arte, narrativa e verdade a contemporaneidade ausente e o

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    ARTE, NARRATIVA E VERDADE: A CONTEMPORANEIDADE AUSENTE E O

    LIVRO DE HISTRIA

    Emerson Dionisio G. de OliveiraUniversidade de Braslia

    A arte contempornea no fcil. Muitos motivos fazem dessa modalidade de arte, que h

    muito se institucionalizou, um problema para sua prpria difuso. Contudo, estranho

    perceber quo apartadas esto certas esferas de conhecimento da arte visual produzida em

    nosso tempo. Um dos motivos que me levaram a produzir esse estudo est ligado a recorrente

    ausncia de reprodues de obras de arte contempornea em livros escolares na rea da

    histria, publicados partir dos anos 90. Problema que merece ser evidenciado, mesmo porque

    me parece que a soluo no passa apenas pelo desejo ou resoluo de fazer com que tal arte

    seja difundida por meio dessas publicaes1. preciso compreender porque o mercado

    editorial e os autores voltados para esse segmento no investem na ilustrao de temas

    contemporneos com a arte produzida na mesma poca. As publicaes escolheram, por sua

    vez, a fotografia a partir do registro jornalstico para conferir a tais temas um discurso

    constitudo pelo universo miditico.

    Antes de adentrar na questo dos livros escolares pertinente esclarecer o que estou

    denominando como arte contempornea. Nas ltimas dcadas, historiadores da arte voltados

    arte atual em todo mundo encontram grande dificuldade para compor padres que ajudem a

    definir a contemporaneidade em arte. Isso se deve graas a fatores que podem ser encontrados

    nas proposies e atitudes de artistas como as do americano Joseph Kosuth, do alemo Joseph

    Beuys ou do brasileiro Nelson Leirner, segundo as quais qualquer coisa pode ser arte e

    qualquer um pode ser artista, no existindo mais um jeito especial pelo qual algo se pareacom arte, nem uma ao especial que marque algum como um artista 2.

    Para enfrentar essas questes, uma rede de instituies tem criado condies para a

    compreenso (e produo) desses novos comportamentos e valores da arte e demonstrando,

    para espanto dos ingnuos, que nem tudo transformando em arte e, desta forma, no

    qualquer um que interpretado como artista . Museus, universidades, galerias (mercado),

    crticos e mdia tm eleito, nas ltimas quatro dcadas, a arte e os artistas que melhor (essa

    ao menos a pretenso) representam ou singularizam o nosso tempo.

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    Para alm da importncia e dos limites dessas instituies, um dos pontos paradoxais da

    produo artstica contempornea, inventariado nesse processo, sua relao com sua prpria

    historicidade. Como fenmeno cultural particular, a arte contempornea tem navegado entre

    constituir-se como uma produo pretensamente atemporal e, simultaneamente, alimentar-se

    de inmeras narrativas histricas3. Essa contradio est na raiz de grande parte dos

    problemas enfrentados na atualidade no que tange a sua divulgao por protocolos e mdias

    escolares, por exemplo.

    Como conceito e instituio, a arte contempornea sedimentou suas razes, em parte, na

    crena de que sua matriz geradora est perpetuamente ligada experincia do presente, seno

    a do devir. Mesmo esse conceito sofreu mutaes nas diferentes dcadas que rotularam a

    produo sucessora do modernismo 4 (no final dos anos 50 at os nossos dias). Minhaabordagem tem como finalidade pensar, inicialmente, como delicado apropriar-se de objetos

    artsticos que ainda no foram absorvidos por hierarquias e classificaes. Delicadeza,

    contudo, que no pode ser usada como desculpa para o silncio e a inaptido, uma vez que tal

    arte aquela que imediatamente nos fala das inconstncias, controles e incertezas de nosso dia

    a dia.

    A pluralidade cultural um elemento constitutivo da produo contempornea e s esse fator

    seria suficiente para balizar sua divulgao junto a narrativas de temas histricos ocorridosnos ltimos quarenta anos. Contudo, me parece que a pluralidade venha ser justamente um

    problema para os educadores, instituies de ensino e mercado editorial. Mesmo administrada

    por um voraz sistema institucional, a arte contempornea ainda no passou pelo processo

    narrativo da histria da arte que lhe confere uma certa unicidade discursiva. Pelo contrrio, o

    trabalho est em plena operao. Para tanto, nesse mesmo perodo temos assistido a

    emergncia de um esforo para garantir a uma dada arte contempornea um lugar privilegiado

    dentro dos muros da histria da arte e para dot-la de um lugar de memria a partir dedeterminados mecanismos. Esse esforo vem obedecendo a certos cnones que em muitos

    sentidos negam a prpria pluralidade da arte desses ltimos anos e que, em certa medida, pode

    acabar transformando-a numa anttese cultural de nossa poca.

    O mercado editorial em questo conhece os riscos de perto e tem pouca influncia sobre suas

    dinmicas5. O que arte hoje, mesmo tendo algum nexo causal com a histria da arte hoje,

    no ter a garantia do prestgio no futuro. Um leitor atento, me dir que nada possui garantias

    quando envolvemos nossas perspectivas para o devir. Contudo, h todo um aparato

    institucional que garante a sobrevida de outros bens culturais ou ao menos sua salvaguarda

    material e simblica. Aparato que a arte contempornea ainda esfora-se por constituir. Antes

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    que isso ocorra (o processo est em marcha), uma obra compreendida como arte, herana

    dessa operao plural, pode deixar de fazer sentido, perdendo espao para outras obras. Do

    ponto de vista da histria cultural e da nova museologia 6, esse processo de seleo no um

    problema em si. Mas torna-se uma dificuldade para anlises mais demoradas a medida que

    continua sendo representado como um processo natural, regido por outsiders, eliminando de

    cena suas tenses correntes 7.

    De fato, compreender tais problemas crucial para a apropriao de obras de arte atuais. O

    mercado editorial parece aguardar que o circuito construtor das narrativas busque na memria

    das narrativas passadas da histria da arte o lugar da constituio da memria sobre a arte

    contempornea. Ou seja, a arte das ltimas dcadas, passaria a ser, num sentido duplo, o lugar

    autorizado do contemporneo, desde que tenha sentido dentro das narrativas passadas. Sendoassim, o livro escolar passa a constituir no s parte de sua memria institucional a partir de

    seu acervo selecionado, mas tambm a gerar a partir dele sua contribuio, cada vez mais

    dominante, do que vem a ser aceito para os cnones da histria e crtica da arte.

    Ao nos aproximarmos desse processo complexo e incerto, vejo o quo esse movimento

    acentua cada vez mais o paradoxo entre uma arte pretensamente atemporal e uma arte

    dependente da histria. Exemplos desses procedimentos no faltam quando olharmos outras

    nomenclaturas da histria da arte. Essa mesma construo foi operada para absorver ovocabulrio modernista, fazendo de obras como Operrios (1933) de Tarsila do Amaral ou os

    Retirantes (1944) de Cndido Portinari, cones autorizados dos anos 30 e 40. Ao passo que

    artistas como Mrio Zanini, Jos Pancetti e Aldo Bonadei, igualmente relevantes para o

    modernismo, podem parecer inadequados, buclicos, para ilustrar as transformaes sociais

    da Era Vargas.

    Para criar um discurso uniforme e o mais homogneo possvel, parece ser sempre necessria

    uma contnua operao de seleo. Ou seja, uma contnua leitura da prpria histria da arteatravs das relaes com outras narrativas histricas. Essa re-seleo que parece afastar a

    arte contempornea das salas de aula, por ser justamente uma arte inacabada e incerta, cujos

    cones ainda no foram escolhidos.

    A operao em si uma questo, sobretudo, das instituies da arte. O problema que boa

    parte do universo institucional que produz e faz circular elementos simblicos a partir do livro

    didtico (outra instituio) faz-se refm desse movimento ao invs de interferir nele. Ao

    mesmo tempo, imagens so estritamente indispensveis na sociedade contempornea e onde a

    arte perde seu espao outra matriz imagtica entra em seu lugar, provocando deslocamentos

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    discursivos que devem ser observados com ateno. Eis o caso da predominncia do

    fotojornalismo.

    Temporalidades Podemos visualizar o problema a partir de duas temporalidades. A

    primeira mencionada que depende das instituies da arte em selecionar os cnones artsticos

    representativos de um determinado momento e a segunda, prpria do universo educacional,

    refere-se ao tempo que determinado conhecimento se escolariza disposio de alunos e

    professores.

    Tais temporalidades esto naturalizadas por instituies diversas que demandam poder e

    concentram tenses em todas as pontas do processo que levam uma obra de arte do atelier do

    artista sala de aula. O mercado editorial (aqui incluindo autores) tem observado essedeslocamento de modo passivo e em muitos casos sem lhe conferir a devida ateno.

    Enquanto Rugendas, Debret, Florence, Pedro Amrico, Victor Meireles, Albert Eckhout,

    Aleijadinho, Antonio Parreira, entre outros, ilustram os temas relacionados Colnia, aos

    Reinados e mesmo a Primeira Republica, quem passou a dominar a cena a partir da foi a

    fotografia.

    As ilustraes enfileiram-se a partir de uma lgica evolutiva das tcnicas. No interior da

    periodizao tradicional da histria brasileira, as imagens que povoaram o Brasil colnia soadvindas da pintura, algumas gravuras e raros desenhos, alm de um espectro de imagens

    cartogrficas. Por si s muitos dos livros observados, como era at pouco tempo comum no

    universo dos museus, misturam diferentes temporalidades: vemos, por exemplo, um texto

    sobre o descobrimento do Brasil ao lado de uma pintura de Victor Meireles,A primeira missa

    de 1861 8.

    As licenas histricas podem ser justificadas pela ausncia de fontes imagticas no perodo

    colonial. Justificativa frgil, pois falta aos editores certa ousadia na publicao de obrasmenos conhecidas ou iconografias paralelas 9. H aqui ainda um apego s iconografias que

    balizaram o inicio do ensino de histria laico no Brasil, ou seja, um apego pintura histrica

    ou de gnero histrico. As excees esto presentes no perodo aurfero em Minas Gerais,

    cuja produo de obras de arte esto representadas pelo vocabulrio sacro, algo que pode ser

    explicada pela posio que o barroco em especial o mineiro possui dentro do imaginrio

    de historiadores, em particular, entre os historiadores da arte 10.

    No sculo XIX, teremos a profuso de imagens oriundas das mesmas tcnicas acrescidas de

    fotografias para ilustrar o final do sculo em questo. Nesse momento, as temporalidades

    aparecem prximas. Mesmo quando encontramos o leo Independncia ou Morte (tambm

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    conhecido como O Grito do Ipiranga) de Pedro Amrico, obra de 1888, ilustrando a

    proclamao da independncia brasileira, ocorrida 66 anos antes, podemos conferir uma

    ligao mais lgica entre a pintura com tons picos do pintor com o modo como a prpria

    historiografia tendeu a narrar a emancipao do pas desde o ocorrido 11. O que chama

    ateno, contudo, o surgimento de imagens oriundas de jornais como charges da revista O

    Malho.

    A fotografia que predomina nas ilustraes de temas inseridos a partir da Republica so de

    trs engenharias estilsticas: antro-etnogrficas; documentais e domsticas. O universo

    pictogrfico cada vez menos utilizado. Dois motivos parecem ser mais aparentes e me

    servem como suposies. O primeiro que tais suportes (pintura, gravura e desenho) deixam,

    no modernismo, o universo da representao histrica. No h mais a pretenso de se retratarum determinado momento histrico ou mesmo uma necessidade naturalista no tratamento dos

    motivos. Mesmo assim, raro encontrar uma publicao que no faa uso de uma pintura de

    Candido Portinari, de Tarsila do Amaral ou de outro artista, at porque muitos tm a Semana

    de 22 (evento que nenhum dos dois mencionados participou) como tema obrigatrio.

    O que surge a partir da Segunda Guerra Mundial so fotografias de outros dois registros: o

    publicitrio e o jornalstico. Mesmo com excees e colees anteriores, sabemos que o

    advento da publicidade deu-se apenas nos anos 50 e o fotojornalismo adquiriu pesoinstitucional a partir dos anos Vargas. No tenhamos iluses de que sob a fachada retrica da

    fotografia jornalstica h, tambm, a sua meia-irm a fotografia publicitria.

    Quando a fotografia publicitria comeou a ser efetivamente praticada no Brasil, em 1949, ela

    tinha um estilo inventivo e romntico que denotava a poca e o seu criador, o cearense

    Francisco Albuquerque (1917-2000). Albuquerque se mudou para o Rio de Janeiro em 1945

    e, logo em seguida, para So Paulo, onde montou seu estdio. Em 1948, foi convidado a fazer

    a primeira campanha publicitria para a Johnson & Johnson. At ento, a publicidade era feita por ilustraes. As poucas fotos utilizadas em campanhas vinham do exterior. Pelos relatos

    deixados por Albuquerque, assim como ocorre atualmente, raramente os fotgrafos tinham

    liberdade para criar nesse ramo. Ele recebia um layout elaborado por publicitrios ou por um

    diretor de arte. Vista agora, a publicidade feita nos anos 50 nos leva a uma reflexo sobre os

    caminhos que a fotografia publicitria tomou. Nas fotos de Albuquerque, geralmente em

    preto-e-branco e sem retoques, as pessoas parecem de verdade, com imperfeies

    incorporadas. H um enfoque mais na famlia do que na individualidade. As imagens

    jornalsticas e publicitrias no estavam to separadas naqueles anos12.

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    Quando a fotografia comea a entrar no universo didtico, a partir do momento que os meios

    de reproduo comeam a se popularizar nos anos 70, ela encontra toda um universo

    profissional da Histria (educadores, pesquisadores, gerentes etc) despreparado para o seu uso

    crtico. Atualmente, utilizar fotografias como fontes para a pesquisa e divulgao histrica j

    no chega a ser nenhuma inovao metodolgica 13. No entanto, nem sempre esse uso foi

    pacfico, como atesta Boris Kossoy, segundo o qual: "... no haveria exagero em dizer que

    sempre existiu um certo preconceito quanto utilizao da fotografia como fonte histrica ou

    instrumento de pesquisa".

    Segundo esse autor, razes de ordem cultural como a fora da tradio escrita na

    transmisso do saber e a dificuldade na anlise e interpretao de informaes que no sejam

    transmitidas "segundo um sistema codificado de signos em conformidade com os cnonestradicionais da comunicao escrita" , estariam na base de tal resistncia.14 Acrescentaria,

    ainda, a velha tradio de desconsiderar a fotografia como elemento imagtico menor diante

    dos efeitos da pintura e suas congneres tradicionais.

    Fora dos portes da histria da arte, a iconografia s se expandiu a partir dos anos 70 do

    sculo XX 15. H, evidentemente, como qualquer documento de qualquer linguagem ou

    suporte, peculiaridades e cuidados especiais que devem ser observados no trato de fotografias

    como fontes histricas. Dentro da tipologia tradicional relativa s fontes de investigaohistrica, a fotografia insere-se na classificao de fonte icnica, a diferenciar-se, por

    exemplo, de outros tipos de fonte: escrita, oral, material etc.

    Em sua natureza de fonte icnica, a fotografia pode ainda ser classificada em dois subgrupos,

    as fontes iconogrficas originais e as fontes iconogrficas impressas. O segundo o que me

    interessa como elemento miditico apropriado pelo mercado editorial voltado para as

    publicaes escolares.

    Ao encontramos a reproduo de uma fotografia num livro escolar, retirada de contextosmiditicos diferentes daquele que a recebe, temos que considerar que perceb-la como fonte

    histrica tom-la em sua dupla natureza, de "matria e expresso", isto , de artefato e de

    registro visual 16. Em minhas especulaes, considero que os livros consultados reproduziram

    as imagens em milhares de exemplares, esvaziando a relevncia do documento fotogrfico

    (artefato) para ressaltar a das prprias imagens reproduzidas (registros visuais). Assim, estarei

    realando menos seu carter material e mais o seu carter imagtico, visual. No h, contudo,

    como separar ambas as naturezas, inerentes que so, tal como forma e contedo, fotografia

    como fonte histrica. Uma vez que a reproduo macia da fotografia alcanou um grau de

    naturalizao que nenhuma outra tcnica (pintura, gravura, escultura) jamais gozou.

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    Verdade Aspecto particularmente importante da imagem proveniente do fotojornalismo o

    que relaciona a imagem realidade por ela registrada. Desde o advento da fotografia, em

    meados do sculo XIX, e do fotojornalismo, no incio do sculo XX, h um forte trao de

    identificao no necessariamente de identidade entre a fotografia e o fotografado,

    entre a imagem (fragmento congelado de um instante em determinado espao e tempo) e a

    aquilo que denominamos como real percebido. como se o fato da imagem fotogrfica

    resultar objetivamente de um procedimento fsico-qumico (a captura de uma imagem e sua

    fixao em dado suporte) obstrusse a percepo de que foi aquele e no outro qualquer

    aspecto da realidade o que foi subjetivamente escolhido (e, em igual medida, que foi

    tecnologicamente possvel registr-lo).

    Essa peculiaridade da fotografia, de induzir o seu receptor crena de estar diante darealidade objetiva, sem interferncias ou mediaes, conferiu uma credibilidade documental a

    essa tecnologia. Essa credibilidade est, ainda, ligada ao "paradigma da fotografia como

    testemunha espontnea".17 Essa suposta credibilidade e imparcialidade da fotografia provm

    de sua "condio tcnica de registro preciso do aparente e das aparncias",18 como se "... a

    prpria luz escrevesse sobre a superfcie sensibilizada da chapa fotogrfica sem a menor

    interveno humana".19 Desmistificando implacavelmente essa iluso, Cssia Gonalves

    alerta:

    As possibilidades de manipulao antes e depois da realizao do registro, como o

    arranjo da cena a ser fotografada e a trucagem feita no laboratrio, forjando assim

    o real segundo interesses especficos, bem como a viso de mundo do fotgrafo

    levando construo de um sentido, so pontos sempre levantados com relao

    objetividade da imagem fotogrfica.20

    O alerta de Gonalves parece-nos mais premente e pertinente na medida que o prprio estatuto

    fotogrfico no sculo XXI comea a desmoronar frente a possibilidade de construir melhores

    mentiras visuais a partir do aparato tecnolgico a disposio. Contudo, toda a estrutura do

    discurso jornalstico, por diferentes caminhos e estratgias, ainda visa ligar o veiculado ao

    real. Nessa perspectiva, a relevante observao de um fotgrafo de imprensa ao refletir

    academicamente sobre seu ofcio parece-nos providencial:

    ... o reprter fotogrfico, pautado por eventos especficos da vida social, tem de

    recortar uma cena e escolher seus personagens, segmentando a ao em momentos

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    especficos, interferindo na realidade registrada, fazendo com que suas fotografias

    encerrem ndices de sua relao subjetiva com os fatos. Alm disso, a fotografia

    de imprensa aparece sempre em um contexto, cercada pelas matrias, manchetes e

    legendas, visando, muitas vezes, defender as linhas editoriais dos respectivos

    veculos ou as idias preconcebidas de seus editores.21

    Esse contexto parece-me associado a toda uma estrutura miditica que necessita autorizar seu

    discurso como aquele que melhor e/ou mais rapidamente representa a realidade. A fotografia

    surge assim como elemento importante na confeco do contexto como texto do presente

    vivido, experimentado e atualizado. Nesse aspecto o fotojornalismo liga-se com propriedadeao discurso que alicera a tcnica fotogrfica desde sua criao: o discurso cientifico do

    registro imediato da physis, representado como uma verdade do olhar22. Nas sociedades

    ocidentais, tradicionalmente desde o sculo XIX, a verdade est centrada no discurso da

    cincia e nas instituies que lhe deram abrigo.

    O processo de criao da fotografia decorreu de uma srie de experimentos que vo

    acontecendo em vrios lugares ao mesmo tempo (inclusive no Brasil, pelos esforos do

    imigrante Hercules Florence), por meio de processos tecnolgicos distintos23

    . A inveno dafotografia e sua rpida disseminao, no s na Europa mas em outros continentes, so frutos

    do processo histrico de afirmao do capitalismo e de consolidao da burguesia como fora

    social dominante, frente da industrializao em sua segunda grande onda de expanso. A

    associao da fotografia a esse processo advm dos usos ideolgicos da imagem, relacionada

    s representaes construdas em torno do poder.

    A fotografia desdobrou-se em vrias vertentes, como as composies artsticas, os retratos

    pessoais e o documentalismo. O fotojornalismo no precisou esperar o fim dos oitocentos

    para surgir, embora seu desenvolvimento tenha ocorrido s a partir das primeiras dcadas do

    sculo seguinte, na Europa e nos Estados Unidos. Em relao ao fotojornalismo, tambm

    coexistiram vrios processos pioneiros simultneos de impresso da imagem. O marco

    histrico inicial pode ser situado em 1880, com a publicao da primeira fotografia pela

    imprensa, em Nova York.24. No Brasil, registra-se a ocorrncia inicial da fotografia de

    imprensa na "Revista da Semana" (1900), na "Ilustrao Brasileira" (1901) e na "Kosmos"

    (1904).

    O fotojornalismo e suas variaes mais estilizadas criaram uma nova ordem do olhar. Esse

    novo jeito de ver e registrar o mundo foi fruto de um processo, para o qual contriburam

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    fortemente nomes como o de Henri Cartier-Bresson, Dorothea Lange, Robert Capa, Erich

    Salomon, Paul Strand e muitos outros. Dos anos 30 aos anos 50 do sculo XX, ocorreu um

    fenmeno que os estudiosos da fotografia descrevem como a era de ouro do fotojornalismo,

    com a criao e rpida expanso de revistas ilustradas como as francesas Vu, em 1928, e

    Match, em 1938, e as norte-americanas Time e Life, em 1929 e 1936, respectivamente. No

    Brasil, entre outros nomes importantes, cabe destacar os de Indalcio Wanderley, de Jos

    Medeiros e do fotgrafo francs Jean Manzon, vinculados sobretudo reformulao da

    Revista O Cruzeiro, em 1944.25

    Embora importantes esses veculos de comunicao no podem ser responsveis por um

    discurso fotojornalstico. Com o avano do sculo, tal discurso gerado e re-apropriado pela

    prpria mdia deixou de ser exclusivo desta. Isso significa que para este trabalho o importante que as fotografias emitem em sua relao de sentido valores prprios do discurso

    fotojornalstico, caracterizado pelo predominncia da representao do espao-tempo como

    elemento da verdade vivida, experimentada e documentada. Nele, raros so os espaos para a

    admisso de subjetividade, iluso ou seleo.

    Nesse campo, quero especialmente enfatizar a possibilidade de explorar e discutir o

    conhecimento sobre o passado com o suporte de imagens registradas pela fotografia. O

    recurso fotografia, com as peculiaridades do fotojornalismo possibilita-nos evidenciar omodo pelo qual uma mdia constri sua representao acerca de certos recortes da realidade.

    Ainda nos permite discutir o contedo poltico dessa representao e, por extenso, refletir

    sobre esse fenmeno em relao ao nosso presente. Contudo, no momento que uma

    fotografia, antes pensada para uma mdia que lhe conferia diferentes dialogias e contexto

    especfico, levada para dentro de um livro escolar, ela cria outras tenses. Escolhemos

    dissertar sobre duas.

    A primeira deriva da prpria fotografia. Imaginar que professores e alunos no possuem oscdigos miditicos para ler uma imagem fotogrfica a partir de elementos conferidos por

    jornais, revistas e emissoras de tv no mnimo ingnuo. A fotografia passa a atuar dentro da

    nova mdia como elemento configurador do contexto que a acompanha. Ela carrega para esse

    contexto a ordem da verdade miditica, exterior a nova mdia (o livro). Confere ao assunto

    que ilustra uma autoridade extra e que em muitos aspectos pode ser legitimo e em outros se

    demonstra como falseamento. O real nesse sentido organizado segundo esquemas de

    representao ditados por relaes de poder que, apoiadas em discursos de autoridade,

    justificam escolhas, condutas, valores. Dando a medida do certo e do errado, do verdadeiro e

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    do falso. O texto do livro escolar, ao publicar majoritariamente fotos jornalsticas, acolhe

    para dentro de suas prprias representaes todo esse universo do porta-voz autorizado 26.

    A outra tenso decorre dos descolamentos de leitura produzidos sobre as demais imagens.

    Quando o mercado editorial utiliza uma fotografia retirada de uma outra mdia ela pode estar

    prefigurando a leitura das demais iconografias tambm a partir do discurso de verdade.

    como se no julgssemos possvel um aluno no ler ento uma aquarela de Debret ou um

    desenho de Rugendas dentro do mesmo discurso de verdade configurado pelo

    fotojornalismo27. Se a fotografia est ali para enunciar que o fato realmente aconteceu, por

    que aquela outra imagem no faria o mesmo?

    certo que essas tenses no devem ser evitadas. Pelo contrrio, no utilizar imagens

    provenientes do jornalismo impresso ou mesmo televisivo incorrer no erro de no assumirque tais mdias so preponderantes na constituio do imaginrio iconogrfico

    contemporneo. Seria cair num discurso contra-miditico, nostlgico e conservador, que no

    percebe a dimenso de que as mdias (inclui-se o prprio livro escolar) operam de forma

    predominante em nosso comrcio social simblico. Nosso meio ambiente, nossas imagens

    cotidianas, nossos corpos, tudo est marcado pela presena delas.

    Nem, tambm, quero supor que alunos e professores no possam utilizar tticas, no sentido

    conferido por De Certeau, para criar novas leituras a partir das imagens mencionadas28

    . Oestatuto de verdade que ela ambiciona, sabemos, nem sempre bem sucedido do ponto de

    vista das ticas que interessam s instituies escolares. E o deslocamento e as possibilidades

    de leituras criam de fato algumas verdades, nem sempre controladas pelas mdias emissoras,

    dentre elas, o prprio livro didtico. Alunos e professores no so receptores passivos.

    Narrativas - Todavia, a supremacia da imagem fotojornalstica no me parece correta. Seu

    estatuto de verdade precisa de concorrentes advindos de outras possibilidades imagticas, oque cria nuanas interpretativas caras ao amadurecimento de professores e alunos. Como isto

    interfere na nossa compreenso da realidade? De ns mesmos? Como as imagens so um

    meio de representao ou um processo de constituio do real? So questes que no podem

    ser evitadas quando uma tica esttica miditica faz-se sentir com tanta nfase e

    predominncia.

    A primeira medida desnaturalizar o estatuto fotogrfico veiculado pela mdia. Para isso

    necessrio tomar como pressuposto de que "... a imagem em geral e a fotografia em particular

    no um tipo de mensagem objetivo, nem universal e nem sequer evidente em sua aparncia

    (...)".29 A leitura dessa peculiar forma de expresso exige plena conscincia da ambigidade

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    que acompanha a linguagem, fazendo-a instauradora do mundo (como arte) e desveladora do

    mundo (como conhecimento).30 A produo do discurso se faz na articulao dos processos

    parafrstico e polissmico; compreender essa tenso o que permite, por outro caminho, dar

    conta daquela ambigidade: "... porque a linguagem scio-historicamente construda, ela

    muda; pela mesma razo, ela se mantm a mesma".31

    Sem eliminar o fotojornalismo da dimenso da sala de aula e tendo por base tais reflexes, h

    observaes importantes a fazer a propsito da atribuio de sentidos, em relao

    perspectiva de leitura da linguagem fotogrfica e como imagens concorrentes podem produzir

    trocas de ordens de sentidos prefigurados e mesmo a construo de novas ordens para alm do

    livro didtico e da sala de aula.

    Primeiramente, as imagens no significam por si mesmas mas pelas pessoas que as produzem,ou pela posio que ocupam aqueles que as divulgam. Sendo assim, os sentidos so aqueles

    que a gente consegue produzir no confronto de poder das diferentes falas." 32. O preconceito

    de que as imagens emanam sozinhas os sentidos, destacados de outras linguagens de apoio,

    s possui real alicerce em anlises que desconsideram o valor interdiscursivo e suas relaes

    entre os sujeitos de significado.

    Por fim, cabe assinalar que "... a sedimentao de processos de significao se faz

    historicamente, produzindo a institucionalizao do sentido dominante. Dessainstitucionalizao decorre a legitimidade, e o sentido legitimado fixa-se ento como centro

    (...)."33 No h motivo pelo qual no se possa compreender tudo isso tambm em relao s

    imagens, cuja instabilidade de sentidos, por sua prpria natureza de linguagem icnica,

    ainda mais patente.

    Sendo assim, partamos para os exemplos encontrados em livros escolares. Lembro que tais

    exemplos foram selecionados tendo como critrio apenas o material confeccionado para o

    ensino de histria (especialmente do Brasil) a partir dos anos 90, momento em que a artecontempornea j possui exemplos ntidos para construir narrativas imagticas auxiliares a

    textos e, portanto, concorrer com seus pares fotojornalsticos. Outro ponto necessrio,

    revelar que as questes aqui discutidas so mais complexas do que podem fazer supor estas

    breves consideraes. Ainda assim, parece-me importante salientar que os exemplos abaixo

    no se mostram irrelevantes ou incompletos se levarmos em conta o fato de que todas as

    publicaes citadas foram utilizadas em salas de aula.

    Dentre os livros selecionados 22 no total - optei neste artigo por indicar trs procedimentos

    distintos: o apagamento das imagens alternativas fotografia, em espacial por aquela colhida

    no universo miditico; a supremacia da linguagem jornalstica para alm da fotografia e; a

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    utilizao de imagens alternativas no dilogo com a fotografia. Todas evidenciadas em

    publicaes que exploram a histria contempornea. Fronteira mvel que para alguns autores

    inicia-se no ps Segunda Guerra Mundial e o fim do Estado Novo (1945), enquanto outros

    optaram por cortes mais prximos como o governo JK, o Golpe de 1964, a Guerra do Vietn

    at a redemocratizao da Amrica Latina, j nos anos 80. Ou seja, eventos dspares em

    dcadas e lugares diferentes.

    Para o primeiro procedimento, escolhiHistria e Civilizao:o Brasil Imperial e Republicano

    de Carlos Guilherme Mota e Adriana Lopez 34. Na edio de 1995, encontramos nos captulos

    que tratam do Brasil Imprio as seguintes configuraes: 46 imagens reproduzidas a partir de

    pinturas, gravuras ou desenhos; 11 imagens geo-cartogrficas; 7 reprodues de documentos

    histricos; 11 ilustraes originais; uma reproduo fotogrfica pertencente ao universofotojornalstico e 29 imagens provenientes de outros registros fotogrficos (antro- etnogrfico;

    paisagstico e domstico). No total foram 105 imagens reproduzidas, onde cerca de 43%

    dessas pertenciam ao universo pictogrfico, enquanto pouco mais 28% pertencem tcnica

    fotogrfica. O que nos chama ateno a presena de apenas uma foto do universo miditico.

    Trata-se de uma foto do Campo de So Cristvo, quando uma multido comemora a Lei

    urea em 17 de maro de 1888.

    Como os assuntos tratados pelos autores naqueles captulos referem-se primordialmente aoperodo entre 1808 e 1889, a predominncia de imagens pertencentes ao vocabulrio artstico

    e, sobretudo, aquilo que na poca denominavam-se Belas Artes esperada. A ilustrao

    daquele momento por obras contemporneas, como as de Rugendas, Antnio Parreiras e

    outros, d a publicao um sentido histrico e cronolgico apropriado. O mesmo ocorre com

    as fotografias que ilustram os temas do final do sculo XIX.

    Existe uma normalidade temporal, ou seja, a adequao entre texto escrito e imagem no que

    tange ao contedo do primeiro e a histria de produo da segunda. H nesse exemplo umnico perturbador dessa normalidade. Trata-se de uma licena dos autores. Uma ilustrao

    com configuraes prprias dos desenhos modernistas, ps dcada de 20, que acompanha um

    relato do dirio de Maria Graham, de 1823. Contudo, embora a forma do desenho apresenta-

    se em descompasso com o texto, a cabea de uma mulher negra estilizada ao gosto

    vanguardista traduz um sentido muito particular do texto da escritora inglesa.

    Ao analisamos os captulos que tratam a Repblica, descobrimos outras configuraes: 10

    imagens reproduzidas a partir de pinturas, gravuras ou desenhos; 9 imagens geo-cartogrficas;

    3 reprodues de documentos histricos; 14 ilustraes originais; 78 reprodues de

    fotografias pertencentes ao universo fotojornalstico e 37 imagens provenientes de outros

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    registros fotogrficos (antro- etnogrfico; paisagstico e domstico). Alm de outras 13

    reprodues de fotografias que merecem a dvida quanto a sua linguagem e finalidade. No

    total temos 164 imagens.

    A primeira alterao o nmero de imagens utilizadas para ilustrar os textos do perodo

    republicano brasileiro, compreendido na publicao entre 1889-1994. Um aumento da ordem

    de 56% que coaduna com a importncia da iconogrfica no sculo XX. A outra mudana est

    nas propores dedicadas a cada gnero/tcnica. As fontes pictogrficas perdem a dianteira

    para o universo fotogrfico. Cerca de 70% das imagens so provenientes dessa tcnica e o

    numero de 78 advindas do fotojornalismo, mais de 50%, mostra-nos a fora dessa linguagem

    particular.

    A mudana d-se no livro, no por acaso, justamente a partir dos textos que trabalham aRevoluo de 1930. Desses textos at o final da publicao, teremos uma profuso de fotos

    que praticamente eliminam um dilogo equnime com outras linguagens imagticas. O

    apagamento desse dilogo exemplifica minha hiptese sobre as razes que afastam a arte

    contempornea dos livros escolares, conferindo ao fotojornalismo a primazia de representar

    nosso tempo.

    O segundo procedimento que merece ateno, ocorre quando a linguagem jornalstica o

    prprio fim dos autores e editores. o caso, exemplar, deHistria Integrada de CludioVicentino, autor de mais de uma dezena de publicaes na rea. Essa obra apresenta todo um

    projeto grfico que ambiciona aproximar os contedos tratados no livro linguagem

    tradicional dos jornais 35. Prova desse esforo est em Jornal de Histria, nome dado ao

    painel com reprodues de fotografias de acontecimentos ligados a cada captulo. Nesse

    aspecto quando selecionamos apenas a unidade 4, denominada como O Brasil Atual (ps-

    1945), temos 59 imagens, das quais: 36 pertencem ao registro jornalstico; 04 de outros

    registros fotogrficos; 13 de documentos histricos e 06 ilustraes originais. O interessante perceber que as fotografias de outros registros estticos e retricos so pouco utilizadas.

    Tambm necessrio indicar que as 13 imagens provenientes de reprodues de documentos

    so, de fato, reprodues de manchetes de jornais ou capas de revistas, o que as coloca em

    paralelo com aquelas 36 imagens do fotojornalismo, formando um contexto unitrio.

    A predominncia nesse caso cria uma coerncia editorial que embora no nos afaste do

    problema do discurso da verdade confeccionado e defendido pelas mdias de massa, ao

    menos deixa evidente sua filiao, que no depende apenas das imagens fotojornalsticas.

    Assumir o discurso miditico como modelo propagador da histria pode criar uma srie de

    tenses extras para o universo historiogrfico, mesmo que o desejo sincero seja melhorar a

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    acessibilidade das informaes ofertadas. No entanto, a transparncia oferecida porHistria

    Integrada deve ser apreciada, uma vez que o vnculo entre duas esferas de poder institucional

    (mass media e escolar) pode ser questionado s claras, sem afastamentos e apagamentos

    estratgicos.

    Como Fonseca nos alerta, a abordagem da histria das disciplinas e do ensino mostrava, de

    fato, sua vinculao com uma tradio historiogrfica que via o Estado como o centro do

    processo histrico e, evidentemente, privilegiava fontes que a ele estivessem ligadas 36.

    Nessa perspectiva, os livros escolares refletiam toda uma estratgia dos grupos dominantes,

    que no passado 37 estavam vinculados s elites econmicas, que eram, elas mesmas, o pblico

    dessas publicaes. Com a ampliao do acesso aos sistemas de ensino, o poder continua a

    espelhar os mesmos grupos, contudo, agora, h um intermedirio: a mdia. Tanto valorizandoseu uso tcnico, o que mereceria outras discusses 38, quando mimetizando sua linguagem.

    O terceiro processo que deve ser indicado aquele que nos assinala a utilizao de imagens

    alternativas no dilogo com a fotografia. O autor que nos oferece essa possibilidade de modo

    exemplar Jos Roberto Martins Ferreira e sua editora, a FTD, por meio da publicao

    Histria para 8 srie do ano de 1997. O livro como os demais enfatiza a predominncia de

    reprodues de fotografias de vis jornalstico quando trata de assuntos da segunda metade do

    sculo XX, no Brasil e no resto do mundo. Contudo, ele institui dilogos com outras fontes,dentre elas, as raras aparies de obras da arte contempornea.

    Antes das boas notcias, preciso entender o jogo de imagens calculado para essa publicao.

    So 198 imagens sem contar os selos que marcam o cabealho de cada pgina e que destaca

    um detalhe da primeira imagem indicada0 no comeo de cada captulo. Das imagens no

    repetidas, portanto, temos: 4 ilustraes (nenhuma original); 22 reprodues de pinturas,

    esculturas, objetos, gravuras e desenhos de cerne artstico; 108 reprodues de fotografias do

    vocabulrio jornalstico; 21 fotos de outros registros; 6 imagens geo-cartogrficas; 5reprodues de documentos (todos oriundos de peridicos); 8 reprodues de fotografias que

    no consegui classificar diante de sua semntica ambgua; 03 reprodues de cenas

    cinematogrficas e 21 reprodues de cartazes, que merecem depois mais consideraes.

    Como podemos observar, cerca de 69% das imagens so provenientes da tcnica fotogrfica e

    quase 55% delas exibem um discurso jornalstico. Contudo, se levarmos em conta que os

    textos tratam exclusivamente do sculo XX, teremos novidades nessa publicao. Novidades

    encontradas em outros livros, mas que nesse so arranjadas de modo a produzir possibilidades

    conceituais quanto s relaes de texto e imagens.

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    Para indicar o perfil das demais imagens importante dizer que a publicao selecionou um

    time de primeira grandeza para compor e ilustrar os assuntos mais veementes do sculo.

    Como as pinturas de: Marc Chagall, O jornal de Smolensk, de 1914,A crucificao branca de

    1938 e O violinista verde de 1924; Ludwig Meidner,Revoluo de 1913; Georges Grosz,Dia

    Cinzento de c.1921; Edward Hopper, Domigo de 1926; Diego Rivera, mural Indstria de

    Detroit (detalhe) de 1932-1933; Otto Dix, detalhe do triptico Metrpoles de 1928; Pablo

    Picasso, Mulher chorando de 1937. Utilizadas para ilustrar temas considerados cnones no

    ensino de histria universal (melhor dizer, cnones da historiografia ocidental).

    H destaques. Para ilustrar o tpico Nas artes, a idia de uma Brasil moderno, no captulo 4,

    a publicao nos apresenta pinturas de: Gustave Courbet, As peneirados de trigo de 1855;

    Auguste Renoir,Remadores em Chatou de 1879; Pablo Picasso,As Senhoritas DAvignon de1907; Giacomo Balla, Automvel correndo de 1913; Lasar Segall, Tropical de c.1916 e;

    Emiliano Di Cavalcanti, Cinco moas de Guaratinguet de 1930. Alm de uma escultura de

    Brecheret, Tocadora de guitarra de 1923.

    Outros brasileiros foram convocados como: Tarsila do Amaral, Operrios de 1933; Lasar

    Segall, Pogrom de 1937, dentre os modernistas e mais quatro obras contemporneas que

    trataremos adiante. Tambm merece destaque as reprodues de cenas dos filmes: Tempos

    Modernos de Charles Chapplin, de 1936; O homem do Sputnik de Carlos Manga, de 1958;Rio 40 Graus de Nelson Pereira dos Santos, de 1955 - bem na verdade, lamentei a ausncia de

    um filme de Glauber Rocha.

    No entanto, o ponto que merece destaque a presena de 21 cartazes utilizados em diferentes

    contextos (publicitrio, poltico, pedaggico etc) mas bem escolhidos, de tal forma que no

    tenho pudor em classificar ao menos dois teros da seleo como obras de arte pertencentes

    linguagem grfica, como: o anncio da Fbrica de Loua Catarina, c.1920 para ilustrar o

    captulo dois Brasil: industrias, operrios e greves e; a capa de um folheto francs Ajudai aEspanha de 1937, assinado pelo renomado Joan Mir, com legenda Esse artista tomou

    partido para ilustrar a mobilizao internacional a respeito da Guerra Civil Espanhola.

    A tempo, uma indicao de qualidade impar foi um desenho de um menino argelino

    pertencente a coleo J. Charby para ilustrar as lutas anticoloniais na frica e sia, no

    captulo 17, O Crepsculo do Colonialismo. O desenho mostra, num primeiro plano, um

    homem segurando uma grande adaga que se projeta sobre todo o plano superior. A imagem

    nos confere um desconforto sem igual, uma vez que sabemos quais os desdobramentos sobre

    o Oriente Prximo que tais lutas acarretaram at os nossos dias.

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    Todavia, os protagonistas de minha problemtica so outros. No captulo 16, intitulado A

    receita do milagre, encontramos dialogando com trs reprodues fotojornalsticas, uma

    reproduo da obra de Joo Cmara (1944) de 1971, chamada de Uma confisso e, outra

    reproduo da uma obra de Antonio Dias (1944), cuja legenda logo esclarece:Essa obra, de

    1965, recebe o nome de O Carrasco.

    A primeira reproduo refere-se a pintura produzida em leo sobre o suporte de madeira, cujo

    tamanho de 160 x 200 cm e pertence ao Museu de Arte Contempornea de So Paulo -USP.

    Nela encontramos toda um vocabulrio prprio do artista. Com figuras estilizadas e

    emolduradas em gestos congelados, num espao planificado (as figuras so mostradas todas

    num mesmo plano), as cores quentes que ressaltam o teor de denuncia da obra. Vemos, ainda,

    a aluso a uma confisso, que nos apresentada em meio a um ambiente de tortura: chicote,imobilizao, mquina de choque, a roda medieval so alguns elementos que essa pintura

    apresenta. A animalizao das figuras humanas refora o teor no civilizado daquela cena. A

    obra grande para os padres da pintura contempornea. Seu tamanho lembra-nos um certo

    desejo muralista do artista paraibano, que prefere, ao gosto dos muralistas mexicanos, as

    cenas carregadas de elementos, com predominncia dos cheios sobre os vazios.

    A obra de Cmara confere ao texto sobre o Regime Militar um sentido dinmico que aponta

    para a denuncia. O tom social da obra, contudo, no dado. Sua anlise demanda um olhardemorado. Sua configurao como reproduo retira-lhe o carter mural que a obra possui e,

    portanto, os elementos merecem ser explicitados numa discusso de sala de aula.

    O Carrasco um objeto (assemblage 39) semelhante aqueles que fascinaram o tambm

    paraibano, Antonio Dias, entre 1963 e 1967 40. A obra em tinta acrlica e massa vinlica sobre

    madeira com 27 x 37 cm um exemplar mais abstrato da questo. A obra de Dias num

    contexto aberto, diria sobre um carrasco qualquer, um ser que alude a forma humana,

    entrincheirado em formas e cores pesadas. Mas no contexto do livro, a obra ganhaespecificidade. Ela passa a ilustrar um carrasco localizado num tempo- a represso militar

    dos anos 60 e 70 sem, contudo, como faria uma fotografia mimtica, indicar o nome do

    carrasco. Da as possibilidades podem ser mltiplas embora no infinitas de problematizar

    todo o jogo poltico. policial e prisional dentro da sociedade brasileira daquela poca.

    Ao contrrio da fotografia miditica ao lado, cuja legenda indica: Ministro de Mdici visita

    obras da ponte Rio-Niteri. Ningum segura este pas; a imagem de Dias - mesmo com

    legenda, Tempos Sombrios no emite um juzo fcil sobre os acontecimentos narrados nos

    textos. Podemos at aferir que uma leitura metonmica nos diria que aquele alto funcionrio

    do governo Mdici poderia configurar-se como o carrasco de um pas que a toda custa no

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    poder ser segurado. As imagens ressaltam, cada uma em sua especificidade e objetividade

    (felizmente a obra de Dias no tem muita), os textos da publicao que: As foras da

    represso assassinaram brutalmente dezenas de pessoas e A populao aparentava estar

    bastante satisfeita com os efeitos desse milagre 41. Como podemos observar as discusses

    aqui podem ser as mais variadas. Textos escritos e imagens criam campos de significados que

    se relacionam, mas que no partilham o mesmo registro semntico, o que confere mais

    possibilidades de leituras relacionais.

    O dilogo que a publicao possibilita com essas duas obra d s relaes de sentidos entre os

    diferentes textos (escrito, fotogrfico, pictrico etc) sadas interpretativas mais amplas que as

    indicaes anteriores. Quanto mais diferentes forem as matrizes conceituais, tecnolgicas e

    semnticas, mais possibilidades alunos e professores podem abrir para conduzir suas leituras.Incluindo aqui, mesmo crticas s obras de Cmara e Dias, que dentro de uma narrativa

    poltica no so neutras ou inocentes.

    Outra obra que estabelece uma relao curiosa com a fotografia ao lado 25 de outubro, leo

    sobre tela de Elifas Andreato, produzida no final dos anos 70. Nela encontramos um retrato

    de corpo do jornalista Vladimir Herzog dentro de seu crcere, ao lado de instrumentos de

    tortura contemporneos. Herzog foi encontrado morto no dia 25 de outubro de 1975. Na

    publicao temos a seguinte legenda: Vladimir Herzog foi suicidado na priso. Geiseltentou impedir episdios como esse. Na pgina anterior temos a abertura do captulo 19,

    chamado de Brasil: Nova Repblica, velhos problemas, cujo primeiro subttulo O lento

    caminho da abertura poltica. A foto abaixo justamente a do presidente Ernesto Geisel com

    a legenda: Geisel no palanque. Prometeu a abertura. Irnico? Provavelmente sim, mas uma

    ironia fina e crtica que contrape as duas imagens na mesma linha do campo de viso em

    pginas opostas. Na obra de Andreato, o corpo de Herzog percorre uma linha horizontal,

    enquanto na foto (sem identificao, como as demais), vemos surgir um presidente sorridente,que num gesto, levanta sua mo a tambm ocupar de forma horizontal toda a fotografia.

    Os dramas do Terceiro Mundo, ttulo do captulo 21, a moldura da obra de Rubens

    Gerchman, denominada No h vagas de 1965. Trata-se da reproduo de um relevo em

    madeira pintada com tinta acrlica de aproximadamente 194 x 142 cm. Por mais aleatrio que

    seja, Gerchman pertence a mesma gerao de Cmara e Dias e comunga com eles um certo

    vocabulriopop nos anos 60. Nessa obra, encontramos um amontoado de rostos sobrepostos

    em diferentes dimenses e cores caracterizando diferentes tipos humanos. Eles esto

    empilhados na parte esquerda da obra e sobre suas cabeas a frase que d nome a obra. Do

    lado, direito apenas um aparente vazio, pois temos listras verdes e amarelas em diagonal,

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    que na tradio pictrica, liga-nos metforas sobre a uma brasilidade simblica (o verde e o

    amarelo numa obra to grfica e poltica como essa no me parece inocente) 42.

    A diferena para essa ltima obra seu contexto. No h vagas escolhida para ilustrar um

    problema aferido a todos os paises pobres ou em desenvolvimento no mundo: o desemprego.

    Ao contrrio das anteriores, o trabalho do artista carioca chamado para fora dos assuntos

    exclusivamente brasileiros. A publicao fez o mesmo quando utilizou Progrom de Lasar

    Segall para ilustrar o tema O racismo na Europa.

    As obras de Dias, Gerchman e Cmara trazem em comum uma mesma vontade de dar arte

    uma dimenso simultaneamente local e universal, alm de uma especificidade poltica. Na

    obra de Andreato, tal especificidade est a servio de uma narrativa, que procura romper com

    o silncio de uma memria que o Regime tentou eclipsar. Percebe-se poticas distintas,constitudas na passagem dos anos 60 para os 70, uma necessidade de pr em tenso

    identidade e estranhamento, de se saber prpria a um lugar e ter necessidade de se deslocar

    para alm dele.

    Aproximaes - H questes espinhosas em minha primeira abordagem do assunto.

    Exemplo: a tipologia fotogrfica atualmente est cada vez mais enviesada, pois qualquer

    imagem pode ser midiatizada e aps sua circulao em que ela se transforma? Fotografia jornalstica? Ou mantm seu registro primrio, sua esttica primeira? Pouco provvel que

    nossos olhos no estejam habituados a deslocar uma imagem de um lado para o outro.

    As questes abordadas abrem para trs campos diferentes (histria da arte, comunicao e

    educao) e no creio que haja pesquisas que possam sanar todas elas. H uma contradio

    premente em meus pressupostos: livros escolares tambm so miditicos, na medida que so

    lanados as dezenas de milhares, podendo alcanar um publico que poucos jornais ou revistas

    conseguem ambicionar. certo, que desde o prncipio, no tive pretenses de esgotarqualquer assunto. Sabemos o quo frgil so as verdades que construmos com tanto

    empenho. Da mesma forma, tenho conscincia de que mesmo a arte ocupando um lugar

    particular porque no dizer, privilegiado - em nossa sociedade, ela no existe sozinha. Nem

    a redentora superior. No quero advogar contra o fotojornalismo, mas questionar sua

    predominncia e a ausncia daquela.

    Se por um lado, a arte parte constituinte e mobilizadora do contexto cultural, por outro,

    continua dependente das estruturas tradicionais de conhecimento desta cultura. Nesse sentido,

    acredito que a arte uma experincia acumulada, ou seja, memria de uma cultura

    conscientemente experimentada. Compreender a memria, desta forma, no consiste

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    necessariamente na perpetuao de uma tradio. Enquadramentos da memria so,

    geralmente, materializados, visando suas transformaes em fatos histricos. Nesse caso, a

    tradio serve-se da memria. No entanto, a arte, com sua capacidade de transformao,

    aquela que consciente e criticamente pode inverter essa relao. Na arte, ao servir-se da

    tradio, a memria capacita-se, potencializa-se, adquirindo um carter potico ativo de

    reconstruo. A memria nesse caso no simples citao, mas ao. dentro dessa crena,

    que sua ausncia preciso indicar como prejuzo de nossas leituras do mundo atual.

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    1 Sabemos, educares e historiadores, que saberes no circulam apenas pelo desejo unilateral. O impacto que essa

    arte pode exercer em todo o campo de significao e interpretao de professores e alunos no o objeto dessaanlise, mas isso no significa que no estamos atentos s possibilidades. Enfim o problema no se esgotaraqui.2 Sobre Joseph Beuys cf. Coyote IIIlivro do prprio artista (Ed. Cornerhouse Publicat, London, 1988), onde oartista descreve suas experincias criativas a partir de uma famosa srie de instalaes realizadas entre 1971 e1983; Being an artist now means to question the nature of art. If one is questioning the nature of painting, onecannot be questioning the nature of art. Thats because the word art is general and the word painting isspecific. Painting is a kind of art. If you make painting you are already accepting (not questioning) the nature ofart Joseph Kosuth. Art after Philosophy, I & II, Studio International, 1969; d isponvel em:http://www.guggenheimcollection.org/site/artist_bio_79.html, acesso: 29/08/043 cf. CAUQUELIN, 2002.4 O surpreendente que tal paradoxo sobrevive h quatro dcadas de produo e coincide com a criao degrande parte dos museus de arte brasileiros especializados em arte moderna e contempornea. Os museus ao

    invs de postar-se criticamente diante dessa tenso, pelo contrrio, alimentaram-se dela. cf. PINHEIRO,2004.5 cf .REIMO, 1996.6 Minhas consideraes sobre museologia, disseminadas implcita ou explicitamente neste projeto, baseiam-se naobra organizada por Peter Vergo, com artigos de Philip Wright (museus, cincia e educao), Charles SaumarezSmith (museus de arte e curadoria), Paul Greenhalgh (histria da arte, museus e crtica), Colin Sorensen (museushistricos), Nick Merriman (museus de cincia e arqueologia), Ludmilla Jordanova (museus de arte e colees),Stephen Bann (museus e histria da arte), Norman Palmer (Legislao, direitos autorais e museus) e do prprioVergo (museus de arte e polticas institucionais); cf. VERGO, 1997.7 Nessa lgica, uma obra produzida nos anos 60, desdenhada nos 80, pode ter sua redescoberta nos primeirosanos desse sculo. Ela surgir como exemplo de sua poca a ser adquirida pelo museu passar a uma memriasubterrnea e quando suscitada, voltar como ao seu lugar-testemunha, numa operao que aparenta sempre umadinmica natural. O problema que nem todas as obras voltam.8 Alm da seleo cultural dos saberes, a educao escolar realizaria tambm um trabalho de adaptao, paraque eles se tornassem transmissveis e assimilveis no espao da escola e da sala de aula, processo denominadotransposio didtica, ou seja, o trabalho de reorganizao e de reestruturao do conhecimento, por meio de

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    dispositivos mediadores, a fim de tornar assimilvel, pelo pblico escolar, o conhecimento produzido em outrasinstncias, tais como a universidade e os centros de pesquisa cientfica. cf. FONSECA, 2006,p.189 Alm de conferir a cada imagem um estatuto que pode ser inexato dentro da prpria lgica da histria da arte.Sabemos os diferentes perodos artsticos colocam para si mesmos seus prprios ideais estticos, e se torna

    praticamente impossvel entender seu ritmo se considerar a que esses artistas se propunham. Leva ao engano dese imaginar que todos eles operam da mesma maneira. A generalidade do princpio termina por encobrirdiferenas importantes. Romantismo no se refere a uma forma determinada nem a um gnero artsticoespecfico, mas a uma sensibilidade, a uma disposio do esprito. Podemos indicar quando nasce, mas difcildizer quando finda. Barroco, por exemplo, expresso fecunda e bela, j foi condenada por certos intelectuaiscontemporneos que demonstram dificuldade diante da natureza movente e complexa prpria histria dacultura. H noes que trazem em si, de modo intrnseco, valorizao ou desvalorizao: clssico ou modernoso ttulos de nobreza. Acadmico insulto. Um artista colonial no Brasil do XVII, por exemplo, movia-se emfuno de objetivos muito distintos dos de um acadmico do XIX, algo semelhante deve ocorrer entre artistasmodernos e contemporneos. Por tanto seria intil medi-los com o mesmo metro e perigoso substituir um pelooutro, embora parea possvel cotejar a grandeza artstica de diferentes pocas justamente pela capacidade deestabelecer com seu tempo relaes significativas de sentido, pertinentes queles perodos histricos.10 Em quase dois teros dos livros analisados encontrei imagens barrocas para introduzir, ilustrar ou apresentar o

    perodo. A publicao que mais me chamou foiHistria da Civilizao: O Brasil Colonialde C.G. Mota & A.Lopes, da Editora tica de 1995. Nele, no captulo Viver em Colnia (15), h todo um tpico dedicado artebarroca, como mote central de apreciao. Nela temos quatro reprodues: Detalhe da base da imagem da igrejaNossa Senhora do Rosrio de Olinda, com doze querubins; So Francisco recebendo as Chagas de Jesus Cristo,cermica paulista do sculo XVII (1,05m de altura); O Cristo Flagelado, escultura de Aleijadinho em madeirapintada (63cm x 25cm x 20 cm) e; A igreja da Ordem Terceira de So Francisco, detalhe da fachada. Como podemos observar, os editores tiveram o cuidado de selecionar alm das corriqueiras imagens do barrocomineiro, um exemplar do barroco nordestino e outro do paulista.11 cf .MELLO, 2004 e MOREL, 2005.12 cf. Site do Instituto Cultural Xico Albuquerque, acesso em 24 de julho de 2007, disponvel: http://www.chicoalbuquerque.com.br/13 Nesse tocante, educadores foram mais rpidos que historiadores em propor novos caminhos, cf. COSTA,2005, especialmente a introduo.14 cf. KOSSOY, 2003, p. 30.15 cf. OLIVEIRA, 1997, p. 6.16Idem, ibidem, p. 76.17 cf. MRAZ, 2006 (I, p. 4).18 cf. KOSSOY, op.cit., p. 27.19 cf. OLIVEIRA, op.cit., p. 7.20 cf. GONALVES, 2001, p. 1.21 cf. BENTES, 1997, p. 52.22 Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua poltica geral de verdade: isto , os tipos de discurso que elaacolhe e faz funcionar como verdadeiros, os mecanismos e as instncias que permitem distinguir os enunciadosverdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciono uns e outros; as tcnicas e os procedimentos que sovalorizados para a obteno da verdade; o estatuto daqueles que tm o encargo de dizer o que funciona comoverdadeiro.; cf. FOUCAULT,1988, p.1223 Em 1822, Joseph Nicphore Nipce obtm sucesso na produo de imagens em negativo; em 1933, HerculesFlorence registra sobre papel imagens formadas em uma camera obscura e as chama dephotographie; em 1939,Louis Daguerre logra a fixao da imagem em positivo (daguerretipo) e William Fox Talbot faz o mesmo,mediante outros processos, fixando a imagem sobre o papel (caltipo).24 Segundo COSTA & SILVA (1998, p. 97) teria sido o jornal Daily Herald; segundo HOPKINSON (1971, p.296) teria sido o jornalDaily Graphic.25 cf. COSTA & SILVA, op.cit., p. 98-101; BENTES, op.cit., p. 33-37; HOPKINSON, op.cit., p. 298-299.26 cf. BORDIEU, 1996, p.89.27 Sobre representaes e apropriao cf. CHARTIER, 1988, especialmente a Introduo.28 chamo de ttica a ao calculada que determinada pela ausncia de um prprio. Ento nenhumadelimitao de fora lhe fornece a condio de autonomia. A ttica no tem por lugar seno o do outro. E por issodeve jogar com o terreno que lhe imposto tal como o organiza a lei de uma fora estranha. No tem meios parase manter em si mesma, distncia, numa posio recuada, de previso e de convocao prpria: a ttica movimento dentro do campo do inimigo, como dizia Von Bllow, e no espao por ele controlado. (...) Elaopera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as ocasies e delas depende, sem base para estocar

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    benefcios, aumentar a propriedade e prever sadas. O que ela ganha no se conserva. cf. CERTEAU, 1994,p.100.29 "... la imagen en geral y la fotografa en particular no es un tipo de mensaje objetivo, ni universal y ni siquieraevidente en su aparicin. (...)". BAEZA, 2003, p. 173, traduo livre.30 cf. ORLANDI, 2000, p. 15.31Idem, ibidem, p. 20.32Id., ibid., p. 95.33Id., ibid., p. 21.34 Livro voltado para o ensino fundamental e est organizado em 4 volumes: O mundo antigo e medieval; Omundo moderno e contemporneo; O Brasil colonial; O Brasil imperial e republicano . O sumrio estorganizado em partes e as partes em alguns captulos. O volume que trata sobre o Brasil imperial e republicano do qual nos ocupamos neste trabalho.35 Os dados so concernentes ao volume para a 8 srie sub-intitulado como O Sculo XX Brasil Geral epublicado em 1995 pela Editopra Scipione.36 cf. FONSECA, op. cit., p.1837 cf. MARGADO, 2004.38 COSTA, op.cit.39 O termo assemblage incorporado s artes em 1953, cunhado por Jean Dubuffet (1901 - 1985) para fazerreferncia a trabalhos que, segundo ele, "vo alm das colagens". O princpio que orienta a feitura deassemblages a "esttica da acumulao": todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado obra dearte. O trabalho artstico visa romper definitivamente as fronteiras entre arte e vida cotidiana; ruptura j ensaiadapelo dadasmo, sobretudo pelo ready-made de Marcel Duchamp (1887 - 1968) e pelas obras Merz (1919), deKurt Schwitters (1887 - 1948). A idia forte que ancora as assemblages diz respeito concepo de que osobjetos dspares reunidos na obra, ainda que produzam um novo conjunto, no perdem o sentido original.Menos que sntese, trata-se de justaposio de elementos, em que possvel identificar cada pea no interior doconjunto mais amplo. A referncia de Dubuffet s colagens no casual. Nas artes visuais, a prtica dearticulao de materiais diversos numa s obra leva a esse procedimento tcnico especfico, que se incorpora arte do sculo XX com o cubismo de Pablo Picasso (1881 - 1973) e Georges Braque (1882 - 1963). Ao abrigarno espao do quadro elementos retirados da realidade - pedaos de jornal, papis de todo tipo, tecidos, madeiras,objetos etc. -, a colagem liberta o artista de certas limitaes da superfcie. A pintura passa a ser concebida comoconstruo sobre um suporte, o que pode dificultar o estabelecimento de fronteiras rgidas entre pintura eescultura. Em 1961, a exposio The art of Assemblage, realizada no Museum of Modern Art - MoMA de NovaYork, rene no apenas obras de Dubuffet, mas tambm as combine paintings de Robert Rauschenberg (1925) eajunk sculpture, e isso leva a pensar que a assemblage como procedimento passe a ser utilizada nas dcadas de1950 e 1960, na Europa e nos Estados Unidos, por artistas muito diferentes entre si., cf. Enciclopdia de ArtesVisuais do Instituto Ita Cultural, acesso em 23 de julho de 2007; disponvel em: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=32540 cf. COSTA & RIBEIRO, 2003, p.24-25.41 idem, ibidem, p.183.42 sobre o artista cf. MAGALHES, 2006.