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Page 1: Aquecimento global, mudanças climáticas e a cafeicultura ... · não inviabilizariam a cafeicultura comer-cial na região. O problema poderia tornar-se mais grave e preocupante

O Agronômico, Campinas, 59(1), 2007 19

Se não vejamos:Segundo o zoneamento agroclimáti-

co do café arábica para o Brasil, a tempe-ratura do ar é o principal fator na defini-ção da aptidão climática do cafeeiro em cultivos comerciais. A aptidão térmica é considerada por faixas de temperatura média anual, sendo a apta ou preferen-cial entre 18 a 2�°C. Abaixo de 18°C e acima de 2�°C é considerado marginal a inapto. Em temperaturas superiores a 23°C, associadas à seca na época do flo-rescimento, podem ocorrer abortamento floral e formação de “estrelinhas”, com grande redução da produtividade. Além disto, estas temperaturas elevadas condi-cionarão frutos com desenvolvimento e maturação bastante precoces, ocasionan-do perda da qualidade do produto, pois a colheita e secagem irão coincidir com o período chuvoso.

Por esta razão a cafeicultura do Es-tado de São Paulo está implantada em regiões de altitude entre 400 e 1.200m, que condicionam temperaturas médias anuais entre 18 e 2�°C. As principais regiões produtoras são: Média e Alta Mogiana; Avaré/Piraju e Garça/Marília. A maior região produtora é a constituída

pela Média e Alta Mogiana, onde a alti-tude está na faixa de 800 a 1.200m, com temperaturas médias entre 18 a 20°C. Um aumento de �°C elevaria essas tem-peraturas para 21 a 2�°C, continuando a região a ser considerada ainda apta para a cultura comercial do café arábica.

Na região sul do Estado (Avaré, Piraju e municípios adjacentes), embora a altitu-de esteja na faixa de 700 a 800m, devido à latitude apresenta temperaturas médias de 19 a 20°C e, portanto �°C a mais também não inviabilizariam a cafeicultura comer-cial na região.

O problema poderia tornar-se mais grave e preocupante na região centro-oeste do Estado onde a principal região é Garça/Marília, onde a altitude média está em torno de 600m, que condiciona temperaturas médias na faixa entre 21 a 22°C, que com a projeção de aumento de �°C, inviabilizaria o cultivo comercial do café arábica.

No entanto, outros aspectos primor-diais foram totalmente ignorados por aqueles que consideram apenas o aspecto “temperatura média”. Ao longo de deze-nas de anos de pesquisa, o IAC e outras instituições de pesquisa desenvolveram

Aquecimento global, mudanças climáticas e a cafeicultura paulista

Fazuoli Thomaziello Camargo

Arborização Catuaí em áreas quentes (24,5°C)

Irrigação Adensamento

Uma notícia causou grande preocupação para técnicos e produtores ligados à cultura do café:“O café vai sumir do cenário agrícola paulista nos próximos 30 a 40 anos, quando a temperatura deverá estar 3 graus centígrados mais alta”. Esta conclusão e outros efeitos devastadores do aquecimento global fazem parte de estudo divulgado pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas aplicadas à Agricultura (CEPAGRI) da Unicamp em conjunto com a Embrapa-Informática a partir dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). O relatório é obviamente preocupante e a constatação do aquecimento não se discute aqui, muito embora os próprios relatórios contenham alto grau de incerteza nos resultados dos modelos de previsão a longo prazo. Entretanto, a afirmação de que o aquecimento de 3°C previsto para 2040 ocasionaria muitas mudanças climáticas e inviabilizaria totalmente a cafeicultura paulista é, no mínimo, prematura, sendo necessária uma análise dos possíveis cenários e da situação da capacidade técnica-científica da cafeicultura atual.

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tecnologias que permitem atenuar o efeito de temperaturas adversas, viabi-lizando o cultivo comercial em regiões consideradas pelo zoneamento agrocli-mático como marginais e até mesmo inaptas para a cultura do café arábica. Isto já ocorre atualmente na prática, com a existência de inúmeros plantios comerciais irrigados em regiões con-sideradas marginais por apresentarem restrição térmica devido a temperaturas elevadas.

Quais práticas agronômicas atenua-riam este cenário de aquecimento, via-bilizando a cultura do café?

Irrigação: crescem cada vez mais as áreas irrigadas com café no Brasil e esta prática tem sido o principal fator a

permitir o estabelecimento do cafeeiro em regiões de baixa altitude em que as temperaturas médias são elevadas para o cultivo normal do café arábica.

Arborização: o cafeeiro arábica é originário dos altiplanos da Etiópia em condições de sub-bosque, ou seja, de meia sombra. No Brasil o cultivo foi adaptado e generalizado para pleno sol devido às latitudes mais elevadas e altitu-des inferiores do que a região de origem. Grande parte do cultivo do café arábica em países tradicionais como a Colôm-bia, Costa Rica, Guatemala, El Salvador e México se dá em ambientes arborizados onde os cafeeiros ficam próximos ao mi-croclima do seu habitat natural. A arbo-rização do cafezal proporciona, além de

Espécies/CultivaresDentre as espécies de café conhecidas, Coffea arabica, que fornece o café

arábica e Coffea canephora, que proporciona o café robusta, são as duas mais importantes no mercado nacional e internacional. No Brasil existem aproximada-mente 1,9 bilhões de cafeeiros robusta (Conilon) e 4,3 bilhões de cafeeiros arábica. O arábica, como mencionado anteriormente, é de clima mais ameno, enquanto o café robusta é de clima quente e úmido e adapta-se bem em regiões com temper-aturas médias anuais entre 22 e 26°C. Nas áreas com Conilon, que estão na faixa de 23°C, um aumento de temperatura de 3°C não deve influenciar negativamente o cultivo deste tipo de café no Brasil. Por outro lado, o IAC tem um programa de mel-horamento em que as características de robusta são transferidas para arábica (re-sistência a doenças e pragas, vigor, produção, rusticidade, melhor sistema radicular e tolerância a temperaturas mais elevadas entre outras). Várias progênies desses cruzamentos têm apresentado características que permitem tolerar temperaturas mais altas e, portanto, poderão ser utilizadas em novos plantios, substituindo o café arábica em regiões onde a temperatura fique muito elevada. Trabalhos recentes têm mostrado que a cultivar Catuaí (arábica) vai muito bem em regiões baixas e quentes com temperaturas médias acima de 23°C com irrigação.

É importante ressaltar também que no banco de germoplasma do IAC ex-istem outras espécies de café, como Coffea dewevrei, Coffea congensis e Coffea racemosa que estão sendo utilizadas em programas de melhoramento visando selecionar genótipos produtivos, resistentes ao bicho mineiro e mais tolerantes ao calor e à seca. Portanto sob o aspecto da cafeicultura atual, a tendência de aumento de temperatura não deverá ser catastrófica e nem também para o futuro, pois as pesquisas até o presente fornecem evidências e subsídios para que a nos-sa cafeicultura de arábica e robusta continue sendo pujante, sustentável e sólida.

A associação destas práticas em muito contribuirão para atenuar o efeito das temperaturas elevadas, sem levar em conta outras técnicas que sem dúvida ao longo dos próximos anos a pesquisa através do IAC e de outras instituições de-verá disponibilizar para o cafeicultor.

Por outro lado a redução da área de café no Estado de São Paulo de 237 mil hectares em 2004/05 para 233 mil hectares em 2006/07, conforme citado pelo CEPAGRI/Unicamp, não deve ser considerado isoladamente como um fator atribuído ao aquecimento global. É fundamental considerar que a expansão da cultura da cana-de-açúcar e o aumento de usinas pelos atrativos que apresentam no momento, têm ocupado não somente áreas com café, mas também da citricul-tura e outros cultivos.

Finalmente, é importante ressaltar que devemos aumentar e estimular as pes-quisas para encontrar soluções no enfrentamento do aquecimento global e suas conseqüências. Porém, devemos ser mais cautelosos nos informes à sociedade, e em particular aos agricultores, que já enfrentam problemas diversos em toda a cadeia produtiva do agronegócio café e que certamente vai interferir no planeja-mento de médio e longo prazo.

Luiz Carlos Fazuoli e Roberto Antonio ThomazielloInstituto Agronômico, Centro de Café “Alcides Carvalho”( (19) �241-5188 ramal �70* [email protected];* [email protected]

Marcelo Bento Paes de CamargoInstituto Agronômico, Centro de Ecofi-siologia e Biofísica( (19) �241-5188 ramal ��8* [email protected]

diminuição da temperatura média em até 2°C, grande proteção contra vento que é também fator prejudicial à planta. O IAC e o IAPAR possuem dados experimen-tais que comprovam essa diminuição das temperaturas. São diversas as espécies vegetais possíveis de uso para arboriza-ção ou consorciação, podendo inclusive agregar-se valor à produção do café com espécies de uso florestal ou aquelas de exploração comercial como macadâmia, seringueira, bananeira, abacateiro, coco anão entre outras. Não se trata de um sombreamento exagerado, com muitas árvores por hectare, que não funciona para as condições brasileiras. A técnica da arborização preconiza sombreamento mais ralo, com população em torno de 60 a 70 plantas de sombra por hectare.

Adensamento: o plantio do cafeeiro conforme prática hoje usual em todas as regiões em espaçamentos mais adensa-dos entre linhas e entre plantas na linha (plantio em renque), apresenta menores produções por planta, mas aumenta a produção por área devido ao maior nú-mero de cafeeiros por hectare. Além de estressar menos o cafeeiro, permite mantê-lo mais enfolhado, proporcio-nando um microclima mais ameno, com menores temperaturas no interior da planta, abaixo do ambiente externo.

Manejo do Mato: a boa prática agrícola preconiza manter durante o pe-ríodo das chuvas o mato do meio da rua manejado com implementos como roça-deiras e trinchas, muitas vezes associa-dos a herbicidas. Além da conservação do solo evitando-se a erosão, a manu-tenção do solo vegetado reduz sua tem-peratura e permite melhor distribuição do sistema radicular do cafeeiro, pois as radicelas superficiais são afetadas pelas temperaturas elevadas. Este manejo au-menta também o teor de matéria orgâ-nica e a capacidade de retenção de água possibilitando cultivo mais tolerante às condições climáticas adversas.