‘quem me conhece sabe que eu sou duro na queda’ · de bolsonaro, mas não desistiu de ir atrás...

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Sem Opção Veículo: O Estado de S. Paulo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto: Economia - Página: B - Publicação: 17/05/20 URL Original: ‘Quem me conhece sabe que eu sou duro na queda’ ‘Quem me conhece sabe que eu sou duro na queda’ Segundo apurou o ‘Estadão’, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não vê a sua saída do governo Bolsonaro como ‘algo próximo’ O Estado de S. Paulo 17 May 2020 José Fucs DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 31/3/ 2020 Cautela. Ao contrário de Moro, Mandetta e Teich, Guedes evita tudo ou nada com Bolsonaro Nas últimas semanas, no rastro das demissões dos ex-ministros Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e de Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, ganharam intensidade no mercado os rumores sobre uma possível guinada na política econômica e a saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, do governo. Apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter reafirmado mais de uma vez que Guedes continua a ser o seu Posto Ipiranga, as seguidas “bolas nas costas” que ele vem levando do chefe acabam por alimentar a percepção de que seus dias no governo podem estar contados. O desembarque do sucessor de Mandetta, Nelson Teich, anunciado na sexta-feira, certamente não contribuirá para reduzir as incertezas sobre sua permanência no cargo. Na semana passada, Bolsonaro voltou a colocar Guedes numa saia justa, ao sugerir um recuo no compromisso de vetar a possibilidade de concessão de reajuste para certas categorias do funcionalismo em 2020 e 2021, embutida no pacote de auxílio a Estados e municípios aprovado pelo Congresso no início de maio. Contrário à concessão do benefício, no momento em que o setor privado faz enormes sacrifícios para sobreviver à pandemia, Guedes pediu o veto após o próprio presidente ter liberado a base aliada para votar a favor das exclusões ao congelamento salarial dos servidores, como revelou o Major Vítor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara. “Fritura”. Antes, Bolsonaro já havia criado um problemão para Guedes ao dar seu aval ao chamado Plano Pró-Brasil, também articulado à sua revelia. O plano, destinado a alavancar a economia após a pandemia, previa inicialmente o uso de recursos públicos que seriam viabilizados com a flexibilização do teto dos gastos – dispositivo que limita as despesas do governo ao valor do ano anterior corrigido pela inflação. Mas, apesar dos sinais de que passa por um processo de “fritura”, Guedes não parece convencido, segundo apurou o Estadão, de que chegou a hora de deixar o governo. Ao contrário de Moro, Mandetta e Teich, ele não faz de suas divergências com o presidente uma questão de vida ou morte. Embora admita a amigos e auxiliares que ficará numa “situação difícil”, caso Bolsonaro não vete os “furos” no congelamento salarial dos servidores, é grande a probabilidade de Guedes “engolir” mais este revés, se ele realmente se confirmar – o prazo para o presidente resolver a questão vence no dia 27. Como já afirmou várias vezes, Guedes até admite deixar o governo se sentir que não consegue ajudar o presidente e as pessoas que confiam nele. De acordo com as fontes ouvidas pelo Estadão, porém, ele não vê a sua saída como “algo próximo”. Na verdade, pelo que anda dizendo, sequer reconhece a “fragilidade” que lhe é atribuída por alguns analistas e continua a exaltar a confiança que acredita merecer de Bolsonaro. Apesar das evidências em contrário, Guedes não atribui ao presidente as “facadas” que levou nos últimos tempos. Em sua visão, segundo relatos de interlocutores próximos, ele se tornou alvo do chamado “fogo amigo”, disparado de trincheiras erguidas na Esplanada dos Ministérios e no Congresso. A integrantes da equipe econômica que se abatem diante das adversidades, Guedes costuma afirmar que já ouviu vários “nãos” de Bolsonaro, mas não desistiu de ir atrás de seus objetivos, inclusive em relação ao próprio congelamento de salários do funcionalismo em casos de crise fiscal. “Quem me conhece sabe que sou duro na queda”, diz a seus assistentes quando leva um tombo. O dispositivo já estava previsto tanto na reforma administrativa preparada pela equipe econômica, que o presidente defenestrou no final do ano passado, como no chamado Pacto Federativo, que está em análise no Senado e ficou em com a pandemia.

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Page 1: ‘Quem me conhece sabe que eu sou duro na queda’ · de Bolsonaro, mas não desistiu de ir atrás de seus objetivos, inclusive em relação ao próprio congelamento de salários

SemOpção

Veículo: O Estado de S. Paulo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado -Assunto: Economia - Página: B - Publicação: 17/05/20URL Original:

‘Quem me conhece sabe que eu sou duro na queda’‘Quem me conhece sabe que eu sou duro na queda’Segundo apurou o ‘Estadão’, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não vêa sua saída do governo Bolsonaro como ‘algo próximo’

O Estado de S. Paulo17 May 2020José Fucs

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 31/3/ 2020Cautela. Ao contrário de Moro, Mandetta e Teich, Guedes evita tudo ou nada com BolsonaroNas últimas semanas, no rastro das demissões dos ex-ministros Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e de Luiz HenriqueMandetta, da Saúde, ganharam intensidade no mercado os rumores sobre uma possível guinada na política econômica e a saídado ministro da Economia, Paulo Guedes, do governo.Apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter reafirmado mais de uma vez que Guedes continua a ser o seu Posto Ipiranga, asseguidas “bolas nas costas” que ele vem levando do chefe acabam por alimentar a percepção de que seus dias no governopodem estar contados. O desembarque do sucessor de Mandetta, Nelson Teich, anunciado na sexta-feira, certamente nãocontribuirá para reduzir as incertezas sobre sua permanência no cargo.Na semana passada, Bolsonaro voltou a colocar Guedes numa saia justa, ao sugerir um recuo no compromisso de vetar apossibilidade de concessão de reajuste para certas categorias do funcionalismo em 2020 e 2021, embutida no pacote de auxílioa Estados e municípios aprovado pelo Congresso no início de maio.Contrário à concessão do benefício, no momento em que o setor privado faz enormes sacrifícios para sobreviver à pandemia,Guedes pediu o veto após o próprio presidente ter liberado a base aliada para votar a favor das exclusões ao congelamentosalarial dos servidores, como revelou o Major Vítor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara.“Fritura”. Antes, Bolsonaro já havia criado um problemão para Guedes ao dar seu aval ao chamado Plano Pró-Brasil, tambémarticulado à sua revelia. O plano, destinado a alavancar a economia após a pandemia, previa inicialmente o uso de recursospúblicos que seriam viabilizados com a flexibilização do teto dos gastos – dispositivo que limita as despesas do governo ao valordo ano anterior corrigido pela inflação.Mas, apesar dos sinais de que passa por um processo de “fritura”, Guedes não parece convencido, segundo apurou o Estadão,de que chegou a hora de deixar o governo. Ao contrário de Moro, Mandetta e Teich, ele não faz de suas divergências com opresidente uma questão de vida ou morte.Embora admita a amigos e auxiliares que ficará numa “situação difícil”, caso Bolsonaro não vete os “furos” no congelamentosalarial dos servidores, é grande a probabilidade de Guedes “engolir” mais este revés, se ele realmente se confirmar – o prazopara o presidente resolver a questão vence no dia 27.Como já afirmou várias vezes, Guedes até admite deixar o governo se sentir que não consegue ajudar o presidente e as pessoasque confiam nele. De acordo com as fontes ouvidas pelo Estadão, porém, ele não vê a sua saída como “algo próximo”. Naverdade, pelo que anda dizendo, sequer reconhece a “fragilidade” que lhe é atribuída por alguns analistas e continua a exaltar aconfiança que acredita merecer de Bolsonaro.Apesar das evidências em contrário, Guedes não atribui ao presidente as “facadas” que levou nos últimos tempos. Em sua visão,segundo relatos de interlocutores próximos, ele se tornou alvo do chamado “fogo amigo”, disparado de trincheiras erguidas naEsplanada dos Ministérios e no Congresso.A integrantes da equipe econômica que se abatem diante das adversidades, Guedes costuma afirmar que já ouviu vários “nãos”de Bolsonaro, mas não desistiu de ir atrás de seus objetivos, inclusive em relação ao próprio congelamento de salários dofuncionalismo em casos de crise fiscal. “Quem me conhece sabe que sou duro na queda”, diz a seus assistentes quando leva umtombo.O dispositivo já estava previsto tanto na reforma administrativa preparada pela equipe econômica, que o presidente defenestrouno final do ano passado, como no chamado Pacto Federativo, que está em análise no Senado e ficou em com a pandemia.

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Para o ministro, legado liberal é principal desafio

O Estado de S. Paulo17 May 2020

Nem a aliança de Bolsonaro com o Centrão, para reforçar sua base no Congresso, nem os riscos que ela pode representar para asua agenda reformista parecem levar Guedes a questionar sua permanência no governo.Ele parece determinado a deixar um legado, ao implementar o seu projeto liberal, com o controle de gastos do governo, arealização das reformas estruturantes, a privatização e a abertura econômica. Acredita que, com isso, lançará as bases quepermitirão o crescimento sustentável do País.Enquanto muito dos que apoiaram Bolsonaro nas urnas e antigos colaboradores se afastaram do presidente, Guedes se mantémleal a ele. Reage com indignação quando alguém fala sobre um possível processo de impeachment contra Bolsonaro noCongresso. Até no caso da manifestação em que se pedia uma intervenção militar e a volta do AI5, realizada em 19 de abril, emBrasília, com a participação de Bolsonaro, Guedes fica ao lado do chefe, dizendo que ele nada falou contra a democracia no ato.Mesmo com tudo isso, nada garante que amanhã ou depois de amanhã Guedes não possa mudar de ideia e romper o casamentocom Bolsonaro ou que o próprio presidente peça o divórcio. É sempre uma possibilidade, para qualquer um que esteja ocupandoum cargo de confiança, especialmente no primeiro escalão, como mostra o caso do ex-ministro Nelson Teich.

Guedes planeja a retomada pós-pandemiaEquipe econômica está em busca de protocolos de saída da crise no exteriorpara avaliar as melhores práticas

O Estado de S. Paulo17 May 2020

Diante da pandemia, do número crescente de mortes e da discussão sobre a adoção de lockdown (bloqueio total) em grandescidades do País, o Ministério da Economia diz que ainda não é o momento de discutir a retomada. Mas, nos bastidores, a equipeeconômica já está traçando os cenários e fazendo estimativas preliminares para o day after.Segundo o Estadão apurou, os técnicos do ministério estão indo atrás dos protocolos de saída de lockdown em diversos países,para conhecer melhor as diferentes estratégias de retomada adotadas pelo mundo, avaliar as melhores práticas e selecionaraquelas que podem ser replicadas no Brasil.A equipe econômica continua a apostar numa retomada em “V”, com uma queda de no máximo 4% do PIB (Produto InternoBruto) neste ano e uma recuperação forte em 2021, com alta de cerca de 5% do PIB. De acordo com as previsões do ministério,a retomada em “V” é a que parece ter hoje a maior chance de acontecer, com 50% de probabilidade. Neste cenário maisfavorável, dentro do que se pode considerar como tal no contexto atual, a crise na saúde começaria a diminuir dentro de trêsmeses e a economia voltaria a crescer de forma acelerada.Previsões sombrias. Nas projeções oficiais, há, também, uma grande chance de acontecer uma retomada em “U”, com 40% deprobabilidade, caso a pandemia se agrave. Isso ampliaria um pouco a recessão e retardaria o reaquecimento da economia. Parao ministério, a retomada em “L”, que seria o cenário mais grave, com a pasmaceira da economia se prolongando ainda mais e aretomada ocorrendo lentamente, é a que tem menor chance de ocorrer, com apenas 10% de probabilidade.Caso as previsões mais sombrias se confirmem e a taxa básica de juro caia para zero, paraGuedes interrompeu as reformas estruturantes, inspirada nos ensinamentos da Universidade de Chicago. No lugar, adotou umprograma de perfil keynesiano, com medidas emergenciais.impulsionar a atividade econômica, o governo poderá recomprar títulos da dívida pública e emitir moeda, como já afirmou oministro Paulo Guedes, seguindo estratégia adotada pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano. A lógica por trásdeste movimento é a de que, com os títulos públicos rendendo zero, não faria sentido mantê-los no mercado, porque osindivíduos e as empresas vão preferir dinheiro vivo.Acusado de “insensível” às demandas dos mais pobres e de “radical” por seus opositores, por insistir no equilíbrio fiscal e nacontenção dos gastos públicos, Guedes tem dito que implementou “o maior programa social do mundo em três meses”.Interrompeu a agenda de reformas estruturantes, de caráter permanente, inspirada nos ensinamentos da Universidade deChicago, templo global do liberalismo, e adotou um programa de perfil keynesiano, com medidas emergenciais e temporáriasdestinadas a amparar a população mais carente e as empresas na pandemia.Segundo o Ministério da Economia, o governo já liberou o equivalente a 4,6% do PIB para combater os efeitos da crise, enquantoos países avançados liberaram, em média, 4,5% do PIB e os emergentes, 2,3%. Ao mesmo tempo, o País registrou uma alta no

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desemprego formal de cerca de um milhão de trabalhadores, enquanto nos Estados Unidos o desemprego alcançou 26 milhõesde pessoas.

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