arendt, hannah. a crise na educação. entre o passado e o futuro

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ARENDT, Hannah. A crise na educação. Entre o passado e ofuturo. São Paulo: Perspectiva, !"#, p. ##$#%". a edição&'et(een past and future): !*.

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A crise geral que acometeu o mundo moderno em toda parte eem quase toda esfera da vida se manifesta diversamente em cadapaís, envolvendo áreas e assumindo formas diversas. Na América, umde seus aspectos mais característicos e sugestivos é a crise periódicana educação, que se tornou, no transcurso da última década pelomenos, um problema político de primeira grandea, aparecendo

quase diariamente no noticiário !ornalístico. "ertamente não é precisogrande imaginação para detectar os perigos de um declínio semprecrescente nos padr#es elementares na totalidade do sistema escolar,e a seriedade do problema tem sido sublin$ada apropriadamentepelos inúmeros esforços baldados das autoridades educacionais paradeter a maré. Apesar disso, se compararmos essa crise na educaçãocom as e%peri&ncias políticas de outros países no século '', com aagitação revolucionária que se sucedeu ( )rimeira *uerra +undial,com os campos de concentração e de e%termínio, ou mesmo com o

profundo malestar que, não obstante as apar&ncias contrárias depropriedade, se espal$ou por toda a -uropa a partir do término daegunda *uerra +undial, é um tanto difícil dar a uma crise naeducação a seriedade devida. / de fato tentador considerála comoum fen0meno local e sem cone%ão com as quest#es principais doséculo, pelo qual se deveriam responsabiliar determinadaspeculiaridades da vida nos -stados 1nidos que não encontrariamprovavelmente contrapartida nas demais partes do mundo.

e isso fosse verdadeiro contudo a crise em nosso sistema

escolar não se teria tornado um problema político e as autoridadeseducacionais não teriam sido incapaes de lidar com ela a tempo."ertamente, $á aqui mais que a enigmática questão de saber por que2oãoin$o não sabe ler. Além disso, $á sempre a tentação de crer queestamos tratando de problemas específicos confinados a fronteiras$istóricas e nacionais, importantes somente para os imediatamenteafetados. / !ustamente essa crença que se tem demonstrado

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invariavelmente falsa em nossa época4 podese admitir como umaregra geral neste século que qualquer coisa que se!a possível em umpaís pode, em futuro previsível, ser igualmente possível empraticamente qualquer outro país.

5 parte essas ra#es gerais que fariam parecer aconsel$ável, aoleigo, dar atenção a distúrbios em áreas acerca das quais, em sentidoespecialiado, ele pode nada saber 6e esse é, evidentemente, o meucaso ao tratar de uma crise na educação, posto que não soueducadora profissional7, $á outra raão ainda mais convincente paraque ele se preocupe com uma situação problemática na qual ele nãoestá imediatamente envolvido. / a oportunidade, proporcionada pelopróprio fato da crise que dilacera fac$adas e oblitera preconceitos ,de e%plorar e investigar a ess&ncia da questão em tudo aquilo que foi

posto a nu, e a ess&ncia da educação é a natalidade, o fato de queseres nascem  para o mundo. 8 desaparecimento de preconceitossignifica simplesmente que perdemos as respostas em que nosapoiávamos de ordinário sem querer perceber que originariamenteelas constituíam respostas a quest#es. 1ma crise nos obriga a voltar(s quest#es mesmas e e%ige respostas novas ou vel$as, mas dequalquer modo !ulgamentos diretos. 1ma crise só se torna umdesastre quando respondemos a ela com !uíos préformados, isto é,com preconceitos. 1ma atitude dessas não apenas aguça a crise como

nos priva da e%peri&ncia da realidade e da oportunidade por elaproporcionada ( refle%ão.)or mais claramente que um problema geral possa se apresentar

em uma crise, ainda assim é impossível c$egar a isolarcompletamente o elemento universal das circunst9ncias específicasem que ele aparece. -mbora a crise na educação possa afetar todo omundo, é significativo o fato de encontrarmos sua forma maise%trema na América, e a raão é que, talve, apenas na América umacrise na educação poderia se tornar realmente um fator na política.

Na América, indiscutivelmente a educação desempen$a um papeldiferente e incomparavelmente mais importante politicamente do queem outros países. :ecnicamente, é claro, a e%plicação reside no fatode que a América sempre foi uma terra de imigrantes; como é óbvio,a fusão e%tremamente difícil dos grupos étnicos mais diversos nuncacompletamente lograda, mas superando continuamente ase%pectativas só pode ser cumprida mediante a instrução, educação

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e americaniação dos fil$os de imigrantes. "omo para a maior partedessas crianças o ingl&s não é a língua natal, mas tem que seraprendida na escola, esta obviamente deve assumir funç#es que, emuma naçãoestado, seriam desempen$adas normalmente no lar.

"ontudo, o mais decisivo para, nossas consideraç#es é o papelque a imigração contínua desempen$a na consci&ncia política e naestrutura psíquica do país. A América não é simplesmente um paíscolonial carecendo de imigrantes para povoar a terra, emboraindependa deles em sua estrutura política. )ara a América o fatordeterminante sempre foi o lema impresso em toda nota de dólar Novus Ordo Seclorum, 1ma Nova 8rdem do +undo. 8s imigrantes, osrecémc$egados, são para o país uma garantia de que isto representaa nova ordem. 8 significado dessa nova ordem, dessa fundação de

um novo mundo contra o antigo, foi e é a eliminação da pobrea e daopressão. +as ao mesmo tempo, sua grandea consiste no fato deque, desde o início, essa nova ordem não se desligou do mundoe%terior como costumava suceder al$ures na fundação de utopias para confrontarse com um modelo perfeito, e tampouco foi seupropósito impor pretens#es imperiais ou ser pregada como umevangel$o a outros. -m ve disso, sua relação com o mundo e%teriorcaracteriouse desde o início pelo fato de esta república, queplane!ava abolir a pobrea e a escravidão ter dado boasvindas a

todos os pobres e escraviados do mundo. Nas palavras pronunciadaspor 2o$n Adams em 3=>? isto é, antes da @eclaração dandepend&ncia Bempre considerei a coloniação da América como aabertura de um grandioso desígnio da provid&ncia para a iluminação eemancipação da parte escraviada do g&nero $umano sobre toda aterraB. -sse foi o intento ou lei básica em conformidade com qual aAmérica começou sua e%ist&ncia $istórica e política.

8 entusiasmo e%traordinário pelo que é novo, e%ibido em quasetodos os aspectos da vida diária americana, e a concomitante

confiança em uma Bperfectibilidade ilimitadaB observada por:ocqueville como o credo do B$omem sem instruçãoB comum, e quecomo tal precede de quase cem anos o desenvolvimento em outrospaíses do 8cidente , presumivelmente resultariam de qualquermaneira em uma atenção maior e em maior import9ncia dadas aosrecémc$egados por nascimento, isto é, as crianças, as quais, aoterem ultrapassado a inf9ncia e estarem prontas para ingressar na

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comunidade dos adultos como pessoas !ovens, eram Do queE osgregos c$amavam simplesmente ói neói , os novos. Fá o fatoadicional, contudo, e que se tornou decisivo para o significado daeducação, de que esse  pathos do novo, embora consideravelmente

anterior ao século 'G, somente se desenvolveu conceitual epoliticamente naquele século. @erivouse dessa fonte, a princípio, umideal educacional, impregnado de Housseau e de fato diretamenteinfluenciado por Housseau, no qual a educação tornouse uminstrumento da política, e a própria atividade política foi concebidacomo uma forma de educação.

8 papel desempen$ado pela educação em todas as utopiaspolíticas, a partir dos tempos antigos, mostra o quanto parece naturaliniciar um novo mundo com aqueles que são por nascimento e por

naturea novos. No que toca ( política, isso implica obviamente umgrave equívoco4 ao invés de !untarse aos seus iguais, assumindo oesforço de persuasão e correndo o risco do fracasso, $á a intervençãoditatorial, baseada na absoluta superioridade do adulto, e a tentativade produir o novo como um fait accompli , isto é, como se o novo !áe%istisse. )or esse motivo na -uropa, a crença de que se devecomeçar das crianças se se quer produir novas condiç#espermaneceu sendo principalmente o monopólio dos movimentosrevolucionários de feitio tir9nico que, ao c$egarem ao poder,

subtraem as crianças a seus pais e simplesmente as doutrinam. Aeducação não pode desempen$ar papel nen$um na política, pois napolítica lidamos com aqueles que !á estão educados. Iuem quer quequeira educar adultos na realidade pretende agir como guardião eimpedilos de atividade, política. "omo não se pode educar adultos apalavra BeducaçãoB soa mal em política; o que $á é um simulacro deeducação, enquanto o ob!etivo real e a coerção sem o uso da força.Iuem dese!ar seriamente criar uma nova ordem política mediante aeducação, isto é, nem através de força e coação, nem através da

persuasão, se verá obrigado ( pavorosa conclusão plat0nica4 obanimento de todas as pessoas mais vel$as do -stado a ser fundado.+as mesmo (s crianças que se quer educar para que se!am cidadãosde um aman$ã utópico é negado, de fato, seu próprio papel futuro noorganismo político, pois, do ponto de vista dos mais novos o que querque o mundo adulto possa propor de novo é necessariamente maisvel$o do que eles mesmos. )ertence a própria naturea da condição

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$umana o fato de que cada geração se transforma em um mundoantigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundonovo só pode significar o dese!o de arrancar das mãos dos recémc$egados sua própria oportunidade face ao novo.

:udo isso de modo algum ocorre na América, e é e%atamenteesse fato que torna tão difícil !ulgar aqui corretamente essesproblemas. 8 papel político que a educação efetivamente representaem uma terra de imigrantes, o fato de que as escolas não apenasservem para americaniar as crianças mas afetam também a seuspais, e de que aqui as pessoas são de fato a!udadas a se desfaeremde um mundo antigo e a entrar em um novo mundo, tudo issoencora!a a ilusão de que um mundo novo está sendo construídomediante a educação das crianças. / claro que a verdadeira situação

absolutamente não é esta. 8 mundo no qual são introduidas ascrianças, mesmo na América, é um mundo vel$o, isto é, um mundopree%istente, construído pelos vivos e pelos mortos, e só é novo paraos que acabaram de penetrar nele pela imigração. Aqui, porém, ailusão é mais forte do que a realidade, pois brota diretamente de umae%peri&ncia americana básica, qual se!a, a de que é possível fundaruma nova ordem, e o que é mais, fundála com plena consci&ncia deum continuum  $istórico, pois a frase BNovo +undoB retira seusignificado de Gel$o +undo, que, embora admirável por outros

motivos, foi re!eitado por não poder encontrar nen$uma solução paraa pobrea e para a opressão."om respeito ( própria educação, a ilusão emergente do  pathos

do novo produiu suas conseqK&ncias mais sérias apenas em nossopróprio século. Antes de mais nada, possibilitou (quele comple%o demodernas teorias educacionais originárias da -uropa "entral e queconsistem de uma impressionante miscel9nea de bom senso eabsurdo levar a cabo, sob a divisa da educação progressista, umaradical revolução em todo o sistema educacional. Aquilo que na

-uropa permanecia sendo um e%perimento, testado aqui e ali emdeterminadas escolas e em instituiç#es educacionais isoladas eestendendo depois gradualmente sua influ&ncia a alguns bairros, naAmérica, $á cerca de vinte e cinco anos atrás, derruboucompletamente, como que de um dia para outro, todas as tradiç#es emétodos estabelecidos de ensino e de aprendiagem. Não entrarei emdetal$es, e dei%o de fora as escolas particulares e, sobretudo, o

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sistema escolar paroquial católicoromano. 8 fato importante é que,por causa de determinadas teorias, boas ou más, todas as regras do !uío $umano normal foram postas de parte. 1m procedimento comoesse possui sempre grande e perniciosa import9ncia, sobretudo em

um país que confia em tão larga escala no bom senso em sua vidapolítica. empre que, em quest#es políticas, o são !uío $umanofracassa ou renuncia ( tentativa de fornecer respostas, nosdeparamos com uma crise; pois essa espécie de !uío é, na realidade,aquele senso comum em virtude do qual nós e nossos cinco sentidosindividuais estão adaptados a um único mundo comum a todos nós, ecom a a!uda do qual nele nos movemos. 8 desaparecimento do sensocomum nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. -m todacrise, é destruída uma parte do mundo, alguma coisa comum a todos

nós. A fal&ncia do bom senso aponta, como uma vara mágica, o lugarem que ocorreu esse desmoronamento.-m todo caso, a resposta ( questão4 )or que 2oãoin$o não

sabe lerL ou ( questão mais geral4 )or que os níveis escolares daescola americana média ac$amse tão atrasados em relação aospadr#es médios na totalidade dos países da -uropaL não é,infelimente, simplesmente o fato de ser este um país !ovem que nãoalcançou ainda os padr#es do Gel$o +undo, mas, ao contrário, o fatode ser este país, nesse campo particular, o mais BavançadoB e

moderno do mundo. - isso é verdadeiro em um dúplice sentido4 emparte alguma os problemas educacionais de uma sociedade demassas se tornaram tão agudos, e em nen$um outro lugar as teoriasmais modernas no campo da )edagogia foram aceitas tão servil eindiscriminadamente. @esse modo, a crise na educação americana deum lado, anuncia a bancarrota da educação progressiva e, de outro,apresenta um problema, imensamente difícil por ter surgido sob ascondiç#es de uma sociedade de massas e em resposta (s suase%ig&ncias.

A esse respeito, devemos ter em mente um outro fator maisgeral que, é certo, não provocou a crise, mas que a agravou emnotável intensidade, e que é o papel singular que o conceito deigualdade desempen$a e sempre desempen$ou na vida americana.Fá nisso muito mais que a igualdade perante a lei, mais, também,que o nivelamento das distinç#es de classe, e mais ainda que oe%presso na frase Bigualdade de oportunidadesB, embora esta ten$a

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uma maior import9ncia em nosso conte%to, do que, no modo de veramericano, o direito ( educação é um dos inalienáveis direitos cívicos.-ste último foi decisivo para a estrutura do sistema de escolaspúblicas, porquanto escolas secundárias, no sentido europeu,

constituem e%ceç#es. "omo a freqK&ncia escolar obrigatória seestende ( idade de deesseis anos, toda criança deve c$egar aocolégio, e o colégio é portanto, basicamente, uma espécie decontinuação da escola primária. -m conseqK&ncia dessa aus&ncia deuma escola secundária, a preparação para o curso superior tem queser proporcionada pelos próprios cursos superiores, cu!os currículospadecem, por isso, de uma sobrecarga cr0nica, a qual afeta por suave a qualidade do trabal$o ali realiado.

)oderseia talve pensar, ( primeira vista, que essa anomalia

pertence ( própria naturea de uma sociedade de massas na qual aeducação não é mais um privilégio das classes abastadas. 1ma vistadMol$os na nglaterra, onde, como todos sabem, a educaçãosecundária também foi posta ( disposição, em anos recentes, detodas as classes da população, mostrará que não é isso o que ocorre.á, ao fim da escola primária, tendo os estudantes a idade de oneanos, instituiuse o temível e%ame que elimina quase 3OP dosescolares qualificados para instrução superior. 8 rigor dessa seleçãonão foi aceito, mesmo na nglaterra, sem protestos; na América, ele

simplesmente teria sido impossível. 8 que é intentado na nglaterra éa BmeritocraciaB, que é obviamente mais uma ve o estabelecimentode uma oligarquia, dessa ve não de riquea ou de nascimento, masde talento. +as isso significa, mesmo que o povo ingl&s não este!ainteiramente esclarecido a respeito, que, mesmo sob um governosocialista, o país continuará a ser governado como o tem sido desdetempos imemoriais, isto é, nem como monarquia nem comodemocracia, porém como oligarquia ou aristocracia a última, caso seadmita o ponto de vista de que os mais dotados são também os

mel$ores, o que não é de modo algum uma certea. Na América, umadivisão quase física dessa espécie entre crianças muito dotadas epouco dotadas seria considerada intolerável. A meritocracia contradi,tanto quanto qualquer outra oligarquia, o princípio da igualdade querege uma democracia igualitária.

Assim, o que torna a crise educacional na América tãoparticularmente aguda e o temperamento político do país, que

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espontaneamente pele!a para igualar ou apagar tanto quanto possívelas diferenças entre !ovens e vel$os, entre dotados e pouco dotados,entre crianças e adultos e, particularmente, entre alunos eprofessores. / óbvio que um nivelamento desse tipo só pode ser

efetivamente consumado (s custas da autoridade do mestre ou (se%pensas daquele que é mais dotado, dentre os estudantes.-ntretanto, é igualmente óbvio, pelo menos a qualquer pessoa queten$a tido algum contato com o sistema educacional americano, queessa dificuldade, enraiada na atitude política do país, possui tambémgrandes vantagens, não apenas de tipo $umano mas tambémeducacionalmente falando; em todo caso, esses fatores gerais nãopodem e%plicar a crise em que nos encontramos presentemente, etampouco !ustificam as medidas que a precipitaram.

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-ssas desastrosas medidas podem ser remontadasesquematicamente a tr&s pressupostos básicos, todos mais do quefamiliares. 8 primeiro é o de que e%iste um mundo da criança e umasociedade formada entre crianças, aut0nomos e que se deve, namedida do possível, permitir que elas governem. 8s adultos aí estãoapenas para au%iliar esse governo. A autoridade que di (s crianças

individualmente o que faer e o que não faer repousa no própriogrupo de crianças e isso, entre outras conseqK&ncias, gera umasituação em que o adulto se ac$a impotente ante a criança individuale sem contato com ela. -le apenas pode dierl$e que faça aquilo quel$e agrada e depois evitar que o pior aconteça. As relaç#es reais enormais entre crianças e adultos, emergentes do fato de que pessoasde todas as idades se encontram sempre simultaneamente reunidasno mundo, são assim suspensas. - é assim da ess&ncia desseprimeiro pressuposto básico levar em conta somente o grupo, e não a

criança individual.Iuanto ( criança no grupo, sua situação, naturalmente, é bempior que antes. A autoridade de um grupo, mesmo que este se!a umgrupo de crianças, é sempre consideravelmente mais forte e tir9nicado que a mais severa autoridade de um indivíduo isolado. e aol$armos do ponto de vista da criança individual, as c$ances desta dese rebelar ou faer qualquer coisa por conta própria são praticamente

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nulas; ela não se encontra mais em uma luta bem desigual com umapessoa que, é verdade, tem absoluta superioridade sobre ela, mas nocombate a quem pode, no entanto, contar com a solidariedade dasdemais crianças, isto é, de sua própria classe; em ve isso, encontra

se na posição, por definição irremediável, de uma minoria de um emconfronto com a absoluta maioria dos outros. )oucas pessoas adultassão capaes de suportar uma situação dessas, mesmo quando ela nãoé sustentada por meios de compulsão e%ternos; as crianças são purae simplesmente incapaes de fa&lo.

Assim ao emanciparse da autoridade dos adultos, a criança nãofoi libertada, e sim su!eita a uma autoridade muito mais terrível everdadeiramente tir9nica, que é a tirania da maioria. -m todo caso, oresultado foi serem as crianças, por assim dier, banidas do mundo

dos adultos. ão elas, ou !ogadas a si mesmas, ou entregues ( tiraniade seu próprio grupo, contra o qual, por sua superioridade numérica,elas não podem se rebelar, contra o qual, por serem crianças, nãopodem argumentar, e do qual não podem escapar para nen$um outromundo por l$es ter sido barrado o mundo dos adultos. A reação dascrianças a essa pressão tende a ser ou o conformismo ou adelinqK&ncia !uvenil, e freqKentemente é uma mistura de ambos.

8 segundo pressuposto básico que veio ( tona na presente crisetem a ver com o ensino. ob a influ&ncia da )sicologia moderna e dos

princípios do )ragmatismo, a )edagogia transformouse em umaci&ncia do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente damatéria efetiva a ser ensinada. 1m professor, pensavase, é um$omem que pode simplesmente ensinar qualquer coisa; sua formaçãoé no ensino, e não no domínio de qualquer assunto particular. -ssaatitude, como logo veremos, está naturalmente, intimamente ligada aum pressuposto básico acerca da aprendiagem. Além disso, elaresultou nas últimas décadas em um negligenciamento e%tremamentegrave da formação dos professores em suas próprias matérias,

particularmente nos colégios públicos. "omo o professor não precisacon$ecer sua própria matéria, não raro acontece encontrarse apenasum passo ( frente de sua classe em con$ecimento. sso quer dier,por sua ve, que não apenas os estudantes são efetivamenteabandonados a seus próprios recursos, mas também que a fonte maislegítima da autoridade do professor, como a pessoa que, se!a dada aisso a forma que se queira, sabe mais, e pode faer mais que nós

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mesmos, não é mais efica. @essa forma, o professor nãoautoritário,que gostaria de se abster de todos os métodos de compulsão por sercapa de confiar apenas em sua própria autoridade, não pode maise%istir.

"ontudo, o pernicioso papel que representam na crise atual a)edagogia e as escolas de professores só se tornou possível devido auma teoria moderna acerca da aprendiagem. -ra muitosimplesmente a aplicação do terceiro  pressuposto básico em nossoconte%to, um pressuposto que o mundo moderno defendeu duranteséculos e que encontrou e%pressão conceitual sistemática no)ragmatismo. -sse pressuposto básico é de que só é possívelcon$ecer e compreender aquilo que nós mesmos fiemos, e suaaplicação ( educação é tão primária quanto óbvia4 consiste em

substituir, na medida do possível, o aprendiado pelo faer. 8 motivopor que não foi atribuída nen$uma import9ncia ao domínio que ten$ao professor de sua matéria foi o dese!o de leválo ao e%ercíciocontínuo da atividade de aprendiagem, de tal modo que ele nãotransmitisse, como se diia, Bcon$ecimento petrificadoB, mas, aoinvés disso, demonstrasse constantemente como o saber é produido.A intenção consciente não era a de ensinar con$ecimentos, mas simde inculcar uma $abilidade, o resultado foi uma espécie detransformação de instituiç#es de ensino em instituiç#es vocacionais

que tiveram tanto &%ito em ensinar a dirigir um automóvel ou autiliar uma máquina de escrever, ou, o que é mais importante para aBarteB de viver, como ter &%ito com outras pessoas e ser popular,quanto foram incapaes de faer com que a criança adquirisse os prérequisitos normais de um currículo padrão.

-ntretanto, essa descrição é fal$a, não apenas por e%agerarobviamente com o fito de aclarar um argumento, como por não levarem conta como, nesse processo, se atribuiu import9ncia toda especial( diluição, levada tão longe quanto possível, da distinção entre

brinquedo e trabal$o em favor do primeiro. 8 brincar era visto comoo modo mais vívido e apropriado de comportamento da criança nomundo, por ser a única forma de atividade que brotaespontaneamente de sua e%ist&ncia enquanto criança. omente o quepode ser aprendido mediante o brinquedo fa !ustiça a essavivacidade. A atividade característica da criança, pensavase, está nobrinquedo; a aprendiagem no sentido antigo, forçando a criança a

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uma atitude de passividade, obrigavaa a abrir mão de sua própriainiciativa lúdica.

A íntima cone%ão entre essas duas coisas a substituição daaprendiagem pelo faer e do trabal$o pelo brincar pode ser

ilustrada diretamente pelo ensino de línguas4 a criança deve aprenderfalando, isto é, faendo, e não pelo estudo da gramática e da sinta%e;em outras palavras, deve aprender um língua estran$a da mesmamaneira como, quando criancin$a, aprendeu sua própria língua4 comoque ao brincar e na continuidade ininterrupta da mera e%ist&ncia.em mencionar a questão de saber se isso é possível ou não épossível, em escala limitada, somente quando se pode manter acriança o dia todo no ambiente de língua estrangeira , éperfeitamente claro que esse processo tenta conscientemente manter

a criança mais vel$a o mais possível ao nível da primeira inf9ncia.Aquilo que, por e%cel&ncia, deveria preparar a criança para o mundodos adultos, o $ábito gradualmente adquirido de trabal$ar e de nãobrincar, é e%tinto em favor da autonomia do mundo da inf9ncia.

e!a qual for a cone%ão entre faer e aprender, e qualquer quese!a a valide da fórmula pragmática, sua aplicação ( educação, ouse!a, ao modo de aprendiagem da criança, tende a tornar absoluto omundo da inf9ncia e%atamente da maneira como observamos no casodo primeiro pressuposto básico. :ambém aqui, sob o prete%to de

respeitar a independ&ncia da criança, ela é e%cluída do mundo dosadultos e mantida artificialmente no seu próprio, mundo, na medidaem que este pode ser c$amado de um mundo. -ssa retenção dacriança é artificial porque e%tingue o relacionamento natural entreadultos e crianças, o qual, entre outras coisas, consiste do ensino eda aprendiagem, e porque oculta ao mesmo tempo o fato de que acriança é um ser $umano em desenvolvimento, de que a inf9ncia éuma etapa temporária, uma preparação para a condição adulta.

A atual crise, na América, resulta do recon$ecimento do caráter

destrutivo desses pressupostos básicos e de uma desesperadatentativa de reformar todo o sistema educacional, ou se!a, detransformálo inteiramente. Ao fa&lo, o que se está procurando defato e%ceto quanto aos planos de uma imensa ampliação dasfacilidades de educação nas "i&ncias Sísicas e em tecnologia não émais que uma restauração4 o ensino será conduido de novo comautoridade; o brinquedo deverá ser interrompido durante as $oras de

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aula, e o trabal$o sério retomado; a &nfase será deslocada das$abilidades e%tracurriculares para os con$ecimentos prescritos nocurrículo; falase mesmo, por fim, de transformar os atuais currículosdos professores de modo que eles mesmos ten$am de aprender algo

antes de se converterem em negligentes para com as crianças.-ssas reformas propostas, que estão ainda em discussão e sãode interesse puramente norteamericano, não precisam nos ocuparaqui. Não discutirei tampouco a questão mais técnica, embora talvea longo prao ainda mais importante, de como é possível reformularos currículos de escolas secundárias e elementares de todos os paísesde modo a preparálas para as e%ig&ncias inteiramente novas domundo de $o!e. 8 que importa para nossa argumentação é uma duplaquestão. Iuais foram os aspectos do mundo moderno e de sua crise

que efetivamente se revelaram na crise educacional, isto é, quais sãoos motivos reais para que, durante décadas, se pudessem dier efaer coisas em contradição tão flagrante com o bom sensoL -msegundo lugar, o que podemos aprender dessa crise acerca daess&ncia da educação não no sentido de que sempre se podeaprender, dos erros, o que não se deve faer, mas sim refletindosobre o papel que a educação desempen$a em toda civiliação, ouse!a, sobre a obrigação que a e%ist&ncia de crianças imp#e a todasociedade $umanaL "omeçaremos com a segunda questão.

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1ma crise na educação em qualquer ocasião originaria sériapreocupação, mesmo se não refletisse, como ocorre no presente caso,uma crise e uma instabilidade mais gerais na sociedade moderna. Aeducação está entre as atividades mais elementares e necessárias dasociedade $umana, que !amais permanece tal qual é, porém serenova continuamente através do nascimento, da vinda de novos

seres $umanos. -sses recémc$egados, além disso, não se ac$amacabados, mas em um estado de vir a ser. Assim, a criança, ob!eto daeducação, possui para o educador um duplo aspecto4 é nova em ummundo que l$e é estran$o e se encontra em processo de formação; éum novo ser $umano e é um ser $umano em formação. -sse duploaspecto não é de maneira alguma evidente por si mesmo, e não seaplica (s formas de vida animais; corresponde a um duplo

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relacionamento, o relacionamento com o mundo, de um lado, e com avida, de outro. A criança partil$a o estado de vir a ser com todas ascoisas vivas; com respeito ( vida e seu desenvolvimento, a criança éum ser $umano em processo de formação, do mesmo modo que um

gatin$o é um gato em processo de formação. +as a criança só é novaem relação a um mundo que e%istia antes dela, que continuará apóssua morte e no qual transcorrerá sua vida. e a criança não fosse umrecémc$egado nesse mundo $umano, porém simplesmente umacriatura viva ainda não concluída, a educação seria apenas umafunção da vida e não teria que consistir em nada além dapreocupação para com a preservação da vida e do treinamento e naprática do viver que todos os animais assumem em relação a seusfil$os.

8s pais $umanos, contudo, não apenas trou%eram seus fil$os (vida mediante a concepção e o nascimento, mas simultaneamente osintroduiram em um mundo. -les assumem na educação aresponsabilidade, ao mesmo tempo, pela vida e desenvolvimento dacriança e pela continuidade do mundo. -ssas duas responsabilidadesde modo algum coincidem; com efeito podem entrar em mútuoconflito. A responsabilidade pelo desenvolvimento da criança voltaseem certo sentido contra o mundo4 a criança requer cuidado eproteção especiais para que nada de destrutivo l$e aconteça de parte

do mundo. )orém também o mundo necessita de proteção, para quenão se!a derrubado e destruído pelo assédio do novo que irrompesobre ele a cada nova geração.

)or precisar ser protegida do mundo, o lugar tradicional dacriança é a família, cu!os membros adultos diariamente retornam domundo e%terior e se recol$em ( segurança da vida privada entrequatro paredes. -ssas quatro paredes, entre as quais a vida familiarprivada das pessoas é vivida, constitui um escudo contra o mundo e,sobretudo, contra o aspecto público do mundo. -las encerram um

lugar seguro, sem o que nen$uma coisa viva pode medrar. sso éverdade não somente para a vida da inf9ncia, mas para a vida$umana em geral. :oda ve que esta é permanentemente e%posta aomundo sem a proteção da intimidade e da segurança, sua qualidadevital é destruída. No mundo público, comum a todos, as pessoas sãolevadas em conta, e assim também o trabal$o, isto é, o trabal$o denossas mãos com que cada pessoa contribui para com o mundo

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comum; porém a vida qua vida não interessa aí. 8 mundo não l$epode dar atenção, e ela deve ser oculta e protegida do mundo.

:udo que vive, e não apenas a vida vegetativa, emerge dastrevas, e, por mais forte que se!a sua tend&ncia natural a orientarse

para a lu, mesmo assim precisa da segurança da escuridão parapoder crescer. -sse, com efeito, pode ser o motivo por que com tantafreqK&ncia crianças de pais famosos não dão em boa coisa. A famapenetra as quatro paredes e invade seu espaço privado, traendoconsigo, sobretudo nas condiç#es de $o!e, o clarão implacável domundo público, inundando tudo nas vidas privadas dos implicados, detal maneira que as crianças não t&m mais um lugar seguro ondepossam crescer. 8corre, porém, e%atamente a mesma destruição doespaço vivo real toda ve que se tenta faer das próprias crianças um

espécie de mundo. -ntre esses grupos de iguais surge então umaespécie de vida pública, e, sem levar absolutamente em conta o fatode que esta não é uma vida pública real e de que toda a empresa éde certa forma uma fraude, permanece o fato de que as crianças isto é, seres $umanos em processo de formação, porém ainda nãoacabados são assim forçadas a se e%por ( lu da e%ist&ncia pública.

)arece óbvio que a educação moderna, na medida em queprocura estabelecer um mundo de crianças, destrói as condiç#esnecessárias ao desenvolvimento e crescimento vitais. "ontudo, c$oca

nos como algo realmente estran$o que tal dano ao desenvolvimentoda criança se!a o resultado da educação moderna, pois estasustentava que seu único propósito era servir a criança, rebelandosecontra os métodos do passado por não levarem suficientemente emconsideração a naturea íntima da criança e suas necessidades. T8éculo da "riançaU, como podemos lembrar, iria emancipar a criançae liberála dos padr#es originários de um mundo adulto. "omo p0deentão acontecer que as mais elementares condiç#es de vidanecessárias ao crescimento e desenvolvimento da criança fossem

despreadas ou simplesmente ignoradasL "omo p0de acontecer quese e%pusesse a criança (quilo que, mais que qualquer outra coisa,caracteriava o mundo adulto, o seu aspecto público, logo após se terc$egado ( conclusão de que o erro em toda a educação passada foraver a criança como não sendo mais que um adulto em taman$oreduidoL

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8 motivo desse estran$o estado de coisas nada tem a ver,diretamente, com a educação; deve antes ser procurado nos !uíos épreconceitos acerca da naturea da vida privada e do mundo público esua relação mútua, característicos da sociedade moderna desde o

início dos tempos modernos e que os educadores, ao começaremrelativamente tarde a moderniar a educação, aceitaram comopostulados evidentes por si mesmos, sem consci&ncia dasconseqK&ncias que deveriam acarretar necessariamente para a vidada criança. / uma peculiaridade de nossa sociedade, de modo algumuma coisa necessária, considerar a vida, isto é, a vida terrena dosindivíduos e da família, como o bem supremo; por esse motivo, emcontraste com todos os séculos anteriores, ela emancipou essa vida etodas as atividades envolvidas em sua preservação e enriquecimento

do ocultamento da privatividade e%pondoa ( lu do mundo público. /esse o sentido real da emancipação dos trabal$adores e dasmul$eres, não como pessoas, sem dúvida, mas na medida em quepreenc$em uma função necessária no processo vital da sociedade.

8s últimos a serem afetados por esse processo de emancipaçãoforam as crianças, e aquilo mesmo que significara uma verdadeiraliberação para os trabal$adores e mul$eres pois eles não eramsomente trabal$adores e mul$eres, mas também pessoas, tendoportanto direito ao mundo público, isto é, a verem e serem vistos, a

falar e serem ouvidos constituiu abandono e traição no caso dascrianças, que ainda estão no estágio em que o simples fato da vida edo crescimento prepondera sobre o fator personalidade. Iuanto maiscompletamente a sociedade moderna re!eita a distinção entre aquiloque é particular e aquilo que é público, entre o que somente podevice!ar encobertamente e aquilo que precisa ser e%ibido a todos (plena lu do mundo público, ou se!a, quanto mais ela introdu entre oprivado e o público uma esfera social na qual o privado étransformado em público e viceversa, mais difíceis torna as coisas

para suas crianças, que pedem, por naturea, a segurança doocultamento para que não $a!a distúrbios em seu amadurecimento.)or mais graves que possam ser essas violaç#es das condiç#es

para o crescimento vital, é certo que elas não foram de todointencionais; o ob!etivo central de todos os esforços da educaçãomoderna foi o bemestar da criança, fato esse que evidentemente nãose torna menos verdadeiro caso os esforços feitos nem sempre

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ten$am logrado &%ito em promover o bemestar da maneiraesperada. A situação é inteiramente diversa na esfera das tarefaseducacionais não mais dirigidas para a criança, porém ( pessoa !ovem, ao recémc$egado e forasteiro, nascido em um mundo !á

e%istente e que não con$ece. :ais tarefas são basicamente, mas nãoe%clusivamente, responsabilidade das escolas; competem ( suaalçada o ensino e a aprendiagem, e o fracasso neste campo é oproblema mais urgente da América atualmente. 8 que !a na basedissoL

Normalmente a criança é introduida ao mundo pela primeira veatravés da escola. No entanto, a escola não é de modo algum omundo e não deve fingir s&lo; ela é, em ve disso, a instituição queinterpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de

faer com que se!a possível a transição, de alguma forma, da famíliapara o mundo. Aqui, o comparecimento não é e%igido pela família, esim pelo -stado, isto é, o mundo público, e assim, em relação (criança, a escola representa em certo sentido o mundo, embora nãose!a ainda o mundo de fato. Nessa etapa da educação, sem dúvida,os adultos assumem mais uma ve uma responsabilidade pelacriança, só que, agora, essa não é tanto a responsabilidade pelo bemestar vital de uma coisa em crescimento como por aquilo quegeralmente denominamos de livre desenvolvimento de qualidades e

talentos pessoais. sto, do ponto de vista geral e essencial, é asingularidade que distingue cada ser $umano de todos os demais, aqualidade em virtude da qual ele não é apenas um forasteiro nomundo, mas alguma coisa que !amais esteve aí antes.

Na medida em que a criança não tem familiaridade com omundo, devese introduila aos poucos a ele; na medida em que elaé nova, devese cuidar para que essa coisa nova c$egue ( fruição emrelação ao mundo como ele é. -m todo caso, todavia, o educador estáaqui em relação ao !ovem como representante de um mundo pelo

qual deve assumir a responsabilidade, embora não o ten$a feito eainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fossediferente do que é. -ssa responsabilidade não é impostaarbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os !ovens são introduidos por adultos em um mundo em contínuamudança. Iualquer pessoa que se recuse a assumir a

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responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças e épreciso proibila de tomar parte em sua educação.

Na educação, essa responsabilidade pelo mundo assunte a formade autoridade. A autoridade do educador e as qualificaç#es do

professor não são a mesma coisa. -mbora certa qualificação se!aindispensável para a autoridade, a qualificação, por maior que se!a,nunca engendra por si só autoridade. A qualificação do professorconsiste em con$ecer o mundo e ser capa de instruir os outrosacerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidadeque ele assume por este mundo. Sace ( criança, é como se ele fosseum representante de todos os $abitantes adultos, apontando osdetal$es e diendo ( criança4 sso é o nosso mundo.

)ois bem4 sabemos todos como as coisas andam $o!e em dia

com respeito ( autoridade. Iualquer que se!a nossa atitude pessoalface a este problema, é óbvio que, na vida pública, e política, aautoridade ou não representa mais nada pois a viol&ncia e o terrore%ercidos pelos países totalitários evidentemente nada t&m a ver comautoridade , ou, no má%imo, desempen$a um papel altamentecontestado. sso, contudo, simplesmente significa, em ess&ncia, queas pessoas não querem mais e%igir ou confiar a ninguém o ato deassumir a responsabilidade por tudo o mais, pois sempre que aautoridade legítima e%istiu ela esteve associada com a

responsabilidade pelo curso das coisas no mundo. Ao removermos aautoridade da vida política e pública, pode ser que isso signifique que,de agora em diante, se e%i!a de todos uma igual responsabilidadepelo rumo do mundo. +as isso pode também significar que ase%ig&ncias do mundo e seus reclamos de ordem este!am sendoconsciente ou inconscientemente repudiados; toda e qualquerresponsabilidade pelo mundo está sendo re!eitada, se!a aresponsabilidade de dar ordens, se!a a de obedec&las. Não restadúvida de que, na perda moderna da autoridade, ambas as intenç#es

desempen$am um papel e t&m muitas vees, simultanea eine%tricavelmente, trabal$ado !untas.Na educação, ao contrário, não pode $aver tal ambigKidade face

( perda $odierna de autoridade. As crianças não podem derrubar aautoridade educacional, como se estivessem sob a opressão de umamaioria adulta embora mesmo esse absurdo tratamento dascrianças como urna minoria oprimida carente de libertação ten$a sido

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efetivamente submetido a prova na prática educacional moderna. Aautoridade foi recusada pelos adultos, e isso somente pode significaruma coisa4 que os adultos se recusam a assumir a responsabilidadepelo mundo ao qual trou%eram as crianças.

-videntemente, $á uma cone%ão entre a perda de autoridade navida pública e política e nos 9mbitos privados e prépolíticos dafamília e da escola. Iuanto mais radical se torna a desconfiança facea autoridade na esfera pública, mais aumenta, naturalmente, aprobabilidade de que a esfera privada não permaneça incólume. Fá ofato adicional, muito provavelmente decisivo, de que $á temposimemoriais nos acostumamos, em nossa tradição de pensamentopolítico, a considerar a autoridade dos pais sobre os fil$os e deprofessores sobre alunos como o modelo por cu!o intermédio se

compreendia a autoridade política. / !ustamente tal modelo, que podeser encontrado !á em )latão e Aristóteles, que confere tãoe%traordinária ambigKidade ao conceito de autoridade em política. -lese baseia sobretudo em uma superioridade absoluta que !amaispoderia e%istir entre adultos e que, do ponto de vista da dignidade$umana, não deve nunca e%istir. -m segundo lugar, ao seguir omodelo da criação dos fil$os, baseiase em uma superioridadepuramente temporária, tornandose, pois, autocontraditório quandoaplicado a relaç#es que por naturea não são temporárias como as

relaç#es entre governantes e governados. @ecorre da naturea doproblema isto é, da naturea da atual crise de autoridade e danaturea de nosso pensamento político tradicional que a perda deautoridade iniciada na esfera política deva terminar na esfera privada;obviamente não é acidental que o lugar em que a autoridade políticafoi solapada pela primeira ve, isto é, a América, se!a onde a crisemoderna da educação se faça sentir com maior intensidade.

A perda geral de autoridade, de fato, não poderia encontrare%pressão mais radical do que sua intrusão na esfera prépolítica, em

que a autoridade parecia ser ditada pela própria naturea eindepender de todas as mudanças $istóricas e condiç#es políticas. 8$omem moderno, por outro lado, não poderia encontrar nen$umae%pressão mais clara para sua insatisfação com o mundo, para seudesgosto com o estado de coisas, que sua recusa a assumir, emrelação (s crianças, a responsabilidade por tudo isso. / como se ospais dissessem todos os dias4 Nesse mundo, mesmo nós não

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estamos muito a salvo em casa; como se movimentar nele, o quesaber, quais $abilidades dominar, tudo isso também são mistériospara nós. Goc&s devem tentar entender isso do !eito que puderem;em todo caso, voc&s não t&m o direito de e%igir satisfaç#es. omos

inocentes, lavamos as nossas mãos por voc&s.-ssa atitude, é claro, nada tem a ver com o dese!orevolucionário de uma nova ordem no mundo Novus Ordo Seclorum que outrora animou a América; mais que isso, é um sintomadaquele moderno estran$amento do mundo visível em toda parte masque se apresenta em forma particularmente radical e desesperada sobas condiç#es de uma sociedade de massa. / verdade que ase%peri&ncias pedagógicas modernas t&m assumido e não só naAmérica poses muito revolucionárias, o que ampliou até certo ponto

a dificuldade de identificar a situação com clarea, provocando certograu de confusão na discussão do problema. -m contradição comtodos esses comportamentos, continua e%istindo o fato inquestionávelde que, durante o período em que a América foi realmente animadapor este espírito revolucionário, ela !amais son$ou iniciar a novaordem pela educação, permanecendo, ao contrário, conservadora emmatéria educacional.

A fim de evitar malentendidos4 pareceme que oconservadorismo, no sentido de conservação, fa parte da ess&ncia da

atividade educacional, cu!a tarefa é sempre abrigar e proteger algumacoisa, a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novocontra o vel$o, o vel$o contra o novo. +esmo a responsabilidadeampla pelo mundo que é aí assumida implica, é claro, uma atitudeconservadora. +as isso permanece válido apenas no 9mbito daeducação, ou mel$or, nas relaç#es entre adultos e crianças, e não no9mbito da política, onde agimos em meio a adultos e com iguais. :alatitude conservadora, em política aceitando o mundo como ele é,procurando somente preservar o status quo , não pode senão levar (

destruição, visto que o mundo, tanto no todo como em parte, éirrevogavelmente fadado ( ruína pelo tempo, a menos que e%istamseres $umanos determinados a intervir, a alterar, a criar aquilo que énovo. As palavras de Famlet4 BThe time is out of joint. O cursedspite that ever I was born to set it right B DB8 tempo está fora dosei%os. 8 ódio maldito ter nascido para colocálo em ordemBE sãomais ou menos verídicas para cada nova geração, embora ten$am

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adquirido talve desde o início de nosso século, uma valide maispersuasiva do que antes.

Vasicamente, estamos sempre educando para um mundo que ou !á está fora dos ei%os ou para aí camin$a, pois é essa a situação

$umana básica, em que o mundo é criado por mãos mortais e servede lar aos mortais durante tempo limitado. 8 mundo, visto que feitopor mortais, se desgasta, e, dado que seus $abitantes mudamcontinuamente, corre o risco de tornarse mortal como eles. )arapreservar o mundo contra a mortalidade de seus criadores e$abitantes, ele deve ser, continuamente, posto em ordem. 8problema é simplesmente educar de tal modo que um poremordemcontinue sendo efetivamente possível, ainda que não possa nunca, éclaro, ser assegurado. Nossa esperança está pendente sempre do

novo que cada geração aporta; precisamente por basearmos nossaesperança apenas nisso, porém, é que tudo destruímos se tentarmoscontrolar os novos de tal modo que nós, os vel$os, possamos ditarsua apar&ncia futura. -%atamente em benefício daquilo que é novo erevolucionário em cada criança é que a educação precisa serconservadora; ela deve preservar essa novidade e introduila comoalgo novo em um mundo vel$o que, por mais revolucionário quepossa ser em suas aç#es, é sempre, do ponto de vista da geraçãoseguinte, obsoleto e rente ( destruição.

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A verdadeira dificuldade na educação moderna está no fato deque, a despeito de toda a conversa da moda acerca de um novoconservadorismo, até mesmo aquele mínimo de conservação e deatitude conservadora sem o qual a educação simplesmente não épossível se torna, em nossos dias, e%traordinariamente difícil deatingir. Fá sólidas ra#es para isso. A crise da autoridade na educação

guarda a mais estreita cone%ão com a crise da tradição, ou se!a, coma crise de nossa atitude face ao 9mbito do passado. / sobremododifícil para o educador arcar com esse aspecto da crise moderna, poisé de seu ofício servir como mediador entre o vel$o e o novo, de talmodo que sua própria profissão l$e e%ige um respeito e%traordináriopelo passado. @urante muitos séculos, isto é, por todo o período daciviliação romanocristã, não foi necessário tomar consci&ncia dessa

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qualidade particular de si próprio, pois a rever&ncia ante o passadoera parte essencial da mentalidade romana, e isso não foi modificadoou e%tinto pelo "ristianismo, mas apenas deslocado sobrefundamentos diferentes.

-ra da ess&ncia da atitude romana 6embora de maneira algumaisso fosse verdadeiro para qualquer civiliação, ou mesmo para atradição ocidental como um todo7 considerar o passado qua passadocomo um modelo, os antepassados, em cada inst9ncia, comoe%emplos de conduta para seus descendentes; crer que todagrandea !a no que foi, e, portanto, que a mais e%celente qualidade$umana é a idade provecta; que o $omem envel$ecido, visto ser !áquase um antepassado, pode servir de modelo para os vivos. :udoisso se p#e em contradição não só com nosso mundo e com a época

moderna, da Henascença em diante, como, por e%emplo, com aatitude grega diante da vida. Iuando *oet$e disse que envel$ecer éBo gradativo retirarse do mundo das apar&nciasB, sua observação erafeita no espírito dos gregos, para os quais ser e apar&ncia coincidiam.A atitude romana teria sido que !ustamente ao envel$ecer e aodesaparecer gradativamente da comunidade dos mortais o $omematinge sua forma mais característica de e%ist&ncia, ainda que, emrelação ao mundo das apar&ncias, este!a em vias de desaparecer; istoporque somente agora ele se pode acercar da e%ist&ncia na qual ele

será uma autoridade para os outros."ontra o pano de fundo inabalado de uma tradição dessanaturea, na qual a educação possui uma função política 6e esse casoera único7, é de fato relativamente fácil faer direito as coisas emmatéria de educação, sem sequer faer uma pausa para apreciar oque se está faendo, tão completo é o acordo entre o ethos específicodo princípio pedagógico e as convicç#es éticas e morais básicas dasociedade como um todo. Nas palavras de )olíbio, educar erasimplesmente Bfaervos ver que sois inteiramente dignos de vossos

antepassadosB, e nesse mister o educador podia ser um Bcompan$eirode lutaB um Bcompan$eiro de trabal$oB por ter também, embora emnível diverso, atravessado a vida com os ol$os grudados no passado."ompan$eirismo e autoridade não eram nesse caso senão doisaspectos da mesma subst9ncia, e a autoridade do mestre arraigavase firmemente na autoridade inclusiva do passado enquanto tal. Fo!eem dia, porém, não nos encontramos mais em tal posição; não fa

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muito sentido agirmos como se a situação fosse a mesma, como seapenas nos $ouvéssemos como que e%traviado do camin$o certo,sendo livres para, a qualquer momento, reencontrar o rumo. ssoquer dier que não se pode, onde quer que a crise $a!a ocorrido no

mundo moderno, ir simplesmente em frente, e tampoucosimplesmente voltar para trás. :al retrocesso nunca nos levará aparte alguma, e%ceto ( mesma situação da qual a crise acabou desurgir. 8 retorno não passaria de uma repetição da e%ecução Wembora talve em forma diferente, visto não $aver limites (spossibilidades de noç#es absurdas e capric$osas que são ataviadascomo a última palavra em ci&ncia. )or outro lado, a mera e irrefletidaperseverança, se!a pressionando para frente a crise, se!a aderindo (rotina que acredita bonac$onamente que a crise não engolfará sua

esfera particular de vida, só pode, visto que se rende ao curso dotempo, conduir ( ruína; para ser mais precisa, ela só pode aumentaro estran$amento do mundo pelo qual !á somos ameaçados de todosos flancos. Ao considerar os princípios da educação temos de levar emconta esse processo de estran$amento do mundo; podemos atéadmitir que nos defrontamos aqui presumivelmente com um processoautomático, sob a única condição de não esquecermos que está aoalcance do poder do pensamento e da ação $umana interromper edeter tais processos.

8 problema da educação no mundo moderno está no fato de, porsua naturea, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem datradição, e ser obrigada, apesar disso, a camin$ar em um mundo quenão é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coesopela tradição. sso significa, entretanto, que não apenas professores eeducadores, porém todos nós, na medida em que vivemos em ummundo !unto ( nossas crianças e aos !ovens, devemos ter em relaçãoa eles uma atitude radicalmente diversa da que guardamos um paracom o outro. "umpre divorciarmos decisivamente o 9mbito da

educação dos demais, e acima de tudo do 9mbito da vida pública epolítica, para aplicar e%clusivamente a ele um conceito de autoridadee uma atitude face ao passado que l$e são apropriados mas nãopossuem validade geral, não devendo reclamar uma aplicaçãogeneraliada no mundo dos adultos.

Na prática, a primeira conseqK&ncia disso seria urnacompreensão bem clara de que a função da escola é ensinar (s

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crianças como o mundo é, e não instruílas na arte de viver. @adoque o mundo é vel$o, sempre mais que elas mesmas, aaprendiagem voltase inevitavelmente para o passado, não importao quanto a vida se!a transcorrida no presente. -m segundo lugar, a

lin$a traçada entre crianças e adultos deveria significar que não sepode nem educar adultos nem tratar crianças como se elas fossemmaduras; !amais se deveria permitir, porém, que tal lin$a se tornasseuma mural$a a separar as crianças da comunidade adulta, como senão vivessem elas no mesmo mundo e como se a inf9ncia fosse umestado $umano aut0nomo, capa de viver por suas próprias leis. /impossível determinar mediante uma regra geral onde a lin$alimítrofe entre a inf9ncia e a condição adulta recai, em cada caso. -lamuda freqKentemente, com respeito ( idade, de país para país, de

uma civiliação para outra e também de indivíduo para indivíduo. Aeducação, contudo, ao contrário da aprendiagem, precisa ter umfinal previsível. -m nossa civiliação esse final coincide provavelmentecom o diploma colegial, não com a conclusão do curso secundário,pois o treinamento profissional nas universidades ou cursos técnicos,embora sempre ten$a algo a ver com a educação, é, não obstante,em si mesmo uma espécie de especialiação. -le não visa mais aintroduir o !ovem no mundo como um todo, mas sim em umsegmento limitado e particular dele. Não se pode educar sem ao

mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendiagem é vaia eportanto degenera, com muita facilidade, em retórica moral eemocional. / muito fácil, porém, ensinar sem educar, e podeseaprender durante o dia todo sem por isso ser educado. :udo isso sãodetal$es particulares, contudo, que na verdade devem ser entreguesaos especialistas e pedagogos.

8 que nos di respeito, e que não podemos portanto delegar (ci&ncia específica da pedagogia, é a relação entre adultos e criançasem geral, ou, para colocálo em termos ainda mais gerais e e%atos,

nossa atitude face ao fato da natalidade4 o fato de todos nós virmosao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovadomediante o nascimento. A educação é o ponto em que decidimos seamamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade porele e, com tal gesto, salválo da ruína que seria inevitável não fosse arenovação e a vinda dos novos e dos !ovens. A educação é, também,onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não

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7/18/2019 ARENDT, Hannah. a Crise Na Educação. Entre o Passado e o Futuro

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e%pulsálas de nosso mundo e abandonálas a seus próprios recursos,e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreenderalguma coisa nova e imprevista para nós, preparandoas em ve dissocom anteced&ncia para a tarefa de renovar um mundo comum.

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