aquisição de linguagem

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7 .. AQUISIÇAO DA LINGUAGEM Ester Mirian Scarpa 1. AAQUISiÇÃO DA LINGUAGEM: BREVíSSIMO HISTÓRICO E ABRANGÊNCIA A linguagem da criança sempre provocou especulações diversas entre lei- gos ou estudiosos do assunto. Seja essa linguagem a manifestação imperfeita de um ser incompleto, seja a expressão primitiva da palavra de Deus, o fato é que relatos mais ou menos esparsos, porém constantes, têm sido registrados ao lon- go dos séculos e chegaram até nós. Tais relatos dizem respeito às primeiras palavras emitidas pelas crianças, ou a que condições a criança deveria ser ex- posta para aprender a falar. Heródoto, por exemplo, narra que, no século VII a.c., o rei Psamético do Egito ordenou que duas crianças fossem confinadas desde o nascimento até a idade de dois anos, sem convívio com outros seres humanos, a fim de se observarem as manifestações "lingüísticas" produzidas em contexto de privação interativa. Sua hipótese era que, se uma criança fosse criada sem exposição à fala humana, a primeira palavra que emitisse espontaneamente per- tenceria à língua mais antiga do mundo. Ao cabo de dois anos de total isolamen- to, as crianças emitiram uma seqüência fónica interpretada como "bekos", pala- vra frígia para "pão". Concluiu, então, que a língua que o povo frígio falava era mais antiga que a dos egípcios 1. 1. Para maiores detalhes, ver Campbell & Grieve (J 982).

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Page 1: Aquisição de linguagem

7..

AQUISIÇAO DA LINGUAGEM

Ester Mirian Scarpa

1. AAQUISiÇÃO DA LINGUAGEM: BREVíSSIMO HISTÓRICO EABRANGÊNCIA

A linguagem da criança sempre provocou especulações diversas entre lei­gos ou estudiosos do assunto. Seja essa linguagem a manifestação imperfeita deum ser incompleto, seja a expressão primitiva da palavra de Deus, o fato é querelatos mais ou menos esparsos, porém constantes, têm sido registrados ao lon­go dos séculos e chegaram até nós. Tais relatos dizem respeito às primeiraspalavras emitidas pelas crianças, ou a que condições a criança deveria ser ex­posta para aprender a falar. Heródoto, por exemplo, narra que, no século VII a.c.,o rei Psamético do Egito ordenou que duas crianças fossem confinadas desde onascimento até a idade de dois anos, sem convívio com outros seres humanos, afim de se observarem as manifestações "lingüísticas" produzidas em contextode privação interativa. Sua hipótese era que, se uma criança fosse criada semexposição à fala humana, a primeira palavra que emitisse espontaneamente per­tenceria à língua mais antiga do mundo. Ao cabo de dois anos de total isolamen­to, as crianças emitiram uma seqüência fónica interpretada como "bekos", pala­vra frígia para "pão". Concluiu, então, que a língua que o povo frígio falava eramais antiga que a dos egípcios1.

1. Para maiores detalhes, ver Campbell & Grieve (J 982).

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204 INTRODUÇÃO À lINGÜiSTICA AQUISiÇÃO DA LINGUAGEM 205

Estudos sistemáticos sobre o que a criança aprende e como adquire alinguagem, porém, foram feitos, como tais, apenas mais recentemente. Desdeo século XIX, alguns lingüistas, guiados tanto por interesse paterno quantoprofissional, elaboraram diários da fala espontânea de seus filhos. Algumasdas amostras mais abrangentes da fala infantil foram registradas nas primeirasdécadas deste século pelos chamados "diaristas", que eram lingüistas oufilólogos estudando seus próprios filhos. Os mais interessantes deles são umestudo do francês por Antoine Grégoire, um sobre a aquisição bilíngüe ale­mão-inglês de Werner Leopold (1939), além do trabalho de Lewis (1936),sobre a descrição de uma criança aprendendo o inglês. São trabalhos descriti­vos e mais ou menos intuitivos, que, ao contrário das pesquisas aquisicionaisdas últimas décadas, não se voltam à procura, nos dados da criança, de evi­dência em prol de alguma teoria lingüística ou psicológica, embora se insiramnas teorias lingüísticas e psicológicas da época (como o de Lewis, com ten­dência behaviorista).

Esses trabalhos são do tipo longitudinal, uma das metodologias de pesqui­sa com dados de desenvolvimento hoje já bem estabelecidos, iniciada exata­mente pelos diaristas. Trata-se do estudo que acompanha o desenvolvimento dalinguagem de uma criança ao longo do tempo. As anotações, em forma de diá­rio, do que a criança diz, em situação naturalística (isto é, em ambiente natural,em atividades cotidianas), foram posteriormente substituídas por registras emfitas magnéticas, em áudio ou vídeo. Assim, grava-se a fala de uma criança porum período de tempo preestabelecido (por exemplo: meia hora, 40 minutos, 1hora etc.), em intervalos regulares (sessões semanais, quinzenas, mensais etc.),dependendo do tema a ser pesquisado. Esse material é posteriomente transcritoda maneira mais apropriada para a pesquisa em pauta (transcrição fonética,prosódica, cursiva, codificada segundo orientações sintáticas, semânticas etc.).A suposição é que, registrando-se uma quantidade razoável da fala da criançade cada vez, pode-se ter uma amostra bastante representativa para se estudarcomo o conhecimento da língua pela criança é adquirido e/ou como muda notempo. A partir da metade dos anos 1980, bancos de dados da fala de váriascrianças do mundo todo têm sido formados, seguindo codificaçõesinformatizadas2

• Uma outra metodologia de pesquisa em aquisição da lingua­gem, a de tipo transversal, baseia-se no registro de um número relativamentegrande de sujeitos, muitas vezes classificados por faixas etárias. Embora nãoexclusivamente, a pesquisa de tipo transversal geralmente também é do tipo

2. Um exemplo de uma dessas transcrições, codificadas segundo o CHAT, código de transcrição doprograma CHILDES de banco de dados, pode ser encontrado no site http://poppy.cmu.edulchildes.

experimental (por oposição a naturalístico), em que os fatores e as variáveisintervenientes no fato analisado são isolados e controlados e depois testados.

Dados naturalísticos destinam-se sobretudo à análise da produção; os ex­perimentais prestam-se mais à observação e análise da percepção, compreensãoe processamento da linguagem pela criança. De qualquer maneira, deve-se sem­pre ter cuidado com a visão ingênua de que os dados aquisicionais "falam". Ametodologia adotada e a própria seleção dos dados dependem da postura teóricaque norteia a pesquisa.

A Aquisição da Linguagem é, pelas suas indagações, uma área híbrida,heterogênea ou multidisciplinar. No meio do caminho entre teorias lingüísticase psicológicas, tem sido tributária das indagações advindas da Psicologia (doComportamento, do Desenvolvimento, Cognitiva, entre outras tendências) e daLingüística. No entanto, na contramão, as questões suscitadas pela Aquisiçãoda Linguagem, bem como os problemas metodológicos e teóricos colocadospelos próprios dados aquisicionais, têm, não raro, levado tanto a Psicologia(sobretudo a Cognitiva) como a própria Lingüística a se repensarem e a se reno­varem. Por isso é que se diz que a Aquisição da Linguagem tem sido uma arenaprivilegiada de discussão teórica tanto da Lingüística quanto da PsicologiaCognitiva3• Hoje em dia, a Aquisição da Linguagem alimenta os tópicosrecobertos pela Psicolingüística,4 além de ser de interesse central nas ciênciascognitivas e mesmo nas teorias lingüísticas, sobretudo nas de inspiraçãogerativista, como veremos mais detidamente adiante. A área recobre muitassubáreas, cada uma formando um campo próprio de estudos. Eis algumas delas:

a) aquisição da língua materna, tanto normal quanto "com desvios",recobrindo os componentes "tradicionais" dos estudos da linguagem,como fonologia, semântica e pragmática, sintaxe e morfologia, aspec­tos comunicativos, interativos e discursivos5 da aquisição da línguamaterna. Sob a égide de "desvios", contam-se: aquisição da linguagemem surdos, desvios articulatórios, retardos mentais e específicos da lin­guagem etc.;

3. Mais apropriadamente, a ciência cognitiva, uma grande área multidisciplinar que congrega interes­ses da Lingüística, da Psicologia, da Filosofia, da Ciência da Computação, da Inteligência Artificial, dasNeurociências, entre outros, tem tomado o lugar da Psicologia Cognitiva e da própria Psicolingüísticacomo um grande campo de indagação sobre a aquisição de conhecimento e sobre o funcionamento damente, campo este que reserva um espaço especial para questões da linguagem e sua aquisição.

4. Ver o capítulo "Psicolingüística", neste volume.5. Ver os capítulos "Fonologia", "Morfologia" e "Sintaxe" no volume I desta obra, e os capítulos

"Semântica", "Pragmática", "Análise da Conversação" e "Análise do Discurso", neste volume.

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b) aquisição de segunda língua, quer como bilingüismo infantil ou cultu­ral, quer na verificação dos processos pelos quais se dá a aquisição desegunda língua entre adultos e crianças, seja em situação formal esco­lár, seja informal de imersão lingüística;

c) aquisição da escrita, letramento, processos de alfabetização, relaçãoentre a fala e a escrita, entre o sujeito e a escrita nesse processo etc.

2. TEMAS EABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE AAQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

2.1. O velho debate pendular sobre nature (natureza) versus nurture(criação, ambiente). O inato e o adquirido. O biológico e o social

Os estudos sobre processos e mecanismos de aquisição da linguagem to­maram um grande impulso a partir dos trabalhos do lingüista Noam Chomsky,no fim da década de 1950, em reação ao behaviorismo vigente na época. Oquadro científico era na época dominado pela corrente behaviorista ouambientalista, dominante exatamente nas teorias de aprendizagem. A aprendi­zagem da linguagem seria fator de exposição ao meio e decorrente de mecanis­mos comportamentais como reforço, estímulo e resposta. Aprender a línguamaterna não seria diferente, em essência, da aquisição de outras habilidades ecomportamentos, como andar de bicicleta, dançar etc., já que se trata, ao longodo tempo, do acúmulo de comportamentos verbais. Skinner (1957), psicólogocujo trabalho foi o mais influente no behaviorismo, parte de pressupostos tantometodológicos (como ênfase na observabilidade de manifestações comportamen­tais, externas, mensuráveis, da aprendizagem) quanto teórico-epistemológicos(como a premissa da inacessibilidade à mente para se estudar o conhecimento,postura contrária à mentalista e idealista nas ciências humanas) e propõe, então,enquadrar a linguagem (ou "comportamento verbal") na sucessão e contingên­cia de mecanismos de estímulo-resposta-reforço, que explicam o condiciona­mento e que estão na base da estrutura do comportamento.

Chomsky adota uma postura inatista na consideração do processo por meiodo qual o ser humano adquire a linguagem. A linguagem, específica da espécie,dotação genética e não um conjunto de comportamentos verbais, seria adquiri­da como resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente.Tomou-se famosa esta polêmica criada pela publicação, em 19596, da devasta-

6. É sempre interessante voltar a esses trabalhos pioneiros. Recomendo um passar de olhos em Skinner(1957) e em Chomsky (1959), sendo que este último contribuiu para lançar Chomsky no debate científico

dora resenha, de autoria do então jovem Chomsky, do livro Comportamentoverbal, de Skinner. Nela, o lingüista posiciona-se contra a visão ambientalistade aprendizagem da linguagem. Chomsky começa por rejeitar a projeção dasevidências skinnerianas, provenientes de experimentos laboratoriais com ani­mais, para a linguagem humana, específica da espécie, resultado de dotaçãogenética e inscrita na mente do sujeito falante. E continua argumentando que asestruturas de condicionamento e de aprendizagem, segundo as quais um modeloA é reproduzido, pelo aprendiz, por mecanismos de contingenciamento ou imi­tação, como A', nem de longe começa a explicar a complexidade e a sofistica­ção do conhecimento lingüístico (na primeira versão da teoria chamado de com­petência lingüística) que tem bases biológicas (porque genéticas) e, portanto,universais. Os enunciados produzidos pelo falante e as próprias línguas do mundosão manifestações da faculdade da linguagem. Assim, a criança que aprende asua língua nativa é uma imagem a que Chomsky retoma repetidamente, desdeseus primeiros escritos, de maneira que se toma difícil discriminar sua teoria dalinguagem de sua visão da aquisição da linguagem.

O argumento básico de Chomsky é: num tempo bastante curto (mais oumenos dos 18 aos 24 meses), a criança, que é exposta normalmente a uma falaprecária, fragmentada, cheia de frases truncadas ou incompletas, é capaz dedominar um conjunto complexo de regras ou princípios básicos que constituema gramática intemalizada do falante. Esse argumento, constantemente reafirma­do, é chamado de "pobreza do estímulo". Um mecanismo ou dispositivo inatode aquisição da linguagem (em inglês, LAD, language acquisition device), queelabora hipóteses lingüísticas sobre dados lingüísticos primários (isto é, a lín­gua a que a criança está exposta), gera uma gramática específica, que é a gramá­tica da língua nativa da criança, de maneira relativamente fácil e com um certograu de instantaneidade. Isto é, esse mecanismo inato faz "desabrochar" o que"já está lá", através da projeção, nos dados do ambiente, de um conhecimentolingüístico prévio, sintático por natureza.

No bojo de modificações e reajustes que a teoria gerativa sofreu num se­gundo momento?, introduzindo a chamada Teoria de Princípios e Parâmetros,o argumento da "pobreza do estímulo" foi retomado e refraseado com uma ati­tude francamente platonista ante a linguagem. A "pobreza do estímulo", um dos

de sua época. Esses trabalhos também contribuem para uma melhor compreensão dos fundamentosepistemológicos da polêmica behaviorismo VS. inatismo, parte da velha polêmica secular empirismo vs.racionalismo.

7. Ver Chomsky (1981), (1986). Para uma abordagem mais recente, ver Chomsky (1995), onde oaparato descritivo da gramática se encontra modificado, mas não a visão sobre o inatismo.

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mais importantes argumentos em prol do inatismo, vincula-se à metáfora doproblema de Platão, ao qual, segundo o lingüista, filiam-se as questões centraisrelativas à linguagem. O problema de Platão coloca-se da seguinte maneira:como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passagei­ras, enganosas e fragmentárias?

Transferindo para a linguagem, essa questão quer dizer que o conheci­mento da língua é muito maior que sua manifestação. Assim, a linguagem estávinculada a mecanismos inatos da espécie humana e comuns aos membros dessaespécie, daí a idéia de universais lingüísticos. Esta visão, que coloca a lingua­gem num domínio cognitivo e biológico, admite que o ser humano vem equipa­do, no estágio inicial, com uma Gramática Universal (GU), dotada de princípiosuniversais pertencentes à faculdade da linguagem, e de parâmetros "fixadospela experiência", isto é, parâmetros não-marcados que adquirem seu valor(+ ou -) por meio do contacto com a língua materna. Essa teoria de aquisiçãotem sido chamada de "princípios e parâmetros" ou "paramétrica"8. Alguns dosparâmetros que têm sido estudados são: se a língua opta por sujeito nulo ou porsujeito preenchido, por objeto nulo ou objeto preenchido, pela colocação dosclíticos, pelo tipo de flexão ou estrutura temática do verbo etc.

A separação estrita entre conhecimento e uso é decorrência direta dapostulação de conhecimento tácito, prévio, biológico, de cunho lingüístico, in­dependente dos fatores ambientais, culturais, psicológicos ou histórico-sociaisdeterminantes da aquisição da língua materna. Oposto ao "problema de Platão"está o "problema de OrwelllFreud", apropriado, segundo o lingüista, para ques­tões sociais, históricas e políticas, ou para os desdobramentos sócio-histórico­psicanalítico-ideológicos do uso da linguagem, que fogem à alçada da teorialingüística. Este "problema de OrwelllFreud" parafraseia-se assim: como podeo ser humano saber tão pouco diante de evidências tão ricas e numerosas?

Em suma, no processo de aquisição da linguagem, a criança é exposta aum input (conjunto de sentenças ouvidas no contexto), sendo o output um siste­ma de regras para a linguagem do adulto, a gramática de uma determinada lín-

8. Ver, a respeito da fixação de parâmetros e sobre os conceitos e interpretações da aquisiçãoparamétrica, Radford (1990), Lightfoot (1991), Galves (1996) e Meisel (1997), entre outros. Há hoje trêstendências na chamada "aquisição paramétrica", como se convencionou chamar os trabalhos sobre aquisi­ção da linguagem de inspiração gerativista: (i) a hipótese da competência total (Hyams, 1986): todos osprincípios da Gramática Universal estão disponíveis para a criança desde o começo e é suficiente umaexposição mínima aos dados lingüísticos primários para a fixação de parâmetros; (ii) a hipótese da apren­dizagem lexical (Clahsen, 1992) todos os princípios da Gramática Universal estâo disponíveis, mas a apren­dizagem de novos itens lexicais e morfológicos e seus traços guia o desenvolvimento sintático; (iii) ahipótese maturacional (Radford, 1990): alguns princípios da Gramática Universal precisam maturar antesque as categorias funcionais sejam adquiridas.

gua 1. Numa primeira versão da teoria, postulava-se a existência de uma sériede regras gramaticais, mais um procedimento de avaliação e descoberta, pre­sentes no Dispositivo de Aquisição da Linguagem (LAD); ao confrontá-las como input, a criança escolhe as regras que supostamente fariam parte de sua língua(Chomsky, 1957, 1965). Num segundo momento, postula-se que a criança nas­ce pré-programada com princípios (universais) e um conjunto de parâmetrosque deverão ser fixados ou marcados de acordo com os dados da língua à qual acriança está exposta. A criança não escolhe mais as regras, nesta versão de prin­cípios e parâmetros, mas valores paramétricos.

A que tipo de dados ou a que quantidade de dados lingüísticos a criançadeve ser exposta? Trabalhos recentes (Lightfoot, 1991) afirmam que a criança pre­cisa ser exposta a uma quantidade relativamente pequena de linguagem, mera­mente a algum gatilho crucial, como pequenas cláusulas simples, a fim de des­cobrir que caminho sua língua materna tomou. Uma vez descoberto tal cami­nho, elajá sabe, automaticamente, por meio de pré-programação, um bom tantosobre como funcionam as línguas daquele tipo. A aprendizibilidade é, assim,uma questão teórica central da teoria paramétrica de aquisição da linguagem.Como é a linguagem aprendível, sé se pode só contar com as migalhas de falaouvidas pelas crianças, que não fornecem pistas suficientes para o estado finalda língua a ser aprendida? Este é também chamado de "problema lógico daaquisição da linguagem": como, logicamente, as crianças adquirem uma línguase não têm informação suficiente para a tarefa? A resposta lógica é que trazemuma enorme quantidade de informações a que Chomsky chama de GramáticaUniversal (GU), que é "uma caracterização destes princípios inatos, biologica­mente determinados, que constitutem o componente da mente humana - a fa­culdade da linguagem"9.

Deve ainda ser lembrado que, de acordo com os princípios chomskianos,as diferenças entre as línguas do mundo não são assim tão grandes do ponto devista sintático, gramatical, o que ajuda a explicar o universalismo (Chomsky,1993).

Uma outra decorrência do inatismo lingüístico é a modularidade cognitivada aquisição da linguagem: o mecanismo de aquisição da linguagem é específi­co dela, não exibindo interface óbvia com outros componentes cognitivos oucomportamentais. A relação entre a língua e outros sistemas cognitivos, como apercepção, a memória e a inteligência, é indireta, e a aquisição da linguagem _ou o desencadeamento da Gramática Universal junto com a fixação de parâmetros

9. Chomsky, N. Knowledge ai language: ils nature, origin and use. Londres, Praeger, I986, p. 24.

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_ não depende, necessariamente, de outros módulos cognitivos, muito menos

de interação social.As colocações inatistas de Chomsky suscitaram uma série de estudos, a

partir dos anos 1960, que se concentraram sobretudo na c~~~adafase si~~ática,onde a prioridade de análise pendeu para o estudo da aqmslçao da gramatIca dacriança por volta do seu segundo ano de vida, quando a criança já ~~meça aproduzir enunciados de mais de uma palavra. Tais trabalhos foram cntIcados econtra-evidenciados por duas vertentes teóricas que, junto com os trabalh~s

gerativistas, têm norteado os estudos na área. São elas: o cognitivismo construtI­vista e o interacionismo social, que veremos a seguir.

2.2. O cognitivismo construtivista: Piaget, Vygotsky

A idéia de que a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são .deri­vados do desenvolvimento do raciocínio na criança contesta a autonomIa dochamado mecanismo de aquisição da linguagem ou da OU como domínio es­pecífico de conhecimento lingüístico. Em outras palavras, a aquisição da lin­guagem depende do desenvolvimento da inteligência na crianç~. A abord~­gem chamada de cognitivismo construtivista ou epigenético lO fOI desenvolvI­da com base nos estudos do epistemólogo suíço Jean Piaget, segundo o qual oaparecimento da linguagem se dá na superação ~o estágio se~~ório-motor,p~r

volta dos 18 meses. Neste estágio de desenvolvImento cogmtIvo, numa espe­cie de "revolução coperniciana", usando as palavras do próprio Pia~et ~1979),dá-se o desenvolvimento da função simbólica, por meio da qual um sIgmficante(ou um sinal) pode representar um objeto significado, além do desenvolvi­mento da representação, pela qual a experiência pode ser armazenada e recu­perada. Essas duas funções estão estreitamente ligadas a outros três Frocessosque ocorrem concomitantemente e que colaboram para a superaçao do quePiaget chama de "egocentrismo radical", presente no ~e~íodo se~sório-motor,

segundo o qual existe "uma indiferenciação entre SUjeIto e obJeto ao ponto"d - "11 Eque o primeiro não se conhece nem mesmo como lonte e suas açoes ...m

outras palavras, o autor fala aqui da indiferenciação cognitiva entre ~ SUjeItoe o mundo ou pessoas que o cercam. Estes três processos são os relacIOnados

a seguir:

la. Estas duas denominações evocam a proposta de explicação da origem e do desenvolvimento dasestruturas do conhecimento (cognitivas) pela interação entre ambiente e organismo.

I J. Piaget, J. A epistemologia genética. São Paulo, Abril, 1979, p. 1J. (Série Os Pensadores)

a) o da descentralização das ações em relação ao corpo próprio, isto é, entresujeito e objeto (ou entre "eu" e "o outro" ou "eu" e "o mundo"); osujeito começa a se conhecer como fonte ou senhor de seus movimentos;

b) o da coordenação gradual das ações: "em lugar de continuar cada umaa formar um pequeno todo em si mesmo", 12 elas passam a se coordenarpara constituir uma conexão entre meios e fins;

c) o da permanência do objeto, segundo o qual o objeto permanece o mes­mo e igual a si próprio mesmo quando não está presente no espaçoperceptual da criança.

Por meio de (a), (b) e (c), é possível o uso efetivo do símbolo, da representa­ção de um sinal por outro, de exercer o princípio de arbitrariedade do símbolo. Acriança passa, por exemplo, a ser capaz de usar uma caixa de fósforo para "fazerde conta" (representar) que é um caminhãozinho. Assim também, para a crinaça,um objeto, se deslocado do seu campo perceptual, continua existindo (isto é, oobjeto toma-se permanente). Com a linguagem, o jogo simbólico, a imagem men­tal, as sucessivas coordenações entre as ações e entre estas e o sujeito, surge apossibilidade de internalizar e conceptualizar as ações: "... com mais capacidadede se deslocar de A para B, o sujeito adquire o poder de representar a si mesmoesse movimento AB e de evocar pelo pensamento outros deslocamentos"13.

Quando essas conquistas cognitivas se unem, na superação da inteligênciasensória e motora, a caminho da inteligência pré-operatória de fases posterio­res, surge a possibilidade de a criança adotar os símbolos públicos da comuni­dade mais ampla em lugar de seus significantes pessoais: em outras palavras, alinguagem se toma possível (já que a linguagem é entendida, por Piaget, comoum sistema simbólico de representações), assim como outros aspectos da -fun­ção simbólica geral, como é o desenhar.

Em contraposição ao modelo inatista, a aquisição é vista como resultadoda interação entre o ambiente e o organismo, através de assimilações e acomo­dações, responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência em geral, e não comoresultado do desencadear de um módulo - ou um órgão - específico para alinguagem. Daí se diz que a visão de Piaget sobre a linguagem é não­modularista '4. Assim também, a visão behaviorista é rechaçada, com a crença

12. Ibidem, p. 8.13. Ibidem, p. 11.

14. A epigênese (aquisição e desenvolvimento da linguagem) tem sido retomada, nos anos 1990. porabordagens conexionistas, como a de Plunkett & Sinha (1991) e Plunkett (1993) (1997), que se contra­põem ao inatismo. Plunkett & Sinha (1991) afirmam que o fato de o conceito de desenvolvimento ter sido

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de que as crianças não esperam passivamente que o conhecimento de qualquerespécie lhes seja transmitido. As pesquisas de inspiração piagetiana floresce­ram nas décadas de 1970 e 8015

• As críticas ao modelo piagetiano, que criaram

virtualmente excluído da teorização psicológica sobre o estudo da mente trouxe como resultado o domínioda dicotomia não-dialética, não-interativa, empirismo vs. nativismo. Segundo os autores, o cognitivismoinatista apresenta duas desvantagens:

a) asserções fortes e negativas sobre o desenvolvimento, pela contraposição entre uma estruturainatamente especificada de um estado inicial e uma estrutura computacionalmente não-decidíveldo estímulo ("pobreza do estímulo"). A esta visão opõe-se o conceito clássico de epigênese, quepretende exatamente explicar o desenvolvimento através da interação entre organismo e meio;

b) as versões mais modernas do cognitivismo inatista, pelo fato de serem anti-desenvolvimentais,recusam a "interdisciplinaridade" e tendem ao "modularismo"; no caso da aquisição da lingua­gem, o modelo gerativista-cognitivista prevê o papel nuclear da sintaxe sobre os demais compo­nentes lingüísticos.

Os modelos conexionistas de aprendizagem são baseados em modelagens matemáticas baseadas emsistemas de redes neurais e em programas de simulação de aprendizagem que levam em conta a exposiçãoaos dados, treino e generalização do conhecimento. Como entendem que a linguagem é desencadeada pordiversas "entradas", tais modelos conexionistas computam todo e qualquer tipo de estímulo, lingüístico ounão, como fatores de aprendizagem. Uma das características do modelo é que pode gerar tanto dados"corretos", compatíveis com o alvo da aprendizagem, como alvos "incorretos", dando conta, assim, dagradiência e dos erros constantes que aparecem na fala da criança durante o processo de aquisição e desen­volvimento da linguagem.

15. Eis um exemplo de um estudo dentro da chamada vertente da hipótese do mapeamento lingüístico,segundo o qual a linguagem se desenvolve em decorrência de etapas vencidas do desenvolvimento deestruturas de inteligência da criança. A seguir, faço um resumo de Sinclair-Zwart (1973).

Investigando a natureza das estruturas sintáticas responsáveis pela ordem SVO, a autora fez um expe­rimento com crianças de dois anos e seis meses a sete anos, em que as crianças teriam de representar, compequenos bonecos, o que entendiam de frases com verbos transitivos e intransitivos que lhes eram apresen­tadas com o verbo sempre pronunciado no infinitivo. As frases eram do tipo:

• cheveux couper papa (cabelo cortar papai)• garçon fille pousser (menino menina empurrar)• ours pleurer sauter ( urso chorar pular) etc.Principais resultados: (i) os itens intransitivos foram os mais fáceis, sobretudo para as crianças mais

novas; não há diferença de estratégias entre as crianças mais novas e mais velhas com relação aos intransitivos;(ii) as soluções dadas para as séries com verbos transitivos variam de idade para idade: no Grupo I (doisanos e dez meses a quatro anos), há duas estratégias: la. o verbo "empurrar" é entendido como atividade: acriança não se vê como agente, mas demonstra apenas a ação de empurrar os dois bonecos, o do menino e o damenina, sobre a mesa; 2a. a própria criança realiza a ação de empurrar: "eu empurro eles", isto é, uma açãoem que a criança mesma toma parte, em vez de supor que outros (animais ou objetos) realizem a ação. Estasestratégias desaparecem nos grupos mais velhos, mas uma outra estratégia transicional aparece nos grupos2 e 3 (idade intermediária): VNN, algo como "empurrar menino-menina" ou como NV (intransitivo). Fi­nalmente, esses dois padrões se combinam para formar a trilogia SVO nas crianças mais velhas (grupo de4 a 7 anos de idade). A interpretação da autora sobre o aparecimento dessas estruturas é a seguinte. Primei­ro a criança expressa um (possível) esquema de ação relacionado consigo própria, no qual agente, ação eeventual paciente são uma coisa só. Depois, ela expressa ou o resultado de uma ação feita por alguém (VO),ou uma ação que ela própria realiza ou vai realizar (SV). A estrutura posterior e mais madura, SVO, éresultado de coordenações de esquemas de ação, da representação de uma atividade mais complexa e dadescentração do sujeito, etapas totalmente vencidas quando estes tipos de "acerto" ocorrem [as maiúsculassignificam: S = sujeito; V = verbo; O = objeto; N = nome (substantivo)].

força també~ neste período, baseiam-se na interpretação de que Piaget avalioum~l e subestImou o papel do social e das outras pessoas no desenvolvimento dacnança e ~ue um modelo interativo social se fazia necessário para explicar odes~nvolvlmen~o nos primeiros dois anos, modelo esse que desse conta de comoa cnança e seu mterlocutor exploram os fenômenos físicos e sociais.

Aí é que surgiram nas elaborações teóricas ocidentais, as propostas deV~g~tsky par~,~elhor dar conta do alcance social da aquisição da linguagem.P~lcologo SovletIco, morreu prematuramente em 1934, mas o grosso de sua obraso começou a ser amplamente traduzido para o francês e para o inglês a partirdos anos 19?0. Sua grande influência nos estudos de aquisição da linguagemcomeça efetIvamente nos anos 1970, no bojo dos questionamentos ao inatismochom~kiano e como uma alternativa ao cognitivismo construtivista piagetiano.De ?nentação construtivista como Piaget, explica, porém, o desenvolvimentoda hnguagem (e do pensamento) como tendo origens sociais externas nas tro­cas comunicativas entre a criança e o adulto. Tais estruturas ~onstruíd~s social­mente, "~xternamente", ~ofreriam, com o tempo (mais ou menos por volta de 2anos de Idade), um movimento de interiorização e de representação mental doque antes era social e externalizado.

.vygotsky (1984).parte do princípio de que os estudiosos separam o estudoda onge~ e desenvolVImento da fala do estudo da origem do pensamento práti­co na cnança. Em outras palavras, o estudo do uso dos instrumentos tem sidoisola~~ do uso dos signos. Vygotsky propõe, ao contrário, que fala e pensamen­to pratIco devem ser estudados sob um mesmo prisma e atribui à atividade sim­b?lica, viabilizada. pela fala, uma função organizadora do pensamento: com aajuda da fala, a cna~ça começa a controlar o ambiente e o próprio comporta­~ento..0 poderoso mstrumento da linguagem é trazido pelo que chama demte:nahzação da ação e do diálogo. Vygotsky entende o processo de internali­zaçao com~ uma reconstrução interna de uma operação externa, mas, diferente­mente de ~Iaget, para a intemalização de uma operação deve concorrer a ativi­dade medIada pelo outro, já que o sucesso da internalização vai depender dareaçã~ de_outras p;ssoas. Assim é que, entre criança e ação com o mundo, existea medlaçao atraves do outro. São as seguintes as transformações que ocorremno processo de internalização: 16

a) uma operação que, inicialmente, representa uma atividade externa ére~~nstruí~a e :?meça a ocorrer internamente, daí a importância daatlvldade slmbohca através do uso de signos;

16. Ver Vygotsky, L. Tlzought and language. Cambridge, Harvard University Press, 1984. p. 64.

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b) um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal:as funções no desenvolvimento da criança aparecem primeiro no nívelsocial e, depois, no individual. Em outras palavras, primeiro entre pes­soas (de maneira interpsicológica) e, depois, no interior da criança(intrapsicológica). Assim, segundo Vygotsky, todas as funções superio­res (memória lógica, formação de conceitos, entre outras) originam-sedas relações reais entre as pessoas;

c) a transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoalé resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desen­volvimento, isto é, a história das relações reais entre as pessoas sãoconstitutivas dos processos de internalização.

Segundo o autor, a internalização das atividades socialmente enraizadas ehistoricamente desenvolvidas é a principal característica da psicologia humana.

Os trabalhos de inspiração vygotskiana entendem a aquisição da lingua­gem como um processo pelo qual a criança se firma como sujeito da linguagem(e não como aprendiz passivo) e pelo qual constrói ao mesmo tempo seu conhe­cimento do mundo, passando pelo outro. Esses trabalho~ têm sido consideradosparte do chamado "interacionismo social", que não se esgota nos trabalhosvygotskianos, como veremos a seguir.

2.3. O interacionismo sociap7

Numa visão que se distancia em graus variados tanto do cognitivismopiagetiano quanto do inatismo chomskiano, está o interacionismo dito "social".Segundo esta postura, passam a ser levados em conta fatores sociais, comunica­tivos e culturais para a aquisição da linguagem. Assim, a interação social e atroca comunicativa entre a criança e seus interlocutores são vistas como pré­requisito básico no desenvolvimento lingüístico. Segundo essa abordagem, ri­tuais comunicativos pré-verbais preparam e precedem a construção da lingua-

17. o leitor deve ter, a esta altura, percebido a ambigüidade que o termo "interacionismo" tem dentroda área de aquisição da linguagem. Numa perspectiva piagetiana (o chamado "interacionismo piagetiano")tem a ver com a interação entre ambiente e meio para explicar a gênese e o desenvolvimento das estruturasda inteligência e, indiretamente, da linguagem. Dentro de uma perspectiva funcional ou comunicativa,"interacionismo", como veremos, faz apelo à interação dialógica, comunicativa, como pré-requisito daaquisição da linguagem. Já o sociointeracionismo - como também veremos - tem-se referido à construçãoconjunta e inseparável da linguagem e da dialogia. Facetas mais recentes do interacionismo (Lemos, 1992)o vêem como relação entre o sujeito e a língua.

gem pela criança. As características da fala do adulto (ou das crianças maisvelhas) são estudadas e consideradas fundamentais para o desenvolvimento dalinguagem na criança. Alguns estudos demonstram como esquemas de ação eatenção partilhadas pela criança e pelo adulto interlocutor-básico precedem ca­tegorias lingüísticas.

A fala a que a criança está exposta (input) é vista como importante fator deaprendizagem da linguagem. A este respeito, uma das questões que se tem colo­cado é se o bebê será atingido por toda e qualquer amostra lingüística ou mani­festações lingüísticas ao seu redor ou se as amostras que irão ter influência naaquisição têm um caráter seletivo. Embora essa questão não tenha ainda tidouma resposta definitiva, as pesquisas têm apontado para a segunda alternativa: acriança é afetada pela fala dirigida a ela.

A afirmação inicial de Chomsky sobre o input degradado, composto defrases truncadas e agramaticais, foi desafiada por pesquisas subseqüentes, abun­dantes nos anos 1970 e 80, que examinaram dados naturalísticos da fala adultadirigida à criança (Snow, 1978, Bullowa, 1979). Tais estudos apontam, issosim, para modificações que a fala adulta sofre quando dirigida à criança, emcontraposição à dirigida ao adulto e a crianças mais velhas, além de caracterís­ticas específicas de comunicação entre adultos e bebês que nada tinham de"agramatical" propriamente, como a hipótese de "pobreza do estímulo" sugere.Vejamos algumas das características mais reportadas na literatura sobre tais"modificações" que a fala dirigida à criança sofre, em comparação com a faladirigida a crianças mais velhas e a adultos. Trata-se de modificações fonológicas,morfológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas:

a) entonação "exagerada", reduplicações de sílabas ("au-au", "papai","dodói"), velocidade de fala reduzida, qualidades de voz diferencia­das, tendendo para o "falsetto";

b) frases mais curtas e menos complexas; expansões sintáticas a partir deuma palavra dita pela criança ou "tradução" de gesto feito por ela;

c) referência espacial e temporal voltada para o momento da enunciação;

d) palavras de conteúdo lexical mais corriqueiro, mais familiares e fre­qüentes na rotina cotidiana da criança;

e) paráfrases, repetições ou retomadas das emissões da criança.

Desde o nascimento, o bebê é mergulhado num universo significativo porseus interlocutores básicos, que atribuem significado e intenção às suas emis­sões vocais, gestos, direção do olhar. Até mesmo os diversos tipos de choro são"interpretados", "significados" e "classificados" pelo adulto interlocutor. O bebê

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é, assim, visto como potencial parceiro comunicativo do adulto, que empreendeuma "sintonia fina" com as manifestações potencialmente comunicativas e sig­nificativas da criança, qualquer que seja seu conteúdo expressivo (gesto, voz,balbucios, palavras ou frases). Há um ajuste mútuo nas conversações entre adultoe criança, de maneira que as vocalizações infantis não caem num vácuo comu­nicativo. Segundo Ochs & Schieffelin, os adultos "respondem às ações de be­bês muito pequenos como se fossem intencionalmente direcionadas a eles" e"esta prática de tratar o bebê como um autor corresponde a tratar o bebê comoum destinatário, pois os dois papéis combinados instituem o bebê como umparceiro conversacional"18.

Essas características foram encontradas numa variedade bastante grandede comunidades culturais e lingüísticas, de tal modo que a conclusão imediata éque são características universais. A suposta universalidade da fala modificadaadulta dirigida à criança desencadeou reações opostas. Citarei duas delas.

A primeira recrudesce o inatismo. Relaciona-se com a retomada, nos anos90, de interpretações que nos anos 1970/80 tinham caráter cultural-comunicati­vo, mas, desta vez, com roupagem inatista. Assim é que propostas recentes têmvisto a universalidade de modulações de voz da chamada entonação "afetiva"(negação, conforto, privação, atenção) como manifestações de comportamentospré-adaptativos da criança, numa visão declaradamente neodarwinista. Segun­do esta visão, a criança vem pré-programada, devido a processos de seleçãonatural, a reagir às curvas entonacionais próprias de situações de conforto, des­conforto, privação etc. Tais modulações propiciariam a saliência prosódica deconstituintes gramaticais que seriam, assim, desencadeados (Fernald, 1993).

A segunda reação desafia a visão universalista do tipo de interação adulto­bebê e explora diferenças culturais de interação e de transmissão cultural. Tra­balhos de campo realizados com comunidades outras que não a branca, classemédia, ocidental, mostram diferentes características na interação adulto-bebêque as até então reportadas na literatura. Os trabalhos mais famosos nesta dire­ção são com os maias do grupo quiché da Guatemala (Pye, 1992), com os kaluli,povo de Papua-Nova Guiné (Schieffelin, 1990), e com os samoanos da SamoaOcidental, na Polinésia (Ochs, 1988). Nessas comunidades, a interação verbalentre crianças e adultos é mínima, isto porque a criança não tem o papel dedestinatário até que consiga pronunciar palavras reconhecíveis pela língua. As

18. Ochs, E. & Schieffelin, B. O impacto da socialização da linguagem no desenvolvimento gramati­caI. ln: Fletcher, P. & Macwhinney, B. Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre, Artes Médicas,1997, p. 75.

vocalizações do bebê são ignoradas pelos adultos e não há intenção atribuída aelas. Segundo Ochs & Schieffelin (1997), os kaluli adultos ficaram surpresoscom o fato de os pais americanos (presentes na comunidade) utilizarem babytalk (fala infantilizada) para as crianças pequenas e se espantaram com o fato deas crianças americanas conseguirem aprender adequadamente uma língua sen­do expostas a amostras "deturpadas" de fala segundo a visão de sua cultura.

Dentro ainda de uma postura oposta ao universalismo da fala dirigida àcriança, a proposta neodarwinista, exposta anteriormente, também tem sido ques­tionada Cavalcante (1999), replicando os experimentos de Femald em duas díadesbrasileiras, também contesta a universalidade de marcas vocais interacionais echega à conclusão de que nem as situações de "afetividade" são sempre assimtão marcadas como a que Femald encontrou em seus sujeitos interagindo comos respectivos adultos, nem as modulações de altura, consideradas fonetica­mente recortadas e universais por Fernald, dos sujeitos brasileiros analisadosseguem o mesmo padrão de contorno entonacional mostrado pela autora ameri­cana. Cavalcante chega igualmente à conclusão de que traços culturais ediscursivos da interação adulto-criança contribuem para marcar lingüisticamenteas interações entre mãe e bebê.

A meio caminho entre propostas cognitivistas construtivistas (desenvolvi­mento da inteligência - e da linguagem - pela interação entre organismo eambiente) e interacionistas sociais, Bruner (1975) pode nos fornecer um exem­plo sobre como a aquisição do sistema de transitividade pode decorrer da cons­trução e internalização de estruturas lingüísticas a partir da interação do bebêcom o outro e com o mundo físico.

A partir dos 6 meses de idade, a criança e o adulto engajam-se em jogos(empilhar blocos, esconder o rosto atrás de um obstáculo e depois mostrar aface etc.) que patenteiam instâncias de atenção partilhada e ação conjunta. Taisesquemas interacionais formam o espaço da partilha com o outro, no qual acriança vai desenvolver determinadas funções, quer lingüísticas, quer comuni­cativas, primeiro em nível gestual e depois em nível verbal. Assim, pode-setraçar uma trajetória entre a ação conjunta adulto-bebê e o estabelecimento depapéis no discurso e no diálogo (pessoas gramaticais) mais ou menos da seguin­te maneira: nos jogos referidos, o adulto instaura a brincadeira enquanto a cri­ança observa (esconder o rosto, por exemplo). Assim, o adulto toma o papel do"agente" ou tomador do turno ("eu"), ao passo que a criança funciona como"paciente" e interlocutor ("tu"). Numa etapa posterior, a criança vai reverter ospapéis: tomar a iniciativa de começar o jogo ou a etapa do jogo, isto é, tomar opapel do "falante", enquanto o adulto será o espectador, o "interlocutor". Esses

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esquemas gestuais, de início, serão lingüísticos quando a criança tiver meiosexpressivos para exprimir as funções. Essas funções primárias têm, além disso,um papel na determinação das funções gramaticais de agente/ação/paciente,responsáveis, segundo modelos funcionalistas de gramática,19 pelos sistemas detransitividade nas línguas. Nos jogos descritos, a criança aprende uma espéciede embrião, na ação e interação, em fases pré-verbais, do que mais tarde emer­girá como marcação lingüística. É primeiro "paciente" ou "objeto da ação" pra­ticada pelo adulto, que é, neste momento, "agente" da ação instaurada por elepróprio. Numa etapa posterior, a estrutura se reverte, com a partilha de papéis:a criança aprende a ser "agente" da ação conjunta, isto é, da qual participam elae o adulto interlocutor básico.

A atenção partilhada, por sua vez, desenvolverá conceitos como tópico/comentário, uma das maneiras de expressar sujeito/predicado. O adulto, numafase pré-verbal, focaliza um ponto de atenção qualquer, espera que a criançaacompanhe seu foco de atenção e comenta sobre ele. Isto é, a criança participade esquemas em que se focaliza ou topicaliza para depois se comentar oupredicar. Já noções de ação completa ou realizada vs. ação não-completada,que serão responsáveis pelas marcações de tempo e de aspecto nas línguas,seriam igualmente instauradas em esquemas interativos. Os pontos salientes deum evento são sempre marcados lingüisticamente (pelo adulto) ou vocal ougestualmente (tanto pelo adulto como pela criança). O que é gesto ou balbucioda criança numa situação de troca comunicativa será verbal em etapas posterio­res, por meio, neste caso, de flexão verbal de tempo e uso de partículas tempo­rais ou aspectuais20

• Um exemplo corriqueiro é "cai/caiu", que, tanto na fala doadulto, quanto na da criança observando ações ou eventos ou realizando ações,indica ação incompleta (ou em progresso)/ ação completada ou presente vs.futuro. As expressões "cai"/"caiu", quando instauradas, são "coladas" à açãotanto realizada pela criança quanto pel,p interlocutor e posteriormente se inte­gram ao sistema temporal e aspectual do verbo na língua-alvo.

Uma das vertentes do interacionismo social é a que se convencionou cha­mar de "sociointeracionismo". Propostas sociointeracionistas21 afirmam que alinguagem é atividade constitutiva do conhecimento do mundo pela criança. A lin­guagem é o espaço em que a criança se constrói como sujeito; o conhecimentodo mundo e do outro é, na linguagem, segmentado e incorporado. Linguagem e

19. Ver o capítulo "Sintaxe", no volume I desta obra.20. Urna crítica pertinente a esta visão, corno a outros tipos de interacionismo, pode ser encontrada

em Lemos (1992), que frisa a falta de explicação sobre a origem do que é Iingüístico propriamente.21. Ver, por exemplo, Lemos (1982) eScarpa (1987).

conhecimento do mundo estão intimamente relacionados e os dois passam pelamediação do outro, do interlocutor. Os objetos do mundo físico, os papéis nodiálogo e as próprias categorias lingüísticas não existem a priori (isto é, nãoestão a priori segmentados, conhecidos ou interpretados), mas se instauramatravés da interação dialógica entre a criança e seu interlocutor básico. Estainteração vai proporcionar, ao mesmo tempo, a criação da criança e do própriointerlocutor como sujeitos do diálogo, a segmentação da ação e dos objetos domundo físico sobre os quais a criança vai operar, e a própria construção dalinguagem, que por si é um objeto sobre o qual a criança também vai operar.Essa proposta não se centraliza sobre o produto lingüístico (o que a criança, deum lado, e a mãe, de outro e separadamente, dizem), mas no processo comumaos dois interlocutores. Segundo Lemos (1982), o objeto de estudo que se tomaé a linguagem enquanto atividade do sujeito. Neste caso, enfrenta-se a indeter­minação, a mudança e a heterogeneidade deste objeto. Os processos dialógicossão revalorizados. Há três processos básicos no diálogo: especularidade (identi­ficação entre os sinais dos dois interlocutores), complementaridade (incorpora­ção de parte ou de todo o enunciado, ou gesto, do interlocutor e complementaçãocriativa) e reversibilidade de papéis (assumir o papel do outro e instituir o outrocomo interlocutor).

2.3.1. Facetas atuais do sociointeracionismo

Dando continuidade às suas indagações sobre como, através da interaçãocom o adulto, a criança chegaria à língua, Lemos (1992, 1995, 1998, 1999)22deu uma direção alternativa ao sociointeracionismo presente nos seus escritosaté os anos 1980, preferindo, atualmente, chamar sua postura simplesmente de"interacionista". Inspirada em leituras de Saussure e do psicanalista Lacan, es­tuda as relações do sujeito com a língua e questiona as noções de desenvolvi­mento e conhecimento lingüístico que têm sido a base das teorias psicolingüís­ticas, psicológicas e lingüísticas. Posiciona-se contra a noção de conhecimentoprópria do "sujeito psicológico", que está presente nas noções de desenvolvi­mento, e de sujeito onisciente, e contra a noção de representação mental, que éa fonte e o alvo da aquisição do conhecimento lingüístico. Assim, recusa-se aver a aquisição da linguagem como a aquisição ou construção de conhecimento

22. A exigUidade de espaço me impede de dar urna idéia mais completa e fiel das colocações atuais deC:láu~ia Lemos. Remeto o leitor às referências indicadas para evitar um reducionismo perigoso da propostaplOnetra da autora.

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da língua, concepção consagrada pela expressão "desenvolvimento lin~üístico".

A autora não mais assume que, num determinado momento, o conhecimento dalíngua permite à criança passar de interpretado a intérprete, ?a incorporação dafala do outro à assunção da própria fala, tomando-se, aSSim, um falante empleno controle de sua atividade lingüística. AFresença.de ~agm:ntos da.fala dooutro na fala da criança, além de autocorreçoes e hesItaçoes, nao autonza, se­gundo a autora, que se fale em "conhecim~n:o p.len~ ~a língua" nem. ~e umestágio estável final. Passa, então, de uma vlsao dmcromca para uma vI~ao es:trutural. Em vez de "construção" e "desenvolvimento", entende que a cnança ecolocada numa estrutura em que comparece o outro, como instância repres~n~a­

tiva da língua, a própria língua em seu funcionamento e a criança ~omo s~JeIt~

falante. Essa estrutura é a mesma em que se move o adulto, dai que nao hapropriamente "desenvolvimento", nem "c~nstrução". 0. q~e identi~ca as mu­danças no processo de aquisição são as dlferent~s. posIçoes ~a cnança nestaestrutura ou melhor, as diferentes relações do sUjeito com a hngua, em que opólo do~inante da estrutura pode ser o outro, a língua ou o próprio sujeito.°leitor é agora convidado a examinar uma ilustração da polêmica inat~ VS.

adquirido ou natureza vs. ambiente: a questão popular e recorrente do penodocrítico de aquisição da língua materna e de segunda língua (L2). Vamos a ela.

3. AQUESTÃO DO "PERíODO CRíTICO"

Todos sabemos como é difícil (tentar) dominar uma segunda língua emidade adulta ainda mais em situação formal, escolar. Por mais brilhante e esfor­çado que sej~ o aprendiz, mesmo que a proficiência final seja bastante. sat.isfatória,tanto em termos gramaticais quanto lexicais, e suficiente para atmgIr plenosobjetivos de comunicação numa segunda língua, sempre ficam: ~a fala do apre~­

diz, certas construções gramaticais mal-ajambradas, erros fOSSIhz~dos, ou, maIScertamente, um sotaque "estranho" aos ouvidos dos falantes nativos. SegundoPinker (1994), o sucesso total em aprender uma segunda língua em idade adul­ta, ainda mais em situação de sala de aula, existe, mas é raro e depende de "purotalento".

Lenneberg (1967) buscou bases biológicas para argumentar em favor do"período crítico" para a aquisição da linguagem. Eis suas palavras:

Entre dois e três anos de idade, a linguagem emerge através da interação entrematuração e aprendizado pré-programado. Entre os três anos de idade e a adoles­cência, a possibilidade de aquisição primária da linguagem continua a ser boa; o

indivíduo parece ser mais sensível a estímulos durante este período e preservaruma certa flexibilidade inata para a organização de funções cerebrais para levar acabo a complexa integração de subprocessos necessários à adequada elaboraçãoda fala e da linguagem. Depois da puberdade, a capacidade de auto-organização eajuste às demandas psicológicas do comportamento verbal declinam rapidamen­te. O cérebro comporta-se como se tivesse se fixado daquela maneira e as habili­dades primárias e básicas não adquiridas até então geralmente permanecem defi­cientes até o fim da vida23 •

Pinker (1994) afirma que a aquisição de uma linguagem normal é garanti­da até a idade de 6 anos, é comprometida entre 6 até pouco depois da puberdade,e é rara daí para a frente. Este autor chega a especular que o período crítico seexplica por mudanças maturacionais no cérebro, tais como o declínio da taxa demetabolismo e do número de neurônios durante a idade escolar e da diminuiçãodo metabolismo e do número de sinapses cerebrais na adolescência.

No entanto, nem mesmo essas justificativas biológicas têm sido explica­ções finais e convincentes para o fenômeno do "período crítico" de aquisição.Aitchinson (1989) aponta para a insuficiência explicativa dos argumentos arro­lados em favor desta hipótese. Pelo menos quatro deles têm sido citados:

a) casos de estudos de indivíduos que foram isolados de qualquer conví-vio social ou troca lingüística e adquiriram a linguagem tardiamente;

b) o desenvolvimento da fala de crianças com síndrome de Down;

c) a suposta sincronia do período crítico com a lateralização hemisférica;

d) dificuldades de aquisição de segunda língua depois da adolescência.

Vejamos mais detalhadamente cada um deles.

Em relação às crianças isoladas lingüística e socialmente, os casos maisconhecidos, reportados neste século, são de Isabelle, Genie e Chelsea. Isabelleera a filha ilegítima de uma mulher surda e cérebro-lesada com a qual passava amaior parte do tempo, ambas enclausuradas num quarto escuro, na casa de seuavô, no interior do Estado de Ohio. Quando mãe e filha escaparam da prisãodomiciliar nos anos 1930, Isabelle tinha 6 anos e meio e não falava; apenasemitia sons guturais. Mas, uma vez resgatada para o convívio social, seu pro­gresso na aquisição da linguagem foi fantástico: em dois anos e meio, sua lin­guagem mal se distinguia da de crianças da mesma idade que tiveram condiçõesnormais de desenvolvimento. Ela dizia, por exemplo: "What did Miss Mason

23. Lenneberg, E. Biologicalfoundations of language. New York, Wiley, 1967, p.158.

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say when you told her I cleaned my classroom?" (O que a senhorita Mason dissequando você lhe contou que eu limpei minha sala de aula?) Genie, entretanto,não teve a mesma sorte. Descoberta em 1970, com quase 14 anos, tinha vividotoda sua vida em condições sub-humanas. Confinada a um cubículo desde aidade de 20 meses e agredida fisicamente pelo pai quando emitisse qualquersom, não falava nada. Apesar de, depois de resgatada, ter aprendido a falar demodo rudimentar, progredia mais lentamente do que uma criança normal. Eisum exemplo do que ela conseguia dizer, depois de anos de aprendizado: "Mikepaint" (Mike pintar); "Applesauce buy store" (Molho de maçã comprar loja);"Neal come happy. Neal not come sad" (Neal vir contente. Neal não vir triste).Genie demonstrava, porém, grande habilidade em memorizar vocabulário. Noentanto, memorizar listas de itens lexicais não é evidência de saber falar umalíngua. O caso mais recente foi o de Chelsea, deficiente auditiva, que fora incor­retamente diagnosticada como mentalmente retardada e por isso criada numacidade remota do norte da Califórnia. Aos 31 anos de idade, ela foi encaminha­da para um neurologista, cuja primeira providência foi instalar um aparelho deaudição, que fez melhorar muito sua capacidade auditiva. Foi só então queChelsea começou a aprender sua língua materna, sob tratamento intensivo comuma equipe especializada. Ela tem um vocabulário razoável, lê, escreve, comu­nica-se e trabalha. Sua linguagem, porém, ficou "agramatical". Eis alguns exem­plos: "The small a the hat" (O pequeno um o chapéu); "Banana the eat" (Bananaa come). Aitchinson (1989) ressalta que tais casos, além de isolados, devem sertomados com cautela quanto a representarem evidência cabal em prol da exis­tência de um período crítico de aquisição da linguagem. É possível, lembra oautor, que a extrema privação física, comunicativa e emocional de Genie tenhapropiciado um certo retardo mental: seu hemisfério esquerdo é levementeatrofiado. Genie e Chelsea têm, portanto, problemas não-lingüísticos que po­dem explicar, pelo menos parcialmente, sua linguagem rudimentar.

Em relação ao segundo argumento, é corrente na literatura a afirmação deque as crianças portadoras de síndrome de Downe de Williams seguem as mes­mas trilhas na aquisição e desenvolvimento da linguagem que crianças não­portadoras desta deficiência, mas muito mais lentamente24 • O consenso, até poucotempo atrás, era de que estas pessoas nunca conseguem alcançar a criança nor­mal porque sua capacidade aquisicional diminui bastante depois da puberdade.Mais recentemente, esta explicação tem sido constestada pelo fato de que hágrandes diferenças individuais no desenvolvimento lingüístico de portadores dasíndrome de Down (Camargo & Scarpa, 1996), de tal maneira que há desde

24. Ver Camargo & Scarpa, 1996, para detalhes e discussão.

crianças que param num estágio estável de aquisição bem antes da puberdadeaté jovens que continuam seu processo. de aprendizagem tanto de diferentesmodalidades discursivas, como o desenvolvimento de processos bem criativose autônomos de escrita.

Já em relação ao terceiro ponto, até pouco tempo atrás, achava-se que oprocesso de lateralização cerebral ocorria aproximadamente dos 2 aos 14 anosde idade - período este estipulado como coincidente com o "período crítico"de aquisição da linguagem. Pesquisas neurolingüísticas mais recentes, porém,mostram, de um lado, que a lateralização começa na criança já a partir de algunsmeses de vida. Assim, como não há evidências, em relação a este fenômeno, deum súbito começo do período crítico por volta dos dois anos, também não háevidências cabais de um súbito cessamento deste mesmo fenômeno depois daadolescência. Por outro lado, há cada vez mais evidências que contestam a es­pecialização hemisférica compartimentada da linguagem25•

Por último, um argumento contencioso tem sido a contraposição entre obilingüismo infantil, o bilingüismo sucessivo na infância ou adolescência e aaquisição de segunda língua na idade adulta. De acordo com interpretaçõesinatistas, o que pode explicar a dificuldade do último em contraposição à facili­dade e naturalidade dos dois primeiros seria o acesso - ou a falta dele - àGramática Universal por parte do aprendiz. Essa discussão tem servido de labo­ratório para teorias de aquisição. Apesar de haver discordâncias mesmo entre osadeptos da teoria gerativa, uma interpretação mais ou menos comum é que, nosdois primeiros casos, a GU está disponível e dela desenvolvem-se duas ou maislínguas. Já a disponibilidade à Gramática Universal não é tão óbvia em casos deaquisição de segunda língua por adultos. Segundo Meisel (1993), a aquisição desegunda língua depois da adolescência não é mais função de Gramática Univer­sal, mas é um processo cognitivo, de aprendizagem de habilidades. Daí se expli­cam as fossilizações e julgamentos limitados de gramaticalidade.

No entanto, explicações não-gerativistas desafiam esta explicação. A difi­culdade de aquisição de segunda língua depois da adolescência tem sido revistae relativizada. Argumentos interacionistas são levantados com relação às dife­renças entre a aquisição da língua materna ou estrangeira na infância e depoisda adolescência. Contemplam diferentes fatores interativos e socioculturais deaquisição nas duas situações; o que explicaria a extrema diferença individualtanto no processo de aquisição de L2 em idade adulta, quanto no alvo a seratingido: o grau de domínio do alvo pretendido é muito variado. Fatores

25. Ver o capítulo "Neurolingüística", neste volume.

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interativos também contemplam as modificações e ajustes da fala simplificada,dirigida ao falante não-nativo da língua. Este tipo de fala <j0reigner talk). é. i~ual~mente muito variado e de modo algum semelhante aos ajustes da fala dlflg1da acriança. Mais recentemente, as diferentes relações do sujeito com a língua naaquisição da língua materna e na aquisição de segunda língua ou língua estran­geira também têm sido invocadas como explicação para os casos em questão.

4. ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Antes de qualquer coisa, é preciso que se diga que o conceito de estágio édinâmico e não estático, como aponta Perroni (1994). A autora afirma que asucessão de estágios não se dá linearmente, e, para descrevê-la, a "metáfOJ:a daespiral (é) mais apropriada (...) que a dos degraus de uma longa escada"26. E umconceito intrinsecamente ligado ao de desenvolvimento; assim, os estágios "nãosão pedaços justapostos uns após os outros, mas cada um se enraiza no outro,precedente, e se prolonga no seguinte"27.

Dito isso, o que segue é uma breve exposição sobre os estágios de desen­volvimento lingüístico por que passa a criança pré-escolar.

Segundo Bates & Goodman (1997), a trajetória do desenvolvimento dalinguagem parece ser, com algumas especificidades, universal e contínua. Ascrianças começam com balbucio, primeiro com vogais (cerca de 3 a 4 meses,em média), depois com combinações de vogais e consoantes de complexidadecrescente (geralmente entre 6 e 12 meses). As primeiras palavras emergem en­tre 10 e 12 meses, em média, embora a compreensão de palavras possa começaralgumas semanas antes. Depois disso, as crianças passam várias semanas oumeses produzindo enunciados de uma palavra. No começo, a taxa de crescimen­to de seu vocabulário é reduzida, mas há um súbito acréscimo nela mais oumenos entre 16 e 20 meses. As primeiras combinações de palavras geralmenteaparecem entre 18 e 20 meses e, no começo, tendem a ser telegráficas. Lá pelos24 a 30 meses, há outra espécie de explosão vocabular e aos 3 ou 3 anos e meio,a maioria das crianças normais dominou as estruturas sintáticas e morfológicas

de suas línguas maternas.O quadro anterior seria perfeito se não fosse tão polêmico e tão cheio de

contra-exemplos, como as próprias autoras alertam. Para efeito deste texto, po-

26. Perroni, M.C. Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 10.

27. Ibidem, p. 10.

rém, vou limitar-me a apontar alguns aspectos do desenvolvimento da lingua­gem na criança, sobretudo baseada nUlI) prisma sociointeracionista, que podeacrescentar pelo menos certas nuances no quadro delineado.

Desde que nasce, a criança já é inserida num mundo simbólico, em que afala do outro a interpreta e lhe imprime significado. Por outro lado, segundoalguns trabalhos, com alguns dias de vida, a criança tem uma reação positivaaos sons da fala, que lhe são confortadores e gratificantes. A partir de algumassemanas de vida, a criança já consegue discriminar a fala de outros sons, rítmi­cos ou não. Com 3, 4 meses de idade, os bebês começam a balbuciar seqüênciasde sons que se aproximam da fala humana. A freqüência do balbucio aumenta eeste começa a ser cada vez mais padronizado até cerca de 10 meses. O ritmo, aentonação, a intensidade, a duração da fala, que no início são assistemáticos,começam a ser recorrentes e estruturados. As sílabas começam a se estruturar(discriminação entre C e V) e se repetem (reduplicação).

Aparentemente, os sons que a criança balbucia no começo são universais:os sons do balbucio inicial não são específicos de sua língua materna. As crian­ças surdas conseguem balbuciar nesta fase, embora, depois disso, não acompa­nhem o desenvolvimento normal da criança ouvinte. Conforme o balbucio sepadroniza, antes do aparecimento das primeiras palavras, a seqüência e o acer­vo de sons passam a se assemelhar mais às características fonéticas da línguamaterna. Os elementos prosódicos, como ritmo e entonação, são bastante sali­entes tanto na fala da criança quanto na percepção que a criança tem da fala doadulto. São recursos expressivos muito importantes, na falta de recursos iéxico­gramaticais do adulto. Vários trabalhos mostram o ajuste mútuo entre adulto ecriança nesta fase e o papel fundamental que esses elementos prosódicos aírepresentam.

Alguns trabalhos apontam para os processos dialógicos que se instauramjá nesta fase. A contribuição da criança é gestual e vocal; a do adulto, gestual elingüística, através da ação e atenção partilhadas. Os estudiosos adeptos destavisão afirmam que o adulto interpreta primeiro os gestos da criança, depois suasmanifestações vocais, inclusive imprimindo-lhes intenção. Dessa maneira, a falada criança se enquadra numa interpretação dada pela fala do adulto através deseus gestos e sons vocais e o próprio adulto se vê "interpretado" pela criança.

Um rápido lançar de olhos aos dados de uma interação verbal entre adultoe criança nesta fase mostra os processos de especularidade e complementaridadeque perpassam as emissões de ambos os interlocutores. Exemplo:

(1) A criança estende a mão para um brinquedo e vocaliza algo; a mãe imediata­mente interpreta o gesto e a voz da criança e responde com algo como: O au-au!

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(nomeando)... É o au-au que você quer? (enquadrando o turno da criança emalgum significado ou numa cadeia de signos lingüísticos).

Isto é, a mãe parafraseia a suposta intenção da criança, por um processo deespecularidade e complementa a paráfrase, expandindo seu ~nunciado. ~o ~im

do período do balbucio, começam a aparecer na fala da crIança as prImeIraSpalavras reconhecíveis como tais pelo adulto. Para algumas ~rianças, o ~albucio

cessa quando as primeiras palavras aparecem, mas outras crIanças contmuam aproduzir seqüências balbuciadas junto com as palavras.

A produção das primeiras palavras e frases (incorporadas como um blocodo discurso do interlocutor básico) mostra indeterminação semiótica (o mesmosignificado pode ser veiculado por um número bastante grande e variado desinais), fonética (a variação fonética do sinal é grande) e categorial (o mesmosignificado pode ser expresso por uma boa variedade do que, na Iíngua.a~ulta,

pertenceria a categorias diversas). O que também se observa, na transIçao deenunciados de uma ou mais palavras, é a não-segmentabilidade de seqüênciasde sons em palavras. Muitas vezes, frases inteiras são incorporadas da lingua­gem adulta, sem que haja nelas evidência de que a criança analisa o sinal emunidades discretas. O que acontece é que a criança incorpora, junto com a se­qüência fônica, o contexto específico que deu origem àquele enunciado, comose vê no exemplo a seguir, selecionado da fala de uma criança de 1;728:

(2) "Tatente" ("tá quente") para denotar café.

Assim, as formas maduras aparecem, num primeiro momento, em contex­to de especularidade imediata de algum item da fala adulta. Num momento pos­terior, ou a forma desaparece para reaparecer adaptada ao sistema fonológicoda criança muito tempo depois, ou sua forma "menos madura", variável, percor­rerá vários meses de mudança até se tornar estável. A forma "desviante" indicareorganizações que a criança empreende na sua trajetória lingüística.

Com as primeiras palavras aparece também a flexão ou a aparente flexão.Digo aparente porque em muitos casos não há ainda evidência de que. realmenteas flexões representam morfemas categoriais ou de classes gramaticaIS como nalinguagem adulta. Exemplo:

28. Na área de aquisição da linguagem, a convenção para expressar a idade dos sujeitos é: ponto evírgula (;) separa o número do ano do número de meses, e ponto (.) separa o número de meses d?, número dedias. Assim, hipoteticamente em relação a I; 7.10, deve-se ler "um ano, sete meses e dez dias .

(3) O possível sufixo -eu, na fala de uma criança, por volta de 1;7 a 1;8 "sendeu",correspondente ao adulto "acendeu", não indica passado, nem pessoa. Pode deno­tar: (i) anunciar aos presentes que acabou de acender ou apagar a luz ou tocar acampainha de um telefone de brinquedo ou que está prestes a realizar uma dessasações; portanto, neste caso, denota tanto uma ação completada quanto a intençãode realizar uma ação; (ii) pedir ao adulto que faça uma dessas ações; (iii) nomearo feixe de luz que entra pela janela.

O que esse exemplo mostra é que não se pode considerar a desinência -eucomo um morfema de tempo e pessoa. Mostra também que o que acontece como significado nesta fase de aquisição é um fenômeno que na literatura é chama­do de superextensão ou supergeneralização, segundo o qual a faixa semânticade uma palavra é alargada a limites muito mais amplos que na linguagem doadulto (é conhecido o exemplo, em português, da palavra "au-au", cujo sentidoabarca pelo menos todos os animais de quatro patas, o bichinho de pelúcia e afigura de animais). Uma possível explicação para a superextensão semântica éaquela não restrita às propriedades cômponenciais do significado da palavra29.A criança incorpora, via especularidade, todo ou parte do enunciado do interlo­cutor, emitido naquela situação específica. Dá-se, então, um processo chamadode recontextualização, isto é, a extensão do item em questão para outras interaçõesdialógicas, com a recorrência ou a associação a outros discursos. Em muitoscasos, não há clara evidência, no começo, de segmentação ou análise gramaticalpropriamente dita. A análise (ou reanálise) se dá num estágio posterior, com areorganização do sistema da criança, dentro de outros diálogos.

Coincidentemente, as primeiras sentenças espontâneas da criança são jus­taposições de enunciados monovocabulares (de "uma palavra") que ela produzà maneira de fala telegráfica. Por exemplo, veja a seqüência de enunciados dafala de uma criança de 1; 10:

(4) Babadoi (gravador)Chão

Põe badadoi chão (põe o gravador no chão).

Os erros ou desvios da norma muitas vezes indicam, segundo alguns estu­diosos, que um processo de análise e segmentação está se instaurando, poisrevelam as hipóteses que a criança faz sobre o objeto lingüístico. Por exemplo,numa fase posterior à produção aparentemente "correta" do sufixo verbal de

29. Ver o capítulo "Semântica", neste volume.

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passado, a mesma criança, com 1;11, produz alguns itens que indicam a adiçãodo sufixo a raízes não-verbais.

(5) Vai lá (observando o pica-pau de brinquedo descendo a haste, bicando-a).Vailô (observando a chegada do pica-pau na base da haste).Guarda (da cama) (observando a mãe baixando a guarda da cama).Guardô (emitido após a completude da ação por parte da mãe).

A colocação do morfema fora de seu lugar usual indica que um processode análise está se efetuando e que a criança reorganiza seu sistema para passarpara outros níveis de análise e aquisição. A partir de 2 a 3 anos, a criança jácomeça a contar histórias. A produção do texto narrativo como tal exigedescentração do contexto original da história, capacidade de compreender eexpressar sucessão e concatenação de eventos (que implica, entre outras coisas,dominar lingüística e cognitivamente a categoria tempo), relação causal entreeventos e uma provável gramática do texto. No começo, a criança ainda nãodomina estas categorias - sua aquisição, de fato, é tardia. O que se dá é aconstrução conjunta de textos, num jogo instaurado pelo adulto e logo incorpo­rado pela criança, que preenche os arcabouços ou "esquemas narrativos"subjacentes às histórias ou relatos narrados. A trajetória para a aquisição dodiscurso narrativo é longa: aparentemente, não é antes dos 5 anos que a criançase toma uma narradora proficiente30.

O quadro de desenvolvimento lingüístico aqui traçado obedece a uma de­terminada visão do problema, chamado, genericamente, de interacionista. Ob­viamente, o quadro seria outro se a interpretação seguisse outro programa cien­tífico ou outro enfoque teóric031 .

5. ALGUMAS CONCLUSÕES

O que você leu nas páginas anteriores é apenas a eleição de alguns temas eo esboço de algumas posturas teóricas colocadas no campo da investigação so­bre a aquisição da linguagem. Tal seleção não esgota absolutamente a eleiçãode temas, metodologias e correntes de pensamentos que acompanham o recortedos fenômenos que envolvem a área.

30. Ver Perroni, 1992, para maiores detalhes.31. Remeto o leitor para Galves (1995), Kato (1995). e Perroni (1999). para uma visão alternativa,

baseada na aquisição paramétrica, gerativista, do desenvolvimento lingüístico.

É preciso, porém, deixar claro que as polêmicas que envolvem as grandesque~t?e~ da ár~a estão ainda em aberto. Se, por um lado, é pouco afirmar que aaquISlçao da Imguagem se restringe à internalização de regras fonológicas,morfológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas da língua materna do apren­diz, por outro lado é ainda pouco clara a natureza da passagem entre estruturasinterativas pré-lingüísticas e a gramática adquirida, a natureza do conhecimentolingüístico vinculado ou não ao conhecimento do mundo, a dificuldadem~todológic~causada pela falta de transparência da fala da criança (e da pró­pna fala do mterlocutor), entre tantos outros mistérios. Ainda mais, apesar derecentes avanços no estudo do cérebro, pouco se sabe hoje sobre a relação entreconexões neurais e o uso/conhecimento da linguagem ou sobre a relação entre men­te e cérebro e seu papel nessa aquisição. Em outras palavras, o desafio aindacontinua a ser a relação entre o inato e o adquirido, entre o biológico e o sócio­histórico, entre o lingüístico e o extralingüístico, entre o sujeito aprendiz e oobjeto a ser aprendido. Felizmente, o campo continua aberto a uma gama bemvariada de investigações.

Uma coisa é certa, porém: quando vai para a escola, a criança já percorreuum longo caminho elaborando sua linguagem, inserindo-se na língua de suacomunidade. Lingüisticamente, a criança não é tabula rasa. Ela é perfeitamenteproficiente em sua língua materna e continua a aprender outras formas perten­centes a outras modalidades da fala/linguagem, dentro e fora da escola. Isto é, aoperar com objetos lingüísticos. Assim, a escola vai lhe proporcionar o acesso aoutras "gramáticas"32 a partir de modalidades escritas pertencentes a modalida­des escritas.

BIBLIOGRAFIA

AlTCHlNSON, J. The articulate mammal. lntroduction to psycholinguistics. Londres,Routledge, 1989.

BATES, E. & GOODMAN, J. On the inseparability of grammar and lexicon: evidencefrom acquisition, aphasia and real-time processing. ln: Language and CognitiveProcess., n. 12, pp. 507- 584, 1997.

BRUNER, J. The ontogenesis of speech acts. Journal ofChild Language, n. 2, 1975.

BULLOWA, O. Before speech. The beginning of interpersonal communication.Cambridge, Cambridge University Press, 1979.

32. Entre as formas ~ramaticais hoje próprias da escrita para falantes do português brasileiro, cujoacesso, portanto, e p~oplcIado pelo contato com textos escritos, contam-se o uso dos pronomes clíticos,obJeto dlreto pronommal preenchIdo, e formas de coesão textual, entre outras.