araujo, rodrigo nabuco. a influência francesa no exército brasileiro 1930-1964

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    A INFLUNCIA FRANCESA DENTRO DO EXRCITOBRASILEIRO (1930 1964): DECLNIO OU PERMANNCIA?

    Rodrigo Nabuco de Araujo

    Universidade de Toulouse 2 Le Mirail

    Frana

    [email protected]

    Resumo: Esse artigo aborda as relaes internacionais do Brasil e particularmenteas relaes militares com a Frana e os Estados-Unidos, durante o perodo

    democrtico (1945-1964). Tenta-se compreender como o Exrcito brasileiro e adiplomacia francesa perceberam a as mudanas no conjunto dos componentesinternos e externos do sistema internacional ao nal da Segunda Guerra Mundial.Ao passo que durante vinte anos a Frana manteve uma misso militar de instruojunto ao Exrcito brasileiro, as relaes entre esses dois pases foram severamenteperturbadas pelo desfecho da guerra. De parceiros privilegiados, eles estabelecemdoravante relaes distantes, perturbadas pela presena dos Estados-Unidos.Nossa perspectiva a da diplomacia francesa. A ampla documentao conservada

    no ministrio das Relaes Exteriores, Quai dOrsay, d origem a uma iluso decontinuidade entre dois perodos prximos, porm distintos, provocando umaconfuso entre os interesses da Frana e a realidade brasileira. Tenta-se compreendercomo num contexto de declnio francs, as relaes franco-brasileiras se mantm,se enfraquecem ou acentuam-se.

    Palavras chaves: inuncia francesa; relaes triangulares Brasil-Estados-Unidos-Frana; militares e poltica externa.

    Linuence franaise dans larme brsilienne (1930-1964): dclin

    ou permanence ?

    Rsum : Cet article aborde les relations internationales du Brsil etparticulirement les relations militaires avec la France et les Etats-Unis dansla priode prcdent le coup dEtat de 1964. Nous essayons de comprendredans la moyenne dure comment larme brsilienne et la diplomatie franaise

    peroivent la reconguration des rapports de force internationaux au lendemainde la Seconde Guerre mondiale.Alors que pendant plus de vingt ans la Franceentretient une mission militaire dinstruction auprs de larme brsilienne, lesrelations militaires entre la France et le Brsil sont svrement perturbes par la

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    Seconde Guerre mondiale. De partenaires privilgis, ils tablissent dsormaisdes rapports distants, biaiss par la prsence des Etats-Unis.Notre perspective estcelle de la diplomatie franaise. Labondante documentation conserve au Quai

    dOrsay cre une illusion de continuit entre deux priodes distinctes, et susciteune confusion entre les intrts de la France et la ralit brsilienne. Nous essayonsde comprendre comment dans un contexte de dclin de la puissance franaise,les relations franco-brsiliennes se maintiennent, sclipsent ou saccentuent.Comment sopre le rapprochement entre le Brsil et la France.

    Mots cls: inuence franaise; relations triangulaires Brsil-Etats-Unis-France;militaires et politique trangre.

    Introduo

    Esse artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa encetada a partirde outubro de 2007. Analisam-se trs pontos das relaes internacionais do Brasildurante o perodo 1930 a 1964, tendo em foco as relaes bilaterais entre a Franae o Brasil. Primeiramente, trata-se da questo da inuncia estrangeira no Exrcitobrasileiro, j salientada por Manuel Domingos; em segundo lugar, a poltica externafrancesa em relao ao Brasil durante os primeiros anos da Guerra Fria; por m,

    tenta-se analisar a concorrncia entre os Estados-Unidos e a Frana no mercadomilitar brasileiro. Questiona-se a coerncia da poltica externa francesa em relaoao Brasil: sendo esta anterior a 1945, julga-se necessrio iniciar a anlise dez anosantes. Essa problemtica considera os militares como atores da poltica externa: osaspectos hierrquicos da sociedade militar podem parecer menos relevantes nesteartigo, pois o que importa aqui so os cargos ocupados pelos membros da instituiomilitar num dado momento de suas carreiras. A atuao dos adidos militares serevela capital na elaborao de um projeto de cooperao militar internacional.

    Os documentos do Estado francs que servem de base a este artigoencontram-se no Ministrio das Relaes Exteriores, Quai dOrsay, e so emsua grande maioria documentos dos embaixadores franceses e das secretariasda embaixada. Por outro lado, o material recolhido nos arquivos do ministrioda Defesa, Service Historique de la Dfense, sendo em parte relatrios e dossisdos adidos militares e do servio de inteligncia francs1, denotam um forteaspecto ideolgico. Aps anlise do contedo dos documentos, percebe-se que ainterpretao francesa age como um ltro, reunindo informaes teis para a sua

    diplomacia. Essa documentao permite trazer uma luz nova aos estudos sobrea poltica externa brasileira, incluindo atores que at ento eram consideradospouco relevantes. Tratando-se de uma cooperao militar que, nos anos enfocadosneste estudo, deixou poucos registros nos arquivos, fomos compelidos a ampliar

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    as fontes, utilizando tambm memrias e monograas de militares que tiveramatuao estimada importante na construo das relaes franco-brasileiras. Pode-se com estes documentos, tentar contornar a perspectiva institucional e poltica

    induzida pela leitura de arquivos diplomticos.O realce que se d Frana, Alemanha e aos Estados-Unidos provm deuma escolha prpria do autor. Outros pases tambm estiveram presentes no Brasil,e suas atuaes podem ser constitudas em objetos de estudo. Porm, o critrio deseleo dos arquivos foi o de levar em conta a ao de Estados soberanos cuja atuaoocial teve repercusses sobre a relao entre os militares e a poltica. Mesmoquando as embaixadas e chancelarias so tomadas como rgos independentes,procurando conservar seu prprio sistema de funcionamento, pense-se nelas como

    instrumentos de armao do interesse do Estado.Atualmente diversos estudos salientam a importante concorrncia existenteentre pases europeus e os Estados-Unidos durante o sculo XX. Esses estudos,com efeito, sublinham aspectos pertinentes ao sistema internacional e as redes depoder que se articulavam em meados do sculo. Pode-se supor que a concorrnciaentre a Frana e a Alemanha, marcante dentro do Exrcito brasileiro at 1940,tenha criado uma certa dinmica de intercmbios entre a Europa e a Amrica doSul. A atuao de seus respectivos adidos levou ao estabelecimento de redes de

    conhecimento e de inuncia. A dinmica de intercambio parece ter diminudoconsideravelmente com o resultado desolador da Segunda Guerra mundial para aEuropa. O processo de distanciamento do Exrcito brasileiro com relao aos seusparceiros europeus, se insere num contexto mais amplo, de aproximao do Brasilcom os Estados Unidos, dentro do quadro descrito por Gerson Moura de construode um sistema de poder norte-americano na Amrica Latina2. Mas, ainda assim aFrana entendia participar do processo de deciso internacional, notadamente apsa volta ao poder do general Charles de Gaulle, em 1958.

    Analisaremos a seguir trs instncias: o declnio da inuncia francesadentro do Exrcito; as tentativas de reconquista do mercado militar brasileiro; arearmao da inuncia militar francesa.

    1. Declnio da inuncia francesa dentro do Exrcito brasileiro (1930-1945)

    O recorrente apelo dos adidos militares franceses ao passado das relaesdiplomticas da Frana como forma de dissimular a memria ocial sobre osanos de governo colaboracionista, nos leva a desviar a ateno do leitor para os

    anos anteriores Segunda Guerra Mundial. No intervalo entre as duas guerrasmundiais, a Alemanha e a Frana proviam a indstria militar brasileira comarmas e equipamentos3. O principal objetivo do governo brasileiro era estimularo desenvolvimento da indstria nacional, completando, assim, o projeto de

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    modernizao do Estado iniciado logo aps o nal da Primeira Guerra Mundial.Contudo uma verdadeira concorrncia poltica e ideolgica alimentava a relaoentre a Frana e a Alemanha, o que constitua, naquele momento, uma das

    dinmicas do sistema internacional4

    . Os discursos de chefes de Estado francesese dos principais membros da cpula militar exaltavam a rivalidade entre as duasnaes, consideradas ento inimigas hereditrias.

    1.1. A opo pela Frana (1930-1934)

    A vitria francesa sobre a Alemanha na Primeira Guerra Mundial reforouas correntes franclas dentro do Exrcito brasileiro, conferindo ao seu discursomaior legitimidade, j que o modelo militar francs se mostrou superior durante a

    guerra. No cabe neste artigo tratar mais profundamente das causas que levaram opo pela Frana, mas sabemos, contudo que razes polticas e econmicasinuenciaram nessa escolha. O tratado de Versalhes (1919), que amputava aAlemanha de seu Exrcito, retirou-a da cena internacional. Isso permitiu que seenviasse ao Brasil uma misso militar francesa de instruo junto ao Exrcito(MMF), fazendo da Frana um parceiro privilegiado. Dentro de um perodo devinte anos o Exercito francs vendeu ao Brasil armas e equipamentos militares, eenviou instrutores para auxiliar no projeto de modernizao do Exrcito nacional.

    Completando esse intercmbio, os melhores ociais brasileiros estagiaram nasescolas militares francesas recebendo a instruo do Exrcito considerado nestemomento o mais sosticado5. A MMF tinha como principal objetivo manter relaesmilitares e comerciais favorveis Frana, criando uma poltica de intercmbiosque j dera muitos resultados.

    Alm de responder a uma lgica de expanso econmica, o acordo assinadoem 1919 constitui uma verdadeira vitria da diplomacia francesa sobre sua rivalalem. Mas a campanha pela conquista do mercado militar brasileiro no se

    encerraria a. Ao contrrio, um grupo de jovens ociais pressionava as autoridadesmilitares brasileiras para favorecer o Exrcito alemo nessa disputa6. Eram oschamadosjovens turcoscomandantes da Misso Indgena. Estes haviam estagiadono Exrcito alemo nos anos anteriores Primeira Guerra Mundial, e exerciamneste momento a patente de coronis, sendo tambm bastante inuentes. A MissoIndgena foi constituda logo aps o nal da guerra, e seu nome originou-se emoposio ao projeto da misso estrangeira, que viria a tornar-se a MMF. Ambasfazem parte do projeto de modernizao do Exrcito. Durante os primeiros anos

    de atuao da MMF na Escola Militar do Realengo houve divergncias entre osinstrutores franceses e os ociais brasileiros.

    Os missionrios franceses tiveram que se esforar para armar suainuncia, sempre mostrando aos responsveis militares brasileiros o interesse em

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    comerciar com o Exrcito francs. A disputa entre correntes internas mantinhao Exrcito dividido. Seria equivocado pensar que os estagirios do Exrcitoalemo se submeteriam escolha de uma Misso Militar Francesa. Mas, ao

    nal, a diplomacia francesa encontrou um forte apoio. Por um lado, a atuaodo general Malan dAngrogne como adido militar brasileiro na Frana de 1918 a1921, e como auxiliar do ministro da Guerra Setembrino de Carvalho, em 1923,abriu as portas das escolas militares aos instrutores franceses. A primeira soluoencontrada pelo ministro e seu auxiliar, foi de criar a Escola de Aperfeioamentode Ociais do Exrcito (EsAO), em 1920, e possibilitar uma difuso mais ampladas doutrinas, tcnicas e mtodos franceses. Ante a hostilidade de alguns inuentesociais germanlos, e a necessidade de se dar continuidade ao trabalho da MMF,

    o comando do Exrcito promulgou um decreto exigindo o comparecimento dosociais brasileiros a todos os cursos da Misso Francesa7. Pode-se dizer quesomente trs anos aps o incio de seu contrato que a Misso passou realmentea atuar dentro das escolas militares, ou seja, quando foi decidida a extino daMisso Indgena pelo Ministrio da Guerra, em 1923. Esse processo de armaoda inuncia francesa contaria com o apoio de um nmero cada vez maior deociais.

    Por outro lado, o coronel Jos Pessoa, comandante da Escola Militar do

    Realengo de 1930 a 1934, tomou uma srie de medidas a m de adotar o regulamentodo Exrcito Francs. Como defende Jehov Motta:

    Antes mesmo de assumir as suas funes [o novo comandanteda escola] j conseguira do ministro da Guerra recm-nomeado

    pelo Governo da Revoluo, um aviso que lhe autorizava abaixar instrues internas para o bom funcionamento dainstruo, da administrao e da disciplina, bem como outrasmedidas de carter geral.8

    Seu incentivo levou utilizao de mtodos experimentados no Exrcitofrancs para se fortalecer a coeso do corpo de ociais: reforo do culto aosheris militares nacionais, vinculando da nao ao Exrcito9; introduo de novastticas e disciplinas tcnicas no currculo escolar. Foi-se aos poucos assimilandoos mtodos da administrao militar francesa10. Estabeleciam-se vnculos entrea Frana e o Brasil que pareciam ir alm de relaes comerciais. A Frana eraencarada como uma referncia permanente, um modelo militar. Jos Pessoa,que se formara na Frana ao nal da Primeira Guerra Mundial, e combatera nadiviso blindada francesa, beneciava-se de um forte apoio poltico dentro e forado Exrcito: sobrinho de Epitcio Pessoa, presidente da repblica (1919-1922) esenador pela Paraba (1924-1930), era tambm irmo de Joo Pessoa, candidato vice-presidente da repblica, cujo assassinato desencadeara o movimentorevolucionrio de 1930.

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    Entre 1923 e 1930 mais de 100 ociais brasileiros incorporaram-se MMF,e entre 1930 e 1934 cinco classes de ociais oriundos da Escola de Estado-Maiordo Exrcito foram enviadas a escolas militares francesas11. Contudo, esse efetivo

    tendeu a diminuir a partir de 1934 com a sada do coronel Jos Pessoa do comandoda Escola do Realengo. Ges Monteiro, ministro da Guerra sob o Estado Novo,entre 1934-1935, e chefe do Estado-Maior do Exrcito de 1937 a 1943, defensor domodelo militar germnico, diminuiu drasticamente o nmero de ociais franceses.Ges considerava que de fato os ociais brasileiros estavam aptos a transmitir osensinamentos da Misso, e por isso o efetivo desta no precisava ser to elevado12.Ao nal de 1934, a misso contaria unicamente com cinco ociais e nenhumdeles com a patente de general. Na Escola Militar do Realengo um nico instrutor

    francs participava das atividades escolares, enquanto as aulas eram integralmenteministradas por capites e majores brasileiros. Em 1935 oito ociais compunhama misso, mas seu nmero estabilizou-se em torno de seis, em 1938. Mesmo sendorenovado duas vezes, o contrato da misso no mais representava a lideranafrancesa no mercado militar.

    Dentre os jovens ociais brasileiros enviados Escola Superior de Guerrafrancesa em 1939, a ltima classe antes da conagrao internacional, destacam-seJoo Batista Magalhes, Fernando Sabia Bandeira de Mello, Hugo Panasco Alvim,

    Nestor Penha Brasil, Henrique Baptista Dufes Teixeira Lott e Humberto de AlencarCastello Branco. Muitos deles estagiariam tambm no Exrcito estadunidense eparticipariam da Fora Expedicionria Brasileira. Ao longo de suas carreiras essesociais zeram importantes escolhas polticas, que no devem estar diretamentevinculadas com a formao voltada para o exterior. O intercmbio com forasarmadas de outros pases oferecia uma perspectiva mais ampla do que deveria sero papel de um Exrcito moderno nos moldes norte-americano, francs e alemo. Aformao de grande parte do ocialato brasileiro foi fortemente inuenciada pelo

    modelo militar francs. Contudo o abandono da inuncia francesa se anunciavaj antes da guerra.

    1.2. A perda do mercado brasileiro (1933-1945)

    Ao chegar ao Brasil em novembro de 1948, o adido militar francs, coronelAlbert Buchalet reconhece:

    Desde 1934/1936 nossa inuencia comea a declinar aoproveito da alem e da italiana por um lado e dos USA

    por outro. A partir de 1942 fomos substitudos pelosNorte-americanos. Porm a lembrana de nossos ociaismantm-se viva.13

    O movimento desencadeado pela Revoluo teria forte incidncia na poltica

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    militar brasileira, e a relao entre os militares e a poltica estrangeira sofreriaimportantes mudanas. A grande inuncia de militares nos rumos da polticanacional, permitiu que se zesse da poltica de modernizao um dos pilares da

    poltica externa brasileira. O projeto de modernizao, na pauto do Estado-Maiordo Exrcito h dez anos, se consolidara como a principal meta. Para Vargas eranecessrio preservar o apoio das Foras Armadas e, para isso, responder ao apeloda cpula superior do Exrcito, a fora mais expressiva. O projeto de modernizaodas Foras Armadas vinculou-se intimamente ao processo de modernizao doEstado. Dessa forma, parte da poltica externa brasileira foi sendo calculada emfuno de ofertas mais ou menos interessantes dos correntes europeus e norte-americanos. interessante notar que, inversamente Alemanha, Frana e Itlia,

    o comrcio de armas e equipamentos militares com os norte-americanos j estava,naquele momento, ligado ao interesse de suas grandes empresas, de forma que aprpria embaixada oferecia oportunidade de vendas aos agentes nacionais.

    A chegada ao poder de militares germanlos, como Eurico GasparDutra, Ges Monteiro, Juarez Tvora e Estevo Leito de Carvalho levaria aoenfraquecimento da presena francesa no Exrcito brasileiro. No somente porpreferirem o modelo militar germnico, mas pela prpria tendncia nacionalista dogoverno. Se nos anos seguintes Grande Guerra parecia difcil manter uma posio

    favorvel Alemanha, o mesmo no ocorrera nos anos 1930. O rearmamentoalemo permitiria o fortalecimento dessas correntes, que, a partir de 1934, tentariamdesmantelar a inuncia francesa.

    Em 1932, Adolf Hitler, escudado em um tero dos votos nas eleiesnacionais, assumia o poder na Alemanha, prometendo erguer o pas ante suatradicional inimiga. Contudo para transformar a Alemanha numa potnciainternacional, era necessrio ampliar o territrio nacional conquistando novosespaos e libertando a economia do pas. Este projeto seria aplicado no longo

    prazo. Mais urgente era encontrar mercados onde escoar sua produo industrial, ecom esse intuito, a Alemanha dirigiu seus esforos diplomticos para pases comoo Brasil e a Argentina, onde alm de possurem uma expressiva populao deorigem germnica que atuaria como um grupo de presso interno, muitos militaresdefendiam o modelo militar alemo.

    Os principais responsveis pela poltica militar brasileira tinham comoobjetivo permanente a auto-sucincia industrial do pas, sobretudo em termosde produo armamentista. Este projeto inclua a instalao, no Brasil, de umcomplexo siderrgico capaz de suprir as necessidades do pas em ao, metalconsiderado ento essencial para a modernizao da indstria nacional. Anteas enormes necessidades do pas e suas diculdades nanceiras, parecia claro amilitares, como Ges Monteiro e, Eurico Dutra, e polticos como Vargas, que o

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    Brasil deveria procurar fornecedores internacionais. A Alemanha parecia a maisapta no momento a responder demanda brasileira, e, segundo fontes francesas,a partir de 1938 o Brasil receberia os primeiros carregamentos de armas alems.

    As relaes com a Alemanha eram facilitadas por mecanismos como o comrciocompensado que permitiam a troca de matrias primas por armamentos, poisambos paises possuam neste momento escassas reservas de papel moeda. Jmeses antes da declarao de guerra conjunta da Frana e do Reino-Unido contraa Alemanha, em 1939, o contrato da MMF deixaria de ser renovado. As razes noforam vinculadas unicamente com o sistema de alianas brasileiro. Certamente aescolha pelo apoio alemo veio tambm da classe poltica.

    Ges Monteiro encarava as foras armadas como a espinha dorsal da

    sociedade. Para o ministro da guerra brasileiro somente uma organizao militarpoderia disciplinar a sociedade e alcanar o rendimento mximo em todos os ramosde atividade. A Alemanha representava um modelo onde o Exrcito intervinhadiretamente na sociedade promovendo a industrializao do pas e agindo comouma instituio poltica. O projeto de Hitler baseava-se numa valorizao da naoatravs das Foras Armadas, e particularmente uma elite militar. No era de seestranhar, nesse sentido, que Ges Monteiro seguido de Eurico Gaspar Dutraprivilegiassem uma aproximao com o III Reich em detrimento das relaes com

    a Frente Popular francesa.Com a queda de Paris em junho de 1940, a Frana perderia contato como Brasil, o ltimo representante da MMF, coronel Durosoy, deixou o Brasilem princpios de 1941. A impossibilidade de consultar os documentos sobre asrelaes estrangeiras do governo do marechal Ptain (1941-1944), nos arquivosdo Quai dOrsay, no nos permite tirar concluses sobre as provveis relaesdiplomticas entre o Brasil e o governo de Vichy14. Contudo, esse perodo parecemarcar um declnio considervel da inuncia francesa, sugerindo a perda do

    mercado militar brasileiro. O distanciamento com relao Frana poderiadeterminar uma aproximao com a Alemanha. Com a crescente ameaa de umconito europeu, a possibilidade de aliana entre os pases do Eixo e o Brasilpreocupava o Departamento de Estado norte-americano. Alm disso, a aproximaoda Argentina com a Alemanha era apreendida como a formao de uma zona deinuncia nazista na Amrica do Sul.

    Os Estados-Unidos precisavam do Brasil, naquele momento, para fortalecersua poltica pan-americana ante a Argentina, que se aproximava perigosamenteda Alemanha. Eles forneciam uma alternativa interessante: mais prximosgeogracamente e tendo interesses nas matrias-primas exportadas pelo Brasil,eles poderiam se tornar parceiros promissores. Alm do mais, eles tinham todointeresse em constituir um bloco de poder no continente americano onde pudessem

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    exercer presses e inuencias, concorrendo com seus tradicionais rivais europeus.Entretanto, a industria norte-americana no conseguia responder demandabrasileira em material blico, pois estava ocupada com o armamento de seu prprio

    Exrcito e a questo do alinhamento brasileiro cou pendente entre os dois pasespor mais um ano.Desde 1941 as relaes com a Frana e o Reino Unido estavam difceis, os

    submarinos alemes, U-Boot, protegiam as rotas martimas do Atlntico Norte,impedindo a livre circulao de navios. Era normal nesse sentido que o Brasilvoltasse sua ateno para seu prprio mercado, e para as relaes com os vizinhosdo norte, sem romper os tradicionais laos com a Alemanha. A condio paraque o Brasil declarasse guerra ao Eixo era o apoio nanceiro estadunidense. As

    perdas martimas da Alemanha no inicio de 1942 condicionaria o bloqueio a estepas, completando a estratgia preconizada por Londres. A principal conseqnciapara o Brasil e as repblicas sul-americanas foi o rompimento dos ltimos laoscomerciais com a Europa.

    A III Reunio de Chanceleres Americanos de 1942 viria esclarecer asposies brasileiras e latino-americanas. Vargas e seus representantes militaresaceitariam a assinatura de um acordo de cooperao militar, prevendo a criao daComisso Militar Mista Brasil-Estados Unidos (CMMBEU), que funcionaria tanto

    no Rio de Janeiro quanto em Washington. No Brasil, o representante do ExrcitoBrasileiro era o general Cristvo Barcelos, nos EUA, a mesma funo eraexercida por Leito de Carvalho.15Tambm estava previsto neste acordo o enviode tropas brasileiras para o conito, em troca de equipamentos militares e capitaisnecessrios para a construo da Companhia Siderrgica Nacional. O acordo ia alm,prevendo uma formao especializada para os melhores ociais brasileiros nas trsprincipais escolas militares do pas: Fort Gullick, Fort Leavenworth, e NationalWar Collegue. Segundo Svartman, o processo de americanizao do Exrcito

    brasileiro se consolida partir deste momento

    16

    . Embora a formao tcnica serealizasse em parte nos Estados-Unidos, a totalidade dos ociais engajados nestesestgios possua grande cultura militar francesa e alem. O declnio destes doispaises foi poltico, mas, suas inuencias culturais e militares permaneceram vivas,transmitidas, sobretudo pela gerao de ociais formados sob a gide da MissoFrancesa e da inuncia alem. inegvel que os estgios nos Estados Unidosobjetivavam a mudana de um modelo de guerras francs para um modelo norte-americano e alemo de guerra de movimento. Contudo, no podemos perder devista que os Estados Unidos possuam pouca experincia em matria de guerrasinternacionais, e baseavam-se, portanto, em textos e regulamentos alemes efranceses, particularmente com relao ao emprego de grandes unidades tticas.

    Durante esse perodo, o Brasil esteve longe de ganhar em todos os aspectos

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    na sua aliana com os Estados Unidos, viu-se isolado da Europa, tendo que sevoltar para a Amrica do Sul e para a formao de seu prprio mercado interno.Alm do que, as proposies norte-americanas estavam ligadas cesso de armas

    e equipamentos, e no formao de uma indstria nacional autnoma. O que,em longo prazo, levaria a uma total dependncia do Brasil com relao a indstriablica norte-americana. Encetava-se o ciclo de dependncia do Exrcito brasileirocom relao aos Estados-Unidos: eram fornecidos equipamentos de substituio,assistncia tcnica e formao de tcnicos em estabelecimentos de ensino superiorestadunidense. Mas, em algum momento, foi viabilizada a criao das estruturasnecessrias para a formao de tcnicos, de equipamentos e de armas em solobrasileiro.

    Enviando as tropas brasileiras no teatro de guerras europeu, os EstadosUnidos permitiam o fortalecimento das foras aliadas no sul da Frana e no norteda Itlia. Dessa forma, romper-se-ia o eixo Berlim-Roma reforando a frenteaberta ao oeste e tanto reclamada por Stalin. Enquanto os Aliados progrediama passos rmes e lentos, a Unio Sovitica libertava quase toda a Europa doLeste. Com o m da Segunda Guerra mundial, os Estados-Unidos e a UnioSovitica apareciam aos olhos dos observadores internacionais como os grandesvencedores. Sem dvida alguma a derrota francesa, seguida da alem e da italiana

    beneciaram muito mais aos interesses norte-americanos que brasileiros. Alm designicarem a derrota de um modelo militar considerado eciente e sosticado, avitria dos Estados-Unidos e da Unio Sovitica simbolizava o incio de um novociclo do sistema internacional. A Europa estava em runas, a economia francesasofria problemas gravssimos e a Alemanha perdera inteiramente sua soberaniatornando-se zona de jurisdio internacional, dividida entre a Frana, os EstadosUnidos, o Reino-Unido e a URSS. Estava claro que da em diante, Alemanha eItlia estariam fora do jogo diplomtico, e que a Frana teria diculdades para

    inserir-se no mercado internacional, deixando assim o caminho livre para a maisnova potncia americana.Mesmo com todas as diculdades econmicas do momento, o ministrio das

    Relaes Exteriores francs pretendia recuperar sua posio anterior guerra. Issose traduzia no caso brasileiro por uma tentativa de reativar a rede de conhecimentose de inuncias francesas.

    2. As tentativas de reconquista do mercado militar brasileiro (1945 1957)

    A observao dos relatrios do Itamaraty de 1945 a 1949 mostra, entretanto,que a Frana esta longe de gurar entre os pases com os quais o Brasil mantmrelaes comerciais e diplomticas freqentes. A representao diplomticafrancesa no Brasil uma das mais reduzidas, sendo equivalente a da China e

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    contando com apenas onze agentes consulares ao nal do governo Dutra. Essaapatia da diplomacia francesa no Brasil devido ao interesse cada vez maior napoltica europia: antes de comear uma poltica de expanso comercial, a Frana

    precisava armar suas posies polticas ante a Alemanha e assim tranqilizar seusparceiros europeus17.O frgil equilbrio, instaurado em Yalta, parecia se desfazer, deixando lugar

    s zonas de inuncia, pregurando o que seria a Guerra Fria. Esta se manifestavana esfera global, opondo os Estados Unidos e a Unio Sovitica numa concorrnciaarmamentista, poltica, ideolgica e militar.

    Entretanto, um tal sistema de interpretao nos parece demasiadamenteoblquo, j que sabemos que tanto os Estados quanto a Unio Sovitica tiveram que

    fazer concesses aos seus projetos de expanso internacional. Com efeito, at 1950creia-se ainda na possibilidade de uma terceira guerra mundial, e nesse aspecto,o Brasil no era exceo. Entretanto, os relatrios dos adidos e embaixadoresfranceses no Brasil deixam bem claro que, mais importante do que a penetraosovitica, era o rearmamento alemo. O Brasil que se posicionara dentro dohemisfrio ocidental, no se alinhava incondicionalmente s posies norte-americanas. As relaes entre os dois pases eram essencialmente pragmticas,respondendo a exigncias tanto brasileiras quanto estadunidenses. No contexto de

    guerra fria, tanto o Brasil quanto a Argentina ocupavam um lugar importante. Estepor seu domnio sobre o estreito de Magalhes, considerado a porta de sada docontinente Americano para a sia; aquele devido sua proximidade com a frica,considerada uma regio explosiva, especialmente aps a ecloso dos movimentosde libertao nacional pouco depois do nal da II Grande Guerra. Sendo assim,dentro do bloco de poder ocidental, a coerncia de interesses entre os paseseuropeus e os Estados Unidos parecia comprometida.

    Outro aspecto que refora a idia da apatia francesa so os conitos militares

    na sia, contra o Vietnam (1945-1954), os problemas polticos na frica com oMarrocos e, sobretudo a guerra de independncia da Arglia. Era a Frana, o pasa enfrentar os conitos de descolonizao somados aos da guerra fria. Para que adiplomacia francesa se tornasse mais ativa seria necessrio terminar rapidamentecom essas duas guerras e restaurar um certo equilbrio interno, a m de iniciaruma poltica de expanso. Porm esse momento s chegaria com o nal da IV

    Repblica (1946-1958).

    2.1. Dissenso diplomtica: a Frana e os EUA no Brasil (1945-1952)

    A estratgia da diplomacia brasileira consistia em utilizar a concorrnciaentre as diferentes potncias para obter a oferta mais atrativa. Durante o perodoentre as duas guerras, esse comportamento era possvel devido s relaes bilaterais

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    estabelecidas com diferentes pases. Logo aps a guerra, e embora fosse necessriobuscar alternativas relao de dependncia com os Estados-Unidos, o Brasil nodispunha de um leque de escolhas to amplo. O acordo assinado em 1942 permitiu

    a constituio de uma misso militar estadunidense, particularmente inuente namarinha de guerra, mas agindo nas trs foras. O que o ministro da Guerra esperavaera que os Estados Unidos se substitussem a MMF, garantindo assim uma amplaformao para os ociais brasileiros e uma expressiva assistncia no projeto demodernizao das foras armadas. Contudo, o Departamento de Estado esquivavaas propostas brasileiras, pois o que interessava a diplomacia norte-americana era ariqueza do solo brasileiro, e as jazidas de urnio e de minerais radioativos utilizadosna fabricao da bomba atmica.

    Em 1939, a empresa francesa, Socit Minire et Industrielle Franco-Brsilienne de Paris, obtivera os direitos de extrao e compra de mineraisestratgicos tais como a monazita e a ilmenita, encontradas em Minas Gerais18.Com as diculdades de transportes at o porto de Vitria, a entrega levou mais denove meses e s chegaria ao Esprito Santo no ms de junho de 1940. Quando osditos minerais chegaram ao armazm da empresa, a Frana, j em guerra contra aAlemanha, fora invadida e ocupada. Por conta da guerra, o carregamento foi deixadoem Vitria, esperando que seu proprietrio fosse retir-lo. Com a assinatura do

    armistcio e a criao do governo do marechal Ptain (1941-1944), a Frana surgiacomo uma aliada de Hitler. Durante o ano de 1941, os minerais estratgicos foramobjeto de speras negociaes com os Estados Unidos, que, alm de alegarem quea empresa compradora pertencia agora a um pas inimigo e no poderia, portanto,beneciar-se de oferta to atrativa da parte do governo brasileiro, pressionavaVargas para mudar a legislao brasileira quanto explorao mineral19.

    Vargas optou pela soluo mais drstica e retomou posse dos mineraisradioativos, deixando a empresa franco-brasileira com um importante dcit

    nanceiro. Sem dispor de adidos ou mesmo representantes ociais no Brasil, aFrana no protestou. Entretanto a Sociedade Monazita e Ilmenita do Brasil Ltdacou devendo 500 toneladas de monazita e 500 toneladas de ilmenita empresafrancesa que acabava de descobrir uma das maiores fontes desses minerais naAmrica Latina20. Com o nal da guerra, o Mministrio das Relaes Exteriorespretendia evidentemente recuperar as toneladas de minerais estratgicos, destavez revendidas aos Estados Unidos. Os minerais estratgicos se tornariam ento omaior problema diplomtico entre a Frana e o Brasil durante a dcada de 1940, sseria resolvido em 1962.

    O urnio e a bauxita tambm atrairiam a ateno de franceses antes que psnorte-americanos se interessassem por eles, mas, como parecia j ser praxe, estesltimos obtiveram a concesso do direito de compra. A iniciativa de contatar o adido

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    francs fora dos prprios cientistas brasileiros, que desde 1938 estavam em contatocom a Universidade de Paris, onde se desenvolviam as pesquisas sobre radiaoe energia atmica. A reao francesa tardou tempo demais, o suciente para que

    se desses as negociaes com os Estados Unidos. Aos trs adidos militares que seadicionavam Misso Militar Francesa antes da guerra, substituiu-se um nico,representando as trs foras, a partir de 1945. Com essa considervel reduo dopessoal diplomtico, quase todas as ocasies de compra e venda para o Brasil eramaproveitadas pelos Estados Unidos.

    O coronel Meyrand, primeiro adido francs no Brasil aps a guerra (1945 1948), entra diretamente em contato com a Escola de Minas de Ouro Pretoe com empresas francesas de minerao instaladas no Brasil. Os contatos com

    os empresrios franceses refugiados no Brasil, particularmente Petrus Bernard,antigo administrador da empresaPchineyde explorao de bauxita, foram poucoconclusivos. Bernard explorava desde 1940 as jazidas de minrio em Minas Geraise, no entanto, sua empresa encontrava diculdades para exportar a produo, oque o levou, segundo armao do adido, a ampliar suas fontes minerais einvestir tambm na extrao de minerais radioativos. A assinatura do contrato deexclusividade com os Estados-Unidos foi uma forma de contornar as diculdadesda empresa durante a guerra.

    Ao chegar a Ouro Preto, Meyrand foi informado da descoberta de berlioe de urnio em Brejauda e Engenho Central, no estado de Minas Gerais. Paraobter a concesso da compra era necessrio obter uma resposta rpida doQuai dOrsay21. Quatro meses separam as datas de assinatura do relatrio doadido, da pasta diplomtica do embaixador, at o ser enviado para o parecer daComisso para as Questes Atmicas que o assinou22. Mais uma vez, a lentidode circulao de informaes dentro do ministrio francs devido a um corpodiplomtico demasiadamente reduzido, e a reao pouco interessada do ministro

    as Relaes Exteriores, Georges Bidault, inviabilizaram essa iniciativa. Emcontrapartida, durante o mesmo perodo, a embaixada Norte-americana contavacom um especialista de questes atmicas instalado diretamente no Rio de Janeiro.Preocupado com a aproximao militar do Brasil aos Estados Unidos, em 1947,no momento de assinatura do Tratado Interamericano de Assistncia Recproca(TIAR), e, sobretudo com o vazamento de informao to sigilosa, Meyrandcontava com a aplicao da legislao brasileira para evitar a entrada dos EstadosUnidos nesse negcio e a perda dos materiais estratgicos. Meyrand adverte em1947:

    O Berlio a matria-prima necessria para a fabricao dabomba atmica ou de todas as outras energias atmicas (...)Ele se encontra frente dos problemas tcnicos e industriais dodia, sobretudo no domnio poltico-econmico internacional, e

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    em caso de conito pode garantir uma posio preponderanteaos seus detentores.23

    Em 20 de agosto de 1948, o dirio O jornalinformou o resultado das iniciativas

    francesas, com a manchete A denncia que o Senador Roberto Simonsen no tevetempo de fazer. Toneladas de urnio saem do Brasil a preo de areia. O urniofoi trocado por trigo, e saiu do porto de Santos em estado bruto sem que houvessescalizao. O adido francs reuniria outros artigos, conservados no SHD, quecolocam em evidncia a ineccia da diplomacia francesa.

    O caso dos minerais teve grande repercusso junto diplomacia francesa.As sries de arquivos dedicadas aos minerais estratgicos revelam o interesse deindustriais e a decepo dos representantes do governo francs que s veriam o

    Brasil conceder a Frana direitos de extrao e experimentao em 1962. O que elesmostram igualmente que houve uma guinada na poltica francesa a partir desteepisdio. Ministro das Relaes Exteriores e arquiteto da Comunidade EconmicaEuropia, Robert Schumann nomeia Albert Buchalet adido militar no Brasil (1948 1951). Buchalet se destacara por participar do projeto de desenvolvimento daenergia atmica na Frana e foi enviado para corrigir o erro anterior. Porm eleassinalaria, no sem certa amargura, alguns meses depois de assumir o cargo:Aps ter se substitudo nossa misso h mais de vinte anos, os Estados Unidos

    possuem uma posio militar aparentemente muito slida24

    .As diculdades francesas apareciam ainda mais claras no relatrio do general

    Andr Normand adido militar de 1955 a 1958. Escrevendo ao embaixador francsno Brasil em 1958, ele alega que somente aps longas e trabalhosas negociaescomerciais, a rma francesa Morane-Saulnier (...) obteve a encomenda de 30 aviesMS-760. Embora a demanda do Exrcito brasileiro estivesse em alta, o Estadono dispunha do capital necessrio para investir em material blico, portanto erapreciso que a empresa interessada aceitasse fazer concesses. O Reino-Unido teve

    que negociar as vendas do Gloster-Meteorem troca de trigo, sabendo que a dvidado Brasil na praa de Londres era de mais de 60 milhes de dlares. Os EstadosUnidos por outro lado forneciam equipamentos usados a baixo custo. Mas a Franasomente poderia vender ao Brasil se aceitasse fornecer, a exemplo desses doispases, boas oportunidades e alguns modelos para ensaios. As empresas francesasDassaulte Sud Aviationno aceitavam tais propostas. Entre 1945 e 1960, a indstriablica francesa estava muito mais ocupada em equipar o seu prprio Exrcito do quecom o mercado de armas latino-americano. A diculdade de negociao entre os

    dois pases s aumentava as oportunidades estadunidenses. Mas, o interesse norte-americano no estava unicamente no mercado de armas. Estas serviam, sobretudopara determinar o preo dos minerais brasileiros. O que o dirio brasileiro noanunciara que poucos meses anos, o TIAR previa a assistncia tcnica e militar

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    dos Estados Unidos. Esse avano no projeto de modernizao do material dasforas armadas, pesou na hora de comercializar as toneladas de urnio.

    A armao de Andr Normand revela, de forma pouco explcita, o que parecia

    evidente aos seus olhos: era necessrio encontrar outras formas de reconquistar omercado brasileiro. Para o adido francs o antigo prestgio francs junto s elitesbrasileiras poderia ser uma excelente maneira de concorrer com os Estados-Unidos.Os objetivos mercantis dos ociais franceses no Brasil s poderiam ser atingidosatravs de um longo trabalho de estudo do mercado brasileiro. Tal esforo requeriaum investimento de longo prazo em homens e capital. Os arquivos do QuaidOrsay e do Service Historique de la Dfense colocam em evidncia esse trabalhode estudo e anlise da situao latino-americana: a maior parte dos memorandos e

    relatrios tenta reconstituir o capital de conhecimento perdido.Durante os anos 1948 a 1954, a Frana aceitou, com certo desconforto, aliderana de Washington. Esta s foi admitida com a sada do general de Gaulle dopoder em 1947 e a formao da Quarta Repblica sob os moldes do parlamentarismo.Foram anos difceis: os partidos franceses de direita pareciam desnorteados coma fulminante derrota do modelo poltico-militar de Vichy, enquanto tendnciasliberais e de esquerda se armavam dentro do aparelho de Estado. Ao inimigofascista e autoritrio da Segunda Guerra, substituram-se inimigos comunistas e

    socialistas. Seria somente aps a guerra da Coria e ao nal da guerra da Indochina, que comearia a mudar tanto a atitude francesa quanto a brasileira nos domniosda poltica estrangeira.

    2.2. A aproximao militar (1958 1964)

    As diretivas do adido militar francs no Brasil mudariam substancialmenteentre 1952 e 1958. Amisso normal do adido at ento era de:

    vigiar as colnias estrangeiras e particularmente o apoio

    oferecido aos movimentos nacionalistas existentesem nosso Imprio; a utilizao por outras potnciasdos recursos brasileiros; as atividades de outros pasespodendo interferir nossa prpria ao; toda atividaderelativa nossa Guiana ou nossas bases militaresafricanas (Dakar em particular)25.

    Os objetivos da diplomacia militar francesa no Brasil estavam pautados poruma estratgia comercial diretamente vinculada ao seu imprio colonial. O caso

    africano particularmente importante j que Natal esta a menos de 3000 milhasmarinhas de Dakar, capital do Senegal, principal colnia francesa na frica negra.As diretivas no respondiam a um projeto para a expanso francesa no Brasil. Tendocomo referncia a frica, o Brasil tornava-se unicamente um ponto de apoio na

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    retaguarda. O posto diplomtico do Rio de Janeiro perdeu seu interesse puramentemilitar, os ociais para l enviados no eram os mais brilhantes, que tinham carreiraspromissoras na Frana. Ao contrrio, o cargo no Brasil representava um pequeno

    passo na carreira militar. Ademais, a guerra de Indochina atingia seu auge nestemesmo ano, e apesar do pouco investimento poltico-militar no Sudeste asitico, importante salientar a importncia deste conito para o desenvolvimento de umadoutrina francesa inovadora.

    Com o m da guerra da Indochina, um grande nmero de ociais foi liberadode suas misses na sia e comeam a auir para outras secretarias do Ministrio daDefesa. Seria o caso, particularmente, de Andr Normand, adido militar no Brasilde 1955 a 1958, e de Henri Lemond, seu sucessor de 1958 a 1961. Ambos provm

    do corpo de ociais coloniais engajados na Indochina, e pareciam convencidosdo sucesso da doutrina francesa. Para eles, como para bom nmero de ociais, aderrota na Indochina tinha causas essencialmente polticas: dera-se pouca atenoao conito e, por conseguinte pouco se investira.

    Normand deixou poucos registros nos arquivos militares. Seus comentriosso escassos e seu documento de trabalho um relatrio sobre as iniciativas polticase comerciais francesas no Brasil. Segundo sua anlise toda ao no Brasil deviaser combinada a uma propaganda poltica capaz de recuperar a conana das elites

    militares brasileiras na Frana. Embora seja um documento de cunho colonialista,desperta interesse por contribui para a compreenso do interesse comum entreo Exrcito, representado pelo general, e o ministrio das Relaes Exteriores,representado pelo adido. O intuito da propaganda poltica seria inuenciar asdecises de uma pessoa ou de um grupo ao qual ela se destina. A ao psicolgica,fundamento da propaganda poltica, colocava em prtica todos os meios deinformao disponveis para difundir uma determinada doutrina, criando dessamaneira um movimento de opinio capaz de suscitar uma deciso. A propaganda

    tinha por objetivo assegurar o sucesso de uma teoria ou de uma doutrina. No casofrancs tratava-se de diferentes percepes estratgicas vinculadas a um novo tipode guerra.

    Normand conhecia o interesse brasileiro pelo pensamento militar francs,mas o atribua herana da Misso Militar Francesa. Nos relatrios que deixou,encontram-se anotaes e observaes minuciosas sobre os problemas brasileiros,as diculdades de compra, o relacionamento difcil com os adidos precedentes ea presena esmagadora dos Estados Unidos. Fazendo o balano de sua atuao naembaixada, ele observou em julho de 1958:

    No tocante difuso escrita do pensamento francs, nossoesforo notvel e j nos traz resultados. Nossas revistasmilitares so muito apreciadas e tm diversos artigosreproduzidos em revistas brasileiras (...) H dez anos, o Posto

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    de Rio de Janeiro distribua 5000 revistas e publicaesmilitares e tcnicas. Como conseqncia da supresso doscrditos disponibilizados pelo Ministrio da Informao, essenmero passou a 250 em mdia. Hoje em dia, se este nmero

    subiu a 2000, eu penso que ns poderamos fazer aindamelhor.26

    Ele seria o primeiro adido a deixar uma ampla documentao de trabalhopara seus sucessores na embaixada, procurando criar uma coerncia na polticaexterna francesa. Suas consideraes levariam o tenente-coronel Henri Lemond aobservar em seu primeiro relatrio anual:

    A mediocridade da contribuio intelectual dos Estados-Unidos sensvel na Escola de Comando e Estado-Maior doExrcito, que, querendo apropriar-se de qualquer doutrinavlida, s encontrou em denitivo uma srie de procedimentosna bagagem que lhe foi oferecida27 .

    Esta armao do adido francs, em seu relatrio anual ao ministro daDefesa Nacional, contradiz boa parte dos estudos realizados at agora sobre asrelaes Brasil-Estados Unidos. Certamente, neste momento, a contribuiointelectual norte-americana no correspondia s exigncias brasileiras, acompreenso da guerra fria como um conito global, entre dois blocos, alm decolocar o Brasil inteiramente na esfera de inuncia estadunidense, no integraas Foras Armadas nacionais no contexto internacional, relegando os militaresbrasileiros um papel de segundo plano nos projetos estadunidenses. Porm, aformao militar nas escolas militares norte-americanas permitiu a formao deuma doutrina tipicamente brasileira, fruto da aliana dos valores franceses, alemese norte-americanos. Diminuir o impacto de inuncia norte-americana equivale avalorizar a francesa. Entretanto, a concorrncia com os Estados Unidos mudariaprogressivamente para uma coexistncia e uma diviso tcita de competncias.

    A Frana tinha diculdades em oferecer as mesmas oportunidades de compra aoBrasil e os Estados Unidos no ofereciam uma doutrina de guerra apropriada aoteatro de operaes brasileiro. Neste aspecto o tenente-coronel Henri Lemond semostra muito mais lcido armando:

    Devemos ter conscincia de que os interesses franceses e norte-americanos so solidrios. Tentar arruinar dissimuladamentea inuncia militar norte-americana no haveria de seruma atitude realmente aproveitvel. Seria, alm disso,

    travar uma luta desigual, dada a desproporo dos recursosdisponibilizados pela Frana e pelos Estados-Unidos. Parecemais oportuno se limitar a apreender a ocasio de defender osinteresses franceses28.

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    O que o adido dizia aos seus superiores ia alm de uma cooperao tcnica.O esforo desempenhado pelos adidos militares franceses para inuenciar umacerta elite militar que convinha conquistar a conana, no era dirigido contra

    uma suposta ameaa comunista, seu objetivo era sim, concorrer com os EstadosUnidos. O Exrcito francs aparecia novamente como um modelo, mas desta vez,contrariamente Primeira Guerra Mundial ou Segunda para os Estados-Unidos,a doutrina francesa baseava-se numa profunda reexo sobre as causas da derrotana Indochina. Aos olhos das testemunhas desta tragdia militar, que abalou tantogoverno vietnamita quanto para o Exrcito francs, a principal da causa da derrotafoi a impopularidade das Foras Armadas francesas. Parecia mais do que necessrioaos ociais do Exrcito, em particular, que uma forte propaganda poltica fosse

    aplicada sobre a populao, relacionando conquista militar e ideolgica, veremosmais adiante alguns dos principais aspectos da reexo francesa sobre esse novotipo de guerra.

    O projeto poltico do presidente Charles de Gaulle (1958 1968) se estendiaao mdio prazo e deve ser aplicado em todas as reas de excelncia francesa.Portanto necessrio conhecer extremamente bem o que a Frana e seu Exrcitopodiam oferecer assim como as principais carncias do Brasil e suas ForasArmadas. Para concorrer com os Estados-Unidos era preciso estudar sua poltica

    externa e explorar seus limites. A partir de um amplo estudo da presena norte-americana no Brasil e das possibilidades polticas e econmicas deste que AndrNormand e seu sucessor na embaixada, Henri Lemond, poderiam propor umprojeto de expanso francesa no Brasil. Segundo suas observaes, resumidas emdois relatrios sobre as possibilidades militares e estratgicas brasileiras, Normandconcluiu que a Frana deve estar presente nos domnios em que os Estados Unidoseram medocres.

    3. A rearmao da inuncia francesa dentro do Exrcito brasileiro

    Andr Normand salienta em sua anlise sobre a emergncia do projeto deDefesa do Atlntico sul em 1958:

    Atualmente a Amrica Latina inteira esta sendo percorridapor uma onda de nacionalismos que se traduz sobretudo pelodesejo de se libertar do jugo econmico do colosso norte-americano e que tem por conseqncia de chamar a atenodesses pases para a Europa, onde a Frana recuperou seulugar de grande nao ; essa tendncia esta particularmentevisvel no que concerne o Brasil29.

    O adido se preparava para deixar seu cargo e transmitindo-o ao tenente-coronel Henri Lemond. Para ele parecia claro que tirar proveito do no alinhamento

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    poltico de pases latino-americanos equivalia a valorizar as relaes da Franacom esses pases. Na introduo de seu relatrio anual pode-se perceber oentusiasmo do adido com relao chegada do general de Gaulle ao poder em

    maio de 1958. Embora a noticia do putsch do general de Gaulle ser acolhida compouco entusiasmo na imprensa brasileira, o golpe de 1958 levaria a uma mudanasubstancial com relao a atitude dos militares brasileiros. Enquanto nos EstadosUnidos os militares tinham pouca relevncia poltica, e no se aparentavam destemodo ao ethosmilitar brasileiro, os militares franceses se dedicavam plenamente arealizao de um novo projeto poltico. Alm do que, desde a crise de Suez, onde osinteresses britnicos, franceses e estadunidenses se desvincularam completamente,a Frana tentava buscar uma alternativa a inuncia norte-americana em seu

    prprio pas. Foi necessrio um passo para que as embaixadas recebessemcirculares informando da mudana de atitude a adotar. Lemond se mostrou el aosprincpios anunciados por seu predecessor, tentando criar relaes com militaresbrasileiros nacionalistas, valorizando a penetrao ideolgica da doutrina francesa.Devemos salientar que o contexto brasileiro e latino-americano estava favorvel sua introduo.

    Os militares assumiam papis preponderantes em diferentes pases, istoocorreu notadamente na Argentina, na Bolvia e no Paraguai. A aplicao do

    plano CONINTES na Argentina revela, segundo Gabriel Pris, a adaptao peloExrcito argentino do modelo francs de guerra revolucionria antes da letra30.Vejamos ento alguns aspectos da doutrina francesa. Quando nos referimos aosmilitares, devemos antes de tudo levar conta todos os aspectos relacionados defesanacional: sua misso denida em funo de seu inimigo, e, por conseguinte, omilitar no pode ser desvinculado da representao deste. O que a doutrina deguerra revolucionria oferece de inovador esta ento relacionada a representaoda funo dos militares na armao de um projeto poltico coerente. Para os

    militares franceses que combateram no Vietn, a URSS estava longe de ser oprincipal inimigo, este estava dissimulado dentro da populao sob a forma doscombatentes vietminhs, e eram vistos como inimigos internos e no externos. Aguerra da Indochina (1945-1954) no foi uma guerra entre dois Estados soberanos,mas entre uma metrpole e sua colnia, onde esta ultima tentava organizar-se comoEstado independente. Este aspecto fundamental, pois estrutura completamente aforma de racionar dos ociais franceses responsveis das escolas de comando eEstado-Maior. Essa forma de encara o inimigo seduziria grande parte de ociaislatino-americanos. Veremos a seguir como essa doutrina foi difundida e pode entrarno projeto de expanso francesa na Amrica Latina.

    Na Argentina onde a Frana encontrara um grande campo de aplicao desuas doutrinas, se passaria o inverso do que ocorrera no Brasil. Relativamente

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    mais independente dos Estados Unidos, a Argentina optou por uma cooperaomilitar com a Frana e a Inglaterra, esquivando assim a poltica de expansonorte-americana. No pode faz-lo totalmente, j que o Brasil mantinha uma forte

    relao com os Estados Unidos e constitua um elemento fundamental da polticapan-americana. O intercmbio entre a Frana e a Argentina foi forte e consolidouuma poltica de cooperao profunda e duradoura. Enquanto l a Frana transmitiatcnicas, mtodos e doutrinas vinculadas a seus equipamentos e tecnologias, noBrasil o processo de difuso da doutrina seguiria um outro caminho. O mercado dearmas e equipamentos era quase uma exclusividade das empresas norte-americanas.Esse controle estadunidense dicultava o trabalho dos adidos militares franceses,que para contornar essa diculdade elaboraram uma poltica de expanso comercial

    baseada no prestgio e no passado das relaes franco-brasileiras.

    3.1. O sucesso da doutrina francesa

    Na Biblioteca do Exrcito 60% dos volumes tratando daarte da guerra so de origem francesa, seja em francs outraduzidos para o portugus. [...] Em recente nmero doBoletim de Informao do Ministrio da Aeronutica, noveartigos sobre 15 provinham de publicaes francesas: Revue

    Militaire Gnrale, Revue de Dfense Nationale, ForcesArmes Franaises.31

    Sem duvida alguma, essa armao no corresponde a realidade dos fatos.Podamos, com efeito, constatar a proeminncia dos escritos franceses sobrettica, estratgia e comando durante grande parte do perodo entre as duas guerrasmundiais. Contudo, aps 1945, o nmero de livros norte-americanos aumentariaconsideravelmente. Devemos entretanto observar outro aspecto dessa armao,as revistas militares. Pode-se encara as revistas, com seus conselhos editoriais, seus

    distribuidores e leitores de dois pontos distintos. O conselho editorial um lugarde sociabilidade, onde se debatem ideais, ideologias e doutrinas, onde se discutesobre a poltica nacional e a declarao de tal ou tal ministro. Podemos dizer que,alm de difundirem artigos especcos a uma populao dada, a revista cria umacomunidade de pessoas compartilhando idias e pontos de vistas. L se consolidamgrupos. O mesmo ocorre com as revistas militares. Antes de serem divulgados, osartigos so lidos, analisados, comentados e traduzidos. Os editores efetuam umverdadeiro trabalho de adaptao da idia do artigo ao seu leitor, que muitas das

    vezes, se eles o desconhecem, sabem de qual catogoria social ele provm.O ndice das revistas citadas acima revela um grande nmero de artigosdedicados guerra psicolgica, guerra da Indochina e um nmero especial daRevuede Defense Nationalededicado unicamente ao estudo da guerra revolucionria.

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    Reunidos na categoria gnralits da Revue Militaire dInformationde 1957,pode-se observar 13 artigos tratando diretamente deste tema, 56 dos quaisdedicados a assuntos prximos ou similares, e cerca de quinze livros e revistas

    publicadas e distribudas em diferentes pases. A Revue de Dfense Nationale ea Revue Militaire dInformation so particularmente importantes, pois alm deserem distribudos ocialmente pela embaixada francesa, seus autores so tericosda guerra revolucionria e comandantes das escolas de Estado-Maior francesas.

    Desde de 1953, o coronel Jean Nemo, especialista na guerra psicolgica naIndochina, publicava alguns artigos dedicados guerra revolucionria e armapsicolgica. No ano seguinte, Charles Lacheroy publicou dois outros artigosrespectivamente na Revue de Dfense Nationalee na revista do Centre Militaire

    dInformation et de Spcialisation pour lOutre-Mer,enquanto o comandante JaquesHogard, tambm especialista em guerra revolucionria, publicava trs anos depoisum importante artigo de sntese sobre o assunto na mesma revista. Os volumesdifundidos pela embaixada francesa correspondem aos anos 1956 e 1957, perodode maior desenvolvimento terico e prtico da guerra revolucionria na Arglia.Alm desses artigos de revistas militares, encontramos citados nos ndices destasrevistas diversos livros puramente doutrinrios, como os que citamos a seguir:

    La guerre rvolutionnaire, pelo comandante Jacques Hogard, Revue de

    Dfense Nationale(Dezembro 1956, janeiro 1957); La rvolution en Algrie,por R. Schaefer, em France-Empire; Contre-Gurilla de P. Rolland, ediesLauvois; La Chine du nationalisme au Communisme, J-J Brieux, Edies duSeuil; Ltoile contre la croix, de R.P. Dufay, edies Casterman; La victoirede larme sur la gurilla communiste, por J. Denfreville, Revue de DfenseNationale (Outubro - novembro 1955); La guerre en Indochin, de GnralChassin,Revue de Dfense Nationale; Le vietminh et la guerre psychologique,por Yvonne Pagniez, edies Du vieux Colombier.

    A maior parte desses artigos cita ou se baseia nos escritos revolucionrioscomunistas, tais como O que fazer?de Lnin (1902),A revoluo bolcheviquedeTrotski: (1918), Problemas estratgicos da guerra revolucionria na China deMao Ts Tung (1936) e alguns escritos do general vietnamita V Nguyen Gip(1956). As sucessivas citaes e deformaes nesses textos tinham por objetivoarmar e legitimar o pensamento militar francs: na verdade parecem reproduziros ensinamentos daEcole Militaire Spciale de Saint-Cyre daEcole Suprieure deGuerrede Paris. O Exrcito francs adotava a guerra revolucionria como doutrinaocial, incorporando seus mtodos e suas tticas. Seus tericos designavam anova teoria com o nome do problema que desejavam combater: a revoluo. Ecomo combat-la ? a resposta, dada no editorial da revista por Charles Lacheroy o controle da populao e sobretudo da circulaao de informaes dentro dessa

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    populao. Para ele, parece claro que atividades policiais e militares se confundem.No podemos confundir policia e Exrcito, mas temos que convir que a doutrinafrancesa pregava antes de tudo a utilizao policial dos militares para manter sobre

    controle a populao.O combate entre o Ocidente e o mundo sovitico se repercute no coraodos Estados. A corrida armamentista, acelerada desde 1947, deixa de lado ospaises da Amrica Latina, j que no dispunham de uma capacidade de produoto elevada quanto a Europa, os Estados-Unidos e a Unio Sovitica. A guerrarevolucionria aparecia aos olhos de militares franceses e estadunidenses comoo principal meio de interveno sovitica em pases perifricos: ele permitia adifuso e propagao do doutrina comunista. E dentro desses paises perifricos,

    era preciso elaborar novas tticas para combater o desenvolvimento da revoluo.Inversamente Guerra Fria, a guerra revolucionria era a representao de umaguerra innitamente pequena. Esse tipo de guerra se manifestava dentro dasengrenagens polticas dos pases, ameaando-os do interior como um inimigointerno. Este tipo de ameaa era susceptvel de abalar pases da Amrica Latina,da sia e da frica, assimilando-os a um sistema internacional. O modelo militarfrancs desenvolvido durante a guerra da Indochina aplicado na Arglia eresponde a uma exigncia de preveno de conitos, baseada numa reexo sobre

    o papel poltico do Exrcito. No era de se estranhar, ento, que num contexto dearmao do Exrcito como principal fora de mobilizao do Estado, os militareslatino-americanos comprasses a interpretao francesa.

    Segundo Joo Roberto Martins, o Relatrio do Seminrio de GuerraModerna, de 1958, publicara as recomendaes dos Grupos de Estudos reunidosna Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito (ECEME), constitudos porociais instrutores da escola, no sentido de que se inclussem no currculo escolarassuntos relativos guerra insurrecional.32. Dois anos depois se iniciava, no

    prdio da Escola Superior de Guerra (ESG), um grupo de estudos especicocoordenado pelo coronel Carlos Luis Guedes sobre a guerra moderna. O sucesso docurso daria origem a outros trs, ministrados inicialmente por coronis. O impactoda doutrina francesa estimularia os principais comandantes das escolas militares acontinuar promovendo cursos de formao para tenentes-coronis e coronis.

    Como salientou Henri Lemond em sua entrevista com Odlio Dinis,ministro da Guerra de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a doutrina de guerrarevolucionria era a nica doutrina capaz de responder s necessidades militaresdo Brasil. Nesse mesmo ano, seria organizado um novo ciclo de estudos na ESG,em resposta a grande demanda por parte dos jovens ociais. Os seletos membrosdesse grupo de estudos avanados sobre a guerra no convencional eram ostenentes-coronis Ivanho de Oliveira, Ovdio Abrantes, Gabriel Borges Fortes

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    Evangelho, Rubem Rey, Joo Baptista Figueiredo e Fernando da Silva Abrantese o major Mrio Ramos de Alencar33. No mesmo ano, abria-se, dentro mesmociclo de estudos, o tpico Caracterizar a Guerra Revolucionria Comunista em

    relao s chamadas Guerra Fria, Guerra Psicolgica e a Guerra Insurrecional,ou subversiva. Participaram deste grupo de estudos os coronis Lindolfo FerrazFilho, Sylvio Couto Coelho da Frota e os tenentes coronis Joaquim Ferreira Alvese Walter Pires de Carvalho e Albuquerque, coordenados pelo general de divisoMilton Barbosa Guimares34. Os cursos da ESG tinham a particularidade de seremabertos tanto para civis quanto para militares, e foi esse um dos principais pontosque permitiu a armao da doutrina francesa. Escapando do ambiente unicamentemilitar, a doutrina foi adotada pelos civis que participavam dos diferentes grupos

    de estudos, entre eles, Olavo Bilac Pinto.Com o estreitamento das relaes entre o adido e certos ociais brasileiros,as relaes diplomticas entre o Brasil e a Frana tomariam outro rumo.Rapidamente, e observando as relaes franco-argentinas, os adidos franceses noBrasil se dariam conta que poderiam, atravs da doutrina, inuenciar os militaresbrasileiros na escolha de materiais blicos. O prximo passo seria seguir oexemplo norte-americano e relacionar empresas privadas no projeto de expansofrancesa na Amrica Latina. Abriu-se aos franceses o mercado militar, com todas

    suas carncias e necessidades. A ttica desenvolvida por Normand e aplicada porLemond encontraria um amplo sucesso, permitindo a inaugurao de uma novafase das relaes franco-brasileiras, em que o passado seria valorizado pelosrepresentantes diplomticos de cada pas.

    3.2. A recuperao do passado da FEB e da MMF

    Constatando a importncia da inuncia estadunidense, o adido francsarma que []a cada General que se aposenta um pouco da inuncia francesa

    que se perde35. Em grande parte de seus relatrios, so reportadas aos superioresas heranas da Misso Militar Francesa. Esta constitui uma referncia constantee uma origem. O tempo, representado aquilo pelo passado, tornava-se um dadosubstancial nas relaes internacionais. Estas no respondem, unicamente, a umalgica funcional ou construtiva, mas seguem uma certa dialtica entre o passadoe sua projeo no futuro. A memria militar sobre a MMF est constantementepresente nos relatrios dos adidos ao embaixador salientando a importncia dosetor militar na poltica estrangeira da Frana. O grupo de brasileiros freqentado

    pelos adidos, pelo menos at 1964, se compunha essencialmente de antigos alunosda MMF, de ociais que mantinham um forte vnculo espiritual com o Exrcitofrancs.

    A inovao dos adidos Normand e Lemond seria utilizar a doutrina para

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    armar os interesses franceses. Nos cerimoniais, nos eventos solenes e encontrosorganizados pela embaixada, a cooperao franco-brasileira estava sempre naordem do dia. a presena constante dessa referncia, nas descries exaustivas

    dos adidos militares em seus relatrios, que nos leva concluso de que o passadoe a doutrina eram os nicos campos para o dilogo franco-brasileiro.Para os ociais superiores brasileiros a MMF representava uma fonte de

    prestigio. Os representantes de uma linha mais antiga e venerada do Exrcitobrasileiro so antigos tenentes do Forte de Copacabana ou da Coluna Costa/Prestes, revolucionrios de 1930, ex-alunos da Misso Francesa e em sua maioriaveteranos da Segunda Guerra mundial. Sua inuncia sobre o ocialato brasileiroera essencial para obter-se um verdadeiro apoio dentro do Exrcito. As iniciativas

    francesas no sentido de restabelecer contatos eram limitadas pela presenaesmagadora dos Estados-Unidos, portanto todo contato era marcado por grandecautela. Os resultados parciais de uma tentativa de reaproximao mostram areestruturao de uma antiga rede de conhecimentos, cujo elemento comum aidenticao a um passado de cooperao entre a Frana e o Brasil.

    Em 1966, Jean Wartel, aprofunda a armao de Normand:

    Se os generais e ociais superiores conservaram a orientaointelectual e militar francesa e o uso de nossa lngua, muitos

    jovens ociais foram formados segundo as doutrinas e astcnicas americanas e praticam a lngua inglesa36.

    A observao dos currculos dos ociais citados acima revela que todospassaram por cursos militares nos Estados Unidos. Alm da presena norte-americana, um dos principais empecilhos para os adidos franceses era o idioma,pois o francs alm de j no ser mais obrigatrio nas escolas civis ou militares,era lngua pouco utilizada nas formaes no estrangeiro. A diculdade decomunicao com a maioria dos coronis interessados pela doutrina francesa

    conduzia a interpretaes equivocadas da situao brasileira. Foi necessrio ointeresse de militares brasileiros em adaptar a doutrina brasileira nova misso quese apresentava ao Exrcito para que houvesse uma aproximao com a Frana.

    Convidado a pronunciar, em 1966, a conferncia de abertura dos cursos daEscola Superior de Guerra francesa aos jovens ociais brasileiros selecionadospara o estgio de um ano, o general Malan lembrou o encontro da FEB com osociais franceses no nal da Segunda Guerra mundial. No mesmo ano, e emresposta a cortesia dos servios consulares franceses, o general Malan convidou

    e adido militar francs no Brasil, coronel Wartel, veterano da guerra da Arglia,a pronunciar uma conferncia sobre a amizade franco-brasileira no Clube Militar.Em seu rascunho para a conferncia, pode-se ler:

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    A Frana jamais esquecer a participao do Brasil na SegundaGuerra mundial. O envio da Fora Expedicionria Brasileira

    provou a solidaridade do Brasil e com a Frana. A DivisoBrasileira, sob as ordens do general Mascarenhas de Morais,

    terminou seu longo caminho atravs da Itlia encontrando-secom a 27 Diviso de Infantaria Alpina37.

    A partir desse momento inicia-se um verdadeiro dilogo entre alguns ociaise os adidos franceses. Dilogo diplomtico que cresceria conforme esse grupode ociais ascenderia em suas carreiras e tomaria as rdeas do poder dentro dasForas Armadas. Nos anos anteriores ao golpe houve intercmbios para a formaode tcnicos militares, e o adido militar assinalou em seu relatrio as primeirasdemandas ociais das polcias dos estados para receber auxilio e instruodos ociais franceses. Lallart constata que uma verdadeira cooperao esta seconstruindo. Dentro dos arquivos abriu-se, para o ano de 1963, uma nova caixadenominada cooperao franco-brasileira. Nelas, v-se que as reunies entre osadidos e ociais generais tornam-se mais freqentes. Em 1964, o presidente deGaulle foi recebido pelo general Castelo Branco, primeiro presidente do regimemilitar; trs anos mais tarde, Castelo Brao foi Frana, e em 1967, seu ministrodo Exrcito, general Artur da Costa e Silva.

    Nomeado embaixador brasileiro na Frana em 1970, o general Aurlio de

    Lyra Tavares daria um impulso considervel ao dilogo franco-brasileiro. Antigoaluno da MMF, veterano da FEB e membro da cpula de poder dos militares queorganizaram o golpe de 1964, Tavares promove amplamente a aproximao entreos dois xrcitos. Em 1972, no auge da represso imposta pelo regime militar,diversas visitas s instalaes militares foram, organizadas pela Escola Superiorde Guerra para que um seleto grupo de jovens ociais pudesse apreciar os avanosnas tcnicas militares francesas. Em contra-partida, no Brasil, um grupo de ociaisfranceses comea a freqentar as aulas do destacamento militar da Amaznia.

    Embora este captulo da historia militar brasileira seja pouco conhecido e mereaum estudo parte, convm nesse trabalho relembrar, sobretudo a atuao de LiraTavares na promoo do dilogo franco-brasileiro.

    Em julho de 1970, o presidente Georges Pompidou reproduziria parcialmenteo discurso do adido militar francs no Brasil ao receber o ministro Tavares naembaixada do Brasil em Paris.

    A Frana jamais haveria de esquecer que, durante a SegundaGuerra Mundial, as tropas brasileiras combateram pela causa

    da libertao da Frana. O Corpo Expedicionrio Brasileirosubstituiu, em 1944, na frente italiana, as foras francesas quedeveriam participar do desembarque em Provence.

    Assim, Senhor Embaixador, ns saudamos na sua pessoa o

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    representante de um pas ligado ao nosso por laos mltiplos,cujos recursos de todas as ordens, particularmente os humanos,lhe asseguram um grande futuro.38

    Sua primeira medida para receber o apoio do governo francs relembrara atuao de Charles de Gaulle durante a guerra e celebrar sua visita ao Brasilem maio de 1964. Em uma cerimnia ocial organizada na embaixada brasileiraem Paris, Lira Tavares pronunciou um discurso sobre a libertao da Frana e odesembarque das tropas brasileiras na Itlia.

    Segundo Alfredo Souto Malan de se assinalar que os alunos foram substituirseus mestres no Front italiano39. O tom do discurso do general brasileiro muitoprximo do adotado pelos adidos militares franceses. Aos poucos, no mais o fato

    de terem sido equipados pelo Estados Unidos que contava, mas o encontro coma diviso alpina do Exrcito francs. A monograa de Malan reproduz na ntegrao discurso da diplomacia militar francesa no Brasil, se tornando uma apologia daMMF e da doutrina francesa. O autor segue armando:

    Se fomos adaptados a uma doutrina de combate de modelonorte-americano, como tambm o foram nossos mestres nasegunda fase da Guerra, a ela, facilmente nos incorporamos

    pela base que possuamos e porque era muito mais fcilpassar de um sistema econmico de guerrear, usandoparcimoniosamente os meios, para outro de uma certa fartura,onde no se levava em conta o quatum satis40.

    A cultura militar francesa era transmitida e reproduzida por mecanismosprprios instituio militar, isto atravs de cerimnias e rituais militares. Noprprio Museu do Exercito situado no Forte de Copacabana possvel observarobjetos que celebram ou cultuam a Misso Militar Francesa como um mitofundador do Estado-Maior do Exrcito. O fato de esses elementos serem reunidosposteriormente pelos dirigentes polticos e militares brasileiros mostra que exisiuuma vontade real de valorizar a cultura militar francesa. A sua valorizao emlivros, artigos de revistas militares ou museus, permite a justicao e a legitimaode uma escolha preferencial pela Frana. A MMF representa um marco polticoe doutrinal dentro do Exrcito. A evocao permanente desse passado pelo altocomando do Exrcito modica a percepo do passado. Embora tenha sofridosrios ataques dos militares do Estado Novo, a MMF idealizada e no mais sevem os erros cometidos pela Frana e os privilgios concedidos Alemanha. Sresta a memria de uma cooperao frutuosa.

    Consideraes nais

    A relao militar entre a Frana e o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial

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    pode ser dividida em quatro partes, em funo dos ociais generais que ocupavamcargos de deciso dentro das Foras Armadas. Essa tendncia de aproximao comos Estados Unidos se manteve durante os governos de Eurico Dutra e Getlio

    Vargas (1951-1954). Durante a presidncia de Juscelino Kubitschek (1956-1961),a situao comeou a mudar, sobretudo por conta da atuao de Henrique TeixeiraDufes Lott e Odlio Denis, descendentes de franceses e suos, respectivamente. Aaproximao com a Frana tornou-se cada vez maior com a ascenso ao generalatode Castello Branco, Lira Tavares e Souto Malan. O golpe militar de 1964 abriuuma fase de aproximao intensa, sobretudo por parte das polcias militares deMinas Gerais e So Paulo, que comearam a enviar estagirios e receber auxiliaresfranceses para a instruo de seus ociais. Mas o clmax dessa relao, que torna-

    se cada vez mais tumultuosa, veio com ao gesto de Lira Tavares no Ministrio dasRelaes Exteriores.Aps o golpe militar de 1964, os adidos franceses reproduziram o discurso

    ocial do alto comando do Exrcito brasileiro. Diversos elementos observados emrelatrios e memorandos da Embaixada francesa, sediada no Rio de Janeiro at1972, nos levam a crer que as relaes franco-brasileiras eram valorizadas comouma forma de contrabalanar a presena e a inuncia estadunidense. Porm, difcil entrever nesses documentos elementos que armem uma cumplicidade

    francesa na ao repressiva do Exrcito brasileiro ou mesmo na constituio desua rede de relaes diplomticas.O Exrcito francs representa para o brasileiro antes de tudo, um modelo

    poltico-militar. Sua ao na Indochina e em seguida na Arglia, quandoteorizadas por seus principais ociais, corresponde a uma certa viso de mundo.O comportamento dos ociais franceses nesses campos de batalha constitui umconjunto de normas e regras comportamental. Nas escolas superiores militares,a releitura e re-interpretao de livros e artigos de chefes revolucionrios russos,

    chineses e vietnamitas permitem a elaborao de uma nova misso para o Exrcito.Essa bibliograa deixa uma grande margem de interpretao. Ela fornece elementospara a armao da funo poltica do Exrcito. A nova misso do Exrcito, qualsomam-se os anos passados sob inuencia positivista, de manter a ordem internae preservar a ptria de seus inimigos internos. A doutrina de guerra revolucionriafornece o fundamento e as bases para a constituio da doutrina militar brasileira,independentemente dos procedimentos e tcnicas difundidas pelo Exrcitoestadunidense.

    O dilogo franco-brasileiro surgiu como uma nova dinmica para as relaesinternacionais do Brasil, em que militares e civis, que compartilham em certomomento ideais similares, ocuparam cargos de alta importncia para a tomadade decises em poltica estrangeira. O passado das relaes franco-brasileiras foi

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    revisto e reescrito, dissimulando os fracassos franceses para valorizar a linearidadedessas relaes diplomticas. O discurso do ministro Tavares, em resposta ao dopresidente Pompidou, contribui para a legitimao da parceria militar entre a

    Frana e o Brasil, durante o momento em que a ditadura insataurada em 1964assumia sua face mais repressiva.

    NOTAS

    1 Service de Documentation Extrieure et de Contre-espionnage (SDECE).2 MOURA, G. Autonomia na dependncia: a poltica externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro:

    Nova Fronteira, 1980. p.42.3 DOMINGOS, M. A disputa pela misso que mudou o Exrcito , IN: Estudos de Histria. Franca. V.8, n 1, 2001. P. 197-217.4 DOISE, J. VASSE, M. Politique trangre de la France. Diplomatie et outil militaire (1871 1991). Paris:Edies do Seuil. 1992 (1987).5 BASTOS, J. de A. Misso militar francesa no Brasil. 2aedio. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito.1994 (1983).6 ANDRADA LUNA, C. M. Os jovens turcos na disputa pela implementao da misso militarestrangeira no Brasil . IN: Primeiro congresso da Associao Brasileira de Estudos de Defesa. UFSCar. SoCarlos So Paulo. 2007.7 Relatrio do ministrio da Guerra - 1924. Rio de Janeiro. Centre for Research Library, Brazilian DocumentDigitization Project, Ministerial Reports.A-II-21.8 MOTTA, J.A formao do oficial do Exrcito. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito Editora. 2001 (1976).P. 284.9 CASTRO, C. Inventando tradies no Exrcito brasileiro : Jos Pessoa e a reforma da Escola Militar ,IN : Estudos Histricos. Rio de Janeiro. Vol. 7. N. 14, 1994. P. 231-240.10 MALAN, A. S. (General).Misso Militar Francesa de instruo junto ao Exrcito Brasileiro. Rio de Janeiro:Biblioteca do Exrcito, 1988, p. 145.11 A partir da leitura de alguns documentos franceses e brasileiros referentes Misso Militar Francesa,

    tais como os relatrios dos chefes da Misso entre 1931 e 1936, ou seja, o tenente-coronel Baudouin eo general Hutzinger, depositados no Service Historique de la Dfense em Vincennes, nos permitem chegar

    esse nmero.12 MALAN, A. S.(General).Misso Militar Francesa de instruo junto ao Exrcito Brasileiro, Rio de Janeiro:Biblioteca do Exrcito, 1988, p. 145.13 Fiche dorientation sur le Brsil et la force publique de lEtat de So Paulo 1948. Paris. Service Historiquede la Dfense(SHD). 10T1108. P. 4. A traduo dos documentos do francs para o portugus foi feitapelo prprio autor.14 Nome dado aliana poltica entre o governo francs e o alemo aps a assinatura do armistcio de1941.15 Relatrio do Ano de 1942 Ministro das Relaes Exteriores. p. 2316 SVARTMAN, E. M. A Americanizao do Exrcito Brasileiro (1935-1964). Texto apresentado noencontro da Associao Brasileira de Cincia Poltica, realizada 26 de julho de 2006 em Belo Horizonte

    (MG).17 ROSOUX, V.-B.Les usages de la mmoire dans les relations internationales. Le recours au pass dansla politique trangre de la France lgard de lAllemagne et de lAlgrie, de 1962 nos jours.Bruxelas :Edies Bruylant, 2001.

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    18 Livraisons Monazite et Ilmnite. Carta do ministro das Relaes Exteriores francs ao embaixador daFrana no Brasil 7 de maio de 1946. Paris. SHD. 10T1110.19 Mais detalhes em: SVARTMAN, E. M. Guardies da Nao : Formao profissional, experinciascompartilhadas e engajamento poltico dos generais de 1964. Porto Alegre.Tese de Doutorado em Cincia

    Poltica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006. p. 177-178.20 Note confidentielle sur la production de minerai de Berylium au Brsil.SD. Paris. SHD. 10T1110.21 Rapports sur les minerais radioactifs dans le Minas Gerais 26 de outubro de 1946. Paris. SHD.10T1110.22 Outubro de 1946 a data de envio do documento pelo adido militar francs ao embaixador; em 17de novembro este envia seu parecer para o ministro das Relaes Exteriores francs; em 12 de janeiro de1947 ele recebe a resposta da Comisso para Questes Atmicas.23 Rapports sur les minerais radioactifs dans le Minas Gerais 26 de outubro de 1946. Paris. SHD.10T1110.24Aide militaire des Etats-Unis au Brsil. Relatrio de informe Agosto de 1966. P. 3. SHD. 10T1109.25 Propositions concernant la mobilisation du poste dattach militaire franais au Brsil 1948. P. 19. Paris.SHD. 10T1112.26Rle des forces armes franaises dans leffort de propagande et dexpansion actuellement appliqu sur leBrsil Janeiro de 1958. P. 10. AMAE. SrieAmrique1945-1958: sub srie Brsil.27 Activit de lAttach Militaire, Naval et de lAir en 1960. Relatrio anual, tenente-coronel HenriLemond. Janeiro de 1960. P. 2. SHD: 10T1112.28 Idem. P. 2. SHD: 10T1112.29 Le Brsil et la dfense de lAtlantique Sud. General Andr Normand. 1958. SHD : 10 T 1108.30 Mais detalhes em: PRIS, Gabriel. Un modle dchange doctrinal franco-argentin : le Plan Conintes1951-1966 . IN : FREGOSI, R. (Dir.). Armes et pouvoirs en Amrique Latine. Paris : Edies do Institutdes Hautes Etudes sur lAmrique Latine. 2004.

    31 Rle des forces armes franaises dans leffort de propagande et dexpansion actuellement appliqu sur leBrsil Janeiro de 1958. P. 8. AMAE. SrieAmrique1945-1958: sub srie Brsil.32 MARTINS, J.-R. A educao dos golpistas: cultura militar, influncia francesa e golpe de 1964. IN: Con-gresso The cultures of dictatorship. University of Maryland. EUA - outubro de 200433 Escola Superior de Guerra. Curso de Estado Maior e Comando das Foras Armadas. Terceiro Simpsio- 1960. Rio de Janeiro. Biblioteca da ESG.34 Escola Superior de Guerra. Curso de Estado Maior e Comnado das Foras Armadas. Abril de 1960.Rio de Janeiro: Biblioteca da ESG.35Rle des forces armes franaises dans leffort de propagande et dexpansion actuellement appliqu sur leBrsil Janeiro de 1958. P. 8. AMAE. SrieAmrique1945-1958: sub srie Brsil.36Aide militaire des Etats-Unis au Brsil. Relatrio de informe Agosto de 1966. P. 3. SHD. 10T1109.37Coopration franco-brsilienne.Relatrio anual Novembro de 1963. P. 1. AMAE, SrieAmrique1958-1976: sub srie Brsil.38 Trecho extrado de: TAVARES, A. de L. Brasil-Frana. Ao longo de cinco sculos.Rio de Janeiro: Bibliotecado Exrcito. 1976 (1973). P. 285-286.39 MALAN, A. S. (General).Misso Militar Francesa... Op. cit. p. 202.40 Idem, p. 203.