arquitetura colonial religiosa

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O que chamamos de estilo colonial no Brasil se estende desde o descobrimento das terras brasileiras pelo europeu (1500) até a Independência do país (1822). Este largo período foi marcado por uma economia de exploração, calcada na exportação da cana e do ouro. Outros fatos marcantes e que condicionaram o país foram a Reforma Religiosa e a Contra-Reforma, uma vez que o Brasil foi ocupado por ordens religiosas que objetivavam a catequização dos indígenas que aqui se encontravam. Neste longo período, podemos perceber diversas tipologias arquitetônicas e artísticas sucessivas, as quais tem sua classificação bastante polemizada, embora pos- samos apontar algumas características comuns às diferentes expressões. Temos como principal fato, a releitura que se dava dos estilos europeus, especialmente de Portugal e da Itália. Os primeiros pintores em terras brasileiras, os holandeses Frans Post e Albert Eckhout [1], adotaram caracteres do barroco holandês, origem de ambos, e os uti- lizaram para fazer um retrato do Novo Continente, telas que exibiam a natureza e os tipos humanos encontrados aqui. Entretanto, não se desenvolveu uma linguagem visual brasileira. Na arquitetura, foi decisivo o estilo chão, nome dado ao tardo-renascimento ou maneirismo em Portugal. O estilo se expressava nos edifícios religiosos pelo par de torres sineiras, portas e janelas simples, fachada austera, formas elementares, frontão triangular, paredes caiadas, pedra de cantaria, planta basilical, naves laterais transfor- madas em capelas, capela mor profunda, interior por vezes ricamente adornado ou com a presença das volutas maneiristas na fachada. As igrejas lisboetas de São Roque [2] e de São Vicente de Fora [3] serviam de modelos às edificações deste estilo no Brasil-colônia. Universidade Tecnológica Federal do Paraná Departamento Acadêmico de Construção Civil Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo Arquitetura Brasileira I Bruno Ricardo ( [email protected]) Isabela Wille ( [email protected] ) Lucas Turmena ( [email protected] ) Arquitetura Colonial Religiosa [1] Albert Eckhout. Índio Tapuia. Museu Nacional da Dinamarca. À esquerda [2] Nicola Salvi e Luigi Vanvi- telli. Igreja de São Roque. Final do século XVI. À direita [3] João Frederico Ludovice. Igre- ja de São Vicente de Fora. 1627.

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Page 1: Arquitetura Colonial Religiosa

O que chamamos de estilo colonial no Brasil se estende desde o descobrimento das terras brasileiras pelo europeu (1500) até a Independência do país (1822). Este largo período foi marcado por uma economia de exploração, calcada na exportação da cana e do ouro. Outros fatos marcantes e que condicionaram o país foram a Reforma Religiosa e a Contra-Reforma, uma vez que o Brasil foi ocupado por ordens religiosas que objetivavam a catequização dos indígenas que aqui se encontravam.

Neste longo período, podemos perceber diversas tipologias arquitetônicas e artísticas sucessivas, as quais tem sua classificação bastante polemizada, embora pos-samos apontar algumas características comuns às diferentes expressões. Temos como principal fato, a releitura que se dava dos estilos europeus, especialmente de Portugal e da Itália.

Os primeiros pintores em terras brasileiras, os holandeses Frans Post e Albert Eckhout [1], adotaram caracteres do barroco holandês, origem de ambos, e os uti-lizaram para fazer um retrato do Novo Continente, telas que exibiam a natureza e os tipos humanos encontrados aqui. Entretanto, não se desenvolveu uma linguagem visual brasileira.

Na arquitetura, foi decisivo o estilo chão, nome dado ao tardo-renascimento ou maneirismo em Portugal. O estilo se expressava nos edifícios religiosos pelo par de torres sineiras, portas e janelas simples, fachada austera, formas elementares, frontão triangular, paredes caiadas, pedra de cantaria, planta basilical, naves laterais transfor-madas em capelas, capela mor profunda, interior por vezes ricamente adornado ou com a presença das volutas maneiristas na fachada. As igrejas lisboetas de São Roque [2] e de São Vicente de Fora [3] serviam de modelos às edificações deste estilo no Brasil-colônia.

Universidade Tecnológica Federal do ParanáDepartamento Acadêmico de Construção CivilBacharelado em Arquitetura e UrbanismoArquitetura Brasileira I

Bruno Ricardo ( [email protected]) Isabela Wille ( [email protected] )Lucas Turmena ( [email protected] )

Arquitetura Colonial Religiosa

[1] Albert Eckhout. Índio Tapuia. Museu Nacional da Dinamarca.

À esquerda [2] Nicola Salvi e Luigi Vanvi-telli. Igreja de São Roque. Final do século XVI.

À direita [3] João Frederico Ludovice. Igre-ja de São Vicente de Fora. 1627.

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As edificações religiosas tinham lugar privilegiado na cidade e eram acompanhadas de um adro (praça) bem como uma série de ruas que levavam até a edificação. Desta forma, as igrejas, conventos e colégios condicionavam o urbanismo da vila e da cidade, nascidas e impulsionadas pelas capitanias hereditárias, que dividiam as terras entre alguns governantes.

O ambiente encontrado pelos colonizadores não oferecia grandes in-spirações às construções requeridas pelo homem branco, devido ao caráter autóctone da habitação indígena. Apesar disso, podemos encontrar certas adaptações ao clima tomadas da habitação nativa, como é o caso da Igreja de São Miguel Arcanjo (ou Capela dos Índios) [4], a mais antiga do estado de São Paulo. Á frente da única nave encontra-se um alpendre que gera sombra na entrada da igreja.

As edificações no Brasil tinham o caráter ambíguo de servirem ao poder político e religioso, uma vez que os dois estavam unidos pelo acordo do Pa-droado. Desta forma, as ordens religiosas que conduziram boa parte da colo-nização das terras e dos esforços em implantação de edifícios, tendo principal destaque a Companhia dos Jesuítas. Os primeiros jesuítas a chegarem ao Brasil em 1549, liderados pelo padre Manoel de Nóbrega, seguidos de outros tantos com os objetivos de converter os indígenas, preparar para o sacerdócio e dar educação formal. Estes religiosos estabeleciam as missões ou ocupações jesu-íticas, em local próximo a rios ou portos, no alto de morros ou elevações que permitissem a defesa.

Suas primeiras construções eram executadas em pau-a-pique cobertas com folhas de palmeiras. Num segundo período, passaram a ser utilizada a taipa de pilão e a pedra caiada, adaptando melhor o edifício às condições climáticas.

Numa tentativa de dar solidez e linguagem uniforme às obras arquitetôni-cas da colônia, o governador Tomé de Souza trouxe consigo, em 1549, mes-tres em diversas ofícios da construção. Assim, a arquitetura da colônia poderia se assemelhar àquela produzida na Europa civilizada. Em 1577 também vem o jesuíta português Francisco Dias, primeiro arquiteto a aportar no Brasil, a fim de dar identidade artística às igrejas da colônia, de acordo com o modelo italiano. O arquiteto foi responsável pela Igreja de Nossa Senhora da Graça de Olinda (PE, 1580), sua última obra ainda de pé. São igrejas que transmitem austeridade e abnegação, além de muita simplicidade, como é possível verificar nas formas geométricas e simples da igreja.

[4] Igreja de São Miguel Arcanjo (Capela dos Índios). São Paulo.

[5] Francisco Dias. Igreja de Nossa Sen-hora das Graças (Olinda, PE, 1580)

A partir desses esforços, se desenvolveram nas principais ci-dades da colônia uma série de adaptações das igrejas européias, fi-nanciadas pelas ordens clericais.

Na então capital, Salvador, foi construída o que viria a ser a Catedral Basílica Primacial de São Salvador [6]. Começada em 1551, em taipa, e concluída por Mem de Sá em 1572, usando alvenaria, foi construída frente à praça Terreiro de Jesus, fora dos muros da ci-dade. Tornou-se assim um pólo de crescimento de Salvador, levando a população a residir nesta área desocupada. Possui duas torres em madeira, nave única, ausência de transepto e de cúpula. A capela mor é profunda e retangular, com duas capelas laterais. Sua fachada se adéqua perfeitamente ao molde de São Vicente de Fora, num estilo maneirista. Ao Aldo foi construído o Colégio Jesuíta, como era de costume na época. Era uma construção horizontalizada, simples, que

[6] Catedral Basílica Primacial de São Salvador e Colégio dos Jesuítas (1572). Salvador.

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dispunha de um claustro com as diversas celas à sua volta.

No Espírito Santo também logo foram construídos edifí-cios religiosos, sendo um bom representante a Igreja dos Reis Magos (Nova Almeida, 1615) [7]. Implantada em posição de-stacada, tem fachada bastante simples, com um ósculo rosáceo sobre a porta principal, o qual servia para iluminar parcialmente o interior. O colégio também se dispõe ao lado, separado por uma torre sineira.

No Rio de Janeiro encontramos algumas obras bastante significativas, tal qual o Convento de Santa Teresa, obra iniciada em 1750 e já habitada em 1757. Foi projeto do engenheiro-militar José Fernandes Pinto Alpoim, mesmo projetista dos Ar-cos da Lapa. Ambas obras estão representafas em uma tela de Leandro Joaquim [8], onde fica bastante visível o destaque que a igreja tinha em relação à malha urbana.

[7] Igreja dos Reis Magos (1615). Nova Almeida, Espírito Santo.

Ainda no Rio de Janeiro, há a Igreja e o Mosteiro de São Bento [9], iniciados em 1617, projetados pelo en-genheiro militar português Francisco de Frias da Mesquita. Quando terminados em 1690, foram adicionadas duas naves à nave púnica do projeto, além de um prolongamento da capela-mor, adição de sacristia na parte posterior e galilé com três portais. A fachada é bastante austera, com frontão triangular e torres com acabamento piramidal. O interior é suntuoso e conta com entalhes de diversos artesãos [10]. O claustro do mosteiro é de autoria do en-genheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim. A Rua Direita (atual Rua 1° de Março) ligava a igreja à do Morro do Castelo, sendo sua importância datada desde então.

[8] Leandro Joaquim. Arcos (1790). [9] Francisco de Frias Mesquita.Igreja e Mosteiro de São Bento (1690). Rio de Janeiro. [10] Igreja e Mosteiro de São Bento (interior).

Em São Paulo verificamos a ocupação dos jesuítas através do marco zero da cidade, o Pátio do Colégio [11], que remonta à época de redução jesuítica, apresentando um caráter bastante seiscentista nas suas linhas simples com pequenos atrevimentos formais, como demonstra o frontão modificado.

Como verificamos, as edificações não eram inteira-mente homogênea, havendo pequenas adaptações con-forme os recursos financeiros, clima, Ordem patrocina-dora e etc. Porém, fica visível a falta de uma identidade brasileira nas igrejas produzidas no período colonial, já que seguiam modelos europeus como uma forma de tornar mais digna sua aparência e mais condizente com o aspecto de civilização que se intentava transmitir.

[11] Pátio do Colégio (1554). São Paulo.