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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP JULIANA MUNIZ PACHECO ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2013

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Page 1: ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA … Muniz... · constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto urbanístico, priorizou-se o foco no

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

JULIANA MUNIZ PACHECO

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

EM ZONA URBANA

E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo

2013

Page 2: ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA … Muniz... · constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto urbanístico, priorizou-se o foco no

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

JULIANA MUNIZ PACHECO

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

EM ZONA URBANA

E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais, na área de concentração em Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação do Professor Doutor Marcelo Gomes Sodré.

São Paulo

2013

Page 3: ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA … Muniz... · constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto urbanístico, priorizou-se o foco no

Banca Examinadora:

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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Aos meus pais, que sempre apoiaram

minhas decisões, pelo amor incondicional;

ao meu eterno companheiro, que, além do

constante e fundamental apoio, traz mais

luz e sentido aos meus dias;

e ao meu filho, que me apresentou um

novo significado de vida

simplesmente por existir.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas oportunidades que coloca em minha vida e pela força.

Meus sinceros agradecimentos ao meu orientador, Professor Marcelo

Gomes Sodré, pelas aulas ministradas no curso de Mestrado, pelas incríveis leituras

sugeridas e pelo empenho e dedicação na orientação, que foram fundamentais para

obter o resultado apresentado.

À Professora Daniela Libório Di Sarno, pelas contribuições dadas na banca

de qualificação, que, certamente, foram decisivas e muito auxiliaram a ampliar a

abrangência da presente pesquisa.

Às Professoras Daniela Libório e Norma Sueli Padilha, por aceitarem

gentilmente o convite para a banca de defesa.

À Professora Consuelo Yoshida, por sua generosidade, ao me conceder

especial oportunidade de trabalhar ao seu lado durante dois anos, pelos

ensinamentos dentro e fora de sala de aula, pela inspiração e pelas sugestões que

muito enriqueceram o trabalho.

Às colegas do mestrado Laura Lícia Vicente, Cristiane Queli, Renata Falson,

Gisele Lenzi, Renata Ogasawara pela companhia durante e depois da conclusão do

curso de Mestrado, pelas dicas preciosas e por tornarem os momentos

especialmente agradáveis.

Especiais agradecimentos aos amigos Regina Vincent e Marcelo Guena, por

seus esclarecimentos técnicos, que contribuíram muito quando a insegurança de

pesquisar por outras searas do conhecimento estagnava meus trabalhos.

Page 6: ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA … Muniz... · constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto urbanístico, priorizou-se o foco no

A todos meus familiares e amigos, que souberam entender meus momentos

de ausência e de dedicação à vida acadêmica.

E, finalmente, a todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente,

para a realização e conclusão deste trabalho.

Page 7: ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA … Muniz... · constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto urbanístico, priorizou-se o foco no

RESUMO

PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e

Regularização da Moradia. 2013. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2013.

A presente pesquisa se baseou nas principais discussões havidas na vigência do

Código Florestal de 1965, época em que não era nada pacífica a tese de existência

das áreas de preservação permanente nas cidades. Com este pano de fundo,

buscou a origem histórica do instituto dessas áreas ambientalmente sensíveis, bem

como seu fundamento (ou ratio legis), hoje denominada função ambiental ou

ecológica. Utilizando tais conceitos como base, progrediu-se em direção ao Direito

Urbanístico e sua relação com as normas ambientais, discussão bastante atual e de

necessário enfrentamento ante a persistente tese de exclusão de uma ordem

jurídica em prol da outra. Para tanto, visitaram-se o rol de competências

constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto

urbanístico, priorizou-se o foco no Direito à Moradia e à sua regularização, ponto

mais sensível no que tange à lesão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e

gerador de demandas em prol da dignidade da pessoa humana. Durante o

desenvolvimento das pesquisas, sobreveio a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012,

com suas posteriores alterações, o que refletiu nas premissas, diretrizes e

conclusões finais da presente dissertação, de modo que a regularização da moradia

ganhou nova abordagem tanto da lei, quanto das pesquisas levadas a cabo. Com

isso, conclui-se que o Poder Público, na qualidade de gestor do meio ambiente

equilibrado, ganhou procedimentos mais adequados para concretizar o Direito à

Moradia, através da regularização fundiária e da manutenção não só do equilíbrio

ambiental, mas também do direito à vida, à segurança e à saúde da população

envolvida.

Palavras-chave: Código Florestal. Área de Preservação Permanente. Função

Ambiental ou Ecológica. Direito à Moradia. Regularização da Moradia.

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ABSTRACT

PACHECO, Juliana Muniz. Permanent preservation area in urban zone and housing

ownership. 2012. 136 f. Dissertation (Law Master) – Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo. São Paulo, 2013.

The present research was based in discussions which took place when Forestry

Code of 1965 took force, a time when the thesis of permanent preservation areas in

cities was not anywhere peaceful. Within this background, it was pursued the historic

institute source of this environmentally sensitive areas, as well as its fundamental (or

ratio legis), nowadays denominated environmental or ecological function. Using such

concepts as base ground (delataria ground), the study has progressed towards

Urban Planning Law and its relationship with environmental regulation, an updated

discussion with needed confrontation before the persistent thesis of excluding one

legal order in place of another. For this purpose, it was addressed the constitutional

competences array (delataria array) and the sustainable development principle. From

the urban planning perspective, it was prioritized focus in Housing Ownership and its

regularization, most sensitive point regarding harm to ecologically balanced

environment and demand generator towards human being dignity. During the

research development, Law nº 12.651, from 25th May, 2012 stood out, with its

subsequent modification, reflecting in the premises, guidelines and final conclusions

of the present dissertation, in a way that housing regularization achieved a new

approach both for the law and research followed. In this way, one may conclude that

the Public Power, in the role of managing a balanced environment, won more

adequate procedures to achieve Housing Ownership, through landing regularization

and not only environmental balance but life quality, security and health of the

involved population.

Key-words: Forestry Code, Permanent Preservation Area, Environmental or

Ecological Function, Housing Ownership, Housing Regularization.

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LISTA DE SIGLAS

ABC – Academia Brasileira de Ciências

ANA – Agência Nacional de Águas

APP – Área de Preservação Permanente

CF – Constituição Federal

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente

ECO/92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento

EIA – Estudo de Impacto Ambiental

EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente

ETEPs – Espaços Territoriais Especialmente Protegidos

GEE – Gases de Efeito Estufa

IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPTU – Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana

MP – Medida Provisória

PSA – Pagamento por Serviços Ambientais

REDD – Reducing Emissions from Deflorestation and Forest Degradation

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente

SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação

UNCED – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

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ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA

E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12

CAPÍTULO 1. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ........................... 15

1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente .............................. 15

1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente ...................... 18

1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente .......................... 26

1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934 . 30

1.5. Código Florestal de 1965 .......................................................................... 35

1.6. Código Florestal de 2012 .......................................................................... 42

1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente ............... 49

1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental ................. 61

CAPÍTULO 2. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NAS CIDADES .. 67

2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades .............................................. 68

2.2. Competências Constitucionais .................................................................. 71

2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais .................................. 73

2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas ................................ 76

2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas .......................... 81

2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas ..................................... 83

CAPÍTULO 3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA .............................................. 88

3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica ....................................................... 89

3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia ................................................. 91

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3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional .......................... 91

3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional ..................................... 94

3.3. Função Social da Propriedade .................................................................. 97

3.4. Função Socioambiental da Propriedade.................................................. 101

3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia ...................................................... 104

3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental .......................................... 106

CONCLUSÃO ................................................................................................ 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 127

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INTRODUÇÃO

A ideia da presente pesquisa teve como início os primeiros estudos sobre o

Código Florestal de 1965 e a divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito de

sua aplicação ou não em áreas urbanas, em especial no que tange as áreas de

proteção permanente (APPs) por atributos naturais (art. 2º da Lei nº 4.771/65).

Desde o início, para a autora, parecia bastante claro que, ante a função ambiental

dessas áreas (necessidade de manutenção de certas características naturais para

proteção de ecossistemas), não teria sentido a discussão acerca da aplicação

espacial da norma: por óbvio a regra de proteção permanente deveria ser aplicada

em qualquer imóvel, rural ou urbano.

Mas, uma vez admitido isto, tornava-se incoerente (ou ilegal) a concessão

de licença ambiental para construção nessas áreas, como se vê costumeiramente

ocorrer. A levar em consideração este entendimento, as margens dos rios deveriam

ser repletas de mata ciliar (ou ripária), ainda que em área urbana; e a ocupação dos

entornos de mananciais nunca deveriam ser tolerados, nem pela população, nem

pelo Poder Público. Ilícita, então, a obra que pavimentou as APPs às margens dos

rios Tietê e Pinheiros, na cidade de São Paulo? E o que dizer, então, das

regularizações fundiárias? E, se é verdade que as APPs hoje podem ser suprimidas

quando for o caso de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto, também é

sabido que em incontáveis casos de supressão não houve a regular autorização do

Poder Público. O tema, sob a égide do Código Florestal de 1965, nunca foi pacífico:

a legislação foi alterada algumas vezes, havia jurisprudência de várias vertentes,

assim como posições doutrinárias diversas.

Há que se considerar que, a partir de 2001, a ocupação de espaços urbanos

passou a contar com a regulamentação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01),

marco do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental Artificial, que traz dentre suas

diretrizes gerais o respeito às normas ambientais e a “recuperação do meio

ambiente natural” (art. 2º, inciso XII). Daí é possível concluir que o Estatuto da

Cidade procura conviver harmonicamente com as leis ambientais e, ainda, fomentar

a restauração de vegetação nas áreas urbanas, como princípio básico. Desse modo,

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quer-se dizer que é necessário considerar a situação ora sob análise também à luz

das normas urbanísticas, assim como dos princípios de Direito Urbanístico. Ao

adentrar por estes meandros, a pesquisa se deparou com o Direito à Moradia, que,

por sua qualidade de direito fundamental, justifica que o ordenamento jurídico confira

maior elasticidade ao regime jurídico da área de preservação permanente.

Partindo destas premissas, a pesquisa foi desenvolvida permeando não só o

Direito Ambiental, mas também o Direito Urbanístico, com seu sistema jurídico

próprio, e com princípios muitas vezes semelhantes aos do Direito Ambiental, mas

com suas evidentes distinções. Veja como exemplo de temas em comum a função

social da propriedade, que é princípio ordenador de ambos os ramos do Direito, mas

possui facetas distintas conforme o aspecto abordado. É nesta região de intersecção

entre as áreas do saber que a pesquisa foi desenvolvida, buscando a interação entre

as normas urbanísticas e ambientais, o que é, de fato, uma tendência, não obstante

as posições divergentes.

Curioso e enriquecedor foi o fato de que, no curso da pesquisa, sobreveio a

promulgação da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, conhecido como “Novo

Código Florestal” (antes: “Projeto Micheletto”), sendo certo que um de seus pontos

mais polêmicos é justamente a redução das matas ciliares e áreas de preservação

permanente, o que causou mobilização de diversos setores da sociedade civil. No

mesmo dia da publicação da Lei, com inúmeros vetos do Poder Executivo, foi

também editada Medida Provisória nº 571/12 suprindo lacunas deixadas pelos vetos.

O trâmite legislativo da Medida Provisória foi bastante discutido pela mídia, em razão

da relevância do tema e da tensão havida na Câmara dos Deputados, e, ao final, foi

convertida na Lei nº 12.727/12, não sem alteração no Parlamento, e novamente com

vetos presidenciais. Em razão destes acontecimentos, foi incluído na presente

análise o passo a passo das alterações legislativas, não por outro motivo, senão

com o intuito de documentá-lo. Considerando que as últimas alterações foram

aprovadas e publicadas pelo Poder Legislativo durante a elaboração desta pesquisa,

é apresentado também comentário sobre o novo texto da Lei nº 12.651/12 (com as

alterações trazidas pela Lei nº 12.727/12), muito embora, em algumas passagens,

seja mais explorado o texto do Código Florestal revogado.

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Se, por um lado, a Lei nova veio dissipar discussões, na medida em que

tornou mais claro em seu texto que as APPs também devem ser respeitadas na

cidade; doutro lado, tem gerado críticas e apontamentos de insegurança pela

doutrina, o que poderá acarretar muita conflituosidade. Dentre as poucas certezas

que se tem no atual estágio legislativo destacam-se: que a discussão não está

pacificada; que a lei nova reduziu a proteção das APPs, em nome do

desenvolvimento agropecuário; e que a nova Lei restou concluída com algumas

incoerências e distorções, o que foi apontado em ação direta de

inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal em janeiro de 2013.

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1. Áreas de Preservação Permanente

Neste capítulo inaugural, tem-se a apresentação das principais

características da área de preservação permanente (APP), sua evolução histórica, e

algumas das principais discussões presentes na doutrina a respeito do instituto, com

o objetivo de que o desenvolvimento do tema perpasse por seus pontos principais,

sem, contudo, ter a pretensão de exaurir o assunto.

1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente

Inicialmente, com o objetivo de caracterizar a área de preservação

permanente, observa-se que, embora a Área de Preservação Permanente esteja

legalmente prevista no Código Florestal, não se confunde com floresta, nem se

resume a um conjunto de árvores. Seu conceito vai além. Para tanto, a doutrina

ambientalista1 costuma apresentar a distinção entre flora, floresta e APP, conforme

segue. Em geral, afirma-se que flora é um conceito genérico, do qual floresta é uma

espécie, o que pode ser exemplificado por José Afonso da Silva, que defende que

flora é coletivo que se refere ao conjunto das espécies vegetais do país ou de

determinada localidade, e que floresta é um tipo de flora2. Comprova sua posição

por meio do texto constitucional. Ao final, o autor destaca que “o conceito [de

1 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 737-

739; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 236-244; SILVA,

José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168;

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.

157; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 503-510;

DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez

de Oliveira, 2003, pp. 96-104; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo:

Saraiva, 2009, pp. 423-424 e 437-438. 2 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168.

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floresta] não compreende as áreas verdes urbanas, que ficam sob o regime dos

Planos Diretores e de leis municipais de uso do solo, respeitados os princípios e

limites a que se refere o art. 2º, parágrafo único, do Código Florestal.” Ele se refere

ao Código Florestal de 19653.

Osny Duarte Pereira nos informa que floresta “não se confunde com outras

vegetações, como os gramados das pastagens, impondo-se a diferenciação, porque,

em diferentes passos da lei, existem disposições diretamente dirigidas às florestas,

no seu caráter de mata e bosques”4.

Em alguns autores5, encontra-se remissão ao Anexo I da Portaria 486-P, de

28.10.1986, do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o

qual conceituava floresta como “a formação arbórea densa, de alto porte, que

recobre área de terra mais ou menos extensa”. Ocorre, contudo, que referida

Portaria 486-P foi revogada pela Portaria 39-P, de 04.02.886, também expedida pelo

IBDF. Por sua vez, tal Instituto foi extinto pela Lei nº 7.732, de 14.02.89, e

3 “A Constituição distingue entre flora e floresta. Menciona-as em um único dispositivo apenas uma

vez, quando prevê a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para

preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, VII). Quando trata da legislação concorrente entre

União e Estados apenas menciona as florestas, não fala na flora. Já, no art. 225, § 1º, VII, incumbe ao

Poder Público proteger a fauna e a flora, não se refere destacadamente à floresta. Note-se, por

importante à compreensão conceitual, que ‘flora’ é termo sempre empregado no singular, enquanto

a palavra ‘floresta’ está sempre no plural. Vem daí a ideia de que flora é um coletivo que se refere ao

conjunto das espécies vegetais do país ou de determinada localidade. A flora brasileira compõe-se,

assim, de todas as formas de vegetação úteis à terra que revestem, o que inclui as florestas,

cerrados, caatingas, brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem os nossos campos naturais.

Floresta é um tipo de flora. Já foi conceituada como toda a vegetação alta e densa cobrindo uma área

de grande extensão. Mas esse conceito não satisfaz, porque o fato de cobrir área de grande extensão

não é característica essencial da floresta.” (Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2011, pp. 167-168). Neste mesmo sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação

de preservação permanente e meio ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo:

Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77, abr. / 1996, p. 79. 4 Direito Florestal Brasileiro. p. 180, apud SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 168. 5 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,

p. 157. 6 Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Portaria nº 39-P, de 04 de fevereiro de 1988.

Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBDF/PT0039-040288.PDF>.

Acesso em 03 set. 2012, 16h 47min.

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substituído pela também já extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),

que era vinculada ao Ministério do Interior. Desta forma, considera-se que não é

possível utilizar tal conceito para fins de pesquisa acadêmica, porque o regulamento

foi revogado, muito embora o conceito seja bastante proveitoso.

A Classificação Vegetal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) procura definir o termo floresta em seu item 3.2.18, devendo ser destacado

que sua conceituação é bastante divergente, conforme o próprio texto afirma,

confira:

termo semelhante à mata no sentido popular, tem conceituação bastante divergente, mas firmada cientificamente como sendo um conjunto de sinúsias dominado por fanerófitos de alto porte, com quatro estratos bem definidos. Porém, além destes parâmetros, acrescenta-se o sentido de altura para diferenciá-la das outras formações lenhosas campestres. Assim, então, uma formação florestal apresenta dominância de duas subformas de vida de fanerófitos: macrofanerófitos, com alturas variando entre 30 e 50 m, e mesofanerófitos, cujo porte situa-se entre 20 e 30 m de altura.7

Pode-se ver que a conceituação utiliza a característica de altura da

vegetação para definir e diferenciar o termo de outras formações lenhosas

campestres (o que coincide com parte da definição da Portaria 486-P do IBDF).

Além disto, são características da floresta: o conjunto de plantas de estruturas

semelhantes, com homogeneidade ecossistêmica (“sinúsias”), e plantas lenhosas

(“fanerófitos”)8.

Como se vê, a definição mais técnica de floresta confirma a diferenciação

que a doutrina jurídica faz em relação à flora (floresta é espécie de flora), e também

abarca parcialmente o conceito antes utilizado pela norma infralegal (formação

arbórea de alto porte), ainda que acrescente outros aspectos não considerados pelo

ordenamento jurídico (conjunto de plantas com estruturas semelhantes, com

homogeneidade ecossistêmica, dominado por plantas lenhosas). Outrossim, a

extensão da área de cobertura da floresta (“área de terra mais ou menos extensa”)

7 VELOSO, Henrique Pimenta; et al. Classificação da vegetação brasileira..., Rio de Janeiro: IBGE,

1991, p. 45, itálicos nossos. 8 Idem, ibdem, pp. 41-45.

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não encontra guarida na Classificação da Vegetação Brasileira do IBGE (ainda que

fizesse parte da Portaria do IBDF).

O mais importante é que a floresta é apenas um aspecto da área de

preservação permanente, pois esta última é integrada também por seus aspectos

ecossistêmicos. A este respeito, verifica-se que, conforme ressalta o Professor Paulo

Affonso Leme Machado, a área de preservação permanente pode ou não estar

coberta por vegetação. Quer-se dizer com isto que o fato de a área estar desmatada

não retira sua proteção legal especial. Assim, se está desflorestada, deve ser

recoberta de vegetação, por sua relevância para outros recursos ambientais: solo,

água, biodiversidade, fluxo gênico da fauna e flora, paisagem, entre outros. Nas

palavras do ilustre professor:

a ideia de permanência não está vinculada só à floresta, mas também ao solo, no qual ela está ou deve estar inserida, e à fauna (micro ou macro). [...] a vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras9.

Neste sentido, é importante destacar que são diversos os bens ambientais

que integram a área de preservação permanente e que, portanto, estão protegidos

sob o manto da lei: não só a flora, ou florestas, mas também o solo, as águas, o ar,

a paisagem, o fluxo gênico, a biodiversidade (embora estes dois últimos não estejam

enquadrados na definição de bem ambiental), etc10. Tais benefícios, que

fundamentam a proteção legal especial, são também denominados de função

ambiental ou função ecológica da APP, que merece tópico especial, conforme

segue.

1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente

A função ambiental (ou função ecológica11) das áreas de preservação

9 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 10 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691; METZGER, Jean

Paul. Entrevista concedida à Rádio CBN, em 24.abr.2012 (arquivo de áudio). 11 Preferimos utilizar a expressão “função ambiental” pelo simples fato de que é a expressão eleita

pela lei.

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permanente é apontada como a justificativa para que a lei tutele especialmente

estas áreas, ou, em outras palavras, é a ratio legis para elevar tais áreas a um plano

especial de proteção pelo ordenamento jurídico. No Código Florestal de 1965, já

estava expressa no texto normativo e, no Código de 2012, foi assim reproduzida:

Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] II – Área de Preservação Permanente: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. (destaque nosso)

A doutrina12 também sempre valorizou o fundamento da proteção da APP:

A vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras das águas do solo, da biodiversidade (aí compreendido o fluxo gênico da fauna e da flora), da paisagem e do bem-estar humano. A área de preservação permanente – APP não é um favor da lei, é um ato de inteligência social, e é de fácil adaptação às condições ambientais.13

A função ambiental das APPs está diretamente relacionada com a função

social da propriedade14, na medida em que, se a função social da propriedade traz à

propriedade imobiliária a necessidade de ser utilizada (usufruída) com ética perante

a comunidade em que está inserida, a função ambiental é a faceta ambiental desta

utilização ética: o imóvel atenderá à sua função ambiental sempre que condições

mínimas ecossistêmicas forem mantidas (manutenção do solo com o fim de evitar

erosão, por exemplo), com o fim de manutenção não só do imóvel em si, mas dos

recursos ambientais em geral (flora, fauna, ar, solo, recursos hídricos, ciclos

climáticos, fluxo gênico, ecossistema etc.), visando, ao fim, o equilíbrio ecológico

para as presentes e futuras gerações. Vale dizer, é o interesse público (difuso) que

12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.

736-737; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 240-241;

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010, pp. 212-213; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2006, pp. 483 et seq.; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora..., São Paulo: Juarez de Oliveira,

2003, pp. 17-18; MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, Escassez e

Riscos. In: Revista de Direito Ambiental. vol. 35, Jul./ 2004, pp. 190 et seq. 13 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 14 O conceito de função social da propriedade está desenvolvido no capítulo 3.

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se sobrepõe ao interesse egoístico do proprietário do imóvel. Assim, consta também

no Código Civil:

Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (destaque nosso)

A melhor contribuição sobre este tema foi dada, sem dúvida, pelo trabalho

elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e

Academia Brasileira de Ciências (ABC)15, em 2011, para auxiliar nos debates

ocorridos ao longo do processo de elaboração do Novo Código Florestal, atual Lei nº

12.651/12. Sua contribuição é da mais alta qualidade, não só porque reúne o

parecer de cientistas extremamente gabaritados, mas também porque foi concebido

de forma direcionada para a elaboração da lei florestal, visando auxiliar o legislador

no desenvolvimento de institutos das áreas de preservação permanente e da

reserva legal, de acordo com o atual conhecimento científico de ponta. Assim, foram

consideradas, na análise, a necessidade e a possibilidade de expansão da produção

agrícola, a importância da manutenção das APPs nas áreas rurais e urbanas e a

relevância da conservação da biodiversidade brasileira.

No que tange ao tema proposto – função ambiental das APPs –, o texto

inicia sua abordagem através da premissa de que as áreas de preservação

permanente são necessárias, não só à manutenção de outros recursos naturais,

mas também tem relevância econômica para a produção agrícola, isto é, parte da

preponderância do desenvolvimento econômico. Os benefícios são inúmeros e

insubstituíveis, especialmente quando levado em conta o ecossistema global nesta

avaliação.

Vale lembrar que a APP não é caracterizada pela floresta originária, como

pode parecer numa primeira leitura. O que qualifica uma área como de preservação

permanente é sua função de auxílio na conservação de diversos recursos

15 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o

Diálogo. São Paulo: SBPC e ABC, 2011, pp. 12 e 13.

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ambientais, seja por sua localização (topo de morro, margem de rio, por exemplo),

por suas características topográficas (encostas íngremes, verba gratia) ou

ecossistêmicas (manguezais), entre outras. Assim, são diversos os fatores que

devem ser levados em conta ao definir um determinado ecossistema como área de

preservação permanente. É justamente esta qualificação de sua função que se

denomina função ambiental ou função ecológica.

Diante disto, extrai-se que uma de suas principais funções é a manutenção e

a perpetuação da diversidade de um dado ecossistema (considerando a dinâmica

envolvida), com todos os seus elementos: fauna, vegetação e elementos abióticos

(água, ar e solo), assim como a interação entre estes elementos. Isto porque é esta

interação que caracteriza um ecossistema primordialmente, de modo que a ausência

de um dos elementos altera sobremaneira o equilíbrio do meio (homeostase),

afetando, por conseguinte, todos os demais elementos em interação, como num

sistema autorregulador, extremamente complexo16.

Assim, no que diz respeito à fauna (tanto a terrestre, como a aquática e a

semiaquática), sua proteção é relevante na medida em que a APP serve aos

animais como ambiente de transporte, alimentação, reprodução e abrigo; assim

como serve também na manutenção das espécies e no controle de pragas e

contenção de doenças (serviços ambientais).

A erosão e o assoreamento de rios podem ser evitados, na medida em que a

vegetação tem a função de amortecimento para a água das chuvas tropicais

torrenciais e as raízes fixam o solo, evitando, destarte, dispersão de suas partículas

pelas enxurradas. A vegetação adensada, em conjunto com o sistema radicular e

serrapilheira também auxiliam na retenção das águas das chuvas, regularizam a

vazão dos rios e o regime hidrológico e reduzem o escoamento superficial. O

impacto financeiro da erosão foi estimado num prejuízo anual de R$ 9,3 bilhões ao

16 Sobre ecossistema como sistema autorregulador e homeostase, cf. LOVELOCK,James. Gaia: cura

para um planeta doente. Trad. Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval Eichemberg. São Paulo:

Editora Cultrix, 2006, pp. 57-72.

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país, em 200217. A título de ilustração, cita-se passagem do relatório comentado:

A importância da manutenção da APP ripária para minimizar a perda de solo por erosão superficial e o consequente assoreamento de riachos, ribeirões e rios foi demonstrada experimentalmente por Joly e colaboradores (2000), trabalhando na bacia do rio Jacaré-Pepira, no município de Brotas (SP). O grupo de pesquisadores determinou em campo, a partir do uso de parcelas de erosão, que a perda anual de solo em uma pastagem é da ordem de 0,24 t ha-1, enquanto que no mesmo tipo de solo, com a mesma declividade e distância do rio, a perda anual de solo no interior da mata ciliar foi da ordem de 0,0009 t ha-1 (JOLY ET al., 2000).18

Ainda, quando da existência de diversas APPs próximas, é possível a

formação de corredores ecológicos, que auxiliam as espécies de fauna e flora no

seu fluxo gênico, o que favorece a reprodução e perpetuação de espécies, já que

torna possível a diversificação do cruzamento entre diversas sociedades distintas,

independentemente de fronteiras políticas. A potencialização da conservação da

água, do solo e da biodiversidade também traz reflexos importantes para o

agronegócio, na medida em que acarreta melhoria da qualidade desses recursos

ambientais.

A APP também auxilia na manutenção do controle dos gases de efeito

estufa (GEE), de modo a colaborar com a redução da poluição atmosférica, com o

clima local, regional e global19, através da regulação das temperaturas e umidade do

ar, o que, mais uma vez, carrega aspecto econômico, na medida em que reduz as

possibilidades de estiagem para agricultura, por exemplo. Outros efeitos também

podem ser notados, tais como a contenção de ventos por força das florestas mais

densas, prevenção contra estiagens, inundações e deslizamento de terras, que nos

últimos anos têm feito inúmeras vítimas fatais no Brasil.

Em termos de efeitos indiretos, podem ser citados os gastos com saúde e

emergências decorrentes dos acidentes (inundações, deslizamento de terras e

17 HERNANI, L. C.; et al. A erosão e seu impacto. In: MANZATTO, C. V. et al. (Orgs.). Uso agrícola dos

solos brasileiros. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2002, pp. 47-60 apud SILVA, José Antonio Aleixo da

(Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC, 2011. 18 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). Op. cit., p. 39, destacamos. 19 Ibid., pp. 33 e 34.

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estiagens), que poderiam ser poupados; assim como também eventualmente

poderia ter sido evitada a crise energética de 2001 (popularmente conhecido como

“Apagão”) e outras crises energéticas, a partir da contribuição das APPs com a

regularidade do sistema hidrológico.

Sobre a pressão alimentar (um dos argumentos utilizados para reduzir a

proteção das APPs no novo Código Florestal), o relatório dos cientistas apresenta

cenário bastante otimista para o Brasil, ao informar que:

[...] a área atualmente ocupada com lavouras é relativamente pequena se comparada com a área potencial de que o país dispõe especialmente no Centro-Oeste. [...] A associação dessa expansão [das áreas destinadas ao cultivo de cereais, leguminosas e oleaginosas, nos últimos vinte anos] com ganho de produtividade resultou ainda em aumento de mais de 100% na produção de grãos quando comparada à safra 1996, atingindo cerca de 148 milhões de toneladas em 2010.20

No que tange à atividade de pecuária, os estudos apontam que a taxa de

lotação das pastagens é baixa, (cerca de 1 cabeça/ha, conforme Censo

Agropecuário de 2006). Assim, “um pequeno investimento tecnológico [...] pode

ampliar essa capacidade, liberando terras para outras atividades produtivas, ou

mesmo evitando novos desmatamentos”21.

Visando a diminuição da pressão da agricultura sobre as terras de APP, os

cientistas sugerem a melhoria da produtividade, por exemplo, através da

implantação de irrigação nas culturas, que pode representar incremento significativo

– estudo produzido pela Agência Nacional de Águas, citado no texto, dá conta de

que “no Brasil, cada hectare irrigado equivale a três hectares de sequeiro em

produtividade física e a sete em produtividade econômica”22. Neste aspecto, conclui-

se que a irrigação “está muito abaixo dos padrões mundiais e das oportunidades que

o país oferece, configurando-se em uma alternativa para a intensificação das terras

atualmente em uso pela agropecuária mediante a adoção de sistemas sustentáveis

20 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,

2011, p. 25. 21 Ibid., p. 33. 22 Ibid., p. 29.

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e o uso racional da água”23.

Há, ainda, outros destaques sobre a necessidade de estímulo da

produtividade no setor primário brasileiro. Neste sentido, os autores do relatório

alertam que:

mesmo considerando os ganhos de produtividade ao longo das últimas décadas, o Brasil foi um dos poucos países do mundo a aumentar suas áreas agrícolas, estimadas em cerca de 278 milhões de hectares ou 27,1% de seu território. Segundo Sparovek et al. (2010), desse montante, cerca de 61 milhões de hectares com baixa e média produtividade agrícola poderiam ser usados na produção intensiva de alimentos. Do total geral, pelo menos 83 milhões de hectares estariam em situação de não conformidade com o Código Florestal e deveriam ser recuperados24.

É interessante destacar que o relatório sob comento, apresenta a seguinte

conclusão:

Trata-se de uma clara questão de escolha, que está nas mãos da sociedade: optar pela atividade agropecuária nos moldes tradicionais, incorporando os custos ambientais relatados ou generalizar os exemplos que garantem a rentabilidade e a sustentabilidade agrícola pelo uso pleno do conhecimento tecnológico, pelo planejamento do uso da terra, de manejo do solo e da água e pela degeneração mínima do sistema planta-solo-clima. Assim é possível promover uma atividade agrícola em harmonia com a natureza, através do uso de preceitos biológicos e agronômicos adaptados à nossa realidade edafoambiental.25

Sobre a relevância econômica das APPs, tem-se que um estudo coordenado

por Taylor Ricketts, pesquisador da Universidade de Stanford e do WWF, citado por

Guilherme José Purvin de Figueiredo26, dá conta de que:

a presença de florestas tropicais na vizinhança de áreas agrícolas pode ser lucrativa, além de ecologicamente correta. Para uma fazenda de café na Costa Rica, o benefício foi estimado em cerca de US$60 mil, por conta do aumento da produtividade nos cafezais, provocado pelos insetos que habitam a mata.

Além disto, Purvin complementa que:

23 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,

2011, p. 29. 24 Ibid., p. 33, destacamos. 25 Ibid., p. 42, destacamos. 26 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 212.

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os estudos destinaram-se à medição da produtividade de cafeeiros em uma fazenda de mais de 1.000 hectares no Vale Geral da Costa Rica, tendo sido constatado que as plantas localizadas num raio de um quilômetro de um fragmento de floresta nativa produziam 20% mais grãos.27

Adicionalmente, os reflexos das áreas de preservação permanentes podem

ser sentidos nas cidades, pois, quando ausentes, atentam contra a vida, à saúde e o

bem-estar da população. Grande parte dos acidentes e catástrofes ocorridos nas

cidades brasileiras em época de chuvas – tais como: deslizamento de terras,

desmoronamento de casas e outras construções, inundações, alagamentos,

enchentes etc. – têm como origem a ocupação antrópica em áreas de preservação

permanente, em especial, encostas com grandes declives e margens de rios que

cortam as cidades. A este respeito, a doutrina é pacífica e pode ser bem

exemplificada por este excelente texto de Daniel Fink e Márcio Silva Pereira, que

destacam os enormes prejuízos à população:

a não conservação das áreas de preservação permanente traz reflexos não só ao meio ambiente, mas à segurança e à saúde pública. [...] Ademais, as faixas marginais de cursos d'água destinam-se a perenizá-los pela importância que os recursos hídricos têm para a vida, especialmente a humana. Ora, se essas faixas marginais são verdadeiramente importantes, o são em quaisquer circunstâncias, seja em zona rural ou urbana. Se assim não for, cabe responder às indagações: por qual razão, em zona urbana, os limites podem ser inferiores aos do Código Florestal? Quais melhores atributos teria a zona urbana para necessitar de uma faixa marginal inferior ao da zona rural e, ainda assim, preservar os cursos d'água que contém? Ao contrário. A impermeabilização do solo em zona urbana, facilitando um escoamento direto das águas pluviais aos cursos d'água, demandam faixas marginais maiores – várzeas –, facilitando o espraiamento das águas desses cursos, evitando-se enchentes e seus consequentes efeitos: transtorno para os habitantes, provocando congestionamentos imensos; perecimento de bens e valores, normalmente de população de baixa renda; e lamentáveis eventos fatais. O mesmo se diga da valiosa função dos cursos d'água e da vegetação que os cerca, para sua purificação. Suprimi-la, demandará, em razão direta, maiores recursos do contribuinte para despoluir e limpar rios e cursos d'água e para com a saúde pública. Acrescente-se, ainda, o importante papel dos cursos d'água e da vegetação marginal em regular o clima das cidades. Ao enterrarmos os rios, canalizando-os e edificando sobre eles caríssimas avenidas, estamos matando pouco a pouco fatores ambientais que contribuem

27 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 212-213.

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decisivamente para a qualidade de vida dos habitantes da cidade.28

A função ambiental e econômica da APP também é ressaltada na obra de

Paulo Affonso Leme Machado:

Não diria que essas florestas deixam de ter finalidade econômica, pois que melhor investimento do que, através dessas florestas, assegurar-se o bem-estar psíquico, moral, espiritual e físico das populações? Além disso, conservando-se os espécimes da fauna em seu habitat, pode-se mensurar e quantificar economicamente a existência das florestas de preservação permanente.29

Como se pode verificar, as áreas de preservação permanente possuem

função ambiental não só no campo, mas também nas cidades. Adicionalmente,

prestam serviços ambientais. Dependendo da região, sua ausência poderá gerar

lesões a diversos bens difusos: na zona rural, verificam-se danos à fauna, ao

sistema hidrológico, ao solo e perda financeira para a produção agrícola; na zona

urbana, lesa o direito à moradia, à saúde, à segurança e à função de circulação da

população, entre outros. Não é por outro motivo que a Constituição Federal

apresenta severa proteção às APPs, assim também o ordenamento

infraconstitucional.

1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente

No direito pátrio, a orientação doutrinária30 é no sentido de que são bens

ambientais as florestas e as áreas de preservação permanente, pois são bens de

natureza difusa, uma vez que o seu titular é o povo.

28 FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio

ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,

abril. / 1996 (grifos nossos). 29 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 749-750. 30 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 198 et seq.;

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p.

159; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2003, pp. 43 et seq.

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Na mesma linha, o Código Florestal31 dispõe que “as florestas existentes no

território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidades às

terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País

[...]”, o que também está em consonância com o que determina a Constituição

Federal que afirma que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é “bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Guilherme José Purvin de

Figueiredo32 faz acertada interpretação de que as expressões “bem de interesse

comum a todos os habitantes do País”, assim como “bem de uso comum do povo”

denotam a titularidade difusa do bem ambiental que são as florestas.

Na mesma toada, é a magistral lição de Antonio Herman V. Benjamin33, que

esclarece que o bem ambiental é identificado ora com o meio ambiente, considerado

como gênero amplo, categoria única e global (ou macrobem), ocasião em que é tido

como bem público de uso comum34, de titularidade difusa35; ora é mencionado para

designar seus componentes (partes ou fragmentos), tais como um rio, o ar, o mar, o

solo, um ecossistema etc., mais concretos e menos genéricos (microbens), os quais

podem ser de propriedade pública (como é o caso de um parque estadual, por

exemplo) ou particular (a mata localizada em propriedade particular, para ilustrar). E

o autor desce a minúcias, salientando que o macrobem ambiental é bem público em

sentido objetivo (e não subjetivo):

Logo, o meio ambiente, como macrobem, é bem público, não porque pertença ao Estado (pode até pertencê-lo), mas porque se apresenta no ordenamento, constitucional e infraconstitucional, como “direito de todos”, como bem destinado a satisfazer as necessidades de todos. É bem público em sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando uma certa “dominialidade coletiva”, desconhecida do Direito tradicional Público, então porque incapaz de apropriação exclusivista, porque destinado à satisfação de todos e porque, por

31 Antes através do art. 1º da Lei nº 4.771/65 e, atualmente, através do art. 2º da Lei nº 12.651/12. 32 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo

Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 42. 33 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (coord.).

Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, passim. 34 Nos termos do art. 99, inciso I, do Código Civil. 35 No mesmo sentido (porém sem utilizar a terminologia de macrobem): MILARÉ, Édis. Direito do

Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 196.

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isso mesmo, de domínio coletivo, o que não quer dizer de domínio estatal.36

O mesmo autor ensina que os microbens (recursos bióticos, abióticos e

ecossistêmicos) quando relacionados com o macrobem (meio ambiente

abstratamente considerado) “ganham, como regra a mesma natureza pública de uso

comum que o caracteriza [o macrobem]”37, e exemplifica:

Assim, um prédio tombado ou uma floresta preservada, vistos pelo ângulo ambiental (como integrantes do conglomerado abstrato que compõe a qualidade ambiental), são bens públicos de uso comum, mesmo que para outros fins (como, p. ex., com vistas à possibilidade de sua exploração ou alienação) sejam regidos pelo regime próprio dos bens privados.38

Ou seja, de acordo com as lições do eminente professor39, quando se está

diante de um microbem ambiental sobre o qual recai regime jurídico de direito

privado (isto é, de propriedade particular), haverá a incidência de “dupla afiliação

simultânea a dois regimes patrimoniais”40, isso porque o interesse público do

macrobem ambiental contamina os elementos que o compõem, “contaminação esta

que ocorre apenas em relação ao valor ou interface ambiental do bem”41. Assim,

mesmo que o microbem seja de propriedade particular, será submetido a regime

especial de interesse público, ao qual fica subordinado42.

Nessa esteira, prossegue Herman Benjamin, o macrobem (o meio ambiente

36 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibdem, p. 66, destaques nossos. Neste mesmo artigo, o autor

destaca, com propriedade científica, que o objeto da função ambiental é o bem ambiental, o que não

pode ser confundido com a finalidade da função ambiental, que é a qualidade ambiental como valor

importante da qualidade de vida (p. 60). 37 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).

Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70. 38 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibid., p. 70. 39 Ibid., passim. 40 Ibid., p. 70. Em outro trecho: “Dizer-se que o meio ambiente é um bem público de uso comum não

implica desconhecer que os elementos que o compõem, quando perquiridos isoladamente, se filiam

a regimes jurídicos múltiplos, ora como – na acepção do Código Civil – bens de propriedade pública,

ora como bens privados de interesse público, ora como meros bens privados.” (p. 77). 41 Ibid., p. 77. 42 No capítulo 2 é retomado o tema da incidência de múltiplos diplomas sobre um mesmo fato

jurídico.

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abstrato), sendo bem público de uso comum – lembre-se: público em sentido

objetivo, de domínio coletivo (e não estatal) –, é insuscetível de apropriação

individual, embora seja passível de utilização, tanto individual, como coletivamente.

“O termo uso comum opõe-se a uso privado”43. E, como tal, se o bem de uso comum

fosse abandonado à própria sorte, continuam as lições do magistrado, “poderia dar

ensejo a imensos conflitos entre os cidadãos, todos igualmente titulares do direito de

dele fazer uso.”44 E conclui, utilizando-se da doutrina de Ruy Cirne Lima: “A fim de

assegurar a normal distribuição, no tempo e no espaço, dos utentes, serve-se a

administração da intervenção reguladora da polícia”45. Assim, pode-se dizer, em

outras palavras, que o Poder Público atua como administrador, ou gestor, dos

microbens ambientais, verbi gratia, quando a Constituição Federal atribui alguns

recursos ambientais à União (art. 20)46.

Assim, é possível concluir que bem ambiental é espécie do bem difuso, e

assim são classificados quando analisados sob a ótica da função ou destinação que

é dada ao bem. Não se trata, portanto, de um tertium genus ao lado de bens

particulares e bens públicos (quando vistos sob o enfoque da titularidade ou

dominialidade)47, mas, doutro modo, trata-se de finalidade de interesse público que

recai sobre o bem (público ou particular), e, em consequência, outro regime jurídico

43 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).

Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 67. 44 Ibid., pp. 67-68. 45 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.

193, apud BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.

(Coord.). Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 68. 46 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A Efetividade da Proteção do Meio Ambiente e a

Participação do Judiciário. In: YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses difusos

e Coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 136. 47 Neste sentido: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 207-208. Registre-se que, em sentido diverso, Celso Antonio

Pacheco Fiorillo entende, fundamentando-se no Código de Defesa do Consumidor (art. 81) que o

bem difuso é um terium genus, de titularidade do povo, nova categoria que difere dos bens públicos

(de titularidade do Estado) e dos particulares. Assim, os bens difusos, segundo Fiorillo, quando

situados em propriedades privadas, devem sofrer limitações por pertencer a todos (Curso de Direito

Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 105-108; 159).

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deve-lhe ser aplicado48. Em outras palavras, bem difuso é classificação distinta, que

não leva em consideração a qualidade do titular do bem, mas sim a funcionalidade

do objeto: o bem difuso tem função pública, e, quando representado pelo bem

ambiental, é considerado bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de

vida, nos exatos dizeres da Constituição Federal (art. 225). Ou seja, ao lado da

classificação de sua dominialidade, é possível acrescentar a classificação com

relação à sua função ambiental, como é feito pelo Código Civil, que, em seu artigo

98, apresenta distinção legal entre bens públicos e particulares (classificação pela

titularidade), e, em seu art. 99, apresenta classificação dos bens públicos de acordo

com sua função ou destinação.

Nesta esteira, é de se admitir que há incidência de duplo regime jurídico

sobre o mesmo imóvel, por força do interesse público que grava o bem particular:

um regime jurídico de direito privado, por se tratar de bem particular, porém limitado

por normas de ordem pública, por estar diante de microbem ambiental, que a todos

interessa. É nestes termos que devem ser tratadas as áreas de preservação

permanente, quando sediadas sobre terras particulares: embora seus microbens

possam ser utilizados conforme as regras do Direito Privado, tal utilização é limitada

pelo interesse público, consubstanciado nas regras dispostas no Código Florestal e

outras leis pertinentes.

1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934

Data do início do século XX, mais precisamente da década de 1930, as

primeiras leis ambientais sistematizadas, quando ocorreu a criação de diversos

diplomas protetivos, tais como Código de Caça e Pesca (Decreto nº 23.672/34),

Código de Águas (Decreto nº 24.643/34), lei de proteção do patrimônio histórico e

artístico (Decreto-lei nº 25/37), assim como o Código Florestal (Decreto nº 48 Neste sentido: BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. Op. cit., p. 79; FIGUEIREDO,

Guilherme José Purvin de. Op. cit., pp. 207-208.

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23.793/34).

Em pesquisa mais remota, Teresa Cristina de Deus49 reconhece a proteção

legal das florestas desde as Ordenações Filipinas, de 1603; contudo, é reconhecido,

por esta mesma autora, que a motivação das Ordenações Filipinas era mais no

sentido de poupar bens de valor econômico para seu proprietário, do que no sentido

de manutenção de bem ambiental. Os relatos de Warren Dean50 sobre a ocupação

da Mata Atlântica deixam claro que, nos primeiros séculos de colonização

portuguesa, a floresta não foi poupada, tendo sido extraída tanta madeira quanto

possível, ocasionando grande devastação florestal, em virtude da busca por ouro.

Nota-se aí a existência do pensamento individualista que vigia nos séculos

anteriores.

Por tais motivos, considera-se mais criterioso dizer que a proteção legal da

época monárquica recaía sobre árvores específicas, por seu valor econômico

(frutíferas, em geral), e não sobre florestas propriamente ditas. Isso porque,

naqueles tempos, a sociedade se voltava somente para valores relacionados à

proteção da propriedade privada, das posses, do senhorio e da monarquia, e não

aos valores ligados aos benefícios coletivos e difusos, os quais apenas vieram à

tona na História Moderna e Pós-Moderna, ou melhor, a partir da década de 1970,

quando os direitos difusos foram concebidos conceitualmente. Não havia, portanto,

ideia de preservação ambiental, ainda que rudimentar. Por este motivo, é que

preferimos manter como origem histórica do instituto sob análise a legislação a partir

de 193451, que, embora não traga o conceito de bem ambiental difuso (porque

inexistente neste período), insere no ordenamento jurídico a proteção legal das

florestas, vistas como conjunto de espécies vegetais de estrutura semelhante, ideia

mais próxima do que há nos dias atuais.

49 Tutela da flora em face do direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,

2003, pp. 93-94. 50 A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira.

São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 63-64; 113-115. 51 No mesmo sentido: SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2011, pp.36-38.

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O Código Florestal de 1934 (promulgado por meio do Decreto nº 23.793/34),

mesmo não concretizando a ideia de ambientalismo – o que veio a florescer apenas

na década de 1970 –, já trazia uma ideia mais publicista, ao tratar as florestas como

“bem de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de

propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código,

estabelecem” (art. 1º). A partir disto, é possível relacionar aquele Código diretamente

com os direitos difusos. Nessa toada, o Decreto nº 23.793/34 classificou as florestas,

dispôs sobre sua exploração intensiva e limitada, e criou a Polícia Florestal, as

“infrações florestais” (e seu processo de apuração), o Fundo Florestal e o Conselho

Florestal. Foi o primeiro diploma que reuniu as normas referentes à flora.

E é neste Código de 1934 que se encontra a primeira menção legislativa às

áreas de preservação permanente, que, à época, eram chamadas de “florestas de

conservação perene”, nos termos do seu art. 8º:

Art. 8º. Consideram-se de conservação perenne, e são inalienaveis, salvo se o adquirente se obrigar, por si, seus herdeiros e successores, a mantel-as sob o regimen legal respectivo, as florestas protectoras e as remanescentes.52

Como se vê, já naquele tempo, mereciam proteção especial as florestas que

prestavam serviços ambientais, tais como conservação do regime das águas,

prevenção da erosão, fixação de dunas, defesa de fronteiras, favorecimento das

condições de saúde pública, proteção de sítios de beleza natural e proteção de

espécies da fauna indígena. Por sua relevância, a lei qualificava tais florestas como

inalienáveis (arts. 4º e 8º do Decreto 23.793/3453). E vale destacar que o

52 Conforme texto disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-

1949/D23793impressao.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012, 16h52min. 53 ”Art. 4º Serão consideradas florestas protectoras as que, por sua localização, servirem conjuncta

ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:

a) conservar o regimen das aguas;

b) evitar a erosão das terras pela acção dos agentes naturaes;

c) fixar dunas;

d) auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessario pelas autoridades militares;

e) assegurar condições de salubridade publica;

f) proteger sitios que por sua belleza mereçam ser conservados;

g) asilar especimens raros de fauna indigena.”

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desmatamento igualmente era considerado crime, de acordo com os arts. 22, b54, e

8655, ambos do mesmo Código, cuja pena era detenção de até noventa dias. Neste

contexto, o Decreto nº 23.793/34 conferiu os primeiros traços do conceito até hoje

utilizado para as áreas de preservação permanente. O Decreto também classificou

as florestas em quatro espécies, a saber:

(a) protetoras – equivalentes às atuais APPs, eram reconhecidas quando,

por sua localização, servissem conjunta ou separadamente para conservar o

regime das águas, evitar erosão, fixar dunas, auxiliar defesa de fronteiras,

assegurar saúde pública, preservar sítio de beleza natural e abrigar espécies

raras da fauna;

(b) remanescentes – sempre que abrigassem parques, contivessem

espécies preciosas que devessem ser preservadas (o que no Código

seguinte seriam as APPs por declaração do Poder Público, como está

adiante explicado);

(c) modelo – as artificiais, constituída por uma ou por limitado número de

54 “Art. 22. É prohibido mesmo aos proprietarios: [...] b) derrubar, nas regiões de vegetação escassa,

para transformar em lenha, ou carvão, mattas ainda existentes ás margens dos cursos dagua, lagos e

estradas de qualquer natureza entregues á serventia publica” 55 “Art. 86. As contravenções previstas nos arts. 9º, § 1º, 21, 22 e § 1º, 23 e paragrapho unico, 24 a

30, 31 a 34, 37, 43 a 45, 49 e paragrapho unico, 51, 54 e paragrapho unico, 55 e 64 deste codigo,

quando não se caracterizarem especialmente algumas figuras delictuosas definidas no art. 83, ou no

art. 87, sujeitas seus autores ás penas seguintes:

1º, pelas da letra c do art. 22 e arts. 21, 43 e 55 - detenção até 30 dias e multa até 200$000;

2º, pelas das letras a, b, d, e, do art. 22 - detenção até 90 dias e multa até 2:000$000;

3º, pela letra f, e § 1º, do art. 22, e arts. 28, 29 e 31 - detenção até 45 dias e multa até 500$000;

4º, pelas das letras g, h, do art. 22 e arts. 23 e 44 - detenção até 60 dias e multa até 10:000$000;

5º, pelas do art. 9º, §§ 1º e 2,º arts. 26; 49 e paragrapho unico e 54, e paragrapho unico - detenção

até 45 dias e multa até 5:000$000;

6º, pelas dos arts. 26, 27, 30, 32 e 45 - detenção até 30 dias e multa até 1:000$000;

7º, pelas dos arts. 25, § 2º, 33, 34 e 51 - detenção até 10 dias e multa até 1:000$000;

8º, pelas do art. 64 - detenção até 10 dias e multa até 5:000$000;

9º, pela recusa de auxilio a que se refere o art. 67, quando se tratar de prestação de serviço -

detenção até 10 dias e multa até 100$000; e quando se tratar de requisição de material - detenção

até 30 dias e multa até 1:000$000.”

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essências florestais, indígenas e exóticas, cuja disseminação fosse

conveniente na região, e

(d) de rendimento – as que não se enquadrassem nas classificações

anteriores.

Adicionalmente, o art. 8º considerava como “de conservação perene” as

florestas protetoras e as remanescentes.

Guilherme José Purvin de Figueiredo nos ensina que o Código de 1934:

assentava-se em bases claramente voltadas ao princípio da função social da propriedade [...]. Se era certo que o proprietário das terras continuava a ter o livre uso, gozo e disposição das florestas que nelas existissem, por outro lado, considerando que tais florestas constituíam bem que não era de seu interesse exclusivo, mas de toda a coletividade, o exercício do direito de propriedade ficava condicionado ao respeito às leis em geral e, especialmente, àquele Código.56

E, citando Osny Duarte Pereira, leciona que tal Código representou “o maior

passo que se deu no Brasil, em favor da proteção de suas matas”57. É correto dizer

que o enfoque dado pela Lei era mais no sentido de defesa de bens nacionais, como

ocorria normalmente naquela época, do que dos interesses difusos propriamente

ditos. Isto porque não havia, ainda, a consciência acerca dos direitos e interesses

coletivos lato sensu.

E, naquele Código, havia previsão de APP em área urbana: o Código proibia

ao proprietário “devastar a vegetação das encostas de morros que sirvam de

moldura e sítios e paisagens pitorescas dos centros urbanos e seus arredores ou as

matas, mesmo em formação, plantadas por conta da Administração Pública” (art. 22,

alínea ‘h’). Os arts. 23 e 3358 corroboram este entendimento, ao mencionar

56 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p. 211. 57 Direito Florestal Brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1950, p. 155, apud FIGUEIREDO, Guilherme José

Purvin de. Op. cit., p. 211. 58 “Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas

partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52. § 1º O dispositivo do artigo não

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expressamente sua ocorrência em “zonas urbanas”.

Destas citações é possível concluir que, desde sua primeira concepção, as

áreas de preservação permanente eram pensadas não só na área rural, mas

também na área urbana, onde apenas poderiam ser devastadas mediante critérios

impostos pela lei e pelo Poder Público.

1.5. Código Florestal de 1965

O Decreto nº 23.793/34 foi revogado pela Lei nº 4.771/65, também

denominado Código Florestal59, que aprimorou as disposições referentes ao tema,

cunhando o nome de “área de preservação permanente”, como ficou conhecido, e

deu os principais contornos ao instituto tal como hoje é estudado.

Em seu art. 1º, a Lei nº 4.771/65 delimitava seu objeto:

Art. 1º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

Segundo Guilherme José Purvin de Figueiredo60, a expressão “reconhecidas

de utilidade às terras que revestem” demonstra o caráter preponderantemente

se aplica, a juízo das autoridades florestais competentes, às pequenas propriedades isoladas que

estejam próximas de florestas ou situadas em zona urbana.” e “Art. 33. O corte de árvores de

considerável ancianidade, raridade, ou beleza de porte, em prédio de zona urbana, dependerá

sempre do requerimento à autoridade florestal da localidade, com a justificativa dos motivos que a

determinam, considerando-se deferido se a mesma autoridade não despachar, em outros termos, o

requerimento, dentro de 15 dias, após sua apresentação.” 59 O Código Florestal de 1965 ainda estava vigente durante a maior parte da presente pesquisa,

porém, em 25 de maio de 2012, foi publicado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), revogando

expressamente a Lei de 1965. 60 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, pp. 212 et seq.

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agrário e utilitarista do Código; ao passo que Paulo Affonso Leme Machado61 vê na

expressão “bens de interesse comum a todos os habitantes do País” uma

antecipação à noção de interesse difuso, e aponta que o Código de 1965 foi

precursor em relação à Constituição Federal, que conceitua meio ambiente como

“bem de uso comum do povo”. Este último autor também reverencia o § 1º do art. 1º

do Código Florestal de 1965 (conforme redação dada pela Medida Provisória nº

2.166-67/2001), que considerava como uso nocivo da propriedade qualquer ação ou

omissão contrária às suas disposições na utilização e exploração das florestas e

demais formas de vegetação62. Este artigo foi reproduzido, com pequenas

modificações, pela Lei nº 12.651/12 (art. 2º, § 1º63).

O Código Florestal de 1965 criou duas espécies de APP: (a) a do art. 2º, que

assim era considerada por seus atributos naturais e (b) a do art. 3º, que eram áreas

classificadas por ato do Poder Público como APP. Em comparação com o rol contido

na Lei de 1934, é visível a evolução dos institutos.

As APPs do art. 2º são assim consideradas por suas características

naturais64: (1) para proteção das águas (elencadas na lei nas alíneas a, b e c), isto é,

são as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo de rios e

cursos d’água, ao redor de lagos, lagoas e reservatórios d’água naturais ou

artificiais, e nas nascentes e olhos d’água; (2) também aqui são incluídas as

florestas e demais formas de vegetação que protegem o solo de erosão,

deslizamento etc. (alíneas d, e, f, g e h), sempre que estivessem localizadas nos

topos de morro, montes, montanhas e serras; nas encostas com mais de 45° de

declive, restingas, fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, bordas de

tabuleiros ou chapadas, e as terras que se localizassem em altitude superior a 1800

61 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 736. 62 Ibid., p. 736. 63 “§ 1º. Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições

desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário

previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil,

sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1o do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto

de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais.” 64 Ainda é possível manter esta classificação para as áreas de preservação permanente do atual art.

4º do atual Código Florestal (Lei nº 12.651/12).

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(mil e oitocentos metros).

No art. 3º, constava previsão das APPs por ato do Poder Público, que assim

eram declaradas com o fim de atenuar erosão, fixar dunas, formar faixas de

proteção ao longo de rodovias e ferrovias, auxiliar a defesa do território nacional,

proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico, asilar

exemplares de fauna e flora ameaçados de extinção, manter o ambiente necessário

à vida das populações silvícolas, e assegurar as condições de bem-estar público.

Este tipo de APP perdeu parte de sua relevância após a criação do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação pela Lei nº 9.985/00, uma vez que tal

Sistema oferece instrumentos mais atuais e mais aptos a preservar florestas por ato

do Poder Público. Trata-se de sistema mais complexo e completo, que praticamente

tornou menos relevante esta espécie de APP. Contudo, ainda assim esta espécie

subsistiu à reforma legislativa, como pode ser visto adiante.

Destaque para a APP ripária ou ciliar, aquela que margeia rios e cursos

d’água (art. 2º, alínea a), que provoca inúmeras discussões no âmbito do Poder

Legislativo federal. O que se nota é que esta Lei não fomentava muitas polêmicas

durante suas primeiras décadas de existência, pois era norma que, inicialmente, não

era respeitada, nem exigida, nem pelo Poder Público, nem pelos administrados65.

Somente na década de 1980 é que se iniciou movimento para sua implantação, por

exemplo, a partir de regulamentação do Conselho Nacional do Meio Ambiente

(CONAMA), que editou resolução dispondo expressamente sobre a definição de

topo de morro66.

Um fator que certamente impulsionou a exigência do Código Florestal de 65

foi o advento da Política Nacional do Meio Ambiente, com a promulgação da Lei nº

6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente

(SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), possibilitando a

65 Essa “tolerância” foi destacada pelo Professor Fernando Cavalcanti Walcacer, que ressaltou que

durante seus primeiros 20 anos, a Lei passou praticamente despercebida. (In: Debates sobre o

Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo). 66 Resolução nº 04, de 18 de setembro de 1985.

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fiscalização contra o desmatamento. Além disto, referida Política materializou a

responsabilidade objetiva para aqueles que causem danos ao meio ambiente (art.

14, parágrafo 1º). Gradualmente, a Lei nº 4.771/65 ganhava espaço e se

concretizava.

Reformas Legislativas do Código Florestal de 1965

A paulatina exigência (fiscalização) das disposições do Código Florestal de

1965 e da manutenção e recuperação das APPs trouxe o simultâneo

descontentamento com a legislação florestal para diversos segmentos da sociedade,

dando início a polêmicas teses jurídicas sobre a referida lei. Dentre tantas teses

contrárias à proteção das áreas ecossistêmicas sensíveis, a discussão sobre a

existência ou não de APPs em zona urbana sempre esteve dentre os temas

polêmicos. E as matas que margeiam os corpos d’água é fonte de destaque,

especialmente porque sua disciplina legal passou por diversas reformas legislativas,

que demonstram quão sensível é também a discussão67. Assim, segue breve relato

sobre as inúmeras reformas legislativas sofridas pelo texto de 1965.

As APPs ripárias (situadas ao longo de rios e cursos d’água), de acordo com

o texto original da Lei nº 4.771/65, deveriam ter largura mínima de cinco metros

(para os rios de até 10 metros de largura). Havia três limites mínimos, que

obedeciam a seguinte escala / gradação:

Largura do curso

d’água

Largura da APP ciliar

até 10 metros 5 metros

entre 10 e 200 metros metade da largura do curso d’água

maior que 200 metros 100 metros

67 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691.

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Posteriormente, a Lei nº 7.511/86 alterou a redação deste dispositivo legal

(art. 2º, alínea ‘a’), aumentando, substancialmente, a metragem mínima da largura

da APP de cinco, para trinta metros, e ainda acrescentou outras faixas mais

protetivas:

Largura do curso

d’água

Largura da APP ciliar

até 10 metros 30 metros

entre 10 e 50 metros 50 metros

entre 50 e 100 metros 100 metros

entre 100 e 200 metros 150 metros

mais de 200 metros igual à distância entre as margens

Paulo Affonso Leme Machado68, lastreado em Nota Técnica da Agência

Nacional de Águas (ANA)69, ensina que a fixação no patamar mínimo de trinta

metros não foi arbitrária, mas sim partiu de estudos realizados a partir da década de

1980, em diferentes países, quando foi detectado que as larguras adequadas

(mínima e máxima) variam de acordo com cada função ecológica da mata ripária

(por exemplo, estabilização de taludes, sombreamento, proteção da qualidade da

água etc.). Assim, foi verificado que não há apenas uma faixa ideal para todas as

funções ambientais. Nesse sentido, a vegetação mínima de 30 (trinta) metros

atende, em níveis médios (não de modo absoluto), as funções analisadas nos

estudos, de modo que reduz substancialmente os impactos negativos sobre os

recursos hídricos70, podendo ser considerado este um avanço na legislação.

68 Comentários ao art. 4º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código

Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 146. 69 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:

<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.

Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min. 70 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:

<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.

Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min.

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Registre-se que, em 1988, com a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil, as áreas especialmente protegidas ganharam tratamento

especial pelo § 1º, inciso III, do art. 225, que incumbiu o Poder Público de definir

espaços especialmente protegidos, e determinou que sua “alteração e supressão

[seriam] permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que

comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Com isso,

parte majoritária da doutrina71 passou a defender que as áreas de preservação

permanente do Código Florestal deveriam ser incluídas no conceito constitucional de

“espaços territoriais especialmente protegidos”, de modo que, a cada alteração e

supressão, deveria ser discutida perante o Poder Legislativo federal. Esta discussão

doutrinária está descrita mais à frente, valendo apenas a citação neste ponto, a título

de registro de mais uma modificação no regime jurídico das APPs.

Poucos anos depois, a Lei nº 7.803/89 trouxe nova disciplina ao art. 2º do

Código Florestal, reduzindo a largura das APPs de rios e cursos d’água que

tivessem mais de cem metros de largura, mantendo, contudo, a largura das APPs

dos rios e cursos d’água menores (com menos de cem metros de largura):

Largura do curso

d’água

Largura da APP

ciliar

até 10 metros 30 metros

entre 10 e 50 metros 50 metros

entre 50 e 200 metros 100 metros

entre 200 e 600 metros 200 metros

mais de 600 metros 500 metros

Com esta normatização, todos os rios com mais de 100 metros de largura

71 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiro,

2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São

Paulo, 2010, pp. 230-231; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.

São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito

Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Em sentido contrário: MILARÉ, Édis.

Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 696; SIRVINSKAS, Luís

Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 444.

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tiveram suas APPs ripárias reduzidas. Além disto, a Lei nº 7.803/89 também instituiu

que a medição da mata ciliar deveria, então, ser feita a partir do nível mais alto do rio

ou curso d’água, o que, por vezes, representava diferença considerável no momento

da medição e delimitação da APP, favorecendo sua proteção. Esta mesma Lei de

1989 também acrescentou texto visando aplicação das áreas de proteção

permanente em zonas urbanas, tema que está exposto com mais detalhes à frente,

em capítulo próprio. Em conclusão: a partir de 1989, embora as APPs ripárias para

rios com mais de cem metros de largura tivessem reduzidas suas metragem, a

introdução de critério objetivo para o início da medição trouxe vantagens à sua

proteção. Esta discussão a respeito do ponto inicial da medição da APP foi retomada

quando da votação do novo Código Florestal, como está relatado no item próprio à

frente.

Nova reforma se deu em novembro de 1998, com a edição da Medida

Provisória nº 1.605-30 (reeditada inúmeras vezes, até que, alguns anos depois,

ficaria conhecida sob nº 2.166-67, quando foi “congelada” pelo art. 2º da Emenda

Constitucional nº 32/200172-73).

72 “Art. 2º. As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda

continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação

definitiva do Congresso Nacional.” (A Emenda Constitucional nº 32/01 foi publicada no dia 12 de

setembro de 2001.) 73 Guilherme José Purvin de Figueiredo se pronunciou no sentido de que a Medida Provisória nº

2.166-97/01 foi utilizada como moeda de troca política para aumentar menos o salário-mínimo

naquele ano. (In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado

de São Paulo.) Também foi nesta época que se iniciaram as mobilizações sociais em torno do tema.

Mais detalhes sobre a movimentação política que envolveu a reforma do Código Florestal, ver:

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º do novo Código Florestal, in: MILARÉ,

Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2012, pp. 30-31. A discussão que havia entre os constitucionalistas era no sentido de que,

no lugar de medida provisória, deveria ser lei ordinária, uma vez que ausente a urgência

caracterizadora da medida provisória. A base ruralista do Congresso Nacional não ficou satisfeita com

a Medida Provisória nº 2.166 por não autorizar a sobreposição de APP com as áreas destinadas à

reserva legal. Ainda na mesma época, Aldo Rebelo começa a criticar publicamente a legislação

ambiental, publicando o discurso de pequenos proprietários rurais (contrários aos organismos

geneticamente modificados). Por conta disto, fortaleceu-se o vínculo entre a imagem dos

ambientalistas e dos reacionários contrários ao desenvolvimento das células tronco. Além disso,

iniciou-se uma associação entre os interesses nacionais e organizações não-governamentais

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Esta reforma legislativa conferiu ao Código Florestal de 1965 seus principais

contornos durante os últimos dez anos de vigência, inclusive no que diz respeito ao

regime de alteração e supressão das APPs, o que, a partir de então, estava

permitido sempre que fosse o caso de utilidade pública ou interesse social. Em

razão de sua relevância, dedicamos item especial mais à frente para as reformas

empreendidas pela referida Medida Provisória, no que tange à alteração e

supressão dessas áreas sensíveis.

1.6. Código Florestal de 2012

Em 11 de maio de 2012, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) foi

aprovado pelo Congresso Nacional e enviado para sanção e veto presidencial,

revogando expressamente a Lei nº 4.771/65. De início, é de se destacar a

peculiaridade que envolveu a Lei nesta fase: houve legítimo movimento social,

através da divulgação de mensagens em redes sociais e manifestações livres da

população, pugnando pelo veto do Poder Executivo74. Quando da sanção pela

estrangeiras, quebrando, por conseguinte, a relação entre agronegócio e tradicionalistas e

conservadores. Quando proferida a palestra, era a referida Medida Provisória que dava os principais

contornos para a lei até então em vigor (Lei nº 4.771/65), em especial por força de sucessivas

prorrogações dos prazos. 74 Em junho de 2011, o Instituto Datafolha, havia feito pesquisa de opinião encomendada pelas

organizações Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, IMAFLORA, IMAZON, Instituto Socioambiental,

SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil, que revelou que 85% (oitenta e cinco por cento) dos entrevistados

preferem “dar prioridade para a proteção das florestas e rios, mesmo que isso limite a produção

agropecuária”. Um exemplo bastante representativo deste movimento social foi o pedido feito pela

atriz Camila Pitanga, em cerimônia oficial em que cinco universidades públicas fluminenses

concederam o título de Doutor honoris causa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida no

dia 04 de maio de 2012. A atriz foi mestre de cerimônia do evento e, ao anunciar a Presidente da

República em meio a conclamações, pediu licença para quebrar o protocolo do evento e rogou:

“Veta, Dilma!” (a frase que circulou nas redes sociais da internet, que identificou o movimento

social). (CAMILA Pitanga pede “Veta, Dilma!” em cerimônia oficial. UOL Notícia. São Paulo: TV UOL,

04 mai. 2012. Disponível em: <http://tvuol.tv/bfc6w2>. Acesso em: 29 set. 2012.) Cf. Movimento

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Presidência da República, não houve veto integral como pugnava a sociedade civil,

mas foram numerosos os vetos (19 ao todo), de modo que, para supri-los, o Poder

Executivo lançou mão da edição da Medida Provisória (MP) nº 571/12, a qual

regulava os pontos vetados do Código novo (que restariam omissos, se não fosse a

MP).

Não obstante inúmeras polêmicas e desencontros entre o Poder Executivo e

a Câmara dos Deputados75, a referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº

12.727/12, que deu a disciplina definitiva do atual Código Florestal, sem que

restasse satisfeito qualquer dos interessados: ambientalistas, ruralistas,

empreendedores, Poder Público ou mesmo a sociedade civil. Importa destacar que o

texto da MP nº 571/12 sofreu alterações em sua redação durante o trâmite no âmbito

do Poder Legislativo, e ainda houve novos vetos presidenciais.

O texto definitivo merece louvor em alguns pontos e críticas em outros

tantos. Inicialmente, destaca-se sua principiologia: no art. 1º-A, parágrafo único,

ficou consagrado como objetivo da Lei o desenvolvimento sustentável, ou seja, o

modelo de desenvolvimento econômico eleito pela Constituição Federal (art. 170),

"Veta, Dilma!", sobre o Código Florestal, vira fenômeno nas redes sociais. UOL, São Paulo, 04 mai.

2012. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/05/04

/movimento-veta-dilma-sobre-o-codigo-florestal-ganha-as-redes-sociais.htm>. Acesso em: 29 set.

2012. O Professor da PUC-RJ Fernando Cavalcanti Walcacer (em debates sobre o Código Florestal na

PGE, em 11.05.12) alertou para o fato de que o Congresso Nacional vem atuando em flagrante

violação aos interesses da população, como é o exemplo claro da divergência entre a lei aprovada e a

manifestação da população sobre o novo Código Florestal. Segundo o Professor carioca, a tendência

é que os congressistas continuem atuando desta forma ilegítima, “privilegiando o latifúndio e a

manutenção da miséria”; e cita como exemplo que, em 2011, foi aprovado um decreto sobre

cavernas, que seria fruto de lobby dos setores imobiliário e minerário. Neste sentido, Walcacer

propõe repensar a Constituição, mesmo havendo risco de ser uma discussão natimorta, por “afronta

à cláusula pétrea”. 75 MADUEÑO, Denise. Câmara aprova Código Florestal que beneficia grandes donos de terra. O

Estado de São Paulo. São Paulo, 18 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br

/noticias/nacional,camara-aprova-codigo-florestal-que-beneficia-grandes-donos-de-terra,932475,0.

htm>. Acesso em: 19 set. 2012; COSTA, Rosa; DOMINGOS, João. Senado tem recesso suspenso para

votar Código Florestal. O Estado de São Paulo. São Paulo, 19 set. 2012, Planeta. Disponível em:

<http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,senado-tem-recesso-suspenso-para-votar-codigo-

florestal, 932938,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.

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em que a liberdade econômica não pode se sobrepor ao desenvolvimento social e à

proteção do meio ambiente, mas sim devem ser harmonizados estes axiomas. O

desenvolvimento sustentável, em realidade, é princípio, na medida em que se

configura como “mandato de otimização” do sistema normativo76, e, como tal, deve

nortear a interpretação e a aplicação do novo Código Florestal. Vale dizer, é sob a

luz dos ideais do desenvolvimento sustentável que devem ser vistas as regras

dispostas na Lei nº 12.651/12.

Em contrapartida, o mesmo artigo elenca em seis incisos os princípios que a

aplicação da lei deve seguir, muito embora tais incisos não consagrem exatamente

princípios jurídicos do Direito Ambiental, tampouco princípios gerais do Direito (o

texto vetado possuía mais rigor técnico). Afinal, não é o legislador que cria os

princípios de determinado regime jurídico, já que os princípios (na qualidade de

“mandamentos de otimização”77 do ordenamento jurídico, como acima lembrado)

são frutos de “longo processo de aplicação e interpretação das leis, principalmente

pela jurisprudência e pela doutrina”78. Melhor seria se se classificassem os incisos

do art. 1º-A como diretrizes gerais, por exemplo.

Além disso, ressalte-se que, dentre os princípios elencados, seria

recomendável que estivesse expresso o princípio da função social da propriedade.

Guilherme José Purvin de Figueiredo pondera que “levando-se em consideração que

a lei sob comento destina-se a disciplinar os direitos de propriedade das florestas e

de outras formas de vegetação nativa existentes no país, é inconcebível que haja o

legislador olvidado o princípio da função social da propriedade.”79 Como lembra o

autor, trata-se de princípio basilar do direito atual, além de se caracterizar como

direito fundamental da pessoa humana, princípio norteador do direito ambiental, do

76 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado

de Direito Democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, jul. /

set. 1999, pp. 74-75. 77 Ibid., p. 75. 78 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35. 79 Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código

Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35.

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direito econômico e imposição ao proprietário rural80. Ainda que não esteja expresso

na Lei nº 12.651/12, o princípio da função social da propriedade deve também

nortear sua aplicação e interpretação, uma vez que emana diretamente da

Constituição Federal (art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 185, parágrafo

único; e art. 186), devendo irradiar seus efeitos por todo o ordenamento jurídico81.

Já o § 2º do art. 2º da Lei nº 12.651/12 andou bem ao esclarecer que as

obrigações constantes do novo Código Florestal “têm natureza real82 e são

transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de

domínio ou posse do imóvel rural”. Se, por um lado, deve-se indagar porque esta

disposição se refere apenas ao imóvel rural83, por outro lado, deve-se reverenciar a

norma neste ponto, já que este tema é rico em discussões judiciais: uma vez que o

proprietário do imóvel era instado a restaurar a área de preservação permanente

degradada, insurgia-se, com fulcro na regulamentação anterior, alegando inexistir

nexo causal entre sua ação e o desmatamento realizado pelo antigo proprietário.

Inúmeros são os julgados que reafirmaram a obrigação do proprietário,

independente de haver liame entre sua conduta e o dano ao meio ambiente.

Contudo, deve-se lembrar que a jurisprudência nunca foi uníssona. A partir da nova

Lei, o Poder Judiciário possui fundamento legal positivado para unificar a

jurisprudência que vinha se consolidando nos últimos tempos. Guilherme José

Purvin de Figueiredo adiciona, como consequência da natureza real da obrigação, a

imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação:

80 No Capítulo 3 deste trabalho, foi desenvolvido tópico exclusivo à função social da propriedade,

onde são encontrados detalhes a seu respeito. 81 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 35-36. 82 Sinônimo de obrigação propter rem ou obrigação reipersecutória, a obrigação real é gerada pelo

fato de o devedor ser proprietário de um imóvel, ou seja, não se obrigou por sua própria vontade.

Trata-se de uma obrigação híbrida, tertium genus, ao lado dos direitos pessoais e dos direitos reais.

Assim, é transmitida junto com a propriedade do imóvel, independentemente de anuência do credor

ou do adquirente do bem, seja por ato inter vivos ou mesmo causa mortis (DINIZ, Maria Helena.

Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Obrigações – v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011,pp. 27-31.) 83 FRANCO, Ana Claudia La Plata de Mello; GIACOMOLLI, Gabriela Silveira. Comentários ao art. 7º. In:

MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2012, p. 165.

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Não se trata aqui de estabelecer o nexo de causalidade entre ato (omissivo ou comissivo) e dano, isto é, não se trata de fixar a responsabilidade do degradador – matéria tratada no parágrafo anterior deste artigo. Aqui, tem-se em mira a irregularidade, a situação em desacordo com o comando legal, que acompanha o bem imóvel e não é passível de convalidação. Decorre daí a imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação por quem estiver no domínio do bem.84

No que tange às áreas de preservação permanente, o novo Código Florestal

trouxe seu conceito legal no art. 3º, inciso II, que reproduz o texto que já constava na

Lei nº 4.771/65 (art. 1º, § 2º, inciso II, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01),

com destaque a sua função ambiental: “área protegida, coberta ou não por

vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a

paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de

fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. A

regulamentação do instituto é encontrada nos artigos 4º a 6º (caracterização e

disposições gerais), 15 (cômputo com a reserva legal), 7º a 9º (supressão), 41 a 50

(preservação e recuperação) e 61-A a 65 (áreas consolidadas em região rural e

urbana). Verifica-se que o novo Código manteve as duas espécies de áreas de

preservação permanente: (1) aquelas assim consideradas por suas características

naturais (antigo art. 2º) agora estão previstas no atual art. 4º, com poucas alterações

em seus incisos (ver abaixo) e (2) as APPs assim declaradas por ato do Poder

Público (antigo art. 3º) tem previsão legal no art. 6º.

A nova lei tratou de liquidar algumas discussões travadas sob a égide da Lei

nº 4.771/65, como por exemplo: deixou claro no art. 4º a existência de APP em

região urbana, pois assim dispõe o caput: “Considera-se Área de Preservação

Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei [...]” (itálico

nosso). Além do mais, ao longo de todo o texto normativo, podem-se encontrar

diversas referências às áreas de preservação permanente em zonas urbanas, como

se verifica nos arts. 64 e 6585. Outro exemplo de discussão pacificada é colhido no

art. 15, em que ficou expressa a tese que possibilita o cômputo de APP no cálculo

do percentual de Reserva Legal, o que gerava muitos embates judiciais na

84 Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 44. 85 O tema de APP em zona urbana está detalhado no capítulo 2 que segue.

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legislação antiga.

No que tange à caracterização das APPs, seu regime jurídico permaneceu

semelhante ao que vigia sob a Lei de 1965, tendo sido mantida a metragem das

matas ciliares de rios, por exemplo. Poucos pontos foram alterados, sendo que, num

saldo final, foi reduzida a proteção às áreas sensíveis86, destacando-se dois pontos:

(1) foi alterada a forma de cômputo das APPs das faixas marginais de rios, que

agora deve ser feito “desde a borda da calha do leito regular”87 (na legislação

anterior, o cômputo era feito “desde seu nível mais alto”88), (2) e foi completamente

excluída a proteção da área do entorno de nascentes e olhos d’água intermitentes.

O ponto mais polêmico da nova lei reside nos artigos 61-A e 61-B, que

tratam da consolidação de APPs em zona rural desmatadas antes de 22 de julho de

2008, tema que ficou conhecido como “anistia aos desmatadores”89. Isto porque o

novo Código Florestal possibilitou a continuidade das atividades agrossilvipastoris

nas áreas de preservação permanente consolidadas até referida data. Com esta

disposição, a lei criou dois tratamentos distintos para proprietários de áreas rurais,

em afronta direta ao princípio da igualdade: por um lado, para aqueles que sempre

respeitaram a legislação florestal, mantendo intocada a APP de seu imóvel, a lei

determinou que assim seja mantido, ou seja, não pode derrubar a vegetação ou

instituir atividade econômica na área protegida. Doutro lado, para aqueles que já

haviam suprimido a vegetação da área de preservação permanente para fins de

atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural (isto é, para os que

se mantinham ilegais há algum tempo), a lei tornou lícitas tais atividades, restando

apenas a obrigação de recomposição de parte da vegetação originária, de acordo

86 Parte respeitável da doutrina considera que esta redução da proteção do meio ambiente configura

como afronta ao princípio do não retrocesso, ou seja, violação direta à Constituição Federal (SARLET,

Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da (in)constitucionalidade do

projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da garantia da proibição de

retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.com.br/search/label/

Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.) 87 Art. 4º, inciso I, Lei nº 12.651/12 88 Alínea ‘a’ do art. 2º da Lei nº 4.771/65 89 Sobre a consolidação de APP em zona urbana, aprofundaremos a discussão em tópico próprio no

Capítulo 3.

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com o tamanho do imóvel90. Estes tratamentos diferenciados prejudicam os

produtores rurais cumpridores da Lei nº 4.771/65, na medida em que podem utilizar

menos áreas de sua propriedade do que aqueles que mantiveram práticas ilegais há

anos e reduziram a proteção ao meio ambiente, causando, por conseguinte, ofensa

aos princípios da igualdade e do não retrocesso91.

Ademais, vale lembrar que a preponderância do aspecto econômico que

marcou a conduta do legislador não guarda relação com a Constituição Federal, art.

170, inciso VI, haja vista que é determinação constitucional o respeito ao “meio

ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental da

atividade desenvolvida”, ou, como dito alhures, é o princípio do desenvolvimento

sustentável, que determina que não haja prevalência da atividade econômica em

detrimento do meio ambiente, mas que tais valores sejam igualmente respeitados

(aplicados em sua máxima extensão).

Outrossim, quando observado pelo prisma do pragmatismo, a lei, tendo

criado inúmeros critérios (data do desmatamento, tamanho do imóvel, tipo de APP

desmatada etc.) para estabelecer a obrigação de recuperação (se total ou parcial),

dificulta sobremaneira a fiscalização da referida obrigação, dando margem para

diversas discussões judiciais sobre as futuras autuações (leia-se: aumento de

demandas judiciais). É exemplo da dificuldade criada a inexistência de mapas de

satélite de cobertura nacional, na data de 22 de julho de 2008 (data que altera a

90 SENISE, Walter José. Comentários ao art. 61-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme.

Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 415. Antonio Herman V.

Benjamin, em artigo escrito em 1993, afirmou com propriedade que “a ninguém é lícito ‘adquirir’ o

direito de poluir sob o fundamento de que já o faz ininterruptamente há anos sem que o Estado o

importune.” (Função Ambiental, in: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano Ambiental... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 81). 91 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em

<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>, acesso em

09 fev. 2013.; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da

(in)constitucionalidade do projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da

garantia da proibição de retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.

com.br/search/label/Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.

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obrigação de recuperação, segundo o art. 61-A)92, para que a fiscalização possa, de

modo transparente, exigir do proprietário rural a recuperação total ou parcial.

Outro ponto que foi bastante discutido no âmbito do Poder Legislativo foi a

possibilidade de recomposição de APP por frutíferas, mas este texto foi vetado pela

Presidência da República, quando da sanção da Lei nº 12.727/12 (lei fruto da

conversão da Medida Provisória nº 571/12).

Uma inovação trazida pela Lei, e que é bem-vinda, é a previsão de políticas

públicas de estímulos e incentivos econômicos (remuneratórios e de isenção fiscal)

para os proprietários que conservam a floresta (arts. 41 a 50). Para tanto, o novo

Código Florestal incorpora os conceitos de pagamento por serviços ambientais

(PSA), de sequestro de carbono – que permite a negociação de créditos de carbono

no programa internacional conhecido como Reducing Emissions from Deflorestation

and Forest Degradation (REDD), no âmbito da Convenção-Quadro sobre Mudanças

Climáticas –, de instrumentos econômicos (tais como melhoria nas condições de

contratação de crédito e seguro agrícolas, redução e isenção tributárias) e de

incentivos específicos para a regularização dos imóveis rurais. No entanto, tais

políticas públicas de preservação e recuperação pendem de regulamentação para

que sejam viabilizadas.

No que tange à supressão de vegetação para uso alternativo do solo (arts.

7º a 9º), o tema está abordado no próximo tópico, numa perspectiva histórica do

desenvolvimento do instituto.

1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente

Como já mencionado antes, a doutrina do Direito Ambiental93,

92 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em:

<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>. Acesso em:

09 fev. 2013. 93 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito

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majoritariamente, condiciona a alteração e supressão de APP à existência de lei em

sentido formal, uma vez que a exigência se fundamenta na redação do art. 225, § 1º,

inciso III, da Constituição Federal:

Art. 225. § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: [...] III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção. (grifo nosso)

Para dar sustentação à tese, estes doutrinadores consideram a APP como

espaço territorial especialmente protegido (ETEPs) e, portanto, incluído na

supratranscrita hipótese constitucional. Assim, a ratio legis deste dispositivo reside

no fato de que os ETEPs (e seus componentes), em regra, não podem ser alterados

ou suprimidos, uma vez que são extremamente importantes ao ecossistema em que

estão inseridos, em razão de sua função ambiental (nas palavras da Carta Magna:

em razão “dos atributos que justificam sua proteção”). Neste sentido, quando houver

necessidade de alteração ou supressão, tal necessidade deverá se curvar ao

princípio da reserva de lei94, de maneira a ser discutida no âmbito do Congresso

Nacional, mediante regular processo legislativo ordinário, com a participação popular

e a publicidade que lhe são inerentes.

O Professor Paulo Affonso Leme Machado atribui esta opção ao poder

constituinte originário, que consignou este texto intencionalmente, visando conferir

Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 230-231; BENJAMIN, Antônio Herman de

Vasconcellos. O Regime Brasileiro das Unidades de Conservação. In: Revista de Direito Ambiental.

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, 2001, pp. 44-45; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de

Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de

Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 421-452; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora

em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Sob a vigência

da Lei nº 12.651/12: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ,

Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais,

2012, p. 36. 94 A doutrina mais acurada do Direito Constitucional diferencia o princípio da legalidade do princípio

da reserva de lei (ou da reserva legal), razão pela qual preferimos utilizar esta denominação em

detrimento daquela (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:

Malheiros, 2005, pp. 422-424).

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mais tempo e qualidade à discussão com a sociedade, quando se tratar de espaços

ecologicamente protegidos, afinal trata-se de “bem de interesse comum a todos os

habitantes do País”, consoante art. 1º do Código Florestal de 1965 e art. 2º do novo

Código Florestal:

O Poder Legislativo precisa discutir sobre um bem que está caracterizado como ‘permanente’. Uma floresta de preservação permanente não é para ser suprimida ou alterada precipitadamente, a todo momento ou ao sabor do interesse somente do partido político que administre o meio ambiente. [...] é de ser ponderado que uma vegetação de tal importância não se elimina todos os dias. A seca que expulsa as pessoas e os desmoronamentos que matam têm como uma de suas causas o corte da vegetação de preservação permanente. O processo legislativo dá chance de maior participação social para a decisão de manter ou suprimir a vegetação.95

De modo diverso, Édis Milaré diferencia os espaços territoriais

especialmente protegidos lato sensu (que são as APPs e as áreas de reserva legal

florestal) dos ETEPs stricto sensu (que, por sua vez, englobam as unidades de

conservação, a reserva da biosfera e unidades de conservação atípicas). Nesta

dicotomia, considera o autor que o aludido preceito constitucional (art. 225, § 1º,

inciso III) apenas se aplica a esta última categoria (espaços territoriais

especialmente protegidos stricto sensu)96. Milaré parte do conceito legal de “unidade

de conservação”97, em que se compreendem características de “particularidade e

especificidade” de cada unidade de conservação, devendo ter seu “propósito e

finalidade específicos, o que exigiria, por consequência, um ato legal de sua

instituição pelo Poder Público, visando a delimitar e a dispor exclusivamente a

respeito de cada uma”98. Nesse sentir, continua o doutrinador, na definição de

“unidade de conservação” não se pode incluir outras figuras legais, como APP,

reserva legal florestal, etc., pois tais espaços territoriais não necessitam de ato legal

do Poder Público específico para sua existência, o que, no entender do doutrinador,

95 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 739-740. 96 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 695-696. 97 Art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.985/00: “Art. 2º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I –

unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas

jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com

objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se

aplicam garantias adequadas de proteção”. 98 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 689, itálico nosso.

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seria um “requisito essencial” para a constituição de unidade de conservação

imposto pela Lei nº 9.985/00, justificando a distinção em relação aos outros espaços

territoriais99. Em poucas palavras, seu entendimento se baseia no seguinte

raciocínio: se é necessária lei para instituição de um espaço protegido, também é

necessária lei formal para sua alteração; ao passo que, se é necessário ato (ou

processo) administrativo, a supressão ou alteração também ocorrerá mediante mero

ato (ou processo) administrativo.

Com todo respeito à opinião do eminente doutrinador, há que se considerar

que este fundamento não é suficiente para afastar a aplicação da norma

constitucional (art. 225, § 1º, inciso III) aos espaços territoriais que possuem

proteção especial por força do Código Florestal100. A uma, porque seu fundamento

parte do ordenamento infraconstitucional para dar sentido ao texto da Carta Magna –

ao passo que julga-se mais adequado interpretar as normas infraconstitucionais à

luz da Constituição –; a duas, porque as APPs e reservas legais florestais são

criadas, sim, por lei em sentido formal, que é o próprio Código Florestal101; e a três,

porque aquilo que a lei (in casu, a Constituição Federal) não distingue não cabe ao

intérprete distinguir102.

Esta discussão tinha como pano de fundo a redação original do Código

Florestal de 1965, cujo art. 3º, § 1º, assim determinava:

99 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 689. 100 Retome-se que as APPs possuem duas espécies: (a) aquelas existentes por seus atributos naturais

(art. 2º da Lei nº 4.771/65 e do art. 4º da Lei nº 12.651/12) e (b) aquelas classificadas por ato do

Poder Público como APP (do art. 3º da Lei nº 4.771/65 e do 6º da Lei nº 12.651/12). As primeiras são

constituídas diretamente pela aplicação da lei, de pleno direito; as segundas dependem de ato

administrativo do Poder Público, mas, ainda assim, decorrem da aplicação da lei, tanto quanto as

unidades de conservação. Curioso observar que, apesar de Milaré não considerar o Código Florestal

como lei ordinária criadora das APPs por atributos naturais, ele considera (com fundamento em

Paulo de Bessa Antunes) que “a lei autorizativa para uma eventual alteração ou supressão das

florestas de preservação estabelecidas pelo art. 3º [do Código Florestal de 1965] é o próprio Código

Florestal” (Op. cit., p. 695). 101 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009,p. 442. 102 É o que recomenda o brocardo jurídico: “Ubi lex non distinguit nec non distinguere debemus.” (Cf.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p.

411.)

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53

§ 1º. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

É de se destacar que a disposição legal supra transcrita se localizava no §

1º do art. 3º, artigo este que tratava apenas das APPs por ato do Poder Público. Por

interpretação, entendia-se que apenas seria permitida a supressão por utilidade

pública ou interesse social nesta categoria de APP (e que não seria permitida

supressão quando se tratasse de APP por seus atributos naturais)103.

No texto original da Lei nº 4.771/65, embora a supressão de florestas

(declaradas por ato do Poder Público) estivesse subordinada à utilidade pública ou

ao interesse social, não havia um conceito legal destes termos. À época, a doutrina

remetia o preenchimento destes significados ao Poder Judiciário: Paulo Affonso

Leme Machado, em artigo publicado em maio de 1980, quando ainda incipiente a

referida legislação, escreveu que “o controle da finalidade da supressão parcial ou

total da floresta de preservação permanente do art. 3º poderá ser feito pelo Poder

Judiciário, evitando-se o desvio de poder.”104 Para as APPs do art. 2º, o autor

defendia que “só [poderiam] ser alteradas ou suprimidas parcial ou totalmente por

força de lei. Incompetente [seria] o Poder Executivo federal, estadual ou municipal

para autorizar a supressão parcial ou total dessas florestas ou formas de

vegetação.”105

Foi a já comentada Medida Provisória nº 2.166-67/01 que alterou

substancialmente o regime jurídico incidente sobre a supressão de APP. Em

primeiro lugar, porque remanejou a disposição legal do art. 3º (que tratava apenas

das APPs por ato do Poder Público) para o art. 4º, ao conferir nova redação a este

artigo:

Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e

103 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal

Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 26. 104 Ibid., p. 25. 105 Ibid., p. 26, destaque nosso.

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motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. [...]

Desse modo, o que antes se referia apenas a uma das espécies de APP

passou a viger para ambas as espécies, possibilitando, a partir de então, a

supressão de APP por atributos naturais.

Em segundo lugar, condicionou a supressão a: (1) autorização do órgão

ambiental106 – leia-se: licenciamento –, (2) inexistência de alternativa técnica e

locacional do empreendimento107, e (3) as medidas mitigadoras e compensatórias108.

Pela interpretação integrativa (ou sistemática)109 do ordenamento, a supressão da

APP apenas seria autorizada quando atendido os requisitos constitucionais, quais

sejam: (4) estaria “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos

atributos que justifiquem sua proteção”110, e (5) elaboração de prévio Estudo de

Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA)111. Neste

novo cenário, os ambientalistas112 afirmavam que tais requisitos já existiam, desde o

advento da Constituição Federal, ou seja, a Medida Provisória apenas ratificava o

que já era exigido pela Lei Maior (exceto a necessidade de lei formal para tanto).

106 Art. 4º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “§ 1º. A supressão de que

trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com

anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o

disposto no § 2º deste artigo. § 2º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente

situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o

município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante

anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.” 107 Art. 4º, caput, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01, acima transcrito. 108 Art. 4º, § 4º, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “O órgão ambiental

competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área

de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas

pelo empreendedor.” 109 A interpretação integrativa ou sistemática é a técnica de interpretação da norma, pela qual uma

regra é analisada não isoladamente, mas integrada, relacionada com outras pertinentes ao mesmo

objeto (Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva,

2009, 440-441). 110 Art. 225, § 1º, inciso III. 111 Por determinação do inciso IV do art. 225, da Constituição Federal. 112 Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p.

742.

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55

Em terceiro lugar, a MP positivou no Código Florestal o conceito de utilidade

pública e de interesse social (art. 1º, § 2º, da Lei nº 4.771). A partir destes conceitos

legais, foi aberto caminho para redução de APP em qualquer obra ou projeto que

estivesse previsto em resolução do CONAMA, tema que é retomado com mais

profundidade no item a seguir, em razão de sua relevância para o tema ora

estudado.

Mas é importante observar o conflito que permaneceu entre a Medida

Provisória e a Constituição Federal: enquanto a Lei Maior exige lei em sentido formal

(princípio da reserva de lei) para alteração e supressão de APP, uma Medida

Provisória – isto é, um ato unipessoal temporário, da lavra do Chefe do Poder

Executivo federal, que ganhou força de lei com a Emenda Constitucional nº. 32/01 –

recomendava apenas a adoção de procedimento administrativo próprio, formalidade

muito mais simples e menos protetiva. Vale dizer: o que, pela Constituição, era

competência do Poder Legislativo federal (“somente através de lei”), passou, por

meio de Medida Provisória, a ser de competência, não da chefia do Poder Executivo

das diversas esferas da Administração Pública, mas ao corpo técnico dos órgãos

ambientais (federal, estaduais, distrital ou municipal).

E tal não passou despercebido pela Procuradoria‐Geral da República, que

intentou Ação Direta de Inconstitucionalidade113, em julho de 2005, com este

fundamento. Contudo, em apreciação perfunctória, o Pleno do Supremo Tribunal

Federal negou referendo à liminar, mantendo a vigência do art. 4º do Código

Florestal com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.166‐67/01. Com isto,

restou vitorioso o entendimento de que as APPs são espaços territoriais

especialmente protegidos latu sensu, que não estão vinculados ao princípio

constitucional da reserva de lei e que, portanto, podem ser alterados e suprimidos

mediante procedimento administrativo no âmbito do órgão ambiental competente114.

113 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.

Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso

de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005. Até a revogação da Lei nº 4.771/65 o

mérito desta ação não havia sido apreciado pelo Supremo. 114 Curioso notar, entretanto, que o Pleno do Supremo, em 09.08.1989, diante da mesma discussão

(todavia, tratava-se de um Decreto paulista), já havia reconhecido a possibilidade de danos

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56

Neste ponto, é esclarecedora a lição de Édis Milaré:

Tal entendimento decorre do fato de diversas atividades de infraestrutura (obras de saneamento, transporte, energia etc.) – assim como outras vitais para o desenvolvimento econômico e social do País –, muitas vezes sem qualquer alternativa locacional, só serem viáveis e exequíveis mediante intervenção em áreas classificadas como de preservação permanente (margens de cursos de água, nascentes e reservatórios, entre outras tantas situações previstas no Código Florestal).115

Deve-se ressaltar que, ao adotar este entendimento, o Supremo Tribunal

Federal, segundo o voto do Ministro Relator, não pretendeu retirar a proteção

constitucional de que o corte de vegetação não poderia “[comprometer] a integridade

dos atributos que justifiquem sua proteção”116. Esta garantia constitucional é de

extrema relevância para as áreas de preservação permanente, uma vez que: (1) são

os seus atributos que justificam sua proteção; (2) o novo Código Florestal repete a

disciplina constitucional ao manter no conceito legal de APP sua função

ambiental117; e (3) trata-se de critério de grande valia para manter a intocabilidade

dessas áreas. Segue pequeno trecho esclarecedor do voto do Relator Ministro Celso

de Mello:

Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Poder Público – qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de um regime jurídico de proteção

ecológicos de difícil reparação, e, por vezes, de reparação impossível e, assim, concedeu medida

liminar para suspender texto de lei muito semelhante ao do Código Florestal de 1965 (Supremo

Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 73-SP. Requerente: Procurador Geral da

República. Requerido: Governador do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília:

09 de setembro 1989, v.u., DJU 15.9.1989. Até outubro de 2012 o mérito desta ação não havia sido

apreciado). 115 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 959. 116 parte final do inciso III do § 1º do art. 25, CF. 117 Art. 3º, inciso II, Lei nº 12.651/12

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especial.118

A posição do Pleno do Supremo de 2005, embora dotada de caráter liminar

e, portanto, fruto de análise superficial e sem o crivo do contraditório, parece ter

finalizado a polêmica acerca do princípio da reserva de lei, de maneira que, com

base nesta decisão, foi editada a Resolução CONAMA nº 369/06, regulamentando

os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social e baixo impacto

ambiental para fins de alteração e supressão de APP119.

A mencionada Resolução dá instruções aos órgãos ambientais a respeito do

conteúdo dos conceitos indeterminados120 referentes a utilidade pública e interesse

social, porém nada dispõe a respeito das atividades de baixo impacto ambiental. A

Resolução também reforça a necessidade de medidas mitigadoras e

compensatórias prévias à autorização para supressão e intervenção (art. 5º),

esclarecendo que estas medidas não prejudicam as exigências de compensação

florestal constante da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC) (Lei nº. 9.985/00, art. 36121). Outra disposição importante da Resolução em

comento é a determinação para realizar as medidas compensatórias na mesma sub-

bacia hidrográfica do empreendimento.

O tema de alteração e supressão de APP também foi motivo de muita

discussão e inovação no âmbito do novo Código Florestal. Tratado pela nova lei

inicialmente nos arts. 7º a 9º, tais artigos devem ser lidos em conjunto com os arts.

118 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.

Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso

de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005, voto do relator, pp. 33-34 (fls. 560-561

dos autos), itálico nosso. 119 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 697. 120 Cf. FERRAZ JÚNIOR. Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito... São Paulo: Atlas, 2010, p.

294. 121 “Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto

ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de

impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a

implantação e manutenção de unidade de conservação do grupo de Proteção Integral, de acordo

com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”

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61-A a 65, quando for o caso de “áreas consolidadas rurais ou urbanas”122: no que

diz respeito às alterações e supressões perpetradas até 22 de julho de 2008 em

área rural, o regulamento encontra-se nos arts. 61-A a 63 (objeto de comentários no

item anterior), e para as áreas urbanas consolidadas, foram destinados os arts. 64 e

65, os quais são objeto de análise no último capítulo desta dissertação.

No que se refere às supressões posteriores à data de 22 de julho de 2008, o

Código Florestal novo foi claro ao vedá-las, em regra, quando tornou expressa a

obrigação de manter a vegetação de APP e instituiu o dever de recomposição123 (o

que não havia na lei anterior). Estas obrigações foram legalmente qualificadas como

de natureza real e, por consequência, são transmitidas ao sucessor inter vivos ou

causa mortis, no caso de imóvel rural124-125.

O art. 8º dispõe que as supressões futuras somente serão autorizadas nas

hipóteses de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, nos

termos dos conceitos legais descritos dos incisos VIII, IX e X, todos do art. 3º, da

mesma lei. Em suma, tais conceitos foram ampliados, novas atividades econômicas

foram contempladas nas hipóteses legais (não só atividades agrossilvipastoris, mas

também atividades de construção civil), reduzindo, por conseguinte, a proteção

destas áreas especiais. Estes conceitos legais serão discutidos com mais

122 Para os efeitos da Lei nº 12.651/12, consideram-se áreas consolidadas aquelas descritas em seu

art. 3º incisos IV e XXVI (“IV – área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica

preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris,

admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio” [...] “XXVI – área urbana consolidada:

aquela de que trata o inciso II do caput do art. 47 da Lei nº 11.977/09”, ou seja, “parcela da área

urbana com densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare e malha viária implantada e

que tenha, no mínimo, 2 dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a)

drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d)

distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”,

conforme redação do art. 47, inciso II da Lei nº 11.977/09). 123 Art. 7º, caput e §§ 1º e 3º. 124 É o que determina o § 2º do art. 7 combinado com § 2º do art. 2º. 125 Como destacado por Ana Claudia La Plata de Mello Franco e Gabriela Silveira Giacomolli, cabe

indagar: por qual motivo teria o legislador restringido esta disposição legal aos imóveis rurais?

(Comentários ao art. 7º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 165.)

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profundidade no item seguinte, mas, desde já é interessante registrar que há

doutrina126 que considera que, nos conceitos legais de utilidade pública, interesse

social e baixo impacto ambiental consta referência à função ambiental das APPs, o

que possibilita “o uso ou intervenção em APP desde que, dentre outros requisitos,

não prejudiquem sua função ambiental”127.

A supressão de vegetação protetora de nascentes, dunas, restingas e de

mangues tem suas condições especiais tratadas nos §§ 1º e 2º do art. 8º. Por sua

vez, o art. 9º cuida apenas de autorizar o acesso de pessoas e animais para

obtenção de água e realização de atividades de baixo impacto ambiental.

Pelo que se verifica do exposto, os requisitos128 existentes durante a

regulamentação anterior (Lei nº 4.771/65) não foram reproduzidos pela nova

legislação; contudo entendemos, em consonância com a doutrina mais abalizada129,

que tais requisitos, por serem de ordem constitucional, não podem ser afastados

pela legislação ordinária. Nesta linha de ideias, porque a Lei Maior determina que

seja realizado Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a instalação de qualquer

atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental (art. 225,

§ 1º, inciso IV), o EIA é indispensável em caso de supressão de APP, até mesmo

126 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso

Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 60-68. Utilizando o

fundamento diretamente da Constituição Federal para concluir no mesmo sentido, Guilherme José

Purvin de Figueiredo leciona: “Nesse sentido, comprovado cientificamente que a proteção dos

atributos que justificam a proteção dos espaços territoriais não é atendida, por exemplo, pelos

parágrafos do art. 61-A da Lei 12.651/12, restará confirmada a afronta ao princípio da vedação de

retrocesso, daí resultando a confirmação da inconstitucionalidade de referido dispositivo.”

(Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código

Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36). 127 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso

Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 65. 128 Referimo-nos aos requisitos já expostos alhures: (1) alteração e supressão permitida somente

através de lei, (2) é vedada a utilização da APP que comprometa a integridade dos atributos que

justificam sua proteção, e (3) elaboração de prévio EIA / RIMA. 129 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.

741-742.

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para comprovação de utilidade pública ou interesse social130. Por conseguinte, no

bojo deste procedimento administrativo, devem ser verificadas as alternativas

técnicas e locacionais131 e as medidas mitigatórias ou compensatórias132.

No que tange ao requisito da autorização do órgão ambiental competente

(antes prevista no art. 4º, § 2º, Lei 4.771/65), embora não haja na nova lei tal

exigência, a leitura a contrario sensu do § 3º do art. 8º dá a entender que a regra

geral é a autorização administrativa. Confira a redação do mencionado parágrafo:

§ 3º. É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.

Se, para casos urgentes de segurança e defesa (situações excepcionais), é

dispensável a autorização do órgão ambiental competente, não é demais concluir (a

contrario sensu) que a autorização é indispensável, como regra geral. Além do mais,

no art. 31133 da mesma lei, consta determinação expressa para licenciamento para a

exploração florestal (de áreas que não possuem proteção especial). Mais uma vez,

por inferência: se para exploração da floresta sem proteção especial é necessário

licenciamento, mais justificada está a necessidade desta autorização do órgão

ambiental quando for o caso de exploração de floresta com proteção especial. De

todo modo, a previsão de obrigatoriedade de licenciamento ambiental consta do art.

10 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81)134, que vige também nos

casos de supressão de área de preservação permanente.

130 A atividade de baixo impacto ambiental está fora da previsão constitucional do art. 225, § 1º,

inciso IV. 131 Em atendimento ao art. 9º, inciso II, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 132 Em atendimento ao art. 6º, inciso III, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 133 “Art. 31. A exploração de florestas nativas e formações sucessoras, de domínio público ou

privado, ressalvados os casos previstos nos arts. 21, 23 e 24, dependerá de licenciamento pelo órgão

competente do SISNAMA, mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável -

PMFS que contemple técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis

com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme.” 134 “Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades

utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer

forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.”

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Por fim, no que diz respeito ao atendimento da função ambiental, é a

Constituição, mais uma vez, que veda a utilização de espaços territoriais

especialmente protegidos que comprometa a integridade dos atributos que

justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º, inciso III). Reitere-se que a função ambiental

está reproduzida na Lei nº 12.651/12 no art. 3º, inciso II; inciso IX, alínea ‘b’ e inciso

X, alíneas ‘i’ e ‘j’. A doutrina nos orienta no mesmo sentido:

Finalmente, é inarredável a necessidade de se lembrar o princípio da proibição de retrocesso que, no campo do direito ambiental das áreas protegidas, encontra-se presente no art. 225, § 1º IV, fine, da Constituição Federal: a definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, é infensa a alteração e a supressão, ainda que por meio de lei ordinária, se sua utilização comprometer a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.135

Deste modo, conclui-se pela manutenção dos requisitos constitucionais para

autorização de supressão de áreas de preservação permanente, ainda que o novo

Código Florestal tenha silenciado a este respeito.

Ao que se vê, a Lei nº 12.651/12, no que tange ao tema de alteração e

supressão de APP, foi mais branda do que a regulamentação anterior, não só por se

omitir quanto aos requisitos constitucionais, mas também porque criou critérios que

tendem a dificultar a fiscalização (desmatamento até 22 de julho de 2008,

percentuais diversos de recuperação, tamanho da propriedade rural etc.); assim

como ampliou as hipóteses de utilidade pública, interesse social e de baixo impacto

ambiental. No que diz respeito a este último tema, segue com mais detalhes no

próximo tópico.

1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental

Considerando que desde o Código Florestal de 1965 restou autorizada a

135 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36.

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62

alteração e supressão de APP em casos de utilidade pública e de interesse social, a

análise destes conceitos discricionários136 se torna imprescindível ao presente

estudo.

Como já exposto anteriormente, a redação original da Lei nº 4.771/65

apenas continha a previsão de que as APPs declaradas por ato do Poder Público

poderiam ser alteradas e suprimidas por utilidade pública e interesse social. Não

trazia o conceito legal dessas expressões, razão pela qual a doutrina remetia seu

preenchimento ao Poder Judiciário137.

Com a Medida Provisória nº 2.166-67/01, foi alterada a redação de alguns

dispositivos do Código Florestal, de modo a permitir a supressão de qualquer

espécie de APP, por força de utilidade pública e interesse social. Além disto, foi

positivado no Código Florestal o conceito legal de utilidade pública e interesse

social, conforme segue (art. 1º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº

2.166-67/01):

§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por: [...]

IV – utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão; e

c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA;

V – interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;

b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não

136 Sobre conceitos discricionários, ver FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do

Direito. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 294-295; PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos

Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, pp. 71-72. 137 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal

Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, pp. 25-26.

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descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e

c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA. (itálicos nossos)

Houve o questionamento judicial das alterações trazidas pela Medida

Provisória nº 2.166-67/01, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que

resultou na confirmação da constitucionalidade de todo o teor da referida MP. Com

isso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) editou a Resolução nº

369/06, a qual “dispõe sobre os casos excepcionais de utilidade pública, interesse

social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de

vegetação em APP.” No bojo da Resolução, foram conceituados os termos utilidade

pública e interesse social. Quanto às atividades eventuais e de baixo impacto

ambiental, apenas houve a previsão regulamentar, sem apresentação de um

conceito propriamente dito.

Os textos da Medida Provisória nº 2.166-67/01 e da Resolução CONAMA nº

369/06 vigeram até a promulgação do novo Código Florestal, em 25 de maio de

2012. Desde então, é o art. 8º da Lei nº 12.651/12 que possibilita a supressão e

alteração de APP nos casos de utilidade pública, interesse social e quando houver

baixo impacto ambiental:

Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

Tais expressões (utilidade pública, interesse social e baixo impacto

ambiental) estão legalmente conceituadas no art. 3º, incisos VIII138, IX139 e X140,

138 “VIII – utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras de

infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário,

inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios,

saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à

realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração,

exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; c) atividades e obras de

defesa civil; d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções

ambientais referidas no inciso II deste artigo; e) outras atividades similares devidamente

caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa

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respectivamente. Tais dispositivos praticamente reproduzem os termos da

Resolução CONAMA nº 369/06, apresentando, porém, novas hipóteses, que variam

desde “obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de

[...] gestão de resíduos” até “instalações necessárias à realização de competições

esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” (ambas hipóteses estão previstas

técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo

federal.” 139 “IX – interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação

nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de

invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; b) a exploração agroflorestal sustentável

praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais,

desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da

área; c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais

e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas

nesta Lei; d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente

por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas

na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009; e) implantação de instalações necessárias à captação e

condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes

integrantes e essenciais da atividade; f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e

cascalho, outorgadas pela autoridade competente; g) outras atividades similares devidamente

caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa

técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal.” 140 “X – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental: a) abertura de pequenas vias de acesso

interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de

pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de

manejo agroflorestal sustentável; b) implantação de instalações necessárias à captação e condução

de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando

couber; c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo; d) construção de rampa de

lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; e) construção de moradia de agricultores familiares,

remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em

áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores; f) construção

e manutenção de cercas na propriedade; g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais,

respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; h) coleta de produtos não madeireiros

para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a

legislação específica de acesso a recursos genéticos; i) plantio de espécies nativas produtoras de

frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da

vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área; j) exploração agroflorestal e

manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não

madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem

a função ambiental da área; k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e

de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou dos

Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.”

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na alínea ‘b’, inciso VIII, art. 3º). Diante destas novas disposições legislativas, é

recomendável que o CONAMA revise a Resolução nº 369/06, com vistas a adequá-

la à nova lei141.

Um ponto que se destaca na nova legislação refere-se à possibilidade de

supressão de APP em caso de “exploração agroflorestal sustentável praticada na

pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades

tradicionais” (art. 3º, inciso IX, alínea ‘b’). Na vigência do regime jurídico anterior

(Resolução CONAMA nº 369/06), era possível a autorização de “manejo

agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou

posse rural familiar”. A diferença entre manejo agroflorestal e exploração

agroflorestal é que, no manejo, respeitam-se os mecanismos de sustentação do

ecossistema142, o que não é observado na exploração agroflorestal, que, por sua

vez, pode ser muito impactante ao ecossistema da APP (por exemplo, pode ensejar

contaminação do solo e dos recursos hídricos por insumos químicos)143.

Ponto de maior relevância é a inserção de cláusulas abertas nos três incisos

sob comento (inciso VIII, IX e X do art. 3º), que permitem o órgão ambiental a

autorizar supressão e alteração de APP discricionariamente, desde que: (1) sejam

atividades similares àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas e

motivadas em procedimento administrativo próprio; (3) inexista alternativa técnica e

locacional à atividade proposta e (4) esteja definida em ato do Chefe do Poder

Executivo federal, quando for o caso de utilidade pública ou interesse social (incisos

VIII, alínea ‘e’ e IX, alínea ‘g’). Quando se tratar de atividade eventual de baixo

impacto ambiental, são condições para autorização: (1) sejam atividades similares

àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas como eventuais e de baixo

impacto ambiental em ato do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) ou

dos Conselhos Estaduais (inciso X, alínea ‘k’).

141 Até fevereiro de 2013, não havia nenhuma chamada no sítio da internet do CONAMA

(http://www.mma.gov.br/port/conama) para debates acerca da revisão da mencionada Resolução. 142 Art. 3º, inciso VII, Lei nº 12.651/12. 143 MELO NETO, João Evangelista de. Comentários ao art. 3º, inciso X. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 92.

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É recomendável também que, ao autorizar determinada atividade, tanto o

Chefe do Poder Executivo federal, como o órgão ambiental levem em consideração

a função ambiental da área de preservação permanente, assim como a função

socioambiental da propriedade, uma vez que são requisitos constitucionais que

devem nortear a função pública.

Como se vê, conceitos legais de utilidade pública, interesse social e baixo

impacto ambiental foram alargados, novas atividades econômicas foram

contempladas nas hipóteses legais, reduzindo, por conseguinte, a proteção das

áreas especiais ao ecossistema. Neste diapasão, entendemos que o princípio do

desenvolvimento sustentável, constante do parágrafo único do art. 1º-A do atual

Código, deverá exercer papel preponderante quando da interpretação e aplicação

dos dispositivos legais referentes à alteração e supressão de APP, visando

precipuamente a evitar que as atividades econômicas se sobreponham de modo

devastador aos ecossistemas que devem ser preservados permanentemente.

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2. Área de Preservação Permanente nas Cidades

A análise deste capítulo torna necessário revolver, além de temas de Direito

Ambiental, outros que residem no âmbito do Direito Urbanístico. Trata-se de

matérias que possuem interface nestes dois ramos do Direito, de modo que, para

um estudo mais abrangente, é imprescindível deixar consignados alguns conceitos

do Direito Urbanístico, visando à compreensão holística da matéria, com vistas, em

especial, ao capítulo 3, que trata do Direito à Moradia.

No cumprimento deste mister, verificou-se que o Direito Ambiental e o Direito

Urbanístico, embora sejam áreas do conhecimento distintas, possuem, muitas

vezes, correlação íntima, já que em ambos os casos são estudadas as normas com

vistas ao bem-estar do indivíduo e da sociedade, buscando a melhor ordenação

territorial e, portanto, o equilíbrio do ambiente. Neste sentido, são as lições de Odete

Medauar:

A questão ambiental e a questão urbana apresentam-se intrincadas de modo forte e o ordenamento dos espaços urbanos aparece, sem dúvida, como instrumento da política ambiental. A implantação de uma política urbana hoje não pode ignorar a questão ambiental, sobretudo nas cidades de grande porte, onde adquirem maior dimensão os problemas relativos ao meio ambiente.144

Neste intento, o enfoque que permeia o presente estudo é uma visão

urbanística-ambiental, isto é, a conciliação entre regimes jurídicos distintos, porém

que perpassam pelas mesmas problemáticas quando de sua aplicação e, que,

portanto, devem ser interpretados em harmonia, em atendimento aos princípios da

máxima efetividade das normas constitucionais145 e da interpretação sistemática146.

144 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25. 145 O princípio da máxima efetividade é também chamado de princípio da eficiência ou da

interpretação efetiva. Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho é assim definido: “a uma norma

constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. […] no caso de duvidas deve

preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.” (Direito

Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1224.) 146 O método da interpretação sistemática é também conhecido como método da unidade do

sistema. Tercio Sampaio Ferra Jr. assim o define: “qualquer preceito isolado deve ser interpretado

em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo”.

(Introdução ao Estudo do Direito... São Paulo: Atlas, 2010, p. 257.)

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2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades

A ideia de desenvolvimento sustentável tem seu embrião na Conferência de

Estocolmo147 (Suécia), ocorrida em 1972, ocasião em que ficou evidenciada tensão

entre os países desenvolvidos (que propunham cuidados com o meio ambiente, em

detrimento do crescimento econômico) e países subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento (que defendiam o crescimento econômico a qualquer custo). Ficou

marcada, a partir de então, uma falaciosa oposição entre desenvolvimento

econômico e social e desenvolvimento ambiental.

Posteriormente, em abril de 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente

e Desenvolvimento (UNCED)148 apresenta o relatório “Nosso Futuro Comum” (no

original: “Our Common Future”), que ficou conhecido como “Relatório Brundtland”,

no qual ficou consignada a possibilidade (e necessidade) de conciliação entre

desenvolvimento econômico e preservação ambiental, culminando no conceito de

desenvolvimento sustentável. A partir de então, esta expressão passou a veicular o

sentido de que o desenvolvimento econômico deve se dar de forma a atender as

necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade de produção

para as gerações futuras149. Para tanto, é imprescindível imprimir práticas de

produção que respeitem mais o meio ambiente, ante a finitude dos recursos

naturais. A doutrina150 ensina que este princípio se aplica apenas aos recursos

147 A rigor, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Os conflitos decorreram

da visão de desenvolvimento econômico e a relevância que o meio ambiente possuía para cada um

dos países presentes. Como resultado, os dirigentes desta Conferência procuraram aproveitar as

contribuições positivas de ambos os blocos, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUMA) e foi elaborada a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano (ou Declaração de

Estocolmo, como ficou conhecida) – declaração constante de 26 princípios norteadores para as

decisões relacionadas aos temas ambientais. 148 Criada em 1983, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, presidida por Gro Harlem Brundtland

(primeira-ministra da Noruega à época), com o objetivo reexaminar os principais problemas do meio

ambiente e do desenvolvimento, em âmbito mundial, e formular propostas realistas para solucioná-

los. 149 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 110-111. 150 Ibid., p. 111.

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renováveis; aos recursos não renováveis ou às atividades capazes de produzir

danos irreversíveis este princípio não se aplica.

Em termos de Brasil, verifica-se que este conceito foi integrado à

Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, em que se consignou expressamente

o dever do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente

“para as presentes e futuras gerações”.

Cristiane Derani151, citando Franco Archibugi et al., observa que a

implementação do desenvolvimento sustentável requer uma justa distribuição de

riquezas, nos países e entre os países. Com isso, agrega-se ao conceito de

desenvolvimento sustentável a busca pelo equilíbrio social, firmando-se suas bases

num tripé (triple bottom line) descrito como econômico-social-ambiental152.

É possível dizer que este ideal também está presente em nossa Carta

Magna, em seu art. 170, ao fundar as bases do desenvolvimento econômico em

bases sociais (valorização do trabalho), ao impor como objetivo da ordem

econômica “a existência digna, conforme os ditames da justiça social”, e, destacar

como princípios da economia tanto a “defesa do meio ambiente”, quanto a “redução

das desigualdades regionais e sociais”.

E este conceito foi trazido para o Direito Urbanístico quando o Estatuto da

Cidade (Lei nº 10.257/01) consignou como uma das diretrizes gerais da política

urbana:

[a] garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações153.

Com isto, têm-se incorporado no texto legal direitos sociais e difusos, e, com

isto, a busca pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF).

Neste tema, a doutrina nos ensina que “por cidades sustentáveis pode-se

entender aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem

caos e destruição, sem degradação. Possibilitando uma vida urbana digna para

151 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 111. 152 Ignacy Sachs, economista contemporâneo, é um dos principais idealizadores do triple bottom line. 153 art. 2º, inciso I

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todos”154 e que as “diretrizes de desenvolvimento urbano e diretrizes da política

urbana se equiparam”155. Assim, o desenvolvimento sustentável das cidades (ou o

desenvolvimento das cidades sustentáveis) está atrelado ao desenvolvimento da

política urbana. O parágrafo único do art. 1º do Estatuto da Cidade também reafirma

esta posição, na medida em que submete a propriedade urbana às suas normas de

ordem pública, normas estas que buscam, prioritariamente, o bem-estar social e o

equilíbrio ambiental, confira:

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. [destaques nossos]

Neste sentido, não é demais dizer que, para que as políticas públicas (leia-

se: planos urbanísticos) atendam aos objetivos constitucionais (garantia do bem-

estar dos habitantes das cidades) e do Estatuto da Cidade (equilíbrio ambiental,

direito às cidades sustentáveis, manutenção do meio ambiente), deverão também

atender as normas ambientais. E no intuito de atingir a sustentabilidade da urbe, o

Poder Público não poderá se esquivar de seu dever de preservação e defesa do

meio ambiente.

Adicionalmente, retoma-se a função ambiental das áreas de preservação

permanente: são áreas (incluindo solo, vegetação, bioma etc.) que receberam

proteção legal especial porque são imprescindíveis ao bem-estar da sociedade,

como por exemplo, evitar cheias, inundações e deslizamento de terras (erosão),

quando da ocorrência de chuvas torrenciais.

Com base nestes fundamentos, busca-se concluir que para que o Poder

Público atinja o bem comum fixado pelas leis urbanísticas, deverá conferir especial

atenção aos aspectos ambientais da cidade, cumprindo seus deveres legais

estampados nas normas de Direito Ambiental, inclusive no que tange ao respeito às

áreas de preservação permanente. Há, contudo, forte resistência, por parte dos

estudiosos do Direito Urbanístico, a aceitar a ingerência de normas federais na

esfera municipal, razão pela qual dedicamos o próximo tópico ao estudo da

distribuição das competências constitucionais.

154 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 27. 155 Ibid., p. 22.

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2.2. Competências Constitucionais

Ao tratar das áreas de preservação permanente nas cidades, faz-se

necessário tratar da divisão constitucional de competências dos entes federativos,

uma vez que há divergência na doutrina sobre a invasão de competência municipal

por parte da União156. A este respeito, José Afonso da Silva, através de sua

abordagem constitucional do Direito Ambiental157, assevera que a estrutura do

Federalismo brasileiro é deveras complexa, assim como o é o sistema de repartição

de competências158, e ensina que:

A Constituição de 1988 busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (arts. 29 e 30), mas combina, com essa reserva de campos específicos, áreas comuns em que se prevêem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais e normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência suplementar (arts. 24 e 30).159

No que tange à competência para legislar (formal) e administrar (material),

os poderes para atuar foram distribuídos segundo os arts. 21 a 24 e 30, todos da

Constituição Federal, sendo que os princípios que nortearam a distribuição de tais

poderes foram o da predominância de interesse – segundo o qual a União ingere no

que é de interesse geral, os Estados-membros, no que é de interesse regional, e os

Municípios, no que tange o interesse local; o Distrito Federal, por sua característica

híbrida, cumula os temas de interesses regionais e locais – e o da territorialidade –

156 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 698-699;

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 744-

745; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, pp. 222-230. 157 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 09-10. 158 Ibid., pp. 73-74. 159 Ibid., p. 74, itálicos nossos.

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pelo qual cada ente federativo exerce seus poderes apenas e tão-somente em seus

limites territoriais160.

Daniela Libório, ao analisar as competências constitucionais, ensina que não

há hierarquia entre esses poderes, já que:

[...] as competências constitucionais assumem uma estrutura verticalizada, porém não hierarquizada. Significa dizer que naquelas matérias nas quais deva haver normas federais os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios devem respeitar as orientações gerais para após particularizarem seus interesses.161

Nesse diapasão, a mesma autora discorre acerca da sobreposição de

interesses, que poderá ocorrer diante de duas hipóteses: (a) quando se tratar do

mesmo assunto ou (b) de assuntos diferentes. Na primeira hipótese, continua a

autora, “a repartição de interesses (geral, regional e local) faz com que cada um atue

nos limites de suas atribuições (arts. 23-24 da CF, por exemplo)”162. Havendo

sobreposição de interesses em assuntos diferentes, “prevalecerá o interesse

nacional sempre. Resguardado tal interesse, o interesse local deverá sempre ser

respeitado, e a eventual divergência deverá ser composta dentro de uma expectativa

de respeito à instância municipal.”163

Estas são as recomendações acerca das competências constitucionais em

geral. A seguir, apresenta-se o entendimento doutrinário acerca das competências

ambientais e urbanísticas e da relação entre elas.

160 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio. (Coords.) Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 62. No mesmo

sentido: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 129. 161 Ibid., p. 62. 162 Ibid., pp. 63-64. 163 Ibid., p. 64. No mesmo sentido: GRAF, Ana Cláudia Bento; LEUZINGER, Márcia Dieguez. A

Autonomia Municipal e a Repartição Constitucional de Competências em Matéria Ambiental. In:

FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max

Limonad, 1998, p. 49.

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2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais

Em termos de meio ambiente, tem-se no caput do art. 225 a descrição de

competência material comum a todos os entes federativos: impõe-se “ao Poder

Público [...] o dever de defendê-lo e preservá-lo [o meio ambiente]”, o que é repetido

no art. 23, incisos VI e VII (proteger o meio ambiente e combater a poluição em

qualquer de suas formas, e preservar as florestas, fauna e flora). Segundo José

Afonso da Silva, “essa é uma competência mais voltada para a execução das

diretrizes, políticas e preceitos relativos à proteção ambiental”.164 Esta competência

material foi regulamentada pela Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de

2011, que criou comissões para a cooperação entre os entes federativos (além de

consórcios, convênios etc.) para o tema de licenciamento ambiental especialmente.

Ao seu turno, a competência legislativa de cada um dos entes é encontrada

nos arts. 21 a 24 e 30 (todos da Constituição Federal), e estão dispostas conforme

segue:

a) A União possui posição de supremacia em relação aos demais entes

federativos, uma vez que a ela incumbem as normas gerais de meio

ambiente165 (art. 24, incisos VI a VIII, e § 1º), planos nacionais e regionais de

ordenação do território (art. 21, IX), entre outras competências não menos

relevantes, mas que desviam do objeto desta dissertação. Com base nesta

competência, foram elaborados, verbi gratia: Política Nacional do Meio

Ambiente (Lei nº 6.983/81), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), Política

Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10), etc.

b) Estados-membros e Distrito Federal possuem o poder de legislar

supletivamente às normas gerais da União, nos termos do art. 24, VI a VIII, e

§ 2º:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]

164 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 79. 165 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 78.

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VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; [...] § 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

Observe-se que eventuais normas de caráter supletivo deverão estar em

consonância com as normas gerais e com as políticas estabelecidas pelo ente

federal, não podendo contrariá-las, o que, em termos de meio ambiente, significa

dizer que os Estados podem estabelecer normas mais protetivas ao meio ambiente,

porém nunca poderão flexibilizar o tratamento dado pela União, pois aqui a

competência é para proteger o meio ambiente (pela dicção do art. 225), e não

simplesmente para regulamentar o uso dos bens ambientais166.

c) Os Municípios, por sua vez, possuem competência formal mais voltada

para o meio ambiente urbano (o que coincide com a competência

urbanística): nos termos do art. 30, inciso VIII, da Lei Maior, que lhe atribui o

poder de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo

urbano, assim como o art. 182, CF, lhe confere a competência para

estabelecer o plano diretor e a Política de Desenvolvimento Urbano.

Adicionalmente, poderá o Município legislar sobre assuntos de interesse

local e suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, incisos I e II, CF),

aplicando-se a mesma observação feita em relação aos Estados: a

suplementação deverá ser no sentido de proteger o meio ambiente (e não de

flexibilização da norma ambiental).

Importante notar que tanto no caso da competência para promover o

ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo urbano, como

no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o Município detenha a

competência derivada diretamente da Constituição Federal, deverá obedecer às

166 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.

114-115; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora... São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 110.

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normas gerais instituídas pela União Federal, em virtude das expressões “no que

couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais fixadas em lei”, constante

da redação do caput do art. 182. São leis federais que devem ser observadas pelos

municípios, por exemplo: Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), Lei nº

10.257/01 (Estatuto da Cidade), Lei nº 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e

Lei nº 12.651/12 (novo Código Florestal). Considerando que este é um tema

precipuamente urbanístico (não obstante sua forte aplicação em casos ambientais),

a abordagem mais completa é apresentada no tópico que segue. Por ora, fica

apenas o registro.

Uma vez apontadas as competências constitucionais dos entes federativos,

vale lembrar que a edição do Código Florestal se deu no exercício da competência

concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, em combinação com o disposto no

caput do art. 225, ambos da Constituição Federal, de modo que evidentemente a Lei

nº 12.651/12 é uma norma geral, não só porque assim dispõe em seu art. 1º-A167,

mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios, etc.168. Assim, deve

ser respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios e pode ser por

eles suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal).

Por fim, destaca-se que, em se tratando de meio ambiente, há uma

peculiaridade: os efeitos e as repercussões dos danos ambientais ultrapassam as

fronteiras políticas dos entes federados e até mesmo das nações, de forma que é

corriqueiro envolver mais de um ente político quando da ocorrência de dano ao

ambiente de monta. E isso se reflete na distribuição de competências, na medida em

que alguns Estados podem proteger seu meio ambiente com mais eficiência do que

outros, de modo a levar à evasão da atividade regulada para outro Estado, onde não

encontra regulação ou onde ela é menos rigorosa169. Daí destaca-se a importância

167 “Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação [...]” (destaque

nosso). 168 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentário ao art. 1º-A. In: Novo Código Florestal... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 34. 169 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 74-75.

No mesmo sentido: “Interessante verificarmos que o Texto Constitucional, ao atribuir ao Município

competências para legislar sobre assuntos de interesse locais, está-se referindo aos interesses que

atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as

necessidades gerais do Estado ou do País. Com isso, questões como o fornecimento domiciliar de

água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos e outros temas típicos do meio

ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho no âmbito do Município, embora de interesse local,

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de haver uma normatização oriunda da União, em ordem de estabelecer um

patamar mínimo de proteção ambiental e, por conseguinte, minimizar eventuais

tratamentos díspares entre Estados sobre determinada atividade econômica.

Do que se expôs, é de se concluir que a competência material em Direito

Ambiental é comum a todos os entes federativos, enquanto que a competência

legislativa é distribuída entre os entes em diferentes graduações: à União,

competem as normas gerais; aos Estados, as regionais e aos Municípios, as locais,

sempre havendo respeito de todas as regras, isto é, ao adaptar uma regra nacional

às realidades regionais ou locais, não podem Estados e Municípios abrandarem a

proteção ao meio ambiente, mas apenas tornar mais rígidos os padrões de

preservação.

2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas

Em termos de competências urbanísticas, aplica-se igualmente o que foi

exposto anteriormente a respeito da complexidade da distribuição de competências

na Constituição Federal: embora as peculiaridades do Direito Urbanístico imponham

que os interesses por ele tutelado sejam predominantemente da alçada do

Município, certas competências são distribuídas entre a União e Estados-membros,

tornando o tema tão complexo quanto o anterior. Por isso, de início, são elencadas

as normas dispostas no Texto Constitucional a respeito das competências

urbanísticas170:

a) A União possui competência material exclusiva para instituir diretrizes

para o desenvolvimento urbano (art. 21, incisos IX e XX), isto é, para

elaborar normas gerais de urbanismo, planos nacionais e regionais de

ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

competência material comum para proteger paisagens naturais notáveis,

proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas

‘não deixam de afetar o Estado e mesmo o país’.” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de

Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 133). 170 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 64-65.

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formas e promover programas de construção de moradias e a melhoria das

condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, incisos III, VI e IX);

e competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, defesa do

solo, proteção do meio ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao

patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos

I, VI e VII).

b) Estados-membros e Distrito Federal possuem igualmente a

competência material comum para proteger o meio ambiente e combater a

poluição em qualquer de suas formas e promover programas de construção

de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento

básico (art. 23, incisos VI e IX); competência concorrente para legislar,

suplementarmente, sobre direito urbanístico, florestas, flora, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio

ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao patrimônio histórico,

cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos I, VI e VII); e apenas

os Estados-membros possuem competência exclusiva para criar regiões

metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3º).

c) Municípios possuem competência própria para promover, no que

couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle

do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, inciso VIII) e

para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a

legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (art. 30, inciso IX), bem

como competência material para executar a política de desenvolvimento

urbano (art. 182) e formal para elaborar o plano diretor (art. 182, § 1º, CF).

Além de, é claro, poderem suplementar normas gerais federais ou normas

estaduais, com fundamento no art. 30, inciso II.

Diante desta distribuição de competências, verifica-se que, no que tange o

direito urbanístico, é a competência concorrente de grande importância. Nessa linha

de ideias, José Afonso da Silva apresenta especial preocupação com o conteúdo

das normas gerais. Inicia sua lição definindo normas gerais como “normas de leis,

ordinárias ou complementares, produzidas pelo legislador federal nas hipóteses

previstas na Constituição, que estabelecem princípios e diretrizes da ação legislativa

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da União, dos Estados e dos Municípios”171 e alerta que as normas gerais, por

serem limitadoras da autonomia dos Estados e Municípios, devem ser

“compreendidas em sentido estrito”172, visando evitar a invasão de competência do

Município por parte do legislativo federal173. Para tanto, o doutrinador entende que o

conteúdo da norma geral deve ser cautelosamente fixado, através de algumas

diretrizes que ele mesmo indica, a saber, (1) devem estar expressamente previstas

na Constituição, (2) devem fixar princípios e diretrizes para o desenvolvimento

urbano nacional, (3) estabelecendo conceitos básicos de atuação, (4) indicando os

instrumentos para sua execução.

No que tange os instrumentos para execução dos planos urbanísticos, em

especial, os instrumentos de estímulo e desestímulo de comportamentos dos

jurisdicionados, Daniela Libório destaca o papel fundamental da norma geral para

contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país:

[o] incentivo a certas atividades degradantes ou que ofereçam um grande potencial de risco aos trabalhadores ou à região em que são instaladas deve ser feito com cautela. O ente federal, neste sentido, pode estimular ou desestimular certas atividades ou condutas tendo como princípio o desenvolvimento equilibrado da região, considerando o contexto regional perante a Nação.174

Com isto, a doutrinadora relaciona o poder federal de editar normas gerais

com o dever de buscar o desenvolvimento equilibrado das atividades em seu

território. Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva entende que o

desenvolvimento urbano a ser elaborado pelo legislativo federal deve obedecer ao

limite das diretrizes gerais para a adequada distribuição espacial da população e das

atividades econômicas:

O desenvolvimento urbano consiste na ordenada criação, expansão, renovação e melhoria dos núcleos urbanos. Não é objeto das normas gerais promover em concreto esse desenvolvimento, mas apenas apontar o rumo geral a ser seguido, visando a orientar a adequada distribuição espacial da população e das atividades econômicas com vistas à estruturação do sistema nacional de cidades e à melhoria da qualidade de vida da população.175

171 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 67. 172 Ibid., p. 67. 173 Ibid., p. 67-68. 174 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 67. 175 Op. cit., p. 68.

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Não se pode deixar de mencionar artigo de Diogo de Figueiredo Moreira

Neto que, baseado em diversos autores, bem explorou o delicado tema dos limites

da competência entre Município e União. Após extensa análise do tema, o autor

elenca características que encontrou na doutrina que percorreu, para identificação,

caracterização e definição da norma geral, a saber:

(a) estabelecem princípios, diretrizes, linhas mestras e regras jurídicas

gerais;

(b) não podem entrar em pormenores ou detalhes, nem esgotar o assunto

legislado;

(c) devem ser regras nacionais, uniformemente aplicáveis a todos os entes

públicos;

(d) devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas;

(e) só são cabíveis quando preencham lacunas constitucionais ou

disponham sobre áreas de conflito;

(f) devem referir-se a questões fundamentais;

(g) são limitadas, no sentido de não poderem violar a autonomia dos

Estados e

(h) não são normas de aplicação direta176.

Este mesmo autor elenca uma “sobrecaracterística” da norma geral, que,

tamanha sua importância, merece ser tratada separadamente: trata-se de um

“conceito-limite”. E ele mesmo explica:

As normas gerais, enquanto normas, são impositivas de limites. O que as torna peculiares, todavia, são seus endereçamentos no contexto de poder organizado numa federação. Elas endereçam limites, ao mesmo tempo, para os legisladores federais e estaduais embora possam estendê-los para os aplicadores federais e, eventualmente, os estaduais: nessa plurivalência, sua

176 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de

Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, pp. 149-150.

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peculiaridade; que a torna, como procuraremos demonstrar, um tertium genus normativo.177

Por oportuno, reiteramos aqui que tanto no caso da competência para

promover o ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo

urbano, como no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o

Município detenha a competência derivada diretamente da Constituição Federal,

deverá obedecer às normas gerais instituídas pela União Federal178, em virtude da

expressão “no que couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais

fixadas em lei”, constante da redação do caput do art. 182. São leis federais que

devem ser observadas pelos municípios a Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do

Solo) e a Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade).

A este respeito, convém colacionar uma peculiaridade consignada ainda por

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, à época da promulgação da Constituição de

1988: este autor considerava “redundante [a] ressalva [contida nas Cartas de 1967 e

1969] de que deveria ser ‘respeitada a lei federal’, obviamente inafastável em

qualquer das modalidades de competência concorrente”179. A partir da leitura deste

artigo, pode-se inferir que foi excluído, por ser considerado “redundante”, o art. 77 do

Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos180, que assim estava redigido: “No exercício

da legislação suplementar, os Estados observarão a lei federal de normas gerais

preexistentes. [...]” Corrobora este entendimento outro trecho do mesmo artigo que,

ao comentar a então novel competência comum do atual art. 24, CF, assim ficou

registrado:

Uma consideração preliminar desse instituto [competência comum do art. 24] nos mostra que, sucessivamente, a lei federal (Bundes) prevalece sobre a estadual (Landes) e (peculiaridade nacional agora ainda mais acentuada) sobre a municipal (Kreis), de modo que a conhecida expressão, que resume tão bem as soluções de conflitos na competência clássica poderia estender-se assim: ‘Bundesrecht bricht Landesrecht und Kreisrecht; landesrecht bricht Kreisrecht’.181

177 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de

Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, p. 152. 178 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,

pp. 342-343. 179 Op. cit., p. 135, itálicos nossos. 180 O Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos deu origem ao texto da Constituição Federal de 1988. 181 Op. cit., p. 139. Neste ponto, o autor destaca o surgimento da autonomia administrativa e

legislativa dos Municípios na Carta de 1988, novidade à época.

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Com isto, pretende-se demonstrar que a competência urbanística está

concentrada em poder dos Municípios. Não obstante, a edição de normas gerais por

parte da União não importa em automática invasão de competência das esferas

locais. A norma geral deve, sim, se manter nos estritos limites de fixação de

parâmetros nacionais, enunciadora de molduras de comportamentos a serem

preenchidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. E, assim, devem os

legisladores estaduais, distritais e municipais obediência à norma geral, pois a eles é

destinada, como norma que estabelece um padrão, um limite, um standard jurídico a

ser observado em todo o território nacional. E esta obediência não fere a autonomia

municipal ou estadual; em verdade, reforça o vínculo federativo, na medida em que

centraliza, na União, poderes para manter a unidade da economia, da justiça social

e da proteção ao meio ambiente, isto é, os padrões nacionais de sustentabilidade.

2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas

A partir das considerações feitas a respeito das competências

constitucionais em matéria ambiental e urbanística, verificou-se que à União sempre

compete estipular normas gerais e planos nacionais e setoriais, os quais devem ser

respeitados e seguidos pelos Estados e Municípios, ainda que estes últimos

exerçam sua competência supletiva. Para o exercício desta competência da União,

alguns limites devem se seguidos, evitando-se, assim, a indesejável invasão de

competência da atividade legiferante de um entre sobre os demais.

A par disto, no nível infraconstitucional, ou seja, no exercício desta

competência para expedir normas gerais, constata-se que o legislador

frequentemente recomenda a aplicação de diversos diplomas legais em uma mesma

situação concreta, confira-se:

(a) o Estatuto da Cidade expressamente finca suas bases na proteção,

preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII).

Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios

ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também

todo o arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo os

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principais a Política Nacional do Meio Ambiente, Política Nacional de

Resíduos Sólidos, Código Florestal, o Código de Águas182 etc.;

(b) a Lei de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79), por sua vez,

deixa expresso que “Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão

estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo

municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e

locais” (art. 1º) e determina que sejam observadas as legislações estaduais

e municipais pertinentes (art. 2º, caput);

(c) o Código Florestal atual também faz constar o respeito às normas de

urbanismo: note que faz diversas remissões à Lei de Regularização

Fundiária (art. 3º, incisos IX e XXVI; arts. 64 e 65) e ao Estatuto da Cidade

(art. 25, inciso I) e outras leis municipais (art. 3º, inciso VIII, alínea ‘b’; art.

19) etc. Outros exemplos poderiam aqui ser citados, mas preferiu-se manter

o foco sobre os diplomas normativos abordados nesta dissertação.

Como se vê, a harmonização entre normas ambientais e urbanísticas é

estimulada pelo legislador nacional. A doutrina de Victor Carvalho Pinto corrobora

este entendimento, ao sugerir que as leis municipais sejam elaboradas levando-se

em consideração as diretrizes e objetivos fixados em lei federal:

[...] incumbe ao município promover o ordenamento territorial do solo urbano. A aplicação direta dos critérios definidos em lei federal nas áreas urbanas resultaria em um ordenamento territorial urbano federal, o que é inconstitucional. As normas federais devem, isso sim, ser levadas em consideração pelo município na elaboração do plano diretor e demais planos urbanísticos, como uma diretriz a ser compatibilizada com os demais objetivos da política urbana.183

Deste modo, o autor recomenda o atendimento às competências

constitucionais, seguindo-se as normas gerais ambientais elaboradas pelo Poder

Legislativo federal e respeitando também o poder normativo dos municípios, na

esfera de suas atribuições, qual seja, o ordenamento territorial urbano, de forma

182 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 49-50; CAROLO,

Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior

do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição Especial, pp. 100-131,

nov. 2011, p. 104. 183 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134,

destacamos.

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mais concreta184. Pode-se dizer, portanto, que a solução apontada pelo autor

encontra apoio na Constituição Federal (como apresentado no tópico anterior), na

medida em que a norma geral nacional não pode ter aplicação imediata, já que é

endereçada ao legislador estadual e municipal, que a utilizará como parâmetro para

sua regulamentação regional e local.

Todas essas evidências nos levam à uma mesma conclusão: a sociedade

contemporânea, considerando seu nível de complexidade e tecnicidade, não

comporta mais normas jurídicas estanques em si mesmas e fechadas à interação

com outros diplomas normativos, mas sim deve ter a aplicação articulada das leis

pertinentes ao caso concreto, melhor dizendo: de tantas leis quantas forem as

pertinentes ao caso concreto. Com isto, é evidente que, assim como vem ocorrendo

em qualquer profissão, o papel do aplicador do Direito torna-se também mais

complexo, a exigir conhecimento multidisciplinar (de diversos ramos do Direito) e,

muitas vezes, até mesmo conhecimento específico de outras áreas do saber

(Economia, Arquitetura, Urbanismo, Geografia, Biologia etc.). E este movimento

culmina, necessariamente, na harmonização das normas ambientais e urbanísticas

quando da atividade de solução de um caso prático.

2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas

Em continuidade, visando retornar ao tema principal de estudo, passa-se à

análise da aplicação do Código Florestal às áreas urbanas, com o fim de conferir

mais concretude ao quanto se argumentou até este ponto. Para tanto, introduz-se o

tema em perspectiva histórica, para sua melhor compreensão.

Quando da vigência do Código Florestal de 1965, o texto da Lei possibilitou

interpretações diferentes a respeito da aplicação de áreas de preservação

permanente em zona urbana. Isto porque a Lei, ao trazer a definição da APP, não

dizia expressamente que se aplicava à área urbana (como hoje ocorre no art. 4º da

Lei nº 12.651/12).

184 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.

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Deste modo, ainda que o legislador tivesse a intenção de tornar área

permanentemente protegida aquelas situadas nas cidades, críticas existiram, assim

como forte corrente contrária. Visando pacificar os entendimentos, a Lei nº 6.535/78

alterou o Código Florestal para incluir no conceito de APP “as florestas e demais

formas de vegetação natural situadas: [...] i) nas áreas metropolitanas definidas em

lei.” Porém, tal modificação foi revogada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989,

que também acrescentou parágrafo único ao art. 2º, com a seguinte redação:

No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Ou seja, a aplicação do Código Florestal, no que tange às APPs em cidades,

seria, então, subordinada às leis municipais (leia-se: subordinada ao interesse das

administrações locais), em especial, ao plano diretor e à regulamentação de uso do

solo. Não obstante, a legislação municipal também deveria respeitar os princípios e

limites do art. 2º do Código Florestal. Contudo, este entendimento nunca foi pacífico.

Em que pese a orientação da legislação185, a redação do parágrafo acima

transcrito não foi suficiente para aplacar as alegações daqueles que entendiam

inexistir APP nas áreas urbanas. Parte da doutrina e da jurisprudência entendia que

deveria viger, nas cidades, o disposto no art. 4º, inciso III, da Lei de Parcelamento do

Solo Urbano (Lei nº 6.766/79)186; enquanto que nas zonas rurais, aplicável o Código

Florestal. Com isto, as áreas que margeassem rios, rodovias, ferrovias e dutos em

cidades estariam dispensadas da manutenção das áreas de preservação

permanente, mas teriam que manter área non aedificandi, que, por sua vez, seria

sempre de quinze metros. Tal entendimento era defendido, em geral, pelos

loteadores, que não tinham interesse em obedecer ao Código Florestal.

185 O trecho final do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/65 dizia: “obervar-se-á o disposto nos

respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere

este artigo”, enquanto que a Lei nº 6.766/79 também fazia a ressalva: “salvo maiores exigências da

legislação específica”. 186 “Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...)III - ao longo

das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos,

será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo

maiores exigências da legislação específica;”

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Por sua vez, a doutrina ambientalista187 entendia serem aplicáveis

simultaneamente ambas as regras, sempre que fosse o caso de loteamento urbano,

de modo que as áreas non aedificandi não derrogavam as APPs. Neste

entendimento, a margem de rio, verba gratia, deveria ser mantida sem construção

por quinze metros (referentes à área non aedificandi) e, quando a APP fosse de

trinta metros, outros quinze metros adicionais deveriam ser preservados, por força

do Código Florestal.

Pior situação ocorria nos casos de águas dormentes (lagos, lagoas e

reservatórios naturais e artificiais), para as quais o Código Florestal de 1965

determinava a preservação permanente do entorno, porém não indicava a

metragem, o que foi definido através de regulamentação do Conselho Nacional do

Meio Ambiente (Resolução CONAMA nº 004/85). Para tais casos, havia ainda o

argumento de que resolução não poderia se sobrepor à lei ordinária, objeto de

discussão no âmbito do Poder Legislativo, representativo da sociedade.

Não apenas esta era a discussão posta, mas também havia quem

entendesse que os limites referidos no art. 2º da Lei nº 4.771/65 eram limites

máximos (e não mínimos); assim, leis municipais poderiam estabelecer limites

inferiores, legitimando, uma vez mais, apenas a aplicação da Lei de Uso do Solo

Urbano. Daniel Fink e Márcio Pereira, ao tratarem desta celeuma, rebateram de

forma bem objetiva e clara a este argumento falacioso:

Fosse a vontade da lei que, em se tratando de propriedade urbana, os limites pudessem ser inferiores aos do Código Florestal, seriam absolutamente inúteis as expressões ‘respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo’, bastando deixar para as normas locais e planos diretores o estabelecimento de tais limites.188

Adicionalmente, note que a mesma Lei de Parcelamento de Solo Urbano

proíbe o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica, em seu art. 3º,

187 Neste sentido: ver MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 2008; SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2011; FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio

ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,

abr. / 1996. 188 Ibid., p. 6.

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parágrafo único, inciso V189, o que, repita-se, reforça a possibilidade de vigência

simultânea das leis e demonstra o respeito recíproco entre a lei urbanística e a lei

ambiental.

Ainda em sentido contrário à orientação do Código Florestal e do Estatuto da

Cidade, vale mencionar a tentativa do Congresso Nacional de tornar mais flexível a

ocupação de áreas de preservação permanente em áreas urbanas, ao aprovar a Lei

nº 10.931/04, que, em seu art. 64, dispunha que “Na produção imobiliária, seja por

incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana,

não se aplicam os dispositivos da Lei 4.771, de 15.09.1965”. Contudo, este artigo foi

vetado pelo Presidente da República, por contrariar o previsto no art. 225 da

Constituição Federal. Com efeito, a manutenção do referido dispositivo acabaria por

afastar boa parte das condicionantes ambientais referentes à ocupação do espaço

urbano e, consequentemente, permitiria o desmatamento quase que sem restrições,

a partir da simples declaração de uma área como urbana ou de expansão urbana.190

Victor Carvalho Pinto191 oferece mais uma solução deveras adequada, no

sentido de que as áreas de preservação permanente sejam ocupadas pelo plano de

ordenamento territorial aproveitando-se sua função ecológica, sob o regime de

parques, como exemplifica. Tal sugestão contribui também para evitar a ocupação

irregular por população de baixa renda. Com isso, poderão os municípios evitar a

transgressão da norma federal.

E, finalmente, a partir de 2012, com o advento do novo Código Florestal, a

tendência é a pacificação deste entendimento, já que o art. 4º da Lei 12.651/12

dispõe expressamente que “Considera-se Área de Preservação Permanente, em

zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: [...]” (destacamos). Neste sentido,

andou bem a lei em tornar explícito que as APPs devem ser protegidas também nas

cidades, evitando textos ambíguos, que geravam inúmeras interpretações e

contendas judiciais. Esta proteção também deve ser estendida às áreas mais

ocupadas, em razão de sua função ambiental, já destacada no capítulo 1.

189 Art. 3º, parágrafo único: “Não será permitido o parcelamento do solo: (...) V – em áreas de

preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a

sua correção.” 190 MOREIRA, Danielle de Andrade. O conteúdo ambiental dos planos diretores e o Código Florestal.

In: Revista de Direito Ambiental. Vol. 49, p. 73-95, jan. / 2008, p. 80. 191 Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.

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Neste novo cenário legal, observa-se que o texto expresso da lei (art. 4º

acima mencionado) anda em consonância com os princípios do Direito Ambiental e

do Direito Urbanístico, que recomendam a interação entre suas normas, como

mencionado no tópico anterior (Lei de Parcelamento do Solo, Estatuto da Cidade,

Lei de Regularização Fundiária, etc.) e, por este motivo, espera-se que o dilema que

ocorria no passado seja superado com a contribuição dada pela nova

regulamentação.

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3. Regularização Fundiária

Nos grandes centros urbanos do Brasil, desde a década de 1970, houve a

consolidação da situação de moradia irregular, em condições precárias, por meio de

loteamentos clandestinos e invasões de terras urbanas disponíveis (públicas ou

particulares), o que, por conseguinte, gerou (e ainda gera) aglomerados urbanos que

crescem diariamente e se tornaram verdadeiros bairros informais (por exemplo

Heliópolis, na cidade de São Paulo, e a Rocinha, no Rio de Janeiro), como relata

Lígia Melo192. Estes aglomerados urbanos – inobstante a falta de infraestrutura

básica de equipamentos de infraestrutura – se configuram como a melhor solução

encontrada por parte da população, quando ausentes condições econômico-

financeiras para custear uma moradia adequada. Segundo a mesma autora, a

execução de obras pontuais nestas comunidades é feita após reivindicação da

população assentada, mediante troca por votos em época de eleições: neste

contexto, não há um plano de inserção dos bairros no planejamento urbano do

município193, mas apenas alterações pontuais e frequentemente oportunistas.

Nesses quadros é frequente a ausência de sistema de saneamento básico, o

que causa, como consequência, a poluição de rios, riachos, lagos, represas e

mares, que afetam não apenas a referida comunidade, mas também toda a região

em que se desenvolve a ocupação regular, e até mesmo outros Estados da

Federação. Além disto, quando a ocupação se dá em área de risco – tais como

encostas de morro, áreas geologicamente instáveis, beira de rios, charcos e

várzeas, isto é, em alguns tipos de áreas de preservação permanente –, a

vulnerabilidade desta população é ainda maior, em razão da ocorrência de

deslizamentos e inundações, que destroem vidas e o pouco de bens acumulados. E,

não bastando a tragédia, aqueles que passam por esta situação são, muitas vezes,

realocados pelo Poder Público em local impróprio, segundo a mesma autora194.

192 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 28, 255-257. 193 Ibid., p. 256. 194 Ibid., p. 257.

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Trata-se de eventos que, não raras vezes, ocorrem nas cidades e metrópoles

brasileiras, em especial em épocas de chuvas. Em tempos de valorização do

mercado imobiliário, a remoção é feita sempre que necessário para receber

investimentos, e sem qualquer planejamento.

3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica

Considerando a situação precária de habitação de milhões de pessoas no

Brasil, a sistematização das leis que dizem respeito à moradia é assunto de relevo,

uma vez que se trata de tema que reflete a desigualdade social e econômica e que

mantém grande contingente da população à margem de condições mínimas de

sobrevivência195. Isto porque parte da população economicamente desfavorecida,

como já mencionado, sem condições financeiras de pagar pelo preço da terra em

bairros dotados de infraestrutura pública – ou seja, com arruamento organizado e

interligado à rede de transporte público, instalações de saneamento básico,

iluminação pública, coleta de resíduos, estabelecimentos de ensino público e saúde,

entre outros –, buscou estabelecer sua moradia em áreas e terrenos públicos e

particulares mais distantes, que não estivessem sendo utilizados ou vigiados.

Em trabalho desenvolvido em 2002 pelo Instituto Pólis196, apontou-se que

esta urbanização informal traz consequências socioeconômicas, urbanísticas e

ambientais graves, que afetam, além dos assentamentos informais, a cidade e a

população urbana como um todo. No que toca o aspecto ambiental, que é o que se

destaca no presente estudo, o Instituto Pólis informa que é comum que os

assentamentos irregulares tomem as áreas ambientalmente frágeis, já que

normalmente são protegidas legalmente por fortes restrições de uso e, portanto,

195 Segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE, mais de 11 milhões de brasileiros vivem em

“aglomerados subnormais” no País, termo utilizado pelo Instituto para identificar assentamentos

irregulares em geral, tais como favelas, invasões, palafitas etc. 196 Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13.

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deixam de ser atrativas ao mercado imobiliário formal. Estas áreas caem, então,

num vazio demográfico que as torna propícias à ocupação clandestina197. Neste

sentido, conclui o estudo que a ordem jurídica também possui importante papel na

produção da informalidade urbana, na medida em que a propriedade, quando

desprovida de sua função social, resulta num “padrão essencialmente especulativo

do crescimento urbano”, que traz ainda segregação social, espacial e ambiental. A

dificuldade de acesso ao Poder Judiciário também foi destacada como fator para a

consolidação da ilegalidade e da segregação198.

Embora o estudo aponte que a ocupação irregular pode ocorrer de várias

formas (favelas, ocupação, loteamentos clandestinos ou irregulares, cortiços etc.),

concluiu que podem ocorrer em áreas loteadas e ainda não ocupadas, áreas

alagadas, áreas de preservação ambiental, áreas de risco e terrenos destinados a

uso coletivo, a equipamentos comunitários, a programas habitacionais, a praças ou

parques. Pela diversidade, infere que não é possível traçar critérios e estratégias

válidos para todas as situações, razão pela qual recomenda que cada situação fática

seja analisada por meio de vários fatores, visando à melhor solução. Chama a

atenção o fato de que as irregularidades urbanísticas tendem aos espaços

ambientalmente frágeis – tais como áreas alagadas (área de várzea, manguezal,

salgados, apicuns, áreas úmidas, etc.), áreas de preservação ambiental199 e áreas

de risco (encostas íngremes, por exemplo). E vale reproduzir aqui um alerta:

A informalidade entre os mais pobres precisa ser urgentemente enfrentada. Mesmo sendo a única opção de moradia permitida aos pobres nas cidades, não se trata de uma boa opção, em termos urbanísticos, sociais e ambientais, e nem sequer de uma opção

197 No mesmo sentido: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.

255. 198 É importante observar que o trabalho do Instituto Pólis data de 2002 e, na última década, houve

evolução tanto com relação à função socioambiental da propriedade – uma vez que o Novo Código

Civil passou a viger em 10.01.2003 –, quanto ao acesso ao Judiciário – em especial em virtude da

sedimentação do Estatuto da Cidade e das Defensorias Públicas estaduais, atuantes nas áreas de

regularização fundiária. Esta evolução não invalida, contudo, o levantamento feito pelo trabalho de

pesquisa. 199 CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação

Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição

Especial, pp. 100-131, nov. 2011, p. 100.

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barata, já que o crescimento das práticas de informalidade e o adensamento das áreas ocupadas têm gerado custos elevados de terrenos e aluguéis nessas áreas, além de altos custos e baixa qualidade de gestão das próprias cidades. Em outras palavras, os pobres no Brasil têm pago um preço muito alto – em vários sentidos – para viverem em condições precárias, indignas e cada vez mais inaceitáveis.200

Como se vê, a urbanização informal envolve a lesão a fundamentos e

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, expressos nos arts. 1º e

3º da Constituição Federal, a saber: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento

nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das

desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos201. Por

este motivo também é que o Instituto Pólis aponta que:

os programas de regularização devem objetivar a integração dos assentamentos informais ao conjunto da cidade, e não apenas ao reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes. [...] a remoção pura e simples da população, para atender ao estabelecido na lei, se mostra socialmente insustentável – ao mesmo tempo [em] que a regularização das ocupações não tem como atender aos parâmetros legais.202

Neste contexto, é necessária – senão imprescindível – uma legislação

dedicada ao tema que proteja o direito à moradia e viabilize a regularização das

ocupações ilegais, e mais, dê efetividade e concretude a este direito. Veremos nos

próximos itens a evolução do ordenamento jurídico, no que tange a estes temas.

3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia

3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional

A partir da Carta de Atenas203, o Urbanismo e o Direito Urbanístico tomaram

uma nova concepção, mais moderna. Neste movimento, foram definidas como

200 INSTITUTO PÓLIS. Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, p. 13. 201 “A irregularidade mais significativa nos assentamentos informais é, justamente, estar muito

abaixo dos padrões estabelecidos pela legislação” (INSTITUTO PÓLIS. Ibid.,p. 18). 202 Ibid., pp. 16-18. 203 A Carta de Atenas foi um manifesto urbanístico, redigido pelo arquiteto Le Corbusier, resultante

do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas, em 1933. A Carta de

Atenas é referência atual para o urbanismo moderno.

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funções essenciais da cidade a habitação, o trabalho, o lazer e o transporte. Lígia

Melo informa que:

a cidade apenas exerce sua função quando permite a todos aqueles que nela residem ou por ela circulem o acesso aos direitos fundamentais garantidos não somente em nossa Constituição, mas em grande parte dos textos legais pelo mundo. Seu pleno desenvolvimento pode ser verificado quando houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social, em que políticas públicas de desenvolvimento urbano prevejam a modificação da realidade excludente e segregatória.204

Destaca-se, no presente estudo, a função de moradia, com seu respectivo

direito205. É o ponto de partida para uma sociedade justa e solidária proposta pela

Constituição da República Federativa do Brasil, visto que a moradia adequada é

imprescindível para reduzir a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais,

objetivos fundamentais estampados no art. 3º, inciso III da Constituição. Novamente

é Lígia Melo que acrescenta que “a garantia do direito de morar dignamente faz

parte do direito ao pleno desenvolvimento e emancipação econômica, social e

cultural do indivíduo, tendo fonte no direito que toda pessoa tenha um nível

adequado de vida”206. Antes deste movimento urbanista, já existiam normas

urbanísticas, porém com preocupação mais voltada para as questões sanitárias e

estéticas. Aos poucos, a legislação evoluiu para incorporar elementos publicistas,

tais como o conceito de função social da propriedade (peça-chave ou princípio

fundamentador do direito urbanístico207 e importante direito fundamental) e de uso e

ocupação do solo208.

Ao lado destes elementos, a função social da cidade, o direito a cidades

sustentáveis, o bem-estar de seus habitantes e sua gestão democrática também

foram paulatinamente incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, dando suporte

para o enfrentamento da questão dos assentamentos urbanos irregulares

(regularização fundiária), um dos problemas mais complexos existentes na maioria

204 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 32. 205 O direito à moradia é o verso da moeda das ocupações irregulares, a serem remediadas mediante

processo de regularização fundiária. 206 Ibid., p. 34. 207 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 161. 208 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Urbanístico Moderno... São Paulo: PUC/SP, 2002, pp.

19-44.

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das cidades brasileiras, viabilizando a concretização do direito à moradia

adequada209.

A moradia, no Direito contemporâneo, foi reconhecida no rol de Direitos

Humanos, como se vê no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de

1948), no art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(de 1966) e item 31 da Declaração de Viena (de 1993), Agenda 21 (de 1992), para

mencionar os principais diplomas internacionais. Mas foi através do citado Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 (ratificado pelo

Brasil mediante o Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992), que houve a assunção de

obrigações e responsabilidades pelos Estados membros de promover e proteger o

direito à moradia, seja por seus esforços próprios, seja por meio de assistência e

cooperação internacional (arts. 2º e 11).

Conferências específicas sobre o tema moradia ocorreram em 1976

(Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – HABITAT I) e

1996 (Conferência sobre Assentamentos de Istambul – HABITAT II, donde surgiu a

Agenda Habitat, relevante documento a este respeito, com princípios, metas,

compromissos e um plano global para as nações sobre a melhoria dos

assentamentos humanos). A partir de então, o direito à moradia foi reafirmado como

um direito humano, o que confere ao Estado o dever de assegurá-lo210, e confere ao

próprio direito a possibilidade de ser defendido no plano internacional em face do

Estado descumpridor de suas responsabilidades.

E mais: uma vez alçado ao plano de direito humano, o direito à moradia não

pode ter seu conteúdo restringido ou suprimido, mas apenas aprimorados e

fortalecidos, como ensina Flávia Piovesan211. Lígia Melo deixa expresso que:

209 SAULE JÚNIOR, Nelson. Prefácio. In: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte:

Fórum, 2010, p. 15. 210 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:

SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis – Assessoria,

Formação e Estudos em Políticas Sociais, 1999, p.64. 211 Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 56.

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A demonstração da previsão internacional sobre o direito à moradia ilustra a densidade que ele possui, identificando-o como inerente ao exercício da cidadania, a qual não se completa sem o acesso da moradia adequada. [...] A moradia é um direito inerente à pessoa humana, vinculado ao direito humano a um padrão de vida adequado, e não se extingue com a violação de quaisquer regras de direito por seu detentor, pois inalienável 212.

3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional

Sobre este tema, a legislação que vigia até o século XX não só era

insuficiente, como agravava a exclusão das comunidades de baixa renda: em

primeiro lugar, porque a definição legal da propriedade privada (assim com sua

aplicação pelos tribunais pátrios), até então, não contava com o conceito de função

social da propriedade – prevista constitucionalmente no art. 5º, inciso XXIII, mas não

descrita pela legislação ordinária: isto resultava num padrão essencialmente

especulativo de crescimento urbano213. Em segundo lugar, as poucas leis

urbanísticas existentes à época não levavam em conta seu impacto socioambiental,

mantendo a população mais carente em situação de ilegalidade, sem possibilitar sua

inclusão social ou mesmo a instalação de sua moradia em local adequado. Lígia

Melo acrescenta que:

A ausência de políticas públicas para a habitação aumentou a procura da população pobre e desprovida de recursos materiais pelo acesso à habitação, sem a capacidade de atender ao exigido pelo mercado imobiliário. Tal conjuntura, provocada pela atuação especuladora e livre do mercado, com o apoio ativo ou omisso do Poder Público, levou tais pessoas a ocupar irregularmente imóveis sem infraestrutura, situados, muitas vezes, em áreas ambientalmente frágeis, que só pioram a situação de exclusão social e degradação ambiental e humana.214

212 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 37-39. 213 INSTITUTO PÓLIS. Regularização de Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13. 214 Op. cit., p. 22.

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Como já se viu, o aspecto legal deste quadro está em constante alteração no

cenário internacional, desde a segunda metade do século XX. No Brasil, as

alterações ocorreram de forma mais concreta na primeira década deste século XXI,

a partir do advento da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000.

Esta Emenda reforçou a característica do direito à moradia como um direito social

fundamental, e, por conseguinte, colocou fim a qualquer tese contrária a isto. Além

disto, a Emenda nº 26 trouxe o fundamento constitucional necessário para a

promulgação de importantes leis imprescindíveis ao processo de regularização

fundiária, a saber:

a) O novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que

confere os contornos da função socioambiental da propriedade privada,

b) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), que

trouxe diversos instrumentos para que o Poder Público possa realizar, em

concreto, a regularização fundiária,

c) A Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, que institucionalizou o

Programa Minha Casa Minha Vida e os programas de regularização

fundiária, foi importante ao integrar as licenças urbanísticas e ambientais,

d) Mais recentemente, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de

maio de 2012, com as alterações da Lei nº 12.727, de 17 de outubro de 12)

conferiu uma sistematização mais coerente para os casos em que a

regularização fundiária deve ser efetuada em áreas ambientalmente

sensíveis.

Este aparato legislativo equipou o Poder Público para operar as

transformações sociais e efetivar o direito à moradia nas áreas de mais risco social,

ambiental e à saúde, através dos processos de regularização fundiária. Isto porque,

embora os direitos humanos sociais estejam na base da Constituição da República

Brasileira, assim como ocorre na maioria dos Estados contemporâneos, Nelson

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Saule Júnior esclarece que isto não significa sua efetivação e concretização em seu

pleno gozo e exercício215. Esta ausência de efetividade ou concretude para os

direitos fundamentais (individuais, políticos e sociais) também foi anotada por Ana

Paula de Barcellos:

Desde o início do século XX, portanto, tem-se procurado transformar o atendimento dessas necessidades em direitos, introduzindo-os no ordenamento jurídico. Esta foi a fórmula encontrada para afirmar que esses bens fundamentais formam imperativos da dignidade humana, não podendo depender da provisão do mercado. Apesar das previsões normativas, o problema não foi resolvido ao longo do século XX. A sociedade contemporânea (de forma mais grave nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, embora o fenômeno não seja desconhecido das grandes potências) convive com um contingente humano que, embora dispondo de um arsenal de direitos e garantias assegurados pelo Estado, simplesmente não tem como colher esses frutos da civilização.216

Esta autora inclui expressamente o direito à moradia no conteúdo do

“mínimo existencial” da dignidade da pessoa humana, no mais constituído também

pelo direito à saúde, à educação e à assistência social aos necessitados. Segundo

ela, é no bojo da assistência social que se insere o direito à moradia (junto com os

demais direitos sociais do art. 6º da Constituição Federal), imprescindível para que o

indivíduo não caia em situação de indignidade217. A partir disto, a autora sintetiza:

A conclusão a que se pode chegar neste ponto é que a assistência social constitucionalmente determinada pretende produzir um efeito no mundo dos fatos, a saber: socorrer os desamparados, como último recurso para garantir a dignidade humana, evitando sua total deterioração.218

Assim é que o direito à moradia faz parte do núcleo rígido, do piso mínimo

vital necessário à manutenção da dignidade humana. Para tanto, o arcabouço

legislativo novo trouxe instrumentos que se transformaram em marcos institucionais

para a implementação da regularização fundiária e, com isto, dar efetividade ao

direito à moradia e à função social da propriedade.

215 O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In: SAULE JÚNIOR, Nelson

(Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999, p. 68. 216 A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 115-116. 217 Ibid., pp. 148-190. 218 Ibid., p. 190.

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3.3. Função Social da Propriedade

Considerando a relevância da função social da propriedade, não só por se

tratar de direito fundamental estampado no art. 5º, inciso XXIII da atual Constituição

Federal, mas também por ser princípio formador do direito urbanístico, do direito

ambiental e da ordem econômica, é indispensável tecer alguns comentários a este

respeito, ainda que sem a pretensão de exaurir o tema.

A função social da propriedade, apesar de já estar presente no ordenamento

jurídico brasileiro desde a Constituição de 1934219, somente deixou de ser mera

citação retórica com a promulgação da Constituição da República de 1988, que

trouxe transformações profundas na disciplina da propriedade privada, ao integrar os

ideais de Estado Social Democrático, isto é, ao prever maior intervenção estatal na

economia, sem deixar de garantir a propriedade privada e a livre iniciativa220. Assim,

foi arrolada no art. 5º, incisos XXII e XXIII, a garantia do direito à propriedade privada

seguida do imperativo: “a propriedade atenderá a sua função social” (itálico nosso).

Adicionalmente, no art. 170, a função social da propriedade foi designada

como princípio formador da ordem econômica, ao lado da livre iniciativa e da

propriedade privada (incisos II e III) – assim como ocorre com a defesa do meio

ambiente (elencado no inciso VI do mesmo artigo) –, e, portanto, deve ser tomada

como premissa das atividades desenvolvimentistas (por exemplo, mercado

imobiliário e de construção civil), colocando limites às ideias liberais extremadas221.

219 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos Aspectos da Função Social da Propriedade no Direito

Público. In: Revista de Direito Público. n. 84, 1987, pp, 40-41. 220 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 381; SILVA,

José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 76-77; HUMBERT,

Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.

Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 93; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização

Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 26-27. 221 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos

Urbanos, pp. 57-58. Georges Louis Hages Humbert (baseado em J. J. Gomes Canotilho e Vital

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Numa interpretação sistemática da Constituição sobre o tema, Victor

Carvalho Pinto ensina que a leitura do art. 170 em conjunto com o texto do art. 174

do Texto Magno reflete “um limite preciso à função social da propriedade”, uma vez

que, no que tange as atividades econômicas, não se pode “impor comportamentos

específicos ao setor privado, embora sejam aceitos incentivos a determinadas

atividades, desde que decorram de um planejamento anterior”222. Porém, o mesmo

autor esclarece que o planejamento de políticas urbanas e agrárias se mostra como

exceção a tal regra (do art. 174), porque o exercício da propriedade urbana foi

vinculado constitucionalmente ao plano diretor223, inclusive com a previsão de

sanções para os proprietários que não atenderem ao aproveitamento planificado

(parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e

desapropriação sanção, conforme consta do art. 182, § 4º.), de modo que o plano

diretor é determinante para a atuação do setor privado224. Corroboram este

entendimento os esclarecimentos de Georges Louis Hage Humbert:

Dessarte, como princípio jurídico da ordem econômica, [a função social da propriedade] tem incidência destacada sobre as matérias pertinentes à política urbana e agrícola, fundiária e de reforma agrária. Neste sentido, funciona como verdadeiro vetor a influir e irradiar sobre todos os atos jurídicos desta natureza. Em outros termos: tanto o legislador, na elaboração da lei, o julgador, ao proferir decisões judiciais, quanto o administrador, ao expedir atos administrativos, devem observar, em última instância, o referido princípio [...].225

Moreira) destaca que a função social da propriedade é princípio jurídico “mais por sua nítida

natureza de norma basilar, dotada de alto grau de generalidade e abstração que se irradia por todo o

sistema” do que por força da dicção do art. 170 da Constituição (Direito Urbanístico e Função

Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 99-100). 222 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 179. 223 Art. 182, § 2º.: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências

fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” 224 Ibid., p. 179. Neste mesmo sentido, ver também SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico

Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 79. 225 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, p. 101.

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A doutrina226 entende que o cumprimento da função social da propriedade

está relacionado com a subordinação dos interesses privados do proprietário ao

interesse coletivo (ou social)227. José Afonso da Silva relaciona também este

cumprimento à realização das funções urbanísticas (habitação, trabalho, recreação e

circulação) ou função social da cidade228. Esta subordinação aos interesses

coletivos ou públicos reflete-se na obrigação do proprietário de se abster de praticar

atos contrários à lei, ao interesse coletivo, assim como a adotar condutas positivas

com o fim de dar destinação ao bem que atenda aos interesses públicos (e não

apenas aos seus próprios interesses)229. E isto pode ser exemplificado com o

atendimento às exigências fundamentais do plano diretor – por determinação do art.

182, § 2º, CF –, assim como da legislação federal, tal como o Código Florestal230.

Cristiane Derani esclarece que:

O direito de propriedade, isto é, o direito de um sujeito para a detenção de determinado bem, só é protegido pelo ordenamento jurídico se este sujeito detentor do jus utendi, fruendi et abutendi, limitado pelas disposições jurídicas, desenvolver seu domínio

226 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 75-82;

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito

público. In: Revista de Direito Público. N. 84, 1987; BEZNOS, Clóvis. Desapropriação em Nome da

Política Urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.) Estatuto da Cidade... São

Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 120-123; PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011, pp. 175-178; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização

Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 39-47; HUMBERT,

Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.

Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 101-111. 227 Sobre a evolução história do direito de propriedade, ver LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 39-47. Ele

esclarece que desde o direito romano, assim como na Idade Média a propriedade já tinha esta

concepção social. Segundo o mesmo autor, foi o pensamento liberal que trouxe o caráter mais

individualista para a propriedade privada, mas ainda assim não deixou de haver subordinação a

determinados bens coletivos (como o direito de vizinhança, por exemplo) (pp. 21-30). Sobre a

distinção entre a função social da propriedade e as limitações (ou restrições) ao direito de

propriedade, ver excelente análise feita por FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade

no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 100-104, ocasião em que o autor

aborda o tema, inclusive as divergências conceituais da doutrina administrativista sobre limitações e

restrições administrativas. 228 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 77. 229 HUMBERT, Georges Louis Hage. Op. cit., p. 107. 230 FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Op. cit., p. 103.

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100

mantendo o bem-estar conquistado da sociedade e acrescentando vantagens para a vida social.231

Guilherme José Purvin de Figueiredo232 faz um paralelo entre a teoria da

função social da propriedade e a teoria do abuso de direito (esta última desenvolvida

por Josserand), para concluir que a utilização da propriedade sem respeitar sua

função social pode ser equiparada ao exercício do direito com abuso: trata-se de

ilícitos que devem ser igualmente sancionados pelo ordenamento jurídico.

Não é demais ressaltar que a atual Constituição brasileira conferiu o status

de direito fundamental à função social da propriedade233, ao elencá-la no art. 5º,

inciso XXIII, promovendo-lhe proteção especial, como é de se destacar, por

exemplo, a cláusula pétrea234, constante do art. 60, § 4º, inciso IV, da

Constituição235. E isso reflete diretamente no direito à moradia, uma vez que a

função social da propriedade urbana apenas será cumprida quando do atendimento

ao direito à moradia, visando à melhoria das condições de vida da população que

atualmente habita regiões distantes e desprovidas de infraestruturas básicas.

Mas a função social da propriedade apenas ganhou regulamentação

infraconstitucional com a promulgação do Código Civil de 2002236, que assim dispõe

em seu art. 1228, parágrafo 1º:

Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

231 A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”. In: Revista de Direito

Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 63 (itálicos do original). 232 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 96-100. 233 HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade

Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 95-98. 234 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos

Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 55-57. 235 Art. 60. § 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] os

direitos e garantias individuais.” 236 LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 52-55.

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Nos termos propostos pelo Código Civil de 2002, a função social da

propriedade marcou a ruptura com a concepção extremamente individualista da

propriedade privada que vigia sob a regência do Código Civil de 1916, ao subordinar

a posse ao bem-estar social – ou, conforme os termos da lei: “finalidades

econômicas e sociais” e preservação do meio ambiente. E o acréscimo do ideário

ambientalista à função social da propriedade foi bastante significativo para a doutrina

do Direito Ambiental237, que trouxe até mesmo um neologismo: a função

socioambiental da propriedade.

3.4. Função Socioambiental da Propriedade

A utilização da propriedade de acordo com os interesses públicos, dotado

também do viés ambiental, levou Georges Louis Hage Humbert a cunhar a

expressão “função socioambiental da propriedade urbana”, por entender que a

expressão pode ser extraída do ordenamento jurídico (não se trata, portanto, de

mera elucubração extrajurídica)238.

No que diz respeito à função socioambiental da propriedade rural, a própria

Constituição tratou de incluir expressamente o respeito ao meio ambiente no

conceito de função social da propriedade, quando, no seu art. 186, dispõe que “a

função social é cumprida quando a propriedade rural atende [...] utilização adequada

dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”. Além disto, o

237 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 774-776. Este

autor lembra também que o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) estabelece há décadas que “a

propriedade da terra desempenha integralmente sua função social quando”, dentre outros requisitos

“assegura a conservação dos recursos naturais” (art. 2º, § 1º, alínea c). 238 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, pp. 115-138.

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Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) já rezava no mesmo sentido (art. 2º, §1º, alínea

c239). Mas o mesmo não ocorre com relação à função social da propriedade urbana.

Para construir seu raciocínio, Humbert fundamenta sua interpretação a partir

da Constituição Federal, altamente rica em referências ao meio ambiente, o que foi

elevado ao status de direito fundamental na Carta de 1988, assim como a

propriedade e sua função social240. Ele destaca que:

Estamos diante de um princípio jurídico, implícito, e que, por esta natureza, já repisada alhures, tem caráter prescritivo, é dever-ser do qual resultam direitos e obrigações (positivas e / ou negativas).241

Auxilia na fundamentação deste entendimento a disciplina constante do

Código Civil de 2002, que, como já visto, engloba a preservação ambiental no

conceito de função social da propriedade disciplinado no art. 1228, § 1º. E, com isto,

é possível asseverar que a função social da propriedade (rural ou urbana) não será

atendida enquanto não forem “preservados, de conformidade com o estabelecido em

lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o

patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

Outras normas já mencionadas neste estudo trazem implícito este princípio

da função socioambiental, a saber: o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei

de Regularização Fundiária (Lei nº 11.977/09), que fazem (ambas) inúmeras

menções substanciais à preservação do meio ambiente, confira: o Estatuto da

Cidade aponta, desde logo, que (1) regula o uso da propriedade urbana em prol do

equilíbrio ambiental (art. 1º, § 1º) e que (2) a política urbana tem por objetivo ordenar

o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,

mediante diversas diretrizes gerais (art. 2º), dentre elas, destaca-se o planejamento

das cidades, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus

239 “Art. 2º. § 1°. A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando,

simultaneamente: [...] assegura a conservação dos recursos naturais”. 240 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, pp. 119-122. 241 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, p. 124.

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efeitos negativos sobre o meio ambiente (inciso IV). Quando disciplina o plano

diretor (arts. 39 e ss.), esta Lei dispõe que:

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. [destaque nosso]

Ou seja, o próprio Estatuto da Cidade submete o cumprimento da função

social da propriedade urbana ao atendimento das diretrizes de seu art. 2º, dentre as

quais se encontra arrolada a preservação ambiental (inciso XII). Noutras palavras, é

possível dizer que o respeito ao meio ambiente é princípio formador das normas do

Estatuto da Cidade.

Por sua vez, a Lei nº 11.977/09 prevê que o projeto de regularização

fundiária deverá definir as medidas de sustentabilidade ambiental (art. 51, inciso III);

assim como que seja feito o licenciamento ambiental do projeto (art. 53, § 1º), dentre

outras previsões que demonstram a preocupação pela preservação ambiental

quando o caso de regularização fundiária.

Odete Medauar e Guilherme José Purvin de Figueiredo242 corroboram este

entendimento, ao admitirem a “funcionalização social” decorrente da evolução do

direito de propriedade, o que pode ser sentido em matéria urbanística, agrária e

ambiental. Purvin exemplifica sua exposição com o Código de Águas, o Código de

Mineração, o primeiro Código Florestal e a Lei de Tombamento de Bens Culturais

(diplomas da década de 1930), ressalta a intensificação da evolução da década de

1960, com o Estatuto da Terra, o segundo Código Florestal, o Código de Pesca e a

Lei de Proteção à Fauna, e demonstra a continuidade do movimento nos anos mais

recentes, com a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei de Crimes Ambientais

(Lei nº 9.605/98), a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº

242 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.

342; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p. 100.

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9.985/00), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei da Mata Atlântica (Lei nº

11.428/06).

Além deste arcabouço jurídico elencado, não é demais concluir que no

atendimento do interesse público e no cumprimento da ordem legal, a propriedade

urbana também está subordinada à legislação ambiental (além, é claro, das

restrições urbanísticas) – afinal, uma propriedade urbana que desrespeite lei

ambiental estará certamente classificada como ilegal, o que não pode coexistir com

o cumprimento de sua função social.

3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia

Derivado do direito à vida, o direito à moradia nos dias atuais é expresso

como “direito à moradia adequada”, uma vez que o seu conteúdo não se restringe à

faculdade de morar sob um teto, mas é composto pelo direito de viver com

segurança, paz e dignidade243, visando propiciar melhora nas condições econômicas

e sociais, acesso a transporte público eficiente, à saúde e à educação de qualidade,

ao saneamento básico, à energia elétrica, ao lazer, à cultura e aos esportes244. Para

tanto, a moradia adequada deve ser composta das seguintes condições245:

(a) segurança jurídica da posse;

243 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais; SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos

Assentamentos Irregulares. São Paulo: PUC/SP, 2003, pp. 113-116; SAULE JÚNIOR, Nelson;

CARDOSO, Patrícia de Menezes. O Direito à Moradia no Brasil. São Paulo: Instituto Pólis, 2005, p. 22;

MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 38; CAROLO, Fabiana. As

Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior do

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, 2011, p. 101. 244 MELO, Lígia. Op. cit., pp. 30-31. 245 De acordo com o Comentário Geral nº 4 (expedida pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais da Organização das Nações Unidas); cf. SAULE JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 116-117; SAULE

JÚNIOR, Nelson; CARDOSO, Patrícia de Menezes. Op. cit., p. 22; Lígia Melo, Op. cit., pp. 37-38.

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(b) disponibilidade de serviços e infraestrutura, tais como acesso à água

potável, energia elétrica, iluminação pública etc;

(c) custo acessível da moradia;

(d) habitabilidade, com condições básicas de saúde e de proteção contra

intempéries climáticas;

(e) acessibilidade, isto é, a moradia deve ser acessível a todo ser humano,

seja por seus próprios esforços ou através de políticas públicas, com

destaque para pessoas consideradas em desvantagem (idosos, portadores

de necessidades especiais, vítimas de desastres naturais, pessoas que

vivem em áreas de risco, crianças, etc.);

(f) localização que possibilite acesso a emprego, escolas, tratamento de

saúde, áreas de lazer etc., isto é, inserção (ou integração) social;

(g) adequação cultural, para garantia do respeito à identidade cultural da

comunidade, incluindo toda a diversidade possível.

Acrescente-se, também, que o direito à moradia compõe o padrão de vida

adequado ao indivíduo (piso mínimo vital), ao lado de outros direitos, tais como o

direito à alimentação, educação, saúde e assistência social246. Como direito humano

social que é, Nelson Saule Júnior ensina que o Estado brasileiro tem obrigação de

garanti-lo, sob dois aspectos: o primeiro, no sentido de impedir a regressão deste

direito, impedindo ações e medidas que dificultem ou impossibilitem seu exercício; e,

no segundo aspecto, tem-se a obrigação de promover e proteger o direito à moradia,

regulando as atividades econômicas referentes à política habitacional (Estado

246 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro:

Renovar, 2002, pp. 148-190.

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regulador)247. Além disto, por se tratar de desdobramento do direito à vida, está

diretamente relacionado ao direito à saúde, direito à alimentação, ao saneamento

básico e ao meio ambiente saudável248.

Para o enfoque dado no presente estudo, destaca-se que a moradia

adequada deve respeitar a segurança e a saúde de seus habitantes. A adequação

também pode ser verificada quando a moradia não está inserida em área

ambientalmente protegida, para que fique configurada a segurança jurídica da

posse.

Lígia Melo conclui que “trata-se de identificação de interesses difusos,

configurando, portanto, que a todos interessa a ordenação urbana parametrizada

nos direitos fundamentais do indivíduo”249. Vale lembrar: mais do que um direito

difuso, faz parte do rol de direitos humanos, e como tal deve ser tratado pelo Poder

Público, que não pode se escusar de tomar as medidas apropriadas para sua

concretização250. Nesta linha de ideias, a lesão ao direito à moradia se configura

como uma lesão aos demais direitos também251.

3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental

Caracterizado como direito fundamental, também consagrado no plano

internacional do rol dos direitos humanos, tanto quanto o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, o direito à moradia deve ser sempre sopesado quando

estiver em conflito com o previsto no art. 225 da Constituição Federal. É a

247 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:

SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999,p. 78. 248 SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. São

Paulo: PUC/SP, 2003, p. 150. 249 MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 31. 250 Ibid., p. 39. 251 Ibid., p. 40.

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doutrina252 que recomenda que, nos casos difíceis (ou hard cases253), isto é, quando

houver aparente conflito entre princípios jurídicos ou constitucionais consagrados,

que seja aplicada a técnica da ponderação. Quer-se dizer com isso que não há

derrogação de um princípio em prol da aplicação integral de outro: a ponderação

implica na adequação dos princípios envolvidos (aparentemente em conflito), dando-

lhes, a ambos, a máxima aplicação possível no caso em concreto. E isto, quando for

o caso de conflito entre o direito á moradia adequada e o direito ao meio ambiente

equilibrado, deve ser resolvido a partir dos textos principiológicos das normas legais

e constitucionais já apresentadas antes neste estudo.

Assim é que, em termos de política urbana, deve ser invocado inicialmente o

Estatuto da Cidade – na qualidade de “conjunto normativo intermediário”, como nos

ensina Carlos Ari Sundfeld254 –, que expressamente finca suas bases na proteção,

preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII, entre outras

diretrizes). Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios

ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também todo o

arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo as principais a Política

Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas255 etc. Em

outras palavras, é de se verificar que o legislador infraconstitucional, utilizando sua

competência para o estabelecimento de diretrizes gerais fixada pelo caput do art.

182 da Constituição, determinou ao legislador municipal, através do Estatuto da

Cidade, que observe, quando da elaboração de sua política urbana municipal (plano

diretor, verbi gratia), as normas federais e nacionais que tratam da proteção e

recuperação do meio ambiente natural, por ser também seu dever defendê-lo e

252 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y

Constitucionales, 2001, pp. 111-115; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. Coimbra: Edições Almedina, 2003, pp. 1182-1183 e 1240-1241; PADILHA, Norma Sueli.

Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor,

2006, pp. 116-121. 253 HART, Herbert L. A. O Conceito do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, passim. 254 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 52-54. 255 Ibid., pp. 49-50; CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... Revista da

Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, nov. 2011,

Edição Especial, p. 104.

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preservá-lo, por ordem do art. 225 da Carta Magna (“Todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, itálicos nossos).

Como já discutido no capítulo anterior, Daniela Libório256 esclarece esta

questão: no que tange à competência concorrente constante do art. 24 da

Constituição Federal, tal competência é designada a mais de um ente federativo,

sem que haja conflito entre suas atribuições: “o termo ‘concorrência’ é aqui

entendido como uma soma de atribuições diferenciadas sobre um mesmo

assunto”257, havendo desdobramento de uma competência complementar e outra

suplementar, da seguinte forma: a União edita normas gerais (§ 2º do art. 24); na

ausência de normas gerais da União, Estados-membros e Distrito Federal podem

editar normas gerais (que terão sua eficácia suspensa quando a União normatizar o

tema, conforme § 4º do mesmo artigo); em havendo normas gerais da União,

Estados-membros e Distrito Federal legislarão sobre seus interesses, editando

normas complementares; e, por fim, o Município suplementará tais normas, com

fundamento no art. 30, inciso II.

É certo que os temas aqui tratados (direito urbanístico e proteção do meio

ambiente) estão elencados no rol das competências concorrentes do art. 24 (incisos

I e VI, respectivamente) e em capítulos próprios (arts. 182-183 e art. 225,

respectivamente). E conclui a autora: “Nestes artigos [referindo-se apenas aos arts.

182-183] o texto constitucional impõe ao legislador federal a elaboração de normas

gerais sobre política urbana e determina que o Município será o responsável pelo

desenvolvimento urbano local.”258 Embora a douta professora faça referência

apenas à política urbana, não é demais utilizar o mesmo raciocínio para a política

ambiental, de modo que se considera, mais uma vez, justificada a tese de

intercâmbio harmonioso entre a legislação ambiental e urbanística, sem que haja

256 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, p. 64-65. 257 Ibid., p. 64. 258 Ibid., p. 65.

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implicação de conflito de competências legislativas entre as esferas federal e

municipal.

Por todos estes motivos é que se considera afastada a tese defendida em

alguns artigos259 de invasão de competência municipal por lei federal quando é

aplicado o Código Florestal em área urbana.

Corrobora com o posicionamento aqui exposto o princípio da função

socioambiental da propriedade, já comentado anteriormente, que determina que,

seja em área urbana, seja em área rural, a propriedade, pública ou privada, deve

preservar, “em conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as

belezas naturais, o equilíbrio ecológico”260. Vê-se neste dispositivo legal mais uma

manifestação do legislador infraconstitucional de inclusão do caráter de preservação

ambiental na conduta do proprietário de qualquer imóvel, agora no âmbito civil, ou

seja, no que respeita a relação que o proprietário tem com a coisa, assim como na

relação que ele tem com a comunidade, em razão do imóvel.

Até aqui se defendeu que o Código Florestal deve ser respeitado seja na

propriedade rural, seja na propriedade urbana; e com isso as áreas de preservação

permanente devem ser restauradas. Porém, como se viu nos tópicos anteriores, há

casos em que o direito à moradia entra em aparente conflito com o direito ao meio

ambiente equilibrado, especialmente porque é frequente que as ocupações

irregulares se instaurem em áreas ambientalmente frágeis, como é o caso da APP.

Nestes casos, é comum que haja judicialização da situação, em especial porque a

Administração Pública municipal, ao regularizar a situação fundiária de um grupo de

moradores (ou posseiros), esbarrará no direito de propriedade dos titulares das

259 PIETRE, Ronald. O Código Florestal e as Zonas Urbanas. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 355; MAIA, Leonardo Castro. A Reserva Legal Florestal e os Imóveis

Situados em Zona Rual, Urbana e de Expansão Urbana. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011, p. 375. Esta tese era bastante propalada durante a vigência do Código

Florestal de 1965. Com a edição da Lei nº 12.651/12 e o texto do seu art. 4º, tornou-se incontroversa

a existência de APP em área urbana, embora possa ainda subsistir a discussão sobre configuração ou

não de invasão de competência da legislação federal (Código Florestal) sobre matéria de

competência municipal (interesse local de definir as áreas non aedificandi). 260 Art. 1.228, § 2º, do Código Civil.

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terras (direito registrário), no direito de posse daqueles que estão ali vivendo (direito

de posse e urbanístico), em áreas de mananciais de responsabilidade do Estado-

membro ou em áreas de matas ciliares de rios estaduais, áreas de marinha (direito

ambiental), etc. Ou seja, são muitos os interesses envolvidos, e, via de regra, tais

interesses são difusos, complexos, conflitantes, colidentes, o que, por conseguinte,

deverá ser resolvido pelo Poder Judiciário, no exercício de suas funções

precípuas261.

Nestas situações, andou bem a Lei nº 11.977/09 ao regulamentar, em

âmbito nacional, o instituto da regularização fundiária. Nesse mister, dispõe em seu

art. 46 que a regularização fundiária visa “garantir o direito social à moradia, o pleno

desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado”, ou seja, estes três valores embasadores do

Estado Democrático de Direito – moradia, propriedade urbana e meio ambiente –,

todos eleitos como direito fundamental pela Carta Magna, deverão ser o objetivo da

regularização fundiária e deverão permanecer garantidos, vale dizer, concretizados.

E mais, ao estabelecer os princípios da regularização fundiária (art. 48), a mesma

Lei determinou que sejam respeitadas as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade,

bem como as “políticas setoriais ambientais [...] nos diferentes níveis de governo”

(inciso II). Retome-se que, por “políticas setoriais ambientais” deve-se entender: a

Política Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas etc.

261 Norma Sueli Padilha, ao analisar a colisão de direitos metaindividuais, ressaltou a dificuldade do

Poder Judiciário para solucionar lides que envolvem direitos difusos, quando comparado com lides

individuais, em suas palavras: “Sendo assim, trata-se de lides que se diferenciam, nitidamente, das

lides de natureza privada, pois implicam conflitos que envolvem novas tarefas promocionais ao

Poder Judiciário, referidas no campo afeto, usualmente, às políticas públicas. Nesse sentido, afirma

Cappelletti que as lides ambientais obrigam o juiz ‘[...] a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel

tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada’, advertindo entretanto para os

riscos decorrentes do crescimento dos poderes judiciais, dado que tal transformação, no papel do

Judiciário, não pode implicar simplesmente na troca da discricionariedade administrativa e

legislativa, pela judiciária, especialmente nas hipóteses em que ‘[...] um sério controle exija o

emprego de conhecimentos sofisticados ou técnicas especializadas, as quais, embora possam estar à

disposição do legislador e da administração pública, são, amiúde, dificilmente acessíveis aos tribunais

judiciários’.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Editor, 2006, pp. 47-48.)

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Com isso, pode-se subsumir que, em regra, a regularização fundiária deverá

respeitar, preservar e restaurar as áreas de preservação permanente, nos termos da

legislação pertinente.

Contudo, as situações excepcionais já vistas (ocupação de população de

baixa renda em áreas ambientalmente sensíveis) impedem a manutenção ou

restauração da APP. A ocupação pode se dar em Unidade de Conservação ou

mesmo em área de preservação permanente assim considerada por seus atributos

naturais. Para cada um desses casos, há previsão legal, na legislação pertinente,

com respectivas soluções.

Nesse sentido, a Lei nº 9.985/00 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação) já previa a possibilidade de ocupação em Área de Preservação

Ambiental (APA) (art. 15) e Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) (art. 16),

por populações tradicionais já residentes na Unidade de Conservação no momento

de sua criação (art. 36 do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002). Para tais

casos, a Lei nº 11.977/09 estendeu suas disposições referentes ao procedimento de

regularização, consoante art. 53, § 3º, em especial no que tange a necessidade de

anuência do órgão gestor da Unidade de Conservação (UC): “No caso de o projeto

abranger área de Unidade de Conservação de Uso Sustentável que, nos termos da

Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, admita a regularização, será exigida também

anuência do órgão gestor da unidade.”

Quer-se dizer com isto que a Unidade de Conservação não é, em tese,

incompatível com ocupação humana e regularização fundiária, porém, deverá

respeitar alguns critérios e requisitos legais mais rígidos – por exemplo: manter os

ecossistemas naturais, com objetivo de conservação da natureza, como dispõe o

mencionado art. 16 –, não podendo o processo ocorrer de forma arbitrária e apenas

considerando o aspecto da moradia.

Quando for o caso de regularização fundiária em APP, verifica-se que a Lei

nº 11.977/09 também se preocupou em regulamentar o tema especificamente em

seu art. 54. A lei prevê, então, condições de ordem objetiva (a saber, que a

ocupação tenha ocorrido até 31 de dezembro de 2007 e apenas em área urbana

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consolidada262) e condições de ordem subjetiva (quais sejam: decisão motivada do

município e a comprovação de que as condições ambientais serão melhoradas com

a regularização). Confira o texto do § 1º do art. 54:

§ 1º. O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.

Como se vê, nestes pontos da legislação, a proteção ao meio ambiente e a

busca por seu equilíbrio cedem espaço para o direito à moradia, como forma de

harmonizar os valores constitucionais em aparente colisão.

Nesse diapasão, o tema foi incluído no Novo Código Florestal (Lei nº

12.651/12, com a redação dada pela Lei nº 12.727/12). Por este diploma legal, a

intervenção ou supressão das Áreas de Preservação Permanente em áreas urbanas

ou rurais foi autorizada expressamente pelo art. 8º263. Porém está condicionada às

hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, como já

se viu anteriormente. A chamada regularização fundiária está compreendida nos

casos de interesse social, consoante art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, da Lei nº

262 O conceito legal de área urbana consolidada consta da mesma Lei, em seu art. 47, inciso II: “área

urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta)

habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes

equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b)

esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e)

limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”. O Novo Código Florestal, alinhado com a Lei nº

11.977/09, faz remissão ao conceito descrito na Lei de Regularização Fundiária. Sobre crítica aos

critérios eleitos pela lei, ver comentários de BASTOS, Marina Montes. Comentários ao art. 3º, inciso

XXVII. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal..., São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 135-137. 263 “Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente

somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto

ambiental previstas nesta Lei.”

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12.651/12264. Os arts. 64 e 65 da mesma Lei também disciplinam a regularização

fundiária de interesse social e de interesse específico.

Quando for o caso de ocupação de APP em área com restinga ou

manguezais em região urbana, a previsão legal para regularização está no parágrafo

2º do mesmo art. 8º265. Em tais hipóteses, a intervenção ou supressão pode ser,

excepcionalmente, autorizada, quando a função ecológica do manguezal estiver

comprovadamente comprometida, e apenas para fins exclusivos de obras de

habitação ou urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de

interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa

renda.

Com o objetivo expresso de harmonizar a regularização ambiental com a

regularização fundiária da Lei nº 11.977/09 – isto é, nos casos em que estiver

presente o direito à moradia adequada –, o legislador traçou detalhes da

regularização ambiental em áreas de interesse social nos arts. 64 e 65, vinculando o

procedimento às disposições da Lei nº 11.977/09266. Assim, vê-se que a

regularização ambiental de supressão de APP somente é autorizada pelo novo

Código Florestal quando ocorrer em benefício do direito de moradia, no estrito

contexto da regularização fundiária da Lei nº 11.977/09.

264 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX - interesse social: [...] d) a regularização

fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda

em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de

julho de 2009” 265 “§ 2º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de

que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais

onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e

de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas

urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.” 266 Diz o caput destes artigos: “a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do

projeto de regularização fundiária, na forma da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009”.

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Para tanto, a lei trata de modo diferenciado a regularização fundiária de

interesse social (art. 64267) e de interesse específico (art. 65268), que, não por acaso,

estão correlacionadas à disciplina dos arts. 53 a 60-A, e arts. 61 e 62

(respectivamente), da Lei nº 11.977/09.

267 “Art. 64. Na regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área

urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização

ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da

Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O projeto de regularização fundiária de interesse social

deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à

situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas. § 2º. O estudo técnico mencionado

no § 1º deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos: I - caracterização da situação ambiental

da área a ser regularizada; II - especificação dos sistemas de saneamento básico; III - proposição de

intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações; IV - recuperação

de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; V - comprovação da melhoria das

condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos

hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o

caso; VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização

proposta; e VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.” 268 “Art. 65. Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área

urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas

de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização

fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O processo de regularização

ambiental, para fins de prévia autorização pelo órgão ambiental competente, deverá ser instruído

com os seguintes elementos: I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da

área; II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das

restrições e potencialidades da área; III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura

urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos; IV - a

identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de

influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas; V - a especificação da

ocupação consolidada existente na área; VI - a identificação das áreas consideradas de risco de

inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de

blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico; VII - a indicação das faixas ou

áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente

com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de

regularização; VIII - a avaliação dos riscos ambientais; IX - a comprovação da melhoria das condições

de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e

X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos

d’água, quando couber. § 2º. Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos

rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15

(quinze) metros de cada lado. § 3º. Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural,

a faixa não edificável de que trata o § 2º poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros

do ato do tombamento.”

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Não é demais destacar que a regularização ambiental em APPs é medida

excepcional que terá lugar apenas quando for o caso de interesse social (consoante

caput do art. 8º e alínea ‘d’, inciso IX do art. 3º269), já que a regra de manutenção das

áreas de preservação permanente é mantida também nos casos de zonas urbanas

(como se verifica pela redação do art. 4º combinado com art. 8º). Em sendo medida

excepcional, a interpretação legal deve ser feita de forma restritiva, não

comportando interpretação extensiva ou integração analógica. Se é excepcional, é

porque a regularização fundiária em tais áreas não é a solução mais adequada, seja

do ponto de vista socioambiental, seja do ponto de vista urbanístico, de forma que é

responsabilidade do administrador verificar previamente a viabilidade de outras

soluções mais adequadas para a população (visando a inclusão social e

urbanística), para a organização territorial e para o meio ambiente. Vale dizer: dentro

do âmbito da discricionariedade da Administração Pública, antes de optar pela

regularização fundiária, deverá certificar-se de que a regularização é a melhor

alternativa para aquela população270.

269 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX – interesse social: [...] d) a regularização

fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda

em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de

julho de 2009.”

270 Isto porque, há autores que apontam efeito indesejável da regularização funidária: em alguns

casos, pode se tornar inadequada por estimular a ocupação irregular de novos terrenos ou o

fomento de regiões já ocupadas irregularmente. É a posição de Consuelo Yatsuda Moromizato

Yoshida e Vicente de Abreu Amadei (Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In:

MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2012, p. 440): “O ideal é tentar reverter a ocupação irregular em APP sempre que

possível, e não possibilitar novas ocupações em desacordo com a legislação em vigor, na tentativa de

gerar ‘novas’ situações consolidadas. [...] É preciso, pois, ter em conta que a regra é a imutabilidade

do perfil ambiental natural protegido das APP, quer estejam situadas em zona rural ou em zona

urbana. Mas essa diretiva – que se há de respeitar, em prol da cidade sustentável – comporta

exceção legal controlada, mediante autorização específica, como se vislumbra em hipótese de

regularização fundiária de assentamentos localizados em área urbana consolidada, na razão maior do

desenvolvimento humano dos cidadãos.”

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Ainda que presentes os requisitos legais, Consuelo Yoshida e Vicente de

Abreu Amadei271 entendem que a avaliação do administrador deve ser feita

casuisticamente, de modo que, mesmo que a situação fática esteja dentro dos

limites impostos pela lei (subsunção do caso concreto à lei em tese), o Poder

Público poderá optar por não efetuar a regularização da área, se constatados

impedimentos de outras ordens (interesse público, saúde, segurança, ordem

urbanística, ambiental, social entre outras).

Estes mesmos autores ponderam ainda que: (a) se não estiver configurada a

área urbana consolidada, tal como a legislação a caracteriza272, “não há razoável

irreversibilidade para justificar a prevalência do valor social da ocupação irregular

sobre o valor ambiental da área sensível”273; e (b) devem ser observados outros

critérios trazidos pela Lei nº 11.977/09, em especial a necessidade de assegurar o

nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade

urbanística, social e ambiental (art. 48, inciso I). Concordamos com este

posicionamento, especialmente porque a Lei de Regularização Fundiária e o novo

Código Florestal são complementares, ou seja, tais leis devem ser interpretadas e

aplicadas como um microssistema jurídico.

Uma vez ultrapassada a fase de discricionariedade da Administração

Pública, tendo havido a opção pela regularização das moradias, a área em

referência deverá:

271 Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo

Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 440-441.

No mesmo sentido, porém numa abordagem mais teórica, Norma Sueli Padilha fundamenta: nos

casos que versam sobre meio ambiente, por se tratar de direitos difusos, tem-se um típico hard case,

em que o julgador deve escolher entre possíveis alternativas de decisão (em oposição à mera

subsunção da norma ao fato jurídico), “pois tais casos possuem textura aberta, já que é impossível

pretender-se, até mesmo de forma ideal, a concepção de regras tão detalhadas que a questão sobre

sua aplicação ou não a um caso particular sempre esteja resolvida antecipadamente, e nunca abranja

uma escolha entre alternativas abertas.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 79). 272 Cf. art. 47 da lei nº 11.977/09. 273 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Op. cit., pp. 441-442.

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(a) se constituir de um assentamento humano em área urbana (assim

definida na lei municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com

densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art.

47, inciso II, Lei nº 11.977/09);

(b) ser composto predominantemente por população de baixa renda (art. 3º,

inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);

(c) ter como finalidade precípua a moradia da população (art. 47, inciso VI,

Lei nº 11.977/09);

(d) ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº 11.977/09);

(e) ter implantados, no mínimo, 2 (dois) equipamentos de infraestrutura

(dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas, esgotamento sanitário,

abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica ou limpeza

urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art. 47, inciso II, Lei nº

11.977/09)274;

(f) ter se constituído em data anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §

1º, Lei nº 11.977/09);

(g) após a intervenção, implicar em melhoria das condições ambientais (art.

54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e

(h) ter nível adequado de habitabilidade e melhores condições de

sustentabilidade urbanística, social e ambiental, após a intervenção (art. 54,

§ 1º, Lei nº 11.977/09).

274 Tais critérios, ao que se vê, são mais brandos do que aqueles fixados pelo CONAMA, na Resolução

nº 303/2002, que exigia a existência de quatro equipamentos de infraestrutura urbana (e não dois,

como trazidos pela lei de 2009).

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Este último critério (“nível adequado de habitabilidade e melhoria das

condições de sustentabilidade urbanística”) se relaciona com a segurança ou risco

da área a ser regularizada (princípio da precaução). É a mesma orientação dada

pelas outras normas já citadas: a Organização das Nações Unidas chama de

habitabilidade275, o Estatuto da Cidade descreve como “direito às cidades

sustentáveis”276, a Lei de Regularização Fundiária cita “nível adequado de

habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e

ambiental”277. Curioso notar que até mesmo a Lei de Parcelamento do Solo Urbano

(Lei nº 6.766/79) contém disposições semelhantes (redação incluída pela Lei nº

9.785/99):

Art. 3º. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo: I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Ou seja, a saúde e segurança da população, por se tratarem de valores

máximos da Constituição Federal, sempre devem ser preservadas, seja sob o viés

ambiental, seja sob o viés urbanístico. Esta preocupação nasce a partir de desastres

naturais, tais como desmoronamento ou deslizamentos de terras, enchentes,

inundações, etc., muito comuns em épocas de chuvas em nosso País de clima

predominantemente tropical. São desastres comuns, entre outros fatores, porque a

população que habita as áreas sujeitas à regularização fundiária é empurrada para

montar suas moradias em regiões de encostas de morro e margens de rio, por

exemplo, regiões estas muito suscetíveis a tais desastres quando da ocorrência de 275 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais. 276 Art. 2º, inciso I, Lei nº 10.257/01 277 Art. 48, inciso I, Lei nº 11.977/09

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chuvas torrenciais. Consuelo Yoshida e Vicente de Abreu Amadei, no que tange tal

risco, alerta que “sem a prévia eliminação deste elemento de insegurança

habitacional não há regularização: a segurança habitacional há de preponderar.

Ademais, regularização sem esse cuidado até poderia aumentar a insegurança

habitacional na área.”278

Por isto, não é demais inferir que a ratio legis da norma ambiental reside na

saúde e segurança dos cidadãos, que devem ser preservadas acima de tudo. São,

portanto, valores (leia-se: princípios) que dão fundamento às leis tratadas neste

capítulo – vale dizer, são sobreprincípios constitucionalmente previstos (arts. 1º,

incisos II e III, e art. 6º, caput, da Constituição Federal) e, por este motivo, estão

autorizados a dar mais elasticidade ao regime jurídico das APPs.

Neste mesmo sentido, retome-se que a função ambiental das áreas de

preservação permanente corrobora na manutenção dos princípios fundamentais da

saúde e da segurança da população, podendo ser também considerada como ratio

legis da norma urbanística, verificando-se, mais uma vez, a intersecção dos valores

ambientais e urbanísticos em prol do desenvolvimento sustentável das cidades.

278 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Área de Preservação

Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo

Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 442.

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CONCLUSÃO

A partir da análise do instituto da Área de Preservação Permanente (APP)

em perspectiva histórica realizada no capítulo 1, verificou-se que sua proteção

nasceu sob a égide do ideal economicista e utilitarista e, posteriormente, foi

construída a concepção difusa do instituto e de seu arcabouço legal, à medida que a

consciência ambiental foi se disseminando na sociedade, a partir da segunda

metade do século XX.

No início das ondas ambientalistas, surgiu, em movimento antagônico, o

desenvolvimentismo, caracterizado pelo pensamento de priorização do crescimento

econômico a qualquer custo. Foram necessários estudos acadêmicos e científicos

para desconstruí-lo e fundamentar a nova concepção de desenvolvimento

sustentável, em que se busca conciliar incremento econômico, promoção de

melhorias sociais e preservação ambiental, simultaneamente.

Sob este viés e a partir da identificação da função ambiental, verifica-se que

a legislação referente à APP protege não um exemplar arbóreo avulso, mas sim todo

o ecossistema envolvido, ainda que a vegetação tenha sofrido corte raso. A floresta

– caracterizada por um conjunto de plantas de estruturas semelhantes, com

homogeneidade ecossistêmica e de plantas lenhosas de porte alto – revelou sua

importância por desempenhar papel preponderante na manutenção de diversos

ecossistemas (fauna, serviços ambientais de contenção de pragas na lavoura,

sistema de regulação do ciclo hidrológico e de contenção do solo, dispersão do fluxo

gênico, manutenção dos gases de efeito estufa, regulação de temperaturas e

umidade, redução da poluição atmosférica, etc.), assim como papel de evitar

catástrofes naturais nas regiões urbanas (deslizamento de terras, desmoronamento

de casas e outras construções, inundações, alagamentos, enchentes etc.).

Partindo desta premissa, o interesse público difuso orientou o legislador

pátrio a conferir status de bem ambiental à APP, dando-lhe especial proteção, por se

tratar de interesse comum a todos os habitantes do país, porque essencial à

qualidade de vida da população. Com isso, o particular que possui área de

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preservação permanente em seu imóvel (por seus atributos naturais ou por ato de

declaração do Poder Público), não obstante possa exercer seus poderes de

proprietário, deve-se curvar ao regime jurídico de interesse público

(simultaneamente) – vale dizer: às normas de ordem pública – que dão contornos

mais restritos ao seu poder de usufruto da propriedade. É o que a doutrina denomina

de “dupla afiliação simultânea a dois regimes patrimoniais”279. Esta concepção já

existia quando da vigência do Código Florestal de 1965, o que não foi modificado

com a sua revogação, quando aprovado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12).

A este respeito, conclui-se que o atual Código Florestal, após polêmicas

discussões no Congresso Nacional, foi promulgado utilizando parte do regramento

anterior a respeito de APP, porém introduzindo inovações no que diz respeito ao

tema de áreas de proteção permanente:

(a) foi ratificada a vigência de suas normas na área urbana, de modo que

hoje é inequívoca a redação do art. 4º, que prevê a APP em zona urbana;

(b) foi ampliado o rol de hipóteses legais que caracterizam as áreas de

utilidade pública, de interesse social e os casos de baixo impacto ambiental,

de modo que foram acrescentadas diversas situações em que é possível

suprimir APP;

(c) foram incluídas disposições específicas a respeito do tema de

regularização fundiária de áreas ambientalmente sensíveis nas zonas

urbanas, integrando o procedimento com aquele introduzido pela Lei nº

11.977/09.

Embora tenha havido um progresso ao agregar a lei ambiental com a

regularização da moradia, não se pode deixar de consignar que a promulgação do

novo Código Florestal foi, em linhas gerais, um retrocesso em termos de proteção

jurídica às áreas de preservação permanente, uma vez que tais áreas estão menos

279 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).

Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70.

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protegidas pelo texto normativo, o que afronta o princípio da proibição do retrocesso.

Tal retrocesso decorreu de fortes movimentos desenvolvimentistas presentes no

Poder Legislativo atual, o que se espera seja corrigido no futuro próximo. Esta crítica

não se baseia apenas em considerações a respeito de princípios jurídicos: está

abalizada no relatório da Associação Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC),

em que está contradito o argumento do desenvolvimentismo (a saber, necessidade

de terras para o abastecimento alimentar no futuro): os estudos apresentam

pesquisas que concluem pelo excesso de áreas disponíveis para agropecuária e

apontam como solução a modernização das técnicas de criação e cultivo, com o fim

de aumento da produtividade no campo, que, em nosso país, possui baixo índice,

em especial quando confrontado com a quantidade de recursos naturais, humanos e

financeiros disponíveis.

Ao realizar este movimento de integração entre suas próprias normas e as

regras de regularização fundiária (Lei nº 11.977/09), o Código Florestal tornou-se

mais um exemplo de diploma legal que proporciona o encontro do Direito Ambiental

com o Direito Urbanístico, tendência que pode ser constatada através da análise de

outras leis, tais como o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01, art. 2º, inciso XII); a Lei

de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79, arts. 1º e 2º, caput); etc. Reforça

também esta tendência a ideia do desenvolvimento sustentável das cidades,

atualmente difundida no intento de conciliar crescimento econômico, proteção

ambiental e desenvolvimento social (triple bottom line).

Ocorre que esta integração verificada entre diferentes normas e áreas do

Direito deve se dar de modo a não causar invasão de competência

constitucionalmente atribuída aos entes federativos. Para tanto, é necessário que as

competências constitucionais sejam minuciosamente observadas pela União,

Estados-membros, Distrito Federal e Municípios quando da elaboração de suas

próprias normas.

No que toca este tema, verifica-se que o Código Florestal foi concebido no

exercício da competência concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, e § 1º, em

combinação com o disposto no caput do art. 225, ambos da Constituição Federal,

isto é, foi fruto do poder de edição de normas gerais por parte da União. É possível

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caracterizar a Lei nº 12.651/12 como norma geral, não só porque assim dispõe seu

texto, mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios e regras

uniformes. Ao dispor uniformemente sobre as áreas que devem ser

permanentemente preservadas, com metragens mínimas e exceções a serem

obedecidas em todo o território nacional, a União exerceu regularmente sua

competência legislativa sobre florestas, conservação da natureza, defesa do solo e

dos recursos naturais e proteção do meio ambiente, visando à defesa do bem

ambiental para as presentes e futuras gerações. Por este motivo, a lei deve ser

respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios (este último

inclusive por ser precípuo destinatário da norma geral) e pode por eles ser

suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal). E

como norma geral que é, referido Código deve ser levado em conta quando da

elaboração das políticas de desenvolvimento urbano e plano diretor por parte dos

Municípios, conforme orientação do art. 182 da Carta Magna, objetivando garantir o

bem-estar dos seus habitantes.

Esta interpretação apresentada é fundada nos princípios da máxima

efetividade das normas constitucionais e da interpretação sistemática (ou método da

unidade do sistema) e visa a maior eficácia dos direitos fundamentais, assim como a

harmonização e coerência de todo o sistema normativo. Os direitos fundamentais

aqui em debate, vale dizer, são o direito ao meio ambiente (natural e artificial)

equilibrado, direito à vida, à saúde, à segurança e o direito à moradia.

E foi no Direito Urbanístico em que se encontrou o fator limitador para

implantação e manutenção das APPs nas cidades: o direito à moradia e sua

regularização, direito consagrado constitucionalmente, imprescindível à dignidade da

pessoa humana e ao desenvolvimento da cidadania. Nesta qualidade, não pode ficar

margeado quando em colisão com o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado especialmente diante do atual quadro deficitário de moradia no Brasil,

mormente em áreas de maior concentração populacional.

Neste cenário, verifica-se que atualmente, com a promulgação das Leis nº

10.257/01 (Estatuto da Cidade), 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e

12.651/12 (novo Código Florestal), o arcabouço jurídico está mais bem estruturado

para que a Administração Pública e o Poder Judiciário possam enfrentar estas

situações de alta conflituosidade (hard cases) com instrumentos jurídicos

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adequados. O Estatuto da Cidade, na qualidade de norma geral urbanística,

proporciona e estimula a integração entre o planejamento urbanístico e a proteção

ambiental em nível municipal. Por sua vez, a Lei de Regularização Fundiária tem

como escopo a concretização do direito à moradia adequada, em consonância com

a busca pelo equilíbrio do meio ambiente. Neste intento, fixa critérios para viabilizar

o procedimento administrativo, seja no âmbito do Município, do Estado, Distrito

Federal ou da União. E, por fim, o Código Florestal complementa as demais leis, ao

autorizar a regularização fundiária em áreas de preservação permanente em zonas

urbanas, e ao estipular critérios objetivos, em nítido sopesamento in abstracto entre

o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à moradia, desde que respeitados

os requisitos da Lei nº 11.977/09, bem como aqueles outros apresentados pelos

arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/12. Tais critérios, antes inexistentes, funcionam como

um “manual” para a Administração Pública nesta difícil tarefa de trazer moradia

adequada a um contingente populacional que ultrapassou o razoável.

Neste diapasão, é necessário que esteja presente e devidamente

caracterizado o interesse social, nos seguintes termos:

(a) Deve haver assentamento humano em área urbana (assim definida na lei

municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com densidade

demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art. 47, inciso

II, Lei nº 11.977/09);

(b) O assentamento deve ser composto predominantemente por população

de baixa renda (art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);

(c) As ocupações irregulares devem ter como finalidade a moradia da

população (art. 47, inciso VI, Lei nº 11.977/09);

(d) A área deve ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº

11.977/09);

(e) O assentamento deve ter implantados no mínimo 2 (dois) equipamentos

de infraestrutura (dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas,

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esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de

energia elétrica ou limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art.

47, inciso II, Lei nº 11.977/09);

(f) a ocupação deve ter sido anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §

1º, Lei nº 11.977/09);

(g) a intervenção deve implicar em melhoria das condições ambientais (art.

54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e

(h) devem ser assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria

das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental (art. 54, §

1º, Lei nº 11.977/09).

Não obstante a eleição de critérios objetivos, observa-se que alguns deles

são mais abstratos (melhoria das condições ambientais, por exemplo). Tais

cláusulas conferem ao administrador maior margem de liberdade para atuar, isto é,

sempre haverá discricionariedade para atuação do administrador ou do julgador

diante do caso concreto sob análise, uma vez que os conflitos de interesses

transindividuais, por se caracterizarem como hard cases, devem ser decididos por

“escolha entre alternativas de decisão”, ou seja, é a técnica da ponderação, a busca

por um equilíbrio razoável entre diversas formas de solução do caso280.

E, para que esta busca se configure como razoável, a regularização da

moradia deve se basear nos direitos fundamentais da função social da propriedade,

do meio ambiente equilibrado, consoante os ditames do art. 225 da Carta Magna,

bem como deve estar compreendido no plano urbanístico do município em questão,

com vistas a inserir a comunidade nas demais funções da cidade (trabalho, lazer e

circulação). No mesmo sentido, a segurança e a saúde da população deve ser

incluída no sopesamento daquele que proferirá a decisão, uma vez que são os

280 PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre:

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valores constitucionais máximos que orientam todo o ordenamento jurídico

estudado.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

JULIANA MUNIZ PACHECO

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

EM ZONA URBANA

E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo

2013

Page 138: ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA … Muniz... · constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto urbanístico, priorizou-se o foco no

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

JULIANA MUNIZ PACHECO

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

EM ZONA URBANA

E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais, na área de concentração em Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação do Professor Doutor Marcelo Gomes Sodré.

São Paulo

2013

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Banca Examinadora:

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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Aos meus pais, que sempre apoiaram

minhas decisões, pelo amor incondicional;

ao meu eterno companheiro, que, além do

constante e fundamental apoio, traz mais

luz e sentido aos meus dias;

e ao meu filho, que me apresentou um

novo significado de vida

simplesmente por existir.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas oportunidades que coloca em minha vida e pela força.

Meus sinceros agradecimentos ao meu orientador, Professor Marcelo

Gomes Sodré, pelas aulas ministradas no curso de Mestrado, pelas incríveis leituras

sugeridas e pelo empenho e dedicação na orientação, que foram fundamentais para

obter o resultado apresentado.

À Professora Daniela Libório Di Sarno, pelas contribuições dadas na banca

de qualificação, que, certamente, foram decisivas e muito auxiliaram a ampliar a

abrangência da presente pesquisa.

Às Professoras Daniela Libório e Norma Sueli Padilha, por aceitarem

gentilmente o convite para a banca de defesa.

À Professora Consuelo Yoshida, por sua generosidade, ao me conceder

especial oportunidade de trabalhar ao seu lado durante dois anos, pelos

ensinamentos dentro e fora de sala de aula, pela inspiração e pelas sugestões que

muito enriqueceram o trabalho.

Às colegas do mestrado Laura Lícia Vicente, Cristiane Queli, Renata Falson,

Gisele Lenzi, Renata Ogasawara pela companhia durante e depois da conclusão do

curso de Mestrado, pelas dicas preciosas e por tornarem os momentos

especialmente agradáveis.

Especiais agradecimentos aos amigos Regina Vincent e Marcelo Guena, por

seus esclarecimentos técnicos, que contribuíram muito quando a insegurança de

pesquisar por outras searas do conhecimento estagnava meus trabalhos.

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A todos meus familiares e amigos, que souberam entender meus momentos

de ausência e de dedicação à vida acadêmica.

E, finalmente, a todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente,

para a realização e conclusão deste trabalho.

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RESUMO

PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e

Regularização da Moradia. 2013. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2013.

A presente pesquisa se baseou nas principais discussões havidas na vigência do

Código Florestal de 1965, época em que não era nada pacífica a tese de existência

das áreas de preservação permanente nas cidades. Com este pano de fundo,

buscou a origem histórica do instituto dessas áreas ambientalmente sensíveis, bem

como seu fundamento (ou ratio legis), hoje denominada função ambiental ou

ecológica. Utilizando tais conceitos como base, progrediu-se em direção ao Direito

Urbanístico e sua relação com as normas ambientais, discussão bastante atual e de

necessário enfrentamento ante a persistente tese de exclusão de uma ordem

jurídica em prol da outra. Para tanto, visitaram-se o rol de competências

constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto

urbanístico, priorizou-se o foco no Direito à Moradia e à sua regularização, ponto

mais sensível no que tange à lesão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e

gerador de demandas em prol da dignidade da pessoa humana. Durante o

desenvolvimento das pesquisas, sobreveio a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012,

com suas posteriores alterações, o que refletiu nas premissas, diretrizes e

conclusões finais da presente dissertação, de modo que a regularização da moradia

ganhou nova abordagem tanto da lei, quanto das pesquisas levadas a cabo. Com

isso, conclui-se que o Poder Público, na qualidade de gestor do meio ambiente

equilibrado, ganhou procedimentos mais adequados para concretizar o Direito à

Moradia, através da regularização fundiária e da manutenção não só do equilíbrio

ambiental, mas também do direito à vida, à segurança e à saúde da população

envolvida.

Palavras-chave: Código Florestal. Área de Preservação Permanente. Função

Ambiental ou Ecológica. Direito à Moradia. Regularização da Moradia.

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ABSTRACT

PACHECO, Juliana Muniz. Permanent preservation area in urban zone and housing

ownership. 2012. 136 f. Dissertation (Law Master) – Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo. São Paulo, 2013.

The present research was based in discussions which took place when Forestry

Code of 1965 took force, a time when the thesis of permanent preservation areas in

cities was not anywhere peaceful. Within this background, it was pursued the historic

institute source of this environmentally sensitive areas, as well as its fundamental (or

ratio legis), nowadays denominated environmental or ecological function. Using such

concepts as base ground (delataria ground), the study has progressed towards

Urban Planning Law and its relationship with environmental regulation, an updated

discussion with needed confrontation before the persistent thesis of excluding one

legal order in place of another. For this purpose, it was addressed the constitutional

competences array (delataria array) and the sustainable development principle. From

the urban planning perspective, it was prioritized focus in Housing Ownership and its

regularization, most sensitive point regarding harm to ecologically balanced

environment and demand generator towards human being dignity. During the

research development, Law nº 12.651, from 25th May, 2012 stood out, with its

subsequent modification, reflecting in the premises, guidelines and final conclusions

of the present dissertation, in a way that housing regularization achieved a new

approach both for the law and research followed. In this way, one may conclude that

the Public Power, in the role of managing a balanced environment, won more

adequate procedures to achieve Housing Ownership, through landing regularization

and not only environmental balance but life quality, security and health of the

involved population.

Key-words: Forestry Code, Permanent Preservation Area, Environmental or

Ecological Function, Housing Ownership, Housing Regularization.

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LISTA DE SIGLAS

ABC – Academia Brasileira de Ciências

ANA – Agência Nacional de Águas

APP – Área de Preservação Permanente

CF – Constituição Federal

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente

ECO/92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento

EIA – Estudo de Impacto Ambiental

EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente

ETEPs – Espaços Territoriais Especialmente Protegidos

GEE – Gases de Efeito Estufa

IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPTU – Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana

MP – Medida Provisória

PSA – Pagamento por Serviços Ambientais

REDD – Reducing Emissions from Deflorestation and Forest Degradation

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente

SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação

UNCED – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

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ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA

E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12

CAPÍTULO 1. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ........................... 15

1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente .............................. 15

1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente ...................... 18

1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente .......................... 26

1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934 . 30

1.5. Código Florestal de 1965 .......................................................................... 35

1.6. Código Florestal de 2012 .......................................................................... 42

1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente ............... 49

1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental ................. 61

CAPÍTULO 2. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NAS CIDADES .. 67

2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades .............................................. 68

2.2. Competências Constitucionais .................................................................. 71

2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais .................................. 73

2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas ................................ 76

2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas .......................... 81

2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas ..................................... 83

CAPÍTULO 3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA .............................................. 88

3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica ....................................................... 89

3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia ................................................. 91

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3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional .......................... 91

3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional ..................................... 94

3.3. Função Social da Propriedade .................................................................. 97

3.4. Função Socioambiental da Propriedade.................................................. 101

3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia ...................................................... 104

3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental .......................................... 106

CONCLUSÃO ................................................................................................ 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 127

Page 148: ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA … Muniz... · constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto urbanístico, priorizou-se o foco no

12

INTRODUÇÃO

A ideia da presente pesquisa teve como início os primeiros estudos sobre o

Código Florestal de 1965 e a divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito de

sua aplicação ou não em áreas urbanas, em especial no que tange as áreas de

proteção permanente (APPs) por atributos naturais (art. 2º da Lei nº 4.771/65).

Desde o início, para a autora, parecia bastante claro que, ante a função ambiental

dessas áreas (necessidade de manutenção de certas características naturais para

proteção de ecossistemas), não teria sentido a discussão acerca da aplicação

espacial da norma: por óbvio a regra de proteção permanente deveria ser aplicada

em qualquer imóvel, rural ou urbano.

Mas, uma vez admitido isto, tornava-se incoerente (ou ilegal) a concessão

de licença ambiental para construção nessas áreas, como se vê costumeiramente

ocorrer. A levar em consideração este entendimento, as margens dos rios deveriam

ser repletas de mata ciliar (ou ripária), ainda que em área urbana; e a ocupação dos

entornos de mananciais nunca deveriam ser tolerados, nem pela população, nem

pelo Poder Público. Ilícita, então, a obra que pavimentou as APPs às margens dos

rios Tietê e Pinheiros, na cidade de São Paulo? E o que dizer, então, das

regularizações fundiárias? E, se é verdade que as APPs hoje podem ser suprimidas

quando for o caso de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto, também é

sabido que em incontáveis casos de supressão não houve a regular autorização do

Poder Público. O tema, sob a égide do Código Florestal de 1965, nunca foi pacífico:

a legislação foi alterada algumas vezes, havia jurisprudência de várias vertentes,

assim como posições doutrinárias diversas.

Há que se considerar que, a partir de 2001, a ocupação de espaços urbanos

passou a contar com a regulamentação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01),

marco do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental Artificial, que traz dentre suas

diretrizes gerais o respeito às normas ambientais e a “recuperação do meio

ambiente natural” (art. 2º, inciso XII). Daí é possível concluir que o Estatuto da

Cidade procura conviver harmonicamente com as leis ambientais e, ainda, fomentar

a restauração de vegetação nas áreas urbanas, como princípio básico. Desse modo,

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quer-se dizer que é necessário considerar a situação ora sob análise também à luz

das normas urbanísticas, assim como dos princípios de Direito Urbanístico. Ao

adentrar por estes meandros, a pesquisa se deparou com o Direito à Moradia, que,

por sua qualidade de direito fundamental, justifica que o ordenamento jurídico confira

maior elasticidade ao regime jurídico da área de preservação permanente.

Partindo destas premissas, a pesquisa foi desenvolvida permeando não só o

Direito Ambiental, mas também o Direito Urbanístico, com seu sistema jurídico

próprio, e com princípios muitas vezes semelhantes aos do Direito Ambiental, mas

com suas evidentes distinções. Veja como exemplo de temas em comum a função

social da propriedade, que é princípio ordenador de ambos os ramos do Direito, mas

possui facetas distintas conforme o aspecto abordado. É nesta região de intersecção

entre as áreas do saber que a pesquisa foi desenvolvida, buscando a interação entre

as normas urbanísticas e ambientais, o que é, de fato, uma tendência, não obstante

as posições divergentes.

Curioso e enriquecedor foi o fato de que, no curso da pesquisa, sobreveio a

promulgação da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, conhecido como “Novo

Código Florestal” (antes: “Projeto Micheletto”), sendo certo que um de seus pontos

mais polêmicos é justamente a redução das matas ciliares e áreas de preservação

permanente, o que causou mobilização de diversos setores da sociedade civil. No

mesmo dia da publicação da Lei, com inúmeros vetos do Poder Executivo, foi

também editada Medida Provisória nº 571/12 suprindo lacunas deixadas pelos vetos.

O trâmite legislativo da Medida Provisória foi bastante discutido pela mídia, em razão

da relevância do tema e da tensão havida na Câmara dos Deputados, e, ao final, foi

convertida na Lei nº 12.727/12, não sem alteração no Parlamento, e novamente com

vetos presidenciais. Em razão destes acontecimentos, foi incluído na presente

análise o passo a passo das alterações legislativas, não por outro motivo, senão

com o intuito de documentá-lo. Considerando que as últimas alterações foram

aprovadas e publicadas pelo Poder Legislativo durante a elaboração desta pesquisa,

é apresentado também comentário sobre o novo texto da Lei nº 12.651/12 (com as

alterações trazidas pela Lei nº 12.727/12), muito embora, em algumas passagens,

seja mais explorado o texto do Código Florestal revogado.

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14

Se, por um lado, a Lei nova veio dissipar discussões, na medida em que

tornou mais claro em seu texto que as APPs também devem ser respeitadas na

cidade; doutro lado, tem gerado críticas e apontamentos de insegurança pela

doutrina, o que poderá acarretar muita conflituosidade. Dentre as poucas certezas

que se tem no atual estágio legislativo destacam-se: que a discussão não está

pacificada; que a lei nova reduziu a proteção das APPs, em nome do

desenvolvimento agropecuário; e que a nova Lei restou concluída com algumas

incoerências e distorções, o que foi apontado em ação direta de

inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal em janeiro de 2013.

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15

1. Áreas de Preservação Permanente

Neste capítulo inaugural, tem-se a apresentação das principais

características da área de preservação permanente (APP), sua evolução histórica, e

algumas das principais discussões presentes na doutrina a respeito do instituto, com

o objetivo de que o desenvolvimento do tema perpasse por seus pontos principais,

sem, contudo, ter a pretensão de exaurir o assunto.

1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente

Inicialmente, com o objetivo de caracterizar a área de preservação

permanente, observa-se que, embora a Área de Preservação Permanente esteja

legalmente prevista no Código Florestal, não se confunde com floresta, nem se

resume a um conjunto de árvores. Seu conceito vai além. Para tanto, a doutrina

ambientalista1 costuma apresentar a distinção entre flora, floresta e APP, conforme

segue. Em geral, afirma-se que flora é um conceito genérico, do qual floresta é uma

espécie, o que pode ser exemplificado por José Afonso da Silva, que defende que

flora é coletivo que se refere ao conjunto das espécies vegetais do país ou de

determinada localidade, e que floresta é um tipo de flora2. Comprova sua posição

por meio do texto constitucional. Ao final, o autor destaca que “o conceito [de

1 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 737-

739; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 236-244; SILVA,

José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168;

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.

157; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 503-510;

DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez

de Oliveira, 2003, pp. 96-104; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo:

Saraiva, 2009, pp. 423-424 e 437-438. 2 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168.

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floresta] não compreende as áreas verdes urbanas, que ficam sob o regime dos

Planos Diretores e de leis municipais de uso do solo, respeitados os princípios e

limites a que se refere o art. 2º, parágrafo único, do Código Florestal.” Ele se refere

ao Código Florestal de 19653.

Osny Duarte Pereira nos informa que floresta “não se confunde com outras

vegetações, como os gramados das pastagens, impondo-se a diferenciação, porque,

em diferentes passos da lei, existem disposições diretamente dirigidas às florestas,

no seu caráter de mata e bosques”4.

Em alguns autores5, encontra-se remissão ao Anexo I da Portaria 486-P, de

28.10.1986, do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o

qual conceituava floresta como “a formação arbórea densa, de alto porte, que

recobre área de terra mais ou menos extensa”. Ocorre, contudo, que referida

Portaria 486-P foi revogada pela Portaria 39-P, de 04.02.886, também expedida pelo

IBDF. Por sua vez, tal Instituto foi extinto pela Lei nº 7.732, de 14.02.89, e

3 “A Constituição distingue entre flora e floresta. Menciona-as em um único dispositivo apenas uma

vez, quando prevê a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para

preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, VII). Quando trata da legislação concorrente entre

União e Estados apenas menciona as florestas, não fala na flora. Já, no art. 225, § 1º, VII, incumbe ao

Poder Público proteger a fauna e a flora, não se refere destacadamente à floresta. Note-se, por

importante à compreensão conceitual, que ‘flora’ é termo sempre empregado no singular, enquanto

a palavra ‘floresta’ está sempre no plural. Vem daí a ideia de que flora é um coletivo que se refere ao

conjunto das espécies vegetais do país ou de determinada localidade. A flora brasileira compõe-se,

assim, de todas as formas de vegetação úteis à terra que revestem, o que inclui as florestas,

cerrados, caatingas, brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem os nossos campos naturais.

Floresta é um tipo de flora. Já foi conceituada como toda a vegetação alta e densa cobrindo uma área

de grande extensão. Mas esse conceito não satisfaz, porque o fato de cobrir área de grande extensão

não é característica essencial da floresta.” (Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2011, pp. 167-168). Neste mesmo sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação

de preservação permanente e meio ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo:

Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77, abr. / 1996, p. 79. 4 Direito Florestal Brasileiro. p. 180, apud SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 168. 5 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,

p. 157. 6 Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Portaria nº 39-P, de 04 de fevereiro de 1988.

Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBDF/PT0039-040288.PDF>.

Acesso em 03 set. 2012, 16h 47min.

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substituído pela também já extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),

que era vinculada ao Ministério do Interior. Desta forma, considera-se que não é

possível utilizar tal conceito para fins de pesquisa acadêmica, porque o regulamento

foi revogado, muito embora o conceito seja bastante proveitoso.

A Classificação Vegetal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) procura definir o termo floresta em seu item 3.2.18, devendo ser destacado

que sua conceituação é bastante divergente, conforme o próprio texto afirma,

confira:

termo semelhante à mata no sentido popular, tem conceituação bastante divergente, mas firmada cientificamente como sendo um conjunto de sinúsias dominado por fanerófitos de alto porte, com quatro estratos bem definidos. Porém, além destes parâmetros, acrescenta-se o sentido de altura para diferenciá-la das outras formações lenhosas campestres. Assim, então, uma formação florestal apresenta dominância de duas subformas de vida de fanerófitos: macrofanerófitos, com alturas variando entre 30 e 50 m, e mesofanerófitos, cujo porte situa-se entre 20 e 30 m de altura.7

Pode-se ver que a conceituação utiliza a característica de altura da

vegetação para definir e diferenciar o termo de outras formações lenhosas

campestres (o que coincide com parte da definição da Portaria 486-P do IBDF).

Além disto, são características da floresta: o conjunto de plantas de estruturas

semelhantes, com homogeneidade ecossistêmica (“sinúsias”), e plantas lenhosas

(“fanerófitos”)8.

Como se vê, a definição mais técnica de floresta confirma a diferenciação

que a doutrina jurídica faz em relação à flora (floresta é espécie de flora), e também

abarca parcialmente o conceito antes utilizado pela norma infralegal (formação

arbórea de alto porte), ainda que acrescente outros aspectos não considerados pelo

ordenamento jurídico (conjunto de plantas com estruturas semelhantes, com

homogeneidade ecossistêmica, dominado por plantas lenhosas). Outrossim, a

extensão da área de cobertura da floresta (“área de terra mais ou menos extensa”)

7 VELOSO, Henrique Pimenta; et al. Classificação da vegetação brasileira..., Rio de Janeiro: IBGE,

1991, p. 45, itálicos nossos. 8 Idem, ibdem, pp. 41-45.

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não encontra guarida na Classificação da Vegetação Brasileira do IBGE (ainda que

fizesse parte da Portaria do IBDF).

O mais importante é que a floresta é apenas um aspecto da área de

preservação permanente, pois esta última é integrada também por seus aspectos

ecossistêmicos. A este respeito, verifica-se que, conforme ressalta o Professor Paulo

Affonso Leme Machado, a área de preservação permanente pode ou não estar

coberta por vegetação. Quer-se dizer com isto que o fato de a área estar desmatada

não retira sua proteção legal especial. Assim, se está desflorestada, deve ser

recoberta de vegetação, por sua relevância para outros recursos ambientais: solo,

água, biodiversidade, fluxo gênico da fauna e flora, paisagem, entre outros. Nas

palavras do ilustre professor:

a ideia de permanência não está vinculada só à floresta, mas também ao solo, no qual ela está ou deve estar inserida, e à fauna (micro ou macro). [...] a vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras9.

Neste sentido, é importante destacar que são diversos os bens ambientais

que integram a área de preservação permanente e que, portanto, estão protegidos

sob o manto da lei: não só a flora, ou florestas, mas também o solo, as águas, o ar,

a paisagem, o fluxo gênico, a biodiversidade (embora estes dois últimos não estejam

enquadrados na definição de bem ambiental), etc10. Tais benefícios, que

fundamentam a proteção legal especial, são também denominados de função

ambiental ou função ecológica da APP, que merece tópico especial, conforme

segue.

1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente

A função ambiental (ou função ecológica11) das áreas de preservação

9 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 10 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691; METZGER, Jean

Paul. Entrevista concedida à Rádio CBN, em 24.abr.2012 (arquivo de áudio). 11 Preferimos utilizar a expressão “função ambiental” pelo simples fato de que é a expressão eleita

pela lei.

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permanente é apontada como a justificativa para que a lei tutele especialmente

estas áreas, ou, em outras palavras, é a ratio legis para elevar tais áreas a um plano

especial de proteção pelo ordenamento jurídico. No Código Florestal de 1965, já

estava expressa no texto normativo e, no Código de 2012, foi assim reproduzida:

Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] II – Área de Preservação Permanente: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. (destaque nosso)

A doutrina12 também sempre valorizou o fundamento da proteção da APP:

A vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras das águas do solo, da biodiversidade (aí compreendido o fluxo gênico da fauna e da flora), da paisagem e do bem-estar humano. A área de preservação permanente – APP não é um favor da lei, é um ato de inteligência social, e é de fácil adaptação às condições ambientais.13

A função ambiental das APPs está diretamente relacionada com a função

social da propriedade14, na medida em que, se a função social da propriedade traz à

propriedade imobiliária a necessidade de ser utilizada (usufruída) com ética perante

a comunidade em que está inserida, a função ambiental é a faceta ambiental desta

utilização ética: o imóvel atenderá à sua função ambiental sempre que condições

mínimas ecossistêmicas forem mantidas (manutenção do solo com o fim de evitar

erosão, por exemplo), com o fim de manutenção não só do imóvel em si, mas dos

recursos ambientais em geral (flora, fauna, ar, solo, recursos hídricos, ciclos

climáticos, fluxo gênico, ecossistema etc.), visando, ao fim, o equilíbrio ecológico

para as presentes e futuras gerações. Vale dizer, é o interesse público (difuso) que

12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.

736-737; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 240-241;

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010, pp. 212-213; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2006, pp. 483 et seq.; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora..., São Paulo: Juarez de Oliveira,

2003, pp. 17-18; MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, Escassez e

Riscos. In: Revista de Direito Ambiental. vol. 35, Jul./ 2004, pp. 190 et seq. 13 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 14 O conceito de função social da propriedade está desenvolvido no capítulo 3.

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se sobrepõe ao interesse egoístico do proprietário do imóvel. Assim, consta também

no Código Civil:

Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (destaque nosso)

A melhor contribuição sobre este tema foi dada, sem dúvida, pelo trabalho

elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e

Academia Brasileira de Ciências (ABC)15, em 2011, para auxiliar nos debates

ocorridos ao longo do processo de elaboração do Novo Código Florestal, atual Lei nº

12.651/12. Sua contribuição é da mais alta qualidade, não só porque reúne o

parecer de cientistas extremamente gabaritados, mas também porque foi concebido

de forma direcionada para a elaboração da lei florestal, visando auxiliar o legislador

no desenvolvimento de institutos das áreas de preservação permanente e da

reserva legal, de acordo com o atual conhecimento científico de ponta. Assim, foram

consideradas, na análise, a necessidade e a possibilidade de expansão da produção

agrícola, a importância da manutenção das APPs nas áreas rurais e urbanas e a

relevância da conservação da biodiversidade brasileira.

No que tange ao tema proposto – função ambiental das APPs –, o texto

inicia sua abordagem através da premissa de que as áreas de preservação

permanente são necessárias, não só à manutenção de outros recursos naturais,

mas também tem relevância econômica para a produção agrícola, isto é, parte da

preponderância do desenvolvimento econômico. Os benefícios são inúmeros e

insubstituíveis, especialmente quando levado em conta o ecossistema global nesta

avaliação.

Vale lembrar que a APP não é caracterizada pela floresta originária, como

pode parecer numa primeira leitura. O que qualifica uma área como de preservação

permanente é sua função de auxílio na conservação de diversos recursos

15 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o

Diálogo. São Paulo: SBPC e ABC, 2011, pp. 12 e 13.

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ambientais, seja por sua localização (topo de morro, margem de rio, por exemplo),

por suas características topográficas (encostas íngremes, verba gratia) ou

ecossistêmicas (manguezais), entre outras. Assim, são diversos os fatores que

devem ser levados em conta ao definir um determinado ecossistema como área de

preservação permanente. É justamente esta qualificação de sua função que se

denomina função ambiental ou função ecológica.

Diante disto, extrai-se que uma de suas principais funções é a manutenção e

a perpetuação da diversidade de um dado ecossistema (considerando a dinâmica

envolvida), com todos os seus elementos: fauna, vegetação e elementos abióticos

(água, ar e solo), assim como a interação entre estes elementos. Isto porque é esta

interação que caracteriza um ecossistema primordialmente, de modo que a ausência

de um dos elementos altera sobremaneira o equilíbrio do meio (homeostase),

afetando, por conseguinte, todos os demais elementos em interação, como num

sistema autorregulador, extremamente complexo16.

Assim, no que diz respeito à fauna (tanto a terrestre, como a aquática e a

semiaquática), sua proteção é relevante na medida em que a APP serve aos

animais como ambiente de transporte, alimentação, reprodução e abrigo; assim

como serve também na manutenção das espécies e no controle de pragas e

contenção de doenças (serviços ambientais).

A erosão e o assoreamento de rios podem ser evitados, na medida em que a

vegetação tem a função de amortecimento para a água das chuvas tropicais

torrenciais e as raízes fixam o solo, evitando, destarte, dispersão de suas partículas

pelas enxurradas. A vegetação adensada, em conjunto com o sistema radicular e

serrapilheira também auxiliam na retenção das águas das chuvas, regularizam a

vazão dos rios e o regime hidrológico e reduzem o escoamento superficial. O

impacto financeiro da erosão foi estimado num prejuízo anual de R$ 9,3 bilhões ao

16 Sobre ecossistema como sistema autorregulador e homeostase, cf. LOVELOCK,James. Gaia: cura

para um planeta doente. Trad. Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval Eichemberg. São Paulo:

Editora Cultrix, 2006, pp. 57-72.

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país, em 200217. A título de ilustração, cita-se passagem do relatório comentado:

A importância da manutenção da APP ripária para minimizar a perda de solo por erosão superficial e o consequente assoreamento de riachos, ribeirões e rios foi demonstrada experimentalmente por Joly e colaboradores (2000), trabalhando na bacia do rio Jacaré-Pepira, no município de Brotas (SP). O grupo de pesquisadores determinou em campo, a partir do uso de parcelas de erosão, que a perda anual de solo em uma pastagem é da ordem de 0,24 t ha-1, enquanto que no mesmo tipo de solo, com a mesma declividade e distância do rio, a perda anual de solo no interior da mata ciliar foi da ordem de 0,0009 t ha-1 (JOLY ET al., 2000).18

Ainda, quando da existência de diversas APPs próximas, é possível a

formação de corredores ecológicos, que auxiliam as espécies de fauna e flora no

seu fluxo gênico, o que favorece a reprodução e perpetuação de espécies, já que

torna possível a diversificação do cruzamento entre diversas sociedades distintas,

independentemente de fronteiras políticas. A potencialização da conservação da

água, do solo e da biodiversidade também traz reflexos importantes para o

agronegócio, na medida em que acarreta melhoria da qualidade desses recursos

ambientais.

A APP também auxilia na manutenção do controle dos gases de efeito

estufa (GEE), de modo a colaborar com a redução da poluição atmosférica, com o

clima local, regional e global19, através da regulação das temperaturas e umidade do

ar, o que, mais uma vez, carrega aspecto econômico, na medida em que reduz as

possibilidades de estiagem para agricultura, por exemplo. Outros efeitos também

podem ser notados, tais como a contenção de ventos por força das florestas mais

densas, prevenção contra estiagens, inundações e deslizamento de terras, que nos

últimos anos têm feito inúmeras vítimas fatais no Brasil.

Em termos de efeitos indiretos, podem ser citados os gastos com saúde e

emergências decorrentes dos acidentes (inundações, deslizamento de terras e

17 HERNANI, L. C.; et al. A erosão e seu impacto. In: MANZATTO, C. V. et al. (Orgs.). Uso agrícola dos

solos brasileiros. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2002, pp. 47-60 apud SILVA, José Antonio Aleixo da

(Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC, 2011. 18 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). Op. cit., p. 39, destacamos. 19 Ibid., pp. 33 e 34.

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estiagens), que poderiam ser poupados; assim como também eventualmente

poderia ter sido evitada a crise energética de 2001 (popularmente conhecido como

“Apagão”) e outras crises energéticas, a partir da contribuição das APPs com a

regularidade do sistema hidrológico.

Sobre a pressão alimentar (um dos argumentos utilizados para reduzir a

proteção das APPs no novo Código Florestal), o relatório dos cientistas apresenta

cenário bastante otimista para o Brasil, ao informar que:

[...] a área atualmente ocupada com lavouras é relativamente pequena se comparada com a área potencial de que o país dispõe especialmente no Centro-Oeste. [...] A associação dessa expansão [das áreas destinadas ao cultivo de cereais, leguminosas e oleaginosas, nos últimos vinte anos] com ganho de produtividade resultou ainda em aumento de mais de 100% na produção de grãos quando comparada à safra 1996, atingindo cerca de 148 milhões de toneladas em 2010.20

No que tange à atividade de pecuária, os estudos apontam que a taxa de

lotação das pastagens é baixa, (cerca de 1 cabeça/ha, conforme Censo

Agropecuário de 2006). Assim, “um pequeno investimento tecnológico [...] pode

ampliar essa capacidade, liberando terras para outras atividades produtivas, ou

mesmo evitando novos desmatamentos”21.

Visando a diminuição da pressão da agricultura sobre as terras de APP, os

cientistas sugerem a melhoria da produtividade, por exemplo, através da

implantação de irrigação nas culturas, que pode representar incremento significativo

– estudo produzido pela Agência Nacional de Águas, citado no texto, dá conta de

que “no Brasil, cada hectare irrigado equivale a três hectares de sequeiro em

produtividade física e a sete em produtividade econômica”22. Neste aspecto, conclui-

se que a irrigação “está muito abaixo dos padrões mundiais e das oportunidades que

o país oferece, configurando-se em uma alternativa para a intensificação das terras

atualmente em uso pela agropecuária mediante a adoção de sistemas sustentáveis

20 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,

2011, p. 25. 21 Ibid., p. 33. 22 Ibid., p. 29.

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24

e o uso racional da água”23.

Há, ainda, outros destaques sobre a necessidade de estímulo da

produtividade no setor primário brasileiro. Neste sentido, os autores do relatório

alertam que:

mesmo considerando os ganhos de produtividade ao longo das últimas décadas, o Brasil foi um dos poucos países do mundo a aumentar suas áreas agrícolas, estimadas em cerca de 278 milhões de hectares ou 27,1% de seu território. Segundo Sparovek et al. (2010), desse montante, cerca de 61 milhões de hectares com baixa e média produtividade agrícola poderiam ser usados na produção intensiva de alimentos. Do total geral, pelo menos 83 milhões de hectares estariam em situação de não conformidade com o Código Florestal e deveriam ser recuperados24.

É interessante destacar que o relatório sob comento, apresenta a seguinte

conclusão:

Trata-se de uma clara questão de escolha, que está nas mãos da sociedade: optar pela atividade agropecuária nos moldes tradicionais, incorporando os custos ambientais relatados ou generalizar os exemplos que garantem a rentabilidade e a sustentabilidade agrícola pelo uso pleno do conhecimento tecnológico, pelo planejamento do uso da terra, de manejo do solo e da água e pela degeneração mínima do sistema planta-solo-clima. Assim é possível promover uma atividade agrícola em harmonia com a natureza, através do uso de preceitos biológicos e agronômicos adaptados à nossa realidade edafoambiental.25

Sobre a relevância econômica das APPs, tem-se que um estudo coordenado

por Taylor Ricketts, pesquisador da Universidade de Stanford e do WWF, citado por

Guilherme José Purvin de Figueiredo26, dá conta de que:

a presença de florestas tropicais na vizinhança de áreas agrícolas pode ser lucrativa, além de ecologicamente correta. Para uma fazenda de café na Costa Rica, o benefício foi estimado em cerca de US$60 mil, por conta do aumento da produtividade nos cafezais, provocado pelos insetos que habitam a mata.

Além disto, Purvin complementa que:

23 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,

2011, p. 29. 24 Ibid., p. 33, destacamos. 25 Ibid., p. 42, destacamos. 26 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 212.

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os estudos destinaram-se à medição da produtividade de cafeeiros em uma fazenda de mais de 1.000 hectares no Vale Geral da Costa Rica, tendo sido constatado que as plantas localizadas num raio de um quilômetro de um fragmento de floresta nativa produziam 20% mais grãos.27

Adicionalmente, os reflexos das áreas de preservação permanentes podem

ser sentidos nas cidades, pois, quando ausentes, atentam contra a vida, à saúde e o

bem-estar da população. Grande parte dos acidentes e catástrofes ocorridos nas

cidades brasileiras em época de chuvas – tais como: deslizamento de terras,

desmoronamento de casas e outras construções, inundações, alagamentos,

enchentes etc. – têm como origem a ocupação antrópica em áreas de preservação

permanente, em especial, encostas com grandes declives e margens de rios que

cortam as cidades. A este respeito, a doutrina é pacífica e pode ser bem

exemplificada por este excelente texto de Daniel Fink e Márcio Silva Pereira, que

destacam os enormes prejuízos à população:

a não conservação das áreas de preservação permanente traz reflexos não só ao meio ambiente, mas à segurança e à saúde pública. [...] Ademais, as faixas marginais de cursos d'água destinam-se a perenizá-los pela importância que os recursos hídricos têm para a vida, especialmente a humana. Ora, se essas faixas marginais são verdadeiramente importantes, o são em quaisquer circunstâncias, seja em zona rural ou urbana. Se assim não for, cabe responder às indagações: por qual razão, em zona urbana, os limites podem ser inferiores aos do Código Florestal? Quais melhores atributos teria a zona urbana para necessitar de uma faixa marginal inferior ao da zona rural e, ainda assim, preservar os cursos d'água que contém? Ao contrário. A impermeabilização do solo em zona urbana, facilitando um escoamento direto das águas pluviais aos cursos d'água, demandam faixas marginais maiores – várzeas –, facilitando o espraiamento das águas desses cursos, evitando-se enchentes e seus consequentes efeitos: transtorno para os habitantes, provocando congestionamentos imensos; perecimento de bens e valores, normalmente de população de baixa renda; e lamentáveis eventos fatais. O mesmo se diga da valiosa função dos cursos d'água e da vegetação que os cerca, para sua purificação. Suprimi-la, demandará, em razão direta, maiores recursos do contribuinte para despoluir e limpar rios e cursos d'água e para com a saúde pública. Acrescente-se, ainda, o importante papel dos cursos d'água e da vegetação marginal em regular o clima das cidades. Ao enterrarmos os rios, canalizando-os e edificando sobre eles caríssimas avenidas, estamos matando pouco a pouco fatores ambientais que contribuem

27 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 212-213.

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decisivamente para a qualidade de vida dos habitantes da cidade.28

A função ambiental e econômica da APP também é ressaltada na obra de

Paulo Affonso Leme Machado:

Não diria que essas florestas deixam de ter finalidade econômica, pois que melhor investimento do que, através dessas florestas, assegurar-se o bem-estar psíquico, moral, espiritual e físico das populações? Além disso, conservando-se os espécimes da fauna em seu habitat, pode-se mensurar e quantificar economicamente a existência das florestas de preservação permanente.29

Como se pode verificar, as áreas de preservação permanente possuem

função ambiental não só no campo, mas também nas cidades. Adicionalmente,

prestam serviços ambientais. Dependendo da região, sua ausência poderá gerar

lesões a diversos bens difusos: na zona rural, verificam-se danos à fauna, ao

sistema hidrológico, ao solo e perda financeira para a produção agrícola; na zona

urbana, lesa o direito à moradia, à saúde, à segurança e à função de circulação da

população, entre outros. Não é por outro motivo que a Constituição Federal

apresenta severa proteção às APPs, assim também o ordenamento

infraconstitucional.

1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente

No direito pátrio, a orientação doutrinária30 é no sentido de que são bens

ambientais as florestas e as áreas de preservação permanente, pois são bens de

natureza difusa, uma vez que o seu titular é o povo.

28 FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio

ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,

abril. / 1996 (grifos nossos). 29 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 749-750. 30 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 198 et seq.;

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p.

159; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2003, pp. 43 et seq.

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27

Na mesma linha, o Código Florestal31 dispõe que “as florestas existentes no

território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidades às

terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País

[...]”, o que também está em consonância com o que determina a Constituição

Federal que afirma que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é “bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Guilherme José Purvin de

Figueiredo32 faz acertada interpretação de que as expressões “bem de interesse

comum a todos os habitantes do País”, assim como “bem de uso comum do povo”

denotam a titularidade difusa do bem ambiental que são as florestas.

Na mesma toada, é a magistral lição de Antonio Herman V. Benjamin33, que

esclarece que o bem ambiental é identificado ora com o meio ambiente, considerado

como gênero amplo, categoria única e global (ou macrobem), ocasião em que é tido

como bem público de uso comum34, de titularidade difusa35; ora é mencionado para

designar seus componentes (partes ou fragmentos), tais como um rio, o ar, o mar, o

solo, um ecossistema etc., mais concretos e menos genéricos (microbens), os quais

podem ser de propriedade pública (como é o caso de um parque estadual, por

exemplo) ou particular (a mata localizada em propriedade particular, para ilustrar). E

o autor desce a minúcias, salientando que o macrobem ambiental é bem público em

sentido objetivo (e não subjetivo):

Logo, o meio ambiente, como macrobem, é bem público, não porque pertença ao Estado (pode até pertencê-lo), mas porque se apresenta no ordenamento, constitucional e infraconstitucional, como “direito de todos”, como bem destinado a satisfazer as necessidades de todos. É bem público em sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando uma certa “dominialidade coletiva”, desconhecida do Direito tradicional Público, então porque incapaz de apropriação exclusivista, porque destinado à satisfação de todos e porque, por

31 Antes através do art. 1º da Lei nº 4.771/65 e, atualmente, através do art. 2º da Lei nº 12.651/12. 32 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo

Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 42. 33 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (coord.).

Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, passim. 34 Nos termos do art. 99, inciso I, do Código Civil. 35 No mesmo sentido (porém sem utilizar a terminologia de macrobem): MILARÉ, Édis. Direito do

Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 196.

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isso mesmo, de domínio coletivo, o que não quer dizer de domínio estatal.36

O mesmo autor ensina que os microbens (recursos bióticos, abióticos e

ecossistêmicos) quando relacionados com o macrobem (meio ambiente

abstratamente considerado) “ganham, como regra a mesma natureza pública de uso

comum que o caracteriza [o macrobem]”37, e exemplifica:

Assim, um prédio tombado ou uma floresta preservada, vistos pelo ângulo ambiental (como integrantes do conglomerado abstrato que compõe a qualidade ambiental), são bens públicos de uso comum, mesmo que para outros fins (como, p. ex., com vistas à possibilidade de sua exploração ou alienação) sejam regidos pelo regime próprio dos bens privados.38

Ou seja, de acordo com as lições do eminente professor39, quando se está

diante de um microbem ambiental sobre o qual recai regime jurídico de direito

privado (isto é, de propriedade particular), haverá a incidência de “dupla afiliação

simultânea a dois regimes patrimoniais”40, isso porque o interesse público do

macrobem ambiental contamina os elementos que o compõem, “contaminação esta

que ocorre apenas em relação ao valor ou interface ambiental do bem”41. Assim,

mesmo que o microbem seja de propriedade particular, será submetido a regime

especial de interesse público, ao qual fica subordinado42.

Nessa esteira, prossegue Herman Benjamin, o macrobem (o meio ambiente

36 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibdem, p. 66, destaques nossos. Neste mesmo artigo, o autor

destaca, com propriedade científica, que o objeto da função ambiental é o bem ambiental, o que não

pode ser confundido com a finalidade da função ambiental, que é a qualidade ambiental como valor

importante da qualidade de vida (p. 60). 37 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).

Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70. 38 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibid., p. 70. 39 Ibid., passim. 40 Ibid., p. 70. Em outro trecho: “Dizer-se que o meio ambiente é um bem público de uso comum não

implica desconhecer que os elementos que o compõem, quando perquiridos isoladamente, se filiam

a regimes jurídicos múltiplos, ora como – na acepção do Código Civil – bens de propriedade pública,

ora como bens privados de interesse público, ora como meros bens privados.” (p. 77). 41 Ibid., p. 77. 42 No capítulo 2 é retomado o tema da incidência de múltiplos diplomas sobre um mesmo fato

jurídico.

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abstrato), sendo bem público de uso comum – lembre-se: público em sentido

objetivo, de domínio coletivo (e não estatal) –, é insuscetível de apropriação

individual, embora seja passível de utilização, tanto individual, como coletivamente.

“O termo uso comum opõe-se a uso privado”43. E, como tal, se o bem de uso comum

fosse abandonado à própria sorte, continuam as lições do magistrado, “poderia dar

ensejo a imensos conflitos entre os cidadãos, todos igualmente titulares do direito de

dele fazer uso.”44 E conclui, utilizando-se da doutrina de Ruy Cirne Lima: “A fim de

assegurar a normal distribuição, no tempo e no espaço, dos utentes, serve-se a

administração da intervenção reguladora da polícia”45. Assim, pode-se dizer, em

outras palavras, que o Poder Público atua como administrador, ou gestor, dos

microbens ambientais, verbi gratia, quando a Constituição Federal atribui alguns

recursos ambientais à União (art. 20)46.

Assim, é possível concluir que bem ambiental é espécie do bem difuso, e

assim são classificados quando analisados sob a ótica da função ou destinação que

é dada ao bem. Não se trata, portanto, de um tertium genus ao lado de bens

particulares e bens públicos (quando vistos sob o enfoque da titularidade ou

dominialidade)47, mas, doutro modo, trata-se de finalidade de interesse público que

recai sobre o bem (público ou particular), e, em consequência, outro regime jurídico

43 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).

Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 67. 44 Ibid., pp. 67-68. 45 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.

193, apud BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.

(Coord.). Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 68. 46 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A Efetividade da Proteção do Meio Ambiente e a

Participação do Judiciário. In: YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses difusos

e Coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 136. 47 Neste sentido: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 207-208. Registre-se que, em sentido diverso, Celso Antonio

Pacheco Fiorillo entende, fundamentando-se no Código de Defesa do Consumidor (art. 81) que o

bem difuso é um terium genus, de titularidade do povo, nova categoria que difere dos bens públicos

(de titularidade do Estado) e dos particulares. Assim, os bens difusos, segundo Fiorillo, quando

situados em propriedades privadas, devem sofrer limitações por pertencer a todos (Curso de Direito

Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 105-108; 159).

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30

deve-lhe ser aplicado48. Em outras palavras, bem difuso é classificação distinta, que

não leva em consideração a qualidade do titular do bem, mas sim a funcionalidade

do objeto: o bem difuso tem função pública, e, quando representado pelo bem

ambiental, é considerado bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de

vida, nos exatos dizeres da Constituição Federal (art. 225). Ou seja, ao lado da

classificação de sua dominialidade, é possível acrescentar a classificação com

relação à sua função ambiental, como é feito pelo Código Civil, que, em seu artigo

98, apresenta distinção legal entre bens públicos e particulares (classificação pela

titularidade), e, em seu art. 99, apresenta classificação dos bens públicos de acordo

com sua função ou destinação.

Nesta esteira, é de se admitir que há incidência de duplo regime jurídico

sobre o mesmo imóvel, por força do interesse público que grava o bem particular:

um regime jurídico de direito privado, por se tratar de bem particular, porém limitado

por normas de ordem pública, por estar diante de microbem ambiental, que a todos

interessa. É nestes termos que devem ser tratadas as áreas de preservação

permanente, quando sediadas sobre terras particulares: embora seus microbens

possam ser utilizados conforme as regras do Direito Privado, tal utilização é limitada

pelo interesse público, consubstanciado nas regras dispostas no Código Florestal e

outras leis pertinentes.

1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934

Data do início do século XX, mais precisamente da década de 1930, as

primeiras leis ambientais sistematizadas, quando ocorreu a criação de diversos

diplomas protetivos, tais como Código de Caça e Pesca (Decreto nº 23.672/34),

Código de Águas (Decreto nº 24.643/34), lei de proteção do patrimônio histórico e

artístico (Decreto-lei nº 25/37), assim como o Código Florestal (Decreto nº 48 Neste sentido: BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. Op. cit., p. 79; FIGUEIREDO,

Guilherme José Purvin de. Op. cit., pp. 207-208.

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31

23.793/34).

Em pesquisa mais remota, Teresa Cristina de Deus49 reconhece a proteção

legal das florestas desde as Ordenações Filipinas, de 1603; contudo, é reconhecido,

por esta mesma autora, que a motivação das Ordenações Filipinas era mais no

sentido de poupar bens de valor econômico para seu proprietário, do que no sentido

de manutenção de bem ambiental. Os relatos de Warren Dean50 sobre a ocupação

da Mata Atlântica deixam claro que, nos primeiros séculos de colonização

portuguesa, a floresta não foi poupada, tendo sido extraída tanta madeira quanto

possível, ocasionando grande devastação florestal, em virtude da busca por ouro.

Nota-se aí a existência do pensamento individualista que vigia nos séculos

anteriores.

Por tais motivos, considera-se mais criterioso dizer que a proteção legal da

época monárquica recaía sobre árvores específicas, por seu valor econômico

(frutíferas, em geral), e não sobre florestas propriamente ditas. Isso porque,

naqueles tempos, a sociedade se voltava somente para valores relacionados à

proteção da propriedade privada, das posses, do senhorio e da monarquia, e não

aos valores ligados aos benefícios coletivos e difusos, os quais apenas vieram à

tona na História Moderna e Pós-Moderna, ou melhor, a partir da década de 1970,

quando os direitos difusos foram concebidos conceitualmente. Não havia, portanto,

ideia de preservação ambiental, ainda que rudimentar. Por este motivo, é que

preferimos manter como origem histórica do instituto sob análise a legislação a partir

de 193451, que, embora não traga o conceito de bem ambiental difuso (porque

inexistente neste período), insere no ordenamento jurídico a proteção legal das

florestas, vistas como conjunto de espécies vegetais de estrutura semelhante, ideia

mais próxima do que há nos dias atuais.

49 Tutela da flora em face do direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,

2003, pp. 93-94. 50 A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira.

São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 63-64; 113-115. 51 No mesmo sentido: SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2011, pp.36-38.

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32

O Código Florestal de 1934 (promulgado por meio do Decreto nº 23.793/34),

mesmo não concretizando a ideia de ambientalismo – o que veio a florescer apenas

na década de 1970 –, já trazia uma ideia mais publicista, ao tratar as florestas como

“bem de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de

propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código,

estabelecem” (art. 1º). A partir disto, é possível relacionar aquele Código diretamente

com os direitos difusos. Nessa toada, o Decreto nº 23.793/34 classificou as florestas,

dispôs sobre sua exploração intensiva e limitada, e criou a Polícia Florestal, as

“infrações florestais” (e seu processo de apuração), o Fundo Florestal e o Conselho

Florestal. Foi o primeiro diploma que reuniu as normas referentes à flora.

E é neste Código de 1934 que se encontra a primeira menção legislativa às

áreas de preservação permanente, que, à época, eram chamadas de “florestas de

conservação perene”, nos termos do seu art. 8º:

Art. 8º. Consideram-se de conservação perenne, e são inalienaveis, salvo se o adquirente se obrigar, por si, seus herdeiros e successores, a mantel-as sob o regimen legal respectivo, as florestas protectoras e as remanescentes.52

Como se vê, já naquele tempo, mereciam proteção especial as florestas que

prestavam serviços ambientais, tais como conservação do regime das águas,

prevenção da erosão, fixação de dunas, defesa de fronteiras, favorecimento das

condições de saúde pública, proteção de sítios de beleza natural e proteção de

espécies da fauna indígena. Por sua relevância, a lei qualificava tais florestas como

inalienáveis (arts. 4º e 8º do Decreto 23.793/3453). E vale destacar que o

52 Conforme texto disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-

1949/D23793impressao.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012, 16h52min. 53 ”Art. 4º Serão consideradas florestas protectoras as que, por sua localização, servirem conjuncta

ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:

a) conservar o regimen das aguas;

b) evitar a erosão das terras pela acção dos agentes naturaes;

c) fixar dunas;

d) auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessario pelas autoridades militares;

e) assegurar condições de salubridade publica;

f) proteger sitios que por sua belleza mereçam ser conservados;

g) asilar especimens raros de fauna indigena.”

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desmatamento igualmente era considerado crime, de acordo com os arts. 22, b54, e

8655, ambos do mesmo Código, cuja pena era detenção de até noventa dias. Neste

contexto, o Decreto nº 23.793/34 conferiu os primeiros traços do conceito até hoje

utilizado para as áreas de preservação permanente. O Decreto também classificou

as florestas em quatro espécies, a saber:

(a) protetoras – equivalentes às atuais APPs, eram reconhecidas quando,

por sua localização, servissem conjunta ou separadamente para conservar o

regime das águas, evitar erosão, fixar dunas, auxiliar defesa de fronteiras,

assegurar saúde pública, preservar sítio de beleza natural e abrigar espécies

raras da fauna;

(b) remanescentes – sempre que abrigassem parques, contivessem

espécies preciosas que devessem ser preservadas (o que no Código

seguinte seriam as APPs por declaração do Poder Público, como está

adiante explicado);

(c) modelo – as artificiais, constituída por uma ou por limitado número de

54 “Art. 22. É prohibido mesmo aos proprietarios: [...] b) derrubar, nas regiões de vegetação escassa,

para transformar em lenha, ou carvão, mattas ainda existentes ás margens dos cursos dagua, lagos e

estradas de qualquer natureza entregues á serventia publica” 55 “Art. 86. As contravenções previstas nos arts. 9º, § 1º, 21, 22 e § 1º, 23 e paragrapho unico, 24 a

30, 31 a 34, 37, 43 a 45, 49 e paragrapho unico, 51, 54 e paragrapho unico, 55 e 64 deste codigo,

quando não se caracterizarem especialmente algumas figuras delictuosas definidas no art. 83, ou no

art. 87, sujeitas seus autores ás penas seguintes:

1º, pelas da letra c do art. 22 e arts. 21, 43 e 55 - detenção até 30 dias e multa até 200$000;

2º, pelas das letras a, b, d, e, do art. 22 - detenção até 90 dias e multa até 2:000$000;

3º, pela letra f, e § 1º, do art. 22, e arts. 28, 29 e 31 - detenção até 45 dias e multa até 500$000;

4º, pelas das letras g, h, do art. 22 e arts. 23 e 44 - detenção até 60 dias e multa até 10:000$000;

5º, pelas do art. 9º, §§ 1º e 2,º arts. 26; 49 e paragrapho unico e 54, e paragrapho unico - detenção

até 45 dias e multa até 5:000$000;

6º, pelas dos arts. 26, 27, 30, 32 e 45 - detenção até 30 dias e multa até 1:000$000;

7º, pelas dos arts. 25, § 2º, 33, 34 e 51 - detenção até 10 dias e multa até 1:000$000;

8º, pelas do art. 64 - detenção até 10 dias e multa até 5:000$000;

9º, pela recusa de auxilio a que se refere o art. 67, quando se tratar de prestação de serviço -

detenção até 10 dias e multa até 100$000; e quando se tratar de requisição de material - detenção

até 30 dias e multa até 1:000$000.”

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essências florestais, indígenas e exóticas, cuja disseminação fosse

conveniente na região, e

(d) de rendimento – as que não se enquadrassem nas classificações

anteriores.

Adicionalmente, o art. 8º considerava como “de conservação perene” as

florestas protetoras e as remanescentes.

Guilherme José Purvin de Figueiredo nos ensina que o Código de 1934:

assentava-se em bases claramente voltadas ao princípio da função social da propriedade [...]. Se era certo que o proprietário das terras continuava a ter o livre uso, gozo e disposição das florestas que nelas existissem, por outro lado, considerando que tais florestas constituíam bem que não era de seu interesse exclusivo, mas de toda a coletividade, o exercício do direito de propriedade ficava condicionado ao respeito às leis em geral e, especialmente, àquele Código.56

E, citando Osny Duarte Pereira, leciona que tal Código representou “o maior

passo que se deu no Brasil, em favor da proteção de suas matas”57. É correto dizer

que o enfoque dado pela Lei era mais no sentido de defesa de bens nacionais, como

ocorria normalmente naquela época, do que dos interesses difusos propriamente

ditos. Isto porque não havia, ainda, a consciência acerca dos direitos e interesses

coletivos lato sensu.

E, naquele Código, havia previsão de APP em área urbana: o Código proibia

ao proprietário “devastar a vegetação das encostas de morros que sirvam de

moldura e sítios e paisagens pitorescas dos centros urbanos e seus arredores ou as

matas, mesmo em formação, plantadas por conta da Administração Pública” (art. 22,

alínea ‘h’). Os arts. 23 e 3358 corroboram este entendimento, ao mencionar

56 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p. 211. 57 Direito Florestal Brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1950, p. 155, apud FIGUEIREDO, Guilherme José

Purvin de. Op. cit., p. 211. 58 “Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas

partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52. § 1º O dispositivo do artigo não

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expressamente sua ocorrência em “zonas urbanas”.

Destas citações é possível concluir que, desde sua primeira concepção, as

áreas de preservação permanente eram pensadas não só na área rural, mas

também na área urbana, onde apenas poderiam ser devastadas mediante critérios

impostos pela lei e pelo Poder Público.

1.5. Código Florestal de 1965

O Decreto nº 23.793/34 foi revogado pela Lei nº 4.771/65, também

denominado Código Florestal59, que aprimorou as disposições referentes ao tema,

cunhando o nome de “área de preservação permanente”, como ficou conhecido, e

deu os principais contornos ao instituto tal como hoje é estudado.

Em seu art. 1º, a Lei nº 4.771/65 delimitava seu objeto:

Art. 1º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

Segundo Guilherme José Purvin de Figueiredo60, a expressão “reconhecidas

de utilidade às terras que revestem” demonstra o caráter preponderantemente

se aplica, a juízo das autoridades florestais competentes, às pequenas propriedades isoladas que

estejam próximas de florestas ou situadas em zona urbana.” e “Art. 33. O corte de árvores de

considerável ancianidade, raridade, ou beleza de porte, em prédio de zona urbana, dependerá

sempre do requerimento à autoridade florestal da localidade, com a justificativa dos motivos que a

determinam, considerando-se deferido se a mesma autoridade não despachar, em outros termos, o

requerimento, dentro de 15 dias, após sua apresentação.” 59 O Código Florestal de 1965 ainda estava vigente durante a maior parte da presente pesquisa,

porém, em 25 de maio de 2012, foi publicado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), revogando

expressamente a Lei de 1965. 60 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, pp. 212 et seq.

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agrário e utilitarista do Código; ao passo que Paulo Affonso Leme Machado61 vê na

expressão “bens de interesse comum a todos os habitantes do País” uma

antecipação à noção de interesse difuso, e aponta que o Código de 1965 foi

precursor em relação à Constituição Federal, que conceitua meio ambiente como

“bem de uso comum do povo”. Este último autor também reverencia o § 1º do art. 1º

do Código Florestal de 1965 (conforme redação dada pela Medida Provisória nº

2.166-67/2001), que considerava como uso nocivo da propriedade qualquer ação ou

omissão contrária às suas disposições na utilização e exploração das florestas e

demais formas de vegetação62. Este artigo foi reproduzido, com pequenas

modificações, pela Lei nº 12.651/12 (art. 2º, § 1º63).

O Código Florestal de 1965 criou duas espécies de APP: (a) a do art. 2º, que

assim era considerada por seus atributos naturais e (b) a do art. 3º, que eram áreas

classificadas por ato do Poder Público como APP. Em comparação com o rol contido

na Lei de 1934, é visível a evolução dos institutos.

As APPs do art. 2º são assim consideradas por suas características

naturais64: (1) para proteção das águas (elencadas na lei nas alíneas a, b e c), isto é,

são as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo de rios e

cursos d’água, ao redor de lagos, lagoas e reservatórios d’água naturais ou

artificiais, e nas nascentes e olhos d’água; (2) também aqui são incluídas as

florestas e demais formas de vegetação que protegem o solo de erosão,

deslizamento etc. (alíneas d, e, f, g e h), sempre que estivessem localizadas nos

topos de morro, montes, montanhas e serras; nas encostas com mais de 45° de

declive, restingas, fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, bordas de

tabuleiros ou chapadas, e as terras que se localizassem em altitude superior a 1800

61 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 736. 62 Ibid., p. 736. 63 “§ 1º. Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições

desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário

previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil,

sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1o do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto

de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais.” 64 Ainda é possível manter esta classificação para as áreas de preservação permanente do atual art.

4º do atual Código Florestal (Lei nº 12.651/12).

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(mil e oitocentos metros).

No art. 3º, constava previsão das APPs por ato do Poder Público, que assim

eram declaradas com o fim de atenuar erosão, fixar dunas, formar faixas de

proteção ao longo de rodovias e ferrovias, auxiliar a defesa do território nacional,

proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico, asilar

exemplares de fauna e flora ameaçados de extinção, manter o ambiente necessário

à vida das populações silvícolas, e assegurar as condições de bem-estar público.

Este tipo de APP perdeu parte de sua relevância após a criação do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação pela Lei nº 9.985/00, uma vez que tal

Sistema oferece instrumentos mais atuais e mais aptos a preservar florestas por ato

do Poder Público. Trata-se de sistema mais complexo e completo, que praticamente

tornou menos relevante esta espécie de APP. Contudo, ainda assim esta espécie

subsistiu à reforma legislativa, como pode ser visto adiante.

Destaque para a APP ripária ou ciliar, aquela que margeia rios e cursos

d’água (art. 2º, alínea a), que provoca inúmeras discussões no âmbito do Poder

Legislativo federal. O que se nota é que esta Lei não fomentava muitas polêmicas

durante suas primeiras décadas de existência, pois era norma que, inicialmente, não

era respeitada, nem exigida, nem pelo Poder Público, nem pelos administrados65.

Somente na década de 1980 é que se iniciou movimento para sua implantação, por

exemplo, a partir de regulamentação do Conselho Nacional do Meio Ambiente

(CONAMA), que editou resolução dispondo expressamente sobre a definição de

topo de morro66.

Um fator que certamente impulsionou a exigência do Código Florestal de 65

foi o advento da Política Nacional do Meio Ambiente, com a promulgação da Lei nº

6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente

(SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), possibilitando a

65 Essa “tolerância” foi destacada pelo Professor Fernando Cavalcanti Walcacer, que ressaltou que

durante seus primeiros 20 anos, a Lei passou praticamente despercebida. (In: Debates sobre o

Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo). 66 Resolução nº 04, de 18 de setembro de 1985.

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fiscalização contra o desmatamento. Além disto, referida Política materializou a

responsabilidade objetiva para aqueles que causem danos ao meio ambiente (art.

14, parágrafo 1º). Gradualmente, a Lei nº 4.771/65 ganhava espaço e se

concretizava.

Reformas Legislativas do Código Florestal de 1965

A paulatina exigência (fiscalização) das disposições do Código Florestal de

1965 e da manutenção e recuperação das APPs trouxe o simultâneo

descontentamento com a legislação florestal para diversos segmentos da sociedade,

dando início a polêmicas teses jurídicas sobre a referida lei. Dentre tantas teses

contrárias à proteção das áreas ecossistêmicas sensíveis, a discussão sobre a

existência ou não de APPs em zona urbana sempre esteve dentre os temas

polêmicos. E as matas que margeiam os corpos d’água é fonte de destaque,

especialmente porque sua disciplina legal passou por diversas reformas legislativas,

que demonstram quão sensível é também a discussão67. Assim, segue breve relato

sobre as inúmeras reformas legislativas sofridas pelo texto de 1965.

As APPs ripárias (situadas ao longo de rios e cursos d’água), de acordo com

o texto original da Lei nº 4.771/65, deveriam ter largura mínima de cinco metros

(para os rios de até 10 metros de largura). Havia três limites mínimos, que

obedeciam a seguinte escala / gradação:

Largura do curso

d’água

Largura da APP ciliar

até 10 metros 5 metros

entre 10 e 200 metros metade da largura do curso d’água

maior que 200 metros 100 metros

67 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691.

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Posteriormente, a Lei nº 7.511/86 alterou a redação deste dispositivo legal

(art. 2º, alínea ‘a’), aumentando, substancialmente, a metragem mínima da largura

da APP de cinco, para trinta metros, e ainda acrescentou outras faixas mais

protetivas:

Largura do curso

d’água

Largura da APP ciliar

até 10 metros 30 metros

entre 10 e 50 metros 50 metros

entre 50 e 100 metros 100 metros

entre 100 e 200 metros 150 metros

mais de 200 metros igual à distância entre as margens

Paulo Affonso Leme Machado68, lastreado em Nota Técnica da Agência

Nacional de Águas (ANA)69, ensina que a fixação no patamar mínimo de trinta

metros não foi arbitrária, mas sim partiu de estudos realizados a partir da década de

1980, em diferentes países, quando foi detectado que as larguras adequadas

(mínima e máxima) variam de acordo com cada função ecológica da mata ripária

(por exemplo, estabilização de taludes, sombreamento, proteção da qualidade da

água etc.). Assim, foi verificado que não há apenas uma faixa ideal para todas as

funções ambientais. Nesse sentido, a vegetação mínima de 30 (trinta) metros

atende, em níveis médios (não de modo absoluto), as funções analisadas nos

estudos, de modo que reduz substancialmente os impactos negativos sobre os

recursos hídricos70, podendo ser considerado este um avanço na legislação.

68 Comentários ao art. 4º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código

Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 146. 69 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:

<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.

Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min. 70 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:

<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.

Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min.

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40

Registre-se que, em 1988, com a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil, as áreas especialmente protegidas ganharam tratamento

especial pelo § 1º, inciso III, do art. 225, que incumbiu o Poder Público de definir

espaços especialmente protegidos, e determinou que sua “alteração e supressão

[seriam] permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que

comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Com isso,

parte majoritária da doutrina71 passou a defender que as áreas de preservação

permanente do Código Florestal deveriam ser incluídas no conceito constitucional de

“espaços territoriais especialmente protegidos”, de modo que, a cada alteração e

supressão, deveria ser discutida perante o Poder Legislativo federal. Esta discussão

doutrinária está descrita mais à frente, valendo apenas a citação neste ponto, a título

de registro de mais uma modificação no regime jurídico das APPs.

Poucos anos depois, a Lei nº 7.803/89 trouxe nova disciplina ao art. 2º do

Código Florestal, reduzindo a largura das APPs de rios e cursos d’água que

tivessem mais de cem metros de largura, mantendo, contudo, a largura das APPs

dos rios e cursos d’água menores (com menos de cem metros de largura):

Largura do curso

d’água

Largura da APP

ciliar

até 10 metros 30 metros

entre 10 e 50 metros 50 metros

entre 50 e 200 metros 100 metros

entre 200 e 600 metros 200 metros

mais de 600 metros 500 metros

Com esta normatização, todos os rios com mais de 100 metros de largura

71 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiro,

2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São

Paulo, 2010, pp. 230-231; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.

São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito

Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Em sentido contrário: MILARÉ, Édis.

Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 696; SIRVINSKAS, Luís

Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 444.

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tiveram suas APPs ripárias reduzidas. Além disto, a Lei nº 7.803/89 também instituiu

que a medição da mata ciliar deveria, então, ser feita a partir do nível mais alto do rio

ou curso d’água, o que, por vezes, representava diferença considerável no momento

da medição e delimitação da APP, favorecendo sua proteção. Esta mesma Lei de

1989 também acrescentou texto visando aplicação das áreas de proteção

permanente em zonas urbanas, tema que está exposto com mais detalhes à frente,

em capítulo próprio. Em conclusão: a partir de 1989, embora as APPs ripárias para

rios com mais de cem metros de largura tivessem reduzidas suas metragem, a

introdução de critério objetivo para o início da medição trouxe vantagens à sua

proteção. Esta discussão a respeito do ponto inicial da medição da APP foi retomada

quando da votação do novo Código Florestal, como está relatado no item próprio à

frente.

Nova reforma se deu em novembro de 1998, com a edição da Medida

Provisória nº 1.605-30 (reeditada inúmeras vezes, até que, alguns anos depois,

ficaria conhecida sob nº 2.166-67, quando foi “congelada” pelo art. 2º da Emenda

Constitucional nº 32/200172-73).

72 “Art. 2º. As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda

continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação

definitiva do Congresso Nacional.” (A Emenda Constitucional nº 32/01 foi publicada no dia 12 de

setembro de 2001.) 73 Guilherme José Purvin de Figueiredo se pronunciou no sentido de que a Medida Provisória nº

2.166-97/01 foi utilizada como moeda de troca política para aumentar menos o salário-mínimo

naquele ano. (In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado

de São Paulo.) Também foi nesta época que se iniciaram as mobilizações sociais em torno do tema.

Mais detalhes sobre a movimentação política que envolveu a reforma do Código Florestal, ver:

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º do novo Código Florestal, in: MILARÉ,

Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2012, pp. 30-31. A discussão que havia entre os constitucionalistas era no sentido de que,

no lugar de medida provisória, deveria ser lei ordinária, uma vez que ausente a urgência

caracterizadora da medida provisória. A base ruralista do Congresso Nacional não ficou satisfeita com

a Medida Provisória nº 2.166 por não autorizar a sobreposição de APP com as áreas destinadas à

reserva legal. Ainda na mesma época, Aldo Rebelo começa a criticar publicamente a legislação

ambiental, publicando o discurso de pequenos proprietários rurais (contrários aos organismos

geneticamente modificados). Por conta disto, fortaleceu-se o vínculo entre a imagem dos

ambientalistas e dos reacionários contrários ao desenvolvimento das células tronco. Além disso,

iniciou-se uma associação entre os interesses nacionais e organizações não-governamentais

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Esta reforma legislativa conferiu ao Código Florestal de 1965 seus principais

contornos durante os últimos dez anos de vigência, inclusive no que diz respeito ao

regime de alteração e supressão das APPs, o que, a partir de então, estava

permitido sempre que fosse o caso de utilidade pública ou interesse social. Em

razão de sua relevância, dedicamos item especial mais à frente para as reformas

empreendidas pela referida Medida Provisória, no que tange à alteração e

supressão dessas áreas sensíveis.

1.6. Código Florestal de 2012

Em 11 de maio de 2012, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) foi

aprovado pelo Congresso Nacional e enviado para sanção e veto presidencial,

revogando expressamente a Lei nº 4.771/65. De início, é de se destacar a

peculiaridade que envolveu a Lei nesta fase: houve legítimo movimento social,

através da divulgação de mensagens em redes sociais e manifestações livres da

população, pugnando pelo veto do Poder Executivo74. Quando da sanção pela

estrangeiras, quebrando, por conseguinte, a relação entre agronegócio e tradicionalistas e

conservadores. Quando proferida a palestra, era a referida Medida Provisória que dava os principais

contornos para a lei até então em vigor (Lei nº 4.771/65), em especial por força de sucessivas

prorrogações dos prazos. 74 Em junho de 2011, o Instituto Datafolha, havia feito pesquisa de opinião encomendada pelas

organizações Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, IMAFLORA, IMAZON, Instituto Socioambiental,

SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil, que revelou que 85% (oitenta e cinco por cento) dos entrevistados

preferem “dar prioridade para a proteção das florestas e rios, mesmo que isso limite a produção

agropecuária”. Um exemplo bastante representativo deste movimento social foi o pedido feito pela

atriz Camila Pitanga, em cerimônia oficial em que cinco universidades públicas fluminenses

concederam o título de Doutor honoris causa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida no

dia 04 de maio de 2012. A atriz foi mestre de cerimônia do evento e, ao anunciar a Presidente da

República em meio a conclamações, pediu licença para quebrar o protocolo do evento e rogou:

“Veta, Dilma!” (a frase que circulou nas redes sociais da internet, que identificou o movimento

social). (CAMILA Pitanga pede “Veta, Dilma!” em cerimônia oficial. UOL Notícia. São Paulo: TV UOL,

04 mai. 2012. Disponível em: <http://tvuol.tv/bfc6w2>. Acesso em: 29 set. 2012.) Cf. Movimento

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Presidência da República, não houve veto integral como pugnava a sociedade civil,

mas foram numerosos os vetos (19 ao todo), de modo que, para supri-los, o Poder

Executivo lançou mão da edição da Medida Provisória (MP) nº 571/12, a qual

regulava os pontos vetados do Código novo (que restariam omissos, se não fosse a

MP).

Não obstante inúmeras polêmicas e desencontros entre o Poder Executivo e

a Câmara dos Deputados75, a referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº

12.727/12, que deu a disciplina definitiva do atual Código Florestal, sem que

restasse satisfeito qualquer dos interessados: ambientalistas, ruralistas,

empreendedores, Poder Público ou mesmo a sociedade civil. Importa destacar que o

texto da MP nº 571/12 sofreu alterações em sua redação durante o trâmite no âmbito

do Poder Legislativo, e ainda houve novos vetos presidenciais.

O texto definitivo merece louvor em alguns pontos e críticas em outros

tantos. Inicialmente, destaca-se sua principiologia: no art. 1º-A, parágrafo único,

ficou consagrado como objetivo da Lei o desenvolvimento sustentável, ou seja, o

modelo de desenvolvimento econômico eleito pela Constituição Federal (art. 170),

"Veta, Dilma!", sobre o Código Florestal, vira fenômeno nas redes sociais. UOL, São Paulo, 04 mai.

2012. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/05/04

/movimento-veta-dilma-sobre-o-codigo-florestal-ganha-as-redes-sociais.htm>. Acesso em: 29 set.

2012. O Professor da PUC-RJ Fernando Cavalcanti Walcacer (em debates sobre o Código Florestal na

PGE, em 11.05.12) alertou para o fato de que o Congresso Nacional vem atuando em flagrante

violação aos interesses da população, como é o exemplo claro da divergência entre a lei aprovada e a

manifestação da população sobre o novo Código Florestal. Segundo o Professor carioca, a tendência

é que os congressistas continuem atuando desta forma ilegítima, “privilegiando o latifúndio e a

manutenção da miséria”; e cita como exemplo que, em 2011, foi aprovado um decreto sobre

cavernas, que seria fruto de lobby dos setores imobiliário e minerário. Neste sentido, Walcacer

propõe repensar a Constituição, mesmo havendo risco de ser uma discussão natimorta, por “afronta

à cláusula pétrea”. 75 MADUEÑO, Denise. Câmara aprova Código Florestal que beneficia grandes donos de terra. O

Estado de São Paulo. São Paulo, 18 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br

/noticias/nacional,camara-aprova-codigo-florestal-que-beneficia-grandes-donos-de-terra,932475,0.

htm>. Acesso em: 19 set. 2012; COSTA, Rosa; DOMINGOS, João. Senado tem recesso suspenso para

votar Código Florestal. O Estado de São Paulo. São Paulo, 19 set. 2012, Planeta. Disponível em:

<http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,senado-tem-recesso-suspenso-para-votar-codigo-

florestal, 932938,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.

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em que a liberdade econômica não pode se sobrepor ao desenvolvimento social e à

proteção do meio ambiente, mas sim devem ser harmonizados estes axiomas. O

desenvolvimento sustentável, em realidade, é princípio, na medida em que se

configura como “mandato de otimização” do sistema normativo76, e, como tal, deve

nortear a interpretação e a aplicação do novo Código Florestal. Vale dizer, é sob a

luz dos ideais do desenvolvimento sustentável que devem ser vistas as regras

dispostas na Lei nº 12.651/12.

Em contrapartida, o mesmo artigo elenca em seis incisos os princípios que a

aplicação da lei deve seguir, muito embora tais incisos não consagrem exatamente

princípios jurídicos do Direito Ambiental, tampouco princípios gerais do Direito (o

texto vetado possuía mais rigor técnico). Afinal, não é o legislador que cria os

princípios de determinado regime jurídico, já que os princípios (na qualidade de

“mandamentos de otimização”77 do ordenamento jurídico, como acima lembrado)

são frutos de “longo processo de aplicação e interpretação das leis, principalmente

pela jurisprudência e pela doutrina”78. Melhor seria se se classificassem os incisos

do art. 1º-A como diretrizes gerais, por exemplo.

Além disso, ressalte-se que, dentre os princípios elencados, seria

recomendável que estivesse expresso o princípio da função social da propriedade.

Guilherme José Purvin de Figueiredo pondera que “levando-se em consideração que

a lei sob comento destina-se a disciplinar os direitos de propriedade das florestas e

de outras formas de vegetação nativa existentes no país, é inconcebível que haja o

legislador olvidado o princípio da função social da propriedade.”79 Como lembra o

autor, trata-se de princípio basilar do direito atual, além de se caracterizar como

direito fundamental da pessoa humana, princípio norteador do direito ambiental, do

76 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado

de Direito Democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, jul. /

set. 1999, pp. 74-75. 77 Ibid., p. 75. 78 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35. 79 Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código

Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35.

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direito econômico e imposição ao proprietário rural80. Ainda que não esteja expresso

na Lei nº 12.651/12, o princípio da função social da propriedade deve também

nortear sua aplicação e interpretação, uma vez que emana diretamente da

Constituição Federal (art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 185, parágrafo

único; e art. 186), devendo irradiar seus efeitos por todo o ordenamento jurídico81.

Já o § 2º do art. 2º da Lei nº 12.651/12 andou bem ao esclarecer que as

obrigações constantes do novo Código Florestal “têm natureza real82 e são

transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de

domínio ou posse do imóvel rural”. Se, por um lado, deve-se indagar porque esta

disposição se refere apenas ao imóvel rural83, por outro lado, deve-se reverenciar a

norma neste ponto, já que este tema é rico em discussões judiciais: uma vez que o

proprietário do imóvel era instado a restaurar a área de preservação permanente

degradada, insurgia-se, com fulcro na regulamentação anterior, alegando inexistir

nexo causal entre sua ação e o desmatamento realizado pelo antigo proprietário.

Inúmeros são os julgados que reafirmaram a obrigação do proprietário,

independente de haver liame entre sua conduta e o dano ao meio ambiente.

Contudo, deve-se lembrar que a jurisprudência nunca foi uníssona. A partir da nova

Lei, o Poder Judiciário possui fundamento legal positivado para unificar a

jurisprudência que vinha se consolidando nos últimos tempos. Guilherme José

Purvin de Figueiredo adiciona, como consequência da natureza real da obrigação, a

imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação:

80 No Capítulo 3 deste trabalho, foi desenvolvido tópico exclusivo à função social da propriedade,

onde são encontrados detalhes a seu respeito. 81 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 35-36. 82 Sinônimo de obrigação propter rem ou obrigação reipersecutória, a obrigação real é gerada pelo

fato de o devedor ser proprietário de um imóvel, ou seja, não se obrigou por sua própria vontade.

Trata-se de uma obrigação híbrida, tertium genus, ao lado dos direitos pessoais e dos direitos reais.

Assim, é transmitida junto com a propriedade do imóvel, independentemente de anuência do credor

ou do adquirente do bem, seja por ato inter vivos ou mesmo causa mortis (DINIZ, Maria Helena.

Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Obrigações – v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011,pp. 27-31.) 83 FRANCO, Ana Claudia La Plata de Mello; GIACOMOLLI, Gabriela Silveira. Comentários ao art. 7º. In:

MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2012, p. 165.

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Não se trata aqui de estabelecer o nexo de causalidade entre ato (omissivo ou comissivo) e dano, isto é, não se trata de fixar a responsabilidade do degradador – matéria tratada no parágrafo anterior deste artigo. Aqui, tem-se em mira a irregularidade, a situação em desacordo com o comando legal, que acompanha o bem imóvel e não é passível de convalidação. Decorre daí a imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação por quem estiver no domínio do bem.84

No que tange às áreas de preservação permanente, o novo Código Florestal

trouxe seu conceito legal no art. 3º, inciso II, que reproduz o texto que já constava na

Lei nº 4.771/65 (art. 1º, § 2º, inciso II, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01),

com destaque a sua função ambiental: “área protegida, coberta ou não por

vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a

paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de

fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. A

regulamentação do instituto é encontrada nos artigos 4º a 6º (caracterização e

disposições gerais), 15 (cômputo com a reserva legal), 7º a 9º (supressão), 41 a 50

(preservação e recuperação) e 61-A a 65 (áreas consolidadas em região rural e

urbana). Verifica-se que o novo Código manteve as duas espécies de áreas de

preservação permanente: (1) aquelas assim consideradas por suas características

naturais (antigo art. 2º) agora estão previstas no atual art. 4º, com poucas alterações

em seus incisos (ver abaixo) e (2) as APPs assim declaradas por ato do Poder

Público (antigo art. 3º) tem previsão legal no art. 6º.

A nova lei tratou de liquidar algumas discussões travadas sob a égide da Lei

nº 4.771/65, como por exemplo: deixou claro no art. 4º a existência de APP em

região urbana, pois assim dispõe o caput: “Considera-se Área de Preservação

Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei [...]” (itálico

nosso). Além do mais, ao longo de todo o texto normativo, podem-se encontrar

diversas referências às áreas de preservação permanente em zonas urbanas, como

se verifica nos arts. 64 e 6585. Outro exemplo de discussão pacificada é colhido no

art. 15, em que ficou expressa a tese que possibilita o cômputo de APP no cálculo

do percentual de Reserva Legal, o que gerava muitos embates judiciais na

84 Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 44. 85 O tema de APP em zona urbana está detalhado no capítulo 2 que segue.

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legislação antiga.

No que tange à caracterização das APPs, seu regime jurídico permaneceu

semelhante ao que vigia sob a Lei de 1965, tendo sido mantida a metragem das

matas ciliares de rios, por exemplo. Poucos pontos foram alterados, sendo que, num

saldo final, foi reduzida a proteção às áreas sensíveis86, destacando-se dois pontos:

(1) foi alterada a forma de cômputo das APPs das faixas marginais de rios, que

agora deve ser feito “desde a borda da calha do leito regular”87 (na legislação

anterior, o cômputo era feito “desde seu nível mais alto”88), (2) e foi completamente

excluída a proteção da área do entorno de nascentes e olhos d’água intermitentes.

O ponto mais polêmico da nova lei reside nos artigos 61-A e 61-B, que

tratam da consolidação de APPs em zona rural desmatadas antes de 22 de julho de

2008, tema que ficou conhecido como “anistia aos desmatadores”89. Isto porque o

novo Código Florestal possibilitou a continuidade das atividades agrossilvipastoris

nas áreas de preservação permanente consolidadas até referida data. Com esta

disposição, a lei criou dois tratamentos distintos para proprietários de áreas rurais,

em afronta direta ao princípio da igualdade: por um lado, para aqueles que sempre

respeitaram a legislação florestal, mantendo intocada a APP de seu imóvel, a lei

determinou que assim seja mantido, ou seja, não pode derrubar a vegetação ou

instituir atividade econômica na área protegida. Doutro lado, para aqueles que já

haviam suprimido a vegetação da área de preservação permanente para fins de

atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural (isto é, para os que

se mantinham ilegais há algum tempo), a lei tornou lícitas tais atividades, restando

apenas a obrigação de recomposição de parte da vegetação originária, de acordo

86 Parte respeitável da doutrina considera que esta redução da proteção do meio ambiente configura

como afronta ao princípio do não retrocesso, ou seja, violação direta à Constituição Federal (SARLET,

Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da (in)constitucionalidade do

projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da garantia da proibição de

retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.com.br/search/label/

Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.) 87 Art. 4º, inciso I, Lei nº 12.651/12 88 Alínea ‘a’ do art. 2º da Lei nº 4.771/65 89 Sobre a consolidação de APP em zona urbana, aprofundaremos a discussão em tópico próprio no

Capítulo 3.

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com o tamanho do imóvel90. Estes tratamentos diferenciados prejudicam os

produtores rurais cumpridores da Lei nº 4.771/65, na medida em que podem utilizar

menos áreas de sua propriedade do que aqueles que mantiveram práticas ilegais há

anos e reduziram a proteção ao meio ambiente, causando, por conseguinte, ofensa

aos princípios da igualdade e do não retrocesso91.

Ademais, vale lembrar que a preponderância do aspecto econômico que

marcou a conduta do legislador não guarda relação com a Constituição Federal, art.

170, inciso VI, haja vista que é determinação constitucional o respeito ao “meio

ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental da

atividade desenvolvida”, ou, como dito alhures, é o princípio do desenvolvimento

sustentável, que determina que não haja prevalência da atividade econômica em

detrimento do meio ambiente, mas que tais valores sejam igualmente respeitados

(aplicados em sua máxima extensão).

Outrossim, quando observado pelo prisma do pragmatismo, a lei, tendo

criado inúmeros critérios (data do desmatamento, tamanho do imóvel, tipo de APP

desmatada etc.) para estabelecer a obrigação de recuperação (se total ou parcial),

dificulta sobremaneira a fiscalização da referida obrigação, dando margem para

diversas discussões judiciais sobre as futuras autuações (leia-se: aumento de

demandas judiciais). É exemplo da dificuldade criada a inexistência de mapas de

satélite de cobertura nacional, na data de 22 de julho de 2008 (data que altera a

90 SENISE, Walter José. Comentários ao art. 61-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme.

Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 415. Antonio Herman V.

Benjamin, em artigo escrito em 1993, afirmou com propriedade que “a ninguém é lícito ‘adquirir’ o

direito de poluir sob o fundamento de que já o faz ininterruptamente há anos sem que o Estado o

importune.” (Função Ambiental, in: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano Ambiental... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 81). 91 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em

<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>, acesso em

09 fev. 2013.; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da

(in)constitucionalidade do projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da

garantia da proibição de retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.

com.br/search/label/Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.

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obrigação de recuperação, segundo o art. 61-A)92, para que a fiscalização possa, de

modo transparente, exigir do proprietário rural a recuperação total ou parcial.

Outro ponto que foi bastante discutido no âmbito do Poder Legislativo foi a

possibilidade de recomposição de APP por frutíferas, mas este texto foi vetado pela

Presidência da República, quando da sanção da Lei nº 12.727/12 (lei fruto da

conversão da Medida Provisória nº 571/12).

Uma inovação trazida pela Lei, e que é bem-vinda, é a previsão de políticas

públicas de estímulos e incentivos econômicos (remuneratórios e de isenção fiscal)

para os proprietários que conservam a floresta (arts. 41 a 50). Para tanto, o novo

Código Florestal incorpora os conceitos de pagamento por serviços ambientais

(PSA), de sequestro de carbono – que permite a negociação de créditos de carbono

no programa internacional conhecido como Reducing Emissions from Deflorestation

and Forest Degradation (REDD), no âmbito da Convenção-Quadro sobre Mudanças

Climáticas –, de instrumentos econômicos (tais como melhoria nas condições de

contratação de crédito e seguro agrícolas, redução e isenção tributárias) e de

incentivos específicos para a regularização dos imóveis rurais. No entanto, tais

políticas públicas de preservação e recuperação pendem de regulamentação para

que sejam viabilizadas.

No que tange à supressão de vegetação para uso alternativo do solo (arts.

7º a 9º), o tema está abordado no próximo tópico, numa perspectiva histórica do

desenvolvimento do instituto.

1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente

Como já mencionado antes, a doutrina do Direito Ambiental93,

92 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em:

<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>. Acesso em:

09 fev. 2013. 93 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito

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majoritariamente, condiciona a alteração e supressão de APP à existência de lei em

sentido formal, uma vez que a exigência se fundamenta na redação do art. 225, § 1º,

inciso III, da Constituição Federal:

Art. 225. § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: [...] III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção. (grifo nosso)

Para dar sustentação à tese, estes doutrinadores consideram a APP como

espaço territorial especialmente protegido (ETEPs) e, portanto, incluído na

supratranscrita hipótese constitucional. Assim, a ratio legis deste dispositivo reside

no fato de que os ETEPs (e seus componentes), em regra, não podem ser alterados

ou suprimidos, uma vez que são extremamente importantes ao ecossistema em que

estão inseridos, em razão de sua função ambiental (nas palavras da Carta Magna:

em razão “dos atributos que justificam sua proteção”). Neste sentido, quando houver

necessidade de alteração ou supressão, tal necessidade deverá se curvar ao

princípio da reserva de lei94, de maneira a ser discutida no âmbito do Congresso

Nacional, mediante regular processo legislativo ordinário, com a participação popular

e a publicidade que lhe são inerentes.

O Professor Paulo Affonso Leme Machado atribui esta opção ao poder

constituinte originário, que consignou este texto intencionalmente, visando conferir

Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 230-231; BENJAMIN, Antônio Herman de

Vasconcellos. O Regime Brasileiro das Unidades de Conservação. In: Revista de Direito Ambiental.

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, 2001, pp. 44-45; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de

Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de

Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 421-452; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora

em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Sob a vigência

da Lei nº 12.651/12: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ,

Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais,

2012, p. 36. 94 A doutrina mais acurada do Direito Constitucional diferencia o princípio da legalidade do princípio

da reserva de lei (ou da reserva legal), razão pela qual preferimos utilizar esta denominação em

detrimento daquela (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:

Malheiros, 2005, pp. 422-424).

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51

mais tempo e qualidade à discussão com a sociedade, quando se tratar de espaços

ecologicamente protegidos, afinal trata-se de “bem de interesse comum a todos os

habitantes do País”, consoante art. 1º do Código Florestal de 1965 e art. 2º do novo

Código Florestal:

O Poder Legislativo precisa discutir sobre um bem que está caracterizado como ‘permanente’. Uma floresta de preservação permanente não é para ser suprimida ou alterada precipitadamente, a todo momento ou ao sabor do interesse somente do partido político que administre o meio ambiente. [...] é de ser ponderado que uma vegetação de tal importância não se elimina todos os dias. A seca que expulsa as pessoas e os desmoronamentos que matam têm como uma de suas causas o corte da vegetação de preservação permanente. O processo legislativo dá chance de maior participação social para a decisão de manter ou suprimir a vegetação.95

De modo diverso, Édis Milaré diferencia os espaços territoriais

especialmente protegidos lato sensu (que são as APPs e as áreas de reserva legal

florestal) dos ETEPs stricto sensu (que, por sua vez, englobam as unidades de

conservação, a reserva da biosfera e unidades de conservação atípicas). Nesta

dicotomia, considera o autor que o aludido preceito constitucional (art. 225, § 1º,

inciso III) apenas se aplica a esta última categoria (espaços territoriais

especialmente protegidos stricto sensu)96. Milaré parte do conceito legal de “unidade

de conservação”97, em que se compreendem características de “particularidade e

especificidade” de cada unidade de conservação, devendo ter seu “propósito e

finalidade específicos, o que exigiria, por consequência, um ato legal de sua

instituição pelo Poder Público, visando a delimitar e a dispor exclusivamente a

respeito de cada uma”98. Nesse sentir, continua o doutrinador, na definição de

“unidade de conservação” não se pode incluir outras figuras legais, como APP,

reserva legal florestal, etc., pois tais espaços territoriais não necessitam de ato legal

do Poder Público específico para sua existência, o que, no entender do doutrinador,

95 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 739-740. 96 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 695-696. 97 Art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.985/00: “Art. 2º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I –

unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas

jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com

objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se

aplicam garantias adequadas de proteção”. 98 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 689, itálico nosso.

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52

seria um “requisito essencial” para a constituição de unidade de conservação

imposto pela Lei nº 9.985/00, justificando a distinção em relação aos outros espaços

territoriais99. Em poucas palavras, seu entendimento se baseia no seguinte

raciocínio: se é necessária lei para instituição de um espaço protegido, também é

necessária lei formal para sua alteração; ao passo que, se é necessário ato (ou

processo) administrativo, a supressão ou alteração também ocorrerá mediante mero

ato (ou processo) administrativo.

Com todo respeito à opinião do eminente doutrinador, há que se considerar

que este fundamento não é suficiente para afastar a aplicação da norma

constitucional (art. 225, § 1º, inciso III) aos espaços territoriais que possuem

proteção especial por força do Código Florestal100. A uma, porque seu fundamento

parte do ordenamento infraconstitucional para dar sentido ao texto da Carta Magna –

ao passo que julga-se mais adequado interpretar as normas infraconstitucionais à

luz da Constituição –; a duas, porque as APPs e reservas legais florestais são

criadas, sim, por lei em sentido formal, que é o próprio Código Florestal101; e a três,

porque aquilo que a lei (in casu, a Constituição Federal) não distingue não cabe ao

intérprete distinguir102.

Esta discussão tinha como pano de fundo a redação original do Código

Florestal de 1965, cujo art. 3º, § 1º, assim determinava:

99 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 689. 100 Retome-se que as APPs possuem duas espécies: (a) aquelas existentes por seus atributos naturais

(art. 2º da Lei nº 4.771/65 e do art. 4º da Lei nº 12.651/12) e (b) aquelas classificadas por ato do

Poder Público como APP (do art. 3º da Lei nº 4.771/65 e do 6º da Lei nº 12.651/12). As primeiras são

constituídas diretamente pela aplicação da lei, de pleno direito; as segundas dependem de ato

administrativo do Poder Público, mas, ainda assim, decorrem da aplicação da lei, tanto quanto as

unidades de conservação. Curioso observar que, apesar de Milaré não considerar o Código Florestal

como lei ordinária criadora das APPs por atributos naturais, ele considera (com fundamento em

Paulo de Bessa Antunes) que “a lei autorizativa para uma eventual alteração ou supressão das

florestas de preservação estabelecidas pelo art. 3º [do Código Florestal de 1965] é o próprio Código

Florestal” (Op. cit., p. 695). 101 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009,p. 442. 102 É o que recomenda o brocardo jurídico: “Ubi lex non distinguit nec non distinguere debemus.” (Cf.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p.

411.)

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53

§ 1º. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

É de se destacar que a disposição legal supra transcrita se localizava no §

1º do art. 3º, artigo este que tratava apenas das APPs por ato do Poder Público. Por

interpretação, entendia-se que apenas seria permitida a supressão por utilidade

pública ou interesse social nesta categoria de APP (e que não seria permitida

supressão quando se tratasse de APP por seus atributos naturais)103.

No texto original da Lei nº 4.771/65, embora a supressão de florestas

(declaradas por ato do Poder Público) estivesse subordinada à utilidade pública ou

ao interesse social, não havia um conceito legal destes termos. À época, a doutrina

remetia o preenchimento destes significados ao Poder Judiciário: Paulo Affonso

Leme Machado, em artigo publicado em maio de 1980, quando ainda incipiente a

referida legislação, escreveu que “o controle da finalidade da supressão parcial ou

total da floresta de preservação permanente do art. 3º poderá ser feito pelo Poder

Judiciário, evitando-se o desvio de poder.”104 Para as APPs do art. 2º, o autor

defendia que “só [poderiam] ser alteradas ou suprimidas parcial ou totalmente por

força de lei. Incompetente [seria] o Poder Executivo federal, estadual ou municipal

para autorizar a supressão parcial ou total dessas florestas ou formas de

vegetação.”105

Foi a já comentada Medida Provisória nº 2.166-67/01 que alterou

substancialmente o regime jurídico incidente sobre a supressão de APP. Em

primeiro lugar, porque remanejou a disposição legal do art. 3º (que tratava apenas

das APPs por ato do Poder Público) para o art. 4º, ao conferir nova redação a este

artigo:

Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e

103 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal

Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 26. 104 Ibid., p. 25. 105 Ibid., p. 26, destaque nosso.

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54

motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. [...]

Desse modo, o que antes se referia apenas a uma das espécies de APP

passou a viger para ambas as espécies, possibilitando, a partir de então, a

supressão de APP por atributos naturais.

Em segundo lugar, condicionou a supressão a: (1) autorização do órgão

ambiental106 – leia-se: licenciamento –, (2) inexistência de alternativa técnica e

locacional do empreendimento107, e (3) as medidas mitigadoras e compensatórias108.

Pela interpretação integrativa (ou sistemática)109 do ordenamento, a supressão da

APP apenas seria autorizada quando atendido os requisitos constitucionais, quais

sejam: (4) estaria “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos

atributos que justifiquem sua proteção”110, e (5) elaboração de prévio Estudo de

Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA)111. Neste

novo cenário, os ambientalistas112 afirmavam que tais requisitos já existiam, desde o

advento da Constituição Federal, ou seja, a Medida Provisória apenas ratificava o

que já era exigido pela Lei Maior (exceto a necessidade de lei formal para tanto).

106 Art. 4º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “§ 1º. A supressão de que

trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com

anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o

disposto no § 2º deste artigo. § 2º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente

situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o

município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante

anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.” 107 Art. 4º, caput, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01, acima transcrito. 108 Art. 4º, § 4º, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “O órgão ambiental

competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área

de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas

pelo empreendedor.” 109 A interpretação integrativa ou sistemática é a técnica de interpretação da norma, pela qual uma

regra é analisada não isoladamente, mas integrada, relacionada com outras pertinentes ao mesmo

objeto (Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva,

2009, 440-441). 110 Art. 225, § 1º, inciso III. 111 Por determinação do inciso IV do art. 225, da Constituição Federal. 112 Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p.

742.

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55

Em terceiro lugar, a MP positivou no Código Florestal o conceito de utilidade

pública e de interesse social (art. 1º, § 2º, da Lei nº 4.771). A partir destes conceitos

legais, foi aberto caminho para redução de APP em qualquer obra ou projeto que

estivesse previsto em resolução do CONAMA, tema que é retomado com mais

profundidade no item a seguir, em razão de sua relevância para o tema ora

estudado.

Mas é importante observar o conflito que permaneceu entre a Medida

Provisória e a Constituição Federal: enquanto a Lei Maior exige lei em sentido formal

(princípio da reserva de lei) para alteração e supressão de APP, uma Medida

Provisória – isto é, um ato unipessoal temporário, da lavra do Chefe do Poder

Executivo federal, que ganhou força de lei com a Emenda Constitucional nº. 32/01 –

recomendava apenas a adoção de procedimento administrativo próprio, formalidade

muito mais simples e menos protetiva. Vale dizer: o que, pela Constituição, era

competência do Poder Legislativo federal (“somente através de lei”), passou, por

meio de Medida Provisória, a ser de competência, não da chefia do Poder Executivo

das diversas esferas da Administração Pública, mas ao corpo técnico dos órgãos

ambientais (federal, estaduais, distrital ou municipal).

E tal não passou despercebido pela Procuradoria‐Geral da República, que

intentou Ação Direta de Inconstitucionalidade113, em julho de 2005, com este

fundamento. Contudo, em apreciação perfunctória, o Pleno do Supremo Tribunal

Federal negou referendo à liminar, mantendo a vigência do art. 4º do Código

Florestal com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.166‐67/01. Com isto,

restou vitorioso o entendimento de que as APPs são espaços territoriais

especialmente protegidos latu sensu, que não estão vinculados ao princípio

constitucional da reserva de lei e que, portanto, podem ser alterados e suprimidos

mediante procedimento administrativo no âmbito do órgão ambiental competente114.

113 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.

Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso

de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005. Até a revogação da Lei nº 4.771/65 o

mérito desta ação não havia sido apreciado pelo Supremo. 114 Curioso notar, entretanto, que o Pleno do Supremo, em 09.08.1989, diante da mesma discussão

(todavia, tratava-se de um Decreto paulista), já havia reconhecido a possibilidade de danos

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56

Neste ponto, é esclarecedora a lição de Édis Milaré:

Tal entendimento decorre do fato de diversas atividades de infraestrutura (obras de saneamento, transporte, energia etc.) – assim como outras vitais para o desenvolvimento econômico e social do País –, muitas vezes sem qualquer alternativa locacional, só serem viáveis e exequíveis mediante intervenção em áreas classificadas como de preservação permanente (margens de cursos de água, nascentes e reservatórios, entre outras tantas situações previstas no Código Florestal).115

Deve-se ressaltar que, ao adotar este entendimento, o Supremo Tribunal

Federal, segundo o voto do Ministro Relator, não pretendeu retirar a proteção

constitucional de que o corte de vegetação não poderia “[comprometer] a integridade

dos atributos que justifiquem sua proteção”116. Esta garantia constitucional é de

extrema relevância para as áreas de preservação permanente, uma vez que: (1) são

os seus atributos que justificam sua proteção; (2) o novo Código Florestal repete a

disciplina constitucional ao manter no conceito legal de APP sua função

ambiental117; e (3) trata-se de critério de grande valia para manter a intocabilidade

dessas áreas. Segue pequeno trecho esclarecedor do voto do Relator Ministro Celso

de Mello:

Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Poder Público – qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de um regime jurídico de proteção

ecológicos de difícil reparação, e, por vezes, de reparação impossível e, assim, concedeu medida

liminar para suspender texto de lei muito semelhante ao do Código Florestal de 1965 (Supremo

Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 73-SP. Requerente: Procurador Geral da

República. Requerido: Governador do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília:

09 de setembro 1989, v.u., DJU 15.9.1989. Até outubro de 2012 o mérito desta ação não havia sido

apreciado). 115 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 959. 116 parte final do inciso III do § 1º do art. 25, CF. 117 Art. 3º, inciso II, Lei nº 12.651/12

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57

especial.118

A posição do Pleno do Supremo de 2005, embora dotada de caráter liminar

e, portanto, fruto de análise superficial e sem o crivo do contraditório, parece ter

finalizado a polêmica acerca do princípio da reserva de lei, de maneira que, com

base nesta decisão, foi editada a Resolução CONAMA nº 369/06, regulamentando

os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social e baixo impacto

ambiental para fins de alteração e supressão de APP119.

A mencionada Resolução dá instruções aos órgãos ambientais a respeito do

conteúdo dos conceitos indeterminados120 referentes a utilidade pública e interesse

social, porém nada dispõe a respeito das atividades de baixo impacto ambiental. A

Resolução também reforça a necessidade de medidas mitigadoras e

compensatórias prévias à autorização para supressão e intervenção (art. 5º),

esclarecendo que estas medidas não prejudicam as exigências de compensação

florestal constante da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC) (Lei nº. 9.985/00, art. 36121). Outra disposição importante da Resolução em

comento é a determinação para realizar as medidas compensatórias na mesma sub-

bacia hidrográfica do empreendimento.

O tema de alteração e supressão de APP também foi motivo de muita

discussão e inovação no âmbito do novo Código Florestal. Tratado pela nova lei

inicialmente nos arts. 7º a 9º, tais artigos devem ser lidos em conjunto com os arts.

118 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.

Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso

de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005, voto do relator, pp. 33-34 (fls. 560-561

dos autos), itálico nosso. 119 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 697. 120 Cf. FERRAZ JÚNIOR. Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito... São Paulo: Atlas, 2010, p.

294. 121 “Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto

ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de

impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a

implantação e manutenção de unidade de conservação do grupo de Proteção Integral, de acordo

com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”

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58

61-A a 65, quando for o caso de “áreas consolidadas rurais ou urbanas”122: no que

diz respeito às alterações e supressões perpetradas até 22 de julho de 2008 em

área rural, o regulamento encontra-se nos arts. 61-A a 63 (objeto de comentários no

item anterior), e para as áreas urbanas consolidadas, foram destinados os arts. 64 e

65, os quais são objeto de análise no último capítulo desta dissertação.

No que se refere às supressões posteriores à data de 22 de julho de 2008, o

Código Florestal novo foi claro ao vedá-las, em regra, quando tornou expressa a

obrigação de manter a vegetação de APP e instituiu o dever de recomposição123 (o

que não havia na lei anterior). Estas obrigações foram legalmente qualificadas como

de natureza real e, por consequência, são transmitidas ao sucessor inter vivos ou

causa mortis, no caso de imóvel rural124-125.

O art. 8º dispõe que as supressões futuras somente serão autorizadas nas

hipóteses de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, nos

termos dos conceitos legais descritos dos incisos VIII, IX e X, todos do art. 3º, da

mesma lei. Em suma, tais conceitos foram ampliados, novas atividades econômicas

foram contempladas nas hipóteses legais (não só atividades agrossilvipastoris, mas

também atividades de construção civil), reduzindo, por conseguinte, a proteção

destas áreas especiais. Estes conceitos legais serão discutidos com mais

122 Para os efeitos da Lei nº 12.651/12, consideram-se áreas consolidadas aquelas descritas em seu

art. 3º incisos IV e XXVI (“IV – área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica

preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris,

admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio” [...] “XXVI – área urbana consolidada:

aquela de que trata o inciso II do caput do art. 47 da Lei nº 11.977/09”, ou seja, “parcela da área

urbana com densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare e malha viária implantada e

que tenha, no mínimo, 2 dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a)

drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d)

distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”,

conforme redação do art. 47, inciso II da Lei nº 11.977/09). 123 Art. 7º, caput e §§ 1º e 3º. 124 É o que determina o § 2º do art. 7 combinado com § 2º do art. 2º. 125 Como destacado por Ana Claudia La Plata de Mello Franco e Gabriela Silveira Giacomolli, cabe

indagar: por qual motivo teria o legislador restringido esta disposição legal aos imóveis rurais?

(Comentários ao art. 7º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 165.)

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profundidade no item seguinte, mas, desde já é interessante registrar que há

doutrina126 que considera que, nos conceitos legais de utilidade pública, interesse

social e baixo impacto ambiental consta referência à função ambiental das APPs, o

que possibilita “o uso ou intervenção em APP desde que, dentre outros requisitos,

não prejudiquem sua função ambiental”127.

A supressão de vegetação protetora de nascentes, dunas, restingas e de

mangues tem suas condições especiais tratadas nos §§ 1º e 2º do art. 8º. Por sua

vez, o art. 9º cuida apenas de autorizar o acesso de pessoas e animais para

obtenção de água e realização de atividades de baixo impacto ambiental.

Pelo que se verifica do exposto, os requisitos128 existentes durante a

regulamentação anterior (Lei nº 4.771/65) não foram reproduzidos pela nova

legislação; contudo entendemos, em consonância com a doutrina mais abalizada129,

que tais requisitos, por serem de ordem constitucional, não podem ser afastados

pela legislação ordinária. Nesta linha de ideias, porque a Lei Maior determina que

seja realizado Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a instalação de qualquer

atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental (art. 225,

§ 1º, inciso IV), o EIA é indispensável em caso de supressão de APP, até mesmo

126 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso

Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 60-68. Utilizando o

fundamento diretamente da Constituição Federal para concluir no mesmo sentido, Guilherme José

Purvin de Figueiredo leciona: “Nesse sentido, comprovado cientificamente que a proteção dos

atributos que justificam a proteção dos espaços territoriais não é atendida, por exemplo, pelos

parágrafos do art. 61-A da Lei 12.651/12, restará confirmada a afronta ao princípio da vedação de

retrocesso, daí resultando a confirmação da inconstitucionalidade de referido dispositivo.”

(Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código

Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36). 127 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso

Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 65. 128 Referimo-nos aos requisitos já expostos alhures: (1) alteração e supressão permitida somente

através de lei, (2) é vedada a utilização da APP que comprometa a integridade dos atributos que

justificam sua proteção, e (3) elaboração de prévio EIA / RIMA. 129 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.

741-742.

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para comprovação de utilidade pública ou interesse social130. Por conseguinte, no

bojo deste procedimento administrativo, devem ser verificadas as alternativas

técnicas e locacionais131 e as medidas mitigatórias ou compensatórias132.

No que tange ao requisito da autorização do órgão ambiental competente

(antes prevista no art. 4º, § 2º, Lei 4.771/65), embora não haja na nova lei tal

exigência, a leitura a contrario sensu do § 3º do art. 8º dá a entender que a regra

geral é a autorização administrativa. Confira a redação do mencionado parágrafo:

§ 3º. É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.

Se, para casos urgentes de segurança e defesa (situações excepcionais), é

dispensável a autorização do órgão ambiental competente, não é demais concluir (a

contrario sensu) que a autorização é indispensável, como regra geral. Além do mais,

no art. 31133 da mesma lei, consta determinação expressa para licenciamento para a

exploração florestal (de áreas que não possuem proteção especial). Mais uma vez,

por inferência: se para exploração da floresta sem proteção especial é necessário

licenciamento, mais justificada está a necessidade desta autorização do órgão

ambiental quando for o caso de exploração de floresta com proteção especial. De

todo modo, a previsão de obrigatoriedade de licenciamento ambiental consta do art.

10 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81)134, que vige também nos

casos de supressão de área de preservação permanente.

130 A atividade de baixo impacto ambiental está fora da previsão constitucional do art. 225, § 1º,

inciso IV. 131 Em atendimento ao art. 9º, inciso II, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 132 Em atendimento ao art. 6º, inciso III, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 133 “Art. 31. A exploração de florestas nativas e formações sucessoras, de domínio público ou

privado, ressalvados os casos previstos nos arts. 21, 23 e 24, dependerá de licenciamento pelo órgão

competente do SISNAMA, mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável -

PMFS que contemple técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis

com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme.” 134 “Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades

utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer

forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.”

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Por fim, no que diz respeito ao atendimento da função ambiental, é a

Constituição, mais uma vez, que veda a utilização de espaços territoriais

especialmente protegidos que comprometa a integridade dos atributos que

justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º, inciso III). Reitere-se que a função ambiental

está reproduzida na Lei nº 12.651/12 no art. 3º, inciso II; inciso IX, alínea ‘b’ e inciso

X, alíneas ‘i’ e ‘j’. A doutrina nos orienta no mesmo sentido:

Finalmente, é inarredável a necessidade de se lembrar o princípio da proibição de retrocesso que, no campo do direito ambiental das áreas protegidas, encontra-se presente no art. 225, § 1º IV, fine, da Constituição Federal: a definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, é infensa a alteração e a supressão, ainda que por meio de lei ordinária, se sua utilização comprometer a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.135

Deste modo, conclui-se pela manutenção dos requisitos constitucionais para

autorização de supressão de áreas de preservação permanente, ainda que o novo

Código Florestal tenha silenciado a este respeito.

Ao que se vê, a Lei nº 12.651/12, no que tange ao tema de alteração e

supressão de APP, foi mais branda do que a regulamentação anterior, não só por se

omitir quanto aos requisitos constitucionais, mas também porque criou critérios que

tendem a dificultar a fiscalização (desmatamento até 22 de julho de 2008,

percentuais diversos de recuperação, tamanho da propriedade rural etc.); assim

como ampliou as hipóteses de utilidade pública, interesse social e de baixo impacto

ambiental. No que diz respeito a este último tema, segue com mais detalhes no

próximo tópico.

1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental

Considerando que desde o Código Florestal de 1965 restou autorizada a

135 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36.

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alteração e supressão de APP em casos de utilidade pública e de interesse social, a

análise destes conceitos discricionários136 se torna imprescindível ao presente

estudo.

Como já exposto anteriormente, a redação original da Lei nº 4.771/65

apenas continha a previsão de que as APPs declaradas por ato do Poder Público

poderiam ser alteradas e suprimidas por utilidade pública e interesse social. Não

trazia o conceito legal dessas expressões, razão pela qual a doutrina remetia seu

preenchimento ao Poder Judiciário137.

Com a Medida Provisória nº 2.166-67/01, foi alterada a redação de alguns

dispositivos do Código Florestal, de modo a permitir a supressão de qualquer

espécie de APP, por força de utilidade pública e interesse social. Além disto, foi

positivado no Código Florestal o conceito legal de utilidade pública e interesse

social, conforme segue (art. 1º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº

2.166-67/01):

§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por: [...]

IV – utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão; e

c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA;

V – interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;

b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não

136 Sobre conceitos discricionários, ver FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do

Direito. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 294-295; PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos

Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, pp. 71-72. 137 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal

Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, pp. 25-26.

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descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e

c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA. (itálicos nossos)

Houve o questionamento judicial das alterações trazidas pela Medida

Provisória nº 2.166-67/01, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que

resultou na confirmação da constitucionalidade de todo o teor da referida MP. Com

isso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) editou a Resolução nº

369/06, a qual “dispõe sobre os casos excepcionais de utilidade pública, interesse

social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de

vegetação em APP.” No bojo da Resolução, foram conceituados os termos utilidade

pública e interesse social. Quanto às atividades eventuais e de baixo impacto

ambiental, apenas houve a previsão regulamentar, sem apresentação de um

conceito propriamente dito.

Os textos da Medida Provisória nº 2.166-67/01 e da Resolução CONAMA nº

369/06 vigeram até a promulgação do novo Código Florestal, em 25 de maio de

2012. Desde então, é o art. 8º da Lei nº 12.651/12 que possibilita a supressão e

alteração de APP nos casos de utilidade pública, interesse social e quando houver

baixo impacto ambiental:

Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

Tais expressões (utilidade pública, interesse social e baixo impacto

ambiental) estão legalmente conceituadas no art. 3º, incisos VIII138, IX139 e X140,

138 “VIII – utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras de

infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário,

inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios,

saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à

realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração,

exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; c) atividades e obras de

defesa civil; d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções

ambientais referidas no inciso II deste artigo; e) outras atividades similares devidamente

caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa

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respectivamente. Tais dispositivos praticamente reproduzem os termos da

Resolução CONAMA nº 369/06, apresentando, porém, novas hipóteses, que variam

desde “obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de

[...] gestão de resíduos” até “instalações necessárias à realização de competições

esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” (ambas hipóteses estão previstas

técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo

federal.” 139 “IX – interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação

nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de

invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; b) a exploração agroflorestal sustentável

praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais,

desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da

área; c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais

e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas

nesta Lei; d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente

por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas

na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009; e) implantação de instalações necessárias à captação e

condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes

integrantes e essenciais da atividade; f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e

cascalho, outorgadas pela autoridade competente; g) outras atividades similares devidamente

caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa

técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal.” 140 “X – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental: a) abertura de pequenas vias de acesso

interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de

pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de

manejo agroflorestal sustentável; b) implantação de instalações necessárias à captação e condução

de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando

couber; c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo; d) construção de rampa de

lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; e) construção de moradia de agricultores familiares,

remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em

áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores; f) construção

e manutenção de cercas na propriedade; g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais,

respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; h) coleta de produtos não madeireiros

para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a

legislação específica de acesso a recursos genéticos; i) plantio de espécies nativas produtoras de

frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da

vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área; j) exploração agroflorestal e

manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não

madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem

a função ambiental da área; k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e

de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou dos

Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.”

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na alínea ‘b’, inciso VIII, art. 3º). Diante destas novas disposições legislativas, é

recomendável que o CONAMA revise a Resolução nº 369/06, com vistas a adequá-

la à nova lei141.

Um ponto que se destaca na nova legislação refere-se à possibilidade de

supressão de APP em caso de “exploração agroflorestal sustentável praticada na

pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades

tradicionais” (art. 3º, inciso IX, alínea ‘b’). Na vigência do regime jurídico anterior

(Resolução CONAMA nº 369/06), era possível a autorização de “manejo

agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou

posse rural familiar”. A diferença entre manejo agroflorestal e exploração

agroflorestal é que, no manejo, respeitam-se os mecanismos de sustentação do

ecossistema142, o que não é observado na exploração agroflorestal, que, por sua

vez, pode ser muito impactante ao ecossistema da APP (por exemplo, pode ensejar

contaminação do solo e dos recursos hídricos por insumos químicos)143.

Ponto de maior relevância é a inserção de cláusulas abertas nos três incisos

sob comento (inciso VIII, IX e X do art. 3º), que permitem o órgão ambiental a

autorizar supressão e alteração de APP discricionariamente, desde que: (1) sejam

atividades similares àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas e

motivadas em procedimento administrativo próprio; (3) inexista alternativa técnica e

locacional à atividade proposta e (4) esteja definida em ato do Chefe do Poder

Executivo federal, quando for o caso de utilidade pública ou interesse social (incisos

VIII, alínea ‘e’ e IX, alínea ‘g’). Quando se tratar de atividade eventual de baixo

impacto ambiental, são condições para autorização: (1) sejam atividades similares

àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas como eventuais e de baixo

impacto ambiental em ato do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) ou

dos Conselhos Estaduais (inciso X, alínea ‘k’).

141 Até fevereiro de 2013, não havia nenhuma chamada no sítio da internet do CONAMA

(http://www.mma.gov.br/port/conama) para debates acerca da revisão da mencionada Resolução. 142 Art. 3º, inciso VII, Lei nº 12.651/12. 143 MELO NETO, João Evangelista de. Comentários ao art. 3º, inciso X. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 92.

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É recomendável também que, ao autorizar determinada atividade, tanto o

Chefe do Poder Executivo federal, como o órgão ambiental levem em consideração

a função ambiental da área de preservação permanente, assim como a função

socioambiental da propriedade, uma vez que são requisitos constitucionais que

devem nortear a função pública.

Como se vê, conceitos legais de utilidade pública, interesse social e baixo

impacto ambiental foram alargados, novas atividades econômicas foram

contempladas nas hipóteses legais, reduzindo, por conseguinte, a proteção das

áreas especiais ao ecossistema. Neste diapasão, entendemos que o princípio do

desenvolvimento sustentável, constante do parágrafo único do art. 1º-A do atual

Código, deverá exercer papel preponderante quando da interpretação e aplicação

dos dispositivos legais referentes à alteração e supressão de APP, visando

precipuamente a evitar que as atividades econômicas se sobreponham de modo

devastador aos ecossistemas que devem ser preservados permanentemente.

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2. Área de Preservação Permanente nas Cidades

A análise deste capítulo torna necessário revolver, além de temas de Direito

Ambiental, outros que residem no âmbito do Direito Urbanístico. Trata-se de

matérias que possuem interface nestes dois ramos do Direito, de modo que, para

um estudo mais abrangente, é imprescindível deixar consignados alguns conceitos

do Direito Urbanístico, visando à compreensão holística da matéria, com vistas, em

especial, ao capítulo 3, que trata do Direito à Moradia.

No cumprimento deste mister, verificou-se que o Direito Ambiental e o Direito

Urbanístico, embora sejam áreas do conhecimento distintas, possuem, muitas

vezes, correlação íntima, já que em ambos os casos são estudadas as normas com

vistas ao bem-estar do indivíduo e da sociedade, buscando a melhor ordenação

territorial e, portanto, o equilíbrio do ambiente. Neste sentido, são as lições de Odete

Medauar:

A questão ambiental e a questão urbana apresentam-se intrincadas de modo forte e o ordenamento dos espaços urbanos aparece, sem dúvida, como instrumento da política ambiental. A implantação de uma política urbana hoje não pode ignorar a questão ambiental, sobretudo nas cidades de grande porte, onde adquirem maior dimensão os problemas relativos ao meio ambiente.144

Neste intento, o enfoque que permeia o presente estudo é uma visão

urbanística-ambiental, isto é, a conciliação entre regimes jurídicos distintos, porém

que perpassam pelas mesmas problemáticas quando de sua aplicação e, que,

portanto, devem ser interpretados em harmonia, em atendimento aos princípios da

máxima efetividade das normas constitucionais145 e da interpretação sistemática146.

144 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25. 145 O princípio da máxima efetividade é também chamado de princípio da eficiência ou da

interpretação efetiva. Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho é assim definido: “a uma norma

constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. […] no caso de duvidas deve

preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.” (Direito

Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1224.) 146 O método da interpretação sistemática é também conhecido como método da unidade do

sistema. Tercio Sampaio Ferra Jr. assim o define: “qualquer preceito isolado deve ser interpretado

em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo”.

(Introdução ao Estudo do Direito... São Paulo: Atlas, 2010, p. 257.)

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2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades

A ideia de desenvolvimento sustentável tem seu embrião na Conferência de

Estocolmo147 (Suécia), ocorrida em 1972, ocasião em que ficou evidenciada tensão

entre os países desenvolvidos (que propunham cuidados com o meio ambiente, em

detrimento do crescimento econômico) e países subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento (que defendiam o crescimento econômico a qualquer custo). Ficou

marcada, a partir de então, uma falaciosa oposição entre desenvolvimento

econômico e social e desenvolvimento ambiental.

Posteriormente, em abril de 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente

e Desenvolvimento (UNCED)148 apresenta o relatório “Nosso Futuro Comum” (no

original: “Our Common Future”), que ficou conhecido como “Relatório Brundtland”,

no qual ficou consignada a possibilidade (e necessidade) de conciliação entre

desenvolvimento econômico e preservação ambiental, culminando no conceito de

desenvolvimento sustentável. A partir de então, esta expressão passou a veicular o

sentido de que o desenvolvimento econômico deve se dar de forma a atender as

necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade de produção

para as gerações futuras149. Para tanto, é imprescindível imprimir práticas de

produção que respeitem mais o meio ambiente, ante a finitude dos recursos

naturais. A doutrina150 ensina que este princípio se aplica apenas aos recursos

147 A rigor, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Os conflitos decorreram

da visão de desenvolvimento econômico e a relevância que o meio ambiente possuía para cada um

dos países presentes. Como resultado, os dirigentes desta Conferência procuraram aproveitar as

contribuições positivas de ambos os blocos, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUMA) e foi elaborada a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano (ou Declaração de

Estocolmo, como ficou conhecida) – declaração constante de 26 princípios norteadores para as

decisões relacionadas aos temas ambientais. 148 Criada em 1983, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, presidida por Gro Harlem Brundtland

(primeira-ministra da Noruega à época), com o objetivo reexaminar os principais problemas do meio

ambiente e do desenvolvimento, em âmbito mundial, e formular propostas realistas para solucioná-

los. 149 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 110-111. 150 Ibid., p. 111.

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renováveis; aos recursos não renováveis ou às atividades capazes de produzir

danos irreversíveis este princípio não se aplica.

Em termos de Brasil, verifica-se que este conceito foi integrado à

Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, em que se consignou expressamente

o dever do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente

“para as presentes e futuras gerações”.

Cristiane Derani151, citando Franco Archibugi et al., observa que a

implementação do desenvolvimento sustentável requer uma justa distribuição de

riquezas, nos países e entre os países. Com isso, agrega-se ao conceito de

desenvolvimento sustentável a busca pelo equilíbrio social, firmando-se suas bases

num tripé (triple bottom line) descrito como econômico-social-ambiental152.

É possível dizer que este ideal também está presente em nossa Carta

Magna, em seu art. 170, ao fundar as bases do desenvolvimento econômico em

bases sociais (valorização do trabalho), ao impor como objetivo da ordem

econômica “a existência digna, conforme os ditames da justiça social”, e, destacar

como princípios da economia tanto a “defesa do meio ambiente”, quanto a “redução

das desigualdades regionais e sociais”.

E este conceito foi trazido para o Direito Urbanístico quando o Estatuto da

Cidade (Lei nº 10.257/01) consignou como uma das diretrizes gerais da política

urbana:

[a] garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações153.

Com isto, têm-se incorporado no texto legal direitos sociais e difusos, e, com

isto, a busca pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF).

Neste tema, a doutrina nos ensina que “por cidades sustentáveis pode-se

entender aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem

caos e destruição, sem degradação. Possibilitando uma vida urbana digna para

151 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 111. 152 Ignacy Sachs, economista contemporâneo, é um dos principais idealizadores do triple bottom line. 153 art. 2º, inciso I

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todos”154 e que as “diretrizes de desenvolvimento urbano e diretrizes da política

urbana se equiparam”155. Assim, o desenvolvimento sustentável das cidades (ou o

desenvolvimento das cidades sustentáveis) está atrelado ao desenvolvimento da

política urbana. O parágrafo único do art. 1º do Estatuto da Cidade também reafirma

esta posição, na medida em que submete a propriedade urbana às suas normas de

ordem pública, normas estas que buscam, prioritariamente, o bem-estar social e o

equilíbrio ambiental, confira:

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. [destaques nossos]

Neste sentido, não é demais dizer que, para que as políticas públicas (leia-

se: planos urbanísticos) atendam aos objetivos constitucionais (garantia do bem-

estar dos habitantes das cidades) e do Estatuto da Cidade (equilíbrio ambiental,

direito às cidades sustentáveis, manutenção do meio ambiente), deverão também

atender as normas ambientais. E no intuito de atingir a sustentabilidade da urbe, o

Poder Público não poderá se esquivar de seu dever de preservação e defesa do

meio ambiente.

Adicionalmente, retoma-se a função ambiental das áreas de preservação

permanente: são áreas (incluindo solo, vegetação, bioma etc.) que receberam

proteção legal especial porque são imprescindíveis ao bem-estar da sociedade,

como por exemplo, evitar cheias, inundações e deslizamento de terras (erosão),

quando da ocorrência de chuvas torrenciais.

Com base nestes fundamentos, busca-se concluir que para que o Poder

Público atinja o bem comum fixado pelas leis urbanísticas, deverá conferir especial

atenção aos aspectos ambientais da cidade, cumprindo seus deveres legais

estampados nas normas de Direito Ambiental, inclusive no que tange ao respeito às

áreas de preservação permanente. Há, contudo, forte resistência, por parte dos

estudiosos do Direito Urbanístico, a aceitar a ingerência de normas federais na

esfera municipal, razão pela qual dedicamos o próximo tópico ao estudo da

distribuição das competências constitucionais.

154 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 27. 155 Ibid., p. 22.

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71

2.2. Competências Constitucionais

Ao tratar das áreas de preservação permanente nas cidades, faz-se

necessário tratar da divisão constitucional de competências dos entes federativos,

uma vez que há divergência na doutrina sobre a invasão de competência municipal

por parte da União156. A este respeito, José Afonso da Silva, através de sua

abordagem constitucional do Direito Ambiental157, assevera que a estrutura do

Federalismo brasileiro é deveras complexa, assim como o é o sistema de repartição

de competências158, e ensina que:

A Constituição de 1988 busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (arts. 29 e 30), mas combina, com essa reserva de campos específicos, áreas comuns em que se prevêem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais e normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência suplementar (arts. 24 e 30).159

No que tange à competência para legislar (formal) e administrar (material),

os poderes para atuar foram distribuídos segundo os arts. 21 a 24 e 30, todos da

Constituição Federal, sendo que os princípios que nortearam a distribuição de tais

poderes foram o da predominância de interesse – segundo o qual a União ingere no

que é de interesse geral, os Estados-membros, no que é de interesse regional, e os

Municípios, no que tange o interesse local; o Distrito Federal, por sua característica

híbrida, cumula os temas de interesses regionais e locais – e o da territorialidade –

156 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 698-699;

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 744-

745; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, pp. 222-230. 157 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 09-10. 158 Ibid., pp. 73-74. 159 Ibid., p. 74, itálicos nossos.

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pelo qual cada ente federativo exerce seus poderes apenas e tão-somente em seus

limites territoriais160.

Daniela Libório, ao analisar as competências constitucionais, ensina que não

há hierarquia entre esses poderes, já que:

[...] as competências constitucionais assumem uma estrutura verticalizada, porém não hierarquizada. Significa dizer que naquelas matérias nas quais deva haver normas federais os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios devem respeitar as orientações gerais para após particularizarem seus interesses.161

Nesse diapasão, a mesma autora discorre acerca da sobreposição de

interesses, que poderá ocorrer diante de duas hipóteses: (a) quando se tratar do

mesmo assunto ou (b) de assuntos diferentes. Na primeira hipótese, continua a

autora, “a repartição de interesses (geral, regional e local) faz com que cada um atue

nos limites de suas atribuições (arts. 23-24 da CF, por exemplo)”162. Havendo

sobreposição de interesses em assuntos diferentes, “prevalecerá o interesse

nacional sempre. Resguardado tal interesse, o interesse local deverá sempre ser

respeitado, e a eventual divergência deverá ser composta dentro de uma expectativa

de respeito à instância municipal.”163

Estas são as recomendações acerca das competências constitucionais em

geral. A seguir, apresenta-se o entendimento doutrinário acerca das competências

ambientais e urbanísticas e da relação entre elas.

160 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio. (Coords.) Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 62. No mesmo

sentido: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 129. 161 Ibid., p. 62. 162 Ibid., pp. 63-64. 163 Ibid., p. 64. No mesmo sentido: GRAF, Ana Cláudia Bento; LEUZINGER, Márcia Dieguez. A

Autonomia Municipal e a Repartição Constitucional de Competências em Matéria Ambiental. In:

FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max

Limonad, 1998, p. 49.

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2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais

Em termos de meio ambiente, tem-se no caput do art. 225 a descrição de

competência material comum a todos os entes federativos: impõe-se “ao Poder

Público [...] o dever de defendê-lo e preservá-lo [o meio ambiente]”, o que é repetido

no art. 23, incisos VI e VII (proteger o meio ambiente e combater a poluição em

qualquer de suas formas, e preservar as florestas, fauna e flora). Segundo José

Afonso da Silva, “essa é uma competência mais voltada para a execução das

diretrizes, políticas e preceitos relativos à proteção ambiental”.164 Esta competência

material foi regulamentada pela Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de

2011, que criou comissões para a cooperação entre os entes federativos (além de

consórcios, convênios etc.) para o tema de licenciamento ambiental especialmente.

Ao seu turno, a competência legislativa de cada um dos entes é encontrada

nos arts. 21 a 24 e 30 (todos da Constituição Federal), e estão dispostas conforme

segue:

a) A União possui posição de supremacia em relação aos demais entes

federativos, uma vez que a ela incumbem as normas gerais de meio

ambiente165 (art. 24, incisos VI a VIII, e § 1º), planos nacionais e regionais de

ordenação do território (art. 21, IX), entre outras competências não menos

relevantes, mas que desviam do objeto desta dissertação. Com base nesta

competência, foram elaborados, verbi gratia: Política Nacional do Meio

Ambiente (Lei nº 6.983/81), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), Política

Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10), etc.

b) Estados-membros e Distrito Federal possuem o poder de legislar

supletivamente às normas gerais da União, nos termos do art. 24, VI a VIII, e

§ 2º:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]

164 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 79. 165 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 78.

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VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; [...] § 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

Observe-se que eventuais normas de caráter supletivo deverão estar em

consonância com as normas gerais e com as políticas estabelecidas pelo ente

federal, não podendo contrariá-las, o que, em termos de meio ambiente, significa

dizer que os Estados podem estabelecer normas mais protetivas ao meio ambiente,

porém nunca poderão flexibilizar o tratamento dado pela União, pois aqui a

competência é para proteger o meio ambiente (pela dicção do art. 225), e não

simplesmente para regulamentar o uso dos bens ambientais166.

c) Os Municípios, por sua vez, possuem competência formal mais voltada

para o meio ambiente urbano (o que coincide com a competência

urbanística): nos termos do art. 30, inciso VIII, da Lei Maior, que lhe atribui o

poder de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo

urbano, assim como o art. 182, CF, lhe confere a competência para

estabelecer o plano diretor e a Política de Desenvolvimento Urbano.

Adicionalmente, poderá o Município legislar sobre assuntos de interesse

local e suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, incisos I e II, CF),

aplicando-se a mesma observação feita em relação aos Estados: a

suplementação deverá ser no sentido de proteger o meio ambiente (e não de

flexibilização da norma ambiental).

Importante notar que tanto no caso da competência para promover o

ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo urbano, como

no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o Município detenha a

competência derivada diretamente da Constituição Federal, deverá obedecer às

166 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.

114-115; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora... São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 110.

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normas gerais instituídas pela União Federal, em virtude das expressões “no que

couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais fixadas em lei”, constante

da redação do caput do art. 182. São leis federais que devem ser observadas pelos

municípios, por exemplo: Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), Lei nº

10.257/01 (Estatuto da Cidade), Lei nº 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e

Lei nº 12.651/12 (novo Código Florestal). Considerando que este é um tema

precipuamente urbanístico (não obstante sua forte aplicação em casos ambientais),

a abordagem mais completa é apresentada no tópico que segue. Por ora, fica

apenas o registro.

Uma vez apontadas as competências constitucionais dos entes federativos,

vale lembrar que a edição do Código Florestal se deu no exercício da competência

concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, em combinação com o disposto no

caput do art. 225, ambos da Constituição Federal, de modo que evidentemente a Lei

nº 12.651/12 é uma norma geral, não só porque assim dispõe em seu art. 1º-A167,

mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios, etc.168. Assim, deve

ser respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios e pode ser por

eles suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal).

Por fim, destaca-se que, em se tratando de meio ambiente, há uma

peculiaridade: os efeitos e as repercussões dos danos ambientais ultrapassam as

fronteiras políticas dos entes federados e até mesmo das nações, de forma que é

corriqueiro envolver mais de um ente político quando da ocorrência de dano ao

ambiente de monta. E isso se reflete na distribuição de competências, na medida em

que alguns Estados podem proteger seu meio ambiente com mais eficiência do que

outros, de modo a levar à evasão da atividade regulada para outro Estado, onde não

encontra regulação ou onde ela é menos rigorosa169. Daí destaca-se a importância

167 “Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação [...]” (destaque

nosso). 168 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentário ao art. 1º-A. In: Novo Código Florestal... São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 34. 169 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 74-75.

No mesmo sentido: “Interessante verificarmos que o Texto Constitucional, ao atribuir ao Município

competências para legislar sobre assuntos de interesse locais, está-se referindo aos interesses que

atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as

necessidades gerais do Estado ou do País. Com isso, questões como o fornecimento domiciliar de

água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos e outros temas típicos do meio

ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho no âmbito do Município, embora de interesse local,

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de haver uma normatização oriunda da União, em ordem de estabelecer um

patamar mínimo de proteção ambiental e, por conseguinte, minimizar eventuais

tratamentos díspares entre Estados sobre determinada atividade econômica.

Do que se expôs, é de se concluir que a competência material em Direito

Ambiental é comum a todos os entes federativos, enquanto que a competência

legislativa é distribuída entre os entes em diferentes graduações: à União,

competem as normas gerais; aos Estados, as regionais e aos Municípios, as locais,

sempre havendo respeito de todas as regras, isto é, ao adaptar uma regra nacional

às realidades regionais ou locais, não podem Estados e Municípios abrandarem a

proteção ao meio ambiente, mas apenas tornar mais rígidos os padrões de

preservação.

2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas

Em termos de competências urbanísticas, aplica-se igualmente o que foi

exposto anteriormente a respeito da complexidade da distribuição de competências

na Constituição Federal: embora as peculiaridades do Direito Urbanístico imponham

que os interesses por ele tutelado sejam predominantemente da alçada do

Município, certas competências são distribuídas entre a União e Estados-membros,

tornando o tema tão complexo quanto o anterior. Por isso, de início, são elencadas

as normas dispostas no Texto Constitucional a respeito das competências

urbanísticas170:

a) A União possui competência material exclusiva para instituir diretrizes

para o desenvolvimento urbano (art. 21, incisos IX e XX), isto é, para

elaborar normas gerais de urbanismo, planos nacionais e regionais de

ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

competência material comum para proteger paisagens naturais notáveis,

proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas

‘não deixam de afetar o Estado e mesmo o país’.” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de

Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 133). 170 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 64-65.

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formas e promover programas de construção de moradias e a melhoria das

condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, incisos III, VI e IX);

e competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, defesa do

solo, proteção do meio ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao

patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos

I, VI e VII).

b) Estados-membros e Distrito Federal possuem igualmente a

competência material comum para proteger o meio ambiente e combater a

poluição em qualquer de suas formas e promover programas de construção

de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento

básico (art. 23, incisos VI e IX); competência concorrente para legislar,

suplementarmente, sobre direito urbanístico, florestas, flora, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio

ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao patrimônio histórico,

cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos I, VI e VII); e apenas

os Estados-membros possuem competência exclusiva para criar regiões

metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3º).

c) Municípios possuem competência própria para promover, no que

couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle

do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, inciso VIII) e

para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a

legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (art. 30, inciso IX), bem

como competência material para executar a política de desenvolvimento

urbano (art. 182) e formal para elaborar o plano diretor (art. 182, § 1º, CF).

Além de, é claro, poderem suplementar normas gerais federais ou normas

estaduais, com fundamento no art. 30, inciso II.

Diante desta distribuição de competências, verifica-se que, no que tange o

direito urbanístico, é a competência concorrente de grande importância. Nessa linha

de ideias, José Afonso da Silva apresenta especial preocupação com o conteúdo

das normas gerais. Inicia sua lição definindo normas gerais como “normas de leis,

ordinárias ou complementares, produzidas pelo legislador federal nas hipóteses

previstas na Constituição, que estabelecem princípios e diretrizes da ação legislativa

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da União, dos Estados e dos Municípios”171 e alerta que as normas gerais, por

serem limitadoras da autonomia dos Estados e Municípios, devem ser

“compreendidas em sentido estrito”172, visando evitar a invasão de competência do

Município por parte do legislativo federal173. Para tanto, o doutrinador entende que o

conteúdo da norma geral deve ser cautelosamente fixado, através de algumas

diretrizes que ele mesmo indica, a saber, (1) devem estar expressamente previstas

na Constituição, (2) devem fixar princípios e diretrizes para o desenvolvimento

urbano nacional, (3) estabelecendo conceitos básicos de atuação, (4) indicando os

instrumentos para sua execução.

No que tange os instrumentos para execução dos planos urbanísticos, em

especial, os instrumentos de estímulo e desestímulo de comportamentos dos

jurisdicionados, Daniela Libório destaca o papel fundamental da norma geral para

contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país:

[o] incentivo a certas atividades degradantes ou que ofereçam um grande potencial de risco aos trabalhadores ou à região em que são instaladas deve ser feito com cautela. O ente federal, neste sentido, pode estimular ou desestimular certas atividades ou condutas tendo como princípio o desenvolvimento equilibrado da região, considerando o contexto regional perante a Nação.174

Com isto, a doutrinadora relaciona o poder federal de editar normas gerais

com o dever de buscar o desenvolvimento equilibrado das atividades em seu

território. Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva entende que o

desenvolvimento urbano a ser elaborado pelo legislativo federal deve obedecer ao

limite das diretrizes gerais para a adequada distribuição espacial da população e das

atividades econômicas:

O desenvolvimento urbano consiste na ordenada criação, expansão, renovação e melhoria dos núcleos urbanos. Não é objeto das normas gerais promover em concreto esse desenvolvimento, mas apenas apontar o rumo geral a ser seguido, visando a orientar a adequada distribuição espacial da população e das atividades econômicas com vistas à estruturação do sistema nacional de cidades e à melhoria da qualidade de vida da população.175

171 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 67. 172 Ibid., p. 67. 173 Ibid., p. 67-68. 174 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 67. 175 Op. cit., p. 68.

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Não se pode deixar de mencionar artigo de Diogo de Figueiredo Moreira

Neto que, baseado em diversos autores, bem explorou o delicado tema dos limites

da competência entre Município e União. Após extensa análise do tema, o autor

elenca características que encontrou na doutrina que percorreu, para identificação,

caracterização e definição da norma geral, a saber:

(a) estabelecem princípios, diretrizes, linhas mestras e regras jurídicas

gerais;

(b) não podem entrar em pormenores ou detalhes, nem esgotar o assunto

legislado;

(c) devem ser regras nacionais, uniformemente aplicáveis a todos os entes

públicos;

(d) devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas;

(e) só são cabíveis quando preencham lacunas constitucionais ou

disponham sobre áreas de conflito;

(f) devem referir-se a questões fundamentais;

(g) são limitadas, no sentido de não poderem violar a autonomia dos

Estados e

(h) não são normas de aplicação direta176.

Este mesmo autor elenca uma “sobrecaracterística” da norma geral, que,

tamanha sua importância, merece ser tratada separadamente: trata-se de um

“conceito-limite”. E ele mesmo explica:

As normas gerais, enquanto normas, são impositivas de limites. O que as torna peculiares, todavia, são seus endereçamentos no contexto de poder organizado numa federação. Elas endereçam limites, ao mesmo tempo, para os legisladores federais e estaduais embora possam estendê-los para os aplicadores federais e, eventualmente, os estaduais: nessa plurivalência, sua

176 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de

Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, pp. 149-150.

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peculiaridade; que a torna, como procuraremos demonstrar, um tertium genus normativo.177

Por oportuno, reiteramos aqui que tanto no caso da competência para

promover o ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo

urbano, como no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o

Município detenha a competência derivada diretamente da Constituição Federal,

deverá obedecer às normas gerais instituídas pela União Federal178, em virtude da

expressão “no que couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais

fixadas em lei”, constante da redação do caput do art. 182. São leis federais que

devem ser observadas pelos municípios a Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do

Solo) e a Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade).

A este respeito, convém colacionar uma peculiaridade consignada ainda por

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, à época da promulgação da Constituição de

1988: este autor considerava “redundante [a] ressalva [contida nas Cartas de 1967 e

1969] de que deveria ser ‘respeitada a lei federal’, obviamente inafastável em

qualquer das modalidades de competência concorrente”179. A partir da leitura deste

artigo, pode-se inferir que foi excluído, por ser considerado “redundante”, o art. 77 do

Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos180, que assim estava redigido: “No exercício

da legislação suplementar, os Estados observarão a lei federal de normas gerais

preexistentes. [...]” Corrobora este entendimento outro trecho do mesmo artigo que,

ao comentar a então novel competência comum do atual art. 24, CF, assim ficou

registrado:

Uma consideração preliminar desse instituto [competência comum do art. 24] nos mostra que, sucessivamente, a lei federal (Bundes) prevalece sobre a estadual (Landes) e (peculiaridade nacional agora ainda mais acentuada) sobre a municipal (Kreis), de modo que a conhecida expressão, que resume tão bem as soluções de conflitos na competência clássica poderia estender-se assim: ‘Bundesrecht bricht Landesrecht und Kreisrecht; landesrecht bricht Kreisrecht’.181

177 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de

Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, p. 152. 178 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,

pp. 342-343. 179 Op. cit., p. 135, itálicos nossos. 180 O Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos deu origem ao texto da Constituição Federal de 1988. 181 Op. cit., p. 139. Neste ponto, o autor destaca o surgimento da autonomia administrativa e

legislativa dos Municípios na Carta de 1988, novidade à época.

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Com isto, pretende-se demonstrar que a competência urbanística está

concentrada em poder dos Municípios. Não obstante, a edição de normas gerais por

parte da União não importa em automática invasão de competência das esferas

locais. A norma geral deve, sim, se manter nos estritos limites de fixação de

parâmetros nacionais, enunciadora de molduras de comportamentos a serem

preenchidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. E, assim, devem os

legisladores estaduais, distritais e municipais obediência à norma geral, pois a eles é

destinada, como norma que estabelece um padrão, um limite, um standard jurídico a

ser observado em todo o território nacional. E esta obediência não fere a autonomia

municipal ou estadual; em verdade, reforça o vínculo federativo, na medida em que

centraliza, na União, poderes para manter a unidade da economia, da justiça social

e da proteção ao meio ambiente, isto é, os padrões nacionais de sustentabilidade.

2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas

A partir das considerações feitas a respeito das competências

constitucionais em matéria ambiental e urbanística, verificou-se que à União sempre

compete estipular normas gerais e planos nacionais e setoriais, os quais devem ser

respeitados e seguidos pelos Estados e Municípios, ainda que estes últimos

exerçam sua competência supletiva. Para o exercício desta competência da União,

alguns limites devem se seguidos, evitando-se, assim, a indesejável invasão de

competência da atividade legiferante de um entre sobre os demais.

A par disto, no nível infraconstitucional, ou seja, no exercício desta

competência para expedir normas gerais, constata-se que o legislador

frequentemente recomenda a aplicação de diversos diplomas legais em uma mesma

situação concreta, confira-se:

(a) o Estatuto da Cidade expressamente finca suas bases na proteção,

preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII).

Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios

ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também

todo o arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo os

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82

principais a Política Nacional do Meio Ambiente, Política Nacional de

Resíduos Sólidos, Código Florestal, o Código de Águas182 etc.;

(b) a Lei de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79), por sua vez,

deixa expresso que “Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão

estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo

municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e

locais” (art. 1º) e determina que sejam observadas as legislações estaduais

e municipais pertinentes (art. 2º, caput);

(c) o Código Florestal atual também faz constar o respeito às normas de

urbanismo: note que faz diversas remissões à Lei de Regularização

Fundiária (art. 3º, incisos IX e XXVI; arts. 64 e 65) e ao Estatuto da Cidade

(art. 25, inciso I) e outras leis municipais (art. 3º, inciso VIII, alínea ‘b’; art.

19) etc. Outros exemplos poderiam aqui ser citados, mas preferiu-se manter

o foco sobre os diplomas normativos abordados nesta dissertação.

Como se vê, a harmonização entre normas ambientais e urbanísticas é

estimulada pelo legislador nacional. A doutrina de Victor Carvalho Pinto corrobora

este entendimento, ao sugerir que as leis municipais sejam elaboradas levando-se

em consideração as diretrizes e objetivos fixados em lei federal:

[...] incumbe ao município promover o ordenamento territorial do solo urbano. A aplicação direta dos critérios definidos em lei federal nas áreas urbanas resultaria em um ordenamento territorial urbano federal, o que é inconstitucional. As normas federais devem, isso sim, ser levadas em consideração pelo município na elaboração do plano diretor e demais planos urbanísticos, como uma diretriz a ser compatibilizada com os demais objetivos da política urbana.183

Deste modo, o autor recomenda o atendimento às competências

constitucionais, seguindo-se as normas gerais ambientais elaboradas pelo Poder

Legislativo federal e respeitando também o poder normativo dos municípios, na

esfera de suas atribuições, qual seja, o ordenamento territorial urbano, de forma

182 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 49-50; CAROLO,

Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior

do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição Especial, pp. 100-131,

nov. 2011, p. 104. 183 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134,

destacamos.

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83

mais concreta184. Pode-se dizer, portanto, que a solução apontada pelo autor

encontra apoio na Constituição Federal (como apresentado no tópico anterior), na

medida em que a norma geral nacional não pode ter aplicação imediata, já que é

endereçada ao legislador estadual e municipal, que a utilizará como parâmetro para

sua regulamentação regional e local.

Todas essas evidências nos levam à uma mesma conclusão: a sociedade

contemporânea, considerando seu nível de complexidade e tecnicidade, não

comporta mais normas jurídicas estanques em si mesmas e fechadas à interação

com outros diplomas normativos, mas sim deve ter a aplicação articulada das leis

pertinentes ao caso concreto, melhor dizendo: de tantas leis quantas forem as

pertinentes ao caso concreto. Com isto, é evidente que, assim como vem ocorrendo

em qualquer profissão, o papel do aplicador do Direito torna-se também mais

complexo, a exigir conhecimento multidisciplinar (de diversos ramos do Direito) e,

muitas vezes, até mesmo conhecimento específico de outras áreas do saber

(Economia, Arquitetura, Urbanismo, Geografia, Biologia etc.). E este movimento

culmina, necessariamente, na harmonização das normas ambientais e urbanísticas

quando da atividade de solução de um caso prático.

2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas

Em continuidade, visando retornar ao tema principal de estudo, passa-se à

análise da aplicação do Código Florestal às áreas urbanas, com o fim de conferir

mais concretude ao quanto se argumentou até este ponto. Para tanto, introduz-se o

tema em perspectiva histórica, para sua melhor compreensão.

Quando da vigência do Código Florestal de 1965, o texto da Lei possibilitou

interpretações diferentes a respeito da aplicação de áreas de preservação

permanente em zona urbana. Isto porque a Lei, ao trazer a definição da APP, não

dizia expressamente que se aplicava à área urbana (como hoje ocorre no art. 4º da

Lei nº 12.651/12).

184 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.

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Deste modo, ainda que o legislador tivesse a intenção de tornar área

permanentemente protegida aquelas situadas nas cidades, críticas existiram, assim

como forte corrente contrária. Visando pacificar os entendimentos, a Lei nº 6.535/78

alterou o Código Florestal para incluir no conceito de APP “as florestas e demais

formas de vegetação natural situadas: [...] i) nas áreas metropolitanas definidas em

lei.” Porém, tal modificação foi revogada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989,

que também acrescentou parágrafo único ao art. 2º, com a seguinte redação:

No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Ou seja, a aplicação do Código Florestal, no que tange às APPs em cidades,

seria, então, subordinada às leis municipais (leia-se: subordinada ao interesse das

administrações locais), em especial, ao plano diretor e à regulamentação de uso do

solo. Não obstante, a legislação municipal também deveria respeitar os princípios e

limites do art. 2º do Código Florestal. Contudo, este entendimento nunca foi pacífico.

Em que pese a orientação da legislação185, a redação do parágrafo acima

transcrito não foi suficiente para aplacar as alegações daqueles que entendiam

inexistir APP nas áreas urbanas. Parte da doutrina e da jurisprudência entendia que

deveria viger, nas cidades, o disposto no art. 4º, inciso III, da Lei de Parcelamento do

Solo Urbano (Lei nº 6.766/79)186; enquanto que nas zonas rurais, aplicável o Código

Florestal. Com isto, as áreas que margeassem rios, rodovias, ferrovias e dutos em

cidades estariam dispensadas da manutenção das áreas de preservação

permanente, mas teriam que manter área non aedificandi, que, por sua vez, seria

sempre de quinze metros. Tal entendimento era defendido, em geral, pelos

loteadores, que não tinham interesse em obedecer ao Código Florestal.

185 O trecho final do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/65 dizia: “obervar-se-á o disposto nos

respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere

este artigo”, enquanto que a Lei nº 6.766/79 também fazia a ressalva: “salvo maiores exigências da

legislação específica”. 186 “Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...)III - ao longo

das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos,

será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo

maiores exigências da legislação específica;”

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85

Por sua vez, a doutrina ambientalista187 entendia serem aplicáveis

simultaneamente ambas as regras, sempre que fosse o caso de loteamento urbano,

de modo que as áreas non aedificandi não derrogavam as APPs. Neste

entendimento, a margem de rio, verba gratia, deveria ser mantida sem construção

por quinze metros (referentes à área non aedificandi) e, quando a APP fosse de

trinta metros, outros quinze metros adicionais deveriam ser preservados, por força

do Código Florestal.

Pior situação ocorria nos casos de águas dormentes (lagos, lagoas e

reservatórios naturais e artificiais), para as quais o Código Florestal de 1965

determinava a preservação permanente do entorno, porém não indicava a

metragem, o que foi definido através de regulamentação do Conselho Nacional do

Meio Ambiente (Resolução CONAMA nº 004/85). Para tais casos, havia ainda o

argumento de que resolução não poderia se sobrepor à lei ordinária, objeto de

discussão no âmbito do Poder Legislativo, representativo da sociedade.

Não apenas esta era a discussão posta, mas também havia quem

entendesse que os limites referidos no art. 2º da Lei nº 4.771/65 eram limites

máximos (e não mínimos); assim, leis municipais poderiam estabelecer limites

inferiores, legitimando, uma vez mais, apenas a aplicação da Lei de Uso do Solo

Urbano. Daniel Fink e Márcio Pereira, ao tratarem desta celeuma, rebateram de

forma bem objetiva e clara a este argumento falacioso:

Fosse a vontade da lei que, em se tratando de propriedade urbana, os limites pudessem ser inferiores aos do Código Florestal, seriam absolutamente inúteis as expressões ‘respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo’, bastando deixar para as normas locais e planos diretores o estabelecimento de tais limites.188

Adicionalmente, note que a mesma Lei de Parcelamento de Solo Urbano

proíbe o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica, em seu art. 3º,

187 Neste sentido: ver MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 2008; SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2011; FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio

ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,

abr. / 1996. 188 Ibid., p. 6.

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parágrafo único, inciso V189, o que, repita-se, reforça a possibilidade de vigência

simultânea das leis e demonstra o respeito recíproco entre a lei urbanística e a lei

ambiental.

Ainda em sentido contrário à orientação do Código Florestal e do Estatuto da

Cidade, vale mencionar a tentativa do Congresso Nacional de tornar mais flexível a

ocupação de áreas de preservação permanente em áreas urbanas, ao aprovar a Lei

nº 10.931/04, que, em seu art. 64, dispunha que “Na produção imobiliária, seja por

incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana,

não se aplicam os dispositivos da Lei 4.771, de 15.09.1965”. Contudo, este artigo foi

vetado pelo Presidente da República, por contrariar o previsto no art. 225 da

Constituição Federal. Com efeito, a manutenção do referido dispositivo acabaria por

afastar boa parte das condicionantes ambientais referentes à ocupação do espaço

urbano e, consequentemente, permitiria o desmatamento quase que sem restrições,

a partir da simples declaração de uma área como urbana ou de expansão urbana.190

Victor Carvalho Pinto191 oferece mais uma solução deveras adequada, no

sentido de que as áreas de preservação permanente sejam ocupadas pelo plano de

ordenamento territorial aproveitando-se sua função ecológica, sob o regime de

parques, como exemplifica. Tal sugestão contribui também para evitar a ocupação

irregular por população de baixa renda. Com isso, poderão os municípios evitar a

transgressão da norma federal.

E, finalmente, a partir de 2012, com o advento do novo Código Florestal, a

tendência é a pacificação deste entendimento, já que o art. 4º da Lei 12.651/12

dispõe expressamente que “Considera-se Área de Preservação Permanente, em

zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: [...]” (destacamos). Neste sentido,

andou bem a lei em tornar explícito que as APPs devem ser protegidas também nas

cidades, evitando textos ambíguos, que geravam inúmeras interpretações e

contendas judiciais. Esta proteção também deve ser estendida às áreas mais

ocupadas, em razão de sua função ambiental, já destacada no capítulo 1.

189 Art. 3º, parágrafo único: “Não será permitido o parcelamento do solo: (...) V – em áreas de

preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a

sua correção.” 190 MOREIRA, Danielle de Andrade. O conteúdo ambiental dos planos diretores e o Código Florestal.

In: Revista de Direito Ambiental. Vol. 49, p. 73-95, jan. / 2008, p. 80. 191 Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.

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Neste novo cenário legal, observa-se que o texto expresso da lei (art. 4º

acima mencionado) anda em consonância com os princípios do Direito Ambiental e

do Direito Urbanístico, que recomendam a interação entre suas normas, como

mencionado no tópico anterior (Lei de Parcelamento do Solo, Estatuto da Cidade,

Lei de Regularização Fundiária, etc.) e, por este motivo, espera-se que o dilema que

ocorria no passado seja superado com a contribuição dada pela nova

regulamentação.

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3. Regularização Fundiária

Nos grandes centros urbanos do Brasil, desde a década de 1970, houve a

consolidação da situação de moradia irregular, em condições precárias, por meio de

loteamentos clandestinos e invasões de terras urbanas disponíveis (públicas ou

particulares), o que, por conseguinte, gerou (e ainda gera) aglomerados urbanos que

crescem diariamente e se tornaram verdadeiros bairros informais (por exemplo

Heliópolis, na cidade de São Paulo, e a Rocinha, no Rio de Janeiro), como relata

Lígia Melo192. Estes aglomerados urbanos – inobstante a falta de infraestrutura

básica de equipamentos de infraestrutura – se configuram como a melhor solução

encontrada por parte da população, quando ausentes condições econômico-

financeiras para custear uma moradia adequada. Segundo a mesma autora, a

execução de obras pontuais nestas comunidades é feita após reivindicação da

população assentada, mediante troca por votos em época de eleições: neste

contexto, não há um plano de inserção dos bairros no planejamento urbano do

município193, mas apenas alterações pontuais e frequentemente oportunistas.

Nesses quadros é frequente a ausência de sistema de saneamento básico, o

que causa, como consequência, a poluição de rios, riachos, lagos, represas e

mares, que afetam não apenas a referida comunidade, mas também toda a região

em que se desenvolve a ocupação regular, e até mesmo outros Estados da

Federação. Além disto, quando a ocupação se dá em área de risco – tais como

encostas de morro, áreas geologicamente instáveis, beira de rios, charcos e

várzeas, isto é, em alguns tipos de áreas de preservação permanente –, a

vulnerabilidade desta população é ainda maior, em razão da ocorrência de

deslizamentos e inundações, que destroem vidas e o pouco de bens acumulados. E,

não bastando a tragédia, aqueles que passam por esta situação são, muitas vezes,

realocados pelo Poder Público em local impróprio, segundo a mesma autora194.

192 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 28, 255-257. 193 Ibid., p. 256. 194 Ibid., p. 257.

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Trata-se de eventos que, não raras vezes, ocorrem nas cidades e metrópoles

brasileiras, em especial em épocas de chuvas. Em tempos de valorização do

mercado imobiliário, a remoção é feita sempre que necessário para receber

investimentos, e sem qualquer planejamento.

3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica

Considerando a situação precária de habitação de milhões de pessoas no

Brasil, a sistematização das leis que dizem respeito à moradia é assunto de relevo,

uma vez que se trata de tema que reflete a desigualdade social e econômica e que

mantém grande contingente da população à margem de condições mínimas de

sobrevivência195. Isto porque parte da população economicamente desfavorecida,

como já mencionado, sem condições financeiras de pagar pelo preço da terra em

bairros dotados de infraestrutura pública – ou seja, com arruamento organizado e

interligado à rede de transporte público, instalações de saneamento básico,

iluminação pública, coleta de resíduos, estabelecimentos de ensino público e saúde,

entre outros –, buscou estabelecer sua moradia em áreas e terrenos públicos e

particulares mais distantes, que não estivessem sendo utilizados ou vigiados.

Em trabalho desenvolvido em 2002 pelo Instituto Pólis196, apontou-se que

esta urbanização informal traz consequências socioeconômicas, urbanísticas e

ambientais graves, que afetam, além dos assentamentos informais, a cidade e a

população urbana como um todo. No que toca o aspecto ambiental, que é o que se

destaca no presente estudo, o Instituto Pólis informa que é comum que os

assentamentos irregulares tomem as áreas ambientalmente frágeis, já que

normalmente são protegidas legalmente por fortes restrições de uso e, portanto,

195 Segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE, mais de 11 milhões de brasileiros vivem em

“aglomerados subnormais” no País, termo utilizado pelo Instituto para identificar assentamentos

irregulares em geral, tais como favelas, invasões, palafitas etc. 196 Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13.

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deixam de ser atrativas ao mercado imobiliário formal. Estas áreas caem, então,

num vazio demográfico que as torna propícias à ocupação clandestina197. Neste

sentido, conclui o estudo que a ordem jurídica também possui importante papel na

produção da informalidade urbana, na medida em que a propriedade, quando

desprovida de sua função social, resulta num “padrão essencialmente especulativo

do crescimento urbano”, que traz ainda segregação social, espacial e ambiental. A

dificuldade de acesso ao Poder Judiciário também foi destacada como fator para a

consolidação da ilegalidade e da segregação198.

Embora o estudo aponte que a ocupação irregular pode ocorrer de várias

formas (favelas, ocupação, loteamentos clandestinos ou irregulares, cortiços etc.),

concluiu que podem ocorrer em áreas loteadas e ainda não ocupadas, áreas

alagadas, áreas de preservação ambiental, áreas de risco e terrenos destinados a

uso coletivo, a equipamentos comunitários, a programas habitacionais, a praças ou

parques. Pela diversidade, infere que não é possível traçar critérios e estratégias

válidos para todas as situações, razão pela qual recomenda que cada situação fática

seja analisada por meio de vários fatores, visando à melhor solução. Chama a

atenção o fato de que as irregularidades urbanísticas tendem aos espaços

ambientalmente frágeis – tais como áreas alagadas (área de várzea, manguezal,

salgados, apicuns, áreas úmidas, etc.), áreas de preservação ambiental199 e áreas

de risco (encostas íngremes, por exemplo). E vale reproduzir aqui um alerta:

A informalidade entre os mais pobres precisa ser urgentemente enfrentada. Mesmo sendo a única opção de moradia permitida aos pobres nas cidades, não se trata de uma boa opção, em termos urbanísticos, sociais e ambientais, e nem sequer de uma opção

197 No mesmo sentido: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.

255. 198 É importante observar que o trabalho do Instituto Pólis data de 2002 e, na última década, houve

evolução tanto com relação à função socioambiental da propriedade – uma vez que o Novo Código

Civil passou a viger em 10.01.2003 –, quanto ao acesso ao Judiciário – em especial em virtude da

sedimentação do Estatuto da Cidade e das Defensorias Públicas estaduais, atuantes nas áreas de

regularização fundiária. Esta evolução não invalida, contudo, o levantamento feito pelo trabalho de

pesquisa. 199 CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação

Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição

Especial, pp. 100-131, nov. 2011, p. 100.

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barata, já que o crescimento das práticas de informalidade e o adensamento das áreas ocupadas têm gerado custos elevados de terrenos e aluguéis nessas áreas, além de altos custos e baixa qualidade de gestão das próprias cidades. Em outras palavras, os pobres no Brasil têm pago um preço muito alto – em vários sentidos – para viverem em condições precárias, indignas e cada vez mais inaceitáveis.200

Como se vê, a urbanização informal envolve a lesão a fundamentos e

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, expressos nos arts. 1º e

3º da Constituição Federal, a saber: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento

nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das

desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos201. Por

este motivo também é que o Instituto Pólis aponta que:

os programas de regularização devem objetivar a integração dos assentamentos informais ao conjunto da cidade, e não apenas ao reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes. [...] a remoção pura e simples da população, para atender ao estabelecido na lei, se mostra socialmente insustentável – ao mesmo tempo [em] que a regularização das ocupações não tem como atender aos parâmetros legais.202

Neste contexto, é necessária – senão imprescindível – uma legislação

dedicada ao tema que proteja o direito à moradia e viabilize a regularização das

ocupações ilegais, e mais, dê efetividade e concretude a este direito. Veremos nos

próximos itens a evolução do ordenamento jurídico, no que tange a estes temas.

3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia

3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional

A partir da Carta de Atenas203, o Urbanismo e o Direito Urbanístico tomaram

uma nova concepção, mais moderna. Neste movimento, foram definidas como

200 INSTITUTO PÓLIS. Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, p. 13. 201 “A irregularidade mais significativa nos assentamentos informais é, justamente, estar muito

abaixo dos padrões estabelecidos pela legislação” (INSTITUTO PÓLIS. Ibid.,p. 18). 202 Ibid., pp. 16-18. 203 A Carta de Atenas foi um manifesto urbanístico, redigido pelo arquiteto Le Corbusier, resultante

do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas, em 1933. A Carta de

Atenas é referência atual para o urbanismo moderno.

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funções essenciais da cidade a habitação, o trabalho, o lazer e o transporte. Lígia

Melo informa que:

a cidade apenas exerce sua função quando permite a todos aqueles que nela residem ou por ela circulem o acesso aos direitos fundamentais garantidos não somente em nossa Constituição, mas em grande parte dos textos legais pelo mundo. Seu pleno desenvolvimento pode ser verificado quando houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social, em que políticas públicas de desenvolvimento urbano prevejam a modificação da realidade excludente e segregatória.204

Destaca-se, no presente estudo, a função de moradia, com seu respectivo

direito205. É o ponto de partida para uma sociedade justa e solidária proposta pela

Constituição da República Federativa do Brasil, visto que a moradia adequada é

imprescindível para reduzir a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais,

objetivos fundamentais estampados no art. 3º, inciso III da Constituição. Novamente

é Lígia Melo que acrescenta que “a garantia do direito de morar dignamente faz

parte do direito ao pleno desenvolvimento e emancipação econômica, social e

cultural do indivíduo, tendo fonte no direito que toda pessoa tenha um nível

adequado de vida”206. Antes deste movimento urbanista, já existiam normas

urbanísticas, porém com preocupação mais voltada para as questões sanitárias e

estéticas. Aos poucos, a legislação evoluiu para incorporar elementos publicistas,

tais como o conceito de função social da propriedade (peça-chave ou princípio

fundamentador do direito urbanístico207 e importante direito fundamental) e de uso e

ocupação do solo208.

Ao lado destes elementos, a função social da cidade, o direito a cidades

sustentáveis, o bem-estar de seus habitantes e sua gestão democrática também

foram paulatinamente incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, dando suporte

para o enfrentamento da questão dos assentamentos urbanos irregulares

(regularização fundiária), um dos problemas mais complexos existentes na maioria

204 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 32. 205 O direito à moradia é o verso da moeda das ocupações irregulares, a serem remediadas mediante

processo de regularização fundiária. 206 Ibid., p. 34. 207 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 161. 208 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Urbanístico Moderno... São Paulo: PUC/SP, 2002, pp.

19-44.

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das cidades brasileiras, viabilizando a concretização do direito à moradia

adequada209.

A moradia, no Direito contemporâneo, foi reconhecida no rol de Direitos

Humanos, como se vê no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de

1948), no art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(de 1966) e item 31 da Declaração de Viena (de 1993), Agenda 21 (de 1992), para

mencionar os principais diplomas internacionais. Mas foi através do citado Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 (ratificado pelo

Brasil mediante o Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992), que houve a assunção de

obrigações e responsabilidades pelos Estados membros de promover e proteger o

direito à moradia, seja por seus esforços próprios, seja por meio de assistência e

cooperação internacional (arts. 2º e 11).

Conferências específicas sobre o tema moradia ocorreram em 1976

(Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – HABITAT I) e

1996 (Conferência sobre Assentamentos de Istambul – HABITAT II, donde surgiu a

Agenda Habitat, relevante documento a este respeito, com princípios, metas,

compromissos e um plano global para as nações sobre a melhoria dos

assentamentos humanos). A partir de então, o direito à moradia foi reafirmado como

um direito humano, o que confere ao Estado o dever de assegurá-lo210, e confere ao

próprio direito a possibilidade de ser defendido no plano internacional em face do

Estado descumpridor de suas responsabilidades.

E mais: uma vez alçado ao plano de direito humano, o direito à moradia não

pode ter seu conteúdo restringido ou suprimido, mas apenas aprimorados e

fortalecidos, como ensina Flávia Piovesan211. Lígia Melo deixa expresso que:

209 SAULE JÚNIOR, Nelson. Prefácio. In: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte:

Fórum, 2010, p. 15. 210 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:

SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis – Assessoria,

Formação e Estudos em Políticas Sociais, 1999, p.64. 211 Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 56.

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A demonstração da previsão internacional sobre o direito à moradia ilustra a densidade que ele possui, identificando-o como inerente ao exercício da cidadania, a qual não se completa sem o acesso da moradia adequada. [...] A moradia é um direito inerente à pessoa humana, vinculado ao direito humano a um padrão de vida adequado, e não se extingue com a violação de quaisquer regras de direito por seu detentor, pois inalienável 212.

3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional

Sobre este tema, a legislação que vigia até o século XX não só era

insuficiente, como agravava a exclusão das comunidades de baixa renda: em

primeiro lugar, porque a definição legal da propriedade privada (assim com sua

aplicação pelos tribunais pátrios), até então, não contava com o conceito de função

social da propriedade – prevista constitucionalmente no art. 5º, inciso XXIII, mas não

descrita pela legislação ordinária: isto resultava num padrão essencialmente

especulativo de crescimento urbano213. Em segundo lugar, as poucas leis

urbanísticas existentes à época não levavam em conta seu impacto socioambiental,

mantendo a população mais carente em situação de ilegalidade, sem possibilitar sua

inclusão social ou mesmo a instalação de sua moradia em local adequado. Lígia

Melo acrescenta que:

A ausência de políticas públicas para a habitação aumentou a procura da população pobre e desprovida de recursos materiais pelo acesso à habitação, sem a capacidade de atender ao exigido pelo mercado imobiliário. Tal conjuntura, provocada pela atuação especuladora e livre do mercado, com o apoio ativo ou omisso do Poder Público, levou tais pessoas a ocupar irregularmente imóveis sem infraestrutura, situados, muitas vezes, em áreas ambientalmente frágeis, que só pioram a situação de exclusão social e degradação ambiental e humana.214

212 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 37-39. 213 INSTITUTO PÓLIS. Regularização de Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13. 214 Op. cit., p. 22.

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Como já se viu, o aspecto legal deste quadro está em constante alteração no

cenário internacional, desde a segunda metade do século XX. No Brasil, as

alterações ocorreram de forma mais concreta na primeira década deste século XXI,

a partir do advento da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000.

Esta Emenda reforçou a característica do direito à moradia como um direito social

fundamental, e, por conseguinte, colocou fim a qualquer tese contrária a isto. Além

disto, a Emenda nº 26 trouxe o fundamento constitucional necessário para a

promulgação de importantes leis imprescindíveis ao processo de regularização

fundiária, a saber:

a) O novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que

confere os contornos da função socioambiental da propriedade privada,

b) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), que

trouxe diversos instrumentos para que o Poder Público possa realizar, em

concreto, a regularização fundiária,

c) A Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, que institucionalizou o

Programa Minha Casa Minha Vida e os programas de regularização

fundiária, foi importante ao integrar as licenças urbanísticas e ambientais,

d) Mais recentemente, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de

maio de 2012, com as alterações da Lei nº 12.727, de 17 de outubro de 12)

conferiu uma sistematização mais coerente para os casos em que a

regularização fundiária deve ser efetuada em áreas ambientalmente

sensíveis.

Este aparato legislativo equipou o Poder Público para operar as

transformações sociais e efetivar o direito à moradia nas áreas de mais risco social,

ambiental e à saúde, através dos processos de regularização fundiária. Isto porque,

embora os direitos humanos sociais estejam na base da Constituição da República

Brasileira, assim como ocorre na maioria dos Estados contemporâneos, Nelson

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Saule Júnior esclarece que isto não significa sua efetivação e concretização em seu

pleno gozo e exercício215. Esta ausência de efetividade ou concretude para os

direitos fundamentais (individuais, políticos e sociais) também foi anotada por Ana

Paula de Barcellos:

Desde o início do século XX, portanto, tem-se procurado transformar o atendimento dessas necessidades em direitos, introduzindo-os no ordenamento jurídico. Esta foi a fórmula encontrada para afirmar que esses bens fundamentais formam imperativos da dignidade humana, não podendo depender da provisão do mercado. Apesar das previsões normativas, o problema não foi resolvido ao longo do século XX. A sociedade contemporânea (de forma mais grave nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, embora o fenômeno não seja desconhecido das grandes potências) convive com um contingente humano que, embora dispondo de um arsenal de direitos e garantias assegurados pelo Estado, simplesmente não tem como colher esses frutos da civilização.216

Esta autora inclui expressamente o direito à moradia no conteúdo do

“mínimo existencial” da dignidade da pessoa humana, no mais constituído também

pelo direito à saúde, à educação e à assistência social aos necessitados. Segundo

ela, é no bojo da assistência social que se insere o direito à moradia (junto com os

demais direitos sociais do art. 6º da Constituição Federal), imprescindível para que o

indivíduo não caia em situação de indignidade217. A partir disto, a autora sintetiza:

A conclusão a que se pode chegar neste ponto é que a assistência social constitucionalmente determinada pretende produzir um efeito no mundo dos fatos, a saber: socorrer os desamparados, como último recurso para garantir a dignidade humana, evitando sua total deterioração.218

Assim é que o direito à moradia faz parte do núcleo rígido, do piso mínimo

vital necessário à manutenção da dignidade humana. Para tanto, o arcabouço

legislativo novo trouxe instrumentos que se transformaram em marcos institucionais

para a implementação da regularização fundiária e, com isto, dar efetividade ao

direito à moradia e à função social da propriedade.

215 O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In: SAULE JÚNIOR, Nelson

(Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999, p. 68. 216 A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 115-116. 217 Ibid., pp. 148-190. 218 Ibid., p. 190.

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3.3. Função Social da Propriedade

Considerando a relevância da função social da propriedade, não só por se

tratar de direito fundamental estampado no art. 5º, inciso XXIII da atual Constituição

Federal, mas também por ser princípio formador do direito urbanístico, do direito

ambiental e da ordem econômica, é indispensável tecer alguns comentários a este

respeito, ainda que sem a pretensão de exaurir o tema.

A função social da propriedade, apesar de já estar presente no ordenamento

jurídico brasileiro desde a Constituição de 1934219, somente deixou de ser mera

citação retórica com a promulgação da Constituição da República de 1988, que

trouxe transformações profundas na disciplina da propriedade privada, ao integrar os

ideais de Estado Social Democrático, isto é, ao prever maior intervenção estatal na

economia, sem deixar de garantir a propriedade privada e a livre iniciativa220. Assim,

foi arrolada no art. 5º, incisos XXII e XXIII, a garantia do direito à propriedade privada

seguida do imperativo: “a propriedade atenderá a sua função social” (itálico nosso).

Adicionalmente, no art. 170, a função social da propriedade foi designada

como princípio formador da ordem econômica, ao lado da livre iniciativa e da

propriedade privada (incisos II e III) – assim como ocorre com a defesa do meio

ambiente (elencado no inciso VI do mesmo artigo) –, e, portanto, deve ser tomada

como premissa das atividades desenvolvimentistas (por exemplo, mercado

imobiliário e de construção civil), colocando limites às ideias liberais extremadas221.

219 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos Aspectos da Função Social da Propriedade no Direito

Público. In: Revista de Direito Público. n. 84, 1987, pp, 40-41. 220 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 381; SILVA,

José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 76-77; HUMBERT,

Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.

Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 93; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização

Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 26-27. 221 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos

Urbanos, pp. 57-58. Georges Louis Hages Humbert (baseado em J. J. Gomes Canotilho e Vital

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Numa interpretação sistemática da Constituição sobre o tema, Victor

Carvalho Pinto ensina que a leitura do art. 170 em conjunto com o texto do art. 174

do Texto Magno reflete “um limite preciso à função social da propriedade”, uma vez

que, no que tange as atividades econômicas, não se pode “impor comportamentos

específicos ao setor privado, embora sejam aceitos incentivos a determinadas

atividades, desde que decorram de um planejamento anterior”222. Porém, o mesmo

autor esclarece que o planejamento de políticas urbanas e agrárias se mostra como

exceção a tal regra (do art. 174), porque o exercício da propriedade urbana foi

vinculado constitucionalmente ao plano diretor223, inclusive com a previsão de

sanções para os proprietários que não atenderem ao aproveitamento planificado

(parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e

desapropriação sanção, conforme consta do art. 182, § 4º.), de modo que o plano

diretor é determinante para a atuação do setor privado224. Corroboram este

entendimento os esclarecimentos de Georges Louis Hage Humbert:

Dessarte, como princípio jurídico da ordem econômica, [a função social da propriedade] tem incidência destacada sobre as matérias pertinentes à política urbana e agrícola, fundiária e de reforma agrária. Neste sentido, funciona como verdadeiro vetor a influir e irradiar sobre todos os atos jurídicos desta natureza. Em outros termos: tanto o legislador, na elaboração da lei, o julgador, ao proferir decisões judiciais, quanto o administrador, ao expedir atos administrativos, devem observar, em última instância, o referido princípio [...].225

Moreira) destaca que a função social da propriedade é princípio jurídico “mais por sua nítida

natureza de norma basilar, dotada de alto grau de generalidade e abstração que se irradia por todo o

sistema” do que por força da dicção do art. 170 da Constituição (Direito Urbanístico e Função

Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 99-100). 222 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 179. 223 Art. 182, § 2º.: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências

fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” 224 Ibid., p. 179. Neste mesmo sentido, ver também SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico

Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 79. 225 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, p. 101.

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99

A doutrina226 entende que o cumprimento da função social da propriedade

está relacionado com a subordinação dos interesses privados do proprietário ao

interesse coletivo (ou social)227. José Afonso da Silva relaciona também este

cumprimento à realização das funções urbanísticas (habitação, trabalho, recreação e

circulação) ou função social da cidade228. Esta subordinação aos interesses

coletivos ou públicos reflete-se na obrigação do proprietário de se abster de praticar

atos contrários à lei, ao interesse coletivo, assim como a adotar condutas positivas

com o fim de dar destinação ao bem que atenda aos interesses públicos (e não

apenas aos seus próprios interesses)229. E isto pode ser exemplificado com o

atendimento às exigências fundamentais do plano diretor – por determinação do art.

182, § 2º, CF –, assim como da legislação federal, tal como o Código Florestal230.

Cristiane Derani esclarece que:

O direito de propriedade, isto é, o direito de um sujeito para a detenção de determinado bem, só é protegido pelo ordenamento jurídico se este sujeito detentor do jus utendi, fruendi et abutendi, limitado pelas disposições jurídicas, desenvolver seu domínio

226 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 75-82;

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito

público. In: Revista de Direito Público. N. 84, 1987; BEZNOS, Clóvis. Desapropriação em Nome da

Política Urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.) Estatuto da Cidade... São

Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 120-123; PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011, pp. 175-178; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização

Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 39-47; HUMBERT,

Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.

Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 101-111. 227 Sobre a evolução história do direito de propriedade, ver LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 39-47. Ele

esclarece que desde o direito romano, assim como na Idade Média a propriedade já tinha esta

concepção social. Segundo o mesmo autor, foi o pensamento liberal que trouxe o caráter mais

individualista para a propriedade privada, mas ainda assim não deixou de haver subordinação a

determinados bens coletivos (como o direito de vizinhança, por exemplo) (pp. 21-30). Sobre a

distinção entre a função social da propriedade e as limitações (ou restrições) ao direito de

propriedade, ver excelente análise feita por FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade

no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 100-104, ocasião em que o autor

aborda o tema, inclusive as divergências conceituais da doutrina administrativista sobre limitações e

restrições administrativas. 228 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 77. 229 HUMBERT, Georges Louis Hage. Op. cit., p. 107. 230 FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Op. cit., p. 103.

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100

mantendo o bem-estar conquistado da sociedade e acrescentando vantagens para a vida social.231

Guilherme José Purvin de Figueiredo232 faz um paralelo entre a teoria da

função social da propriedade e a teoria do abuso de direito (esta última desenvolvida

por Josserand), para concluir que a utilização da propriedade sem respeitar sua

função social pode ser equiparada ao exercício do direito com abuso: trata-se de

ilícitos que devem ser igualmente sancionados pelo ordenamento jurídico.

Não é demais ressaltar que a atual Constituição brasileira conferiu o status

de direito fundamental à função social da propriedade233, ao elencá-la no art. 5º,

inciso XXIII, promovendo-lhe proteção especial, como é de se destacar, por

exemplo, a cláusula pétrea234, constante do art. 60, § 4º, inciso IV, da

Constituição235. E isso reflete diretamente no direito à moradia, uma vez que a

função social da propriedade urbana apenas será cumprida quando do atendimento

ao direito à moradia, visando à melhoria das condições de vida da população que

atualmente habita regiões distantes e desprovidas de infraestruturas básicas.

Mas a função social da propriedade apenas ganhou regulamentação

infraconstitucional com a promulgação do Código Civil de 2002236, que assim dispõe

em seu art. 1228, parágrafo 1º:

Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

231 A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”. In: Revista de Direito

Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 63 (itálicos do original). 232 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 96-100. 233 HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade

Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 95-98. 234 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos

Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 55-57. 235 Art. 60. § 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] os

direitos e garantias individuais.” 236 LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 52-55.

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Nos termos propostos pelo Código Civil de 2002, a função social da

propriedade marcou a ruptura com a concepção extremamente individualista da

propriedade privada que vigia sob a regência do Código Civil de 1916, ao subordinar

a posse ao bem-estar social – ou, conforme os termos da lei: “finalidades

econômicas e sociais” e preservação do meio ambiente. E o acréscimo do ideário

ambientalista à função social da propriedade foi bastante significativo para a doutrina

do Direito Ambiental237, que trouxe até mesmo um neologismo: a função

socioambiental da propriedade.

3.4. Função Socioambiental da Propriedade

A utilização da propriedade de acordo com os interesses públicos, dotado

também do viés ambiental, levou Georges Louis Hage Humbert a cunhar a

expressão “função socioambiental da propriedade urbana”, por entender que a

expressão pode ser extraída do ordenamento jurídico (não se trata, portanto, de

mera elucubração extrajurídica)238.

No que diz respeito à função socioambiental da propriedade rural, a própria

Constituição tratou de incluir expressamente o respeito ao meio ambiente no

conceito de função social da propriedade, quando, no seu art. 186, dispõe que “a

função social é cumprida quando a propriedade rural atende [...] utilização adequada

dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”. Além disto, o

237 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 774-776. Este

autor lembra também que o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) estabelece há décadas que “a

propriedade da terra desempenha integralmente sua função social quando”, dentre outros requisitos

“assegura a conservação dos recursos naturais” (art. 2º, § 1º, alínea c). 238 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, pp. 115-138.

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Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) já rezava no mesmo sentido (art. 2º, §1º, alínea

c239). Mas o mesmo não ocorre com relação à função social da propriedade urbana.

Para construir seu raciocínio, Humbert fundamenta sua interpretação a partir

da Constituição Federal, altamente rica em referências ao meio ambiente, o que foi

elevado ao status de direito fundamental na Carta de 1988, assim como a

propriedade e sua função social240. Ele destaca que:

Estamos diante de um princípio jurídico, implícito, e que, por esta natureza, já repisada alhures, tem caráter prescritivo, é dever-ser do qual resultam direitos e obrigações (positivas e / ou negativas).241

Auxilia na fundamentação deste entendimento a disciplina constante do

Código Civil de 2002, que, como já visto, engloba a preservação ambiental no

conceito de função social da propriedade disciplinado no art. 1228, § 1º. E, com isto,

é possível asseverar que a função social da propriedade (rural ou urbana) não será

atendida enquanto não forem “preservados, de conformidade com o estabelecido em

lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o

patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

Outras normas já mencionadas neste estudo trazem implícito este princípio

da função socioambiental, a saber: o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei

de Regularização Fundiária (Lei nº 11.977/09), que fazem (ambas) inúmeras

menções substanciais à preservação do meio ambiente, confira: o Estatuto da

Cidade aponta, desde logo, que (1) regula o uso da propriedade urbana em prol do

equilíbrio ambiental (art. 1º, § 1º) e que (2) a política urbana tem por objetivo ordenar

o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,

mediante diversas diretrizes gerais (art. 2º), dentre elas, destaca-se o planejamento

das cidades, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus

239 “Art. 2º. § 1°. A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando,

simultaneamente: [...] assegura a conservação dos recursos naturais”. 240 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, pp. 119-122. 241 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, p. 124.

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efeitos negativos sobre o meio ambiente (inciso IV). Quando disciplina o plano

diretor (arts. 39 e ss.), esta Lei dispõe que:

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. [destaque nosso]

Ou seja, o próprio Estatuto da Cidade submete o cumprimento da função

social da propriedade urbana ao atendimento das diretrizes de seu art. 2º, dentre as

quais se encontra arrolada a preservação ambiental (inciso XII). Noutras palavras, é

possível dizer que o respeito ao meio ambiente é princípio formador das normas do

Estatuto da Cidade.

Por sua vez, a Lei nº 11.977/09 prevê que o projeto de regularização

fundiária deverá definir as medidas de sustentabilidade ambiental (art. 51, inciso III);

assim como que seja feito o licenciamento ambiental do projeto (art. 53, § 1º), dentre

outras previsões que demonstram a preocupação pela preservação ambiental

quando o caso de regularização fundiária.

Odete Medauar e Guilherme José Purvin de Figueiredo242 corroboram este

entendimento, ao admitirem a “funcionalização social” decorrente da evolução do

direito de propriedade, o que pode ser sentido em matéria urbanística, agrária e

ambiental. Purvin exemplifica sua exposição com o Código de Águas, o Código de

Mineração, o primeiro Código Florestal e a Lei de Tombamento de Bens Culturais

(diplomas da década de 1930), ressalta a intensificação da evolução da década de

1960, com o Estatuto da Terra, o segundo Código Florestal, o Código de Pesca e a

Lei de Proteção à Fauna, e demonstra a continuidade do movimento nos anos mais

recentes, com a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei de Crimes Ambientais

(Lei nº 9.605/98), a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº

242 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.

342; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p. 100.

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9.985/00), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei da Mata Atlântica (Lei nº

11.428/06).

Além deste arcabouço jurídico elencado, não é demais concluir que no

atendimento do interesse público e no cumprimento da ordem legal, a propriedade

urbana também está subordinada à legislação ambiental (além, é claro, das

restrições urbanísticas) – afinal, uma propriedade urbana que desrespeite lei

ambiental estará certamente classificada como ilegal, o que não pode coexistir com

o cumprimento de sua função social.

3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia

Derivado do direito à vida, o direito à moradia nos dias atuais é expresso

como “direito à moradia adequada”, uma vez que o seu conteúdo não se restringe à

faculdade de morar sob um teto, mas é composto pelo direito de viver com

segurança, paz e dignidade243, visando propiciar melhora nas condições econômicas

e sociais, acesso a transporte público eficiente, à saúde e à educação de qualidade,

ao saneamento básico, à energia elétrica, ao lazer, à cultura e aos esportes244. Para

tanto, a moradia adequada deve ser composta das seguintes condições245:

(a) segurança jurídica da posse;

243 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais; SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos

Assentamentos Irregulares. São Paulo: PUC/SP, 2003, pp. 113-116; SAULE JÚNIOR, Nelson;

CARDOSO, Patrícia de Menezes. O Direito à Moradia no Brasil. São Paulo: Instituto Pólis, 2005, p. 22;

MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 38; CAROLO, Fabiana. As

Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior do

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, 2011, p. 101. 244 MELO, Lígia. Op. cit., pp. 30-31. 245 De acordo com o Comentário Geral nº 4 (expedida pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais da Organização das Nações Unidas); cf. SAULE JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 116-117; SAULE

JÚNIOR, Nelson; CARDOSO, Patrícia de Menezes. Op. cit., p. 22; Lígia Melo, Op. cit., pp. 37-38.

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(b) disponibilidade de serviços e infraestrutura, tais como acesso à água

potável, energia elétrica, iluminação pública etc;

(c) custo acessível da moradia;

(d) habitabilidade, com condições básicas de saúde e de proteção contra

intempéries climáticas;

(e) acessibilidade, isto é, a moradia deve ser acessível a todo ser humano,

seja por seus próprios esforços ou através de políticas públicas, com

destaque para pessoas consideradas em desvantagem (idosos, portadores

de necessidades especiais, vítimas de desastres naturais, pessoas que

vivem em áreas de risco, crianças, etc.);

(f) localização que possibilite acesso a emprego, escolas, tratamento de

saúde, áreas de lazer etc., isto é, inserção (ou integração) social;

(g) adequação cultural, para garantia do respeito à identidade cultural da

comunidade, incluindo toda a diversidade possível.

Acrescente-se, também, que o direito à moradia compõe o padrão de vida

adequado ao indivíduo (piso mínimo vital), ao lado de outros direitos, tais como o

direito à alimentação, educação, saúde e assistência social246. Como direito humano

social que é, Nelson Saule Júnior ensina que o Estado brasileiro tem obrigação de

garanti-lo, sob dois aspectos: o primeiro, no sentido de impedir a regressão deste

direito, impedindo ações e medidas que dificultem ou impossibilitem seu exercício; e,

no segundo aspecto, tem-se a obrigação de promover e proteger o direito à moradia,

regulando as atividades econômicas referentes à política habitacional (Estado

246 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro:

Renovar, 2002, pp. 148-190.

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regulador)247. Além disto, por se tratar de desdobramento do direito à vida, está

diretamente relacionado ao direito à saúde, direito à alimentação, ao saneamento

básico e ao meio ambiente saudável248.

Para o enfoque dado no presente estudo, destaca-se que a moradia

adequada deve respeitar a segurança e a saúde de seus habitantes. A adequação

também pode ser verificada quando a moradia não está inserida em área

ambientalmente protegida, para que fique configurada a segurança jurídica da

posse.

Lígia Melo conclui que “trata-se de identificação de interesses difusos,

configurando, portanto, que a todos interessa a ordenação urbana parametrizada

nos direitos fundamentais do indivíduo”249. Vale lembrar: mais do que um direito

difuso, faz parte do rol de direitos humanos, e como tal deve ser tratado pelo Poder

Público, que não pode se escusar de tomar as medidas apropriadas para sua

concretização250. Nesta linha de ideias, a lesão ao direito à moradia se configura

como uma lesão aos demais direitos também251.

3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental

Caracterizado como direito fundamental, também consagrado no plano

internacional do rol dos direitos humanos, tanto quanto o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, o direito à moradia deve ser sempre sopesado quando

estiver em conflito com o previsto no art. 225 da Constituição Federal. É a

247 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:

SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999,p. 78. 248 SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. São

Paulo: PUC/SP, 2003, p. 150. 249 MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 31. 250 Ibid., p. 39. 251 Ibid., p. 40.

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107

doutrina252 que recomenda que, nos casos difíceis (ou hard cases253), isto é, quando

houver aparente conflito entre princípios jurídicos ou constitucionais consagrados,

que seja aplicada a técnica da ponderação. Quer-se dizer com isso que não há

derrogação de um princípio em prol da aplicação integral de outro: a ponderação

implica na adequação dos princípios envolvidos (aparentemente em conflito), dando-

lhes, a ambos, a máxima aplicação possível no caso em concreto. E isto, quando for

o caso de conflito entre o direito á moradia adequada e o direito ao meio ambiente

equilibrado, deve ser resolvido a partir dos textos principiológicos das normas legais

e constitucionais já apresentadas antes neste estudo.

Assim é que, em termos de política urbana, deve ser invocado inicialmente o

Estatuto da Cidade – na qualidade de “conjunto normativo intermediário”, como nos

ensina Carlos Ari Sundfeld254 –, que expressamente finca suas bases na proteção,

preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII, entre outras

diretrizes). Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios

ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também todo o

arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo as principais a Política

Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas255 etc. Em

outras palavras, é de se verificar que o legislador infraconstitucional, utilizando sua

competência para o estabelecimento de diretrizes gerais fixada pelo caput do art.

182 da Constituição, determinou ao legislador municipal, através do Estatuto da

Cidade, que observe, quando da elaboração de sua política urbana municipal (plano

diretor, verbi gratia), as normas federais e nacionais que tratam da proteção e

recuperação do meio ambiente natural, por ser também seu dever defendê-lo e

252 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y

Constitucionales, 2001, pp. 111-115; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. Coimbra: Edições Almedina, 2003, pp. 1182-1183 e 1240-1241; PADILHA, Norma Sueli.

Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor,

2006, pp. 116-121. 253 HART, Herbert L. A. O Conceito do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, passim. 254 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 52-54. 255 Ibid., pp. 49-50; CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... Revista da

Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, nov. 2011,

Edição Especial, p. 104.

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108

preservá-lo, por ordem do art. 225 da Carta Magna (“Todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, itálicos nossos).

Como já discutido no capítulo anterior, Daniela Libório256 esclarece esta

questão: no que tange à competência concorrente constante do art. 24 da

Constituição Federal, tal competência é designada a mais de um ente federativo,

sem que haja conflito entre suas atribuições: “o termo ‘concorrência’ é aqui

entendido como uma soma de atribuições diferenciadas sobre um mesmo

assunto”257, havendo desdobramento de uma competência complementar e outra

suplementar, da seguinte forma: a União edita normas gerais (§ 2º do art. 24); na

ausência de normas gerais da União, Estados-membros e Distrito Federal podem

editar normas gerais (que terão sua eficácia suspensa quando a União normatizar o

tema, conforme § 4º do mesmo artigo); em havendo normas gerais da União,

Estados-membros e Distrito Federal legislarão sobre seus interesses, editando

normas complementares; e, por fim, o Município suplementará tais normas, com

fundamento no art. 30, inciso II.

É certo que os temas aqui tratados (direito urbanístico e proteção do meio

ambiente) estão elencados no rol das competências concorrentes do art. 24 (incisos

I e VI, respectivamente) e em capítulos próprios (arts. 182-183 e art. 225,

respectivamente). E conclui a autora: “Nestes artigos [referindo-se apenas aos arts.

182-183] o texto constitucional impõe ao legislador federal a elaboração de normas

gerais sobre política urbana e determina que o Município será o responsável pelo

desenvolvimento urbano local.”258 Embora a douta professora faça referência

apenas à política urbana, não é demais utilizar o mesmo raciocínio para a política

ambiental, de modo que se considera, mais uma vez, justificada a tese de

intercâmbio harmonioso entre a legislação ambiental e urbanística, sem que haja

256 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, p. 64-65. 257 Ibid., p. 64. 258 Ibid., p. 65.

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109

implicação de conflito de competências legislativas entre as esferas federal e

municipal.

Por todos estes motivos é que se considera afastada a tese defendida em

alguns artigos259 de invasão de competência municipal por lei federal quando é

aplicado o Código Florestal em área urbana.

Corrobora com o posicionamento aqui exposto o princípio da função

socioambiental da propriedade, já comentado anteriormente, que determina que,

seja em área urbana, seja em área rural, a propriedade, pública ou privada, deve

preservar, “em conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as

belezas naturais, o equilíbrio ecológico”260. Vê-se neste dispositivo legal mais uma

manifestação do legislador infraconstitucional de inclusão do caráter de preservação

ambiental na conduta do proprietário de qualquer imóvel, agora no âmbito civil, ou

seja, no que respeita a relação que o proprietário tem com a coisa, assim como na

relação que ele tem com a comunidade, em razão do imóvel.

Até aqui se defendeu que o Código Florestal deve ser respeitado seja na

propriedade rural, seja na propriedade urbana; e com isso as áreas de preservação

permanente devem ser restauradas. Porém, como se viu nos tópicos anteriores, há

casos em que o direito à moradia entra em aparente conflito com o direito ao meio

ambiente equilibrado, especialmente porque é frequente que as ocupações

irregulares se instaurem em áreas ambientalmente frágeis, como é o caso da APP.

Nestes casos, é comum que haja judicialização da situação, em especial porque a

Administração Pública municipal, ao regularizar a situação fundiária de um grupo de

moradores (ou posseiros), esbarrará no direito de propriedade dos titulares das

259 PIETRE, Ronald. O Código Florestal e as Zonas Urbanas. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 355; MAIA, Leonardo Castro. A Reserva Legal Florestal e os Imóveis

Situados em Zona Rual, Urbana e de Expansão Urbana. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011, p. 375. Esta tese era bastante propalada durante a vigência do Código

Florestal de 1965. Com a edição da Lei nº 12.651/12 e o texto do seu art. 4º, tornou-se incontroversa

a existência de APP em área urbana, embora possa ainda subsistir a discussão sobre configuração ou

não de invasão de competência da legislação federal (Código Florestal) sobre matéria de

competência municipal (interesse local de definir as áreas non aedificandi). 260 Art. 1.228, § 2º, do Código Civil.

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110

terras (direito registrário), no direito de posse daqueles que estão ali vivendo (direito

de posse e urbanístico), em áreas de mananciais de responsabilidade do Estado-

membro ou em áreas de matas ciliares de rios estaduais, áreas de marinha (direito

ambiental), etc. Ou seja, são muitos os interesses envolvidos, e, via de regra, tais

interesses são difusos, complexos, conflitantes, colidentes, o que, por conseguinte,

deverá ser resolvido pelo Poder Judiciário, no exercício de suas funções

precípuas261.

Nestas situações, andou bem a Lei nº 11.977/09 ao regulamentar, em

âmbito nacional, o instituto da regularização fundiária. Nesse mister, dispõe em seu

art. 46 que a regularização fundiária visa “garantir o direito social à moradia, o pleno

desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado”, ou seja, estes três valores embasadores do

Estado Democrático de Direito – moradia, propriedade urbana e meio ambiente –,

todos eleitos como direito fundamental pela Carta Magna, deverão ser o objetivo da

regularização fundiária e deverão permanecer garantidos, vale dizer, concretizados.

E mais, ao estabelecer os princípios da regularização fundiária (art. 48), a mesma

Lei determinou que sejam respeitadas as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade,

bem como as “políticas setoriais ambientais [...] nos diferentes níveis de governo”

(inciso II). Retome-se que, por “políticas setoriais ambientais” deve-se entender: a

Política Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas etc.

261 Norma Sueli Padilha, ao analisar a colisão de direitos metaindividuais, ressaltou a dificuldade do

Poder Judiciário para solucionar lides que envolvem direitos difusos, quando comparado com lides

individuais, em suas palavras: “Sendo assim, trata-se de lides que se diferenciam, nitidamente, das

lides de natureza privada, pois implicam conflitos que envolvem novas tarefas promocionais ao

Poder Judiciário, referidas no campo afeto, usualmente, às políticas públicas. Nesse sentido, afirma

Cappelletti que as lides ambientais obrigam o juiz ‘[...] a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel

tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada’, advertindo entretanto para os

riscos decorrentes do crescimento dos poderes judiciais, dado que tal transformação, no papel do

Judiciário, não pode implicar simplesmente na troca da discricionariedade administrativa e

legislativa, pela judiciária, especialmente nas hipóteses em que ‘[...] um sério controle exija o

emprego de conhecimentos sofisticados ou técnicas especializadas, as quais, embora possam estar à

disposição do legislador e da administração pública, são, amiúde, dificilmente acessíveis aos tribunais

judiciários’.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Editor, 2006, pp. 47-48.)

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111

Com isso, pode-se subsumir que, em regra, a regularização fundiária deverá

respeitar, preservar e restaurar as áreas de preservação permanente, nos termos da

legislação pertinente.

Contudo, as situações excepcionais já vistas (ocupação de população de

baixa renda em áreas ambientalmente sensíveis) impedem a manutenção ou

restauração da APP. A ocupação pode se dar em Unidade de Conservação ou

mesmo em área de preservação permanente assim considerada por seus atributos

naturais. Para cada um desses casos, há previsão legal, na legislação pertinente,

com respectivas soluções.

Nesse sentido, a Lei nº 9.985/00 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação) já previa a possibilidade de ocupação em Área de Preservação

Ambiental (APA) (art. 15) e Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) (art. 16),

por populações tradicionais já residentes na Unidade de Conservação no momento

de sua criação (art. 36 do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002). Para tais

casos, a Lei nº 11.977/09 estendeu suas disposições referentes ao procedimento de

regularização, consoante art. 53, § 3º, em especial no que tange a necessidade de

anuência do órgão gestor da Unidade de Conservação (UC): “No caso de o projeto

abranger área de Unidade de Conservação de Uso Sustentável que, nos termos da

Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, admita a regularização, será exigida também

anuência do órgão gestor da unidade.”

Quer-se dizer com isto que a Unidade de Conservação não é, em tese,

incompatível com ocupação humana e regularização fundiária, porém, deverá

respeitar alguns critérios e requisitos legais mais rígidos – por exemplo: manter os

ecossistemas naturais, com objetivo de conservação da natureza, como dispõe o

mencionado art. 16 –, não podendo o processo ocorrer de forma arbitrária e apenas

considerando o aspecto da moradia.

Quando for o caso de regularização fundiária em APP, verifica-se que a Lei

nº 11.977/09 também se preocupou em regulamentar o tema especificamente em

seu art. 54. A lei prevê, então, condições de ordem objetiva (a saber, que a

ocupação tenha ocorrido até 31 de dezembro de 2007 e apenas em área urbana

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consolidada262) e condições de ordem subjetiva (quais sejam: decisão motivada do

município e a comprovação de que as condições ambientais serão melhoradas com

a regularização). Confira o texto do § 1º do art. 54:

§ 1º. O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.

Como se vê, nestes pontos da legislação, a proteção ao meio ambiente e a

busca por seu equilíbrio cedem espaço para o direito à moradia, como forma de

harmonizar os valores constitucionais em aparente colisão.

Nesse diapasão, o tema foi incluído no Novo Código Florestal (Lei nº

12.651/12, com a redação dada pela Lei nº 12.727/12). Por este diploma legal, a

intervenção ou supressão das Áreas de Preservação Permanente em áreas urbanas

ou rurais foi autorizada expressamente pelo art. 8º263. Porém está condicionada às

hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, como já

se viu anteriormente. A chamada regularização fundiária está compreendida nos

casos de interesse social, consoante art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, da Lei nº

262 O conceito legal de área urbana consolidada consta da mesma Lei, em seu art. 47, inciso II: “área

urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta)

habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes

equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b)

esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e)

limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”. O Novo Código Florestal, alinhado com a Lei nº

11.977/09, faz remissão ao conceito descrito na Lei de Regularização Fundiária. Sobre crítica aos

critérios eleitos pela lei, ver comentários de BASTOS, Marina Montes. Comentários ao art. 3º, inciso

XXVII. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal..., São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 135-137. 263 “Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente

somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto

ambiental previstas nesta Lei.”

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113

12.651/12264. Os arts. 64 e 65 da mesma Lei também disciplinam a regularização

fundiária de interesse social e de interesse específico.

Quando for o caso de ocupação de APP em área com restinga ou

manguezais em região urbana, a previsão legal para regularização está no parágrafo

2º do mesmo art. 8º265. Em tais hipóteses, a intervenção ou supressão pode ser,

excepcionalmente, autorizada, quando a função ecológica do manguezal estiver

comprovadamente comprometida, e apenas para fins exclusivos de obras de

habitação ou urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de

interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa

renda.

Com o objetivo expresso de harmonizar a regularização ambiental com a

regularização fundiária da Lei nº 11.977/09 – isto é, nos casos em que estiver

presente o direito à moradia adequada –, o legislador traçou detalhes da

regularização ambiental em áreas de interesse social nos arts. 64 e 65, vinculando o

procedimento às disposições da Lei nº 11.977/09266. Assim, vê-se que a

regularização ambiental de supressão de APP somente é autorizada pelo novo

Código Florestal quando ocorrer em benefício do direito de moradia, no estrito

contexto da regularização fundiária da Lei nº 11.977/09.

264 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX - interesse social: [...] d) a regularização

fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda

em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de

julho de 2009” 265 “§ 2º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de

que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais

onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e

de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas

urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.” 266 Diz o caput destes artigos: “a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do

projeto de regularização fundiária, na forma da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009”.

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Para tanto, a lei trata de modo diferenciado a regularização fundiária de

interesse social (art. 64267) e de interesse específico (art. 65268), que, não por acaso,

estão correlacionadas à disciplina dos arts. 53 a 60-A, e arts. 61 e 62

(respectivamente), da Lei nº 11.977/09.

267 “Art. 64. Na regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área

urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização

ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da

Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O projeto de regularização fundiária de interesse social

deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à

situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas. § 2º. O estudo técnico mencionado

no § 1º deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos: I - caracterização da situação ambiental

da área a ser regularizada; II - especificação dos sistemas de saneamento básico; III - proposição de

intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações; IV - recuperação

de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; V - comprovação da melhoria das

condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos

hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o

caso; VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização

proposta; e VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.” 268 “Art. 65. Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área

urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas

de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização

fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O processo de regularização

ambiental, para fins de prévia autorização pelo órgão ambiental competente, deverá ser instruído

com os seguintes elementos: I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da

área; II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das

restrições e potencialidades da área; III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura

urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos; IV - a

identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de

influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas; V - a especificação da

ocupação consolidada existente na área; VI - a identificação das áreas consideradas de risco de

inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de

blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico; VII - a indicação das faixas ou

áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente

com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de

regularização; VIII - a avaliação dos riscos ambientais; IX - a comprovação da melhoria das condições

de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e

X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos

d’água, quando couber. § 2º. Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos

rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15

(quinze) metros de cada lado. § 3º. Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural,

a faixa não edificável de que trata o § 2º poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros

do ato do tombamento.”

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115

Não é demais destacar que a regularização ambiental em APPs é medida

excepcional que terá lugar apenas quando for o caso de interesse social (consoante

caput do art. 8º e alínea ‘d’, inciso IX do art. 3º269), já que a regra de manutenção das

áreas de preservação permanente é mantida também nos casos de zonas urbanas

(como se verifica pela redação do art. 4º combinado com art. 8º). Em sendo medida

excepcional, a interpretação legal deve ser feita de forma restritiva, não

comportando interpretação extensiva ou integração analógica. Se é excepcional, é

porque a regularização fundiária em tais áreas não é a solução mais adequada, seja

do ponto de vista socioambiental, seja do ponto de vista urbanístico, de forma que é

responsabilidade do administrador verificar previamente a viabilidade de outras

soluções mais adequadas para a população (visando a inclusão social e

urbanística), para a organização territorial e para o meio ambiente. Vale dizer: dentro

do âmbito da discricionariedade da Administração Pública, antes de optar pela

regularização fundiária, deverá certificar-se de que a regularização é a melhor

alternativa para aquela população270.

269 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX – interesse social: [...] d) a regularização

fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda

em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de

julho de 2009.”

270 Isto porque, há autores que apontam efeito indesejável da regularização funidária: em alguns

casos, pode se tornar inadequada por estimular a ocupação irregular de novos terrenos ou o

fomento de regiões já ocupadas irregularmente. É a posição de Consuelo Yatsuda Moromizato

Yoshida e Vicente de Abreu Amadei (Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In:

MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2012, p. 440): “O ideal é tentar reverter a ocupação irregular em APP sempre que

possível, e não possibilitar novas ocupações em desacordo com a legislação em vigor, na tentativa de

gerar ‘novas’ situações consolidadas. [...] É preciso, pois, ter em conta que a regra é a imutabilidade

do perfil ambiental natural protegido das APP, quer estejam situadas em zona rural ou em zona

urbana. Mas essa diretiva – que se há de respeitar, em prol da cidade sustentável – comporta

exceção legal controlada, mediante autorização específica, como se vislumbra em hipótese de

regularização fundiária de assentamentos localizados em área urbana consolidada, na razão maior do

desenvolvimento humano dos cidadãos.”

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116

Ainda que presentes os requisitos legais, Consuelo Yoshida e Vicente de

Abreu Amadei271 entendem que a avaliação do administrador deve ser feita

casuisticamente, de modo que, mesmo que a situação fática esteja dentro dos

limites impostos pela lei (subsunção do caso concreto à lei em tese), o Poder

Público poderá optar por não efetuar a regularização da área, se constatados

impedimentos de outras ordens (interesse público, saúde, segurança, ordem

urbanística, ambiental, social entre outras).

Estes mesmos autores ponderam ainda que: (a) se não estiver configurada a

área urbana consolidada, tal como a legislação a caracteriza272, “não há razoável

irreversibilidade para justificar a prevalência do valor social da ocupação irregular

sobre o valor ambiental da área sensível”273; e (b) devem ser observados outros

critérios trazidos pela Lei nº 11.977/09, em especial a necessidade de assegurar o

nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade

urbanística, social e ambiental (art. 48, inciso I). Concordamos com este

posicionamento, especialmente porque a Lei de Regularização Fundiária e o novo

Código Florestal são complementares, ou seja, tais leis devem ser interpretadas e

aplicadas como um microssistema jurídico.

Uma vez ultrapassada a fase de discricionariedade da Administração

Pública, tendo havido a opção pela regularização das moradias, a área em

referência deverá:

271 Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo

Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 440-441.

No mesmo sentido, porém numa abordagem mais teórica, Norma Sueli Padilha fundamenta: nos

casos que versam sobre meio ambiente, por se tratar de direitos difusos, tem-se um típico hard case,

em que o julgador deve escolher entre possíveis alternativas de decisão (em oposição à mera

subsunção da norma ao fato jurídico), “pois tais casos possuem textura aberta, já que é impossível

pretender-se, até mesmo de forma ideal, a concepção de regras tão detalhadas que a questão sobre

sua aplicação ou não a um caso particular sempre esteja resolvida antecipadamente, e nunca abranja

uma escolha entre alternativas abertas.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 79). 272 Cf. art. 47 da lei nº 11.977/09. 273 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Op. cit., pp. 441-442.

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(a) se constituir de um assentamento humano em área urbana (assim

definida na lei municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com

densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art.

47, inciso II, Lei nº 11.977/09);

(b) ser composto predominantemente por população de baixa renda (art. 3º,

inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);

(c) ter como finalidade precípua a moradia da população (art. 47, inciso VI,

Lei nº 11.977/09);

(d) ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº 11.977/09);

(e) ter implantados, no mínimo, 2 (dois) equipamentos de infraestrutura

(dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas, esgotamento sanitário,

abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica ou limpeza

urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art. 47, inciso II, Lei nº

11.977/09)274;

(f) ter se constituído em data anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §

1º, Lei nº 11.977/09);

(g) após a intervenção, implicar em melhoria das condições ambientais (art.

54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e

(h) ter nível adequado de habitabilidade e melhores condições de

sustentabilidade urbanística, social e ambiental, após a intervenção (art. 54,

§ 1º, Lei nº 11.977/09).

274 Tais critérios, ao que se vê, são mais brandos do que aqueles fixados pelo CONAMA, na Resolução

nº 303/2002, que exigia a existência de quatro equipamentos de infraestrutura urbana (e não dois,

como trazidos pela lei de 2009).

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Este último critério (“nível adequado de habitabilidade e melhoria das

condições de sustentabilidade urbanística”) se relaciona com a segurança ou risco

da área a ser regularizada (princípio da precaução). É a mesma orientação dada

pelas outras normas já citadas: a Organização das Nações Unidas chama de

habitabilidade275, o Estatuto da Cidade descreve como “direito às cidades

sustentáveis”276, a Lei de Regularização Fundiária cita “nível adequado de

habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e

ambiental”277. Curioso notar que até mesmo a Lei de Parcelamento do Solo Urbano

(Lei nº 6.766/79) contém disposições semelhantes (redação incluída pela Lei nº

9.785/99):

Art. 3º. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo: I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Ou seja, a saúde e segurança da população, por se tratarem de valores

máximos da Constituição Federal, sempre devem ser preservadas, seja sob o viés

ambiental, seja sob o viés urbanístico. Esta preocupação nasce a partir de desastres

naturais, tais como desmoronamento ou deslizamentos de terras, enchentes,

inundações, etc., muito comuns em épocas de chuvas em nosso País de clima

predominantemente tropical. São desastres comuns, entre outros fatores, porque a

população que habita as áreas sujeitas à regularização fundiária é empurrada para

montar suas moradias em regiões de encostas de morro e margens de rio, por

exemplo, regiões estas muito suscetíveis a tais desastres quando da ocorrência de 275 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais. 276 Art. 2º, inciso I, Lei nº 10.257/01 277 Art. 48, inciso I, Lei nº 11.977/09

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chuvas torrenciais. Consuelo Yoshida e Vicente de Abreu Amadei, no que tange tal

risco, alerta que “sem a prévia eliminação deste elemento de insegurança

habitacional não há regularização: a segurança habitacional há de preponderar.

Ademais, regularização sem esse cuidado até poderia aumentar a insegurança

habitacional na área.”278

Por isto, não é demais inferir que a ratio legis da norma ambiental reside na

saúde e segurança dos cidadãos, que devem ser preservadas acima de tudo. São,

portanto, valores (leia-se: princípios) que dão fundamento às leis tratadas neste

capítulo – vale dizer, são sobreprincípios constitucionalmente previstos (arts. 1º,

incisos II e III, e art. 6º, caput, da Constituição Federal) e, por este motivo, estão

autorizados a dar mais elasticidade ao regime jurídico das APPs.

Neste mesmo sentido, retome-se que a função ambiental das áreas de

preservação permanente corrobora na manutenção dos princípios fundamentais da

saúde e da segurança da população, podendo ser também considerada como ratio

legis da norma urbanística, verificando-se, mais uma vez, a intersecção dos valores

ambientais e urbanísticos em prol do desenvolvimento sustentável das cidades.

278 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Área de Preservação

Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo

Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 442.

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120

CONCLUSÃO

A partir da análise do instituto da Área de Preservação Permanente (APP)

em perspectiva histórica realizada no capítulo 1, verificou-se que sua proteção

nasceu sob a égide do ideal economicista e utilitarista e, posteriormente, foi

construída a concepção difusa do instituto e de seu arcabouço legal, à medida que a

consciência ambiental foi se disseminando na sociedade, a partir da segunda

metade do século XX.

No início das ondas ambientalistas, surgiu, em movimento antagônico, o

desenvolvimentismo, caracterizado pelo pensamento de priorização do crescimento

econômico a qualquer custo. Foram necessários estudos acadêmicos e científicos

para desconstruí-lo e fundamentar a nova concepção de desenvolvimento

sustentável, em que se busca conciliar incremento econômico, promoção de

melhorias sociais e preservação ambiental, simultaneamente.

Sob este viés e a partir da identificação da função ambiental, verifica-se que

a legislação referente à APP protege não um exemplar arbóreo avulso, mas sim todo

o ecossistema envolvido, ainda que a vegetação tenha sofrido corte raso. A floresta

– caracterizada por um conjunto de plantas de estruturas semelhantes, com

homogeneidade ecossistêmica e de plantas lenhosas de porte alto – revelou sua

importância por desempenhar papel preponderante na manutenção de diversos

ecossistemas (fauna, serviços ambientais de contenção de pragas na lavoura,

sistema de regulação do ciclo hidrológico e de contenção do solo, dispersão do fluxo

gênico, manutenção dos gases de efeito estufa, regulação de temperaturas e

umidade, redução da poluição atmosférica, etc.), assim como papel de evitar

catástrofes naturais nas regiões urbanas (deslizamento de terras, desmoronamento

de casas e outras construções, inundações, alagamentos, enchentes etc.).

Partindo desta premissa, o interesse público difuso orientou o legislador

pátrio a conferir status de bem ambiental à APP, dando-lhe especial proteção, por se

tratar de interesse comum a todos os habitantes do país, porque essencial à

qualidade de vida da população. Com isso, o particular que possui área de

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preservação permanente em seu imóvel (por seus atributos naturais ou por ato de

declaração do Poder Público), não obstante possa exercer seus poderes de

proprietário, deve-se curvar ao regime jurídico de interesse público

(simultaneamente) – vale dizer: às normas de ordem pública – que dão contornos

mais restritos ao seu poder de usufruto da propriedade. É o que a doutrina denomina

de “dupla afiliação simultânea a dois regimes patrimoniais”279. Esta concepção já

existia quando da vigência do Código Florestal de 1965, o que não foi modificado

com a sua revogação, quando aprovado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12).

A este respeito, conclui-se que o atual Código Florestal, após polêmicas

discussões no Congresso Nacional, foi promulgado utilizando parte do regramento

anterior a respeito de APP, porém introduzindo inovações no que diz respeito ao

tema de áreas de proteção permanente:

(a) foi ratificada a vigência de suas normas na área urbana, de modo que

hoje é inequívoca a redação do art. 4º, que prevê a APP em zona urbana;

(b) foi ampliado o rol de hipóteses legais que caracterizam as áreas de

utilidade pública, de interesse social e os casos de baixo impacto ambiental,

de modo que foram acrescentadas diversas situações em que é possível

suprimir APP;

(c) foram incluídas disposições específicas a respeito do tema de

regularização fundiária de áreas ambientalmente sensíveis nas zonas

urbanas, integrando o procedimento com aquele introduzido pela Lei nº

11.977/09.

Embora tenha havido um progresso ao agregar a lei ambiental com a

regularização da moradia, não se pode deixar de consignar que a promulgação do

novo Código Florestal foi, em linhas gerais, um retrocesso em termos de proteção

jurídica às áreas de preservação permanente, uma vez que tais áreas estão menos

279 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).

Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70.

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protegidas pelo texto normativo, o que afronta o princípio da proibição do retrocesso.

Tal retrocesso decorreu de fortes movimentos desenvolvimentistas presentes no

Poder Legislativo atual, o que se espera seja corrigido no futuro próximo. Esta crítica

não se baseia apenas em considerações a respeito de princípios jurídicos: está

abalizada no relatório da Associação Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC),

em que está contradito o argumento do desenvolvimentismo (a saber, necessidade

de terras para o abastecimento alimentar no futuro): os estudos apresentam

pesquisas que concluem pelo excesso de áreas disponíveis para agropecuária e

apontam como solução a modernização das técnicas de criação e cultivo, com o fim

de aumento da produtividade no campo, que, em nosso país, possui baixo índice,

em especial quando confrontado com a quantidade de recursos naturais, humanos e

financeiros disponíveis.

Ao realizar este movimento de integração entre suas próprias normas e as

regras de regularização fundiária (Lei nº 11.977/09), o Código Florestal tornou-se

mais um exemplo de diploma legal que proporciona o encontro do Direito Ambiental

com o Direito Urbanístico, tendência que pode ser constatada através da análise de

outras leis, tais como o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01, art. 2º, inciso XII); a Lei

de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79, arts. 1º e 2º, caput); etc. Reforça

também esta tendência a ideia do desenvolvimento sustentável das cidades,

atualmente difundida no intento de conciliar crescimento econômico, proteção

ambiental e desenvolvimento social (triple bottom line).

Ocorre que esta integração verificada entre diferentes normas e áreas do

Direito deve se dar de modo a não causar invasão de competência

constitucionalmente atribuída aos entes federativos. Para tanto, é necessário que as

competências constitucionais sejam minuciosamente observadas pela União,

Estados-membros, Distrito Federal e Municípios quando da elaboração de suas

próprias normas.

No que toca este tema, verifica-se que o Código Florestal foi concebido no

exercício da competência concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, e § 1º, em

combinação com o disposto no caput do art. 225, ambos da Constituição Federal,

isto é, foi fruto do poder de edição de normas gerais por parte da União. É possível

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caracterizar a Lei nº 12.651/12 como norma geral, não só porque assim dispõe seu

texto, mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios e regras

uniformes. Ao dispor uniformemente sobre as áreas que devem ser

permanentemente preservadas, com metragens mínimas e exceções a serem

obedecidas em todo o território nacional, a União exerceu regularmente sua

competência legislativa sobre florestas, conservação da natureza, defesa do solo e

dos recursos naturais e proteção do meio ambiente, visando à defesa do bem

ambiental para as presentes e futuras gerações. Por este motivo, a lei deve ser

respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios (este último

inclusive por ser precípuo destinatário da norma geral) e pode por eles ser

suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal). E

como norma geral que é, referido Código deve ser levado em conta quando da

elaboração das políticas de desenvolvimento urbano e plano diretor por parte dos

Municípios, conforme orientação do art. 182 da Carta Magna, objetivando garantir o

bem-estar dos seus habitantes.

Esta interpretação apresentada é fundada nos princípios da máxima

efetividade das normas constitucionais e da interpretação sistemática (ou método da

unidade do sistema) e visa a maior eficácia dos direitos fundamentais, assim como a

harmonização e coerência de todo o sistema normativo. Os direitos fundamentais

aqui em debate, vale dizer, são o direito ao meio ambiente (natural e artificial)

equilibrado, direito à vida, à saúde, à segurança e o direito à moradia.

E foi no Direito Urbanístico em que se encontrou o fator limitador para

implantação e manutenção das APPs nas cidades: o direito à moradia e sua

regularização, direito consagrado constitucionalmente, imprescindível à dignidade da

pessoa humana e ao desenvolvimento da cidadania. Nesta qualidade, não pode ficar

margeado quando em colisão com o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado especialmente diante do atual quadro deficitário de moradia no Brasil,

mormente em áreas de maior concentração populacional.

Neste cenário, verifica-se que atualmente, com a promulgação das Leis nº

10.257/01 (Estatuto da Cidade), 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e

12.651/12 (novo Código Florestal), o arcabouço jurídico está mais bem estruturado

para que a Administração Pública e o Poder Judiciário possam enfrentar estas

situações de alta conflituosidade (hard cases) com instrumentos jurídicos

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124

adequados. O Estatuto da Cidade, na qualidade de norma geral urbanística,

proporciona e estimula a integração entre o planejamento urbanístico e a proteção

ambiental em nível municipal. Por sua vez, a Lei de Regularização Fundiária tem

como escopo a concretização do direito à moradia adequada, em consonância com

a busca pelo equilíbrio do meio ambiente. Neste intento, fixa critérios para viabilizar

o procedimento administrativo, seja no âmbito do Município, do Estado, Distrito

Federal ou da União. E, por fim, o Código Florestal complementa as demais leis, ao

autorizar a regularização fundiária em áreas de preservação permanente em zonas

urbanas, e ao estipular critérios objetivos, em nítido sopesamento in abstracto entre

o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à moradia, desde que respeitados

os requisitos da Lei nº 11.977/09, bem como aqueles outros apresentados pelos

arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/12. Tais critérios, antes inexistentes, funcionam como

um “manual” para a Administração Pública nesta difícil tarefa de trazer moradia

adequada a um contingente populacional que ultrapassou o razoável.

Neste diapasão, é necessário que esteja presente e devidamente

caracterizado o interesse social, nos seguintes termos:

(a) Deve haver assentamento humano em área urbana (assim definida na lei

municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com densidade

demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art. 47, inciso

II, Lei nº 11.977/09);

(b) O assentamento deve ser composto predominantemente por população

de baixa renda (art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);

(c) As ocupações irregulares devem ter como finalidade a moradia da

população (art. 47, inciso VI, Lei nº 11.977/09);

(d) A área deve ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº

11.977/09);

(e) O assentamento deve ter implantados no mínimo 2 (dois) equipamentos

de infraestrutura (dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas,

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esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de

energia elétrica ou limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art.

47, inciso II, Lei nº 11.977/09);

(f) a ocupação deve ter sido anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §

1º, Lei nº 11.977/09);

(g) a intervenção deve implicar em melhoria das condições ambientais (art.

54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e

(h) devem ser assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria

das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental (art. 54, §

1º, Lei nº 11.977/09).

Não obstante a eleição de critérios objetivos, observa-se que alguns deles

são mais abstratos (melhoria das condições ambientais, por exemplo). Tais

cláusulas conferem ao administrador maior margem de liberdade para atuar, isto é,

sempre haverá discricionariedade para atuação do administrador ou do julgador

diante do caso concreto sob análise, uma vez que os conflitos de interesses

transindividuais, por se caracterizarem como hard cases, devem ser decididos por

“escolha entre alternativas de decisão”, ou seja, é a técnica da ponderação, a busca

por um equilíbrio razoável entre diversas formas de solução do caso280.

E, para que esta busca se configure como razoável, a regularização da

moradia deve se basear nos direitos fundamentais da função social da propriedade,

do meio ambiente equilibrado, consoante os ditames do art. 225 da Carta Magna,

bem como deve estar compreendido no plano urbanístico do município em questão,

com vistas a inserir a comunidade nas demais funções da cidade (trabalho, lazer e

circulação). No mesmo sentido, a segurança e a saúde da população deve ser

incluída no sopesamento daquele que proferirá a decisão, uma vez que são os

280 PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, pp. 79-80.

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valores constitucionais máximos que orientam todo o ordenamento jurídico

estudado.

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