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  • NATUREZA JURDICA DOS CRIMES DE ARMA DE FOGO E ASSEMELHADOS

    Csar Dario Mariano da Silva 8 PJ do II Tribunal do Jri

    Ansiosamente esperada, a Lei n 10.826, de 22 de dezembro de 2.003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento foi publicada e entrou em vigor na mesma data. Foram anos de acirrada discusso no Congresso Nacional, principalmente por causa dos grupos de presso ou lobbies dos fabricantes e comerciantes de armas. A lei foi criada com o propsito de diminuir a quantidade de crimes violentos em que h emprego de arma de fogo, principalmente os homicdios e roubos, alm de possibilitar a priso de assaltantes e outros marginais antes da prtica do crime.

    Salientamos que a Lei n 9.437/97 foi expressamente revogada pelo art. 36 do Estatuto.

    O novo diploma legal, alm de regulamentar a posse, o porte e o comrcio de armas de fogo, acessrios e munies no territrio nacional, criou uma srie de crimes com o escopo de dar efetividade s suas normas, punindo rigorosamente determinadas condutas graves.

    Tratam-se de crimes de perigo abstrato e coletivo. Como crimes de perigo abstrato, no necessitam da demonstrao de que efetivamente algum foi exposto a perigo de dano, que presumido de forma absoluta pela lei, no admitindo prova em contrrio. So, tambm, crimes de perigo coletivo (ou comum), uma vez que um nmero indeterminado de pessoas exposta a perigo de dano. Assim, a objetividade jurdica dos delitos elencados no Estatuto a incolumidade pblica, ou seja, a segurana da sociedade como um todo, que deve ser preservada, evitando-se que bens jurdicos como a vida, a segurana e a integridade fsica da coletividade sejam lesionados ou expostos a perigo de dano. Em alguns crimes especficos, o Estatuto tambm protege a administrao pblica, como ocorre nos delitos descritos no art. 16, pargrafo nico, incisos I e II.

    Observamos que os crimes descritos no Estatuto prescindem da comprovao da ocorrncia de perigo concreto, uma vez que a experincia tem demonstrado que a posse ou o porte ilegal de armas de fogo, acessrios ou munies, ou outras condutas correlatas, colocam em risco a coletividade, sendo isso fato notrio.

    O sujeito passivo desses delitos ser, via de regra, a coletividade (crime vago). Em alguns tipos penais poderemos ter pessoas determinadas como sujeito passivo secundrio, como ocorre no disparo de arma de fogo em via pblica (art. 15).

    H corrente doutrinria entendendo que os delitos contidos no Estatuto so crimes de leso e no de perigo, seja abstrato ou concreto. Para esses doutrinadores, com a reforma penal de 1.984 e atual Constituio Federal, no

  • pode mais existir em nosso direito qualquer tipo de presuno, inclusive quanto a perigo. Como h necessidade de ser demonstrado, dolo, culpa e culpabilidade, no se admite que haja presuno sem efetiva demonstrao de que houve realmente a ocorrncia de perigo (princpio da culpabilidade). Alm disso, a presuno de inocncia vedaria o reconhecimento antecipado de culpa em sentido amplo sem o necessrio julgamento e advento de uma sentena condenatria definitiva. De tal forma, quanto ao resultado jurdico, seriam crimes de leso, e quanto ao resultado naturalstico, seriam crimes de mera conduta (Cf. Damsio Evangelista de Jesus, Crimes de Porte de Arma de Fogo e Assemelhados, p. 11/12).

    Considerando os delitos de arma de fogo como de leso teremos dois planos de proteo superpostos:

    1 - O plano A, em que as condutas so permitidas. Ex: venda de um psicotrpico com receita mdica para aliviar a dor. Nesse caso, o psicotrpico atua como analgsico e seu uso permitido pela lei, desde que haja prescrio mdica, como ocorre com a morfina. O cidado estar atuando de acordo com o direito e no estar rebaixando o nvel de segurana coletiva que exigido pela legislao. Portanto, no h crime a ser punido.

    2 O plano B, em que as condutas so proibidas pela legislao. Nesse caso, o comportamento do sujeito est aqum do permitido e rebaixa o nvel de segurana coletiva exigida pela legislao. H, portanto, leso ao interesse coletivo (incolumidade pblica). Caso haja norma tipificando essa conduta, teremos um ilcito penal. o que ocorre nos delitos de armas de fogo, quando, por exemplo, o sujeito efetua disparos em uma via pblica, rebaixando o nvel de segurana coletiva, uma vez que qualquer pessoa da coletividade poderia, em tese, ser atingida pelo disparo.

    Destarte, nos crimes de leso no h simples perigo, mas efetiva leso ao objeto jurdico protegido pela norma. A coletividade como um todo lesionada, pois o nvel de segurana coletiva exigido rebaixado. Como nos ensina Damsio: Os delitos de porte de arma e figuras correlatas so crimes de leso porque o infrator, com sua conduta, reduz o nvel de segurana coletiva exigido pelo legislador, atingindo a objetividade jurdica concernente incolumidade pblica. E so crimes de mera conduta porque basta sua existncia a demonstrao da realizao do comportamento tpico, sem necessidade de prova de que o risco atingiu, de maneira sria e efetiva, determinada pessoa. (ob. cit, p. 14).

    Nos crimes de leso no se exige dano ao objeto material; h apenas leso ao objeto jurdico tutelado pela norma sem a necessidade do advento de resultado naturalstico, embora esse possa ocorrer em alguns casos. Os crimes vagos, de acordo com esse posicionamento, causam efetiva leso ao objeto jurdico tutelado pela norma penal, no havendo necessidade, pois, de saber se houve perigo (abstrato ou concreto) em determinada conduta. Assim, poderia ser demonstrado, por exemplo, que o porte ilegal de arma de fogo defeituosa no causa leso ao

  • objeto jurdico por falta de potencialidade lesiva, sem se perquirir se crime de perigo abstrato admite, ou no, prova da no-ocorrncia do perigo de dano em determinado caso concreto. Ademais, acabar-se-ia com a discusso doutrinria sobre as presunes no mbito do direito penal.

    Cuida-se, sem dvida, de inovao em nosso direito, que sempre teve presente a diferenciao entre crime de perigo abstrato e concreto, notadamente em vrias passagens no Cdigo Penal e na legislao especial, como no Cdigo de Trnsito Brasileiro e na Lei de Txicos.

    Preferimos, porm, continuar com o entendimento de que os crimes descritos no Estatuto do Desarmamento so de perigo abstrato, no necessitando da prova de sua ocorrncia. No entendemos, portanto, que haja violao ao princpio da culpabilidade ou da presuno de inocncia quando se presume a ocorrncia de perigo em determinada conduta descrita pela legislao. Ora, a prpria Constituio Federal determina que o Legislador crie crimes e comine penas s condutas que sejam nocivas sociedade. E este pode, dentro de sua competncia, elencar situaes em que no h necessidade da demonstrao de perigo, eis que a experincia demonstra que elas so perniciosas sociedade, sem se perquirir quanto existncia de vtima determinada ou de efetivo perigo de dano concreto h uma pessoa qualquer. Trata-se de opo poltica do Legislador para a real proteo da coletividade contra pessoas que podero colocar em risco a segurana do grupo social ao praticar condutas tpicas. Se houve a criao de tipos penais que sequer fazem meno ocorrncia de resultado, seja de dano ou de perigo, no cabe ao intrprete exigi-los, violando a competncia constitucional do Poder Legislativo.

    Observamos, porm, que na segunda conduta descrita no art. 16, pargrafo nico, inciso II, do Estatuto, o crime de dano e no de perigo.

    Da mesma forma, no h violao ao princpio da culpabilidade porque exigido o dolo e culpa (em sentido amplo) para que a conduta seja tipificada penalmente e punida. Alm disso, ningum est sendo considerado culpado antes de uma sentena penal condenatria, tanto que se exige o devido processo legal com todas as garantias constitucionais, como a ampla defesa e o contraditrio.

    Com efeito, esperamos que a nova legislao consiga, pelo menos, diminuir a sensao de insegurana existente na sociedade, que se v desprotegida e acuada diante da criminalidade violenta.

  • BIBLIOGRAFIA CAPEZ, Fernando, Arma de Fogo, So Paulo, 1 ed., Saraiva, 1997.

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