atemorizavam esses moradores, como demonstra estudos recentes do Núcleo Tramas (Melo, 2013).

Três pessoas da comunidade – uma integrante da associação comunitária, uma gestora de uma escola pública e uma senhora poetisa – foram se aproximando e intensificando o diálogo, oferecendo elementos e demandas para a construção de uma ação cultural efetiva, porém, diferente da que havíamos pensado primeiramente. Apontavam para uma ação que fomentasse a prática cultural na comunidade – não apenas com a juventude – e fortalecesse a coesão, a cooperação, o sentimento de pertencimento, ou seja, os laços de solidariedade comunitária.

Fomos, assim, encontrando no próprio trabalho o delineamento de uma pesquisa-ação. Vivenciando o que Thiollent (2011) compreende por fase exploratória da pesquisa-ação, e que “consiste em descobrir o campo de pesquisa, os interessados e suas expectativas e estabelecer um primeiro levantamento (ou ‘diagnóstico’) da situação, dos problemas prioritários e de eventuais ações” (p. 56). Reconhecemos que as quatro pessoas mais envolvidas - um investigador da universidade e três moradores da comunidade – formavam um grupo de pesquisa ou um “pesquisador coletivo” (BARBIER, 2002), que denominamos Grupo Pesquisação.

Assim, o projeto de mediação artística e cultural foi sendo desvelado a partir dos diálogos e dos dados coletados nas conversas do Grupo Pesquisação, nas observações na comunidade e em uma entrevista coletiva7 com nove professoras de arte de escolas da região. Verificamos a necessidade de a) favorecer o acesso a expressões artísticas e, por meio dessas, estimular um diálogo entre as representações (ideias, crenças, visões de mundo) do que é apresentado e as

5 Desde o assassinato do líder comunitário e ambientalista Zé Maria do Tomé, em 21 de abril de 2010,

comunidade, movimentos sociais, universidades, entidades sindicais se reúnem para a organização de uma semana de atividades em lembrança da luta encampada pelo líder e em exigência de punição aos criminosos. 6 Importante frisar a importância de a ação ter sido acompanhada pelo Núcleo Tramas, tendo possibilitado a nós

– pelo respeito conquistado na comunidade, em consequência de anos de pesquisa e trabalho sério – uma

aproximação mais rápida e dotada de confiança junto aos moradores. 7 Entrevista II - 9 professoras de Artes da Educação Básica. [28 março 2014]. Entrevistador: Fernando Leão,

Comunidade do Tomé, salão paroquial, professoras, Quixeré, 2014. Arquivo MP3.

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representações da comunidade; b) promover formações e espaços de discussão sobre arte para professores da educação básica, de modo a contribuir com o aperfeiçoamento de sua prática didática; c) oferecer atividades de arte/educação, sobretudo para as crianças e os adolescentes, de modo a permitir vivências significativas em arte; e, por fim, d) valorizar e estimular as produções artísticas e culturais produzidas localmente, por meio do registro e da divulgação de poemas, dramas e narrativas.

Nesse momento, tendo percebido o problema (falta de prática cultural e a necessidade do fortalecimento dos laços de solidariedade comunitária); pensado a hipótese de que iniciar um processo de democratização da arte e da cultura na comunidade seria capaz de favorecer a resolução do problema; depreendido a necessidade de leituras (sobre a região da Chapada do Apodi, sobre o agronegócio e seus impactos, sobre a natureza da mediação, sobre cultura, sobre mediação artística e cultural, sobre arte, sobre educação popular, sobre arte/educação); iniciamos a elaboração e a execução de um plano de ação.

Muitas questões surgiram: diante de uma população que foi privada de acesso às obras artísticas e culturais, que peças de teatro, que poesias, que apresentações musicais, poderiam oferecer um alento, uma reflexão, um outro olhar sobre o mundo, um riso pra espantar o medo? Teríamos o apoio de secretarias municipais (educação e cultura, principalmente) para a realização deste trabalho? Quem seriam os artistas e os arte/educadores envolvidos na ação? Como mediar as apresentações de expressões artísticas locais de modo que a plateia as reconheça com igual valor em relação às apresentações de artistas de Fortaleza, por exemplo?

Mês a mês, realizamos conversas, ligações, contatos com amigos artistas e arte/educadores de Fortaleza, da Chapada do Apodi, de outros municípios do estado, de modo a contar-lhes sobre nosso projeto e convidar-lhes à participação. O Projeto Arte e Cultura na Reforma Agrária (PACRA), do INCRA, somou à nossa pesquisa-ação, indicando grupos artísticos da região. Uma escola da comunidade do Tomé e outra da comunidade de Cercado do Meio emprestaram equipamentos, disponibilizaram estrutura para algumas atividades, articularam com a Secretaria Municipal de Educação de Quixeré que, em algumas ocasiões, cedeu transporte para o traslado de artistas, liberou funcionários para participar da formação em arte-educação. A igreja da comunidade divulgou as atividades, emprestou os bancos para a realização das programações culturais na praça, apoiou. Durante o processo, outros moradores foram se aproximando e participando na organização, na divulgação das atividades, na socialização dos comentários feitos por quem havia assistido as programações, o que muito contribuiu nos momentos de avaliação do processo.

Realizamos 4 entrevistas semi-estruturadas: em 28 de fevereiro, com a poetisa, sobre a cultura na comunidade; em 28 de março, com 9 professoras de arte de escolas da região, sobre o trabalho de arte nas escolas e sobre as carências de prática cultural; em 02 de agosto, com a poetisa e sua filha, sobre a expressão artística popular dos dramas e as dramistas na região; em 27 de setembro, com 12 pessoas, sendo 7 moradores da comunidade do Tomé e 5 artistas que participaram da programação cultural, sobre avaliação do projeto. 4. Resultados

Freire (2005), em um dos capítulos de sua Pedagogia do Oprimido, pensa as teorias da ação cultural, em suas matrizes antidialógica e dialógica. E considera que uma práxis cultural que se propõe a transformar a realidade, que se opõe à prática

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das elites dominadoras, deve ter o diálogo como característica fundamental, em razão de considerar a participação do oprimido em sua própria libertação. A Teoria da Ação Dialógica, pois, pressupõe o direito de palavra do oprimido e sua ação em ad-mirar, questionar, denunciar e transformar o mundo.

A Teoria da Ação Dialógica estabelece quatro categorias de ação – co-laboração, união, organização e síntese cultural –, em torno das quais iremos analisar os resultados de nossa pesquisa-ação na comunidade do Tomé.

A co-laboração libertadora, como primeira categoria, antagoniza a conquista opressora. Os sujeitos devem co-laborar, ou seja, trabalhar e esforçar-se juntos, para a construção e a pronúncia de um outro mundo, e não aceitar a relação em que um sujeito conquista o outro, toma posse e o transforma em quase coisa.

Na co-laboração, o eu, dialógico e dialético, se reconhece no outro, no tu, no não-eu, a fim de se constituir. E o tu, que constitui o eu, também é por ele constituído. Assim, eu-tu fazem a crítica de si diante do outro, assumem-se como sujeitos que, dispostos à mudança, e sem querer impor-manejar-domesticar-sloganizar, aprendem juntos, mediatizados pelo mundo que os desafia.

Em uma das programações culturais, em 30 de agosto de 2014, participou um grupo de 25 estudantes do curso de Licenciatura em Teatro do IFCE, da disciplina Metodologia do Ensino em Teatro. O depoimento de um desses alunos trata da ressignificação de perspectivas éticas e estéticas que um diálogo verdadeiro entre sujeitos dispostos à mudança pode provocar.

Quem alimenta quem nesta ida e vinda ímpares? Fiquei pensando: na Comunidade do Tomé – Limoeiro do Norte – Acampamento do MST, ambiente(s) único(s) em que passamos esse último final de semana de agosto de 2014. Seria pretensão demais – e não foi o caso – querermos ensinar alguma coisa, sermos exemplo. Seria egoísmo – nem tão pouco foi o caso – apenas extrair daquelas pessoas, daquele lugar um conteúdo de vida, a força que eles têm. (...) Se fomos trocar experiências, tocar e propor novas realidades às comunidades do Apodi, o que dizer sobre o efeito que elas causaram sobre nós? Quem saiu mais alimentado? Quem saiu mais sedento de arte depois dessa experiência de teatro na rua, na praça, no terreiro, de improviso, de música, de conversa ao pé do ouvido, quem mesmo não é mais o mesmo? Quem deve se preencher de sentido novamente? Os mesmos nós não somos mais, de tanta graça advinda do Tomé. Comunidade da luta, da terra, da água, do sol, da música, do interior do Ceará, da ocupação e dona de direito daquele chão, dos punhos serrados, obrigado! (J.M., aluno do curso de Licenciatura em Teatro, IFCE, depoimento em rede social, em 1º/09/2014).

É dessa identificação que surge a vontade de co-laboração, que irrompe a disposição de criar reconhecendo o outro também como criador, que se manifesta o entusiasmo de assumir-se enquanto educador-educando e educando-educador e que faz nascer a coragem de transformar e ser transformado.

A mediação artística e cultural na comunidade do Tomé envolveu uma co-laboração entre um pesquisador coletivo (Grupo Pesquisação), arte/educadores, artistas e a comunidade, além de participações eventuais de instituições e outros parceiros. E nessa co-laboração contabilizou 06 programações culturais com 25 apresentações artísticas e mais de 100 artistas envolvidos, para um público superior a 1.000 pessoas; 03 oficinas de arte/educação realizadas em 03 comunidades da Chapada do Apodi, com a atuação de 13 arte/educadores e a participação de 150 crianças e adolescentes; 01 atividade de formação em contação de histórias para profissionais da educação básica, incluindo 38 professores/técnicos da Secretaria Municipal de Educação de Quixeré e 02 formadores; 01 exposição de fotografias

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com imagens das programações culturais realizadas, com visitação média de 150 pessoas.

A união que se contrapõe à divisão é a segunda categoria da Teoria da Ação Dialógica. Aqueles que pretendem dominar valem-se da divisão, da dicotomização ou da dualização como estratégia de enfraquecimento da comunidade. Diz Freire (2005) que

A própria situação concreta de opressão, ao dualizar o eu do oprimido, ao fazê-lo ambíguo, emocionalmente instável, temeroso da liberdade, facilita a ação divisória do dominador nas mesmas proporções em que dificulta a ação unificadora indispensável à prática libertadora (p. 199).

A desarticulação imobiliza e oferece ao oprimido como única alternativa a aderência à realidade do opressor.

A rejeição – ainda que velada – de alguns moradores quando apresentamos nossa proposta no início do processo, deixando clara nossa intenção de debater as consequências negativas do agronegócio por meio do teatro, representava uma clara divisão da comunidade. Paralelo às ações devastadoras e antidialógicas, as empresas do agronegócio acabaram por gerar empregos, realizar ações de mitigação (cursos de capoeira e dança, reforço escolar, compra de livros e computadores pra biblioteca da escola), estimular o investimento do estado em infraestrutura, o que levou uma parte dos moradores a considerar os impactos e as mudanças culturais como o preço a pagar pelo desenvolvimento.

Como mudamos nossa estratégia – a partir de uma escuta sensível dos moradores – fomos minimizando a divisão e possibilitando – nesse primeiro momento, pelo menos, em relação às nossas ações – a união da comunidade. Em entrevista coletiva, sobre a avaliação do projeto, diz uma moradora, integrante da associação comunitária e participante do Grupo Pesquisação:

(...) pessoas que não gostavam, que tinham raiva até de ouvir falar das apresentações, nessas duas últimas apresentações, assistiram do começo ao fim. Quer dizer, elas criticavam mesmo, porque a gente trazia o povo pra fazer as apresentações... e nessa última, agora, de ontem, ficaram no banco da frente. Porque antes elas vinham, assistiam atrás, só o comecinho, e iam embora, falando... mas, ontem, assistiram no banco da frente, e riram muito (informação verbal)

8

Fomos, assim, possibilitando que a comunidade se re-unisse, se reencontrasse no espaço público, na praça. Hábito que caiu em desuso em razão das práticas individualistas da cultura que se estabeleceu nas duas últimas décadas e da violência presente na região. A mesma moradora fala de uma amiga que, temerosa diante de tantos relatos de assalto, havia deixado até de ir para a missa. Diz:

Tem gente que não sai de dentro de casa, às vezes tem medo até de vir pra Igreja. Diz: ‘não vou pra igreja, não, porque tem muito movimento na estrada, eu tenho medo’. E se tranca, realmente, no seu mundo. Mas quando apareceu, agora, o ‘teatro’, sempre tão vindo. Aí a gente disse: ‘ah, agora você saiu de casa’. Aí ela disse: ‘no meio de tanta desgraça, pelo menos, a gente pode rir de alguma coisa, pra distrair a mente!’ (informação verbal)

9.

Compreendemos que nossa ação de mediação artística e cultural estimulou a união da comunidade, expressada pelo encontro na praça, a conversa descontraída, a discussão saudável sobre as obras artísticas e, assim, favoreceu à revitalização de um senso comunitário e a aquisição de uma prática cultural coletiva.

8 Entrevista IV – 12 pessoas, sendo 7 moradores da comunidade do Tomé e 5 artistas que participaram da

programação cultural. [27 setembro 2014]. Entrevistador: Fernando Leão, Comunidade do Tomé, salão

paroquial, moradores e artistas, Quixeré, 2014. Arquivo MP3. 9 Idem nota 8.

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A terceira categoria da Teoria da Ação Dialógica é a organização popular, a fim de contrastar e anular a manipulação pelo opressor. Aqui, cabe a advertência de que a organização não é a simples agregação de indivíduos, mas a vinculação efetiva e afetiva desses indivíduos com a causa do coletivo e com a pronúncia do mundo.

A constituição do Grupo Pesquisação, num diálogo de saberes acadêmicos e populares, garantindo o direito de os atores locais se colocarem e decidirem sobre os rumos a dar a ação cultural em sua comunidade, foi um modo de vivenciar a organização popular no âmbito desta pesquisa-ação.

Em outras situações, seria comum que o pesquisador-ator acadêmico tivesse maior peso nas decisões por ser considerado “o professor”, detentor de uma cultura universitária, ter maior possibilidade de argumentação. Mas isso seria uma expressão da manipulação por um tipo de poder cultural. A relação dialógica estabelecida no grupo, no entanto, foi afirmando igual valor entre os integrantes, permitindo o direito de palavra e de ação a cada um.

Em um dos momentos de preparação do programa cultural do mês de setembro de 2014, a proposta era que a comunidade organizasse a programação sem a participação do pesquisador-ator acadêmico e apenas com moradores e artistas da região. Era uma estratégia de divulgar a cultura produzida localmente e favorecer a autonomia da comunidade para a realização de ações culturais. Na ocasião, um grupo de teatro da Região Metropolitana de Fortaleza, contatou o Grupo Pesquisação para apresentar seu espetáculo que tratava do voto consciente (era véspera das eleições de outubro). O pesquisador acadêmico sugeriu que o grupo se apresentasse em outro momento, considerada a proposta do mês de que a programação apresentasse apenas artistas locais. As moradoras-integrantes do Grupo Pesquisação não titubearam e decidiram por incluir a peça, sob o argumento de que debater o sistema eleitoral por meio de um espetáculo teatral tinha muita relevância naquele momento e os artistas locais estavam mantidos na programação, cumprindo também o objetivo de promover a cultura local.

Assim, as moradoras davam indícios de conquistar a organização e a autonomia esperada, reconhecendo a importância de seu esforço e seu potencial para assumir a construção de sua história. Em maio de 2015, num desdobramento da mediação artística e cultural realizada em 2014, uma das integrantes do Grupo Pesquisação conduziu a organização dos festejos da madroeira, ensaiando a Coroação de Nossa Senhora com crianças da região e uma ampla programação cultural com o Grupo de Boi de Quixeré, teatro de bonecos, cantoria, embolada de coco e seresta. Em conversa que tivemos após os festejos, essa senhora falou da importância e do estímulo dado por nossa ação no sentido de fomentar o interesse da comunidade nas expressões culturais locais e instigar o desejo do trabalho coletivo para a manutenção daquilo que considera importante. Ela conta ainda que os moradores consideraram uma das festas mais bonitas e mais frequentadas dos últimos anos e concluiu: “Todos se admiraram da capacidade que tinham e não sabiam”10.

Por fim, a síntese cultural – contrária à invasão cultural – é a categoria da Teoria da Ação Dialógica que trata da negação da reprodução da cultura hegemônica e se propõe à produção de uma nova cultura gestada no diálogo entre aqueles que chegam (pesquisadores, professores, ativistas políticos, entre outros) e aqueles que ali estão (o povo no seu território).

10

Depoimento de moradora da comunidade do Tomé, em conversa informal, por meio de rede social, em 31 de maio de 2015.

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Enquanto na invasão cultural (...) os atores retiram de seu marco valorativo e ideológico, necessariamente, o conteúdo temático para sua ação, partindo, assim, de seu mundo, do qual entram no dos invadidos, na síntese cultural, os atores, desde o momento mesmo em que chegam ao mundo popular, não o fazem como invasores. E não o fazem como tais porque, ainda que cheguem de “outro mundo”, chegam para conhecê-lo com o povo e não para “ensinar”, ou transmitir, ou entregar nada ao povo (FREIRE, 2005, p. 208).

Ou seja, é, pois, uma ação cultural que, independente do campo de conhecimento em que vá se concentrar – que pode ser a arte, o meio ambiente, a saúde – se propõe contra-hegemônica já em sua metodologia de ação.

A reformulação do projeto inicial e a construção desse projeto de mediação artística e cultural inteiramente em diálogo com a comunidade, apresentada em nossa metodologia, foi uma grande ação de síntese cultural.

Uma atividade que consideramos bastante relevante pela síntese cultural e pela promoção da cultura produzida localmente foi a apresentação do Romance do Príncipe Louro por 5 alunas do curso de Licenciatura em Teatro do IFCE. Esse romance foi coletado em entrevista realizada em 02 de agosto11, com a poetisa M. e sua filha, e apresentado pelas jovens alunas de teatro no dia 31 de agosto, no Acampamento Zé Maria do Tomé12, próximo à comunidade.

Figura 1 - Estudantes de teatro apresentam o Romance do Príncipe Louro em acampamento

Fonte: Fernando Leão/Acervo da pesquisa-ação

Na ocasião, moradores de várias comunidades da Chapada do Apodi puderam testemunhar que é possível o diálogo entre saberes populares e acadêmicos, com bom resultado artístico; estudantes urbanos se muniram de novas histórias, novas teatralidades, novas formar de ser-estar no mundo. Para Freire (2005),

o saber mais apurado da liderança se refaz no conhecimento empírico que o povo tem, enquanto o deste ganha mais sentido no daquela. (...) nem invasão da liderança na visão popular do mundo, nem adaptação da liderança às aspirações, muitas vezes ingênuas, do povo (p. 210-211).

11

Entrevista III – M. e M.. [02 agosto 2014]. Entrevistador: Fernando Leão, Comunidade do Tomé, casa de M.,

poetisa e sua filha, Quixeré, 2014. Arquivo MP3. 12

Em maio de 2014, um grupo de camponeses e camponesas da Chapada do Apodi ocuparam, em conjunto com o MST, uma área localizada em Limoeiro do Norte, a fim de promover a discussão acerca da distribuição de terras da 2ª etapa do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi.

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Entendemos que o aprendizado se dá no diálogo e na recriação das culturas; o que a síntese cultural não admite, porém, é a subalternização de um saber pelo outro. 5. Considerações finais

O processo de modernização agrícola que se expressa pela presença de empresas nacionais e transnacionais do agronegócio no campo tem transformado a vida dos camponeses e das camponesas. Hábitos culturais comunitários dão lugar a práticas predominantemente individuais que anulam possibilidades de emancipação social.

Consideramos que nossa mediação artística e cultural com base na comunidade cumpriu com seus objetivos ao promover o acesso às obras artísticas em sua diversidade, possibilitar diálogos interculturais, oferecer informações acerca da arte e da educação, valorizar e divulgar as produções artístico-culturais locais – se configurar também como ação política, ao gerar uma atmosfera social favorável para mudanças significativas de hábitos e instigar a relação entre os moradores, ofertando-lhes temas e situações para uma reflexão comum de seu modo de estar no mundo.

Para nós, termos a possibilidade de construir essa pesquisa-ação em diálogo com os moradores da comunidade do Tomé e com parceiros do Núcleo Tramas/UFC; buscar na co-laboração entre universidade, comunidade, arte/educadores e artistas não só uma revisão de nossas metodologias, mas um outro modo de fazer arte, educação e ciência; contribuir com a união e a organização popular, tendo a arte como catalisadora de nossas ações; experimentar a síntese cultural na vida mesma e não apenas nas páginas dos livros; tudo isso nos dá força e esperança para seguir semeando novos espaços de construção compartilhada do conhecimento, (re)conhecendo a arte e seu papel nas lutas do povo, testemunhando que a arte/educação baseada na comunidade tem clara função social e apresenta surpreendente potencial para a construção de um saber emancipatório.

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Fernando Antônio Fontenele Leão (IFCE, Ceará, Brasil)

Possui Especialização em Cultura Popular, Arte e Educação do Campo (UFCA), Licenciatura em Teatro (IFCE) e Graduação Tecnológica em Artes Cênicas (IFCE). Atualmente, é bolsista de extensão CNPq (EXP-B) e integra o Núcleo Tramas/UFC. CV: http://lattes.cnpq.br/7540627865318938 Maria de Lourdes Macena de Souza (IFCE, Ceará, Brasil) Profa. Dra. em Artes, coordenadora Grupo Miraira. Tem 39 anos de prática docente e de criação artística atuando no Ensino de Arte (teorias e práticas) com ênfase no Teatro e Cultura Popular, em danças dramáticas, danças populares, música tradicional popular e educação patrimonial. CV: http://lattes.cnpq.br/4972226291375320