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APRESENTAÇÃO

Este é um momento em que se anunciam mudanças nos caminhosdo turismo na Bahia. O propósito de construir um Pólo de Entreteni-mento alicerçado na integração do turismo à cultura é a consagra-

ção de uma dupla de sucesso que ganhou mundo nos últimos anos doséculo XX. Ampliar essa relação certamente trará benefícios que poderãoter significado positivo para a sociedade baiana.Desde os anos 1950 que os planejadores apostam na capacidade da ativi-dade turística promover o desenvolvimento estadual. Durante todo essetempo, o Estado, através de suas instituições, aplicou recursos e energiapara que tal atividade florescesse no cenário econômico local. Houve mui-tos acertos e muitas oportunidades foram desperdiçadas. A Bahia é hojeuma referência no mercado nacional – Salvador e Porto Seguro são portõesde entrada para o Nordeste brasileiro; Costa do Sauípe é uma das maisimportantes conexões do país com o consumidor internacional que apreciao lazer em complexos hoteleiros; a Chapada Diamantina, particularmenteLençóis, pode vir a se constituir em uma excelente alternativa para o turis-mo ecológico. Entretanto, há inúmeras outras oportunidades que podem vira propiciar um maior desenvolvimento para as comunidades hospedeiras,caso se potencialize os efeitos multiplicadores do turismo na Bahia. Osinvestimentos em obras de infra-estrutura que estão sendo aplicados emalgumas localidades são um primeiro passo nesse sentido, mas existemdiversas outras possibilidades a serem almejadas.Já o florescer da indústria cultural foi rápido e de longo alcance. A profissio-nalização da música poderá servir de experiência e incentivo para outrossegmentos da cultura popular, mas há que se investir em capacitação tec-nológica e empresarial para que a alardeada criatividade baiana retorneem forma de benefícios para as comunidades locais.Pretendendo ampliar o debate sobre as novas estratégias a serem imple-mentadas para o desenvolver do TURISMO, CULTURA E ENTRETENI-MENTO, a Bahia Análise & Dados dedica este número à reflexão em tornode toda uma gama de questões relacionadas à temática. Para tanto, conta-mos com a contribuição de importantes articulistas que discorrem sobre:Estado e Mercado Turístico; Turismo, Cultura e Desenvolvimento e Ima-gem, Identidade e Vivências em Cidades Turísticas. Os artigos aqui dis-postos analisam esses temas referindo-se a experiências que estão seprocessando na Bahia ou ainda em outras cidades.Esperamos estar contribuindo para o avanço de uma discussão que, alémde atual, é de fundamental importância para a definição dos caminhos quea sociedade baiana trilhará neste novo milênio, cuja maneira de iniciar-sevem sendo, no mínimo, intrigante. Por fim, cumpre-nos agradecer a gentilcooperação de todos os autores que participaram desta edição, sem a qualnão poderíamos tornar possível este debate.

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Governo do Estado da BahiaCésar Borges

Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia

Luiz Carreira

Superintendência de EstudosEconômicos e Sociais da Bahia

Cesar Vaz de Carvalho Júnior

BAHIA ANÁLISE & DADOS é uma publi-cação trimestral da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEI, autarquia vinculada à Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia da Ba-hia. Divulga a produção regular dos téc-nicos da SEI e de colaboradores externos. As opiniões emitidas nos textos assinados são de total responsabilidade dos autores.

Conselho EditorialCesar Vaz de Carvalho Júnior

Paulo Hermida GonzalezEdmundo Figueroa

Ângela FrancoCarlota GottschallConceição CunhaRenata Proserpio

Coordenação EditorialCarlota GottschallMarcelo Dantas

Revisão RedacionalRegina da Matta

FotosBanco de Imagens Bahiatursa

CapaHumberto Farias

EditoraçãoDesigners Associados

Tiragem: 1.000 exemplares

Av. Luiz Viana Filho, 435, 4ª Avenida CEP: 41.750-300 Salvador - Bahia Fone: (0** 71) 370-4823/370-4704

Fax: (0** 71) 371-1853

http://www.sei.ba.gov.bre-mail: [email protected]

Bahia Análise e Dados, v.1 (1991- ) Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2001.

TrimestralISSN 0103 8117 CDD 338.91 CDU 338.984

CEPO: 0110

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SUMÁRIOApresentação

Estado e Mercado Turístico

Pólo de Entretenimento na Bahia: uma proposta em debate.................................................................8Entrevista Grupo Monitor: Ricardo Ramos e Bernd Freundt

Debatendo as perspectivas do turismo baiano.....................................................................................13

A evolução do sistema institucional público do turismo baiano............................................................20Lúcia Aquino de Queiroz

Turismo, Cultura e Desenvolvimento

Turismo e desenvolvimento..................................................................................................................56Elizabeth Loiola

La estrategia del turismo metropolitano: el caso de Barcelona............................................................81

Vânia Almeida

O turismo como atividade promotora do desenvolvimento regional...................................................105Carlota Gottschall

O recurso natural como produto turístico............................................................................................112Conceição Cunha

O turismo como fator de desenvolvimento socioeconômico da Costa do Descobrimento -Bahia - Brasil.......................................................................................................................................118

Érico Pina M. Júnior, Inez Maria D. A. Garrido e Maria do Socorro M. Vasconcellos

Gestão participativa para um turismo sustentável: o caso da Costa do Descobrimento....................125Dalva Maria Sant’Anna, Maria Teresa C. S. de Oliveira e Symona G. Berenstein

A indústria fonográfica no Brasil e na Bahia.......................................................................................131Gustavo Casseb Pessoti

Lazer, esporte e entretenimento.........................................................................................................142Edelcique Machado Serra

Imagem, Identidade e Vivências em Cidades Turísticas

Turismo, paisagem e ambiente...........................................................................................................146Luiz Gonzaga Godoi Trigo

Desvendando Montreal – multiculturalismo e mercado turístico no Canadá......................................153Goli Guerreiro

Competitividade internacional em turismo: a identidade cultural contrao mito da qualidade dos serviços.......................................................................................................162

Marcelo Dantas

Patrimônio, turismo e identidade cultural...........................................................................................169Mariely Santana

Busca do lazer define novas formas de sociabilidade: a experiência do Shopping Center Iguatemi......................................................................................174

Carlota Gottschall

O Éden terrestre: o consumo da cidade como mito...........................................................................180Ivana T. Muricy

Amado e os rituais de passagem – literatura e cinema......................................................................194Rita Lima

O carnaval de Pamplona....................................................................................................................198Carla Guimarães de Andrade

Marcus Alban, Elizabeth Loiola, Marcelo Dantas e Paulo Henrique de Almeida

Turismo baiano traça estratégias para ampliar fluxo e receita.............................................................29por Fred Burgos

Nova dinâmica espacial da cultura e do turismo na Bahia – o planejamento segundo os conceitos e práticas de cluster econômico......................................................................................41

Jorge Antonio Santos Silva

Francisco López Palomeque

A gestão da Baía de Todos os Santos..................................................................................................98Ronan R. C. de Brito

Instituto de Hospitalidade: certificação da qualidade profissional para o setor de turismo................101

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8 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.8-12 Setembro 2001

BA&D – Um dos principais ei-xos da proposta de formação docluster de entretenimento é dar pri-oridade ao turista de maior poderaquisitivo. Como a Monitor acredi-ta que se possa atingir este objeti-vo, considerando-se os limitesatuais do produto turístico baiano?

M1 – Em nosso entender, o tu-rista mais qualificado não é, sem-pre, o consumidor de poder aqui-sitivo elevado que busca, em suaviagem de férias, luxo ou osten-tação. Pesquisas realizadas emoutras regiões da América Latinaindicam que os visitantes, mesmoaqueles que possuem renda alta,quando buscam o turismo deaventura, não necessariamenteexigem o tratamento de um hotelcinco estrelas, mas sim seguran-ça e alguma comodidade. Essesegmento de cliente vai ao Peru,por exemplo, para conhecer a his-

tória desse país, ter contato coma vida selvagem etc. E sabe-seque esses turistas pagam bempelo prazer de vivenciar uma ex-periência diferente.

Em relação ao produto Salva-dor, o turista qualificado a que nosreferimos é o segmento de públi-co que busca interação com a cul-tura popular. Trata-se daquele quegosta de dançar, por exemplo, eque para viver tal experiência, talconvívio, paga caro. Aí entra a im-portância do diferencial. Quandose oferece um produto semelhan-te a outro, que se pode adquirirfacilmente em qualquer lugar, omenor preço torna-se decisivo.Mas se a oferta é de um produtoúnico, que o cliente acredita sermaravilhoso, mesmo que custetrês vezes mais caro o turista pa-gará satisfeito. A diferença nemsempre está na sofisticação, mas,

O Turismo e a Cultura vêm assumindo cada vez maior importância no contexto soci-oeconômico da Bahia. Em entrevista realizada pela Bahia Análise & Dados1 comRicardo Ramos e Bernd Freundt, representantes do Grupo Monitor – empresa contra-tada para facilitar a construção do Pólo de Entretenimento para o Estado – pudemosdiscutir diversos aspectos da proposta: criação do cluster de entretenimento, conexãoentre cultura e turismo, papel dos agentes públicos e da iniciativa privada na qualifica-ção de um produto turístico e cultural segmentado e a prioridade dada ao consumidorde maior poder aquisitivo. Confira.

Pólo de Entretenimento na Bahia:

uma proposta em debate

muitas vezes, tão-somente na pos-sibilidade de viver-se uma sensa-ção incomum. O que importa é queo consumidor se sinta satisfeito aofinal daquela aventura. Para tan-to, ele precisa ter a certeza de queirá encontrar aquilo a que estáacostumado, ou seja, situaçõesseguras e um serviço satisfatório.

BA&D – Se a intenção é trans-formar o turismo em uma ativida-de mais rentável, qual a estratégiaa ser proposta aos agentes envol-vidos nesse processo?

M1 – Comecemos pela cultu-ra. Ao longo de nosso trabalho, ob-servamos que existe, sedimenta-do entre os agentes culturais, umaespécie de paradigma, segundo oqual cultura não é negócio, masalgo que decorreria de um movi-mento artístico dependente de in-centivos dos governos locais e

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.8-12 Setembro 2001 9

estaduais. Ou seja, os artistasacreditam que a cultura não podeser lucrativa. Ao mesmo tempo,eles não vêem a possibilidade deque, através do turismo, a produ-ção cultural possa vir a ser auto-sustentável. Esse pensamentonão é genérico e alguns gruposmusicais já entendem a lógica daindústria cultural, mas são exce-ções. Em todos os segmentos,mesmo no de artesãos, se deve-ria buscar alternativas para tornarrentável o produto cultural. Pois,cultura é um negócio.

O artista pode manter a originali-dade de sua obra, de sua identi-dade cultural, e conseguir susten-tar e reinvestir em seu trabalho.Se o produto tiver qualidade atrai-rá novos consumidores e, conse-quentemente, um maior númerode artistas poderá sobreviver desua arte. Não estou com isso de-fendendo que se desvirtue a artepopular, a cultura ou mesmo aidentidade cultural baiana. Veja-mos o exemplo dos grupos deafoxé. A despeito da enorme ri-queza cultural existente nessesagrupamentos – posto que origi-nária de experiências vividas emcomunidades locais – eles só seapresentam uma vez por ano, nocarnaval, e, ainda por cima, de-pendem do apoio dos governosestaduais e municipais. Assim,deixam de criar oportunidade deemprego e renda para seus com-ponentes ao longo do ano.

Parece haver um consensoquanto à importância da culturanegra na Bahia e caso esta forçavenha a ser trabalhada poderá vira se constituir em um grande dife-rencial para turistas ou indivíduosque valorizem tal característica.Nesse espectro estão inclusos,

além dos afro-americanos, porexemplo, os turistas que buscamdiferenças culturais. Atualmente,as manifestações relacionadas àcultura negra não estão organiza-das profissionalmente, mas a idéiade um cluster poderá favorecer talcircunstância. O envolvimento deempresários da hotelaria, agênciasde turismo, agências de táxi, comindivíduos que tenham terreiro decandomblé, com grupos musicaisindependentes e artistas irá favo-recer a integração do turismo àcultura.

BA&D – Pode-se afirmar queo centro da proposta de um Pólode Entretenimento para a Bahia,do ponto de vista da indústriacultural, é a formatação de um pro-duto que teria a cultura negracomo eixo principal?

M1 – Não. Essa é uma alter-nativa. A cultura negra é muito for-te, mas não poderemos nos res-tringir apenas a esse aspecto. Éimportante conhecer e atingir osvários segmentos de clientes.Para tanto, é fundamental identi-ficar se o pólo apresenta um dife-rencial competitivo capaz de atrairdiversos tipos de turistas. Quan-do nos referimos aos turistas maisrentáveis, a idéia não é eliminaros demais estratos, mas sim am-pliar o universo oferecendo pro-dutos diversos, voltados paraatender consumidores tambémvariados.

Vejamos o exemplo do carna-val. Durante o período da festa,existem turistas que procuram ca-marote e outros que demandamarquibancada. Mas a oferta doserviço do camarote é fundamen-tal do ponto de vista da receita. Emse eliminando essa possibilidade,

a média da renda gerada no car-naval diminui bastante.

Atualmente, observamos queos agentes turísticos não delimi-tam os segmentos potenciais aserem atingidos nem as ativida-des que poderão ser ofertadas.Tampouco identificam a competi-tividade que permitirá a diversifi-cação de consumidores. Podemossupor que o produto Bahia, além deatrair visitantes que buscam obser-var a cultura negra, também podetrazer pessoas interessadas, porexemplo, na cultura barroca ou nopatrimônio histórico. Ou, ainda,aquelas que demandam o turis-mo ecológico, de aventura. É pre-ciso mapear esse mercado.

BA&D – Como se pode atuarno sentido de implementar ativi-dades que possibilitem retornoeconômico para os diversos seg-mentos que atuam no mercado dolazer?

M1 – Conhecendo-se as ne-cessidades do consumidor e asdemandas do setor privado, serápossível desenhar pacotes de ser-viços e produtos capazes de atrairdiversos grupos de visitantes dis-postos a gastar em várias ativida-des de lazer correlatas. Tais açõessão próprias do setor privado edas organizações que gravitamem torno do cluster.

Este é o outro aspecto que gos-taria de comentar – as atribuiçõesda iniciativa privada e o papel dosgovernos locais. Acreditamos queao governo do estado cabe cuidarda infra-estrutura, da organizaçãobásica, assim como permitir quehaja um ambiente competitivo sau-dável entre as empresas, ou seja,que não se fomente a proteção es-pecial a alguns grupos. Quanto à

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10 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.8-12 Setembro 2001

iniciativa privada, sua atribuição éa de se organizar visando conhe-cer seus clientes e, assim, poderdisponibilizar produtos e serviçosadequados às necessidades dosdiversos segmentos existentes nomercado.

BA&D – Nesse campo se lo-caliza a qualificação do produtoturístico?

M – Sim. Comecemos peloproblema do serviço. Hoje preva-lece na iniciativa privada umpensamento que integra um ciclovicioso, o da competição pelomenor preço. Para reduzir os cus-tos operacionais os empresáriospagam baixos salários, não ofere-cem treinamento aos empregadose mantêm uma alta rotatividadede mão-de-obra. Receituário per-feito para prestação de um servi-ço de má qualidade. Se a preten-são é atrair um público que iráconsumir e gastar mais, é funda-mental que se transforme essalógica prevalecente.

O importante é ter clareza quenão existe uma fórmula mágica.Este é um processo que está co-meçando e o importante agora éaprofundar a cooperação entre osmembros de cluster, deixando delado o exercício de práticas pa-ternalistas. Tanto o empresárioquanto o artista têm que conce-ber seus produtos como econo-micamente viáveis. Também éfundamental atrair novos segmen-tos do capital privado, estrangei-ro ou local, para que se possa ofe-recer produtos de entretenimentode maneira mais organizada.

M2 – O fundamental agora éjustamente dar centralidade aosetor privado visando fortalecero processo decisório de desen-

volvimento de uma estratégia.Até hoje, quem desenvolveu aestratégia de turismo na Bahiafoi o governo. O setor privadoficou em uma posição secundá-

BA&D – E quanto aos agen-tes públicos? De que maneira aMonitor concebe sua atuaçãonessa nova estratégia?

M2 – Na definição de um pro-duto turístico o governo tem umpapel importante, mas que nãodeverá ser o de gestor e/ou depromotor de negócios. A funçãodo governo é a de servir de su-porte, gerindo os investimentosem obras de infra-estrutura. Cabeao governo, por exemplo, identifi-car a necessidade de construçãode uma rodovia diante do projetode complexo hoteleiro do porte daCosta do Sauípe; verificar a perti-nência da construção de um ae-roporto para que o Hotel Coman-datuba seja um empreendimentobem-sucedido ou, ainda, priorizarmelhorias na educação visando àqualificação de pessoal. Não ape-nas para o turismo, mas para oentretenimento, em seus diversossegmentos, nos diversos negóci-os, diversos clusters. É funda-mental que haja alguém adminis-trando as questões de base e quese tenha consciência das limita-ções que existem na Bahia, poiseste não é um estado rico. Nãoserá fácil se conseguir dotar, aomesmo tempo e com a urgênciaque seria ideal, todos os pólos tu-rísticos com uma infra-estruturaadequada, embora haja determi-nadas reformas, modelos men-tais, que podem ser alteradosmais facilmente.

BA&D – É possível descre-ver alguma ações que estejamsendo desenvolvidas com baseno conceito de cluster?

M2 – A atuação do cluster dá-se no plano da microeconomia enão no da macroeconomia. No

Acreditamos que aogoverno do estado cabecuidar da infra-estrutura,da organização básica,

assim como permitirque haja um ambientecompetitivo saudável

entre as empresas,ou seja, que não sefomente a proteção

especial a alguns grupos.Quanto à iniciativa

privada, sua atribuiçãoé a de se organizar

visando conhecer seusclientes e, assim, poderdisponibilizar produtose serviços adequadosàs necessidades dosdiversos segmentos

existentes no mercado.

ria. O Conselho de Entreteni-mento da Bahia é um instrumen-to importante na revisão dessafórmula. Por concepção, esseConselho será formado por umamaioria de empresários e, estes,efetivamente, é que deverãopropor uma estratégia de turis-mo para o estado. À medida queo setor privado venha a serpropositor, será muito mais fácilatrair outros investidores. Atéporque todos estarão remandopara o mesmo lado. Hoje, a vi-são predominante é de que a ini-ciativa empresarial é indepen-dente e ao governo cabe atrairos turistas e fazer a propagan-da. E cada um fica tentando de-fender o seu interesse.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.8-12 Setembro 2001 11

patamar da macroeconomia pou-cos líderes conseguem influenci-ar para que haja mudanças ime-diatas. Já quando nos referimosàs ações que interferem na esfe-ra da microeconomia, abrem-seespaços para a atuação de vári-os líderes. É função da iniciativaprivada promover essa competiti-vidade. A idéia do cluster é a devárias lideranças organizadas emuma espécie de fórum, tornando-se multiplicadores para os seuspares.

Dentre as iniciativas que estãosendo desenvolvidas podemoscitar a do Instituto da Hospitalida-de e do Conventions Bureau. OConventions Bureau, formado porrepresentantes do governo do es-tado, da prefeitura e da iniciativaprivada, poderá ser o passo inicialpara formação do cluster.

As ações desenvolvidas poresse organismo deverão ter comocentro o investimento em forma-ção de pessoal, posto que o mai-or diferencial em uma localidadeturística não é a praia, um bomhotel ou a infra-estrutura, mas simo serviço. E o serviço dependedas pessoas, tanto dos empresá-rios quanto dos funcionários. Des-sa maneira, o produto turísticodeixará de ser competitivo tão-so-mente pelo baixo custo, passan-do a apresentar um diferencialcapaz de atrair outro tipo de turis-tas, aqueles de maior poder aqui-sitivo, portanto, mais rentáveis.Para isso é fundamental conhe-cer o perfil do cliente, estabele-cer parcerias corretas dentro docluster e definir um marketing ade-quado. Assim seremos capazesde atrair os segmentos de turis-tas adequados à qualificação dopólo turístico.

BA&D – Como a experiênciados grupos hoteleiros internacio-nais poderá contribuir para forma-tar um outro padrão de atendi-mento ao cliente na Bahia?

M2 – Os grupos internacionaistrazem consigo uma experiênciaacumulada. Mais do que em ou-tros segmentos, na área turísticaa troca de informações é de fun-damental importância. Na Bahiapodemos citar dois exemplosbem-sucedidos desse tipo de in-fluência benéfica, Resort Praia doForte e Fiesta Conventions. Aexperiência de implementação doturismo na localidade da Praia doForte merece ser destacada. Otreinamento de pessoal monitora-do pelo Resort foi extensivo aosmoradores da comunidade, pro-movendo-se assim um intercâmbioentre os trabalhadores de diver-sos empreendimentos existentesnaquele pólo turístico.

Já Porto Seguro teve uma ex-pansão turística diferente. A com-petição pelo preço produziu um re-sultado que foi extremamentepredatório. Durante muito tempo odiferencial ofertado foi o tripé sol,cerveja e festas. Dessa maneira, ademanda restringiu-se a um produ-to mínimo, exatamente igual a ou-tros existentes em outros estadosdo Nordeste brasileiro, no Caribe

ou nas ilhas do Pacífico. Porto Se-guro se constitui hoje uma alterna-tiva barata quando se consideramos pacotes de viagem oferecidospelas operadoras nacionais. Comoa ingerência dessas empresas émuito grande na região, elas termi-nam por garantir os baixos preçosdas diárias. Essa situação terminadificultando a capitalização de re-cursos pelos empresários e, assim,compromete o investimento naqualificação de pessoal e o envol-vimento da comunidade.

BA&D – Em Salvador, obser-va-se que existe uma acirradacompetição entre os espaços ocu-pados pelos empreendimentos delazer. Houve um momento em queo Rio Vermelho neutralizou oPelourinho. Hoje, o AeroclubePlaza Show dificulta o comércionoturno no Rio Vermelho. Comovocês vêem este sério problemade mercado?

M2 – Observamos que, emSalvador, um determinado tipo deiniciativa tira a atenção de outras.Os administradores dos museustambém apontam o Pelourinhocomo sendo responsável peloafastamento dos turistas desseespaço cultural. Entretanto, quan-do se desenvolve um turismo in-tegrado, criando-se produtos di-ferenciados para atender a umturismo segmentado, tais proble-mas podem ser resolvidos.

BA&D – Diante dessa série deconstatações, qual a próxima fasede trabalho proposta pela Moni-tor?

M2 – Será a seleção de proje-tos-piloto voltados para o fortale-cimento do cluster, através doestabelecimento de princípios que

A idéia é que osmembros do cluster

definam suas propostasde atuação, posto queos empresários e os

agentes governamentaissão os agrupamentosque melhor conhecem

a clientela e os produtosque podem ser ofertados.

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12 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.8-12 Setembro 2001

possibilitem a transição e forma-tação de uma estratégia de de-senvolvimento do Conselho deEntretenimento da Bahia.

A idéia é que os membros docluster definam suas propostas deatuação, posto que os empresá-rios e os agentes governamentaissão os agrupamentos que melhorconhecem a clientela e os produ-tos que podem ser ofertados. AMonitor ajudará nos debates eidentificação dos segmentos inte-ressantes para atuação. Entretan-to, apenas o diálogo entre setorprivado e governo poderá permi-tir a definição dos segmentos edos projetos-piloto a serem traba-lhados.

BA&D – Em uma terceira eta-pa, a Monitor está prevendo o lan-çamento destes projetos-piloto,desenvolvimento de novos siste-mas de venda ou marketing, for-talecimento do capital humano,construção de novas redes decooperação dentro do cluster.Como pretendem contribuir paraefetivar essa fase do trabalho?

M2 – Aí temos vários aspec-tos a serem trabalhados. O primei-ro deles deverá ser o investimen-to no capital humano, mediante aqualificação da mão-de-obra e ofortalecimento do cluster, e, con-sequentemente, do empresaria-do. Desenvolver programas comoos que existem hoje no Institutoda Hospitalidade e levá-los paradentro do cluster. Poderemos am-pliar esse tipo de iniciativa paraalém da hotelaria, atingindo tam-bém o conjunto do entretenimen-to, a cultura e a música. Tambémestamos propondo a implementa-ção de programas educacionaisvoltados para aprofundar o co-

nhecimento sobre as possibilidadesdo turismo nas escolas tradicionais,através de cursos, palestras. O in-tuito é que a população como umtodo se integre a esse esforço.

BA&D – Concluindo, na quar-ta fase, a meta a ser atingida seráo fortalecimento e a reestrutura-ção das instituições-chave paraque apoiem o cluster, além do pla-nejamento de longo prazo para acontinuação do desenvolvimentodo cluster. Qual a expectativa deprazos para que essas diversasetapas sejam cumpridas?

M – Esperamos, em um ano,ter resultados concretos desse tra-balho. Mas a meta almejada é queem cinco anos a Bahia venha a sero principal destino turístico do Bra-sil e não só em termos de quanti-dade, paradigma que pretendemosquebrar agora. O que se pretendeé que as cidades turísticas baianaspassem a centralizar a maior ren-da de turismo no Brasil. Para tan-to, como já visto, é necessário quese consiga atrair um turista maisqualificado, que possa pagar maispelos produtos consumidos. Des-sa maneira, será possível reter nomercado de trabalho local umamão-de-obra mais qualificada, quecomeça a ser formada interna-mente. Assim, dá-se início ao ciclovirtuoso: oferta de serviço maisqualificado demandando profissio-nais mais qualificados. Assim,acreditamos que se mude o mo-

delo ambiental identificado ante-riormente em nossa conversa.

BA&D – Como vocês preten-dem interferir nesse processo, noqual caberiam mudanças nocomportamento tanto dos agen-tes públicos quanto dos empre-sários?

M2 – Nós pretendemos con-tribuir com o setor privado no sen-tido de fazê-lo entender que épreciso estruturar e integrar osprodutos turísticos. A integraçãoda cultura e do turismo é um bomexemplo. Atualmente, esses doissetores se ajudam, mas não sefalam.

Inúmeras iniciativas podem serestruturadas, mas não como ini-ciativas pontuais, desvinculadasde um pensamento econômico,de uma cooperação com outrosgrupos. Não é difícil se ter umaidéia boa, o difícil é desenvolveressa idéia transformando-a emum produto economicamente vi-ável, que traga benefícios para acomunidade. O grande desafio éunir à criatividade dos artistasbaianos a visão empresarial mo-derna. A cultura não pode ser vis-ta apenas como um produto inte-ressante, criativo, que o governodo estado tem que apoiar, mas simcomo um produto que vai efetiva-mente ajudar a comunidade naqual está inserido, trazendo-lhebenefícios econômicos.

Notas

1 Entrevista realizada por Carlota Gotts-chall em maio de 2001.

O que se pretendeé que as cidadesturísticas baianas

passem a centralizara maior renda

de turismo no Brasil.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.13-19 Setembro 2001 13

BA&D – A estratégia de açãodo setor de turismo baiano estápassando por reformulações. Emlinhas gerais a proposta elabora-da para a construção de um Pólode Entretenimento para a Bahia jáfoi exposta3. Nossa intenção aquié comentar os aspectos centraisdesse novo projeto e aproveitarpara debater um aspecto que con-sidero fundamental para a atuaçãodo turismo na Bahia – qual será operfil do produto turístico que, hoje,pode ser considerado competitivoe ao mesmo tempo promotor dodesenvolvimento social?

Almeida – Em termos de dire-ção geral, a proposta que está sen-do apresentada me parece estarno caminho certo. Primeiro, porqueestá priorizando a tendência àmicro-segmentação que acontecehoje em diversos setores e tam-

bém no turismo: temos o turismode ação, turismo de esporte, turis-mo cultural, turismo de terceira ida-de. O segundo acerto, dentro damicro-segmentação, é quanto aoenfoque cultural, posto que esta éuma grande aposta para o futuroe uma tendência quase consensualno mundo inteiro. Assim, a idéiade ampliar a interação do turismoe do entretenimento representaum avanço muito bom, pois estessegmentos já atuavam juntos naprática, mesmo quando as políti-cas eram absolutamente separa-das. O terceiro aspecto positivo éa necessidade de substituir a polí-tica de turismo de massa, que nãoleva em consideração a capacida-de de carga das localidades e éextremamente predatória – de umcerto ponto de vista, foi o que ocor-reu em Porto Seguro –, por outra

política de turismo, em certa me-dida, mais sofisticada, que agre-gue mais valor.

Agora, há também em discus-são aspectos da questão culturalque partem de uma visão absolu-tamente mercantil e inaceitável. Oconceito de que toda produçãocultural tem que ser mercantiliza-da, dar retorno, ser rentável, é umaproposta negativa para a culturae o turismo da Bahia. Claro queboa parte da produção culturaltem que ser comercializada. Soutotalmente a favor de que naBahia se dê um salto do artesa-nato cultural para a indústria cul-tural propriamente dita, mas hádiversos outros tipos de produçãocultural que não podem e nãodevem ser mercantilizadas. O quese precisa perceber é que, paramuitos tipos de investimento cul-

Debatendo as perspectivas

do turismo baiano

Os rumos do turismo baiano estão sendo redefinidos neste momento. Algumas das novas propostas já foramtornadas públicas através de entrevistas e palestras, proferidas por membros da Secretaria Estadual daCultura e Turismo e do grupo paulista Monitor contratado para elaborar um projeto para o Pólo de Entreteni-mento da Bahia. Para analisar estas perspectivas de mudanças, a Bahia Análise & Dados1 reuniu um grupode professores e pesquisadores da Universidade Federal da Bahia2: Elizabeth Loiola, Marcelo Dantas eMarcus Alban, da Escola de Administração, e Paulo Henrique de Almeida, da Escola de Economia. Durantea conversa, os pontos mais questionados foram a proposta de reduzir a atuação do Estado no planejamentoe condução das estratégias para a atividade turística; a opção prioritária por um turista com elevado poderaquisitivo e a estrutura de construção do cluster. Na discussão também foram abordados aspectos como asúltimas experiências do turismo baiano, a possibilidade de ampliar o impacto social da atividade, assim comoa micro-segmentação do mercado, um marketing centrado na idéia de “experiência única” e a adoção demedidas que transformem o turismo num efetivo promotor do desenvolvimento regional. Os professoresconsideram ainda de grande importância a divulgação do conjunto de propostas em toda a sua extensão,para que essas possam ser mais amplamente conhecidas e debatidas pela comunidade. Essa necessidade,torna-se evidente ao longo da discussão, posto que, em diversos momentos, as dúvidas referentes ao signi-ficado das proposições se constituem uma dificuldade ao aprofundamento das reflexões.

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tural, o retorno financeiro é indi-reto, em longo prazo. E cabe aoEstado fazer esse investimento.Há cidades no mundo inteiro quesustentam orquestras, balés, com-panhias de dança, grupos teatrais,sem a preocupação do retornoimediato, mas apostando no todo.O retorno é macro, em longo pra-zo, para a população da cidade epara o público turístico como umtodo.

Quanto à questão do cluster,é importante lembrar que essemodelo é secular. Desenvolvidodurante muitas décadas, combase em tradições antigas em de-terminada cultura de negócios.Agora é possível se tentar cons-truir um cluster – o Estado, umagrande ou mega empresa – comonós estamos vendo agora o casoda Embraer e o cluster da indús-tria aeronáutica de São Paulo,mas é uma proposta que exige uminvestimento elevado em termosde custo e de tempo. Aqui naBahia, temos assistidos algumasexperiências na área de turismoque chegaram a um impasse.Cito: as Câmeras Regionais deTurismo e, mais recentemente, oFórum de Estudos Avançados deTurismo.

Um outro aspecto com relaçãoao cluster é o seguinte: as consul-torias propõem a idéia de clusterquando, na Academia, já se criti-ca essa proposta, sobretudo parasetores como o turismo. O clustersupõe uma forma de ver e de en-tender a realidade com uma baseterritorial e geográfica: assim só épossível se referir ao cluster deentretenimento e turismo na Bahia,como sendo o cluster de turismoem Porto Seguro, o cluster de tu-rismo no Litoral Norte. Mas, so-

bretudo em turismo, não se podefalar de uma intervenção de baselimitada, porque o turismo funcio-na com cadeias de hotéis inter-nacionais, com operadoras mun-diais, agências de viagens nacio-

nais e internacionais, companhiasde aviação transnacionais. Então,o cluster geográfico é um concei-to limitado para se trabalhar. Oque se encaixa melhor é o con-ceito de rede.

Alban – De uma maneira ge-ral não concordo com a proposta.O primeiro ponto que questiono éa idéia de especializar o turismobaiano em um turismo de alta ren-da. Criticar o que está acontecen-do em Porto Seguro pelo fato daestratégia de intervenção não terse voltado para esse tipo de tu-rismo é um equívoco. Não há ne-nhum problema do turismo emPorto Seguro explorar a praia, osol e o entretenimento. Esse nãoé o problema, pois havia merca-do e essa foi uma boa estratégia.O que aconteceu foi que PortoSeguro cresceu muito além daconta. A indicação, inclusive, deque era preciso redirecionar o

crescimento para que não se ul-trapassasse o ponto de satura-ção, foi divulgada em algunsdocumentos públicos.

Nesse sentido, entro no se-gundo ponto complicado da pro-posta, que é a sugestão de afas-tamento do Estado das funçõesde planejamento e regulação. Oque houve em Porto Seguro nãofoi um equívoco dos empresários,como pensam os propositores. Oque houve foi ausência de gover-no, ausência de planejamento ede regulação. Assim, os empre-sários foram levados a uma con-corrência predatória por preços,porque não tinham outro jeito. Emsituações adversas, onde a ofer-ta é muito superior à demanda, aconcorrência sempre se estabe-lece de maneira predatória. Tan-to faz ser um conjunto de alber-gues operando com diárias deU$10, um conjunto de pousadas– padrão Porto Seguro – com diá-rias de U$30, U$40, ou mesmoum conjunto de hotéis de cadeiasinternacionais com diárias deU$100, U$200. Concorrência pre-datória não é sinônimo de turis-mo barato. Não existe nenhum,problema em se explorar o turis-mo de massa como tentou PortoSeguro. O problema é a não re-gulação.

Talvez a proposta não seja tãoradical assim, mas, é o que estádito no pouco que foi publicadosobre a mesma. Naturalmente,seria importante que a propostafosse tornada pública em sua to-talidade, para que a comunidadeacadêmica e empresarial pudes-se se posicionar melhor.

De minha parte, acredito queprecisamos, na verdade, é aumen-tar a intervenção governamental

O cluster tem uma formade ver e de entender a

realidade com uma baseterritorial e geográfica. (...)

Mas, sobretudo em turismo,não se pode falar de uma

intervenção de baselimitada, porque o turismofunciona com cadeias de

hotéis internacionais, comoperadoras mundiais,agências de viagens

nacionais e internacionais,companhias de aviação

transnacionais.

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do setor. O turismo, numa econo-mia como a baiana, não pode sercomandado preponderantementepelo setor privado. Ocorre, que osetor privado não têm uma lógicamacro. Sua lógica é micro, e nãopoderia ser de outra maneira. Cla-ro que criar conselhos com a par-ticipação dos empresários é algosalutar. Daí, porém, dizer que sedeve afastar o estado do proces-so de planejamento já é forçardemais.

Deve-se perceber, por outrolado, que o turismo já está cres-cendo na Bahia, e continuará acrescer – de qualquer maneira.Isto porque, o Brasil mudou suapolítica cambial. Quando tínha-mos um câmbio fixo à R$ 1,20, oturismo era uma péssima alterna-tiva. Com o câmbio, porém, osci-lando em torno de R$ 2,50 pordólar, o turismo tornou-se um óti-mo negócio.

Ou seja, o turismo não estácrescendo na Bahia por causa danova proposta. Ele cresce, e con-tinuará crescendo, por causa danova política cambial. Agora, senão for um crescimento planeja-do e regulado, o que vai cresceré um turismo predatório em todosos sentidos. Predatório economi-camente, socialmente e tambémem termos ecológicos. A novaproposta, portanto, traz em si orisco de vários “Portos Seguros”.

Loiola – Gostaria de retornaralguns aspectos abordados porAlmeida e Suarez, como o fato deque parece haver lacunas de co-nhecimento sobre a realidadebaiana nessa proposta que estásendo discutida, não só sobre asquestões culturais, mas tambémsobre o fazer turismo no estado naBahia. Considerando o que é de

conhecimento público, observoque existe uma superficialidadegrande no tratamento do turismo,setor estratégico para o estado daBahia, Salvador, Porto Seguro eLitoral Norte. Por isso mesmo, tais

proposições devem ser discutidas,analisadas e refletidas com um ní-vel maior de informação.

Outro aspecto já aventado ésobre o papel que cabe ao Esta-do, não só em relação ao turismo,mas em relação a qualquer outrosetor econômico. E este é umponto especialmente importantepara se pensar neste momento,quando as localidades turísticasvão receber um volume muito gran-de de investimento decorrente doPRODETUR II. Se tais investimen-tos forem sendo aplicados semque haja um plano estratégico, oresultado pode ser agravar a si-tuação de “desbalanceamento”,de dilapidação de todo nosso pa-trimônio turístico cultural. Achoque Porto Seguro aponta nessesentido.

Concordo também que não éfocalizando o turista de alta ren-da que vai se impedir a utilizaçãodos sistemas além da sua capaci-dade de carga. Isso é válido tantopara o turismo de massa, quantopara o turismo de resort. O turis-mo de resort é dirigido a consu-

midores de uma renda mais ele-vada, no entanto, pergunto: quaissão os benefícios para as comu-nidades locais? Como a rendagerada por esse turismo se enraí-za nos locais receptivos? Obser-vando que esses consumidoresestabelecem relações muito fra-gilizadas com a comunidade local.Acho que o mercado precisa res-peitar a capacidade de carga decada sistema, mas isso ainda nãoresolve a questão central, que éa gestão do desenvolvimento, aqualidade de vida da populaçãolocal. Respeitar a capacidade decarga do sistema é uma condição,mas não é suficiente para queseja possível colher todos os be-nefícios das atividades envolvidasno turismo.

Sobre a construção dos clustersé preciso investimento. Um doselementos fundamentais para issoé o capital social, ou seja, firmar-seuma relação muito estreita entreas empresas do cluster e tambémentre essas e as comunidades.Essa é uma questão fundamen-tal. Não tenho visto esse tipo derelação nem esse tipo de objetivosendo tocado pelas empresas deturismo, pelas grandes operado-ras que estão se deslocando paraatuar em Salvador ou no estadoda Bahia. Se o governo tivesseum plano efetivo de construção docluster poderia atuar nesses es-paços, justamente visando fomen-tar esse tipo de integração entreas grandes operadoras, os gran-des grupos e aquelas pequenasempresas da comunidade, presta-doras de serviços turísticos ou não,que, de alguma forma, possam vira constituir essa grande cadeia doturismo. Claro que isso não se fazsem investimento e regulação,

O que precisamos, narealidade baiana, é

aumentar a intervençãogovernamental do setore não apenas deixar ogoverno a reboque das

decisões do setor privado,posto que os empresários

não tem uma lógicamacroeconômica.

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porque as empresas, agindo aogosto delas, vão exatamente atu-ar de forma que os investimentossejam mínimos e os lucros sejammáximos, no curto prazo. Mesmoque se inverter essa lógica visan-do o retorno à longo prazo signifi-que alcançar taxas de lucros mai-ores. Em geral, a empresa pensano curto prazo, sobretudo aque-las que atuam em países onde ossistemas de regulação da ativida-de empresarial são muito frágeis.

Assim, em vez de se proporuma menor atuação do Estado naárea de turismo, acredito que pre-cisamos não do Estado conven-cional – provedor da infra-estrutu-ra, de incentivos fiscais, dasexternalidades com o intuito deatrair os grupos empresariais eque esses consigam rentabilizarseus capitais –, mas, sim, do Es-tado que negocie com as empre-sas que estão sendo beneficiadaspor essas externalidades, metasa serem alcançadas, resultados aserem apresentados, visando ge-rar empregos qualificados para opessoal do local.

Dantas – Aqui parece haveruma consonância em reclamar anecessidade de atuação maior dogoverno estadual no setor de tu-rismo. Quanto à cultura, nos ter-mos em que a proposta é apre-sentada, afirma-se que “existesegmentado entre os agentes cul-turais, uma espécie de paradigmasegundo o qual cultura não é ne-gócio, mas algo que decorreria deum movimento artístico depen-dente da iniciativa dos governoslocais e estaduais”3, ou seja, osartistas acreditariam que a cultu-ra não pode ser lucrativa. Mas queartistas são esses? Efetivamentede que artistas eles estão falan-

do? Porque os músicos e os ar-tistas que atuam em áreasconexas de entretenimento estãoconsiderando a música como ne-gócio há, pelo menos, quinzeanos, de forma contínua e cres-

cente. Talvez os consultores es-tejam se referindo aos novos ar-tistas de vanguarda, que não que-rem comercializar ou que sãoideologicamente contra o merca-do? Esse aspecto evidenciadome parece ter sido inspirado emum diagnóstico representativo deuma realidade vivida anterior-mente. Vejamos. Verifique a ren-da da cidade de Salvador e deuma parte do estado da Bahiadecorrente do significado econô-mico do carnaval de hoje e com-pare ao da mesma festa nos anos1970. Então, me parece muitoestranho que esses artistas ain-da tenham que ser convencidosda viabilidade econômica da in-dústria cultural.

Outro ponto tratado aqui, como qual eu concordo é a importân-cia da comunidade para o setorde turismo, pois tal atividade temos seus agentes tradicionalmen-

te localizados, que se constituemgrupos de pressão diversos, cominteresses também diversos, nãosendo possível definir uma estra-tégia a médio ou longo prazo semconsiderá-la.

Também acredito que o turis-mo na Bahia vai crescer, seja porrazões cambiais ou porque sem-pre houve uma difusão da imagemda Bahia e uma atratividade quenão se concretizava, por causa dadesvantagem cambial. É como se,agora, fosse haver um crescimen-to compatível com o potencial quea Bahia e o Brasil sempre tiverampara se tornar um dos grandesdestinos turísticos do mundo parao viajante estrangeiro. Mas tudovai depender muito da capacida-de que o Brasil e a Bahia tenhamde convencer o mundo de sua ori-ginalidade, da sua singularidadee da sua beleza. Circunstânciasque envolvem ações práticas, aexemplo do marketing institucio-nal. Em toda cidade cosmopolitao marketing de turismo internacio-nal é feito por Câmaras de Turis-mo dos países receptivos. Seexiste um outdoor da Bolívia nometrô de Paris, ele é assinadopelo governo boliviano. Quer dizer,o próprio país tem que vender opaís e não deixar isso à cargo dasoperadoras.

Também gostaria de falar so-bre o marketing publicitário, de pro-paganda. Em longo prazo, paraque haja um crescimento signifi-cativo de um destino turístico, aconstrução da imagem envolvemuitos elementos. Como a ques-tão da circulação de informaçõesjornalísticas, que é determinantenuma empreitada turística. Ouseja, isto envolve o que é divul-gado externamente sobre o país,

Na área de turismoacredito que

precisamos não doEstado convencional,mas, sim, do Estado

que negocie comas empresas que estãosendo beneficiadas poressas externalidades,

metas a serem alcançadas,resultados a serem

apresentados, visandogerar empregos

qualificados para opessoal do local.

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pois os países que conseguemque o seu lado positivo supere osaspectos negativos são os queconseguem atrair os estrangeiros.Não adianta trabalhar apenascom elementos pragmáticos, deinfraestrutura, porque os elemen-tos subjetivos são determinantesna formatação de uma imagem dopaís ao olhar estrangeiro. Agorao turismo não é apenas o turistaestrangeiro e, apesar do Brasilatrair uma pequena parcela deestrangeiros, inferior a potenciali-dade ofertada pelo seu tamanhoe à sua potencialidade na com-petição mundial, temos dezenasde milhões de brasileiros com ca-pacidade de renda para consumirnossos sítios turísticos. Por isso,a política do turismo não pode servoltada apenas para o consumi-dor estrangeiro, porque temos ummercado global.

Alban – Quanto à questão domarketing institucional, tendo aachar que não faz parte da novaproposta o pensamento de queserá o pequeno capital que vaiatuar nesse processo. Está sepensando particularmente emgrandes capitais, de alguma cons-trutora ou empresa que tenhacacife para entrar nesse jogo, eque tenha capacidade de articu-lar o acesso junto às cadeias dehotelaria, sobretudo aqueles quepossuam canais de comercializa-ção internacionais. Então, efeti-vamente, o pequeno capital, apequena agência vai operar àmargem, como já vinha operan-do efetivamente. O que não querdizer que eu não concorde com aobservação de que é possívelhaver um marketing institucional,até porque é mais barato fazerisso ao nível de governo.

Almeida – Acredito que a pre-ocupação central da proposta doPólo de Entretenimento não é ade, realmente, se construir um tu-rismo voltado para a elite. Na me-dida em que a maioria dos turis-

tas que visitam a Bahia é de bra-sileiros, não existe demanda sufi-ciente que justifique esse tipo denegócio. Acredito que a preocu-pação central é a de trazer umturista que gaste mais, que agre-gue mais valor à economia. Sairdaquele esquema de você ter doismilhões de pessoas no carnavalpulando e comprando um abadáe tomando latinha de cerveja. Ou,então, esse turismo de litoral –praia, areia, sol e cerveja – quetambém não agrega muito valorà economia.

Outro aspecto que me pareceimportante – acho que o próprio Se-cretário de Turismo e Cultura já sereferiu nesses termos em algumaspalestras –, é que os governos bra-sileiros têm feito uma espécie deauto-crítica quanto à imagem vin-culada ao Brasil no exterior. Porexemplo, um problema sério noNordeste – não é nem tanto o casode Salvador, mas sobretudo deFortaleza – é o turismo sexual, quenão é uma coisa boa e, em certamedida, foi estimulado pelo tipo depublicidade que se fez do país, cen-trada na sensualidade.

Há ainda um outro problemaque, me parece, está preocupan-do as autoridades: eles sabem tãobem quanto nós que os destinostêm um ciclo de vida. Os destinosnascem, amadurecem e morrem.Em relação à Bahia, é muito pro-vável que o carnaval já tenha al-cançado o patamar máximo emtermos de massa de turistas. Nãodá para se pensar num carnavalnas ruas de Salvador comportan-do quatro milhões de pessoas.Seria inviável. Assim como não épossível ultrapassar o teto de car-ga em Porto Seguro. Acho queessa é uma das percepções quese tem. Mas como fazer então?Há uma proposta que, penso eu,em termos gerais, aponta na di-reção correta: a micro-segmenta-ção. Porque micro-segmentando,criam-se produtos de maior valor.Ou seja, trata-se de trabalhar naslinhas de turismo esportivo, eco-turismo, pesca esportiva, turismonáutico, festivais de música, festi-vais de teatro, ampliar as ativida-des culturais programadas anuais,ir além do festival PercPan, porexemplo. Porque assim as pessoasficam mais tempo, compram pro-dutos de outra natureza, que nãosó a culinária, a hospedagem e acerveja. Gastam com o ingressodo show, curso de mergulho, etc.Para tanto, é preciso ter um outrotipo de marketing, um marketingde micro-segmentação associadoao marketing de relacionamento.

BA&D – E quanto à questãoda integração das comunidadeslocais, que é fundamental, comoagregar valor ao trabalho? Comoconquistar uma melhoria objetivada condição social das pessoasque, de alguma forma, estão in-

Não adianta trabalharapenas com elementos

pragmáticos, deinfraestrutura, porque

os elementos subjetivossão determinantes

na formatação de umaimagem do país

ao olhar estrangeiro.

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tegradas às atividades turísticas?E quanto à questão da educação,que aparece nessa nova propos-ta como um elemento crucial?

Almeida – Penso que não de-vemos ter utopias com relação àindústria do turismo. Essa ativida-de se caracteriza por empregaressencialmente mão-de-obra debaixa qualificação, de baixo níveleducacional, aqui ou em qualquerlugar do mundo. Acredita-se quenoventa e cinco por cento da mãode obra em turismo é de segundograu ou menos e executa funçõesbásicas: governança, camareira,garçom, esse tipo de trabalho. Esseé um problema internacional. O tu-rismo não tem só o lado positivo,se constitui também um problemaem qualquer lugar do mundo.

Loiola – Não há dúvida queesse problema é internacional,mas se analisarmos os estudossobre o setor turístico em diversospaíses do mundo, veremos quesão diferentes as capacidades daseconomias de represarem a ren-da gerada pelo turismo. A Espa-nha, por exemplo, é um país queganha muito com o turismo e re-tém essa renda. Então, acho queaprimorar essa capacidade é umaquestão fundamental quando sepensa em desenvolvimento.

Almeida – Nesse sentido, ummodelo a condenar é o modelo deresort, porque os recursos queentram via resort saem. Ou seja,eu defendo a opção de abando-nar o modelo de resort ou, pelomenos, haver mais do que isso.Hoje, a proposta central que exis-te no estado é a expansão deSauípe e dos clubes Mediterra-nés. O turismo, necessariamen-te, tem esse problema: parcelados recursos que entra, sai. Por-

que, boa parte dos rendimentos ficanas mãos das companhias de via-gem, que são estrangeiras, outrafica com as operadoras, paulistase/ou estrangeiras, e às redes ho-teleiras internacionais. E, final-mente, o restante termina sendodirigido para o pagamento dos pro-dutos importados que se consomenos hotéis, sobretudo quando sefala em consumidores de maior po-der aquisitivo.

Mas há soluções. A procura demodelos que não sejam tão fecha-dos, que não tenham um carátertão acentuado de ilhas sociais, cul-turais e econômicas. Acho que amicro-segmentação é uma dessaspossibilidades. Também gostariade comentar uma outra questãodelicada relacionada ao turismo ea integração das comunidades –a preservação dos valores cultu-rais. Isso é um desafio que nãoestá resolvido em nenhum lugar domundo, pelo contrário. Toda co-munidade onde se trabalha como turismo reaparece a questão dadestruição dos valores locais, dacultura local.

BA&D – Talvez possa se op-tar por construir um tipo de turis-mo que embora nunca vá ser in-tegrado ao local, possa gerar maisbenefícios para a população hos-pedeira. Atualmente, a empresase instala, se beneficia de um pa-trimônio natural e não dá muitopouco em troca para a comunida-de. Esse é o modelo que vem sen-do viabilizado até agora. Poderiaser negociado, via Estado ou viainiciativa privada, um tipo de con-duta em que se criasse uma rela-ção de benefício para a comuni-dade, podendo inclusive esse nãoestá relacionada diretamente com

a atividade turística, mas queaproveitasse a capacidade de ir-radiação econômica desse mer-cado, seu efeito multiplicador.

Dantas – Acho que o aprovei-tamento direto no turismo vai sermesmo criando postos de traba-lho como camareira, garçom, etc.E o indireto, é a questão do de-senvolvimento local. Quanto aotempo de vida curto dos destinos,isso acontece com os destinosque foram construídos para o tu-rismo. Por exemplo: não se podedizer que Paris foi construída parao turismo, nem que ela tem seuciclo de vida. A prova disso é queela é a campeã mundial de visita-ção do turismo: 60 milhões de tu-ristas visitam Paris anualmente.Na verdade, o que determina apermanência é a mídia que seconstrói em torno do destino. Nes-se sentido, como o Brasil e a Bahianão conseguiram ainda uma ima-gem internacional no mercadodas cidades não conseguimosnos firmar. Também não sou con-tra os resorts. Se o turista alemãonão tem a concepção de que vir àBahia é uma “experiência única”,que pelo menos ele venha paraficar no hotel em uma praia comoficaria em Cancún ou em qualqueroutro lugar.

Gostaria de discutir tambémalguns pontos que são colocadoscomo consenso dentro dessa pro-posta atual para o turismo baiano,como a idéia de que é preciso in-vestir em educação. Fala-se no“investimento em formação depessoal, posto que o maior dife-rencial em uma localidade turísti-ca não é a praia, um bom hotel oua infraestrutura, mas o serviço”.Discordo disso. Primeiro, questio-no que educação deva ser apli-

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cada para a população como for-ma de potencializar o serviço? Atéonde? Porque, quanto mais se edu-ca, mais cara fica a prestação deserviço. A situação hoje já está di-fícil: 30 cursos de turismo de ní-vel superior na Bahia. Quando osformados em turismo vão compe-tir com pessoas de segundo grau,na mesma função, acabam per-dendo. Porque aqueles que estu-daram mais querem um custo-sa-lário que o mercado não oferece.A educação, ao que parece, aoinvés de ser algo para potencializaro turismo, funciona como uma ar-madilha, tornando-o inviável emtermos de preço. Portanto, as so-luções nunca são tão simples as-sim. Por isso, temos que investirem educação, mas em educaçãopara o desenvolvimento local demodo amplo e não especificamen-te para o turismo, senão iríamoseducar apenas o mínimo para essamão de obra não se tornar muitocara? Seria um absurdo.

Alban – Eu entendo, a partirdo que está sendo tornado públi-co, que o objetivo para o turismobaiano é valorizar o turista de altarenda. Se não for isso que constano projeto, tudo bem, mas nós te-mos que nos posicionar pelo queestá disponível. Por isso, volto areafirmar a importância de que setorne efetivamente pública a es-tratégia do Pólo de Entretenimen-to. Então, entendendo isso, devodizer que é um equívoco pensarque nós devemos transformar a

Bahia numa estratégia voltado ape-nas para o turismo de alta renda.

Quando se aponta a experiên-cia de Porto Seguro como sendoum exemplo a não ser seguido3,se está criticando a opção de tu-rismo barato, mas acontece que

o cobrar caro depende da estru-tura de oferta disponível, quer sejaem Porto Seguro ou em outro lu-gar. Pode haver turismo predató-rio tanto numa estrutura de alber-gue, quanto numa estrutura quetem custos elevados e que nãoconsegue se sustentar. Para exis-tir a “experiência única” é precisoplanejar a oferta, com capacida-de de oferecer e financiar essas“experiências únicas”. Na medidaem que se deixa isso para a iniciati-va privada, quer no que toca a umsistema de albergues, quer no quetoca a um sistema de resorts ouhotéis de negócios, essa ofertapode crescer indefinidamente, a umponto muito superior à demanda.Quando isso acontece, então, nãoé possível cobrar o preço razoá-vel. Também não é positivo cobrarum preço absurdamente caro, oque tornaria a Bahia conhecidacomo um lugar caro. É preciso terum preço que viabilize a rentabili-

Para existir a“experiência única”é preciso planejar a

oferta, com capacidadede oferecer essas

“experiências únicas”.

dade daquele tipo de empreendi-mento, seja ele um albergue, umhotel ou um resort. E é possívelter “experiências únicas” tantonum resort, quanto num albergue.

BA&D – Gostaria de agrade-cer a presença dos senhores(a)nessa discussão sobre as pers-pectivas para o turismo na Bahia,creio que aqui foram abordadasalgumas das mais importantesdiscussões em pauta na atualida-de. Obrigada.

1 Debate conduzido por Carlota Gotts-chall, em 05/10/01.

2 Marcelo Dantas é professor doutor,pesquisador do NEPOL – Núcleo deEstudos sobre Poder e OrganizaçõesLocais, Chefe do Departamento de Es-tudos Organizacionais da Escola deAdministração e membro do PACTU– Programa de Atividades e Estudossobre Cultura e Turismo, da Prós Rei-toria de Extensão da UFBa.Elizabeth Loiola é professora doutorado Núcleo de Pós-graduação da Es-cola de Administração da UFBa.Marcus Alban é professor doutor doNúcleo de Pós-graduação da Escolade Administração da UFBa.Paulo H. de Almeida é professor dou-tor da Faculdade de Ciências Econô-micas da UFBa.

3 Ver entrevista “Debatendo o Pólo deEntretenimento para a Bahia”, publi-cada nesta edição.

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A problemática da intervenção e dos limites àatuação estatal no turismo

A intervenção do Estado no domínio econômico éum tema que, apesar de estar em voga na esfera aca-dêmica e política há mais de dois séculos, mantémainda a sua contemporaneidade. De acordo com Gui-marães (1966, p. 14), esta questão encontra-se nabase de toda política e, quanto mais o poder públicose orienta para o comando do desenvolvimento, maisa temática da intervenção estatal na economia evoluida perquirição acadêmica para uma discussão viva,trazida à cena por opções constantes.

Reportando-nos à atividade turística baiana, épossível observar que a importância atualmenteassumida pela problemática da intervenção e doslimites à atuação do Estado ratifica a contempo-raneidade dessa questão, conforme assinaladopor Guimarães (Ibid.). No transcurso da evoluçãodo turismo baiano, o Estado esteve sempre pre-sente, atuando, sobretudo a partir da década de1970, com um modelo amplamente interventor.Hoje, porém, esse modelo está sendo questiona-do, extrapolando a agenda de discussões do meioacadêmico e abarcando amplos segmentos da so-ciedade civil. Ressalta-se que, nesse caso, o de-bate vem sendo promovido principalmente pelopróprio Estado, que, diante das transformaçõesem curso na economia mundial e frente às exi-gências de ordem fiscal e à necessidade de ele-var a competitividade do turismo baiano, está bus-cando rever o seu próprio papel.

Obviamente, não se pode deixar de pontuar ainexistência, no curso da história, de um Estadointeiramente alheio ao setor privado da econo-mia (Id. Ibid.). Mesmo para a Escola Liberal Clás-sica, que apregoava a defesa de um “Estadoausente às leis de mercado,” ao poder públicoeram atribuídas diversas funções, como “a ma-nutenção de obras e instituições necessárias àsociedade, o controle da taxa de juros e da emis-são de papel-moeda e até mesmo a proteção daindústria nacional essencial à defesa do país”(Araújo, 1988, p. 31). Nas últimas décadas, osargumentos contrários à forte presença estatalna esfera econômica estiveram presentes, commaior notoriedade, no discurso neoliberal (Iriate,1995, p. 25-60). Observa-se, porém, que as prá-ticas dos países que adotaram ou ainda adotammodelos pautados nessa doutrina distanciam-seda situação de uma real não-intervenção do po-der público na economia.

No turismo baiano especificamente, as maiorescríticas, em larga medida procedentes da própriaesfera estatal, não são exatamente direcionadas àinterferência do setor público sobre o privado, massobretudo aos resultados do modelo interventor ado-tado, que conduziu a uma certa passividade da clas-se empresarial. Os empresários vinculados ao tradeturístico estadual e, principalmente, ao soteropolita-no, beneficiando-se das estratégias intervencionis-tas empregadas pelo governo, passaram a atribuirao Estado a responsabilidade pelo desempenhoquase integral da atividade.

A evolução do sistema institucionalpúblico do turismo baiano1

Lúcia Aquino de Queiroz*

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Ao longo do processo evolutivo do turismo baianoe para fomentá-lo, o Estado decidiu tornar-se, elemesmo, um empreendedor privado. Construiu e ar-rendou hotéis e outros equipamentos turísticos emregiões pouco propícias à atração do capital priva-do, mas não exclusivamente nelas; também inves-tiu e gerenciou equipamentos de grande porte nacidade do Salvador, locus dotado de maior poderde competitividade no contexto do turismo estadu-al. Posteriormente, ainda que se desvinculando daprodução direta, o Estado perma-neceu como o provedor da ativida-de, intervindo em todas as etapasdo seu processo produtivo. Assim,assumiu na produção, dentre ou-tras, a atribuição de preparar a mão-de-obra; no consumo, arcou com aresponsabilidade pela atração epermanência da demanda; na dis-tribuição, com a tarefa de viabilizaro acesso dos visitantes aos desti-nos e atrativos turísticos estaduais.

Em face das peculiaridades doturismo, uma atividade “complexa emuito horizontal que afeta notáveisâmbitos de competência setoriais,mas que necessita orientação peloseu amplo impacto na criação de emprego, renda,relações sociais” (Vera, et. al., 1997, p. 313) e ambi-entais, a política turística deve envolver, esquemati-camente, conforme Figueirola Palomo (1985, p. 366),três classes de elementos: os fins a alcançar, relaci-onados, dentre outros fatores, ao aumento dos in-gressos e à melhoria da qualidade de vida da popu-lação; os meios utilizados, representados por umaoferta de alta qualidade, com preços competitivos;e as relações entre fins e meios, equivalente ao con-junto da demanda turística.

O grande questionamento em relação à políticado turismo – lançado, inclusive, por Figueirola Palo-mo – refere-se a quem deve instrumentá-la ou colo-cá-la em ação. Segundo esse autor, o sujeito ativoda política turística pode se identificar com o Esta-do, representado por um conjunto de organismosde governo e por autoridades regionais. Sugere ain-da um esquema básico para a ação estatal em ma-téria de política turística, indicando que o Estado nãopode permanecer indiferente ante os movimentos

turísticos em função das repercussões que isso podegerar, devendo apoiar o desenvolvimento dessa ati-vidade, uma vez que, “além de contar com os meioseconômicos, (o Estado) possui instrumentos jurídi-cos, administrativos e de polícia para sua ordena-ção e equilíbrio”. E recomenda, quanto ao papel doEstado no turismo, que se deve resumir a:– estimular e incentivar a iniciativa privada com

fins a um desenvolvimento mais intenso e har-mônico;

– prestar ajudas econômicas e deorientação nos projetos que pro-movam efeitos sociais e econômi-cos benéficos;– defender os recursos naturais,históricos e patrimoniais e os direi-tos dos consumidores turistas;– controlar o equilíbrio estrutural eo cumprimento da normativa;– criar e articular o marco jurídicopara o normal e perfeito desenvol-vimento e expansão;– corrigir desajustes mediante açõesdiretas e indiretas” (Id. Ibid. p. 376-377).

Na Bahia, o questionamento emrelação ao papel do Estado no turismo e a quemdeve caber a responsabilidade por instrumentar ecolocar em ação a política turística, encontra-se emgrande efervescência. Propõe-se, hoje, um novomodelo de gestão turística, com ampla participaçãoda iniciativa privada e de diversos segmentos dasociedade civil organizada. Com essa proposta, oEstado, seu principal defensor, evidencia a inten-ção de restringir a sua atuação no turismo e de divi-dir a responsabilidade das funções assumidas notranscurso da história.

Fases do Sistema Institucional Públicodo Turismo Baiano

Fase 1 – Implantação: a institucionalização doturismo baiano

Durante a sua fase inicial de implantação, com-preendida entre a década de 1930 e o ano de 1962,o Sistema Institucional Público do Turismo Baiano

O Estado nãopode permanecerindiferente ante os

movimentos turísticos emfunção das repercussões

que isso pode gerar,devendo apoiar o

desenvolvimento dessaatividade, uma vez que,“além de contar com os

meios econômicos,possui instrumentos

jurídicos, administrativose de polícia para sua

ordenação e equilíbrio”.

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mão-de-obra conduziu à confecção do primeiromapa turístico da cidade e à realização do primeirocurso de Tradição e História da Bahia. Naquelemomento, a liderança dessas ações partia de umpequeno grupo de pessoas que mantinham algumvínculo com o organismo gestor do turismo munici-pal, a exemplo de Albano Marinho de Oliveira (Dire-tor da Secção de Turismo), Valdemar Angelin (Diretorda DMT) e João Dórea (responsável pela confec-ção do primeiro Plano Diretor de Turismo). Apesardessas ações, pouco se conseguiu em termos doalcance de uma gestão mais dinâmica da atividade.O próprio Plano de Turismo, em que pese o seucaráter pioneiro, não chegou a ser implementadopelas autoridades competentes. Dentre outros pro-blemas, havia dificuldades de acesso rodoviário aSalvador – único núcleo turístico do Estado contem-plado pelas diretrizes e legislação turística – a ca-rência de mão-de-obra especializada era notória ea rede hoteleira local era frágil. Ainda não se tinha apercepção do turismo como uma atividade econô-mica rentável.

No final dos anos 1950 o turismo passou a serinserido no planejamento estadual, estando presen-te nos capítulos do Programa de Recuperação Eco-nômica da Bahia e no PLANDEB. Foi criada, na Fun-dação CPE, uma subcomissão para tratar dessaatividade. A gestão do Estado, entretanto, não pros-perou nesse período. Concomitantemente a essatentativa de institucionalização do turismo efetuadapelo Governo Estadual, a Prefeitura Municipal doSalvador implantou, na estrutura da Secretaria deEducação e Cultura, o Departamento de Turismo eDiversões Públicas (DTDP). Dirigido por Carlos Vas-concelos Maia, gestor empreendedor e visionário, oDTDP inaugurou uma nova forma de gerenciamen-to do turismo, com ampla participação da intelectu-alidade e dos artistas locais. Apesar de defrontar-se com sérias restrições orçamentárias, o organismogestor do turismo municipal usufruía do apoio daimprensa, do trade e de diversos segmentos soci-ais e, assim, passou a assumir a responsabilidadepelo marketing e pela qualificação da mão-de-obraturística, fornecendo suporte técnico a diversosempreendimentos. Pode-se também atribuir aoDTDP o mérito pela instalação do Conselho de Tu-rismo – criado no início da década, mas até essemomento sem funcionalidade – pela ampliação dos

foi conduzido pela municipalidade, por meio dos dis-tintos organismos pertencentes à estrutura da Pre-feitura Municipal do Salvador. Ao longo desse período,o turismo praticado na Bahia caracterizou-se comouma atividade incipiente, em grande medida realiza-da por visitantes estrangeiros, que chegavam à Ca-pital em transatlânticos, ou por turistas nacionais/regionais, que se deslocavam de áreas interioranasem busca das propriedades terapêuticas das águasdas estâncias hidrominerais (Itaparica, Olivença,Caldas do Jorro e Águas de Cipó).

Em um primeiro momento, no qual a coordena-ção do turismo esteve a cargo de uma pequenasecção atrelada ao Gabinete do Prefeito, compostapor quatro a cinco funcionários, o caráter amadorís-tico da atividade desenvolvida em Salvador expres-sava-se, dentre outros elementos, através das rela-ções quase informais estabelecidas entre aquelesque desempenhavam as funções receptivas e osvisitantes. Em geral, os poucos “guias” existentes,em grande parte estudantes, conhecedores da his-tória local, esperavam os turistas no cais do porto,conduzindo-os aos atrativos de mais fácil acesso –normalmente monumentos histórico-culturais, situa-dos no Centro Histórico. A cidade dispunha de pou-cos equipamentos e serviços turísticos, mas a inici-ativa privada já se fazia presente com uma oferta,ainda que restrita, de empreendimentos hoteleiros,assim como de bares e restaurantes. O apoio pres-tado pelo organismo municipal responsável pela ges-tão da atividade restringia-se à concessão de informa-ções e ao suporte à organização das manifestaçõespopulares, com destaque para o Carnaval.

Na década iniciada em 1950 houve uma primei-ra preocupação com a capitalização e com a buscade um maior respaldo para as ações do organismogestor do turismo de Salvador, ao tempo em que seprocurou fomentar a indústria hoteleira, ainda inci-piente. Para tanto foram criados, em 1951, a Taxa deTurismo e, em 1953, o Conselho Municipal de Tu-rismo (CMT) e a Diretoria Municipal de Turismo(DMT), instituindo-se uma lei de isenção de impos-tos municipais a estabelecimentos de hospedagem.No ano seguinte à implantação desses dois orga-nismos, Salvador consagrou-se como a cidade doBrasil pioneiramente contemplada com a confecçãode um Plano Diretor de Turismo. A preocupação coma produção de informações e com a qualificação da

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incentivos municipais à hotelaria e pela expressivi-dade que a Bahia alcançou no cenário do turismonacional àquela época. Esse órgão passou, inclusi-ve, a servir de modelo, fornecendo consultoria paradiversos outros detentores de funções similares nopaís. Apesar desses avanços, em face do poucointeresse despertado pelo turismo no Brasil – e nãoexclusivamente junto aos poderes públicos estadu-al e municipal – e das complexidades próprias des-sa atividade – que requerem, para o seu bom funcio-namento, a existência de um amplo suporteinfra-estrutural e superestrutural, equipamentos eserviços específicos – o turismo continuou apresen-tando fragilidades similares às observadas em iníci-os dos anos 1950. Dentre essas, podem-se ressal-tar os problemas decorrentes da qualidade dosserviços hoteleiros; a concentração das ações naCapital, apesar das iniciativas de Vasconcelos Maiade trabalhar em parceria com alguns municípios doentorno metropolitano; a restrita disponibilidade demão-de-obra qualificada e o baixo desempenho eco-nômico do turismo.

Fase 2 – Transição: constituição de elementosfundamentais à mudança do modelo de desenvolvi-mento turístico

A segunda fase da gestão turística baiana ini-ciou-se em 1963, após a inauguração da BR-116, aRio-Bahia, que possibilitou o incremento do fluxo deturistas nacionais por via rodoviária. Durante o perí-odo vigente entre esse ano e 1971, a gestão do tu-rismo passou por transformações expressivas nosâmbitos municipal e estadual. Na esfera municipal,foi extinto, em 1964, o DTDP, e criada a Superinten-dência de Turismo do Salvador (SUTURSA), um or-ganismo que buscou reproduzir algumas das açõesimplementadas pela equipe sob o comando de Vas-concelos Maia, mas que não conseguiu manter ocaráter de vanguarda do Departamento. No âmbitoestadual, como decorrência da instituição da Políti-ca Nacional de Turismo, que resultou na criação daEmbratur e do CNTur, foi desencadeado o proces-so de gestão contínua do turismo, tendo por mar-cos a implantação, em 1966, do Departamento deTurismo – um organismo com atribuições muitasvezes superpostas às da SUTURSA – e da Hotéisda Bahia S. A, Bahiatursa, em 1968, uma entidade

direcionada ao fomento do setor hoteleiro e vincula-da à Secretaria de Assuntos Municipais e ServiçosUrbanos. Já no final dessa fase, o modelo de de-senvolvimento do turismo baiano começou a sofreralterações, assumindo um caráter cada vez maisexógeno, pautado em uma maior presença do capi-tal externo à região, o qual passou a migrar para oEstado em busca de rentabilidade, sobretudo atra-vés da implantação de equipamentos de hospeda-gem. Entretanto, a consolidação desse modelo sófoi efetivada na fase seguinte, a partir da atração deum expressivo número de empreendedores para aatividade turística estadual.

Fase 3 – O incremento da Ação Institucional:1971 a 1990

A etapa principiada n a primeira metade dos anos1970 caracterizou-se pelo início do crescimento tu-rístico no Brasil capitaneado pela ação governamen-tal, orientado como indústria e atrelado ao processode industrialização que ocorreu no país e, em parti-cular, na Bahia. De modo a viabilizar o modelo dedesenvolvimento nacional vigente no período, pau-tado na estratégia de desconcentrar a produção na-cional – o que, dentre outros resultados, possibilitoua implantação dos grandes complexos industriaisbaianos – foi montado um sistema viário que permi-tiu uma maior acessibilidade à Capital e também aosnúcleos turísticos litorâneos.

Ao longo das duas décadas que compreenderamessa fase, o gerenciamento do turismo baiano viven-ciou fatos de extrema notoriedade. A gestão gover-namental estadual iniciada em 1971 procedeu, pelaprimeira vez, a uma reestruturação do Sistema Esta-dual de Turismo, com a criação, na estrutura da Se-cretaria da Indústria e Comércio (SIC), do ConselhoEstadual de Turismo (CETUR) e da Coordenação deFomento ao Turismo (CFT). Enquanto a CFT assu-miu as funções de planejamento, a Bahiatursa, quetambém passou a atrelar-se à estrutura da SIC, per-maneceu como órgão executivo, tendo, entretanto,ampliado as suas funções e assumido, além do fo-mento à hotelaria, a qualificação dos recursos huma-nos e dos serviços. Em face das recomendações doBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foiconstituído o primeiro planejamento estadual – o Pla-no de Turismo do Recôncavo (PTR) – que, apesar

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de não ter sido implantado integralmente, subsidiouas ações da gestão de Manoel Castro à frente daBahiatursa (1971 a 1975). No ano de 1973, após so-frer uma reestruturação, a Hotéis da Bahia S A, pas-sou a denominar-se Empresa de Turismo da Bahia(Bahiatursa). As suas atribuições foram, mais umavez, ampliadas, incorporando a realização de açõesdirecionadas ao segmento histórico-cultural; ao marke-ting voltado prioritariamente aos mercados do Sul eSudeste do país; e à produção de estudos e estatísti-cas, iniciando-se, de forma pioneira,o trabalho de classificação da hote-laria. O setor hoteleiro expandiu-se,podendo-se registrar a construçãode grandes hotéis na orla de Salva-dor e no interior (Salvador Praia Ho-tel, Ondina Praia Hotel, na Capital,e Hotel Vela Branca, em Porto Se-guro, em 1972; Bahia Othon PalaceHotel, em 1974, Hotel MeridienBahia, em 1975, dentre outros). Ain-da em 1973 foi extinta a SUTURSA,encerrando-se, temporariamente, agestão municipal do turismo de Sal-vador.

Na segunda metade da décadade 1970, com os propósitos de des-centralizar a atividade turística, for-talecendo outras áreas externas àCapital; de ampliar o tempo de per-manência do visitante na Bahia e de possibilitar oincremento do segmento de negócios e, assim, aredução da sazonalidade turística em Salvador, oEstado criou duas subsidiárias da Bahiatursa: a Em-preendimentos Turísticos da Bahia S/A (EMTUR),responsável pela construção de hotéis e equipamen-tos turísticos no interior, e a Bahia Convenções S A– Conbahia, destinada a gerenciar o Centro de Con-venções, implantado em 1979. Ainda nesse últimoano da década de 1970, foi procedida a unificaçãodo comando político e administrativo das empresasestaduais de turismo – Bahiatursa, Emtur e Conbahia– sob a presidência de Paulo Gaudenzi, ao tempoem que o CETUR e a CFT foram extintos. A Bahia-tursa assumiu as funções de planejamento e implan-tou um plano mercadológico, o Caminhos da Bahia,também orientado para a promoção do turismo nointerior do Estado. Com o poder público estadual

responsabilizando-se pelas ações necessárias aoincremento do fluxo turístico – marketing interno eexterno, captação de investimentos, de vôos inter-nacionais, qualificação da mão-de-obra e dos servi-ços – a atividade expandiu-se, preponderantemen-te, na Capital, mas também em municípios do interiorbaiano. Essa expansão levou a que Salvador fossecontemplada com a implantação da primeira facul-dade de turismo da Bahia (1984) e com o retorno dagestão municipal, através da criação da Empresa

Municipal de Turismo do Salvador(Emtursa), ao tempo em que o tra-balho da Bahiatursa alcançava pro-jeção nacional e até internacional.

Posteriormente a essa fase ex-pansionista, alterações no quadroeconômico nacional e local, decor-rentes de uma conjuntura adversa(crise do petróleo, crise fiscal, ele-vação dos juros internacionais, cres-cimento da dívida externa, etc.) queimpactou o país desde início dosanos 1980, agudizando-se, na Bahia,na segunda metade da década (mo-mento em que a petroquímica tam-bém entrou em crise), levaram o go-verno estadual a dar prioridade aoutras atividades em detrimento doturismo. Ao mesmo tempo, sofrendocom o desaquecimento da demanda

e dos investimentos, iniciou-se um processo de declíniode turismo. Nesse ínterim, durante o qual a Bahiatur-sa permaneceu vinculada à pasta da Indústria e Co-mércio, que passou a se denominar Secretaria da In-dústria Comércio e Turismo (SICT), foram lançadosdois estudos – um, produzido pela Fundação CPE eoutro, resultante de uma parceria entre a SICT e aUniversidade Federal da Bahia – contendo uma sériede diretrizes para o turismo, que objetivavam subsidi-ar as ações da próxima gestão estadual.

Fase 4 – A evolução da gestão turística nos anos90: o turismo assume o status de atividade econô-mica prioritária

A década de 1990 inaugurou uma nova fase, cujaestratégia central estava direcionada à retomada docrescimento econômico. Utilizando-se das indica-

Com o poderpúblico estadual

responsabilizando-sepelas ações necessáriasao incremento do fluxo

turístico – marketinginterno e externo,

captação deinvestimentos,

vôos internacionais,qualificação da

mão-de-obra e dosserviços – a atividade

expandiu-se,preponderantemente,

na Capital, mas tambémem municípios do

interior baiano.

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ções contidas no PRODETUR-BA, confeccionadoem 19922, e nos estudos institucionais produzidospela Fundação CPE e pela SICT&UFBA, o Governodo Estado, antes mesmo da liberação dos recursosefetuada pelo Banco Interamericano de Desenvol-vimento (BID) para o Programa de Desenvolvimen-to do Turismo do Nordeste (PRODETUR-NE), ini-ciou uma aplicação maciça dos investimentosdirecionados à atividade turística baiana, possibili-tando a atração de um amplo leque de empreende-dores nacionais e estrangeiros. ABahiatursa, ainda vinculada à estru-tura da SICT, manteve a sua tradici-onal forma de intervenção na ativi-dade, definindo como âncoras paraa sua ação a qualificação dos ser-viços e dos recursos humanos, acaptação de novas inversões e otrabalho de marketing. De modo afacilitar a implantação das estraté-gias programadas para o Estado e,ao mesmo tempo, permitir o incre-mento da ação promocional, aBahia foi segmentada em zonas tu-rísticas, detentoras de subespaçosdiferenciados.

Em meados da década de 1990o governo baiano, assimilando onovo papel ocupado pela atividade turística no con-texto da economia do Estado, compreendendo osvínculos entre turismo e cultura e atendendo aosnovos requisitos do PRODETUR-NE – um progra-ma de financiamento internacional para o turismodos estados nordestinos – implantou a Secretariade Cultura e Turismo (SCT). Retirou-se a gestão daCultura da pasta da Secretaria da Educação e a doTurismo, da Secretaria da Indústria e Comércio. Àestrutura da SCT foram integradas a Bahiatursa, aFundação Cultural, a Fundação Pedro Calmon, oInstituto do Patrimônio Artístico e Cultural e o Arqui-vo Público. Em continuidade aos trabalhos inicia-dos no começo da década, a Bahiatursa permane-ceu direcionando as suas ações estrategicamentepara o marketing, a infra-estrutura e a capacitação.O Sistema Estadual de Turismo, fortalecido com anova Secretaria, manteve-se na função de prove-dor quase único do turismo baiano, posição assu-mida, gradualmente, desde a criação da Bahiatur-

sa. Em 1995, ano de implantação da SCT, o BIDiniciou a liberação de recursos para as obras pre-vistas na primeira etapa do PRODETUR-NE, osquais se concentraram, sobremaneira, na Bahia e,dentro desta, na Costa do Descobrimento. O pro-grama de financiamento desenvolvido em parceriacom o Banco Interamericano pode ser criticado, den-tre outros fatores, por implicar a captação de recur-sos externos – e, assim, a ampliação da dívida dosestados nordestinos – e a permanência das práti-

cas dependentistas em relação aosorganismos financiadores interna-cionais. Entretanto, os impactos so-ciais e econômicos para as áreascontempladas têm sido bastanteexpressivos, haja vista o exemploda Costa do Descobrimento3.

Se, ao longo da última década,os avanços na economia do turis-mo estadual foram significativos, al-guns problemas têm dificultado oalcance de uma maior competitivi-dade. Apesar da expansão da ativi-dade para o interior, Salvador per-manece concentrando grande parteda economia turística estadual, se-guida, com proximidade, por PortoSeguro. A diversidade de segmen-

tos e produtos ofertados é ainda restrita, dificultado aatração de visitantes dotados de um maior poder aqui-sitivo. Na classe empresarial baiana observa-se umabaixa rentabilidade, a adoção de estratégias indivi-duais e isoladas, baixo índice de capitalização, visãolimitada e imediatista, etc. Por outro lado, ainda sãoperceptíveis, no setor público, uma atuação protago-nista e paternalista, e, nas relações entre os setorespúblico e privado, uma falta de confiança mútua (verSecretaria da Cultura e Turismo, 2001, p.9).

Tendências delineadas para agestão turística na Bahia

Na atualidade, em função das demandas diretasou indiretas do PRODETUR, e diante, sobretudo,das necessidades de mudança impostas pela novaordem econômica mundial, que estão a exigir umoutro papel do Estado e um mais amplo poder decompetitividade para aqueles espaços turísticos que

Utilizando-se dasindicações contidas

no PRODETUR-BA e nosestudos institucionais

produzidos pelaFundação CPE e pela

SICT&UFBA, o Governodo Estado, iniciou uma

aplicação maciçados investimentos

direcionados à atividadeturística baiana,

possibilitando a atraçãode um amplo leque de

empreendedoresnacionais e estrangeiros.

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pretendem angariar uma maior projeção na econo-mia turística global, o governo baiano vem buscan-do promover transformações na sua forma de atua-ção nessa atividade. Essas mudanças podem serevidenciadas, por exemplo, nas articulações da SCTjunto a outros organismos estaduais, requisitadaspelo próprio Plano de Desenvolvimento Turístico; nastentativas de descentralização da gestão turística,notabilizadas por atitudes como a iniciativa de cons-tituição do Conselho Regional de Turismo da Costado Descobrimento4, ou de implan-tação do Salvador Convention andVisitors Bureau; na percepção deque o Sistema Estadual de Turismodeve concentrar-se em ações infra-estruturais e de marketing instituci-onal, atribuindo aos organismos for-madores uma maior responsabilida-de pela educação para o turismo, oque já resultou na criação do Fórumde Estudos Avançados em Turismo;na consciência de que a atuação es-tatal no turismo baiano desenvolveu-se de forma paternalista, implemen-tando atividades muitas vezes ne-cessárias, mas que poderiam tersido assumidas pela iniciativa pri-vada; e na percepção de que se torna preciso ele-var a competitividade turística da Bahia, para quese possa alcançar a pretendida meta da liderançadesse Estado no turismo nacional até 2005, o queconduziu à proposta de modificação do modelo degestão, com a implantação de uma nova estraté-gia de planejamento, o chamado Cluster de Entre-tenimento.

A idéia do Cluster – sugerida pela equipe da Mo-nitor, empresa de Michael Porter responsável pelaelaboração da proposta do “Cluster de Entretenimentoda Bahia” – ao implicar uma maior interação entre asempresas que compõem o trade turístico e uma am-pla articulação desse conjunto com o setor público ecom diversos segmentos da sociedade civil organi-zada, irá requerer uma mudança de mentalidade dosgestores governamentais e da classe empresarial.Está claro que o Estado pretende e necessita restrin-gir a sua atuação na atividade turística. Por outro lado,está também evidente que tal redução não poderásignificar uma passagem de um modelo interventor

para um outro, próximo do denominado por Iriatecomo “Estado Ausente” (Ob. cit.; p. 43).

Ao menos na próxima década, o Estado nãopoderá se retirar do gerenciamento do turismo. De-verá manter-se como indutor do processo de de-senvolvimento dessa atividade, permanecendo nasfunções de condutor do PRODETUR (que está pas-sando por uma avaliação e deverá ingressar em umanova etapa ainda este ano); de agente intermediá-rio, responsável por interligar os diversos atores/ins-

tituições (comunidades, prefeituras,outros organismos estaduais, etc.)envolvidos com esse planejamen-to; e promotor da articulação entreeste plano e o turismo em geral,com os demais segmentos da eco-nomia baiana. Em adição, deverámanter-se à frente dos trabalhos dedesenvolvimento do marketing ins-titucional do Estado e de busca damelhoria da qualidade da infra-es-trutura e das instituições, atuandocomo agente facilitador para o de-senvolvimento das estratégias deplanejamento.

Em parceria com a iniciativa pri-vada, sobretudo através do Conse-

lho de Turismo5 – a ser constituído, majoritariamen-te, pela classe empresarial, mas, também, porrepresentantes do setor público – o Estado deverápermanecer no comando do planejamento estratégi-co, definindo ações prioritárias e estimulando umagestão descentralizada da atividade. Essa descen-tralização terá que ser praticada inclusive em termosespaciais. Faz-se necessária, nos processos decisó-rios, não apenas uma maior participação, juntamen-te ao governo, de expoentes da iniciativa privadabaiana ou nacional (como está subentendido na pro-posta de criação do Conselho, sugerido pela equipeda Monitor), mas também dos mais diversos agenteslocais (prefeitura, ONGs, segmentos empresariais eoutros que compõem a sociedade civil) atuantes nosnúcleos turísticos existentes na Bahia.

O turismo envolve a participação de agentes comperfis completamente diferenciados – desde umgrande hoteleiro ao vendedor ambulante – e, por-tanto, muitas vezes dotados de interesses divergen-tes e até conflitantes. Além disso, a espacialização

Está claro queo Estado pretende

e necessita restringira sua atuação na

atividade turística.Por outro lado,

está também evidente quetal redução

não poderá significaruma passagem

de um modelo interventorpara um outro,

próximo do denominadopor Iriate como

“Estado Ausente”.

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dessa atividade na Bahia tende a abarcar regiõesdistintas, não só em termos dos atrativos – patrimô-nio natural, histórico-cultural, etc. – dos equipamen-tos e serviços e da infra-estrutura existentes, mastambém do estágio de desenvolvimento socioeco-nômico e político de cada comunidade. Dessa for-ma, recomenda-se que, juntamente à criação doConselho Estadual, busquem-se instrumentos, aexemplo da implantação de consórcios nas diver-sas regiões turísticas, que envolvam representaçõesdo governo e das lideranças locais/regionais, objetivando viabilizar umamais ampla integração territorial.

A integração territorial propostadeverá compreender uma articula-ção entre as políticas turísticas defi-nidas nos âmbitos local, regional eestadual, com vistas à internalizaçãode forças que possibilitem uma mai-or participação dessas regiões nosmecanismos competitivos quepermeiam a atividade turística. Sabe-se que essa proposição é um gran-de desafio, principalmente porque irárequerer uma prática, pouco usualna Bahia, de descentralização polí-tico-administrativa e de trabalho em parceria, e, aomesmo tempo, irá também requisitar, desses orga-nismos, agilidade e dinamismo suficiente para enfren-tarem os inúmeros desafios que certamente estarãopresentes no transcurso da pretendida trajetória decrescimento do turismo estadual. Frente ao quadrode elevada competitividade do mercado turístico mun-dial e nacional, não se pode deixar a evolução daatividade turística baiana sob o controle exclusivo doEstado, mas tampouco pode-se subordiná-la aosacertos de uma improvisação que poderá ser a cau-sa de graves fracassos.

A idéia de uma gestão participativa, de um maiorcomprometimento da iniciativa privada e de uma inter-relação entre os poderes público, o setor privado edistintos segmentos da sociedade está presente naBahia desde a confecção do Plano Turístico do Re-côncavo, em inícios da década de 1970. Ainda que aproposta do Cluster traga alguns diferenciais quepossam torná-la mais atrativa aos distintos agentesenvolvidos, a realidade é que os momentos históri-cos da apresentação das idéias do PTR e de lança-

mento da proposta atual são completamente diferen-ciados e, nesse caso, mais favoráveis à segundaestratégia. Distintamente dos anos 70, o turismo éhoje uma atividade econômica de ponta no Estado.Por outro lado, a redução da participação estatal naatividade não resulta de uma mera percepção de umequívoco do modelo paternalista. É, como visto, umaexigência da nova dinâmica mundial. Em decorrên-cia da conjunção desses fatores, evidencia-se a ten-dência do Estado para alterar a sua forma de

participação na atividade turística, in-dependentemente do sucesso ou doinsucesso da proposta do Cluster.

Diante da complexidade do tu-rismo, decorrente das suas inter-relações com os mais diversos se-tores e segmentos, o que significa,em conseqüência, que o desempe-nho positivo de um equipamento/serviço passa a depender não ape-nas da sua gestão individualizada,mas dos resultados de um conjun-to bem-sucedido, caberá à iniciati-va privada baiana e, destacada-mente, à soteropolitana, buscar,coletivamente, um novo modelo de

atuação nessa atividade. Assim, resta à classe em-presarial adotar a proposta ora apresentada pelo go-verno estadual ou outra estratégia qualquer que im-plique uma mudança de comportamento, visando àmelhoria da oferta e à integração entre os própriosempresários e destes com o setor público e comoutros segmentos da sociedade civil, caso realmentevise a uma maior competitividade para o seu negó-cio, em particular, e para o turismo baiano em suatotalidade. Quiçá, as transformações em curso noaparelho do Estado e a concorrência vigente no mer-cado turístico venham a ser, de fato, os elementospropulsores para a necessária mudança de com-portamento do trade turístico local, contribuindo, as-sim, para que a Bahia possa vir a alcançar uma maiorprojeção no contexto do turismo mundial.

Notas

1 Este artigo foi extraído do trabalho de pesquisa orientada “Tu-rismo: A Evolução do Sistema Institucional Público – UmaInterpretação do Caso Baiano”, efetuado pela autora, sob ori-

Recomenda-se que,juntamente à criação

do Conselho Estadual,busquem-se

instrumentos, a exemploda implantação de

consórcios nas diversasregiões turísticas, que

envolvam representaçõesdo governo e daslideranças locais/

regionais, objetivandoviabilizar uma mais ampla

integração territorial.

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28 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.20-28 Setembro 2001

entação do Prof. Dr. Sylvio Bandeira de Mello e Silva, visan-do cumprir os requisitos acadêmicos para o exame de quali-ficação do Doutorado em Planificação Territorial e Desenvol-vimento Regional, ministrado através de convênio firmadoentre a Universidade Salvador (UNIFACS) e a Universidadde Barcelona. A elaboração do trabalho original implicou arealização de uma extensa pesquisa secundária (efetuadaem jornais publicados a partir de 1940 e em documentos dosetor público, a exemplo de diários oficiais, livros, periódicos,etc.) e de entrevistas diretas com informantes qualificados.

2 O PRODETUR-BA foi confeccionado, em 1992, pelas em-presas de consultoria, contratadas pelo governo baiano, Con-sultoria Turística Integrada (CTI) e SOLUÇÃO – Assessoriae Planejamento – objetivando “captar recursos financeiros in-ternacionais através de financiamento do Banco Interameri-cano de Desenvolvimento (BID), sendo o Banco do Nordestedo Brasil (BNB) o agente financeiro” (Bahiatursa, Prodetur,1992, p. 3). Esse programa estadual de turismo, que deveriacompor o planejamento da região Nordeste a ser apresenta-do ao BID, foi denominado PRODETUR, nome mais tardeassumido pelo Banco Interamericano – embora as negocia-ções para o PRODETUR-NE estivessem em curso desde1990, o programa para o turismo do Nordeste ainda não ha-via sido batizado – para o conjunto dos planos efetuados pe-los estados nordestinos, dando origem à sigla BID-PRODE-TUR-Ne (ver Gaudenzi, 2001, p. 11).

3 Ver MENDONÇA JÚNIOR, Érico, et al. Turismo e desenvol-vimento sócio-econômico: o caso da Costa do Descobrimen-to, 2000.

4 Ver SANT’ANNA, Dalva, et al. Gestão participativa para umturismo sustentável – o caso da Costa do Descobrimento,2001.

5 A criação do Conselho de Turismo compreende uma das eta-pas definidas pela Monitor para o Cluster de Entretenimentopara a Bahia.

6 Refere-se, exclusivamente, às referências mencionadas nasíntese e não às trabalhadas na versão original.

Referências bibliográficas6

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GAUDENZI, Paulo. Evolução da economia do turismo naBahia. Salvador. 2001. 33 p. (mimeo)

GUIMARÃES, Ary. Um sistema para o desenvolvimento.Salvador: UFBA, Programa de Estudos de Sociologia Industriale do Desenvolvimento, 1966. 184 p.

IRIATE, Gregório. Neoliberalismo sim ou não? Manual destina-do a comunidades, grupos e organizações populares (traduçãoJoão Paixão Neto). São Paulo: Paulinas, 1995. 87 p.

MENDONÇA JÚNIOR, Érico Pina; GARRIDO, Inez MariaDantas Amor; VASCONCELOS, Maria do Socorro Mendonça.Turismo e desenvolvimento sócio-econômico: o caso da Costado Descobrimento. Salvador: Omar G. 2000. 156 p. Il.

QUEIROZ, Lúcia Aquino de. Turismo: a evolução do sistemainstitucional público – uma interpretação do caso baiano.Salvador: Universidad de Barcelona & UNIFACS. Trabalho depesquisa sob a orientação do Prof. Dr. Sylvio Bandeira de Melloe Silva, 222 p. 2001. 222p. (mimeo)

SANT’ANNA, Dalva Garcia; OLIVEIRA, Maria Teresa ChenaudSá de; BERENSTEIN, Symona Gropper. Gestão participativapara um turismo sustentável. Salvador: Omar G., 2001. 152 p.Il.

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VERA, Fernando J. (Coord.); ANTON, Salvador; MARCHENA,Manuel, J.; PALOMEQUE, F. Lópes. Análisis territorial delturismo. Barcelona: Ariel Geografia, 1997. 443 p.

*Lúcia Aquino de Queiroz é coordenadora e professorado Curso de Turismo da UNIFACS e doutoranda emPlanificação Territorial e Desenvolvimento Regional

pela Universidad de Barcelonae-mail: [email protected].

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.29-40 Setembro 2001 29

Mesmo tendo ampliado em 109% o fluxo turísticonos últimos 10 anos, segundo informação da Secre-taria de Turismo e Cultura – passando de 1,9 milhãode visitantes em 1991 para 4,1 milhões em 2000 –, aBahia faz as contas e descobre que não vem obten-do uma receita na mesma proporção e já planeja umamudança de conceito na gestão do setor. O mote éinvestir na qualidade para atrair cada vez mais turis-tas com maior poder aquisitivo e, consequentemen-te, com maior capacidade de geração de receita.

Pesquisas aplicadas pela Bahiatursa sinalizamque a taxa média anual do crescimento do fluxo deturistas para o estado no período 1991/2000 foi de8,5%, enquanto o crescimento da receita foi de 8,2%.Nos últimos cinco anos, essa tendência de cresci-mento desigual no setor se acentuou, passando ofluxo a ter uma média de incremento de 8% e a taxade crescimento da receita de 4,3%. A meta do go-verno é a de que essa relação se altere, pretenden-do que o crescimento do número de visitantes quevem a Bahia chegue, nos próximos anos, no pata-mar de 9% para um aumento de receita de, no míni-mo, 10,5%. (ver Figuras 1, 1.2, 1.3 e 1.4)

A criação de um cluster de entretenimento, reunin-do todo o trade turístico e cultural do Estado para mo-bilizar um esforço sincronizado entre ações, novosinvestimentos de grande operadoras hoteleiras inter-nacionais, a exemplo da francesa Accor, da norte-americana Merriot e da jamaicana Superclubs, e umamaior ênfase ao turismo de negócios ou eventos sãoalguns sinais que já estão sendo dados pelo mercadobaiano na sua busca por esse turista mais qualificado.

O que se pretende, nas palavras do secretário deCultura e Turismo do Estado, Paulo Gaudenzi, é atrairum turista que gaste mais na Bahia e que tambémimpacte menos a sua infra-estrutura e o meio-ambi-ente. “Sob o ponto de vista da sustentabilidade des-sa atividade, é melhor receber um turista que gasteUS$ 100 por dia do que 10 turistas que gastem US$10. A receita é a mesma, mas o impacto será bemmenor”, avalia.

A nova estratégia parte da constatação que oturista de menor poder aquisitivo gasta pouco emserviços, fica pouco tempo no local e não é exigen-te em termos de qualidade. Além disso, o turismode massa sobrecarrega o serviço público, já queexige mais dos serviços de limpeza, saúde e segu-rança. Já o turista de maior poder aquisitivo gastamais em serviços de entretenimento, fica mais tem-po no destino e exige mais em termos de qualidade,sem falar no fato de que tradicionalmente possui umapreocupação maior com a conservação ambiental.

Cluster

Ao lançar há 10 anos o plano de ação EstratégiaTurística da Bahia 1991/2001, o governo baiano ti-nha como parâmetro a descentralização do turismoem relação à capital, a melhoria da infra-estruturapública, a atração de novos investimentos privados,ampliação de ações de marketing e a educação parao turismo. Segundo o superintendente de Desen-volvimento do Turismo da Secretaria de Cultura eTurismo do Estado (SCT), Érico Mendonça, nenhum

Turismo baiano traça estratégiaspara ampliar fluxo e receita

por Fred Burgos1

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30 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.29-40 Setembro 2001

desses pontos será deixado de lado. “O que se pre-tende é ter uma participação mais efetiva do setorempresarial do turismo nas definições estratégicase, em uma ação conjunta, reforçar o nosso diferen-cial competitivo, integrando-se cada vez mais o tu-rismo e a cultura”, observa.

Para aumentar a competitividade externa do tu-rismo baiano há o consenso local de que é precisouma compreensão compartilhada de sua própriacompetência interna. Ou seja, não adianta oferecerexperiência turística de baixo cus-to. Acima de tudo, o mais importan-te é oferecer uma experiênciadiferenciada. “Afinal, sol e praiaexiste em vários outros lugares domundo. Mas, por outro lado, a Bahiaé dona de uma personalidade cul-tural única. E este será o diferenci-al a ser trabalhado”, observa osecretário Paulo Gaudenzi.

Para isso, está sendo alinhavada uma maior in-tegração entre cultura, lazer e turismo no estado,por intermédio da constituição de um cluster (nú-cleo) de entretenimento. Contratada pelo governobaiano, através de convênio com a Fundação LuísEduardo Magalhães e as secretarias da Cultura eTurismo, da Indústria, Comércio e Mineração e dePlanejamento, a empresa de consultoria norte-ame-ricana Monitor Group vem realizando estudos volta-dos à criação do cluster.

Diagnóstico

Recentemente, foi apresentado um diagnósticodo trade turístico e cultural baiano. Nele, foi aponta-do uma série de fatores que justificam o porquê daBahia não estar atraindo o turista com maior poderaquisitivo. São aspectos fincados em modelos men-tais que precisam ser mudados, como afirma o con-sultor Berndt Froundt, da Monitor Group. “Falta umaestratégia compartilhada entre todos os segmentosenvolvidos, que não têm trabalhado em conjunto; onível do serviço oferecido não é satisfatório; há umdescompasso entre o calendário turístico e cultural.Ou seja, há uma separação na Bahia entre cultura eturismo; e existe uma commoditização do serviço,na qual se compete em custo e não em diferencia-ção”, observa.

No entender da Monitor Group, existe no estadouma supervalorização do Carnaval e do turismo demassa. Ao definir o nincho que será trabalhado – eo foco principal no momento é o turista de maiorpoder aquisitivo – é preciso considerar aspectoscomo qualidade dos serviços e a educação da po-pulação, alguns dos elementos que impactam ne-gativamente a performance do setor no estado. “Obaiano é simpático e hospitaleiro. Levado ao extre-mo, isso frequentemente caracteriza falta de profis-

sionalismo. Já os investimentos eminfra-estrutura, com a construção eampliação de aeroportos, em tele-comunicações e em obras de sa-neamento (em Salvador e PortoSeguro) são importantes. Mas hámuito o que fazer em transportes econservação”, afirma Freundt.

O projeto de desenvolvimentode um cluster de entretenimento no estado passaránecessariamente por uma definição clara de estra-tégia, envolvendo todos os atores do trade e a capi-talização das sinergias das áreas de cultura e turismoque possibilitem a diferenciação do destino Bahia.“O novo modelo de gestão para o setor turístico naBahia parte do princípio de que ao Estado caberá opapel de suporte. Quem definirá as perspectivas eestratégias é a iniciativa privada, que, em última ins-tância, é quem entende do mercado”, afirma o con-sultor.

Singularidade

O diagnóstico elaborado pelo Monitor Group le-vou nove meses para levantamento e finalização.Serão necessárias mais três fases até a consoli-dação do projeto – direcionamento da estratégia,fortalecimento do cluster e desenvolvimento insti-tucional. A segunda fase já está em andamento edeverá durar cerca de 10 meses, com a definiçãodos segmentos a serem trabalhados e das açõesnecessárias para a implantação efetiva do projeto.“O modelo vem sendo aplicado com sucesso empaíses como Estados Unidos, Bermudas, Venezue-la, Peru, Itália e Irlanda. A Bahia tem uma culturasingular e tem que aproveitar esse potencial, po-dendo transformá-lo em um diferencial enorme”,afirma Brend Freundt.

O que se pretendeé atrair um turistaque gaste mais na

Bahia e que tambémimpacte menos a sua

infra-estrutura eo meio-ambiente.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.29-40 Setembro 2001 31

Além dos dados sobre a receita, os agentes queoperam no segmento observam também que a par-ticipação relativa de turistas internacionais que vêmao estado está diminuindo no decorrer dos anos.Em 1991, do total 1,9 milhão de turistas que visitoua Bahia, 9% eram estrangeiros (174 mil). No anopassado, o estado recebeu 4,1 milhão de visitan-tes, dos quais 7% (297 mil) eram estrangeiros origi-nários principalmente da Argentina (21% do total),Itália (11%), Portugal (11%), Estados Unidos (11%),França (10%) e Alemanha (10%).

A constatação do tímido cresci-mento relativo nesse segmentochoca-se com a estratégia de atrairum turista mais qualificado. O gas-to médio da estada de um turistaestrangeiro em território baiano,que em 2000 foi de R$ 924, é quaseo triplo do turista doméstico – R$ 336.A rigor, para chegar a Bahia, o tu-rista internacional tem que superarbarreiras como a língua, cultura,distâncias e moedas. Por isso, ten-de a ser um cliente mais exigentedo que a média dos turistas brasi-leiros.

Mas a chegada de redes internacionais na ope-ração de empreendimentos turísticos no estado podesignificar uma maior facilidade de inserção do “des-tino Bahia” no mercado mundial. Até porque podeimplicar também na introdução de parâmetros ope-racionais mais próximos daqueles praticados pelosprincipais destinos-concorrentes internacionais, es-timulando a melhoria do padrão de qualidade dosequipamentos e serviços turísticos baianos. (ver Fi-guras 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4)

Sauípe

Com a entrada em operação do megaprojetoCosta do Sauípe, o maior complexo turístico-hote-leiro da América do Sul, localizado a 76 quilômetrosde Salvador, a Bahia passou a contar com mais umforte argumento para atração de turistas mais quali-ficados do ponto de vista econômico. Implantado em172 hectares, em meio a uma área de proteçãoambiental, Sauípe já conta com cinco hotéis, admi-nistrados por três cadeias hoteleiras internacionais

(Acoor, Merriot e Superclubs), além de seis pousa-das temáticas inseridas em uma área de entreteni-mento chamada de Vila Nova da Praia. Na sua pri-meira fase, o projeto exigiu recursos da ordem deR$ 340 milhões, tendo como investidores iniciais aPrevi (92%) – fundo de pensão dos funcionários doBanco do Brasil – e o grupo Odebrecht (8%). A pro-jeção é de que o investimento consolide o seu retor-no no prazo oito e nove anos.

A diária média de um hotel do complexo, semcontabilizar refeições, é de R$ 230.Já um pacote de uma semana, sa-indo de São Paulo, incluindo hos-pedagem, café da manhã e trans-porte aéreo, fica em torno de R$1.400 e R$ 2.000. Tendo como pú-blico-alvo as classes A e B, os ho-téis e pousadas do complexo deSauípe completaram um ano deinaugurados no dia 19 de outubrode 2001, com uma taxa de ocu-pação de 45%, três a mais do queo previsto pelos seus administra-dores. Ou seja, dos 1.596 apar-tamentos existentes, 750 são ocu-

pados diariamente, número que resultaria comsobra na soma de um Comandatuba e o Eco ResortPraia do Forte. Cerca de 20% dos hóspedes docomplexo são estrangeiros, percentual cujo cres-cimento está diretamente relacionado à aberturade linhas aéreas dos principais centros europeuse americanos.

Pelo menos é o que pensa o diretor de Marke-ting e Vendas da Sauípe S.A, gestora do empreen-dimento, Thomas Humpert. “Este é o nosso ‘calca-nhar de aquiles’. Não temos nenhuma companhiaaérea internacional fazendo vôos para Salvador eas conexões necessárias para se chegar aqui difi-cultam a captação de mais turistas estrangeiros”,diz. A alternativa encontrada por Sauípe tem sidoatuar junto a operadoras de turismo na operaciona-lização de vôos charters. Atualmente, já existem umvôo charter semanal da Inglaterra, outro da Alema-nha e outro da Suíça para a Bahia. De Portugal,partem dois outros vôos por semana, cada um com,em média, 250 passageiros, dos quais 50% se des-tinam a Costa do Sauípe e a outra metade para ou-tros hotéis no Litoral Norte e de Salvador. “Todos

Segundo o Monitor,“o novo modelo degestão para o setor

turístico na Bahia partedo princípio de queao Estado caberá

o papel de suporte.Quem definirá as

perspectivas e estratégiasé a iniciativa privada,

que, em última instância,é quem entende

do mercado”.

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esses são vôos que não existiam antes da entradaem operação do complexo”, afirma Humpert.

Marketing

Diferente de seu concorrente latino, Cancun,onde os hotéis competem entre si, Sauípe possuiuma estratégia de marketing conjunta, com um co-mitê composto por todos os integrantes do comple-xo. A idéia do projeto, sintetiza seu diretor demarketing, é não ser um amontoa-do de hotéis, mas sim um destino.Uma das estratégias implementadasno seu primeiro ano para contra-ata-car a redução na taxa de ocupaçãodurante a baixa temporada – mar-ço, abril e maio – foi atuar junto aomercado corporativo, com a reali-zação de convenções, congressose mesmo lançamento de produtos.

Montadoras como a Renault,Peugeot, Fiat e a General Motos lançaram novosmodelos de veículos 2002 em eventos promovidosem Sauípe. Isso sem falar na realização de conven-ções de setores industriais como informática, quí-mica e telecomunicações. Outra área que vem sen-do focada é a esportiva. Depois da bem-sucedidarealização do Mundial de Beach Soccer, no iníciodo ano, a Sauípe S.A promoveu de 7 a 16 de se-tembro o Brasil Open de Tênis, o primeiro torneioda ATP Tour no país, com atrações com o brasileiroGustavo Kuerten e a norte-americana naturalizadaMonica Seles. “No período, a taxa de ocupação foide 100%, comprovando que a estratégia está maisdo que correta”, comemora Thomas Humpert. Asfases dois e três do projeto aguardam estudos e aconsolidação da primeira etapa.

Com uma taxa média de ocupação de 65% noprimeiro ano, o Superclubs Breezes foi o primeiro aentrar em operação em Sauípe. No total, são 324quartos, cinco restaurantes, seis bares, discoteca,salão de jogos e três quadras de tênis. Como novi-dade, a operadora jamaicana trouxe para o país oconceito Super-Inclusive, com a diária englobandotodas as despesas. O desempenho do hotel vemsuperando as expectativas dos investidores (já queas previsões de ocupação eram, em torno, de 40%para o primeiro ano) e estão planejando a constru-

ção no país de sete novos resorts nos próximos cin-co anos, além de hotéis em grandes centros brasi-leiros.

A Bahia está em foco, mais especificamente PortoSeguro, além de outras cidades nordestinas, comoFortaleza, Recife e Maceió. Através de uma aliançaestratégica com a rede hoteleira norte-americanaSonesta, o grupo vai inaugurar e administrar cercade cinco hotéis em grandes centros urbanos brasilei-ros, todos voltados ao turismo de negócios. Salvador

não está fora dos planos, que aindasão mantidos em segredo. Segundoa relações públicas do Superclubs noBrasil, Tatiana Florestano, a Bahiatem se mostrado um destino interes-sante para o turista e também parao investidor. “Quando o grupo foiconvidado para fazer parte do pro-jeto Sauípe, certamente levou emconsideração a estrutura do empre-endimento e, claro, o nome da

Bahia no exterior e o perfil hospitaleiro do baiano,muito semelhante ao jamaicano”, ressalta.

Accor

Os hotéis Renaissance Costa do Sauípe, com198 quartos, e Costa do Sauípe Marriot Resort &Spa, com 249 quartos, entraram em operação emabril deste ano, sob a tutela administrativa do gruponorte-americano Merriot. O mercado local tem se-duzido o grupo que já está em avançada negocia-ção com o Salvador Praia Hotel, localizado emOndina, que deve passar, em breve, a assumir abandeira Ramada, após uma ampla reforma e cons-trução de um torre que vai agregar mais 100 apar-tamentos à estrutura atual. “Faremos investimentosainda na construção de um Merriot, em Trancoso,Porto Seguro”, afirma o diretor de desenvolvimentode novos negócios do grupo, Flávios Ferrari.

Ainda no complexo Costa do Sauípe, o grupofrancês Accor administra o Sofitel Conventions &Resorts, com 404 apartamentos, e o Sofitel Suites& Resort, com 198 apartamentos. A sua taxa deocupação média tem sido de 50%. Na avaliação dodiretor de Desenvolvimento de Novos Negócios dogrupo no Brasil, Alberto Ribeiro, o crescimento eco-nômico do estado, os investimentos infra-estruturan-

No Costa de Sauípe,uma das estratégiasimplementadas foi

atuar junto aomercado corporativo, com

a realização de conven-ções, congressos e mes-

mo lançamentode produtos.

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tes do governo baiano no setor e a política estatalpara a área dão à Bahia o status de “futuro portalde entrada para o Brasil”.

“A Bahia é o único estado brasileiro que está sin-cronizando um desenvolvimento industrial com umapolítica de turismo abrangente. É o que está dispa-rado em um estágio mais avançado, não apenas noturismo de lazer como no de negócios”, afirma. Comdois hotéis no Brasil, dos quais um em Itaparica, oClubmed está investindo na construção de seu ter-ceiro projeto na América do Sul, emPorto Seguro, segundo destino tu-rístico do estado, que recebeu, noano passado, cerca de 1 milhão deturistas, 26,8% do fluxo global doestado.

O grupo português Pestana estáaplicando R$ 20 milhões na refor-ma do antigo Meridien, que deve entrar em opera-ção em outubro próximo, com o nome de Carlton,reincorporando mais 450 quartos a rede estadual.O fluxo de novos investimentos de alto padrão queestão se implantando no estado vem mexendo tam-bém nos brios dos empresários locais. Muitos jáestão investindo em reformas para não ficar paratrás, como Hotel Tropical da Bahia e o Othon PalaceHotel, em Salvador.

Eventos

Em Salvador e Ilhéus, a movimentação da iniciati-va privada em torno do turismo de negócios vemganhando corpo. Os turistas de negócios são, nasua grande maioria, profissionais com uma rendasuperior a US$ 2 mil, gastam mais durante a per-manência que o turista de lazer, que dura, em mé-dia, cinco dias. Criado há cerca de quatro anos, oSalvador da Bahia Convention Bureau (SBCB) écomposto pelos representantes das entidades dotrade turístico e de entretenimento, cujo objetivo écaptar eventos de fluxo turístico para a capital.

No ano passado, a cidade sediou 250 eventos,com a atração de 210 mil turistas, cujo gasto diáriomédio individual está na casa dos R$ 225 (incluindoinscrição e hospedagem). “Estamos buscando umamaior sensibilização junto aos organizadores de con-gressos, seminários e convenções na cidade, paraque sejam melhor trabalhados o pré e pós-eventos.

Assim, conseguiremos aumentar o número de diasda estada do turista em Salvador, ampliando con-sequentemente a receita do setor”, afirma o dire-tor-superintendente do SBCB, Luís Pedrão RioBranco.

Com uma queda no movimento durante a baixaestação de cerca de 70%, a rede hoteleira de Ilhéusreúne aproximadamente sete mil leitos e começa aencarar o turismo de negócios ou evento como umaalternativa de mercado viável. A Associação de Tu-

rismo de Ilhéus (Atil) vem investin-do no segmento. A realização doCongresso Lojista, em setembro de2001, no Centro de Convenções dacidade, é um exemplo dessa estra-tégia. A Atil acredita que, devida-mente estimulado, o turismo denegócios pode resultar em um in-

cremento de até 35% no contigente de mão-de-obrado setor. A rede hoteleira em Ilhéus emprega cercade 1,5 mil pessoas. Outras três mil trabalham ematividades relacionadas, como restaurantes e bar-racas de praia1.

Prodetur II

Segundo estimativa da Secretaria de Cultura eTurismo do Estado da Bahia, até o momento os in-vestimentos privados realizados no setor somaramUS$ 1,1 bilhão. Até 2012 estão sendo esperados aconstrução de novos empreendimentos que corres-pondem a mais US$ 4,4 bilhões. A previsão decor-re da estimativa de que para cada US$ 1 investidopelo setor público, a iniciativa privada responde comUS$ 2,6. Os dados da SCT informam que o gover-no baiano, de 1991 até o 2005, estará investindoUS$ 2,2 bilhões em infra-estrutura nos municípiosturísticos prioritários, dos quais US$ 1,4 bilhão seencontram concluídos ou em fase de conclusão.São obras nos setores de energia elétrica, abaste-cimento de água, construção de estradas, esgota-mento sanitário, construção, ampliação e melhoriade aeroportos, além da recuperação e preservaçãodo patrimônio histórico.

Atualmente, encontra-se em negociação com oBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID) asegunda fase do Prodetur-Bahia – Programa de De-senvolvimento Turístico da Bahia, o qual deverá con-

“Nunca teremos umturismo de qualidade

se as populaçõesnão se integrarem

no processode desenvolvimento.”

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templar outras regiões do Estado incluídas na sualinha de produtos turísticos, como a Chapada do Nor-te, Lagos de São Francisco, Caminhos do Oeste e,na Costa do Dendê, o Plano de DesenvolvimentoSustentável da Baía de Camamu. O governo do Es-tado e o BID definiram, a priori, que o objetivo doProdetur II é reforçar o caráter socioeconômico doturismo, através da melhoria da qualidade de vidadas populações nos destinos turísticos.

“Nunca teremos um turismo de qualidade se aspopulações não se integrarem no processo de de-senvolvimento. O turismo moderno não admite ilhasisoladas de prosperidade. Por outro lado, o modode integrar as populações no processo de desen-volvimento do turismo é através da educação, nãoapenas a básica, formal, mas também a profissio-nalizante. E é exatamente aí que precisamos in-vestir com maior intensidade a quatro mãos, go-verno e setor privado”, afirma o secretário PauloGaudenzi.

Na entender do coordenador do Programa deDesenvolvimento Sustentado da Costa dos Coquei-ros, do Instituto de Hospitalidade, Silvestre Teixeira,o turismo como fator de desenvolvimento da econo-mia local deve levar em consideração a melhoria daqualidade de vida e a educação permanente daspopulações envolvidas. “É preciso se preocupar nãoapenas com o ambiente físico para a captação doturista. Investimentos no ambiente humano são ne-cessários inclusive para consolidação do que já foifeito até aqui”.

Notas

1 Informação da Associação de Turismo de Ilhéus, 2001.

* Fred Burgos é jornalista.Esse artigo decorre de uma solicitação

da Bahia Análise & Dados visando mapearos novos investimentos em hotelaria que

estão sendo praticados no Estado da Bahia.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.29-40 Setembro 2001 35

Figura 1Evolução do Fluxo TurísticoBahia, 1991-2000

Figura 1.2Evolução da Receita TurísticaBahia, 1991-2000

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Figura 1.4Receita Média Turística, por SegmentoBahia, 1991-2000

Figura 1.3Evolução da Receita X FluxoBahia, 1991-2000

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.29-40 Setembro 2001 37

Figura 2.1Desafios do Cluster de Entretenimento da Bahia

Figura 2.2Exemplo de divisão de responsabilidade entre setores público e privado

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38 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.29-40 Setembro 2001

Figura 2.3O Diamante do Cluster de Entretenimento da Bahia

Figura 2.4As Quatro Fases do Processo de Reestruturação

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Reunir hotéis de pequeno e médio portesem uma única empresa, que lhes garantauma maior escala e poder de barganha jun-

to as operadoras de turismo e companhias aéreas,é principal objetivo de um novo produto que vemsendo desenvolvido pela Desenbahia – Agência deFomento do Estado da Bahia (antigo Desenbanco).“A idéia é criar um fundo hoteleiro, reunindo várioshotéis em uma só empresa, o que traria ainda comofacilidade a contratação de uma operadora, que lhesgarantisse um maior acesso aos mercados nacio-nal e internacional, além de linhas de financiamen-to e parcerias com grandes bandeiras internacio-nais que atuam no ramo”, garante o diretor deoperações da Desenbahia, Pedro Luércio.

A natureza do produto deverá ser a mesmo deum fundo imobiliário hoteleiro, modelo já adotadocom sucesso pelo setor em Portugal. Luércio acre-dita que os empreendimentos baianos do setor,na sua grande maioria de pequeno e médio por-tes, poderão fazer frente às novas expectativasdo setor ao se reunir em torno de uma única estru-tura empresarial e operacional, o que facilitaria asnegociações com as administradoras hoteleiras,com agentes financiadores etc.

Dois bancos – um europeu e outro americano– já demonstraram interesse em participar do pro-jeto como financiadores. A proposta que vem sen-do alinhavada parte do princípio de que as novas

empresas constituídas tenham como sócios-cotistas os proprietários dos respectivos empre-endimentos a elas ligados. “Estas empresasconsolidadas terão mais força e capacidade de ne-gociar para atrair investimentos”, acredita PedroLuércio.

Um projeto-piloto, deverá ser implementado ini-cialmente no município de Porto Seguro, onde adiscussão em torno da rentabilidade dos hotéis vemsendo alvo de preocupação dos empresariado. “Emlocais onde a concorrência é acirrada, os peque-nos precisam desenvolver estratégias de crescimen-to e competitividade. Com uma ação conjunta, osestabelecimentos podem garantir redução de cus-tos operacionais e outros benefícios, como o fatode se ter uma empresa sem passivos, com númeromaior de leitos, reservas centralizadas e mais atra-tivos para os visitantes”, observa o diretor.

Apesar da proposta está sendo elaborada poruma instituição pública, a expectativa é que a ges-tão do fundo seja dos empreendedores envolvi-dos. Mesmo com a contabilização do interesse devários empresários do setor, a idéia vem esbar-rando ainda em uma resistência: “a dificuldade doempresariado brasileiro de aceitar ações deassociativismo e fusões, especialmente os peque-nos e médios empresários que sentem no proces-so uma perda de controle do seu negócio”, concluiPedro Luércio.

Desenbahia propõe a criaçãode fundos hoteleiros

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40 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.29-40 Setembro 2001

Quem está apostando firme no turismobaiano é o grupo francês Accor, o maiordo mundo no ramo hoteleiro com mais

de 3.600 hotéis em 90 países. No Brasil, o Acoortem 110 hotéis e flats em 40 cidades, em bandei-ras como Sofitel, Novotel, Mercure, Íbis e Formule1. Administrando três hotéis na Bahia, dois emSauípe e um em Salvador, o Accor estuda novosinvestimentos no estado que devem ultrapassarR$ 120 milhões nos próximos três anos, com aimplantação de novas bandeiras não apenas naRegião Metropolitana de Salvador, como tambémem cidades como Ilhéus e Vitória da Conquista.

“O quadro geral do turismo no Brasil sinalizaque a Bahia será a futura porta de entrada para opaís”, avalia o diretor de Desenvolvimento de No-vos Negócios do Accor, Alberto Ribeiro. Além deadministrar o Sofitel Conventions & Resorts e oSofitel Suites & Resort, em Sauípe, o grupo fran-cês é o gestor do Sofitel Salvador, que passou poruma grande reforma durante seis meses, cujo cus-to total foi R$ 15 milhões. Hoje, o hotel conta com206 apartamentos e vem apresentando uma taxade ocupação de 75% desde que foi reaberto emabril deste ano.

O Accor já anunciou o seu projeto Cosmopoli-tan, para o bairro do Rio Vermelho, em Salvador,onde serão instalados dois hotéis – o Mercure,voltado à classe B, com uma diária girando hojeem torno de R$ 90, e o Íbis, direcionado para aclasse C, com diária média de R$ 60. Serão in-vestidos cerca de R$ 37 milhões para a constru-ção de 417 apartamentos. “Estamos estudandoainda a construção de novos hotéis em Salvador.Já está praticamente certa a implantação de umempreendimento da bandeira Novotel (equivalen-te a quatro estrelas), na Cidade Baixa, nas proxi-midades do Elevador Lacerda, com 150 aparta-mentos. No projeto deverão ser investidos R$ 14milhões”, informa Ribeiro.

O Accor está negociado ainda com grupos lo-cais a construção de mais um hotel da marca Íbis,que deve alocar recursos da ordem de R$ 7,5 mi-lhões, e dois Formule 1, da linha econômica, cominvestimentos de R$ 16 milhões. No total, serão mais320 quartos. Na região do Pelourinho, o grupo estáplanejando mais dois hotéis das suas bandeirasmais conceituadas. “Deverá ser um Mercure, com60 quartos, e um Sofitel, também com 60 quartos.Mas são ainda planos em estudo”, conclui.

O grupo Accordescobre a Bahia

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001 41

Introdução

O presente texto origina-se de trabalho realiza-do para a Superintendência de Ciência e Tecnolo-gia (CADCT) da Secretaria de Planejamento, Ciênciae Tecnologia (SEPLANTEC), dentro do “Programade Inovação em Áreas Estratégicas para o Estadoda Bahia”, voltado para a análise da cadeia produti-va do complexo Cultura e Turismo, considerando orelevante papel que o mesmo representa como vetorde expansão para a economia baiana.

O objetivo central do trabalho consistiu em ma-pear a cadeia produtiva do complexo Cultura e Tu-rismo, abordando-a na perspectiva de cluster eco-nômico e procurando identificar os componentes deseus subconjuntos e os problemas tradutores deobstáculos aos elos de encadeamento, de modo asinalizar áreas vitais e estratégicas carentes de umesforço sistematizado de investigação científica, pos-sibilitador da superação de pontos de estrangula-mentos e permissor da eficaz inserção do referidocomplexo como prestador de efetivo contributo aodesempenho bem-sucedido das relações interseto-riais que conformam a matriz econômico-produtivada economia baiana.

Antecedentes

O turismo na Bahia retomou sua posição de des-taque na agenda governamental a partir de 1991,quando voltou a ser considerado prioritário, tendoem vista a necessidade de recuperar o seu dina-mismo e liderança no cenário nacional e de promo-ver condições para um incremento ainda maiordessa atividade econômica, de importância funda-mental para o desenvolvimento do estado.

Inicialmente, pretendeu-se possibilitar a imple-mentação de uma estratégia com o objetivo de re-tomar o crescimento do turismo baiano, consolidan-do-se uma nova imagem do “produto Bahia” juntoaos principais emissores internacionais e nacionaise, assim, captando e cativando a demanda de ummaior fluxo turístico pelos atrativos do estado.

Após o êxito alcançado na sua implementação,redefiniu-se o direcionamento da ação estratégica,buscando-se, através de um amplo e complexo con-junto de ações/investimentos, diversificar o “produ-to Bahia” em uma moderna e dinâmica concepçãode espaços/produtos, com o objetivo de elevar apermanência do turista no estado, canalizando osbenefícios socioeconômicos derivados do turismopara as suas regiões menos desenvolvidas.

Nova dinâmica espacial

da cultura e do turismo na Bahia -

o planejamento segundo os conceitos

e práticas de cluster econômico

Jorge Antonio Santos Silva*

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42 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001

A diversificação do “produto Bahia” orientou-sepor uma dinâmica concepção de espaços/produtos:– Salvador: oferecendo turismo histórico-cultural

e de negócios, congressos e eventos, além deatrativos naturais;

– Baía de Todos os Santos e Entorno de Salvador: ten-dência para o turismo de lazer/competições náuticas;

– Costa dos Coqueiros: novos espaços e produ-tos para o turismo de lazer a partir do LitoralNorte/Linha Verde, complexos turísticos integra-dos (Praia do Forte/Sauípe);

– Chapada Diamantina: oferta de aventuras, eco-turismo (Circuito do Diamante – Lençóis, Circui-to do Ouro – Rio de Contas);

– Costa do Dendê e Costa do Cacau: turismo delazer, resorts (Morro de São Paulo, Ilhéus);

– Costa do Descobrimento: opção internacionalpara lazer, Litoral Sul (Caraíva, Porto Seguro);

– Costa das Baleias: eixo ecológico, Extremo Sul(Caravelas, Abrolhos).

A amplitude e complexidade das ações e inves-timentos requeridos para o êxito de semelhante es-tratégia, propiciando a definitiva consolidação dosespaços e produtos que a compõem, exigiram econtinuam a exigir, para a eficácia do seu planeja-mento e a efetividade da sua implementação, umaparato estrutural e organizacional, inclusive noâmbito dos municípios envolvidos. Esse aparatodeve ter um porte adequado às necessidades demobilização e integração dos variados agentes, in-teresses e recursos influenciados pelo processo ouque sejam por ele influenciado, bem como de ob-tenção da ação global harmonizada entre os muni-cípios e o estado, de modo a permitir o desenvolvi-mento sustentado dos pólos turísticos elegidos comoprioritários no Programa de Desenvolvimento Turísti-co da Bahia (PRODETUR-BA), entrando agora nasua segunda etapa, após o êxito do PRODETUR I.

Com a indispensável assunção pelo governo doEstado da responsabilidade pelo redirecionamento dosrumos do turismo baiano, surgiu a necessidade de umenfoque local e regional no esforço de planificação dodesenvolvimento turístico, como também de um mai-or poder de articulação municipal e de reivindicaçãojunto à esfera federal de governo, visando ao atendi-mento das carências setoriais de maior dimensão, in-clusive das que envolvem negociações com agências

internacionais de financiamento/desenvolvimento.Dessa orientação emergiram as bases que vão

resultar na presente tomada de consciência quantoà importância do cluster Cultura e Turismo para o pla-nejamento e a dinâmica competitiva da economia daBahia. Esse cluster pode ser enfocado de uma pers-pectiva espacial – e aí estaríamos tomando comobase de análise as zonas turísticas nas quais se divi-de o “produto Bahia” – mas pode também ser retra-tado a partir das diversas motivações de visita, o quenos levaria a tomar como foco central de análise ossegmentos de mercado, nos quais, potencial ou efe-tivamente, os atrativos turísticos da Bahia têm com-petitividade para captar e cativar fluxos de visitantes.Os segmentos de mercado mais relevantes são:lazer; ecoturismo; turismo rural; aventura; náuti-co; saúde; cultural; religioso; negócios; congres-sos e eventos; intercâmbio científico.

Resultados e metas do turismo baiano

A atividade turística é uma importante realidadeeconômica para a Bahia e vem, cada vez mais, con-solidando-se como um dos grandes vetores de ex-pansão da economia estadual, com base naestratégia de desenvolvimento iniciada em 1991, eculminando com o registro, no ano 2000, dos mar-cos apresentados na Tabela 1.

1alebaT0002meaihaBanomsiruTododatluseR

labolGocitsíruToxulFodatsEonlatoT• 008.941.4

rodavlaS• 072.688.1orugeSotroP• 054.730.1

suéhlI• 099.842açnelaV/oluaPoãSedorroM• 099.561

sióçneL• 000.38sortuO• 001.827

No sHMsodsotieLedlatoT 000.521No sHMsodsotieLedlatoT 007.74

sodareGsogerpmElatoT• 008.393

soteriD• 006.17soteridnI• 002.223

acimônocEaicnêdnepeDoãçalupoP• 004.487

sailímaF• 001.691BIPonotcapmI oãhlib66,1$SUadareGatieceR 000.376.658$SU

rodavlaSedotroporeAlanamesaicnêüqerf–sianoicanretnisoôvedºN•

0002/zedanaj:oãçisoP+sosuop(98)snegaloced

orugeSotroPedotroporeAlanamesaidém–soôvedºN•

0002/zedanaj:oãçisoP+sosuop(969)snegaloced

ASRUTAIHAB:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001 43

O processo evolutivo do turismo na Bahia pode-rá permitir o alcance, nos anos 2001, 2005 e 2010,dos seguintes resultados:

lhor nível de remuneração dos trabalhadores diretae indiretamente vinculados à atividade turística e aum crescimento do número de postos de trabalhonessa e nas demais atividades componentes dacadeia produtiva e do conjunto ou aglomerado eco-nômico focado ou permeado pelo turismo, o lazer ea cultura – o cluster do entretenimento.

Para que o maior poder aquisitivo dessa cliente-la mais qualificada se concretize na realização deum maior volume de gastos nos destinos turísticosda Bahia, gerando um patamar mais elevado de re-ceita, a taxas anuais crescentes, é indispensável acontinuidade das diretrizes do Programa de Desen-volvimento Turístico da Bahia, com o PRODETURII, priorizando a atração, captação e realização deinvestimentos públicos e, especialmente privados,direcionados à qualificação de recursos humanos,serviços e produtos, com o objetivo de constituir abase do diferencial de competitividade do turismobaiano.

Nesse sentido, o governo do estado decidiu trans-formar a Bahia no primeiro pólo de entretenimentodo Brasil no ano 2010, com o projeto “Criando oCluster de Entretenimento do Estado da Bahia”, con-tando com a consultoria da Monitor Group, empre-sa do renomado “guru” de estratégia e competitivi-dade, Michael Porter.

Cultura e turismo como cluster econômico

Para uma melhor compreensão dessa nova abor-dagem estratégica do desenvolvimento do turismo,aliado à cultura, ao lazer e ao esporte – integradosno conceito mais abrangente do entretenimento –seguem-se alguns conceitos sobre cluster econô-mico, bem como outros conceitos de interesse eseus respectivos autores:

Cluster econômico – Workshop on Cluster inChihuahua/Programa Iniciativa pelo Nordeste. Mé-xico: 1997.

“É um agrupamento de empresas líderes gera-doras de riqueza através da comercialização de pro-dutos e/ou serviços competitivos em mercados es-tratégicos, apoiadas por uma rede de provedoresde insumos e serviços, com todo o agrupamentosendo apoiado por organizações que oferecem re-cursos humanos capacitados, tecnologia, recursosfinanceiros, infra-estrutura física e um clima de ne-

satsiruTedlabolGoxulFacarF.piH).a.a%2(

aidéM.piH).a.a%4(

etroF.piH).a.a%6(

1002onA seõhlim2,4 seõhlim3,4 seõhlim4,4

5002onA seõhlim6,4 seõhlim0,5 seõhlim6,5

0102onA seõhlim1,5 seõhlim1,6 seõhlim4,7

BIPonotcapmIacarF.piH).a.a%4(

aidéM.piH).a.a%6(

etroF.piH).a.a%8(

1002onA oãhlib7,1$SU oãhlib8,1$SU oãhlib8,1$SU

5002onA seõhlib0,2$SU seõhlib2,2$SU seõhlib4,2$SU

0102onA seõhlib5,2$SU seõhlib0,3$SU seõhlib6,3$SU

Essas taxas de crescimento foram delimitadaslevando-se em conta:– a conjuntura econômica do país e do estado;– a perspectiva de crescimento do PIB brasileiro e

baiano;– a política de desregulamentação do espaço/

mercado aéreo do Brasil;– as tendências dos fluxos turísticos mundiais

projetadas pela OMT;– o nível de atratividade e competitividade da

Bahia em relação a outros destinos; e– aspectos específicos da dinâmica social, cultu-

ral e econômica no âmbito estadual.

Neste último caso, devem-se considerar os as-pectos que refletem um ambiente de negócios favo-rável à captação e realização de investimentos pú-blicos e/ou privados nos diversos setores produtivosda economia baiana e, de modo particular, na infra-estrutura básica, que atuam como potencializado-res de desenvolvimento econômico nos municípiosinseridos nas zonas turísticas da Bahia e, por con-seqüência, como alavancadores de investimentosprivados em equipamentos de hospedagem e en-tretenimento.

Uma deliberada e estratégica implementação depolíticas e ações que visem atrair turistas detento-res de elevado poder aquisitivo e que conformemnichos de mercado mais qualificados, seletivos eexigentes, resultará em efeitos positivos nas taxasde permanência e ocupação nos destinos baianos.Tais efeitos, por sua vez, refletir-se-ão em um me-

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44 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001

gócios que propiciam os investimentos e os novosnegócios.”

Cluster – FIEMG/CIEMG/SESI/SENAI/IEL. Cres-ce Minas – um projeto brasileiro. Belo Horizonte:FIEMG, 2000.

“... um conjunto de empresas e entidades queinteragem, gerando e capturando sinergias, com po-tencial de atingir crescimento competitivo contínuosuperior ao de uma simples aglomeração econômi-ca. Nele, as empresas estão geograficamente pró-ximas e pertencem à cadeia de valor de um setorindustrial. Essa interação das empresas gera, entreoutros benefícios, redução dos custos operacionaise dos riscos apresentados, aumento da qualidadedos produtos e serviços, acesso a mão-de-obra maisqualificada, atração de capital, criação de empreen-dedores e melhor qualidade de vida.”

“Clusters são concentrações geográficas de or-ganizações e instituições de um certo setor, abran-gendo uma rede de indústrias inter-relacionadas eoutras entidades importantes para a competitividade.Eles incluem, por exemplo, suprimentos de insumosespecializados, tais como componentes, maquinárioe serviços, e fornecedores de infra-estrutura espe-cializada. Muitas vezes, também os clusters per-meiam os canais de distribuição e os consumido-res, envolvendo paralelamente os fabricantes deprodutos complementares e organizações respon-sáveis por normas técnicas, tecnologia ou insumoscomuns. Muitos clusters incluem instituições gover-namentais e outras como universidades, institutosde normas técnicas, celeiros de idéias, empresasde treinamento e associações comerciais que pro-vêm treinamento, educação, informação, pesquisae suporte técnico especializado.” (Porter, 1998, ci-tado pela FIEMG, 2000)

“Clusters consistem em indústrias e instituiçõesque têm ligações particularmente fortes entre si, tan-to horizontal quanto verticalmente, e, usualmente,incluem: empresas de produção especializada; em-presas fornecedoras; empresas prestadoras de ser-viços; instituições de pesquisas; instituições públicase privadas de suporte fundamental. A análise declusters focaliza os insumos críticos, num sentidogeral, que as empresas geradoras de renda e ri-queza necessitam para serem dinamicamente com-petitivas. A essência do desenvolvimento de clustersé a criação de capacidades produtivas especializa-

das dentro de regiões para a promoção de seu de-senvolvimento econômico, ambiental e social.”(Haddad, 1999, citado pela FIEMG, 2000)

“É um grupo econômico constituído por empre-sas instaladas em uma determinada região, líderesem seus ramos, apoiado por outras que fornecemprodutos e serviços, ambas sustentadas por orga-nizações que oferecem profissionais qualificados,tecnologias de ponta, recursos financeiros, ambien-te propício para os negócios e infra-estrutura física.Todas essas organizações interagem, ao proporci-onarem umas às outras os produtos e serviços deque necessitam, estabelecendo, desse modo, rela-ções que permitem produzir mais e melhor, a umcusto menor. O processo torna as empresas maiscompetitivas. (Lopes Neto, 1998, citado pela FIEMG,2000)

Cultura – Secretaria da Cultura e Turismo - Go-verno da Bahia. Glossário Cultural (proposta). Sal-vador: SCT, 1997. (mimeo)

“Soma total que o indivíduo adquire de sua soci-edade, isto é, as crenças, os costumes, normas ar-tísticas, hábitos de alimentação e artes, que não sãofrutos de sua própria atividade criadora, mas simrecebidas como um legado do passado, medianteuma educação regular ou irregular (Lowie)./Totali-dade do procedimento consciente transmitido social-mente (Keesing)./ É um modo de pensar, sentir eacreditar. É o conhecimento do grupo armazenadona memória dos homens, nos livros e nos objetos,para uso futuro (Kluckhohn)./ Sistema de idéias,conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões decomportamento e atitudes que caracteriza uma so-ciedade.

Patrimônio simbólico dos modos padronizadosde pensar e de saber que se manifestam, material-mente, nos artefatos e bens, expressa através daconduta social e, ideologicamente, pela comunica-ção simbólica e pela formulação da experiência so-cial em corpos de saber, de crenças e de valores. Osistema de atitudes, instituições e valores de umasociedade.” (Darcy Ribeiro)

Produção Cultural – Secretaria da Cultura e Tu-rismo – Governo da Bahia. Glossário Cultural (pro-posta). Salvador: SCT, 1997. (mimeo)

“A produção, em economia clássica, designa umadas três funções principais da economia, ao lado dadistribuição e do consumo. Em termos de cultura,

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001 45

tanto pode afirmar o conjunto de insumos e elemen-tos necessários à consecução de uma obra, comotodo o processo de criação até a determinação,constituição, venda e conhecimento da sociedade”.(Durozoi)

Indústria Cultural – Secretaria da Cultura e Tu-rismo - Governo da Bahia. Glossário Cultural (pro-posta). Salvador: SCT, 1997. (mimeo)

“Conjunto de saberes e fazeres feitos em série,industrialmente, produzida e/ou divulgada atravésdos meios de comunicação de mas-sa, para ser consumida, como qual-quer outra mercadoria da sociedadeindustrial. A produção e a distribui-ção de bens e serviços culturais emlarga escala e de acordo com umaestratégia baseada mais em consi-derações econômicas do que empreocupações de desenvolvimentocultural”. (Roussel)

Turismo – Organización Mundialdel Turismo (OMT)

“O turismo compreende as ativi-dades das pessoas que viajam epermanecem fora de seu entornohabitual (círculo de deslocamentocotidiano entre onde se reside/dor-me e trabalha), por um período nãomaior que um ano consecutivo (rea-lizando no mínimo um pernoite), porprazer, negócios e outros propósi-tos (*) não-relacionados com o exercício de umaatividade remunerada (fixa) no lugar que se visita.”

(*) No conceito ampliado de turismo, o motivo daviagem inclui: lazer, recreação e férias, visitas a pa-rentes e amigos, negócios e motivos profissionais,congressos e convenções, tratamento de saúde,religião/peregrinações, além de outros.

Obs. Os destaques entre parênteses são inclu-sões do autor, de aspectos complementares ao con-ceito, elaborados pela própria OMT.

Produto turístico – Cárdenas Tabares, Fabio.Producto turístico. México: Trillas, 1986 (reimp.1995). (p. 13-15)

“...O produto é o resultado de toda a ação dosistema. Esta (ação), dentro da atividade turística,está constituída pelos atrativos, as facilidades e aacessibilidade. (...)

Em uma forma mais clara: o produto turístico estáconformado pelos atrativos naturais, artificiais e pe-los humanos. Estes últimos configuram a denomi-nada hospitalidade, talvez mais importante que osdois anteriores. As facilidades se referem ao aloja-mento em todas suas formas; à indústria de alimen-tos e bebidas; ao entretenimento e diversão; àsagências de viagens; às locadoras de automóveise, de forma especial, ao pessoal capacitado, dispo-nível para atender adequadamente aos turistas. Para

completar, o produto requer que osatrativos sejam acessíveis, querseja por navio, avião, ônibus ou au-tomóvel, quer dizer, que seja dota-do de fácil acessibilidade.

Um produto turístico, portanto,consiste num conjunto de compo-nentes tangíveis e intangíveis queinclui: recursos e atrativos naturaise culturais; equipamentos e infra-estruturas; serviços; atitudes recreati-vas; e imagens e valores simbólicos,oferecendo determinados benefíci-os capazes de atrair certos gruposde consumidores – os turistas –porque satisfazem as motivações eexpectativas relacionadas com seutempo livre.

Em artigo publicado na RevistaTurismo em Análise (São Paulo,9(2):70-87, nov.1998), “Impactos da

cultura na economia da Bahia: participação no gas-to turístico e consumo de residentes e governo”,BURMAN, seguindo a técnica da Contabilidade Na-cional, tratou as seguintes categorias de despesascomo bens culturais, em Salvador:

Um produto turísticoconsiste num conjunto

de componentes tangíveise intangíveis que inclui:

recursose atrativos naturais

e culturais; equipamentose infra-estruturas;serviços; atitudes

recreativas; e imagense valores simbólicos,

oferecendo determinadosbenefícios capazesde atrair os turistasporque satisfazem

as motivaçõese expectativas

relacionadas comseu tempo livre.

sameniC esiarutlucsedaditne,socolb,séxofAsavitaercer

seuqrapmesadartnE sedadiügitna,etraedsarbo,otanasetrA

siarutlucsortnecesortaeT acipítairániluC

siacisumswohS sDCesatif,socsiD

ocriceortaet,açnadedswohS )arpmoceleugula(oedívedsatiF

etraedsosruC socidóirepesianrojsatsiver,sorviL

sacetoilbib,sairelag,suesuM sogojarapsossergnI

açnadedsaimedacA savitropseseõçaicossA

sedadivitseFsasoigiler/seralupop

socifárgotofsoiróssecaeaniuqáM

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46 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001

O documento da OMT, “Cuenta Satélite de Tu-rismo – Marco Conceptual” (Madrid, 1999), lista aschamadas Atividades Produtivas Turísticas que en-globam bens e serviços que têm relativa importân-cia para o consumo dos visitantes, e os bens eserviços que, em uma proporção significativa, sãoconsumidos pelo visitantes. Classificam-se em Ati-vidades Específicas (Características e Conexas) eAtividades não-Específicas (não-Conexas). São osseguintes os produtos característicos e atividadescaracterísticas do turismo, confor-me compilação básica da CST:– Hotéis e outros serviços de alo-

jamento;– Serviço de 2ªs residências por

conta própria ou de forma gra-tuita;

– Serviços de provisão de comi-das e bebidas;

– Transporte de passageiros:- serviços de transporte interur-bano por ferrovia;- serviços de transporte por ro-dovia;- serviços de transporte marítimo;- serviços de transporte aéreo;- serviços conexos aos transportes;

– Agências de viagens, operado-ras de turismo e serviços deguias turísticos:- serviços das agências de viagens;- serviços das operadoras de turismo;- serviços de informação turística e de guias tu-rísticos;

– Leasing ou aluguel de serviços relativos a ele-mentos de transporte sem motorista;

– Serviços culturais;– Serviços recreativos e outros serviços de entre-

tenimento;

Existem, ainda, grupos de produtos importantesque deverão ser merecedores de um tratamentomais aprofundado dentro do marco conceitual daConta Satélite do Turismo. São eles:– Bens duráveis;– 2ªs residências de utilização turística;– Pacotes turísticos (“desempacotar”);– Tempo compartilhado/time sharing.

Ponto relevante nesta análise é o grau de debili-dade econômica de uma região ou de um municípioconsiderado turístico, pois, quanto mais ou menosdeprimido economicamente ela ou ele for, o turismoe também a cultura irão inserir-se no contexto soci-oeconômico cumprindo funções de distintos mati-zes e alcances: como atividades dominantes, comoatividades estruturantes, como atividades comple-mentares ou como atividades residuais, dependen-do de onde se localizem as atividades turísticas e

culturais e da importância que es-tas assumem na economia da re-gião ou do município.

A depender do grau de diversifi-cação da estrutura produtiva da lo-calidade, aquela que possuir umelevado conteúdo importador emtermos de capital, insumos e mão-de-obra, para poder atender às ne-cessidades de produtos e serviçosdos seus visitantes, arcará com oagravante da ocorrência de um de-terminado grau de vazamento dosbenefícios econômicos derivados doturismo para uma outra região (es-tado ou país), resultando que osbenefícios líquidos serão concretiza-dos numa proporção mais reduzida.

Em seu artigo “Desenvolvimen-to do Turismo ou Desenvolvimento Turístico”, publi-cado na Revista Turismo em Análise (São Paulo,4(2):37-53, nov. 1993), o Prof. Dr. Carlos RobertoAzzoni (FEA/USP) indica algumas deficiências quedevem ser superadas para que o turismo se insiracomo atividade potencializadora de desenvolvimentoem uma região economicamente deprimida: poucasatrações, falta de infra-estrutura, falta de espírito em-presarial, ambiente de pobreza, comprometimentodos recursos (ambientais) e falta de renda local paraviabilizar a escala econômica.

A FIEMG, no estudo já mencionado, indica algunsaspectos que podem se tornar grandes desafios e re-fletir-se negativamente na implantação de um clusterde turismo, dificultando a saída de uma região do ciclovicioso em que possa se encontrar. São eles:– pouca cooperação/articulação na cadeia;– baixa capacitação administrativa e gerencial;– treinamento/cursos técnicos ausentes/defasados;

Algumas deficiênciasdevem ser superadas

para que o turismose insira como atividade

potencializadora dedesenvolvimento em umaregião economicamente

deprimida: poucasatrações, falta de

infra-estrutura, falta deespírito empresarial,ambiente de pobreza,

comprometimento dosrecursos (ambientais) efalta de renda local para

viabilizar a escalaeconômica.

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– cadeia incompleta/fortes gargalos;– escopo de produtos e serviços oferecidos muito

reduzido;– tecnologia defasada/pouco difundida; e– excessiva verticalização da cadeia.

A cadeia turística, segundo Ricardo CaballeroUmpire, em seu livro Turismo y ½ ambiente (Lima:Greaths, 1997), apresenta os seguintes componentes:– INFRA-ESTRUTURA – aeroportos, rodovias, te-

lecomunicações, ferrovias;– TRANSPORTE – linhas aéreas, trens, ônibus,

aluguel de automóveis, táxis;– ALOJAMENTO – hotéis, outros meios de hos-

pedagem, campings;– PROMOÇÃO – operadores turísticos, agentes

de viagens, governo;– INDÚSTRIAS DE APOIO – bancos, lavanderias,

confecções;– ALIMENTAÇÃO – restaurantes, outros fornece-

dores de alimentos, bares;– CENTROS DE CAPACITAÇÃO – administração

de hotéis, guias, atenção aos clientes.

Adiciona Caballero Umpire que, apesar de umaregião possuir grande dotação natural de atraçõesturísticas, representando um forte potencial econô-mico, o desenvolvimento da cadeia produtiva e docluster poderá ser freado em função da debilidadedo entorno competitivo dessa região. Utilizando-sedo modelo do diamante das cinco forças competiti-vas de Porter, ele lista alguns elementos negativosque afetam a integração e a competitividade de umcluster turístico, a seguir apresentados em relaçãoa cada força competitiva do diamante de Porter:– Nos fatores básicos: grande distância dos maio-

res mercados emissores.– Nos fatores avançados: pouco pessoal treinado

e especializado; rodovias, aeroportos e portosem mau estado; serviços de telecomunicaçõescaros e de baixa qualidade; poucas escolas detreinamento especializado na administração dehotéis, capacitação de guias e serviços ao públi-co; e alto custo de capital e alta demanda porgarantias financeiras.

– Estratégia, estrutura e rivalidade: forte concor-rência de países (ou regiões) que oferecem pro-dutos similares, com a maioria das empresas se

concentrando em estratégias de baixo custo;escassez de informação precisa sobre o fluxoturístico; baixo investimento na comercializaçãoe posicionamento da imagem do país; e forteconcentração de mercado (cias. aéreas nacio-nais e cadeias hoteleiras).

– Demanda: baixa renda per capita, mantendobaixa a demanda doméstica; persistência depreocupações com segurança e limpeza; e baixaqualidade exigida pelos turistas locais e estran-geiros, refletindo-se na não produção de pa-drões elevados de serviços.

– Indústrias relacionadas e de apoio: falta de orien-tação para os serviços entre o pessoal turístico;alojamento em hotéis de nível médio não compa-ráveis com os de padrões internacionais em ter-mos de conforto e limpeza; baixa freqüência devôos internacionais; indústria de transporte ter-restre (ônibus) subdesenvolvida; e fragilidade daindústria de comercialização e da publicidadecom relação aos níveis internacionais.

Cluster de cultura e turismo da Bahia

Se analisarmos a estrutura geral da atividadeturística, observaremos que ela está conformada poruma série de empresas e entidades distribuídas emquatro núcleos. No núcleo de origem do turista ouemissor estão as empresas que prestam serviçosao viajante; no núcleo de contato, situam-se asempresas que fazem o transporte principal, ou seja,ligam origem e destino; no núcleo de destino ou re-ceptor ficam as empresas voltadas ao atendimentodos visitantes; e, no chamado núcleo de apoio, en-contram-se as entidades de fomento, controle, for-mação e desenvolvimento.

Em tal estrutura, uma grande diversidade de bense serviços são produzidos e ofertados no mercado,tanto para os turistas como também para a comuni-dade residente, sendo grande a variedade de em-presas, entidades, associações de classes e, por-tanto, de interesses individuais e corporativos, namaioria dos casos conflitantes entre si, não haven-do um espírito de verdadeiro associativismo e umaprática consolidada de cooperativismo. O fato adici-onal de predominarem, nesse cenário, empresas demicro e pequeno portes, de estrutura familiar, realçaa dificuldade na apreensão e adoção, como cultura

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empreendedora, do tripé cooperação/inovação/com-petição.

A dispersão resultante dificulta trabalhar a cultu-ra e o turismo na perspectiva de um cluster de cres-cimento econômico, o que é reforçado pelos diversosaspectos peculiares às atividades culturais e turísti-cas aqui analisados, relacionados à ampla e genéricadimensão conceitual e metodológica que as carac-terizam e que nos orientam para tratá-las em ter-mos de complexo econômico, enfatizando o enfoquede “subconjuntos” espacializados.

Esses “subconjuntos”, para efeito de composi-ção da base territorial de análise, formulação e im-plementação da estratégia de competitividade e dedesenvolvimento turístico da Bahia, dentro dos pa-râmetros conceituais e metodológicos da aborda-gem de cluster econômico, seriam os pólos turísticosdo estado, constituídos em atendimento aos requi-sitos para o PRODETUR II, exigidos pelo Banco In-teramericano de Desenvolvimento (BID), conformedefinição da equipe da Superintendência de Desen-volvimento do Turismo (SUDETUR), unidade orgâ-nica da Secretaria da Cultura e Turismo do Governoda Bahia, gestora do PRODETUR.

O conceito adotado de pólo turístico correspon-de a “um grupo de municípios contíguos que têm re-cursos turísticos complementares e/ou concorrentes,que concordam em desenvolver conjuntamente suascapacidades de gestão dos municípios e de gerenci-amento dos fluxos turísticos”, podendo o pólo assimdefinido incorporar uma ou mais zonas turísticas.

Uma zona turística, por sua vez, é considera-da como a “região que abrange áreas urbanas erurais, áreas de proteção ambiental e outros atrati-vos físicos, ecológicos e culturais de importanteapelo turístico”, sendo contempladas, ainda, carac-terísticas de proximidade geográfica e homogenei-dade temática ou motivacional entre os municípiosde uma zona turística e entre zonas de um póloturístico.

Em conformidade com os conceitos acima, fo-ram constituídos quatro pólos turísticos compreen-dendo as zonas turísticas já consolidadas e traba-lhadas desde o PRODETUR I, além de dois novospólos abrangendo zonas turísticas emergentes, dis-criminados a seguir1:– Pólo Salvador e Entorno: Salvador, Baía de To-

dos os Santos e Costa dos Coqueiros;

– Pólo Chapada Diamantina: Circuito do Diaman-te, Circuito do Ouro e Circuito da Chapada Nor-te (nova área);

– Pólo Litoral Sul: Costa do Dendê e Costa do Ca-cau;

– Pólo Costa do Descobrimento: Costa do Des-cobrimento e Costa das Baleias;

– Pólo São Francisco (novo);– Pólo Caminhos do Oeste (novo).

Apresentam-se, na seqüência, alguns quadrosque permitem visualizar uma aproximação do clusterde entretenimento da Bahia, aqui denominado“Cluster de Cultura e Turismo”, em cujo contexto severifica a presença de vários dos elementos negati-vos anteriormente apontados. O Quadro 1 traz umesquema da Estrutura do Cluster de Cultura e Tu-rismo da Bahia e a Figura 1 um exercício de elabo-ração do seu entorno competitivo, indicando seuselementos positivos e negativos, dentro das cate-gorias que compõem o Modelo do Diamante dePorter.

O cluster de crescimento econômico Cultura eTurismo pode ser identificado espacialmente sobduas óticas: uma de natureza geral, através daszonas e pólos turísticos em que o Estado da Bahiaencontra-se dividido, e outra, de natureza específi-ca, vinculando aos municípios das zonas turísticasos diferenciados segmentos de mercado nos quaisa Bahia tem recursos de base para uma inserçãocompetitiva no cenário nacional e internacional domercado de viagens e turismo.

O Quadro 2 demonstra o Cluster de Cultura eTurismo da Bahia na sua abordagem geral, pormunicípios e zonas turísticas, com o Quadro 3 dis-criminando as ameaças e oportunidades para o seucrescimento.

Conclusão

Se, por um lado, os traços singulares da culturae do turismo, enquanto atividade econômica e soci-al, trazem uma dimensão muito mais ampliada ecomplexa ao seu tratamento como uma cadeia pro-dutiva ou um cluster, vis a vis um setor econômicoou uma indústria convencional, com maior grau dehomogeneidade, por outro lado, uma atividade detal porte e importância só pode ser planejada como

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um sistema integrado, considerando-se o conjuntode variáveis envolvidas – culturais, sociais, psicoló-gicas, político-legais, ecológicas, econômicas e tec-nológicas – tendo-se em vista o desenvolvimentosustentado da região em análise ou em trabalho.Esse desenvolvimento compreende o alcance dosobjetivos de proteção e preservação ambiental, obem-estar e a melhoria da qualidade de vida da co-munidade residente, a satisfação das necessidadese expectativas do turista e a integração econômicalocal e regional, levando-se em conta os pilares dasustentabilidade econômica, ambiental e social/cul-tural, e suas respectivas capacidades de carga.

Os diversos aspectos aqui analisados são degrande utilidade para auxiliar no processo de identi-ficação dos componentes dos “subconjuntos” espa-cializados do complexo Cultura e Turismo – infra-estruturas de base econômica, fornecedores/

provedores/suporte/transporte, produtos/serviços,mercados/clientes. As informações obtidas com avisualização das deficiências sistêmicas de integra-ção entre esses componentes subsidiarão o proces-so de superação dos pontos de estrangulamento,resultando no fortalecimento dos elos da cadeia pro-dutiva da cultura e do turismo da Bahia.

Notas

1 No Quadro 2, mais adiante, aparecem discriminados, por zonaturística, os municípios que integram os pólos listados.

*José Antonio Santos Silva é Doutorando emCiências da Comunicação pela ECA/USP,

mestre em Administração pela UFBA eassessor da Diretoria de Operações da BAHIATURSA

e-mail: [email protected].

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50 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.41-54 Setembro 2001 51

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Introdução

A atividade turística gerou, em 1997, 600 milhõesde deslocamentos, US$ 3,4 trilhões de renda, deforma direta e indireta, e empregou, aproximada-mente, 240 milhões de pessoas ou 10% da força detrabalho global. Esse desempenho fez com que aessa atividade estivessem vinculados mais de 12%do PIB mundial nesse mesmo período. Com um flu-xo emissivo internacional estimado em 5 milhões debrasileiros e um fluxo receptivo de quase 3 milhõesde turistas, também no Brasil essa atividade vemapresentando resultados bastante expressivos. Le-vantamentos oficiais indicam que, no Brasil, seumovimento financeiro total é da ordem de US$ 40bilhões. Ademais, ainda segundo essas fontes, umem cada dez brasileiros está vinculado ao setor tu-rístico. (Lage e Milone,1998)

Diversos estudos vêm procurando mapear osmúltiplos efeitos econômicos, sociais, culturais, es-paciais e ambientais da atividade e têm evidencia-do desigualdades espaciais e socioeconômicas re-lativas à distribuição desses benefícios. Mas taisestudos ainda são preponderantemente estudos decaso – cujos resultados são difíceis de compatibilizare generalizar – ou voltam-se para a avaliação deseus impactos, com base em metodologias econo-métricas, que geram, freqüentemente, resultadoscontraditórios (Sinclair,1998). Ainda está por ser feitoum esforço compreensivo de análise, tanto empíricocomo teórico, para lançar mais luzes sobre o co-nhecimento do setor.

De fato, apesar de sua crescente importânciano mundo e dos inúmeros trabalhos já desenvol-vidos, é relativamente difundida a impressão deque o turismo tem atraído pouca atenção de estu-diosos do campo do desenvolvimento econômi-co, sobretudo nos países periféricos (Souza,2000;Sinclair, 1998). Com este artigo não se tem a pre-tensão de preencher esta lacuna, mas acredita-se que as idéias nele reunidas possam contribuirpara diminuí-la. Assim, o seu objetivo é apresen-tar uma tentativa, que ainda está em estágio pre-liminar de formulação, de análise do setor deturismo à luz de uma abordagem teórica do de-senvolvimento local e sustentável de inspiraçãoinstitucionalista. Sua primeira versão foi desen-volvida em trabalho realizado para a Gerência daAPA Litoral Norte, no âmbito de Convênio de Co-operação Técnica Brasil – Reino Unido.

Exclusive esta Introdução, este artigo compõe-se de três partes. Na próxima parte, desenvolvem-se esforços de revisão e crítica sobre a bibliografiade desenvolvimento local e sustentável para con-cluir com uma proposta embrionária de reconstru-ção do conceito de desenvolvimento local sustentadode inspiração institucionalista e o delineamento, tam-bém embrionário, de um modelo de análise correlato.Esse conceito de desenvolvimento local sustentá-vel de inspiração institucionalista serve de base paraa reconstrução, novamente, do conceito de desen-volvimento turístico local e sustentável que abre aparte três. Nesta parte, ainda, aplica-se o modelode análise do setor vinculado ao conceito.

Turismo e desenvolvimento

Elizabeth Loiola*

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Mas entende-se que:

... toda proposta ligada à problemática do desenvolvimento – bem

como às demais questões sociais – está demarcada por um con-

texto histórico que dá significação social aos seus horizontes po-

lítico-ideológicos, ou seja, este contexto enseja o aparecimento e

ressonância social destas propostas e questões. Como novas –

seja em seu ineditismo ou em seu revigoramento – tais propostas

constituem alternativas por oposição/diferenciação às que hoje

são hegemônicas e significativas, ou acenam para outro novo

contexto de emergência de novos paradigmas e valores, dada a

falta de poder explicativo bem como a ineficiência de legitimidade

dos paradigmas ainda vigentes. (Benevides, 2000, p.26)

Por isso e por último, na quarta parte, registra-se um primeiro esforço de análise de consistência eviabilidade, com base em fontes secundárias, de pro-jetos de desenvolvimento local sustentável, com eixona atividade de turismo.

A questão do desenvolvimento

A teoria ortodoxa de desenvolvimento regionalpreconizava que os impulsos de desenvolvimentooriginados nas regiões mais ricas espraiar-se-iam,com o tempo, sobre as regiões mais pobres.

A tendência à convergência de renda entre asnações e regiões baseava-se nos pressupostos deque não existiam obstáculos às transferências decapital e tecnologia de áreas mais desenvolvidaspara as menos desenvolvidas, assim como na no-ção de que prevalecia a perfeita mobilidade inter-regional de bens e fatores de produção.

Aos governos centrais caberia criar condiçõesna(s) região(ões)-alvo para aproveitar os impulsosexternos ao desenvolvimento, com vistas a atenuaros desequilíbrios gerados pela atuação livre das for-ças de mercado. Em síntese, o desenvolvimento emescala local ocorreria, então, “de fora para dentro” e“de cima para baixo”. (Termes, 1989)

Em função dos resultados frustrantes das políti-cas de desenvolvimento regional, principalmente emtermos de equidade e capacidade de auto-susten-tação das experiências verificadas, as teorias orto-doxas de desenvolvimento regional e seus modeloscorrelatos passaram a ser questionados.

Como conseqüência, a própria delimitação dasescalas espaciais em termos de macrorregiões na-

cionais foi problematizada, porque não asseguravao tratamento adequado dos problemas nem a iden-tificação acurada das oportunidades. Em lugar dasescalas macrorregionais, começou-se a sugerir a uti-lização de cortes espaciais sub-regionais e, muitasvezes, municipais.

Essa subespacialização viabilizaria, ademais, avalorização das instâncias político-administrativasestaduais e municipais e a participação efetiva dosagentes produtivos e sociais nos projetos de desen-volvimento, os quais passavam, progressivamente,a serem referidos como sendo locais e auto-susten-táveis. A condição de sustentabilidade dos projetosaparecia freqüentemente associada à participaçãodos atores sociais e dos governos locais na promoçãoe gestão e, em certos casos, à ênfase na incorpora-ção de recursos produtivos do local. (Lima, Loiola eMoura, 2000)

Vários fatores explicam essa nova onda de dis-cussão e a relativa difusão de diferenciados padrõesde conduta dos governos locais. Por um lado, a cri-se fiscal do Estado incentivou e justificou os proces-sos de descentralização administrativa que foramimplementados em quase todos os países, mesmoque em ritmos e modelos variados. Nesse quadro,os governos locais passaram a ser vistos como re-novadores das políticas públicas. Por outro lado, osgovernos locais viram-se pressionados a criar alter-nativas para enfrentar o desemprego estrutural, de-rivado do novo paradigma tecnológico. (Lima, Loiolae Moura, 2000)

Em função desses fatos, a questão do desenvol-vimento local emergiu como um objeto específico eos governos locais passaram a ser tratados na lite-ratura como os impulsionadores do desenvolvimen-to local, empreendendo iniciativas próprias.

Evitando a definição de modelos e conceitosinvariantes, os teóricos do desenvolvimento local têmcontribuído com seus estudos para desvelar um con-junto variado de práticas e perspectivas, que refle-tem, simultaneamente, os diferentes sentidos atri-buídos à noção de desenvolvimento, a multiplicidadede atores engajados e a variabilidade dos espaçosde gestão.

Essa diversidade de enfoques tem incentivado odesenvolvimento de trabalhos que tentam agrupá-los de acordo com elementos-chave comuns. ParaArocena (1988, citado por Lima, Loiola e Moura,

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2000) existem três vertentes básicas da teoria dodesenvolvimento local: evolucionismo, historicismoe estruturalismo.

O evolucionismo, por exemplo, institui como pa-radigma de desenvolvimento as sociedades em está-gios mais avançados de formação social, desconhe-cendo, em parte, as críticas dirigidas ao produtivismoque caracterizou seus modelos de desenvolvimen-to. Já os estruturalistas ressaltam o caráter sistêmicodo desenvolvimento e enxergam o local como o es-paço de reprodução das grandescontradições que perpassam o glo-bal. A corrente historicista, por suavez, preconiza a projeção do futurocom base na história de cada local.Para essa corrente, portanto, a ên-fase está no ponto de partida.

Para Hamel (1990), há a verten-te elitista, que focaliza suas preo-cupações na necessidade de am-pliar as vantagens comparativasdas localidades para melhor posi-cioná-las no mercado mundial. Já na vertente so-cial, o objetivo do desenvolvimento seria atenderàs necessidades sociais pelo alargamento da de-mocracia local em direção à dimensão econômica.

Moura (1998), por seu turno, aponta a existênciadas linhas de pensamento competitiva e social. Paraa primeira, o desenvolvimento eqüivaleria ao bomdesempenho da cidade na competição interurbanadentro do mercado mundial, pois assim recursos ex-ternos seriam atraídos para o local. Já para a ver-tente social, o objetivo de desenvolver-se economi-camente a cidade seria gerar emprego e renda paraa população local, combatendo-se, assim, a exclu-são social.

Vale ressaltar, no entanto, que todas as corren-tes citadas compartilham algumas características co-muns. Em linhas gerais, concordam quanto ao pro-tagonismo atribuído aos governos locais no processode propulsão do desenvolvimento local e na defini-ção e solução dos problemas; os governos locaissão identificados como agentes aglutinadores/articuladores de forças e interesses, empreendedo-res e até motores de ações que visem ao desenvol-vimento local. Um outro ponto de convergência en-tre elas é a importância dada à participação dasociedade civil, envolvendo vários tipos de atores

(públicos, privados ou quase-públicos). A via das par-cerias público-privado e a conformação de redes sãoos meios apontados para a concretização dos pla-nos e projetos. (Lima, Loiola e Moura, 2000)

Também comum a essas correntes seria a ênfa-se dada ao desenvolvimento das capacidades in-ternas ao próprio local. As localidades são vistascomo agentes de transformação, e não da maneiraantes usual como simples suporte físico das rela-ções de produção. A exploração das capacidades

locais, efetivas e potenciais é tidacomo o meio capaz de produzir ocrescimento da região. (Lima, Loio-la e Moura, 2000)

As diferenças manifestar-se-iambasicamente em relação à impor-tância atribuída à economia popu-lar e aos grandes empreendimentospara a dinamização das economi-as locais, segundo Lima, Loiola eMoura (2000). As vertentes maissociais, que postulam priorizar o

bem-estar social, defenderiam a linha de privilegiar oapoio e incentivo aos pequenos e micronegócios eao setor informal, como formas de alcançar um de-senvolvimento mais equilibrado e sustentável (nosentido de internalização no local dos vetores de cres-cimento) e com maior nível de eqüidade social, aindade acordo com as autoras referidas por último.

A concepção polarizada entre pequena e gran-de empresa como força motriz do desenvolvimentolocal pode ser vista como um dos corolários de todauma discussão realizada, ao longo dos anos 1970 e1980, sobre a crise do capitalismo no mundo avan-çado. Parte da literatura sobre essa crise começoua vincular os problemas vivenciados pelos paísescapitalistas centrais e periféricos à falência de ummodelo de produção, baseado na fabricação de pro-dutos homogêneos em larga escala, em fábricasgigantes e burocratizadas e dotadas de tecnologiasrígidas. Esse padrão produtivo teria sido efetivo atéquando mostrou-se coerente com o padrão de con-sumo e de regulação social vigentes nas mesmassociedades, afirmam estudiosos, a exemplo deCoriat (1994) e Sengenberger e Loveman (1991).

Entretanto, as mudanças nas sociedades e nosmercados teriam tornado obsoleto esse modelo deprodução. Para vencer a crise, as empresas adota-

Os governos locaissão identificados

como agentesaglutinadores/

articuladores deforças e interesses,

empreendedores e atémotores de ações

que visem aodesenvolvimento local.

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ram estratégias competitivas, as quais terminarampor acelerar e aprofundar as próprias transformaçõesno sistema socioeconômico mais geral, inclusive emnível das unidades de produção, que tenderam a setornar mais flexíveis e integradas, mais automatiza-das, mais adaptadas à fabricação de produtos cus-tomizados e mais enxutas.

Paralelamente, foi reavivada a discussão em tor-no da importância da pequena empresa nessa novaetapa do capitalismo1. Sem dúvida, no bojo do mo-vimento de análise da crise e de crítica às teoriasortodoxas de desenvolvimento do capitalismo co-meça a proliferar um certo tipo de literatura que, emalguns casos, idealiza o papel e as possibilidadesda pequena empresa, que passou a ser vista comoo tipo de empreendimento-líder na nova fase do ca-pitalismo que se avizinhava.

Outros estudos (Sengenberger e Loveman,1991;Amadieu, 1991; Becattine; 1991; Piore, 1991; Sou-za, 1995), no entanto, apresentam uma visão maismatizada e problematizada do papel da pequenaempresa na dinamização do desenvolvimento emáreas de países periféricos e centrais, na atualidade.De acordo com esses estudos, as virtudes produti-vas não se vinculam ao porte das unidades de pro-dução, mas ao fato de as pequenas empresasestarem inseridas em uma cadeia de produção inte-grada e tecnologicamente atualizada e dinâmica, emcujo interior vigora uma combinação extensiva decooperação e de competição, circundada por umacomunidade ou estrutura social, a qual pode basear-se na família, em sindicatos ou partidos, ou em umacorporação.

Referindo-se especialmente à Itália, Becattine(1991, p.169) comenta:

(...) The substancial development of small industrial firms which

has occurred in Italy during the last 15 years, is not the outcome

of a superiority of the small size as such, not even with regard

to those goods which have characterised the recent sucesses

of italian export. What determined the expansion of the italian

population of small firms was the co-operation of two factors:

(a) a world-wide tendency towards the decentralisation and

disintegration of the firm, which was especially strong in Italy

due to especial circumstances in the labour market2; (b) an

explosion of small entrepreneurship, which was fostered by

historical cultural inheritance, by a very stable local political

environment that was not hostile to an industrialization os

“lowly” origin, by a polycentric urban structure, and at last but not

least, by a habit of contacts and exchanges with foreign countries.

As pequenas empresas tanto podem apresentarcertas vantagens como uma série de desvantagenscompetitivas. As vantagens estariam relacionadas,entre outros aspectos, ao controle direto exercidopelo dono, às facilidades em termos de fluxo de in-formações entre direção e empregados e empresae clientes, à menor importância dos ativos fixos e àmaior rapidez do processo de decisão (You,1995,citado por Almeida, 2001). As desvantagens, por suavez, derivariam dos riscos de menor produtividadee qualidade vinculados à utilização de mão-de-obramais barata e, consequentemente, menos qualifi-cada; das dificuldades de acesso a fontes de finan-ciamento e suprimento de insumos estratégicos; daausência de cultura e visão de negócio de longo pra-zo; da escassez de recursos técnicos e financeirospara realizar P&D e operar de acordo com os pa-drões de best practice. (Ceglie e Dini, 1999, citadopor Almeida,2001)

Enfim, de acordo com Almeida (2001),

A pesquisa internacional tem relativizado a importância da cria-

ção de empregos (pela pequena empresa), mostrando basica-

mente três fatos. Primeiro, na realidade, as pequenas empresas

criam menos empregos do que seus defensores anunciam (a

não ser quando se considera o trabalho autônomo ou por conta

própria como microempresa individual). Segundo, boa parcela

da nova ocupação nas pequenas empresas se explica pela ten-

dência ao deslocamento do emprego da indústria para os servi-

ços, uma vez que nas chamadas atividades terciárias a escala

das firmas é freqüentemente menor. Por fim, as ocupações cri-

adas pelas pequenas empresas tendem a ser, na média, mais

instáveis e pior remuneradas. Este último fato parece decorrer,

parcialmente, da própria multiplicação de pequenos negócios

mal planejados, abertos em conjunturas de crise, por trabalha-

dores desempregados das grandes firmas.

Por tudo isso, conforme Sengenberger e Loveman(1991), e Micklewait e Wooldridge (1998, citados porAlmeida, 2001), é refutável a hipótese de que o portedo empreendimento é importante na determinaçãode sua eficiência econômica e sua vitalidade. Emoposição a essa hipótese, há evidências empíricasque indicam haver uma forte correlação entre de-sempenho econômico e social das firmas, organi-

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zação social e políticas públicas de suporte à com-petitividade (Sengenberger e Loveman,1991; Loio-la,1998).

Apesar dos avanços no conhecimento dessasproblemáticas, os teóricos do desenvolvimento lo-cal enfocados neste trabalho continuaram alheios aeles. Dessa forma, permaneceram divididos entreaqueles que enfatizam a importância de iniciativasno campo da economia popular para alcançar amelhoria nos níveis de bem-estar das populações eaqueles que defendem a concentração de esforçosna atração e consolidação da grande empresa e dosgrandes projetos para melhorar as condições decompetitividade das cidades.

Além de refletir um padrão de pequena e médiaempresa – e uma medida de sua importância, emtermos de dinâmica do capitalismo, refutável, em suafase atual – a polarização da discussão entre pe-quenos e grandes capitais revela, também, um tra-tamento inadequado da tensão que se estabeleceentre as forças exógenas e endógenas no processode desenvolvimento, e enquanto forças modeladorasdos espaços-locais. Mostra, ainda, uma negligên-cia em termos de focalização do papel regulador doEstado, do papel das instituições e uma confusãoconceitual que reduz os recursos produtivos ao ca-pital e, adicionalmente, iguala o grande negócio aocapital externo e à força exógena, e o pequeno ne-gócio ao capital local e à força endógena.

Outro aspecto criticável das vertentes competiti-va e social da teoria de desenvolvimento local é apromoção de um certo revigoramento da ideologiado localismo. Isso porque, o local tende a ser referi-do não somente no sentido valorativo de escala es-pacial, mas como alternativa ao padrão dominantede desenvolvimento, um espaço que, por estar foradesse padrão, preserva relações comunitárias e for-mas mais ambientalmente sustentáveis de produ-zir. Adicionalmente, propende a sobrepor a noçãode espacialidade sobre a dimensão do político, en-quanto conteúdo definidor do que é democracia.Consequentemente, obscurece a significação dosmicropoderes na constituição das relações sociaisde dominação local, esquecendo, por vezes, queas relações sociais nesses locais, por estarem soba hegemonia de um bloco tradicional, não são efeti-vamente comunais (Benevides,2000). Nas palavrasde Souza (2000, p.20), “População e seus deriva-

dos, como população local, são categorias (...) (que)sugerem uma homogeneidade objetiva e de inte-resses onde não há homogeneidade”.

Vistas a partir dessas perspectivas, as correntesde pensamento sobre o desenvolvimento local an-tes mencionadas, embora tenham emergido comocrítica às teorias tradicionais de desenvolvimento,conforme também já referido anteriormente, mos-tram-se prisioneiras das mesmas lógicas das teori-as que criticam, nas quais poupança ou investimentosão as categorias causais e naturais do desenvolvi-mento – ou da falta de desenvolvimento.

Essa visão é insustentável em face do crescentereconhecimento da natureza path-dependent do fe-nômeno do desenvolvimento. Essa natureza põe emrelevo a importância da história e das instituições,enquanto categorias explicativas das diferentes tra-jetórias de desenvolvimento apresentadas pelospaíses, regiões e locais. Ou seja, a acumulação ca-pitalista não é um fenômeno auto-regulado; não res-ponde, exclusivamente, a uma lógica interna de re-produção; a acumulação se realiza dentro de ummarco institucional.

Uma das entidades desse marco institucional éo mercado, que é o locus da concorrência intercapi-talista. A concorrência intercapitalista perde, tam-bém, seu pretenso caráter naturalista. Os padrõesde concorrências setoriais são produzidos e repro-duzidos pelo confronto de empresas, consumidores,governos e outras instituições. Esses agentes insti-tucionais são assimétricos em termos de poder e deinformações. Assim, a dinâmica da acumulação ca-pitalista é condicionada, em última instância, peloselementos desse marco institucional, os quais são,por sua vez, modelados ao longo da história(Bustelo,2.000). Nas palavras de Castells (1989, p.351, citado por Albagli,1998, p.10), “a produção naeconomia informacional torna-se organizada no es-paço dos fluxos, mas a reprodução continua sendoespecificamente local”.

De fato, da perspectiva da teoria do desenvolvi-mento e de seus modelos correlatos, a ênfase nasdimensões institucionais tem ensejado a percepçãode obstáculos reais à transferência de tecnologiase capitais produtivos, sobretudo com o avanço doprocesso de globalização3. Em contraposição à idéiade equalização, o que parece se evidenciar com aglobalização é a tendência ao recrudescimento das

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assimetrias entre as nações, regiões e locais combase nas diferentes capacidades de gerar, difundire absorver o progresso técnico (Loiola, 1998), osfluxos de capital produtivo e os segmentos de pro-dução mais modernos e dinâmicos. Conforme Becker(1991,p.14), “a globalização avança através não sóda incorporação extensiva de novos espaços, como,sobretudo, pela valorização seletiva das diferenças”.Já a valorização e a diferenciação espacial são, porsua vez, condicionadas, em medida expressiva, pordiferentes capacidades das econo-mias em escala local de ofereceremsuporte à competitividade empresa-rial e estimularem a potencializaçãoda rentabilidade dos investimentos.(Albagli,1998)

Nas palavras de Albagli (1998,p.10):

A mobilidade de capitais e de empreen-

dimentos, capitaneada pela re-localiza-

ção dos segmentos econômicos de alta

tecnologia, repercute na projeção de no-

vas áreas e regiões e no declínio de ou-

tras, geralmente aquelas de industriali-

zação baseada no antigo modelo fordista

de produção em massa, que mais forte-

mente sofreram a repercussão da crise

mundial processada nas décadas de 1970 e 1980. (...) No

regime de produção flexível, um novo conjunto de regiões

industriais centrais ganha projeção, caracterizando um pro-

cesso de re-aglomeração da produção, enquanto algumas

das áreas mais antigas são remodeladas e seletivamente re-

industrializadas, estabelecendo-se assim uma dinâmica de

desintegração e de restruturação ou reconstrução espacial.

A noção de espaço, esvaziada de sua dimensãosociohistórica ou limitada a uma configuração geo-gráfica estática, é insuficiente para dar conta de di-ferenças nas trajetórias de desenvolvimento entrelocais, regiões e países. O espaço não é, apenas,um fator que pode aumentar ou reduzir custos, con-forme as distâncias existentes entre os mercadosde insumos e de consumo das empresas e setoresprodutivos, de acordo com a visão da microecono-mia neoclássica, ou o locus de relações comunais,como na visão de desenvolvimento local já criticada.O espaço é socialmente produzido, o que indica que

o foco não é o espaço em si, mas o uso que se fazdele. O espaço é território.

Os territórios mudam no tempo e no espaço. Istoé, os territórios desempenham o papel de acumula-dor da história, assim como são modelados pela açãode seus sujeitos históricos, a qual é mediada, por suavez, pela combinação de forças internas e externas.O território deve ser compreendido enquanto locusde ação social e parte de uma totalidade espacial(Azais, Corsani e Nicolas, 1993; Castro, 1994; Benko,

1996; Loiola, 1998; Albagli,1998).Com base nesse conceito de terri-tório, percebe-se que a dimensãolocal não é apenas realidade empí-rica, mas é também representaçãosocial, influenciando o modo de or-ganização e a dinâmica das ativida-des econômicas e, ao mesmo tem-po, sendo influenciada por eles.

Em face do mundo globalizadoe das transformações tecnoeconô-micas que lhe são correlatas, Benko(1996, citado por Albagli,1998, p.10)indica a existência de quatro pa-drões de locais: os que detêm mei-os inovadores adequados para ca-pitalizarem positivamente para si asrepercussões do atual processo de

globalização; os que se mostram suficientemente di-nâmicos para tirar proveito das novas oportunidades,mas encontram limites e resistências internas paraavançarem sua posição nesse cenário; os que se re-velam desestruturados e fragilizados perante as in-junções e interesses externos; e, por fim, aqueles quenão possuem qualquer dinâmica própria.

A eficácia mercantil desses territórios, ou seja,sua capacidade de favorecer a rentabilidade dos in-vestimentos, varia de produto a produto, traduzin-do-se em vantagens competitivas. Essa eficácia mer-cantil pode ser, em parte, artificialmente criada,enquanto expressão dos processos técnico-sociaise dos suportes geográficos da informação (Santos,1996, citado por Almeida Neto, Gottschall e Cypria-no,1997). Mas a capacidade de construir, renovar eusar os novos recursos produtivos varia de territóriopara território, o que sobreleva, mais uma vez, aimportância da história e das instituições como fato-res explicativos dessas diferenças.

Em contraposição à idéiade equalização, o queparece se evidenciarcom a globalização

é a tendência ao recrudescimento dasassimetrias entre as

nações, regiões e locaiscom base nas diferentes

capacidades de gerar,difundir e absorver

o progresso técnico,os fluxos de capital

produtivo e os segmentosde produção mais

modernos e dinâmicos.

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As questões de competitividade empresarial ede internalização e fortalecimento de clusters pro-dutivos tornam-se estratégicas para o desenvolvi-mento regional/local. (Porter, 1996; Aoki, Murdock,Okuno-Fujiwara, s/d). Em vista disso, uma estraté-gia de desenvolvimento do local deve visar doisalvos simultaneamente: promover a aglutinação emclusters de empresas via criação de fatores locaci-onais e estimulá-las a funcionarem com base nasbest practices setoriais, ou seja, a serem empre-sas inovadoras e líderes em seusegmento de atuação. (Amaral Fi-lho, 1992)

Os clusters produtivos corres-ponderiam à concentração geográ-fica de empresas e instituições in-terconectadas e pertencentes a umcampo específico. A proximidadede companhias e instituições – e afreqüência de trocas entre elas – es-timularia a melhor coordenação eo estabelecimento de relações de confiança entreelas (Porter, 1998), isto é, levaria à formação de ca-pital social no local.

Em particular, empresas dotadas de condiçõesde competitividade dinâmica, ou seja, que apresen-tam condutas atualizadas e perspectivas de renová-las, aparecem freqüentemente vinculadas a locais ca-racterizados pelo elevado padrão de vida. A essasempresas vinculam-se postos de trabalho de quali-dade e melhor remunerados; potencial de criação denovos postos de trabalho; capacidade de geração,difusão e incorporação de inovações tecnológicas egerenciais; efeito multiplicador de benefícios sobreas comunidades; capacidade de criação de capitalsocial e intelectual; crescimento auto-sustentado; li-derança em seus segmentos de mercado. (Porter,1996)

Muitos dos nexos entre desenvolvimento local eempresarial continuam, sem dúvida, em aberto. Mastornou-se largamente difundida a percepção de quehá uma relação biunívoca entre essas duas dimen-sões: regiões desenvolvidas favorecem a existênciade empresas e clusters de produção competitivos,e empresas e clusters competitivos estão na basedo desenvolvimento dessas regiões.

Esses reenquadramentos das questões empre-sarial e do desenvolvimento local e de suas relações

parecem ser importantes referenciais para a formu-lação de políticas de desenvolvimento com o objeti-vo de assegurar o bem-estar das populações desseslocais.

Nova corrente de reflexão sobre o desenvolvi-mento – ou da ausência de desenvolvimento – emer-giu no bojo da crescente consciência ecológica nassociedades avançadas, a partir da qual a questão dasustentabilidade dos modelos de desenvolvimentopassou a apresentar uma outra conotação. Integra-

da ao discurso de políticos, ONGs, go-vernos, organismos supranacionaisinternacionais, universidades e co-munidades específicas, essa preo-cupação com o desenvolvimentosustentável vem se traduzindo, ain-da que de modo tímido, em meca-nismos e instrumentos de controlee orientação dos modelos de desen-volvimento.

Definido como processo de mu-dança social e de elevação das oportunidades pre-sentes da sociedade, sem comprometer a capaci-dade das gerações futuras terem atendidas suaspróprias necessidades, o desenvolvimento susten-tável requer a compatibilização, no tempo e no es-paço, entre crescimento, eficiência econômica, con-servação ambiental, qualidade de vida e equidadesocial. Repõe em outras bases a relação entre efici-ência econômica, qualidade de vida e equidade so-cial, além da relação entre economia, sociedade emeio ambiente, apontando, no limite, a possibilida-de de otimizar essas relações, o que se mostrouimpossível no bojo dos modelos tradicionais de de-senvolvimento.

No entanto, esse novo significado da articulaçãoentre as dimensões anteriormente citadas só é viá-vel numa perspectiva de longo prazo. Isso significadizer que, no curto prazo, continua sendo válido oprincípio de trocas entre elas4, segundo o qual a op-ção pela ênfase em eficiência econômica5, por exem-plo, pode levar a impactos negativos sobre a dimen-são de equidade, sobretudo em locais com economiasfrágeis e desatualizadas.

Sem dúvida, já é possível, tecnológica e social-mente, adotarem-se modelos de desenvolvimentocom impactos sociais e econômicos positivos e ne-gativos mais igualitariamente distribuídos entre os

O desenvolvimentosustentável requera compatibilização,

no tempo e no espaço,entre crescimento,

eficiência econômica,conservação ambiental,

qualidade de vida eequidade social.

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diferentes grupos sociais, com impactos negativos re-lativamente menores sobre a natureza e com meno-res custos no longo prazo – consequentemente, commelhores possibilidades de retorno social e privado.Ainda persistem, todavia, tensões entre objetivos delongo e curto prazo, e entre os diferentes interessesdos atores sociais.

Por outro lado, novo ponto de tensão pode seridentificado entre os objetivos de equidade social ede preservação ambiental. Como nos países desen-volvidos o objetivo de assegurar boas condições devida de suas populações foi alcançado com baseem excessiva pressão sobre o meio físico, a dimen-são ambiental tendeu a ser enfatizada. Já nos paí-ses subdesenvolvidos, os movimentos ambientalis-tas propenderam a ser acusados de retrógrados porcolocarem em primeiro plano, segundo seus críti-cos, o objetivo de preservar a natureza intocada,mesmo que para tanto objetivos de melhoria dascondições de vida da população tivessem de serabandonados. (Pontes, 1996)

Especialmente sobre essas tensões no ambien-te empresarial, Porter e Linde (1995 a, b e c) mos-tram que a consciência sobre a necessidade deregulamentação ambiental está, também, se difun-dindo porque todo o mundo deseja um planeta ondeseja possível viver. Ainda é comum, todavia, quepolíticos e formuladores de políticas, homens denegócio e comunidades específicas possuam umavisão de curto prazo, estática, acerca da relaçãoentre controle ambiental, competitividade e bem-estar social, que sobreleva o impacto dos custos emenospreza os resultados de maior produtividadee retorno social que podem estar vinculados à ado-ção de inovações por força das exigências da regu-lamentação ambiental.

Ou seja, as resistências às medidas de regula-mentação ainda são muito fortes, porque acredita-se que são geradoras, exclusivamente, de custos eque, por isso, geram impactos negativos sobre acompetitividade empresarial e, consequentemente,sobre o potencial de geração de emprego e riquezalocais. Segundo Porter e Linde (1995 a e b), paísesque toleram métodos que desperdiçam e que des-conhecem as normas ambientais porque são muitocaras ficarão estagnados e reduzidos à mediocrida-de, uma vez que, no mundo globalizado, a noção devantagem comparativa está se tornando obsoleta.

No mundo globalizado, prevalece o princípio devantagem competitiva, que é dinâmica, de longo pra-zo, e depende de investimentos permanentementevoltados para sua criação e sua renovação; ou seja,vincula-se à produtividade no uso dos fatores e àcapacidade de gerar e usar novos fatores produti-vos, a exemplo de capital intelectual, capital social,inovação de produtos, de processo e gerenciais.

Nesse mundo, podem ser identificadas, ainda deacordo com Porter e Linde (1995a), seis razões im-portantes para o estabelecimento de regulamenta-ção ambiental:• Criar pressão para motivar as empresas a inovar.• Melhorar a qualidade ambiental nos casos em

que a inovação e os resultados de melhoria naprodutividade de recursos não compensem com-pletamente o custo de adequação.

• Alertar e educar as empresas sobre possíveisineficiências de recursos e áreas potenciais paramelhorias tecnológicas.

• Aumentar a probabilidade de que as inovaçõesnos produtos/serviços e nos processos de produ-ção/operação sejam ambientalmente amistosos.

• Criar demanda por melhorias ambientais até queempresas e consumidores sejam capazes de per-ceber e mensurar as ineficiências.

• Nivelar o campo de batalha durante o períodode transição para soluções ambientais baseadasem inovações, assegurando que uma empresanão possa galgar posições competitivas em re-lação às outras sacrificando os investimentos denatureza ambiental.

Sem dúvida, a sustentabilidade do desenvolvi-mento requer a realização de investimentos para arequalificação dos fatores produtivos pré-existentesno local e para a criação de novos fatores, tudo issoconduzido a partir de uma preocupação conserva-cionista do meio ambiente e valorizadora das espe-cificidades socioculturais locais. Condutas desatua-lizadas na utilização dos fatores produtivos gerammaior necessidade de investimentos, proteções,incentivos e subsídios seletivos em termos de seto-res, temporários, regressivos no tempo e progressivosem termos de exigência de resultados empresariaispara a reconversão do modelo de desenvolvimentopré-existente e sua transformação em modelo dedesenvolvimento sustentável.

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No entanto, uma vez realizados tais investimen-tos e formatados os sistemas de regulação com exi-gências progressivas em relação às condutas ope-racionais e resultados, os retornos sociais e privadostendem a crescer exponencialmente, seja porqueos consumidores inclinam-se a pagar preços dife-renciados por produtos social e ambientalmente lim-pos, seja porque os contribuintes tendem a reco-nhecer a necessidade da arrecadação de impostospara manter ou melhorar o ambiente ou, ainda, por-que, no médio prazo, os próprioscustos operacionais das empresase governos tendem a cair e novasoportunidades de negócios e degeração de receitas podem emer-gir. Nas palavras de Porter e Linde(1995a, p.73),

novos padrões ambientais adequados

podem dar início a um processo de ino-

vações que diminua o custo total de um

produto ou aumente o seu valor. As ino-

vações permitem que as empresas usem

mais produtivamente uma série de

insumos – de matérias primas a fontes

de energia – de forma a compensar os

gastos feitos para preservar mais o meio ambiente. Assim,

chega-se ao fim de um impasse. Em última instância, a maior

produtividade dos recursos torna as empresas mais competi-

tivas, não menos.

O esforço para a consecução dos objetivos an-teriormente mencionados é função da situação ob-servada em cada local. Há lugares que já reúnem,pelo menos, grande parte das condições necessári-as para alavancarem projetos de desenvolvimentosustentável, sobretudo nos países desenvolvidos.Tais lugares são aqueles definidos por Benko (1996)como os que detêm meios inovadores adequadospara capitalizarem positivamente para si as reper-cussões do atual processo de globalização, segun-do registrado anteriormente.

No entanto, há locais que estão em situação opos-ta: são muito pobres; possuem estruturas produtivasmuito frágeis e desatualizadas; apresentam níveis deescolarização de suas populações muito baixos, as-sim como também baixos níveis de qualificação desua mão-de-obra. Adicionalmente, os problemas so-

ciais estão fora de controle. A maioria desses locaisencontra-se, sem dúvida, fora do mundo afluente.Muitos deles já são, hoje, considerados com raraschances de ultrapassar esse quadro adverso. Deacordo com a tipologia de Benko (1996), tais lugaressão aqueles que não possuem qualquer dinâmica pró-pria ou que se revelam desestruturados e fragilizadosperante as injunções e interesses externos.

É evidente que a forma como foi encaminhada adiscussão sobre as relações entre objetivos de longo

e curto prazo, e entre preservaçãodo ambiente e melhoria de qualidadede vida suscitou muita mistificação.Concordando com Pontes (1996),considera-se que nenhum gruposocial renunciaria à melhoria de suascondições de vida para evitar alte-rações no meio ambiente. De igualforma, caso não se admitisse a pos-sibilidade de alcançar tal benefíciono presente, a atual geração nãoestaria preocupada em preservar obem-estar social para seus descen-dentes.

Isso significa dizer que a ques-tão ambiental só está na pauta de

discussão porque já é tecnologicamente possíveladotar modelos de desenvolvimento econômico, istoé, alternativas de melhoria socioeconômica, com re-lativamente menores impactos negativos sobre anatureza e até com menores custos no longo prazoe, consequentemente, com melhores possibilidadesde retorno sobre o investimento (Pontes, 1996).

Enquadrada dessa forma a questão, a tão alarde-ada incompatibilidade entre a filosofia e objetivosde tais modelos e a filosofia e objetivos empresari-ais fica, no mínimo, relativizada. O reconhecimentode que os níveis de lucro dos empreendimentos nolongo prazo podem aumentar tem incentivado o in-vestimento empresarial na geração, difusão e ab-sorção de tecnologias limpas, menos agressivas aomeio ambiente.

Não se trata aqui de uma nova mistificação doambiente social e de negligência em relação às fon-tes, permanentemente renovadas, de conflito social.Trata-se, na verdade, de explorar as novas oportu-nidades que estão sendo abertas nesse novo qua-dro de aceleração do desenvolvimento tecnológico

A sustentabilidade dodesenvolvimento requer

a realização deinvestimentos para a

requalificação dos fatoresprodutivos pré-existentesno local e para a criaçãode novos fatores, tudo

isso conduzido a partir deuma preocupação

conservacionista do meioambiente e valorizadora

das especificidadessocioculturais locais.

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e de ruptura dos paradigmas de produção e de or-ganização social. Trata-se, também, de reconhecera complexidade dos agentes sociais e explorar, emum sentido educativo, as diferenças e contradiçõesde cada grupo social.

Como alerta ainda Pontes (1996), as decisõestomadas no âmbito privado podem não ser as maisrecomendáveis para a permanência da própria ati-vidade econômica no longo prazo. Exemplos des-sa conduta podem ser encontrados em todos ossetores produtivos e em todos os países do mun-do, mas especialmente nos países menos desen-volvidos. Essa heterogeneidade de condutas podeser identificada também em nível dos governos edas comunidades locais. Existem, portanto, ten-sões e conflitos não só entre os diferentes grupose agentes sociais, como também dentro de cadagrupo e agente social, cuja resolução negociadacondiciona o nível da sustentabilidade de cada pro-jeto e sua própria capacidade de inclusão das pes-soas marginalizadas dos mercados de trabalho ede consumo.

A discussão em torno da problemática do desen-volvimento e de suas teorias, desenvolvida nestetópico, inspirou o delineamento preliminar de ummodelo de análise, o qual é focalizado setorialmentee reflete uma abordagem institucionalista. O focoem setores permite caracterizar seus padrões com-petitivos, para que se possa tomá-los como refe-rência para a identificação de tendências de desen-volvimento, assim como de suas fontes de vantagenscompetitivas, de suas dinâmicas e lógicas de repro-dução específicas e seus centros de poder. Esseselementos são estratégicos para a formulação depolíticas com vistas à construção de eficácia mer-cantil de territórios específicos, reforçando a renta-bilidade dos negócios, o que é, por sua vez, umadas pré-condições para fomentar a atratividade des-ses mesmos locais.

Adicionalmente, informações sobre o desempe-nho do setor em diferentes territórios, ou seja, da his-tória produzida a partir da ação e poder assimétricode seus sujeitos, são relevantes. As experiências vi-vidas em territórios específicos podem informar so-bre, por exemplo, a necessidade de instituição de sis-tema específico de regulação e incentivo para queas condutas das empresas de setores em locais es-pecíficos possam ser orientadas no sentido de gerar

maiores benefícios socioeconômico e ambiental esobre os limites que se colocam a iniciativas dessetipo. Tal modelo será aplicado a seguir para o setorde turismo, com o objetivo de discutir as diferentesrelações entre turismo e desenvolvimento local.

A questão do desenvolvimento turístico

Como foi salientado no item anterior deste arti-go, nas últimas décadas as idéias mais dominantessobre o desenvolvimento econômico vêm sendoquestionadas. Mas apesar da crescente importân-cia do turismo como vetor de desenvolvimento,Sinclair (1998) e Souza (2000) registram que o tu-rismo tem atraído pouca atenção de estudiosos des-se campo, sobretudo nos países periféricos.

Em conseqüência, poucos são os estudos queprocuram formular uma visão da atividade com baseem teorias de desenvolvimento, principalmente nasnovas vertentes de pensamento que emergiram coma crítica às idéias tradicionais. Este artigo é fruto deum esforço, ainda preliminar, de discutir a proble-mática do turismo a partir de uma abordagem deinspiração institucionalista do desenvolvimento eco-nômico local sustentado.

O termo turismo sustentável foi cunhado no bojodo debate sobre a sustentabilidade ambiental e, se-gundo Sinclair (1998), significa uma forma e nívelde turismo que mantém o estoque total dos recur-sos. Mas essa é uma visão restrita acerca das ques-tões de sustentabilidade do turismo, que se relacio-na com a vertente ecológica das abordagens dodesenvolvimento sustentável, já criticada neste arti-go. Mais sintonizado com o conceito de desenvolvi-mento local sustentado aqui abraçado, é aquele cujoprincípio de sustentabilidade transcende a dimen-são ecológica e o de local supera a ideologia dolocalismo. Inspirando-se em Sachs (1993,p.37), oconceito de turismo sustentável adotado neste arti-go, compreende cinco dimensões:• sustentabilidade ecológica;• sustentabilidade social;• sustentabilidade cultural;• sustentabilidade econômica;• sustentabilidade espacial.

A sustentabilidade ecológica traduz-se em pro-teção/conservação da natureza e da diversidade bi-

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ológica. Pressupõe o respeito à capacidade de su-porte dos ecossistemas e ao limite de consumo dosrecursos naturais. A sustentabilidade social signifi-ca a participação cidadã no processo de desenvol-vimento para assegurar um padrão negociado e maisestável de crescimento, e menos desigual em ter-mos de renda e de qualidade de vida. Já a susten-tabilidade cultural pressupõe a necessidade de sebuscar soluções de âmbito local, valorizadoras dasespecificidades das culturas locais. A sustentabili-dade econômica, por sua vez, significa não só acompatibilização entre crescimento e utilização sus-tentável dos recursos naturais, mas ainda a interna-lização nos locais dos vetores de crescimento eco-nômico. Por fim a sustentabilidade espacial requera distribuição geográfica mais equilibrada dos as-sentamentos turísticos.

Embora seja comum subestimar-se ou superes-timar-se o seu peso devido a imprecisões metodo-lógicas (Knafou, 1996), o turismo, hoje, representauma das mais importantes fontes de acumulaçãode capital. Trata-se de uma atividade que se expan-de em escalas planetárias, não poupando qualquerterritório (Rodrigues, 1996), em ritmos diferenciados,como reflexo das desigualdades nos níveis de de-senvolvimento econômico e social entre as nações:ainda hoje, a maior parte do fluxo do turismo inter-nacional concentra-se, de acordo com Sinclair (1998)entre os próprios países emissores ou desenvolvi-dos, e entre esses e novos países industrializados(NIC’s).

Nessa expansão, a atividade turística vem experi-mentando um expressivo processo de reestruturaçãoem nível mundial. Mas antes de delinear as novas ten-dências que caracterizam o segmento de turismo, opróximo item analisará o seu padrão concorrencial, quereflete suas estruturas de mercado e as ações (estra-tégicas e operacionais) de suas empresas. Assim, acaracterização do padrão concorrencial do segmentode turismo, ao sobrelevar a dimensão institucional mer-cado, é um dos pré-requisitos para a conformação doambiente institucional no qual as empresas operam.

Notas sobre o padrão concorrencialdo segmento de turismo

Os turistas são visitantes temporários que per-manecem mais de vinte e quatro horas nos desti-

nos por motivo de férias, recreação, saúde, estudo,religião, esporte, visita a amigos e parentes, negó-cios ou reuniões. O produto turístico é multicompos-to. Envolve transporte, hospedagem, agenciamen-to de viagens, de diversões, paisagens (recursosnaturais) e outras facilidades e serviços, tais comolojas e câmbio (Sinclair, 1998; Lage e Milone, 1998).Consequentemente, a atividade de turismo é anali-sada como um cluster. A delimitação dos principaiselementos do padrão de concorrência de três im-portantes componentes desse cluster consta dosubitem a seguir.

Segmento de transporte aéreo

Os gastos com o transporte aéreo são, freqüen-temente, um dos mais significativos no orçamentoglobal dos turistas. O segmento de transporte aé-reo tem uma estrutura de mercado oligopolizada.Seu sistema de regulação é um dos fatores-chavede sucesso competitivo. O Acordo de Bermuda (TheBermuda Agreement) de 1946 forneceu as basespara a regulamentação do tráfego internacional, dis-ciplinando questões como: entrada em operação derotas e pontos de pouso, natureza do tráfego, nú-mero de companhias aéreas em cada rota, freqüên-cia e capacidade dos vôos, etc. Acordos entre em-presas de aviação que utilizam rotas específicascomplementam esse sistema de regulação, tambémestabelecendo freqüência e capacidade dos vôos edivisão de receitas.

Dado o peso desses acordos, os governos e asempresas de aviação dos países desenvolvidos de-têm um relativo controle sobre as condições de opera-ção nesse subsegmento do segmento de turismo(Sinclair,1998). De acordo com Lage e Milone (1998,p.33):

... poucos países em desenvolvimento têm facilidades para

servir as linhas aéreas estrangeiras e, dessa forma, os gan-

hos potenciais são perdidos. Em média, é colocado nas ba-

ses estrangeiras pelas empresas aéreas um staff de 5

empregados. O país receptor dos fluxos turísticos recebe de

7% a 10% da receita do vôo charter operado por uma empre-

sa que não pertence ao país de destino.

O advento da desregulamentação do subsegmentonorte-americano, iniciado em 1978, vem influencian-

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do modificações nos seus padrões concorrenciais nomundo, elevando a competição em nível de rotas.De uma maneira geral, essa desregulamentaçãovem se caracterizando por movimentos no sentidoda privatização e desnacionalização de companhi-as de aviação estatais, não somente em países de-senvolvidos como em desenvolvimento, a exemplode Jamaica, México e Brasil. (Sinclair,1998)

Contrariando os prognósticos de redução dos ní-veis de oligopolização desse subsegmento viaviabilização da operação de empresas menores, asua desregulamentação vem, ainda, implicando ele-vação dos níveis de concentração do mercado. Asgrandes companhias têm saído beneficiadas, ganhan-do poder de mercado via configuração das redes,domínio de rotas e aeroportos, imposição de barrei-ras à entrada, experiência, sistema de reserva on linee promoções freqüentes com vistas a fidelizar clien-tes, especialmente no turismo de negócio.

Adicionalmente, integraram-se verticalmente comoperadores e agentes de viagens de forma que, hoje,o mercado está dividido entre um primeiro time, for-mado por poucas empresas dominantes, e um se-gundo time, mais numeroso, composto por empresasque apresentam baixas taxas de crescimento e fra-co desempenho. Uma das estratégias que podemmudar a situação de baixo desempenho das em-presas do segundo time é a realização de aliançascom empresas do primeiro time. (Sinclair,1998)

Muito da demanda por viagens aéreas internacio-nais e por hospedagem nos países em desenvolvi-mento é controlada pelos operadores e agências deviagem dos países desenvolvidos. Na medida emque esses intermediários internacionais jogam pa-pel importante na canalização da demanda para ospaíses em desenvolvimento, torna-se pertinenteexaminar seus padrões de concorrência, o que éobjeto do próximo subitem.

Operadores e agências de viagem

A exemplo do anterior, um dos traços desse sub-segmento é seu elevado grau de concentração demercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, qua-renta operadores (3% do total) controlavam, aproxi-madamente, um terço do mercado de pacotes deferiado no início dos anos 1990. No Reino Unido, osníveis de concentração eram maiores no mesmo

período. O mesmo padrão é encontrado na França,Alemanha e Itália (Sinclair,1998).

As suas elevadas taxas de rotatividade de em-presas constituem novo traço distintivo. Tanto nosEstados Unidos como na Europa, apenas um terçodos operadores existentes em fins de 1970 esta-vam em operação no final da década seguinte, porexemplo. Assim, embora seus níveis de concentra-ção de mercado classifiquem suas estruturas demercado como oligopolizadas, a alta rotatividade deempresas, por sua vez, sugere que essas estrutu-ras são fortemente contestáveis.

Grandes empresas têm competido com base emgrandes escalas de venda, baixa margem e econo-mias de escala e de escopo. A concorrência temsido acirrada e os grandes operadores têm adotadoestratégias baseadas em preço (por exemplo,desconto nos preços finais dos serviços) para con-quista de mercado. Tal prática tem se refletido nosmercados dos países em desenvolvimento, cujasempresas são forçadas a reduzir preços para viabi-lizar as estratégias dos operadores nos mercadosdos países desenvolvidos. Nesse cenário, é o gran-de operador que se encontra em posição de coman-dar o mercado. (Sinclair,1998)

O subsegmento de agentes de viagens tambémvem apresentando crescentes níveis de concentra-ção ao logo do tempo. Nos anos 1990, os cinco maio-res agentes de viagem do Reino Unido foram res-ponsáveis por, aproximadamente, metade de todasas vendas. Por volta de 1986, essa proporção era deum terço do total. Compõe-se de empresas de pe-queno e de grande portes, sendo que essas últimassão, freqüentemente, integradas verticalmente.(Sinclair,1998)

O grau de integração entre operadores e agên-cias de viagem na Europa tem crescido, assim comoas práticas de operadores de países desenvolvidosadquirirem ações ou cotas de hotéis de países emdesenvolvimento. Em meio a muitas lacunas de co-nhecimento sobre os efeitos dos movimentos de in-tegração, há um relativo acordo quanto a que, doponto de vista dos países em desenvolvimento, ocrescimento do tamanho das empresas, em funçãodas integrações verticais, está correlacionado,ceteris paribus, com maior concentração e poder demercado do subsegmento dos países desenvolvi-dos, e com maior volume de vendas e crescente

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poder de barganha vis-a-vis os empreendimentoshoteleiros dos países em desenvolvimento de des-tino. Estes últimos, tendem a receber receitas rela-tivamente menores por unidade de hospedagemocupada pelos clientes dos operadores dos paísesdesenvolvidos. (Sinclair,1998)

Segmento dos meios de hospedagem

O segmento hoteleiro caracteriza-se por capaci-dade de hospedagem fixa. Consequentemente, aproporção dos custos fixos em relação ao custo to-tal tende a ser, comparativamente, elevada. Dadoesse padrão, as economias de escala, tanto em ní-vel de cada empreendimento como das cadeias, sãoimportantes fontes de vantagem competitiva e desingularização de seu padrão de concorrência.

Também esse subsegmento está experimentandoum expressivo processo de reestruturação, caracteri-zado por integração vertical e horizontal entre empre-endimentos de diferentes países; internacionalizaçãode cadeias de hotel baseadas em países em desen-volvimento e emergentes; maior controle do segmen-to de hotéis de luxo, de diárias mais elevadas, pelosmaiores grupos internacionais, cuja expansão concen-tra-se nos países emergentes; crescimento da propri-edade e do controle por estrangeiros dos hotéis nospaíses em desenvolvimento. (Sinclair,1998)

Os investimentos diretos estrangeiros podem ge-rar desvantagens para os países de destino se asempresas estrangeiras não investirem ou investirempouco em treinamento da mão-de-obra local e se ovolume canalizado para remuneração de trabalho es-trangeiro for alto, a exemplo do que ocorre nas IlhasVirgens e Cayman. Nestas últimas localidades, cer-ca de 43% dos gastos com salários foram realizadoscom estrangeiros durante os anos 1970. Se firmaslocais são deslocadas do mercado em função dosinvestimentos estrangeiros diretos, a exemplo do queaconteceu com o setor hoteleiro do Taiti, novos efei-tos negativos podem surgir para os países hospedei-ros desses investimentos diretos. Em síntese, os efei-tos positivos dependerão do grau em que taisinvestidores estrangeiros transferirem suas capaci-tações e conhecimentos especializados para os in-vestidores e empresas domésticas. (Sinclair, 1998)

Da perspectiva do modelo de análise adotado,para delimitar o campo das possibilidades de reen-

quadramento dos modelos de exploração no setorde turismo, torna-se necessário estreitar o foco deanálise para traze-lo para as tendências gerais emtermos de padrão de competição no setor. Essas ten-dências são focalizadas no modelo de turismo, nadistribuição entre os territórios da nova onda de cres-cimento da atividade e nas formas de organização ede regulação da atividade, a seguir apresentadas.

Tendências gerais do processo derestruturação do segmento de turismo

Com base nos elementos registrados no item pre-cedente deste artigo e em Cazes (1996), Rodrigues(1996), Falcão (1996), Cavaco (1996), Williams eShaw (1991), e Almeida Neto, Gottschall e Cypria-no (1997), pode-se afirmar que o processo de rees-truturação do segmento de turismo apresenta cincotendências básicas.

Em primeiro lugar, a maioria dos países vem ten-tando adotar medidas de várias naturezas para con-ter o turismo emissivo internacional e fortalecer odoméstico, sendo este até o caso da Alemanha –que é campeã mundial em viagens ao exterior.Williams e Shaw (1991), e Almeida Neto, Gottschalle Cypriano (1997) sugerem que a afirmação do fimdas barreiras nacionais para o turismo parece seruma conclusão apressada.

Em segundo lugar, o turismo e o lazer passam aser vistos como vias potenciais de integração de al-guns países ou regiões periféricas, constituindo-se,assim, em uma nova fronteira modal e territorial dereprodução ampliada do capital. (Rodrigues, 1996;Falcão, 1996) Nas regiões deprimidas, em especi-al, as atividades turísticas vêm sendo apontadascomo o principal, e até mesmo o único, vetor de pro-jetos de desenvolvimento.

Como no turismo maciço os clientes parecem nãose preocupar com a essência, bastando-lhes as apa-rências, nesse movimento de ocupação de novosgeossistemas, constroem-se resorts padronizados,modelo Club Mediterranée, onde as pessoas se sen-tem no seu lugar de origem. Esses resorts,

... são paradoxalmente iguais, em qualquer parte do mundo,

nos territórios mais escondidos exóticos, indiferentes ao en-

torno, cercados por muros, no interior dos quais os turistas

são confinados durante quase toda sua estada. Só visitam

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os territórios extramuros em excursões programadas, partici-

pando de aventuras encenadas, rigorosamente controladas

e sem riscos. (Rodrigues, 1996, p. 19)

Sob o estímulo de organismos internacionais, ob-serva-se, ademais, a intensificação dos processos deprivatização e a aceleração das iniciativas com vistasà desregulamentação do setor nos países em desen-volvimento. Essas medidas de privatização e desre-gulamentação conformam a terceira tendência. (Cazes,1996; Sinclair, 1998)

Pari passu, registra-se comoquarta tendência a constituição ereforço de uma rede turística trans-nacional, cujas formas de interven-ção nos países em desenvolvimen-to tendem a modificar-se. No bojodessas modificações, os investi-mentos diretos são progressivamen-te substituídos pelo estabelecimen-to de franschisings hoteleiros ecomerciais, pela instituição de alian-ças tecnológicas e pela prestaçãode assessoria profissional em diver-sos campos. (Cazes, 1996)

Em face dessas modificações nosistema de regulação dos países emdesenvolvimento e no perfil empre-sarial e modelos de atuação, a de-pendência dos países do Cone Sulem relação ao sistema turístico in-ternacional aprofunda-se, uma vezque as barreiras à entrada nas re-des de comercialização crescerame os hoteleiros independentes tendem a se depa-rar, cada vez mais, com as exigências dos operado-res e seus filiados, sem apoio dos operadores públi-cos. (Cazes, 1996)

Ao lado da crescente importância do turismo demassa, denota-se, como quinta tendência, a emer-gência de outras modalidades de turismo, todasenfeixadas, comumente, sob o rótulo de turismo al-ternativo. Entre os seus mais conhecidos subtiposestão o turismo natural, o ecoturismo, o turismo ver-de, o turismo leve, o turismo responsável, o turismorural e o agroturismo. Todas essas modalidades sãovistas, conforme Cavaco (1996, p.105, citado porSilveira, 2000, p.95), como

... formas de turismo que, em princípio, respeitam as capaci-

dades de absorção dos espaços de recepção, em termos na-

turais, culturais e sociais, e promovem a conservação dos

recursos locais, físicos e humanos, incluindo os de interesse

turístico, diminuem custos e elevam benefícios e, não menos

importante, reduzem as saídas de divisas.

De início saudada como a modalidade do futuro,que propenderia a substituir o turismo de massa, hoje,considera-se que o turismo alternativo tende a ser com-

plementar ao turismo de massa. Au-mentando atrações, sustentando-sesobre uma imagem de autenticida-de, respondendo a necessidades edesejos de segmentos especiais deturistas, o turismo alternativo pareceser, preponderantemente, gerido pormicro e pequenas empresas, fre-qüentemente constituídas com baseem capitais locais, e tem represen-tado uma fonte efetiva de suplemen-tação de renda das populações lo-cais. Essa modalidade de turismo émais explorada em regiões específi-cas da Europa (Cavaco, 1996), masjá existem experiências muito bem-sucedidas no Senegal e no Brasil(Rodrigues, 1996), por exemplo.

Apesar dessas tendências, evi-dências empíricas parecem indicarque, em um mesmo país, o turismoorganiza-se sob diversas modalida-des e apresenta-se sob diversas fa-ses evolutivas, em escalas interna-

cionais, nacionais, regionais ou locais. Além disso, aheterogeneidade da estrutura empresarial surge comuma de suas marcas distintivas, com as grandescorporações transnacionais dominando os segmen-tos de mercado mais rentáveis e as empresas locais,atuando em nichos mais populares e emprestando àatividade um caráter mais doméstico e artesanal.(Rodrigues, 1996)

Assim essas tendências gerais precisam ser con-frontadas com experiências em curso em territóriosespecíficos, de acordo com o modelo de análise pro-posto no item 2 deste trabalho. Esse é o objetivo dapróxima seção, que focaliza a experiência com oturismo, vivenciada em vários territórios dos países

Em um mesmo país, oturismo organiza-se sobdiversas modalidades e

apresenta-se sob diversasfases evolutivas, em

escalas internacionais,nacionais, regionais ou

locais. Além disso, aheterogeneidade da

estrutura empresarialsurge com uma de suasmarcas distintivas, comas grandes corporações

transnacionaisdominando os segmentos

de mercado maisrentáveis e as empresas

locais, atuando em nichosmais populares e

emprestando à atividadeum caráter mais

doméstico e artesanal.

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em desenvolvimento, para que se possa captar acomplexidade da realidade nesses territórios.

O segmento de turismo em paísesem desenvolvimento

Para começar a discutir a relação entre turismoe países em desenvolvimento é preciso, por exem-plo, qualificar melhor o processo de globalização noturismo. Longe de sinalizar no sentido de umaequalização de oportunidades e ganhos, a globali-zação do turismo se dá a ritmos variados entre ospaíses e a expansão da atividade ocorre com basenuma divisão internacional do trabalho, como emqualquer outro setor de atividade econômica.

Isso significa dizer que áreas centrais e periféri-cas se integram aos circuitos modernos de produçãoe da circulação, desempenhando papéis diferentes.Às periferias cabe, predominantemente, a produçãoda atividade, dadas as limitações de seus merca-dos internos de consumo. Centros de produção emercado de consumo para si próprios e para as pe-riferias, as áreas centrais lideram o dinamismo daatividade e concentram parcela expressiva da ren-da gerada por esta. (Falcão, 1996)

Segundo Cazes (1996), a extensão da zona deatração do turismo para os países em vias de de-senvolvimento caracteriza-se por uma notável vul-nerabilidade e volatilidade dos fluxos turísticos quepara aí se destinam, e traduz-se, simultaneamente,pela emergência de um novo conjunto de beneficiá-rios e por consideráveis disparidades locais. Obvia-mente, a redistribuição dos fluxos não pode ser ne-gligenciada. Mas a repartição desses novos fluxos nomundo em desenvolvimento vem se dando de modoextremamente desigual.

Quanto a esse aspecto, tem-se observado a po-sição privilegiada dos países mais próximos aosgrandes centros emissores, a exemplo das três gran-des bacias do Mediterrâneo, do mar das Caraíbas eda fachada asiático-pacífica. Verifica-se, concomi-tantemente, o crescimento notável da importânciade áreas da Ásia do Sudeste como zonas de turis-mo receptivo, enquanto que a África, o Oriente Mé-dio e a América Latina estagnaram ou evoluíram ti-midamente. Por último, constata-se uma forteconcentração do fluxo sobre um número reduzidode países líderes, que, com exceção de algumas

ilhas fortemente turistificadas (Havaí, Bahamas,Porto Rico, Ilhas Virgens), apresentam forte posi-ção econômica (México, Tailândia, Turquia, Marro-cos, Tunísia, Egito, Indonésia e Argentina).

Em certos lugares do Cone Sul, sobretudo nasnumerosas ilhas e microestados (Antilhas, Pacífico,Oceano Índico, Mediterrâneo), o turismo tornou-se osetor mais dinâmico e a maior fonte geradora de ren-da, quando não a única. Entretanto, essa superespe-cialização tem minimizado os impactos positivos daatividade sobre essas regiões, as quais, devido às fra-gilidades de suas economias, são obrigadas a impor-tar o essencial dos equipamentos e dos produtos exi-gidos pelos visitantes, o que leva a ratificar a afirmaçãode Ascher, citada por Cazes (1996, p.80), de que “nãoé o turismo que permite o desenvolvimento, mas odesenvolvimento que torna o turismo rentável”.

Estudos de caso realizados por vários autorestendem a demonstrar que os projetos de desenvolvi-mento turísticos focalizados exclusivamente no tu-rismo de massa têm captado divisas, porém a umalto custo para as populações locais e para o meionatural. Salgado (1994, citado por Rodrigues,1996))destacou, por exemplo, a inexistência de articula-ção econômica e social dos pólos turísticos de Aca-pulco com o resto do território do Estado; a ausên-cia de investimento direto nas áreas rurais; e ainexistência de bases produtivas e sociais necessá-rias para o crescimento do setor. Consequentemen-te, o impacto regional desses pólos turísticos temsido contraditório, assim como os benefícios eco-nômicos e sociais gerados. Concluindo, a autora ob-serva que a maior parte desses benefícios foi trans-ferida para fora do Estado.

Em Cancún, verificaram-se vários problemas,embora este seja considerado o projeto turístico maisbem-sucedido na América Latina, segundo Rodri-gues (1996). Ainda segundo Rodrigues (1996), oestudo de Barajas, Alborta e Becerril, de 1994, mos-trou que, apesar do explosivo crescimento da popu-lação no Estado de Quintana Roo, o índice de de-semprego é dos menores do país, enquanto ossalários são superiores à média nacional. Entretan-to, os impulsos desenvolvimentistas não alcançaramos municípios excluídos do projeto turístico. Nestesúltimos, continuou a imperar grande pobreza.

Em oposição aos dados de Barajas, Alborta eBecerril, Rodrigues (1996) refere-se a resultados de

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outras pesquisas, conduzidas por Aguillar (1994) eNicolas (1989), que denunciam sérios problemasambientais, econômicos e sociais nos pólos turísti-cos do México, notadamente quanto aos baixos ní-veis de salários pagos e à precariedade dos postosde trabalho. O mesmo Rodrigues (1996) mencionaoutra pesquisa realizada por Bertoncello, em 1993, noBalneário Partido de La Costa, Província de BuenosAires, que proporcionou uma interessante reflexãosobre a estratégia de mobilidade da força-de-traba-lho empregada no turismo. Ante as flutuações sa-zonais do mercado, tal força-de-trabalho desloca-seno território em busca de trabalho durante a baixaestação, aceitando salários irrisórios em outros se-tores de atividade.

Embora ressaltem o potencial de criação de em-pregos pela atividade de turismo, o qual representaum dos seus maiores atrativos para os países perifé-ricos, Sinclair (1998) e DFID (1999) sublinham, tam-bém, a precariedade de muitos dos postos de traba-lho criados (sazonais, part-time e não-remuneradosmonetariamente) e sua forte ligação com o setor in-formal, sobretudo aqueles que incorporam represen-tantes de estratos mais pobres e do sexo femininodas populações locais. (Sinclair, 1998; DFDID, 1999)

O foco na capacidade de geração de empregosdo segmento de turismo em países desenvolvidospermite enxergar algumas diferenças. Segundo Lagee Milone (1998), pesquisas mostram que hotéis daárea mediterrânea geram, aproximadamente, maisempregos diretos que os do leste africano, e quenas ilhas do Caribe, em especial na Jamaica e emPorto Rico, o turismo tem provido cerca de 10% dosempregos locais, enquanto em ilhas menores essenível pode atingir até 50%. Em Bermuda, o segmentode turismo gera, sozinho, 75% dos postos de traba-lho locais. No Brasil, 9% da população economica-mente ativa empregada estava, em 1997, associa-da ao turismo, de acordo com dados da WTTC,citados por Lage e Milone. (1998)

Como foi visto, a relação emprego-turismo é com-plexa e os estudos sobre ela mostram resultadoscontraditórios. Mas o segmento de turismo seguesendo uma fonte de emprego que os governos nãonegligenciam, assim como as rendas aí geradas.(Cazes, 1996) Governos e agências internacionaistêm canalizado recursos para o desenvolvimento doturismo em áreas pobres, mas do ponto de vista

ambiental relativamente atraentes, com o objetivode ampliar as oportunidades de emprego e rendanessas localidades. Pesquisas focadas nos efeitosdistributivos do turismo são poucas e centradas emestudos de caso.

Conforme Sinclair (1998), um desses estudos,desenvolvido sobre a experiência em Las Bahiasde Hualtulco, México, mostrou que foram poucosos impactos de emprego e renda desse projeto.Exemplo oposto parece ser a experiência do Com-munal Area Management Programme for Indige-nous Resource, no Zimbawe, uma vez que propor-ção expressiva dos recursos gerados com a vendade licenças, carnes e peles é canalizada para acomunidade, que define sua alocação entre paga-mentos às pessoas envolvidas nas atividades eaplicações em prestação de serviços comunitáriose em equipamento e infra-estrutura de uso coleti-vo, ainda segundo o mesmo autor.

Lage e Milone (1998) sugerem, por outro lado,que a capacidade de retenção de renda no país de-pende, em parte, da origem da propriedade dos em-preendimentos e da natureza do modelo de explo-ração da atividade predominante. Segundo eles(1998, p.33), em um país em desenvolvimento, re-ceptor de turismo, aproximadamente quatro quintosda receita de um hotel nacional são retidos na econo-mia, enquanto essa proporção cai a três quintos,quando o hotel é de propriedade estrangeira.

Os efeitos positivos do turismo sobre o balançode pagamentos dos países periféricos são tambémcelebrados. De fato, o turismo internacional vem sen-do uma das mais importantes fontes de moeda es-trangeira para muitos desses países, a exemplo doQuênia, Egito, Tailândia, Fiji, Jamaica e Bermudas,de acordo com Sinclair (1998). Mas esse mesmoautor chama a atenção para o fato de que a contri-buição do setor de turismo para o incremento dasreceitas em moeda estrangeira não é um indicadorconfiável de sua importância para o conjunto daeconomia, uma vez que muitos desses dados e me-todologias de cálculo são inconsistentes.

Muito embora reconheça a importância dos doiselementos citados anteriormente, Sinclair (1998)ressalta que a causa mais importante das discre-pâncias dos efeitos do setor de turismo sobre obalanço de pagamentos, entre os vários países,reside na grande variação de grau de integração

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entre o setor de turismo e os outros setores produ-tivos de país a país. Para a Espanha, por exemplo,essa contribuição é expressiva, uma vez que gran-de proporção de bens e serviços consumidos pe-los turistas é produzida localmente, enquanto asituação de muitos países periféricos é oposta, emfunção das fracas ligações entre o setor de turis-mo e os outros setores.

Exemplo dessa última situação é o do Caribe,que, segundo dados registrados em Lage e Milone(1998), possui uma Razão de Reflexão do Turis-mo- RRT de 70%, ou seja: de cada US$ 1,00 rece-bido na atividade turística 70 cents saem do paísna forma de pagamento de importação. Não hádúvidas que, quanto mais ligações existirem entreo setor de turismo e os outros setores das econo-mias locais, maior será a capacidade de incremen-tar os níveis de emprego e renda pré-existentes.

Adicionalmente, o nível de impactos da ativida-de do setor de turismo sobre a renda depende, tam-bém, dos gastos dos turistas. O efeito multiplicadordesses gastos talvez seja o aspecto mais estudadona área. Apesar da grande variação de magnitudedesses multiplicadores calculados para um conjun-to expressivo de países periféricos, e registradosem Archer (1989, citado por Sinclair, 1998), pode-se tirar conclusões importantes com base na com-paração entre eles e o montante total de gastos dosturistas retido no país hóspede.

Uma dessas conclusões é que se o multiplicadoré alto, mas a proporção dos gastos dos turista re-presada no país hospedeiro é baixa, então a rendatotal gerada e internalizada no local será baixa. Mui-tos dos gastos dos turistas, que se destinam a paí-ses periféricos, são realizados via operadores depaíses centrais, os quais utilizam companhias aére-as e hotéis de seus países de origem. Dessa forma,parcela expressiva dos gastos dos turistas fica retidano país de origem para cobrir despesas com opera-dores, agências de viagem e companhias aéreas,ou é remetida para eles na forma de lucros dos pro-prietários estrangeiros das redes de hotel.

Então, nesse contexto, ampliar as compras desegmentos do setor de turismo junto às comunida-des locais funciona como um poderoso estímulo àamplificação dos efeitos positivos do turismo. Issosobreleva a importância do turista doméstico, queconsome mais intensamente produtos locais. Assim,

o desenvolvimento de redes de produtores locaisde insumos manufaturados e do setor agropecuáriopara o setor de turismo tende a contribuir para aelevação da proporção das receitas em moeda es-trangeira geradas pelo setor e represada na econo-mia local. (Sinclair,1998)

Estudos enfatizam também outros efeitos soci-ais negativos derivados da atividade. Nesse senti-do, aponta-se a tendência ao desenvolvimento in-controlado de certas práticas turísticas, como oturismo sexual. O crescimento do turismo internacio-nal pode também vir acompanhado de elevação daprostituição em países periféricos, porque pode-seganhar muito mais com prostituição do que com asatividades tradicionais pré-existentes (Sinclair,1998).Cita-se ainda, no balanço negativo da atividade, oprocesso de aculturação e, portanto, de corrupçãodos valores tradicionais. (Cazes, 1996)

Existem inúmeros estudos voltados, exclusiva-mente, para analisar o fenômeno da migração, quese acentua em paralelo ao desenvolvimento de síti-os turísticos e dos impactos gerados sobre os pa-drões demográficos das localidades receptoras.Salvá Tomás (1996), por exemplo, mostrou que amigração no sentido dos locais turísticos se dá nãosó na fase de implantação, como também na de fun-cionamento. Acrescenta, ainda, que se observa, ini-cialmente, um crescimento da população masculina,seguido da expansão da população feminina.

O aumento da taxa de natalidade e o rejuvenes-cimento da população da área conformam fenôme-nos demográficos também identificados pela mes-ma autora citada no parágrafo anterior. Tem severificado, ainda, o desenvolvimento de ações ra-cistas e xenófobas; segregação espacial entre tu-ristas (guetos) e trabalhadores (periferia); e riscosde banalização e de diluição das tradições culturaislocais. Há registros (Salvá Tomas,1996) da ocorrên-cia desses fenômenos na Espanha, em Cancún eno Brasil (Ilhabela – SP).

Na Bahia, estudo desenvolvido por Almeida Neto,Gottschall e Cypriano (1997) para Porto Seguro, apon-tou os seguintes impactos decorrentes da concen-tração da população e da migração sobre o local:• falta de controle sobre novos assentamentos;• favelização;• invasão de terras privadas ou inadequadas para

urbanização;

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• superprodução de esgoto e lixo e conseqüentepoluição;

• crescimento exagerado do comércio informal comdegradação do comércio formal;

• sobrecarga da infra-estrutura existente;• massificação das áreas de lazer e praias;• declínio da auto-estima da comunidade local e

desestruturação social;• incapacidade de gestão do problema por parte

do poder público municipal.

Complementarmente, a investigação feita porCalvente (1996) é bastante ilustrativa quanto aosefeitos do desenvolvimento turístico sobre comuni-dades litorâneas de São Paulo. Esse autor mostrouque, independentemente do tipo de relação dos lo-cais com o turismo (são três comunidades analisa-das, nas quais o processo de interação com o turis-mo se dá de forma diferente), ocorreram os seguintesproblemas comuns:• transformação do agricultor/pescador em pro-

letário ou pequeno comerciante (no melhor doscasos);

• transformação do valor de uso da terra em valormercantil;

• violenta especulação imobiliária;• perda da posse de terras pelos nativos;• dificuldades de acesso ao mar (muros, cercamen-

to, tentativas de privatização das praias, etc.);• dificuldade de trabalho para o local devido à sa-

zonalidade do turismo;• “regionalismo” como fator de auto-identificação

do elemento local; e• segregação espacial dos locais (periferias, lon-

ge do mar, favelas, etc.).

As questões ambientais são também recorren-temente usadas no balanço dos impactos das ativi-dades turísticas, ressaltando-se a perversa contra-dição inerente à atividade turística que, de um lado,requer a abertura tão ampla quanto possível dossítios para uma frequentação ativa e, de outro lado,repõe as exigências de preservação das qualida-des originais que fundam e perenizam a atrativida-de desses sítios (Cazes, 1996).

De outro ponto de vista, tem-se que muitos dosrecursos naturais são bens públicos e o livre aces-so a eles geralmente leva a um sobreuso. Ademais

externalidades negativas são geradas quando, porexemplo, a construção de um hotel pode levar a ní-veis maiores de poluição ou quando são magnifica-das as desigualdades intragerações por afastamentodos residentes locais de suas casas, como ocorreuno Egito, Gâmbia, México, Marrocos, Filipinas(Sinclair,1998) e no Pelourinho, em Salvador, Bahia.

Embora reconheça o valor da paisagem6 paratoda a oferta turística, Font (1992, citado por Pires,1996), também identifica nesta atividade uma dasmaiores causas de sua degradação, o que impactanegativamente sobre a própria rentabilidade econô-mica dos assentamentos turísticos. Font recomen-da que a paisagem deve ser considerada um recursoturístico muito mais valioso que outros recursos, porser a imagem utilizada mais freqüentemente paradifundir tal oferta.

Para Sinclair (1998), o que está por trás de mo-delos não-sustentáveis são as falhas de mercado.As respostas a essas falhas variam. Uma vertentede pensamento sugere que as imperfeições domercado nas formas de externalidades e bens pú-blicos podem ser resolvidas por meio da internaliza-ção e alocação de direitos de propriedade, de formaque qualquer outro tipo de intervenção, além de des-necessária, é ineficiente.

Outra vertente considera que muitas imperfeiçõessão inerentes ao mercado, o que abre espaço paraa intervenção sobre ele, considerando seu caráterde instituição socialmente construída. Para esta úl-tima vertente, modelos de avaliação de recursos sãoapenas um dos instrumentos para a formulação depolíticas de utilização dos recursos naturais basea-das em preço. Taxas e subsídios podem ser usadospara corrigir preços super ou subdimensionados.Subsídios cruzados devem ser usados, colocandoo turista estrangeiro para pagar taxas para acessoa parques e reservas naturais mais elevadas, porexemplo. O sistema de regulação também pode serusado para limitar o acesso aos recursos naturais econtrolar sua qualidade. O controle sobre os recur-sos naturais torna-se problemático se os proprietá-rios são estrangeiros ou representantes das eliteslocais com expectativas de maximização da renta-bilidade de seus empreendimentos no curto prazo,ainda de acordo com Sinclair (1998).

Ainda dentro do elenco de forças restritas dosimpulsos dinâmicos do turismo, cita-se a sazonali-

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dade dessa atividade. A sazonalidade estimula asuperconcentração espacial e a tendência à superex-ploração da atividade. Para fazer face a essa ca-racterística negativa, a experiência tem indicado aadoção de duas alternativas: ampliar as estações ediversificar os atrativos.

A constatação desses problemas leva Rodrigues(1996) a questionar os efeitos multiplicadores do se-tor turístico, assim como a sua capacidade dealavancar processos de dinamização de economiasregionais e locais, e de contribuirpara a melhoria da qualidade de vidada população e para conservaçãodo meio natural. Ou seja, o autorquestiona a possibilidade de proje-tos de desenvolvimento sustentadocujo eixo seja a atividade turística.Nas suas próprias palavras:

... casos como estes se multiplicam nos países do Cone Sul,

devido ao contraste climático entre verão e inverno, causan-

do colapso nas atividades econômicas durante a baixa esta-

ção, como em Punta del Leste, no Uruguai, como em Viña

del Mar, no Chile, e em Las Leñas, requintada estação de

esqui na Argentina (p. 28).

Ainda nas palavras de Rodrigues (1996, p.28),

Tais exemplos, portanto, contradizem os alardeados efeitos

multiplicadores do turismo, referentes à distribuição mais

equitativa da renda, à dinamização econômica regional e lo-

cal, à conservação do meio natural, enfim à melhoria de qua-

lidade de vida da população – efeitos enfeixados sob o rótulo

mágico de desenvolvimento sustentável. Esta é a expressão

de moda que figura em quase todos os projetos turísticos

governamentais do Brasil, de grande, médio e pequeno por-

te (...)

A exemplo de outros setores produtivos, a exis-tência de altos vazamentos tende a indicar que o tu-rismo, pelo menos como atualmente está organizado,não tem gerado uma contribuição efetiva para redu-zir os problemas no mundo em desenvolvimento. (Fal-cão, 1996)

Todos os casos citados ilustram, no entanto, umtipo de abordagem da atividade turística que se apoiana reprodução do espaço como perfeito simulacro,ou seja, que se baseia na criação do não-lugar. O

não-lugar não é a simples negação do lugar. É umaoutra coisa. É produto de relações outras, engendra-das pela indústria turística, que com sua atividadeproduz simulacros ou constrói simulacros de luga-res, através da não-identidade e de comportamen-tos e modos de apropriação desses lugares. (Ferrara,1996)

Nesse contexto, o espaço mercantiliza-se comas praias, montanhas e campos, entrando no circuitoda troca, apropriados, privadamente, como áreas de

lazer, por quem pode fazer uso de-les. De atividade espontânea, olazer nas sociedades modernas tor-na-se uma nova necessidade. Emfunção disso, cidades inteiras trans-formam-se com o objetivo precípuode atrair turistas, e esse processotem provocado tanto o sentimentode estranhamento – para os habi-

tantes das cidades transformadas em pontos de atra-ção turística – como tem transformado tudo em es-petáculo e o turista em espectador passivo. (Carlos,1996) Assim, dadas essas configurações, existe pos-sibilidade do segmento de turismo vir a ser o eixode modelos de desenvolvimento sustentáveis?

Considerações finais: em busca de evidênciaspara a consistência de um modelo dedesenvolvimento turístico sustentável

Muito embora os problemas relacionados com osespaços objeto de exploração turística anteriormen-te citados, não se acredita que tais problemas deri-vem de características inerentes ao setor de turismo,mas que se liguem ao modelo de exploração da ati-vidade de turismo, até hoje hegemônico. Por essarazão,acredita-se que o turismo, como outros seg-mentos produtivos, pode vir a ser eixo articulador deprojetos de desenvolvimento local sustentado.

A favor dessa linha de argumentação cita-se queo espaço-território turístico se cria e recria como valorde uso (e também como valor de troca), sem quesua destruição seja obrigatória, ainda que isso àsvezes ocorra, como nos lembra Nicolas (1996). Par-tindo da idéia de que o espaço-território é a maté-ria-prima do turismo, Yázige (1996) considera queo turismo, se bem conduzido, pode promover a pai-sagem7. No entanto, esse mesmo autor prossegue

O turismo, pelo menoscomo atualmente estáorganizado, não tem

gerado uma contribuiçãoefetiva para reduzir

os problemas no mundoem desenvolvimento.

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afirmando que “é preciso ter claro que a paisageminteressa antes aos habitantes locais e que só umarelação de estima deles com ela é que despertará ointeresse dos transeuntes, visitantes, turistas” (p.134).

Sem dúvida, a paisagem, indesvinculável da idéiade espaço-território, é constantemente refeita segun-do os padrões locais de produção, sociais, culturaise dos fatores geográficos, e tem importante papelno direcionamento dos fluxos turísticos. No entan-to, uma paisagem degradada, associada a outrosaspectos negativos como a pobreza e a violência,tende a excluir as localidades assim caracterizadasdos fluxos internacionais de turismo. Dessa forma,a preservação da qualidade da paisagem é um ob-jetivo social a ser alcançado nas regiões/locais deturismo. Enfim, “parece claro e definitivo que a mi-séria, especialmente quando associada à violênciae ao vandalismo, é incompatível com a idéia de tu-rismo”. (Yázige, 1996, p.152)

Reforço complementar para repensar a ativida-de turística emerge da leitura de Gallero (1996). Se-gundo esse autor, não se pode pensar que o turismoé um fator externo, uma atividade exógena ao es-paço e à sociedade. Pelo contrário, o turismo é umfator constitutivo das sociedades atuais. Nesse as-pecto, Gallero (1996) corrobora a visão de Lanfant(1994), que condena uma determinada concepçãodo turismo que termina por fazer do turismo um cor-po estranho e do turista um intruso, um agente decontaminação.

Essa difamação e condenação do turista reflete,segundo Knafou (1996), uma clássica atitude elitista,fundada na recusa de dividir alguns lugares e cer-tas práticas. O turista incomoda, sobretudo, por serestrangeiro e móvel; por ser livre; por estar perto denós. Enfim, o turista incomoda porque é em nome deleque se destrói o meio ambiente. Segundo Knafou(1996), os argumentos mais freqüentemente empre-gados para condenar o turismo em nome da pre-servação do meio ambiente – na realidade de certaconcepção de meio ambiente – são de 4 tipos:a) O argumento de “antes era melhor” reflete a re-

jeição da novidade ou a recusa de sua própriaevolução. As palavras de Knafou (1996, p. 65)são insubstituíveis:

... acreditamos que não é primordialmente o lugar que se trans-

forma, mas nós mesmos, e com nossas lembranças que não

são as do lugar em si, mas de nós mesmos, mais jovens, no

lugar em questão. O que é lamentável, é que não é funda-

mentalmente a transformação do lugar, mas nossa própria

transformação que nos faz lembrar do lugar de outrora, ou

recentemente freqüentado. E, deste fato, raras são as evolu-

ções percebidas como positivas, porque são contrárias ao

modo pelo qual os homens freqüentemente percebem sua

própria evolução.

b) O argumento da saturação dos lugares espelhao medo da quantidade ou a recusa de mudançacoletiva. Em função dele, é preciso limitar o nú-mero para preservar os recursos, o que denotaque a quantidade é contrária ao bom funciona-mento de um lugar turístico.

c) O argumento da racionalidade econômica, se-gundo o qual o turismo é devorador das paisa-gens nas quais se insere. Esse argumento buscaescamotear o fato de que os lugares saturadostêm, indiscutivelmente, um duplo significado: ogrande número é, ao mesmo tempo, responsá-vel por evidências incômodas que muitos deplo-ram e por animação que muitos buscam.

d) O argumento da crise pelo qual os lugares muitourbanizados espantariam os turistas.

Concordando, mais uma vez, com Knafou (1996),essa tipificação das teses sobre o turismo não pre-tende mascarar os problemas vinculados a esta ativi-dade, os quais já foram exaustivamente comentadosneste artigo, mas sim colocá-los nos devidos ter-mos. Não se trata, portanto, de negar as disfunçõesque alcançam as áreas turísticas e, em particular,as áreas mais intensamente visitadas e de paísesem desenvolvimento. Trata-se, na verdade, de iso-lar os argumentos de natureza moral, para que sepossam melhor vislumbrar os problemas e as alter-nativas soluções.

O próprio Rodrigues (1996) indica um dos gran-des problemas dos modelos de desenvolvimentoturístico implantados nos países do Cone Sul: o ca-ráter monoprodutor, a partir do qual o turismo é vis-to como a única alternativa de valorização para asregiões, que apresentam potencial para tanto. Ade-mais, acrescenta-se, tais modelos fundam-se, qua-se exclusivamente, na exploração da modalidadeturismo de massa, abrindo-se mão, automaticamen-te, da possibilidade de exploração combinada das

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suas diversas modalidades. Além disso, são mode-los impostos, freqüentemente, de “cima para baixo” ede “fora para dentro”, e que levam ao paroxismo aseparação entre turista e o território.

Aliás, as relações entre território e turismo têmsido objeto de muitos estudos, os quais têm ensejadoum grande número de taxonomias que estilizam essarelação. Knafou (1996), por exemplo, desenvolveuuma taxonomia bastante inspiradora. Para ele, podeexistir território sem turismo. Situação mais freqüen-te nos primórdios do turismo no sé-culo XVIII, mas ainda hoje encon-trável, apesar da turistificação deuma parte do espaço mundial. Podeexistir um turismo sem território, istoé, um turismo que não procede de iniciativas de tu-ristas, mas que resulta de iniciativas das operadorasde turismo de colocar um produto no mercado. A for-ma mais acabada de turismo sem território, isto é, doturismo que se contenta com os sítios e lugares equi-pados, é o turismo “fora do solo”, quase completa-mente indiferente à região que o acolhe. Por fim, po-dem existir territórios turísticos que consistem emterritórios inventados pelos turistas e reprocessadospelos operadores turísticos e pelos planejadores.

Com base na discussão teórica traçada no itemanterior deste artigo, sugere-se a possibilidade de vira existir um outro tipo de território turístico. Aquele queé construído e reconstruído pelo embate cotidiano dosdiferentes atores do local, movidos pelos seus interes-ses, e reprocessado pelas suas representações políti-co-sociais, empresas, planejadores e governos, tendocomo referência os padrões de consumo dos turistas,as necessidades das populações locais, as expectati-vas de lucratividade das empresas e os imperativosde conservação ambiental.

A exemplo das outras tipologias de turismo, essaúltima pode também ser criada. Um dos meios paraessa criação são as políticas de planejamento doterritório e de redução das desigualdades regionaise sociais. Com esse objetivo, o turismo não podeser tratado como o único vetor de desenvolvimento,mas sim como uma fonte complementar, cujas infra-estruturas e equipamentos podem servir a outrosfins e se inscreverem em processos integrados devalorização territorial. O turismo não pode ser redu-zido, também, ao exercício de uma única modalida-de, nem submetido ao império de modelos de

relação do turista com a paisagem que tendem a setornar obsoleto. O modelo de exploração do turis-mo deve ser sustentável.

Se várias tendências, observáveis no mundo doturismo, não dão sustentação à idéia de um modelode turismo sustentável, várias outras o dão. Essastendências (ou melhor, contratendências) são:• Sob estímulo de movimentos conservacionistas,

observa-se a ampliação da conscientização so-bre o estreito relacionamento do homem com o

meio, em função do que os proje-tos que ultrapassam os limites deagressão ao ambiente tenderão aser rejeitados, tanto pelos especia-listas como pelos turistas.

• Para barrar a degradação de suas condições devida, as populações das áreas turistificadas in-clinam-se, gradualmente, a adotar estratégiasadequadas à preservação do seu patrimônio na-tural e artístico.

• Em função das pressões da opinião pública e dosaltos custos de recuperação de áreas degrada-das, as autoridades públicas e instituições políti-cas tendem a mostrar-se mais permeáveis aosinteresses das comunidades, o que vem se re-fletindo sobre as propostas de planejamento eem efetivo compromisso de cumprimento des-sas propostas.

• Uma sensibilidade ambiental crescente vem esti-mulando, com mais freqüência, os esforços nosentido de proteger, conservar e valorizar tantoo meio natural como o sociocultural, o que ten-derá a produzir efeitos sobre a visão empresari-al de busca de lucro no curto prazo e implicará avalorização do planejamento de longo prazocomo pré-requisito para o sucesso empresarial.(Almeida Neto, Gottschall e Cypriano, 1997)

• A conscientização ambiental tem alcançado tam-bém o setor de alojamentos turísticos, com a va-lorização das restaurações ou reformas em subs-tituição à construção de novos hotéis. (AlmeidaNeto, Gottschall e Cypriano, 1997)

• Mudanças no perfil do consumidor, que passa aincorporar novos valores e estilos de vida, com-põem também o novo cenário no qual o turismose insere. Conscientização ecológica, estilo devida pró-ativo, valorização do próprio tempo e es-tilo de consumo mais consciente serão algumas

O modelo de exploraçãodo turismo deveser sustentável.

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das características desses novos consumidores.Naisbitt (1994) prevê que o turista passará a bus-car nos lugares visitados um aprendizado, um co-nhecimento, um enriquecimento pessoal, o que oretirará, gradualmente, de dentro dos ônibus deexcursão. Para Martin e Mason (1993), as atra-ções turísticas dos locais tenderão a pesar, cadavez mais, na decisão dos turistas sobre os locaisa visitar. Além disso, ainda para esses últimos au-tores, o visitante potencial do futuro será mais exi-gente em termos de qualidade, tanto do ambientenatural quanto do construído, dos serviços e dasexperiências vividas, além de propender a gastarmais, desde quando os produtos/serviços ofere-cidos atendam suas expectativas. Essas mudan-ças estimulam mais ainda a transformações nascondutas das empresas da área do turismo.

• Incentivo de organismos representativos dospróprios interesses turísticos como OrganizaçãoMundial do Turismo (OMT) e World Travel TouristCouncil (WTTC) à regulamentação da atividade,ao abandono da prática empresarial de buscade lucro imediato e à educação dos viajantes,como forma de perseguir a adoção de um mode-lo de turismo sustentável e saudável.

Mas apesar de todo o avanço econômico, sociale tecnológico, visível inclusive em países tão con-traditórios como o Brasil, a formulação e implemen-tação de projetos de desenvolvimento sustentado,nucleados pela atividade turística, ainda não sãofáceis de efetivar, sobretudo aqueles consubstanci-ados nas cinco dimensões anteriormente referidas:ecológica, social, econômica, cultural e espacial.

Isso porque, no bojo da proteção dos recursose lugares turísticos para as gerações futuras, colo-ca-se, inevitavelmente, a necessidade de limitar acarga de frequentação e, portanto, corre-se o riscode perder a capacidade de atender ao potencialda demanda. Será que os países e regiões de eco-nomia deprimida poderão tomar decisões do tipolimitar a carga de frequentação, o que, fatalmente,significará menor acesso, hoje, a recursos prove-nientes da atividade? E, se a decisão foi abrir par-celas do território à turistificação, quem arcará comos custos de proteção dessas áreas? Qual será ofuturo do turismo como atividade lucrativa e atrati-va, na ausência dessa proteção?

Em outras palavras, a adoção de modelos de ex-ploração sustentável pode redundar em taxas de lu-cros, níveis de satisfação da demanda e de arreca-dação dos governos menores no curto prazo. Podemtambém levar a restrições no uso dos recursos paraas próprias populações locais, que, fragilizadas emtermos de atendimento de suas necessidades e decapacidade de responder aos novos requisitos domodelo de desenvolvimento, podem retirar o apoiopolítico a tais projetos.

Apesar da grande incerteza quanto ao futuro daatividade, e sobre quais serão, efetivamente, as so-luções encaminhadas e bem-sucedidas, sabe-se,com segurança, que a única escala factível de con-ciliar as diferenças de perspectiva e interesses emjogo é a local, que abre espaço para a gestão de-mocrática do território, com base na ação coletiva.Sabe-se, ademais, que a transposição de projetosdo “mundo das idéias” para o “mundo do fazer” cons-titui-se em desafio desde que o homem é homem.

Notas

1 De acordo com Sengenberger e Loveman (1991), os estu-dos sobre o papel da pequena empresa na nova fase do capi-talismo podem ser classificados, com base na tese abraçada,em cinco grupos: A falácia estatística – não há um desloca-mento real da importância da pequena empresa; o desloca-mento da importância é transitório, não representa uma mu-dança estrutural; o deslocamento deve-se às vantagens decusto apresentadas pelas pequenas empresas; os desloca-mentos vinculam-se à liberalização gerencial e governamen-tal; os deslocamentos são fruto da especialização flexível.Também os vaticínios, que apontavam uma completa substi-tuição das formas tradicionais de organização da produçãofordista, por novas formas pós-fordista, estão sob suspeita.Nesse sentido, o que se tem observado é a coexistência en-tre diferentes padrões de produção, que se mostram mais oumenos aplicáveis, em função das características das estrutu-ras de mercado de cada empresa particular. Em alguns ca-sos, há registros que dão conta da utilização de estruturasorganizacionais originadas com base na combinação de atri-butos de ambos os modelos. Além do mais, nem todas asformas de flexibilização – que é um dos principais objetivos aserem assegurados pelos novos modelos de organização dasfirmas em contraposição ao padrão rígido do fordismo – sãopositivas. Há casos de flexibilização negativa, já mapeadospela literatura, a exemplo daquelas iniciativas que têm sidoassociadas à precarização das relações de trabalho e de qua-lidade de vida dos trabalhadores. (Souza, 1995; Coriat,1994)

2 Para Castells (1998, p.2), a globalização é “el proceso segundel cual las atividades decisivas en um ambito de accion de-terminado(...) funcionam como unidad en tiempo real en el

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conjunto del planeta. Se trata de un proceso historicamentenuevo (distinto de la internacionalizacion y de la existenciade una economia mundial) porque solo en la ultima decadase ha constituido un sistema tecnologico (...) que hace posibledicha globalizacion”.

3 Isso porque não se reorienta todo um sistema econômico danoite para o dia. Há defasagens entre o mundo das idéias e omundo dos fatos, embora ambos os mundos estejam corre-lacionados. Apesar de trivial, a questão anterior é, freqüente-mente, esquecida.

4 Para que tal proposição não se constitua em pré-condiçãopara a consistência da possibilidade de articulação, o concei-to de eficiência econômica não poderia ser o usual, que setraduz na razão quantitativa entre recursos e produtos.

5 Essa qualificação inspira-se em discussão sobre política de su-porte à competitividade empresarial realizada por Loiola (1998).

6 A paisagem, segundo Font (1992), citado por Pires (1996), éo aspecto visível e perceptível do espaço.

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*Elizabeth Loiola é professora doutorado Núcleo de Pós-Graduação e da Graduação da Escola

de Administração da UFBA e Pesquisadora do CNPqe-mail: [email protected].

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La diversidad de motivaciones que fundamen-tan los desplazamientos espaciales y la afluenciade visitantes a las grandes ciudades aconseja unaconceptualización abierta de este fenómeno. Estacircunstancia nos induce a contemplar, desde elpunto de vista de la clasificación de las actividadeseconómicas, la denominación sector viajes comoexpresión globalizadora de este fenómeno y, en con-secuencia, el sector turismo (o subsector) estaríaintegrado en el sector viajes, comprendiendo undeterminado tipo de motivaciones y de desplaza-mientos. De hecho, los desplazamientos por turis-mo constituyen una modalidad del conjunto de losviajes que se realizan a una gran ciudad, y en esteconjunto de viajes destacan, asimismo, los viajesde negocios, que dada la ambigüedad conceptual yterminológica se engloban dentro del fenómeno tu-rístico bajo la denominación de turismo de negocios.Nosotros seguiremos, en esta ocasión, la concep-tualización convencional dadas las dificultadesoperativas de los nuevos enfoques y los objetivosde esta conferencia, pero constatando desde estosmomentos que en el turismo urbano la motivaciónpor ocio o vacación no es la más importante en lamayor parte de los casos1.

Nuestro estudio sobre Barcelona, como caso delas estrategias del turismo metropolitano y comoejemplo de la actualidad turística en las grandes ciu-dades de España y de Europa, comprende un aná-lisis de las características básicas del turismo de laCiudad Condal y una presentación y valoración delas estratégias recientes diseñadas para potenciar

las actividades turísticas, y formuladas con el pro-pósito de rentabilizar los efectos inducidos por lacelebración de los Juegos Olímpicos de 1992. Enestas páginas se analiza de manera sistematizaday resumida el perfil básico del turismo de Barcelo-na, constatando la gran diversidad de sus funda-mentos, la rápida transformación del censo hotelero,impulsada por la celebración de la Olimpiada, y ladiversidad de prácticas turísticas: desde el turismoconvencional de negocios y congresos – propio delas grandes urbes –, hasta el turismo vacacional orecreativo. La consideración de las estrategias ac-tuales y futuras nos obliga a contextualizar el análi-sis del turismo en el conjunto de procesos recientesexperimentados por toda la ciudad, hecho que re-sulta imprescindible en el caso de Barcelona dadoel impacto de la preparación y desarrollo de los Jue-gos Olímpicos de 1992 y la dimensión espacial yeconómica de la obra realizada e inducida por esteevento2.

El turismo apenas tenía peso en la economia dela ciudad y, por otra parte, Barcelona no aparecíahasta fechas recientes en el grupo de ciudades eu-ropeas destacadas por su función turística. Las po-tencialidades descubiertas en los años ochenta ynoventa y los efectos inducidos de los JJ.OO. 92han unido a los distintos agentes – sector privado ysector público – para diseñar nuevas estrategias dedesarrollo futuro del turismo, proceso no exento deconflictos. Sin duda, se ha entrado en una nuevaetapa del turismo para Barcelona, tangible tanto enla oferta como en la frecuentación. Sin embargo, tal

La estrategia del turismo metropolitano:

el caso de Barcelona

Francisco López Palomeque*

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como se deduce de los datos aportados, aún espronto para poder constatar la consolidación delnuevo perfil y confirmar el protagonismo de primerorden de Barcelona como plaza turística.

El perfil actual del turismo de Barcelona:parametros básicos

Los fundamentos del turismo de la Ciudad Con-dal

Barcelona, como gran aglomeración urbana, cuen-ta con variados recursos turísticos y de atracción devisitantes y con una gran diversidad de equipamien-tos, así como con unas infraestructuras generales yde comunicación que facilitan el movimiento de via-jeros. Obviaremos en esta ocasión referencias bá-sicas a su condición geogràfica, su localización (cli-ma, litoral, ...) y a la estructura social y económicade la ciudad, referencias que por otra parte son detodos conocidas. Si conviene destacar que Barce-lona és una ciudad marítima, pero curiosamentesiempre se ha dicho que ha vivido de espaldas almar. De hecho, y desde nuestra perspectiva de aná-lisis, cabe recordar que sus playas apenas se apro-vechaban para actividades lúdicas y recreativas.Este recurso se ignoraba y la actividad turística secentraba casi exclusivamente en el turismo de ne-gocios y de congresos, como es propio de las gran-des ciudades, reflejo, a su vez, de su actividad eco-nómica y científica, y en menor medida el turismovacacional que se fundamentaba en los atractivosde su patrimonio cultural en un significado amplio.

Estas consideraciones adquieren sentido y ac-tualidad por el hecho de que con motivo de la trans-formación de la ciudad para los JJ.OO. 92, Barcelonarecupera más de cuatro kilómetros de playas, enunas condiciones adecuadas para la actividad tu-rística de sol-playa. Por otra parte, el frente maríti-mo recuperado, en el que se ha creado una ofertarecreativa de primer orden, se ha convertido ya enuna gran zona de ocio para los barceloneses, con-tabilizándose en cuatro millones los usuarios de lasplayas durante la temporada de 1994.

En otro sentido, los cambios en la ciudad duran-te los años ochenta y primeros años noventa hanprovocado una mayor diversidad de los atractivos,

una mayor globalización de los mismos, e inclusoun cambio de escala al percibirse hechos o monu-mentos singulares. Pero, ahora, en la ciudad comoescenario, frente a al carácter singularizado de losatractivos tradicionales que en algunos casos ha-bían sido los símbolos turísticos de la ciudad y que,sin embargo, han perdido actualidad (copito de nie-ve, la guardia montada de Barcelona o las fuentesde Montjuïc, entre otros).

Barcelona presenta los fundamentos básicos quecaracterizan el turismo urbano: ciudad bimilenaria,patrimonio histórico y monumental singular, equipa-miento y dinámica cultural destacada, capital políti-ca, capital económica y turismo de negocios que laha destacado como ciudad de ferias y congresos,plaza comercial de gran atracción, ciudad universi-taria, capital deportiva, centro de atracción de servi-cios especializados, entre otras funciones terciarias.Pero, además, se beneficia de unos circunstanciasque amplían su capacidad de atracción actual y fu-tura: 1. Su localización, que supone una apreciablerenta de situación (su localización en el eje Medite-rráneo y su carácter de capital y centro geográficode una de las regiones turísticas más importantesdel mundo, Cataluña); 2. La celebración de los JJ.OOde 1992, que supuso una promoción excepcional,cuyos efectos se prolongan en el tiempo, potencian-do y difundiendo la imagen de una ciudad atractiva,con interés turístico; 3. La conformación definitivade Barcelona como metrólopi mediterránea de pri-mer orden, cruce de todo tipo de flujos, en un mun-do cada vez más interrelacionado; metrópoli quepresenta unas condiciones de vida muy valoradas yunas condiciones óptimas para las inversiones y losnegocios.

Cada año Barcelona es visitada por varios millo-nes de viajeros, que acuden a la ciudad atraídospor diversos motivos. Sin entrar en esta ocasión endisecciones sobre la conceptualización del turismourbano, el análisis de las motivaciones nos permitedeterminar el significado de cada tipo de turismo y,en definitiva, los fundamentos del turismo barcelo-nés. Según los datos recogidos por las encuestasdel Patronato de Turisme en el quinquenio 1989-1993más de la mitad de los visitantes, en torno al 53 %viajan a la ciudad por motivos comerciales o de ne-gocios; el 30 % son viajes turísticos (desplazamien-to turístico en sentido convencional); en torno al 5%

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para visitar los certámenes feriales; el 4% por asis-tencia a congresos y reuniones; en torno al 4,5%por motivos familiares y acompañantes y un 3 % porotros motivos. A destacar, que de los que acudenpor turismo dos terceras partes lo hacen teniendoBarcelona como destino final y un tercio lo hacenconsiderando la Ciudad Condal como etapa de via-je. Por otra parte, el poder de atracción de Barcelo-na la convierte en visita obligada tanto para el turis-mo estrictamente cultural como para las grandesmasas de veraneantes extranjeros que llegan a lasplayas de la Costa Brava, Sitges o Salou, todas amenos de una hora de coche de la ciudad.

A pesar del conjunto de elementos de gran atrac-tivo y de otros muchos de carácter complementario,Barcelona no había conseguido hasta ahora ser un“destino turístico”, probablemente porque nunca sehabía “vendido” de manera cohesionada ni de ma-nera adecuada. El hecho diferencial entre la etapaanterior y la situación post-olímpica, cuando se ha-brá conseguido el máximo valor añadido de todoslos activos incorporados con motivo de los JJ.OO.92, es que se habran añadido una docena larga denuevos elementos, no solo espectaculares, sinó tam-bién con un valor estético que dan a la ciudad lacapacidad y la posibilidad de convertirse en un des-tino turístico incuestionable.

Barcelona, la nueva Barcelona – el “productoBarcelona”– por su perfil estético y por su especifi-cidad, despierta el interés de un segmento cultural,social y económico concreto, que está formado – agrandes rasgos – por profesionales liberales, em-presarios y directivos de actividades relacionadascon el sector de equipamientos y diseño, el mundouniversitario, los sectores relacionados con la publi-cidad, la creatividad y la comunicación, es decir, quehay un segmento social que busca y desea un pro-ducto como la Barcelona post-92.

El equipamiento turístico

– La oferta de alojamiento: La planta hotelera deBarcelona ha evolucionado a “saltos”, en función dela demanda de los grandes eventos que han puestoen evidencia las limitaciones y servidumbres delcenso hotelero existente en cada momento de nues-tra historia reciente. Del censo hotelero barcelonésconviene destacar dos de sus características casi

crónicas: la escasez de de plazas de categoría me-dia y alta y, en segundo lugar, los fuertes contrastesen su ocupación y uso que provocan situaciones desobredotación y situaciones de insuficiencia, debi-do a la fuerte oscilación y estacionalidad de la de-manda (periodos de congresos, dias laborables,..).

Los los rasgos principales de la evolución de laoferta de alojamiento, su dimensión y composiciónaparecen recogidos de manera sintetizada en la ta-bla 1. La lectura de estos parámetros básicos nospermite deducir que desde los últimos años sesen-ta hasta el final del decenio de los setenta, Barcelo-na incrementa su oferta hotelera, pero mantiene unacomposición en la que se deja notar la falta de unmayor protagonismo de los hoteles de 4 y 5 estre-llas, y por otro lado, el crecimiento sufrido no le per-mite aún acercarse al censo hotelero de otrasgrandes capitales europeas. En cambio, los datosdel censo hotelero referidos a los últimos cuatro añosnos permiten constatar los cambios profundos de laplanta hotelera de la Ciudad Condal. Téngase encuenta que la convocatória olímpica suscitó unaimportante fiebre constructora de hoteles. En pocomenos de tres años se crearon en Barcelona másde 6.000, que se añadieron a la entonces reducidaoferta de hoteles de cuatro y cinco estrellas. El cre-cimiento de la oferta provocó un giro copernicanoen el sector, pasando ahora a una situación en laque la demanda no cubre la oferta, salvo en los pe-riodos de ferias o congresos.

Los problemas e interrogantes de explotación dela planta hotelera construída obligaron al sector pú-blico y al sector privado a unirse y potenciar comoestrategia el “ente” de promoción del turismo. Eneste sentido, cabe recordar que desde los años se-senta en varias ocasiones la ciudad ha vivido unasituación de sobredotación hotelera, que ha hechopensar en acciones – que se han llevado a cabo enalgun caso – de reconversión de los edificios hote-leros para destinarlos a otros fines. En la fase post-olímpica nos encontramos, de nuevo, con esta si-tuación, y ante ella se han producido dos tipos deactitudes y estrategias: por un lado, esta situaciónha dado paso a una guerra de precios a la baja paraatraer la demanda y, por otro lado, se ha planteadola posibilidad de convertir hoteles en oficinas. Anteesta posibilidad la ciudad vivió una polémica quetrascendió a la opinión pública y en la que el Ayun-

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tamiento reccionó en 1992 – impulsado por su res-ponsabilidad en el plan de hoteles y por el hecho deconsiderar la planta hotelera como un activo de laciudad –, aprobando unas normas que prohibían larecalificación de la función hotelera de diversos es-tablecimientos de la ciudad.

– La oferta complementaria: La diversidad delespacio urbano, la interrelación de sus elementos enlas prácticas sociales, la diversidad y complejidad delos componentes culturales en sentido amplio,ademas de la naturaleza del turismo urbano (turismoy ocio urbano), plantean imprecisiones en la delimi-tación e identificación de la oferta turística comple-mentaria; y que, en nuestro caso, puede apartarsede la oferta complementaria turística convencional delos destinos de sol-playa. Deberíamos pensar en elequipamiento comercial, en los equipamientos cultu-rales, en las instalaciones deportivas, en la oferta derestauración, en locales de ocio, etc... El carácterabierto de este tema y las limitaciones del texto acon-sejan centrarnos en esta ocasión en considerar sólodos “equipamientos” emblemáticos vinculados con elturismo de negocios y congresos: la Fira (el recintoferial) y el Palau de Congresos.

En los útimos años ha surgido la polémica sobrela ampliación de las instalaciones de la Feria en re-lación al lugar del nuevo recinto ferial o su amplia-ción. La polémica se ha alimentado con la pugnapolítica entre los que preferían el polígono Mas Blauen el Prat (defendido por la Generalitat) o el polígo-no Pedrosa en l’Hospitalet (defendido por el Ayun-tamiento). Finalmente, se ha optado por el polígonoPedrosa (Montjuïc-2), cuyos principales edificiosestaran acabados en 1995.

Por otro lado, en 1994 ha finalizado la renova-ción del viejo palacio de congresos – encargo reali-zado por Fira de Barcelona – que ha supuesto unatranformación profunda, dando paso al flamante Palaude Congressos de Barcelona. Cabe recordar, queen este mismo emplazamiento fue construído en1929, con motivo de la Exposición Internacional de1929, el Palacio de Proyecciones. Después, en losaños sesenta, fue construído allí mismo el Palaciode las Naciones, que dió paso más tarde a un Pala-cio de Congresos que no estaba a la altura de lascircunstancias actuales de una ciudad como Barce-lona. No olvidemos, que Barcelona a pesar de laremodelación del Palau de Congressos, y así lo han

declarado los responsables de Turisme de Barcelo-na, se tiene que plantear la construcción de un granpalacio de congresos que ofrezca todos los servi-cios. Y a pesar de esta limitación, Barcelona estáganando puestos en el ránking de ciudades de con-gresos. En 1991 la ciudad ocupaba el lugar 18, el12 en 1993 y para el año 1994 se espera superareste puesto3.

No podemos acabar, sin embargo, estas referen-cias a la la oferta complementaria sin hacer mencióna los grandes equipamientos. En concreto y entreotras obras, la renovación y construcción del aero-puerto y, en sentido, contrario el retraso y la parali-zación de la renovación y ampliación de la EstaciónMarítima. La ampliación y remodelación del aero-puerto era una condición indispensable para facili-tar el crecimiento del flujo turístico. La obra, proyec-tada por el arquitecto R.Bofill y realizada al amparode los JJ.OO, ha resuelto un viejo problema y hapermitdo que la Ciudad Condal gane en capacidadde atracción. En cuento a la Estación Marítima (cuyasituación actual impide cualquier promoción de Bar-celona en las rutas de cruceros) constituye uno delos factores actuales de restricción del turismo, delos que también forman parte los edificios culturalesque estan empezados y no acabados, como elMuseu d’Art Contemporani, el Teatre Nacional deCatalunya, el Museu d’Art de Catalunya o el AuditoriMunipal, a los que hay que añadir el Liceo, que que-dó devastado en el incendio ocurrido el dia 31 deenero de 1994.

Características de la demanda: volumen, tipos ycomportamiento de los visitantes

Barcelona recibe un flujo de visitantes de diver-so origen y por diversos motivos. La medición deeste flujo es difícil debido a su heterogeneidad y,por eso, sólo se conocen con una cierta precisiónalgunas manifestaciones turísticas. Así, cuando seanaliza el número de visitantes de la ciudad las ci-fras hacen referencia habitualmente al número deviajeros que pernoctan en establecimientos hotele-ros o similares, y los datos corresponden al conteni-do de las encuestas trimestrales que a partir de 1989promueve el Patronato de Turismo del Ayuntamien-to de Barcelona y que desde hace un año realiza elente Turisme de Barcelona. En los últimos cinco años

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el número de viajeros hospedados en los hotelesde Barcelona ha crecido constantemente, de 1,6 mi-llones en 1989 a 2,4 millones en 1993, pudiéndoseafirmar, además, que en 1994 los primeros datosreflejan que se superaran las cifras de 1993 (véanselas tablas 2, 3, 4 y 5).

Los datos recogidos permiten constatar la evolu-ción del grado de ocupación de las plazas hotele-ras. Para el conjunto del año se ha pasado del 58 %en 1989 al 44,6 % en 1993, después de una dismi-nución continuada en el último quinquenio. Sin duda,este parámetro puede hacer pensar en una regre-sión del flujo turístico, pero como ya se puede dedu-cir del comportamiento positivo del número de visi-tantes, el grado medio de ocupación ha disminuidopor el fuerte crecimiento de la oferta, de la capaci-dad de alojamiento, que se ha producido en los últi-mos años, tal como hemos puesto de manifiesto alanalizar el equipamiento hotelero. Finalmente, y parareferirnos a los últimos datos disponibles, podemosafirmar que la demanda turística de Barcelona si-gue creciendo muy lentamente desde 1992, y en unprimer balance de la temporada 94 puede afirmarseque las espectativas se han cumplido, aunque elcrecimiento no ha sido tan espectacular como enlas zonas turísticas litorales. Se estima que la ocu-pación de los hoteles puede situarse en torno al 45%,parecida a la de 1991, pero con un 60% más deoferta de categoría media y alta.

A la cifra de viajeros en establecimientos hotele-ros hay que sumar el flujo de visitantes de un solodia, sin pernoctación, tanto de origen interno comode extranjeros. Durante la temporada estival diaria-mente unos 10.000 turistas que estan alojados enlos principales enclaves de la costa catalana viajana Barcelona. Este tipo de flujo se ha incrementadoen los últimos años, según han confirmado tanto laAsociación de Autocaristas de Cataluña como lacompañía RENFE.

El origen de los viajeros en establecimientos ho-teleros segun nacionalidad presenta una tendenciaal mayor protagonismo de los viajeros extranjerosen los hoteles de la ciudad. Hace cinco años losespañoles eran algo más de la mitad, mientras queen 1993 solo representan el 38 %. En realidad, con-siderando esta proporción y el número absoluto devisitantes podemos afirmar que a los hoteles de laciudad acuden cada vez más clientes extranjeros.

Entre los viajeros extranjeros destacan, por ordende importancia, los franceses, italianos, alemanes,estadounidenses, iberoamericanos y los japoneses.Americanos y japoneses han ganado presencia enlos últimos años, en buena parte como resultado delas campañas de promoción en estos mercados ypor la celebración de los JJ.OO, y en el caso japo-nés además por la atracción de la obra de Gaudí.

Entre los medios de transporte de los viajeros quepernoctan en hoteles sobresale el transporte aéreo,que ha pasado de canalizar la mitad del flujo de visi-tantes a representar más del 70 % en 1993, de locual se desprende que el crecimiento del número deviajeros se ha concretado en visitantes que acudenpor vía aérea. En segundo lugar aparece el coche,que de representar casi el 30 % en 1989 ha perdidopeso relativo y se ha situado entre el 16 y el 20 %durante los dos últimos años. El tren se mantiene enel último quinquenio entre el 7 y el 10%; mientrasque ha descendido, en porcentaje y en números ab-solutos, el volumen de viajeros que llegan en autocary que pernoctan en Barcelona. Por otro lado, unparámetro que marca el perfil del viajero es su gastomedio extrahotelero, que en nuestro caso descendióligeramente entre 1989 y 1992, situándose en 14.000pesetas. Sin embargo en 1993 esta cifra se haincrementado hasta alcanzar las 16.200 pesetas.

Un dato importante relacionado con la afluenciade visitantes y sus motivaciones lo representa elnúmero de reuniones, congresos y similares que secelebran en la Ciudad Condal. En el último quin-quenio se han incrementado en torno al 20 %, sien-do mayor el incremento en manifestaciones decarácter nacional. En 1993 el total fueron 422, delas que 212 fueron de carácter internacional. El nú-mero de delegados ha sufrido un mayor crecimien-to, puesto que se ha pasado de 105.424 a más de159.000 en 1993, correspondiendo el 40 % a dele-gados de reuniones internacionales.

Se estima, a partir de diversos indicadores, queel turismo de ocio está creciendo y ganando posi-ciones en relación al turismo de negocios, que tradi-cionalmente ha sido y es el más importante. Secalcula que entre el 30-40% del volumen total delnegocio turístico de la ciudad corresponde al seg-mento de turismo y ocio vacacional, cuando estetipo de turismo solo representaba algo más del 20% hace cuatro años.

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Finalmente, es importante destacar que los últi-mos datos referidos a las campañas de 1993 y de1994 permiten afirmar que el turismo de verano seha fijado de manera destacable en Barcelona, des-pués del impacto propagandístico que supuso la ce-lebración de los JJ.OO. y de las campañas depromoción turística que en esta dirección se han lle-vado a cabo en los tres últimos años, con lo que laciudad deja de ser sólo destino de negocios, es decirde visitantes que suelen ser sobre todo empresariosy profesionales que acuden a la ciudad por nego-cios. El porcentaje de ocupación de agosto – un mes“valle” en el flujo del turismo de negocios – se situaen torno al 40 %, algo superior al de otros años, peroconviene destacar que ahora la ciudad cuenta conun 60 % más de plazas de tres a cinco estrellas. Seestima que este componente estival o vacacional delturismo se consolidará en los próximos años, aun-que no hemos de olvidar que Barcelona nunca hasido un destino de verano de sol y playa, y ello no sepuede cambiar bruscamente. Tampoco puede hacercompetencia a los destinos especializados de sol yplaya, y por ello sólo se pretende que el mar se incor-pore al perfil turístico de la ciudad y a un periodo de-terminado del año, con lo que se persigue que seaun destino de verano distinto, fundamentdo en losatractivos culturales y del turimo urbano, a los que sesuma el atractivo de su fachada marítima.

Las estrategias de desarollo turisticode Barcelona

Entendemos por estrategias el conjunto de ac-ciones decididas y ejecutadas que persiguen comofinalidad la promoción, la consolidación y la poten-ciación del turismo de la ciudad de Barcelona. Cabepreguntarse por ¿ cuáles han sido y cuáles son ac-tualmente estas estrategias?, y por ¿quienes hansido y quienes son sus protagonistas o responsa-bles?. La amplitud de las respuestas nos obliga aseleccionar el contenido de este apartado y centrar-nos en la valoración de aquellos hechos (medidasde política turística, creación de entes u organismosespecíficos, planes de actuación,...) que nos permi-tan entender la realidad del turismo barcelonés y suevolución futura. Entre los aspectos que no será po-sible abordar en esta ocasión figuran los conflictos y

las fricciones, entre el sector público y el sector pri-vado y entre los distintos agentes con intereses nosiempre coincidentes, conflictos surgidos en el pro-ceso de configuración del nuevo modelo turístico deBarcelona.

La promoción turística de Barcelona hasta losaños ochenta

En los últimos años estamos asistiendo a unapromoción turística de la ciudad de Barcelona queno tiene ningún precedente histórico. No obstante,conviene recordar que la preocupación por la “in-dustria de los forasteros” siempre ha estado presenteen las inquietudes de los empresarios y de las auto-ridades locales. Si además consideramos el sectorde los viajes en sentido estricto y tenemos en cuen-ta aquellas actividades inductoras del su desarrolloo inducidas por el mismo, nos vemos obligados arecordar la estrecha relación entre los grandes even-tos y el turismo; grandes eventos que son reflejo dela capacidad de atracción de la ciudad y que hanconstituído un factor de promoción y consolidaciónde las actividades turísticas, así como de la renova-ción y la transformación de la ciudad. El desarrollode los grandes acontecimientos siempre ha gene-rado nuevas realizaciones en materia de hosteleria,en adecuación y mejora de los atractivos de la ciu-dad y en campañas de propaganda.

Al buscar antecedentes a la gran transformaciónurbana que ha registrado Barcelona a raíz de losJuegos Olímpicos de 1992, hay que citar ineludible-mente la Gran Exposición de 1888, con la incorpo-ración de la Ciudadela a la ciudad, y la Gran Expo-sición Universal de 1929, con la “urbanización” eintegración de la montaña de Montjuïc. Sin embar-go, a veces se olvida otro gran evento, el CongresoEucarístico Internacional celebrado en 1952. Por elimpacto que produjo en la ciudad algunos analistasconsideran que el Congreso Eucarístico Internacio-nal, celebrado cuarenta años antes, tiene una gransimiliutud con los JJ.OO del 92. Cabe recordar, quepara hacer frente a las necesidades de alojamientose preparó un plan de hoteles, que en algunos as-pectos tuvo más éxito que el plan de hoteles de 1992.En un año se construyeron 12 hoteles, entre ellos elArycasa y el Avenida Palace. En segundo lugar, sedotó a Barcelona de un autentico aeropuerto, de la

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misma forma que los JJ.OO han servido de excusapara ampliarlo y modernizarlo. Hasta entonces la ciu-dad había contado solamente con el minúsculo ymal acondicionado aerodromo Muntadas, en el Pratde Llobregat, que utilizaba como terminal una masia.Y un tercer aspecto que cabe destacar y que tiene asu vez similitud con el impacto de los JJ.OO 92, esque sirvió de excusa para la expansión de la ciudadpor la zona final de la avenida Diagonal, constitu-yendo esta zona por su significado para la ciudad yen términos analógicos con el evento deportivo laverdadera “villa olímpica” del Congreso, y no el con-junto de viviendas construídas en distintos barrios dela ciudad para elminar el barraquismo. Sin duda, estagran efeméride religiosa internacional sirvió para re-formar la Ciudad Condal, para promocionar su ima-gen y para modernizar y ampliar su planta hotelera.

El Campeonato Mundial de Fútbol de 1982 cele-brado en España fue el último gran evento anteriora los JJ.OO 92. Barcelona fue una sede importante,donde se llevó a cabo el acto de inauguración y sejugaron partidos de la última fase. Este aconteci-mento despertó grandes espectativas para el nego-cio turístico y de ocio en general. Pero, sin embargo,una vez hecho el balance y las valoraciones poste-riores, los resultados económicos fueron pobres oal menos muy inferiores a los esperados.

Al margen de los grandes eventos cabe destacar,como acciones en el ámbito de la política turística, lapromoción de la ciudad a partir de 1979 (ayunta-miento democrático), que se concretó en campa-ñas específicas, entre las que destacó el proyectode promocionar Barcelona los “fines de semana”,campaña dirigida tanto al turismo extranjero comoal turismo nacional. También, a lo largo de los añosochenta destacan algunos momentos y algunos pro-gramas de promoción turística que cabe recordar.Así, por ejemplo, en 1983, y ya pasados los ecos delMundial de Futbol, Barcelona vivió una campaña depromoción en la prensa internacional, campaña quecorrió a cargo del Ayuntamiento a través del Patro-nato de Turismo recién creado, como estrategia parincremetar el turismo de calidad. En 1985 se creó elservicio de informadores turísticos (los casacas ro-jas), dependiente del patronato Municipal de Turis-mo, y también en 1985 de nuevo el Ayuntamientolanzó una campaña para “situar a la ciudad en losprimeros puestos como destino turístico”, siendo el

slógan central “Barcelona, la gran terraza de Euro-pa”. De hecho desde 1985 y 1986 la promoción dela Ciudad Condal como candidata a la organizaciónde la 25 Olimpiada concentró todos los esfuerzosen lo referente a las campañas de propaganda ypromoción. Después de la nominación, la prepara-ción de los JJ.OO. junto a las actividades inducidaspor este proceso, tuvieron un impacto propagandís-tico y promocional sin precedentes.

Los Juegos Olímpicos de 1992 como pretexto ycomo estrategia: repercusiones coyunturales y re-percusiones estructurales

El papel y las consecuencias que han tenido losJJ.OO. 92 para la ciudad de Barcelona y para el sec-tor turístico ha sido objecto de numerosos análisis,enfatizando por una parte el hecho de que los Jue-gos fueron un fin pero también un medio, una excusapara llevar a cabo diversas realizaciones en la ciu-dad y darla a conocer en el mundo potenciando elsector turístico; y destacando el impacto de los Jue-gos en todos los ámbitos. Cabe señalar, en este sen-tido, el artículo reciente de Vila Fradera (1992) en elque analiza con rigor todos estos aspectos.

En la misma linea argumental, Pascual Maragallreconocía en el libro Barcelona Olímpica. La ciudadrenovada (1992; 17) que “la preparació de la Barcelo-na olímpica es va plantejar, justament, com la renovacióde la ciutat, i no pas com la seva simple adeqüació ales necessitats dels Jocs. Cada projecte ha estat pensatper a la seva utilitat post-92”. Y en este mismo sentido,Vila Fradera (1992: 25) afirma que “el dia 25 de juliode 1992 representó el comienzo de una nueva etapay trascendental para el sector de los viajes y del turis-mo en Barcelona. La “nueva” Barcelona entrará por lapuerta grande en el ámbito de lo que se ha dado enllamar “turismo urbano” al desarrollar para ello unasposibilidades que, en parte, sólo se poseía en formainsuficiente para ello, y, en parte, eran desconocidasaún existiendo. Se puede afirmar que los Juegos Olím-picos han constituído la justificación o, si se quiere, elpretexto – fenomenal pretexto – para hacer todo lonecesario a fin de que la capital catalana pudiera serrelanzada por diversas vías a una proyección de futu-ro. Esta estrategia no es nueva, sino que en otras oca-siones la Ciudad Condal ha recurrido a un mega-acon-tecimiento para su promoción”.

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Obviaremos, en esta ocasión, explicar el proyectoelaborado para conseguir la nominación, el procesode preparación de la ciudad y de los juegos y el pro-pio desarrollo de este acontecimiento. Nos interesacentrarnos en los impactos turísticos y en particularen los aspectos que giran en torno a la evolucióndel censo hotelero – estrategia del plan de hoteles ,aunque no podemos dejar de mencionar la mejoray construcción de infraestructuras viarias (aeropuer-to, rondas), deportivas (Estadio Olímpico, Palau SantJordi,..), o bien la configuración y la consolidaciónde una nueva imagen de Barcelona y, sobre todo, elhaber situado a la Ciudad Condal en el mapa de lasciudades europeas de mayor atractivo.

La celebración de los Juegos Olímpicos exígiadisponer de una capacidad y calidad de alojamientoque la ciudad no tenía. Ello dió pié a plantear unaestrategia en tres direcciones: a) estrategia para re-solver las deficiencias estructurales pre-existentes,pensando en equipar la ciudad para el futuro; b) es-trategia para resolver las necesidades convencio-nales y las demandas específicas de los JJ.OO.; yc) estrategia para hacer frente a necesidades co-yunturales de los Juegos, con medios selectivos,efímeros y no convencionales.

La última de las estrategias indicadas se concre-tó en dos programas diferentes: el programa de alo-jamiento en viviendas particulares de la ciudad,mediante alquiler de habitaciones, y el programa dealojamiento en grandes barcos anclados en el puer-to. Respeto al alojamiento en casas particulares,después de unas previsiones que resultaron exce-sivamente ambiciosas, el plan se concretó en la ofer-ta de habitaciones en 1.500 casas. Y en relación alalojamiento en “hoteles flotantes” el plan se concre-tó en la presencia de 15 barcos de lujo (grandesbuques), a los que se sumaron 525 yates privados.En conjunto, la capacidad de alojamiento se situóen unas 17.000 plazas, con lo que el puerto se con-virtió en el hotel más grande de los Juegos.

Si centramos nuestra atención en la estrategiapara aumentar y mejorar la planta hotelera conven-cional hemos de afirmar, como dato básico, que seinstrumentalizó a través del Plan de Hoteles (pro-movido por el ayuntamiento), así como en la cons-trucción de hoteles a cargo de la iniciativa privada.Para entender mejor este proceso conviene recor-dar que a mitad de los ochenta continuaban vigen-

tes los décicits fundamentales del censo hotelerobarcelonés, coincidiendo con el comienzo de un ci-clo de bonanza económica y de nuevas necesida-des con motivo de los JJ.OO. Estas circunstanciasdieron paso a una nueva fase en la que se planteóabiertamente, explicitamente, la necesidad de cons-truir nuevos hoteles y las acciones y programas paraconseguir este fin. En definitiva, un nuevo escenarioy un nuevo horizonte que permitían la convergenciade los intereses comunes de instituciones y agen-tes sociales y económicos privados.

A mediados de 1988 tomó cuerpo de manera de-finitva la propuesta promovida por el Ayuntamientode llevar a cabo un Plan de Hoteles para la construc-ción de diversos establecimientos de categoría alta.En principio, la demanda de nuevas plazas hotelerassería cubierta por la inciativa privada, con la aproba-ción de numerosos proyectos que contemplaban lacreación de hoteles de nueva planta de categoríamedia y alta. Ahora bien, se consideró que no seríansuficientes y por ello se decidió participar en el pro-ceso activando más solares – ante la dificutat de suelodisponible para construir en la ciudad – y con mejo-res localizaciones para la función turística y de acuer-do con el diseño de las cuatro áreas olímpicas.

No obstante, desde los primeros momentos sur-gieron discrepancias en los distintos grupos políti-cos representados en el Ayuntamiento y en las ins-tituciones (Ayuntamiento y Generalitat, a través de laComissió d’Urbanisme de Catalunya). Los proyetosiniciales se fueron modificando y el 3 de julio de 1989se aprobó definitivamente y por unanimidad el Plande Hoteles, que presentaba un nuevo contenido:pasó a contemplar solo seis hoteles de los 12 consi-derados en abril de 1989 (Tabla 6). Con el paso deltiempo se hicieron nuevos cambios del Plan de Ho-teles, a la vez que se constataban problemas en elcumplimiento de los plazos fijados.

En cuanto a los hoteles de iniciativa privada, almargen del Plan de Hoteles, en 1990 se construíannueve establecimientos, la mayoria de ellos en elensanche barcelonés, y otros siete estaban en pro-yecto. La gran mayoría de ellos controlados tam-bién por empresas locales, entra ellas el grupo HUSA(supermanzana de la Diagonal y palacete Abadal,también en esta avenida). Entre unos y otros, en1990 sumaban 23 nuevos establecimientos, quesumaban una oferta hotelera de 4.600 habitaciones

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(8.100 plazas). El proceso de construcción de losnuevos hoteles, tanto los correspondientes al plande hoteles como los de iniciativa particular, se hacaracterizado por un gran numero de problemas eincidencias de todo tipo. En general, al final se hanconstruído hoteles de menos estrellas de las pro-gramadas, algunos establecimientos no se hanconstruído y otros han abierto o abriran con retraso.

De este proceso cabe subrallar que, ante la incer-tidumbre del sector hotelero en el periodo post-olím-pico y las declaraciones de destacados miembros delsector anunciando el cambio de la función hotelerade los establecimeintos conviertiéndolos en oficinas,el Ayuntamiento de Barcelona empezó a preparar unnuevo plan con la finalidad de evitar que, tras la eufo-ria de los juegos olímpicos, los empresarios reduje-ran la oferta cambiando de negocio, defendiendo queel censo de hoteles, particularmente el construído alamparo de los JJ.OO, constituía un patrimonio de laciudad. El clima de incertidumbre y de conflicto en elsector hotelero meses antes de los Juegos, durantelos mismos (precios muy caros) y después de los Jue-gos (sobredotación, guerra de precios, reconversión)trascendió a la opinión pública, constituyendo estehecho un claro reflejo del significado que ha alcanza-do el sector turístico en la ciudad.

En Barcelona los problemas de la hoteleria són,probablemente, más agudos que en cualquier otraparte del país. La euforia predecesora de los Jue-gos Olímpicos desató una oleada de promocionesque dobló de golpe la capacidad instalada. Ahorase estan pagando – en opinión del gremio de hote-leros – las consecuencias de los excesos cometi-dos. Después de dos años malos, el horizonte aúnes incierto y su signo aparece vinculado a las espe-ranzas puestas en los indicios de recuperación eco-nómica y a los efectos de la nueva imagen deBarcelona.

Los entes y los planes de promoción de la ciu-dad y del turismo

La ciudad cuenta con diversos entes y organis-mos que tradicionalmente se dedican a la promo-ción del turismo. El Ayuntamiento contaba desde1983 con el Patronat de Turisme de Barcelona (hastala creción del Consorci Turisme de Barcelona). Porotra parte, la ciudad también se beneficia de las rea-

lizaciones del Consorci de Promoció Turística deCatalunya, dependiente de la Direcció General deComerç, Comsum i Turisme de la Generalitat deCataluña; de la Cambra Oficial de Comerç, Indus-tria i Navegació de la ciutat de Barcelona, que reali-za una gran labor de estudio y promoción y de laFIRA de Barcelona. Por último, hay que destacar,por su reciente elaboración o creación, el Pla deDesenvolupament Turístic de la ciutat de Barcelo-na, la Asociación Barcelona Turística, el Pla Estra-tègic de Turisme a Barcelona y el Consorci Turismede Barcelona. Al Pla Estratègic y a este último entededicamos un apartado específico.

El Pla de Desenvolupament Turístic de la ciutatde Barcelona es el pecedente más inmediato del PlanEstratégico de Turismo de Barcelona. El Pla deDesenvolupament Turístic de la ciudad de Barcelo-na, concretado en una Memoria Justificativa (docu-mento de veinte hojas) surge por la motivación e in-terés del Ayuntamiento de la ciudad y de la CámaraOficial de Comercio, Industria y Navegación por co-nocer la potencialidad turística de Barcelona, con elfin de establecer medidas para incrementar su poderde atracción. El resultado de este trabajo, iniciado en1989 y presentado en 1991, constituye una diagnósisdel sector turismo en la ciudad y recoje, asimismo,las propuestas estratégicas de futuro.

La Asociación Barcelona Turística fue fundadael mes de diciembre de 1990. La formaron 41 hote-les barceloneses de 5, 4 y 3 estrellas que decidie-ron unir sus esfuerzos de promoción y, además,incorporar a la gestión hotelera y turística de la ciu-dad de Barcelona unas características especialespara poder alcanzar y disfrutar un lugar preferentecomo destino turístico. La primera herramienta con-cebida para alcanzar el objectivo descrito fue el pro-ducto “Barcelona, cap de setmana” (Barcelona, finde semana), cuyos propósitos más específicos seconcretan en la finalidad de promocionar la ocupa-ción hotelera y la utilización de todo tipo de instala-ciones de servicios turísticos, de ocio, medios detransporte, etc.. a lo largo del fin de semana en laciudad condal, por parte del visitante, sin olvidarsedel comercio, los deportes y la vida cultural. En de-finitiva, se trata de potenciar y optimizar el uso de laciudad de Barcelona.

El Programa “Barcelona, cap de setmana” hapromocionado tres productos relacionados con la

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estancia durante los dias del fin de semana: Barcelo-na Unica, Barcelona Mágica y Barcelona de 2 en 2.Ha creado el Carnet de Barcelona Cap de Setmana,que ofrece al visitante numerosas ventajas, entre lasque destacan descuentos en diversos servicios y es-tablecimientos de naturaleza muy dispar.

Además de los entes y los planes de actuaciónseñalados, y que en parte seran ampliados en losapartados siguientes, conviene mencionar el proyec-to Barcelona 2001 y, por otra arte, el Plan EstratégicoBarcelona 2.000, como referentes obligados para tra-tar la promoción y el significado del turismo. Barcelo-na 2001 supone el proyecto para conseguir lacapitalidad europea de la cultura el año 2001. Barce-lona quiere ser capital europea de la cultura, y quiereserlo para que, al amparo de la convocatoria, los fon-dos públicos fluyan y así sea posible acabar las dis-tintas infraestructuras culturales todavía en obras.Barcelona 2001 persigue, asimismo, consolidar laimagen de la ciudad y difundir la cultura catalana. Sinduda, los nuevos activos culturales y la celebraciónde este aconteciminto tendran como valor añadidouna promoción de la ciudad y un incremento de lacapacidad de atracción de visitantes, consolidándo-se la vertiente cultural del turismo barcelonés.

El Ayuntamiento trabaja con diversos proyectospara la ciudad post-olímpica. Y lo hace impulsado porla inercia de los JJ.OO y del periodo posterior, con elhorizonte del cambio de siglo y con un instrumentomarco creado en 1988, el Plan Estratégico Barcelo-na 2.000, recientemente reformulado y ampliado enel tiempo. Las reflexiones de su Consejo General ylas realizaciones han tenido un ritmo y un balancedesigual. Conviene destacar que el Plan se ha con-vertido en los últimos tiempos en un fórum de reflexióny diálogo de la mayor parte de las fuerzas vivas bar-celonesas. Aunque la Generalitat ha visto siempreeste proyecto con un cierto escepticismo, la iniciativatomada por el Ayuntamiento de Barcelona cuenta conel apoyo de una serie de entidades económicas, so-ciales y educativas barcelonesas de peso y tradición:la Cámara de Comercio, Industria y Navegación, elCírculo de Economía, Comisiones Obreras, Consor-cio de la Zona Franca, Feria de Barcelona, Fomentodel Trabajo, Puerto Autónomo, UGT y Universidadde Barelona. Sin duda, a pesar de los contrastes enlas realizaciones, el balance de los resultados 1988-1992 son estimados como muy positivos.

El Pla Estratègic de Turisme a Barcelona (1993)y el ente Turisme de Barcelona

Una vez acabados los JJ.OO, y ante la nuevasituación de la Ciudad Condal, el Ayuntamiento deBarcelona, el Patronato de Turismo de Barcelona yla Cámara Oficial de Comercio, Industria y Navega-ción de Barcelona han impulsado la elaboración delPla Estratègic de Turisme de Barcelona. El Pla cuen-ta con el respaldo y la colaboración del Departa-mento de Comercio, Consumo y Turismo de la Ge-neralitat de Catalunya, así como del sector privadocuya participación en el proyecto fue consideradacomo absolutamente relevante para conseguir losobjetivos fijados, lo cual hacía imprescindible unaestrecha coordinación entre las instituciones y losoperadores privados. El resultado de los trabajosrealizados se han concretado en diversos documen-tos que conforman el Pla Estratègic y en unas con-clusiones finales del plan que contienen la propues-ta de creación de nuevo ente para la promociónturística de la ciudad (inicialmente Consorcio deTurisme de Barcelona, pero finalmente la denonina-ción es Turisme de Barcelona), el diseño de un pro-grama de acciones que define una cartera de pro-ductos y la definición de un sistema de financiacióndel Plan. El nuevo ente se considera como la fórmu-la más adecuada para la implementación del plan,ya que permitirá actuar de forma flexible en el mo-mento de establecer responsabilidades y mecanis-mos de toma de decisiones.

La formulación del plan se situa en un nuevo es-cenario, un nuevo conjunto de factores y circuns-tancias, que han permitido diseñar nuevas accio-nes y estrategias turísticas. El contenido del plandistingue unos objectivos básicos y unos objetivosestratégicos. Los objectivos básicos son: definiciónde un programa de acciones estratégicas para atraerel turismo que no acude a la ciudad y, por otra par-te, tratar de consolidar el turismo que frecuenta Bar-celona. Los objectivos estratégicos (basados fun-damentalmente en los importantes documentosanteriores a este Plan) son: 1. Potenciar la imagende Barcelona; 2. Posicionar el producto turístico Bar-celona en el contexto internacional; 3. Aumentar elnúmero de visitantes; 4. Incrementar el gasto por per-sona; 5. Aumentar la estancia media en la ciudad; 6.Aumentar la fidelidad del usuario; 7. Optimizar el uso

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de la oferta; 8. Rentabilizar la inversión pública yprivada realizada con ocasión de los Juegos Olím-picos; 9. Impulsar los sectores económicos vincual-dos con el turismo; 10. Conseguir una plena ocupa-ción de la oferta.

El Consorci de Turisme de Barcelona – oTurisme de Barcelona en su denominación máshabitual – fue creado a mediados de julio de 1993con la participación de la Cámara de Comercio (60%)y del Ayuntamiento (40%) para aunar esfuerzos enla promoción turística. El Consorci, que preside elhotelero Joan Gaspar, designó a principios de julioa R.Martinez Fraile como Director General, que ha-bía sido concejal del Ayuntamiento de Barcelonaentre 1979 y 1988, y desde su cargo dió un granimpulso al Patronat de Turisme, que presidió entre1982 y 1987. El presupuesto del Consorci de Turismede Barcelona para el año 1994 es de 800 millonesde pesetas, de los que 300 millones proceden delsector privado. Del presupuesto, 200 millones co-rresponden a gastos corrientes y 600 a inversión enpromoción. En 1994 Turisme de Barcelona inicia lapromoción de Barcelona como lugar de veraneo conplaya. Los catálogos de los principales operadoresturísticos ingleses y alemanes incluyen este año aBarcelona entre sus destinos litorales. Así, Barcelo-na, una ciudad cultural, de tiendas y de negocios,pero también con playa, es la principal iniciativa a laque se han lanzado los miembros de consorcioTurisme de Barcelona. Lo nuevo es la oferta de pla-ya, la inciativa de “vender” Barcelona asociándolaal descanso de sol-playa, como atractivo indepen-diente de comportamiento vacacional y como atrac-tivo complementario de la visita a Barcelona pormotivos de negocios. A otro nivel, la promoción deBarcelona se concentra ahora en lograr que los eu-ropeos la incluyan entre los posibles lugares dondepasar un puente, un fin de semana o unas vacacio-nes cortas. Emular y estar junto las primeras ciuda-des de la lista, como ahora lo son Londres, París,Roma y Amsterdam4.

En el organigrama de Turisme de Barcelonaaparecen dos tipos de productos, unos propios delente y otros externos, es decir ya existentes en eltejido social de la ciudad y que Turismo de Barcelo-na ayuda y participa en su desarrollo. Estos produc-tos externos son: fines de semana, ferias, Universi-dad, atracción de sedes y estancias médicas. Los

productos propios se centran en programas orien-tados a ocio/cultura, vacaciones, escolar, terceraedad, comercio y convenciones-negocios.

Por otra parte, Barcelona se promociona no solocomo destino turístico de negocios y de congresos,de turismo cultural y vacacional, sino como ciudadque reune unas condiciones idóneas para realizarinversiones. El Ayuntamiento ha elaborado esta es-trategia para rentabilizar el impacto positivo de losJJ.OO y tiene en marcha diversas campañas en dis-tintos medios de comunicación y a través de la or-ganización de diversas actividades. Las inciativasson New Projects, Centro Logístico, Turismo, Cen-tro Universitario, Centro Financiero y Centro Médi-co. En este contexto hay que recordar que elequipamiento y las infraestructuras creadas conmotivo de los JJ.OO., la mejora de la calidad am-biental y otros factores coyunturales han provocadoque Barcelona sea considerada cada vez más comociudad idónea para crear negocios5.

Dos años después de la celebración de los JJ.OO92, en el balance que se hace respecto a la promo-ción turística derivada explicitamente o implicitamen-te, se afirma que el acontecimiento olímpico se con-virtió en una campaña de promocion internacionalque una ciudad como Barcelona nunca hubiera po-dido costear. Pero esa promoción ha demostradoser condición imprescindible pero no suficiente. Poreso a mediados de 1993 se creó Turisme de Barce-lona, una empresa en la que por primera vez seunían la iniciativa pública y la iniciativa privada, ycuyos resultados se veran con objetividad a corto ya largo plazo. Por último, no podemos olvidar quetambién existen otros organismos que promocionanBarcelona en el exterior como núcleo turístico.

Balance e perspectivas

– Una nueva etapa: Barcelona en el mapa turís-tico y la mejora de Barcelona como espacio de ocio.Al presentar este estudio adelantábamos que aúnes pronto para poder constatar la consolidación delnuevo perfil turístico de la ciudad y confirmar elprotagonismo de primer orden de Barcelona comoplaza turística. Aún ha pasado poco tiempo y loshechos coyunturales pueden equivocarnos sobre lastendencias futuras. Sin embargo, nadie puede ne-gar la evidencia que supone la profunda renovación

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de la ciudad, las nuevas realizaciones en materiaturística así como la seriedad de las nuevas estraté-gias formuladas en materia de promoción turística.En definitiva, la implementación de su “sistema tu-rístico” con activos de primer orden y calidad.

En los distintos aspectos analizados ha sido unaconstante las referencias a la “región” en la que selocaliza Barcelona, “región” de la que además es lacapital. La interrelación entre el “entorno turístico”(Costa Brava, Maresme, Costa Daurada, Pirineos)y Barcelona como enclave turístico es cada vez másfuerte y en las dos direcciones, hecho que favorececomo “destinos” tanto a la capital como a las zonasgeoturísticas mencionadas, que enriquecen y com-plementan sus ofertas y atractivos mutuamente. Enel futuro esta situación supondrá, sin duda, una ven-taja competitiva en relación a otras ciudades.

Nos conviene, por otra parte, insistir en algunosrasgos que perfilan el turismo Barcelona y que sue-len dar pie a confusiones. En primer lugar, convie-ne constatar y asumir como realidad la diversidadde las formas del flujo turístico de la Ciudad Condal.En este sentido, cuando se dimensiona el flujo devisitantes habitualmente se alude al número de via-jeros que pernoctan en los hoteles de la ciudad. Estaes, sin duda, una perspectiva parcial, puesto queno hemos de ignorar por ejemplo que los movimien-tos diarios de turistas que acuden a la ciudad desdeotros lugares y zonas turísticas próximas son cadavez más importantes, y su impacto en las “zonas”turísticas de la ciudad es notable (visitas a monu-mentos, comercio, etc..). Tampoco han de ignorarseo infravalorarse el flujo de visitantes del propio pais(habitualmente solo se presta atención al turismoexterior) ni el flujo que va de paso hacia otros desti-nos turísticos.

En segundo lugar, cabe recordar que las es-trategias formuladas en los últimos tiempos se hanorientado, principalmente, hacia la captación de nue-vos turistas con destino a Barcelona, hacia la pro-longación de la estancia y hacia la lucha contra laestacionalidad (programas fin de semana). Sin em-bargo, se deberían incorporar programas y accio-nes basados en la diversidad citada en el puntoanterior. Sin duda, el peso de los hoteleros – quepersiguen la realización de estancias – hace que, porejemplo, el movimiento turístico “diario” no reciba laatención que merece como línea estratégica.

En tercer lugar, cabe recordar dos factores quedeterminan la realidad del turismo barcelonés, aun-que se concretan en significados diferenciados. Nosreferimos, por un lado, al valor de la condición geo-gráfica de Barcelona (su localización, sus compo-nentes geonaturales y sus componentes geocultu-rales), que la dotan de una ventaja competitivarespecto a otra ciudades europeas, ircunstancia quees frecuentemente infravalorada o ignorada. Y, porotro lado, cabe subrallar el handicap que supone elhecho de que Barcelona no es capital de estado y,por lo tanto, no se beneficia de los efectos positivosque para el sector de los viajes se derivan de talcondición.

En la evolución del turismo de Barcelona pode-mos distinguir dos etapas, la actual, conformada enlos últimos diez años, y la anterior. De manera es-quemática y simplificada podemos decir que hastalos años previos a los JJ.OO. Barcelona acogía alturismo que acudía a la ciudad atraído por las re-uniones de negocios y los certámenes feriales, asícomo por los atractivos culturales. La situación ac-tual es distinta, puesto que se ha pasado de unasituación de mercado de demanda a una situaciónde mercado de oferta, con unos atractivos más di-versificados y con nuevas acciones de promoción.Estos hechos constituyen un claro reflejo de la im-portancia del sector de los viajes en Barcelona y desu consolidación, y de ahí el consenso y complici-dad entre todos los agentes para hacer funcionar el“sistema” turístico. La creación de unos equipamien-tos de alojamiento, culturales y complementariosobliga a su explotación y rentabilización.

– Retos e interrogantes de futuro: los límites delos programas y de la planificación turística. Losobstáculos a superar en la aplicación de los progra-mas son diversos. Nos interesa subrallar que el ca-rácter estacional del turismo urbano, del turismo dela ciudad de Barcelona es un problema real, lo cualpuede sorprender por el hecho habitual de asociarla estacionalidad con el turismo vacacional de sol-playa. En este sentido conviene constatar dos cir-cunstancias: 1) el turismo de playa-sol es un turismosujeto al ciclo estacional climático. La temporalidaddepende de la “disponibilidad” del recurso, de unascondiciones ambientales caracterizadas por el tiem-po bueno y soleado que condiciona el comportamiento(presencia) de la demanda; y 2) el turismo de nego-

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cios y congresos está sujeto a oscilaciones del pul-so económico o ciclo de la vida económica de laciudad (separación del tiempo de trabajo y del tiem-po ocio). También estará condicionado a la organi-zación y separacion del tiempo de trabajo y de ociode los países emisores de visitantes (factor exte-rior), por lo que también de manera indirecta se dauna interrelación de los ciclos estacionales con losritmos de actividad económica (calendarios labora-les, calendarios escolares,..).

La reorganización de los entes con responsabili-dad en la promoción y desarrollo del turismo ha cons-tituído en si mismo una estrategia destacada, quese ha puesto de manifiesto a su vez en la formula-ción de nuevos planes, programas y campañas enaras a la consecución de distintos fines. La natura-leza y significado de los mismos comportan, a suvez, una dificultad y un alcance de difícil delimita-ción. Estos fines són: 1). optimizar la oferta hotele-ra, creada recientemente para resolver las deficien-cias crónicas en la calidad de la planta hotelera ypara hacer frente a ls necesidades de alojamientode la 25 Olimpiada; 2). superar los problemas derentabilidad de los hoteles por su condición de uni-dades de producción (cabe recordar quienes sonlos componentes de los entes de promoción del tu-rismo, detectándose un claro protagonismo de loshoteleros de la ciudad); y 3). resolver los problemasde la fuerte oscilación temporal del flujo de visitan-tes, y ello explica las campañas de promoción defines de semana y de otros periodos no laborables;estratégias que son una clara evidencia de la im-portancia que tiene el “turismo” de negocios en laCiudad Condal.

– El turismo y el futuro modelo de ciudad: He-mos analizado las estrategias para el desarrollo delturismo en Barcelona, los planes, los entes, las cam-pañas, etc.., pero no hemos de olvidar que, por otraparte, el turismo es contemplado en si mismo comouna estrategia para el desarrollo de Barcelona delmodelo de ciudad futura. En este sentido es ilustra-tivo el significado que tiene, por ejemplo, la promo-ción Barcelona 2001 (capital cultural) o del contenidodel Pla Estratègic 2000, recientemente actualizadoy ampliado su horizonte temporal.

Las reflexiones sobre el modelo futuro de ciudad,pensado y propuesto para Barcelona, valora ensuma su “carácter terciario” y el ser un escenario

tanto de relaciones de ocio como relaciones de pro-ducción, de negocio. En este marco, el productoBarcelona se venderá y el consumo de la ciudadalcanzará ineludiblemente cotas más altas. Hay quedestacar, que será un espacio “consumido”, un es-pacio de consumo y de práctica turística y recreati-va, tanto para turistas venidos de fuera como parasus propios habitantes. En este sentido, las noticiasdel éxito internacional de la operación Barcelona 92llegaron tan lejos que han acabado por interesar alos propios barceloneses. El recelo con que habíansido recibidas en su momento las plazas duras, lasincomodidades derivadas de las obras interminableso las pequeñas rencillas domésticas dejaron paso ala expectación y a la percepción positiva de la ciu-dad.

La Barcelona renovada no ha resuelto de ma-nera satisfactoria las contradicciones de su estruc-tura social, que tienen además una dimensiónespacial, ni todas las necesidades urbanísticaspero, sin duda, si ha mejorado sustancialmente suscondiciones ambientales, sus condiciones de vidacon la incorporación de la obra olímpica. Ello hapropiciado su conversión en un escenario de ocioy recreación para los barceloneses pero tambiénpara los forasteros. La atracción incrementada se-duce al mundo de los negocios y a los turistas, yesto ha sido un hecho constatado durante la pre-paración de los JJ.OO., en su celebración y en lafase actual post-olímpica.

Notas

1 Con frecuencia en los estudios y estadísticas sobre el turis-mo de ciudad – y así ocurre en Barcelona – se distinguen losdistintos tipos de visitantes como fenomenos diferencidos:“negocios”, “turismo” o “cultura”, entre otros.

2 Para la elaboración del estudio que se presenta en estas pá-ginas la consulta de la hemeroteca ha sido obligada y de granutilidad en esta ocasión para poder constatar y realizar unseguimiento del pulso de la actividad turística de la ciudad yde las inquietudes y realizaciones de los distintos agentessociales y económicos, tanto del sector público como delsector privado. Por otra parte, la nominación como sede de la25 Olimpiada, el proceso de preparación de la ciudad paralos JJ.OO. 92, su desarrollo y las secuelas posteriores hanprovocado un ingente volumen de información sobre la ciudad,y también sobre los aspectos específicos de las actividades yrecreativas, en forma de libros, informes o reportajes, entreotros. Sin duda esta información ha sido de gran utilidad, a

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pesar de su heterogeneidad. En particular, cabe reseñar lainformación recogida y publicada por el Patronat de Turismede Barcelona desde 1989. Por último, hay que mencionar laimportante aportación de dos artículos publicados reciente-mente en revistas científicas: por un lado el de Romero (1990)sobre los factores de localización hotelera en Barcelona (1849-1989) y el de Vila Fradera (1992) sobre los JJ.OO. 92 y elsector turístico de Barcelona.

3 Desde hace años Barcelona ha necesitado un Palacio deCongresos de mayor entidad que el integrado en la Fira, queahora se acaba de renovar. En el conjunto de los proyectosolímpicos se contempló la construcción de un palacio decongresos junto al Port Olímpic y al lado del Hotels Arts, enun solar del Ayuntamiento, proyecto entregado por losarquitectos y cuyo coste superaba los siete mil millones depesetas en 1992. Los recortes presupuestarios surgidos enla última fase de preparación de la ciudad para los JJ.00,debido a la manifestación explicitas de la crisis económica,han hecho inviable hasta el momento su construcción y hanaplazado una resolución sobre este tema. No obstante, enlos tres últimos años se han barajado otras alternativas másbaratas, como la rehabilitación y transformación de la plazade toros de las Arenas en “palacio” de congresos, o bien laconstrucción de un “palacio” de iniciativa privada. Hasta lafecha este tema no se ha resuelto y presenta interrogantespara el próximo futuro, constituyendo este déficit uno de losfrenos a un mayor protagonismo de Barcelona en este tipode actividades. En septiembre de 1994 la empresa Projectsvinculada al Hotel Juan Carlos I ha aprobado crear un palaciode congresos en las proximidades del hotel.

4 La campaña de promoción de Turisme de Barcelona para“vender” Barcelona comprende diversos anuncios contrata-dos con las revistas de mayor difusión europea. El contenidode los anucios está en consonancia con la promoción de lanueva imagen de Barcelona y el carácter distinto del productoBarcelona. Por ejemplo, la imagen de la Pedrera, que ocupatoda una página aparece acompañada con un lema que dice:“En Barcelona, las olas del Mediterráneo llega hasta el cen-tro de la ciudad”. Otra imagen integra una vista de las playasy los dos rascacielos de la Vila Olímpica que se acompañadel siguiente texto: “Esta playa tiene de todo, incluso un barriogótico y un museo Picasso”. Otra de las imágenes basadasen las terrazas del Port Olímpic se acompaña con la siguienteleyenda: “No conviene mezclar los negocios con el placer,excepto que estés en Barcelona” (Barcelona como centro denegocios y congresos); una cuarta imagen comprende unjoven cogiendo un ramo de flores de un puesto de las Ramblas,que se acompaña con el texto: “En Barcelona no importa quelas reuniones se prolonguen por un par de dias”. Otra imagensobre el comercio se acompaña con el texto “Afortunadamen-te, en Barcelona también hay buenas tiendas de maletas”. Adestacar que algunos de los anuncios se basan en la VilaOlímpica y que la campaña de estas cinco imágenes gira entorno a cuatro grandes atractivos: el mar, el arte, los negociosy el comercio.

5 Según el prestigioso diario británico Financial Times, de fe-cha 27 de septiembre de 1994, Barcelona ocupa el séptimolugar en el ránking de ciudades europeas con mejores

condiciones para establecer un negocio. Estos datos cor-responden al estudio anual promovido por el perióodico quecomprende una entrevista a 500 hombres de negocios. Bar-celona el año 1993 ocupaba el décimo lugar, y en un año seha situado en el séptimo, desbancando a ciudades comoDusseldorf o Milan. Según este estudio la primera ciudad esLondres, y le siguen Paris, Francfourt (sede del eurobanco),Bruselas (sede de la Unión Europea), Amsterdam, Zurich,Barcelona, Dusseldorf, Milan y la décima es Madrid. De Bar-celona se valora muy positivamente, entre otros factores,lared de comunicaciones, destacando la red de autopistas ylas rondas y el aeropuerto; y por otra parte el acceso a lasplayas de la ciudad y playas próximas, así como a las esta-ciones de esquí de la región. En definitva, factores queilustran un entorno de alta calidad ambiental, de alta calidadde vida. No ha de olvidarse que estos equipamientos secrearon o recuperaron con motivo de la celebración de losJJ.OO. 92.

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*Francisco López Palomeque é catedrático,geográfico-regional da Universidad de Barcelona.Professor do doutorado em Planificação Territorial

e Desenvolvimento Regional da UNIFACS/Universidad de Barcelona.

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ysorejaivedoremúnednóiculovE-2albaTsoreletohsotneimicelbatsenesenoicatconrep

sorejaiV senoicatconreP

9891 484.616.1 110.097.3

0991 209.237.1 225.597.3

1991 016.727.1 015.980.4

2991 437.478.1 024.333.4

3991 942.554.2 425.652.4

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seletohnesorejaivsoleddadilanoicanropaicnedecorP-3albaT)sejatnecrop(

síaP 9891 0991 1991 2991 3991

añapsE 6,84 3,15 0,84 3,44 9,73

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aicnarF 1,11 3,7 4,7 6,8 0,9

ainamelA 5,4 4,3 7,3 0,7 0,7

odinUonieR 4,9 1,4 9,4 4,6 0,6

nópaJ 2,2 6,2 8,2 9,5 9,3

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sonaciremaduS.P — 9,3 0,2 0,5 9,4

sortO 5,01 4,51 1,71 3,8 9,4

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omsiruT 1,23 7,22 5,72 8,03 9,82

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saireF 2,01 8,01 8,3 0,3 2,3

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sortO 4,5 5,5 0,3 8,3 4,2

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anolecraBeddaduicaledareletohatrefoalednóiculovE-1albaTaírogetacropsotneimicelbatseedoremúN-A

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latoT 58 36 77 811 821 451 561

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.81-97 Setembro 2001 97

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.luJ 332.97 068.28 994.202 522.491 9,85

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.tcO 362.68 982.27 651.512 449.781 7,16

.voN 165.57 501.45 936.781 258.521 3,05

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.beF 735.13 458.42 687.531 145.203 7,27

.raM 735.33 317.03 664.002 350.213 5,87

.rbA 872.44 204.42 039.762 162.152 8,66

.yaM 917.84 039.73 076.392 161.823 1,56

.nuJ 643.35 874.32 154.243 459.642 6,46

.luJ 363.97 905.82 638.945 776.162 1,48

.ogA 725.68 889.43 020.126 876.303 2,69

.peS 725.47 397.03 724.115 669.362 5,28

.tcO 237.34 956.63 435.743 507.713 7,17

.voN 192.81 063.52 721.651 620.562 1,27

ciD 478.45 044.35 057.401 846.301 3,13

LATOT 006.636 471.573 691.086.3 988.432.3 —

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98 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.98-100 Setembro 2001

A Baía de Todos os Santos, diferentemente doque se alardeia por aí, ainda é um corpo d’água quereúne os maiores atributos ambientais ainda pre-servados do litoral brasileiro onde se implantaramaglomerados urbanos.

Seja pela sua história, que deixou marcas pro-fundas na cultura brasileira e em particular na baiana,seja pela exuberância de paisagem em seus recan-tos ou pelo potencial pesqueiro que existe em suasporções estuarinas. A Baía, longe de ser uma áreaprofundamente degradada, ainda é um depositáriode recursos para o desenvolvimento dessa parteespecial da Região Metropolitana de Salvador.

Obviamente que existem focos pontuais de riscoambiental, como na sua parte norte e nordeste, ondese encontram o complexo petrolífero e o complexoindustrial do CIA e também nas franjas que tangen-ciam as cidades e vilarejos.

Esses focos, no entanto, não inviabilizam de ime-diato o disparo de um grande projeto metropolitanopara que a Baía de Todos os Santos possa retomara importância que teve na construção da economiae na cultura do povo brasileiro.

A Baía pode ser entendida como um grande com-plexo estuarino que recebe contribuições significati-vas de rios do porte do Paraguaçu, Subaé, Jaguaripe,e da Dona. Isso, sem se falar dos inúmeros tributáriosde menor porte que deságuam no seu interior.

Pela porção leste, a Baía banha a cidade do Sal-vador, que define uma área especial onde existe omaior aglomerado urbano de todo o sistema. A nor-deste, fica outro complexo interno formado pela Baía

de Aratu e Ilha de Maré, onde ainda se pode con-templar uma paisagem híbrida formada pela silhue-ta da indústria em contraste com um dos recantosmais bucólicos de toda a área, que é a Enseada doCaboto, que pouco deve ter mudado desde os pri-meiros olhares dos nossos antepassados, morado-res dos antigos engenhos, sejam os senhores, sejamos escravos.

Mais ao norte, a paisagem muda drasticamente,devido ao enorme complexo de refino e transladode petróleo, com suas chaminés competindo emforma e função com as antigas palmeiras trazidasnos tempos do Império.

Não é também difícil de se ver o contraste des-proporcional de uma canoa com vela de traquetesingrando ao lado de um enorme petroleiro, que apóster navegado pelo Golfo Pérsico, Oceano Índico eAtlântico, vem vender o seu óleo para as refinariasda Petrobrás.

A noroeste ficam São Francisco do Conde e seupovoado, São Bento das Lajes (aquele da EscolaAgronômica em ruínas), São Brás, Acupe (distritode Santo Amaro), Saubara e seus distritos, Cabuçue Bom Jesus dos Pobres e a magnífica enseada deMontecristo.

Todas exuberantes – algumas, ancoradas notempo, com as construções coloniais em ruínas, eoutras, pululantes de veranistas e freqüentadoresde fins de semana, mas maltratadas por uma urba-nização inconseqüente e precipitada. No entanto,continuam todas lindas, não conseguiram ainda des-truir as suas almas.

A gestão da

Baía de Todos os Santos

Ronan R. C. de Brito*

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.98-100 Setembro 2001 99

A oeste, a Barra e São Roque do Paraguaçu(distritos de Maragopige), São Francisco e Santia-go do Iguape (distrito de Cachoeira), com seus mo-numentos magníficos e suas deliciosas moquecasde ostras.

Mais acima do rio, vem a sede de Maragojipe,recostado confortavelmente no lagamar do Iguape,com seus charutos de torcida, as mantinhas de car-ne de porco defumada e os poucos saveiros de velade içar que sobraram.

Mais acima ainda, Coqueiros eNagé (distritos de Maragogipe) e assedes municipais de Cachoeira eSão Félix.

Saindo do Rio para sudoeste,encontramos Conceição de Salinas,o município de Salinas da Margari-da; Encarnação, Pirajuía, Cações,Mutá e todos os vilarejos da con-tracosta da Ilha de Itaparica até che-gar em Jeribatuba, Catu e, finalmen-te, em Cacha-Pregos.

Toda uma região belíssima, ricaem manguezais, pores-de-sol, pes-cadores, marisqueiras, mangas, ca-jus, munzuás, camboas, canoas, sururus, papa-fu-mos, unhas-de-moça, preguaris, tainhas, robalos,mulatas, mulatos, brancos-quase-mulatos e mula-tos-quase-brancos.

E Itaparica? Com os veranistas sentados em ca-deiras de lona, conversando na porta das casas en-quanto o vento fresco sopra ao longo do Boulevard?

E o lado oceânico da Ilha? Mar Grande, Amorei-ras, Barra do Pote, Barra do Gil, e todas as outrasinúmeras enseadas que se sucedem em curvas emais curvas, já pintadas no início do século passadopelos mestres impressionistas Presciliano Silva,Valença, Mendonça Filho e, posteriormente, DiógenesRebouças, e nunca mais retratadas com tanto vigore emoção?

É o Recôncavo! Vivo! Que ainda se vê genero-so e polimorfo nos desembarques e vai-e-vens doFerry Boat, com as mulheres carregadas de maris-cos equilibrando os isopores nas cabeças, os ca-boclos de calças vincadas, chapéus de feltro preto,os balaios de manga, as alfaces, as cebolinhas, ocoentro, a salsa, os bolos de puba e os mingausde milho e tapioca.

Agora, o que fazer com tudo isso? A quem cabecuidar de todas estas belezas e de todo este povo?

Terá o Governo do Estado o fôlego suficiente paracompreender essa diversidade de gente, plantas ebichos? Terão os municípios da borda da Baía au-toridade para, juntos, edificarem um plano maior?Para que, ao mesmo tempo, se desenvolvam e res-gatem os seus valores culturais, preservando o am-biente riquíssimo que ainda está preservado?

Ou estaremos testemunhando, mais uma vez, achegada inexorável do capital con-centrador de riquezas que investi-ga, debulha, privatiza, transforman-do paraísos naturais em resortssofisticados e marinas particulares,onde o homem simples do Recôn-cavo, vendendo beijus de goma epamonhas em palhas de bananasserá mais uma parte do cenário aser fotografado pelos turistas?

Certamente que isso não é o queo Recôncavo precisa.

O que é preciso na Baía de To-dos os Santos sim, é um grandeProjeto Metropolitano, corajoso, que

considere todos esses aspectos da cultura e do am-biente e que reanime a economia regional sem ainconseqüência de apostar no turismo de elite comoúnica solução salvadora.

O potencial náutico e turístico da Baía é inques-tionável; contudo, é preciso que limpemos as lentesembaçadas dos nossos óculos para podermos en-xergar que ali também vive um povo que certamen-te continuará sem grandes perspectivas, mesmocom a chegada de um turismo classe A. Continua-rão sempre empregados dos hoteleiros, ganhandouns míseros salários mínimos para arrumar os quar-tos dos hotéis de luxo ou vendendo bugigangas nasruas de Itaparica ou Cachoeira.

Onde estão os planos de desenvolvimento pararevigorar os estuários do Jaguaripe, Paraguaçu eSubaé? Onde andam os programas de assentamen-to nas imensas áreas marginais ao longo dessesrios para produzirem bens agrícolas concentradosem cooperativas de alta tecnologia produtiva?

E a maricultura sustentável e cooperativada, paradistribuir riquezas para as vilas de pescadores ao in-vés de privilegiar uns poucos investidores capitalistas?

O que é preciso naBaía de Todos os Santos

é um grande ProjetoMetropolitano, corajoso,

que considere todosesses aspectos da

cultura e do ambientee que reanime a

economia regionalsem a inconseqüênciade apostar no turismo

de elite como únicasolução salvadora.

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100 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.98-100 Setembro 2001

Onde andam os programas para a revitalizaçãodo tráfego de mercadorias pela Baía de Todos osSantos, para conduzir esses produtos para umagrande Feira do Recôncavo, que poderia ser im-plantada no Subúrbio Ferroviário de Salvador eabastecer essa parte da cidade onde reside a mai-oria da população, que tanto insistimos em não re-conhecer?

Onde andam os programas para o desenvolvi-mento de modernas tecnologias de construção na-val, usando madeiras estruturadasde reflorestamentos energéticos,para resgatar esta tradição secularem todo o Recôncavo e asseguraro transporte de cargas a baixíssi-mo custo, preservando a madeiraque ainda resta sem a fantasia dequerer ressuscitar o velho saveironos seus moldes construtivos tra-dicionais?

E cadê o Museu do Saveiro, quedeveria ser criado para, aí sim, pre-servar a sua memória construtiva,para daqui a 40 anos, quando asmatas do Recôncavo forem recupe-radas, podermos novamente navegar nas lanchasrabos-de-peixe, nos traquetes e nos paneirinhos deEncarnação?

E o programa de revitalização do Comércio deSalvador, limpando da face da terra, para sempre,os antiquados e obsoletos armazéns para descorti-nar ao povo um dos cenários mais espetacularesde toda a cidade? Criando na Av. da França umagrande promenade sem obstruções construtivas pelolado do mar, entre a Praça Cairu e o atual depósitode containers, que poderia, este, dar lugar ao Me-

morial do Recôncavo com centros de exposição econferências, bibliotecas, anfiteatros, Museu doSaveiro e tudo o que trouxesse para as novas gera-ções a memória cultural desta região?

Foi criada recentemente a APA da Baía de To-dos os Santos, unidade de conservação que tem afinalidade de ordenar o uso dos recursos ambien-tais de toda a área. Atitude correta.

Essa APA, no entanto, poderá vir a ser gerencia-da por uma organização não-governamental, pro-

cedimento adotado pelo Governodo Estado, para amplificar o seu po-der de fiscalização e monitoramen-to do Plano de Manejo.

Sendo assim, é preciso dar visi-bilidade a todo o processo. Quemgerencia uma APA, tem acesso atodas as informações, sejam elasde caráter ecológico, econômico,social ou cultural. A sociedade pre-cisa estar também a par dessas in-formações para poder opinar sobreos planos e programas – e questio-ná-los – porventura oriundos des-se Plano de Manejo.

A Universidade Federal da Bahia é a maioragremiação de pesquisadores do estado, conten-do certamente o maior acervo de estudos sobre aBaía de Todos os Santos.

É preciso que a UFBA se mobilize para garantirum lugar no Conselho de Gestão da APA da Baíade Todos os Santos. Além de sua função de repas-se de informações para a sociedade, ela teria muitoa colaborar com todo o seu potencial de conheci-mento sobre o assunto.

*Ronan R. C. de Brito é professor do Instituto deBiologia da UFBA na disciplina Administração

de Recursos AmbientaisE-mail: [email protected].

Quem gerencia uma APA,tem acesso a todas as

informações, sejam elasde caráter ecológico,econômico, social oucultural. A sociedade

precisa estar também apar dessas informaçõespara poder opinar sobreos planos e programas

– e questioná-los –porventura oriundos

desse Plano de Manejo.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.101-104 Setembro 2001 101

Turismo: inclusão e desenvolvimento

O turismo está sendo cada vez mais reconheci-do como um setor estratégico para a economia dopaís. O desafio agora é promover uma mudançade patamar quantitativo e qualitativo da posição doBrasil no mercado de turismo nacional e internaci-onal, através de uma mudança no nível de compe-titividade sistêmica da indústria de turismo, em faceda competição entre os inúmeros pólos indutoresdessa atividade existentes em todo o mundo. Sãofatores essenciais para que o país efetue essa tra-jetória:• desempenho qualificado em setores produtivos

para os quais o país e suas lideranças empreen-dedoras têm vocação e oferecem vantagenscompetitivas em relação aos demais países, re-querendo e oportunizando geração de postos detrabalho e renda;

• forte investimento na melhoria do sistema edu-cacional, inclusive por meio da utilização dos re-cursos tecnológicos atualmente disponíveis,oportunizando a todos os brasileiros a aquisiçãode habilidades básicas e a sua preparação parao trabalho em um mundo em mutação, para queexerçam a sua cidadania de forma responsávele consciente;

• atuação convergente e complementar entre asdiferentes representações da sociedade civil or-ganizada e do Estado, para que possam respon-der aos principais desafios feitos à Nação.

O Instituto de Hospitalidade (IH) trabalha com oprincípio de que o conceito de Hospitalidade extra-pola a idéia de calor humano e abrange o conjuntode competências, serviços, infra-estrutura e outrosrecursos destinados a receber bem turistas e visi-tantes, acolhendo com satisfação e servindo comexcelência. Para que o Brasil possa atingir os exi-gentes padrões mundiais de excelência, faz-se ne-cessária a superação de dois importantes fatoreslimitativos: a carência de pessoas capacitadas paraprestar a vasta gama de serviços com a qualidadeexigida para servir bem, e a falta de consciência nasociedade em geral sobre a importância do turismopara o desenvolvimento social e econômico. O Ins-tituto foi concebido visando contribuir para a supe-ração desses fatores limitativos, através da promo-ção da educação e da cultura da Hospitalidade e doaprimoramento do setor de turismo, incrementandoa sua contribuição para o desenvolvimento do país.

Certificação da Qualidade Profissional

Pela sua abrangência, a implantação do Siste-ma Brasileiro de Certificação da Qualidade Profissi-onal para o Setor de Turismo tem sido o exemploprático da aplicação de todo o conjunto de concep-ções do Instituto. Trazendo como pauta a alta quali-dade da competência prática dos indivíduos notrabalho, o IH iniciou uma ampla mobilização e, ain-da, articulações com o conjunto dos agentes do se-tor no país. Isto, em si, constitui-se numa mudança

Instituto de Hospitalidade:

certificação da qualidade profissional

para o setor de turismoVânia Almeida*

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102 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.101-104 Setembro 2001

de paradigma: o rompimento do isolamento, quan-do não da indiferença e da inércia, com a constru-ção de uma base sólida de propósitos comuns e deconfiabilidade. Como resultado, o Sistema já vemse caracterizando como um novo componente naEducação Profissional e também no quadro geraldo movimento da qualidade no país, em comple-mento a outros sistemas de certificação.

As ações desse Programa vão ao encontro dospropósitos do Governo Federal de promover umamaior competitividade, o que vem sendo feito peloPrograma Brasileiro de Qualidade e Produtividade(PBQP), que visa à necessária melhoria da qualida-de dos produtos e serviços nacionais ofertados. Re-conhecendo sua importância para esse propósito, oPrograma de Certificação Profissional tornou-se umadas Metas Mobilizadoras Nacionais, aprovada emdezembro de 1999 pelo Comitê Nacional da Quali-dade e Produtividade, formado por Ministros de Es-tado e outros representantes da sociedade, instânciamáxima do PBQP. Em adição, o Programa integra oPlano Plurianual de Ação – Avança Brasil, do Gover-no Federal. Igualmente, o Ministério da Educação,em parceria com o Ministério do Trabalho e Empre-go, escolheu esse projeto como experiência-piloto doseu Programa de Certificação de Competências noEnsino Médio Técnico e Profissional.

Como funciona

O Programa de Certificação da Qualidade Pro-fissional para o Setor de Turismo, liderado nacional-mente pelo Instituto de Hospitalidade, é um sistemaque possibilita avaliar e certificar a competência prá-tica de pessoas no trabalho, criando bases para aelevação do patamar de qualidade e produtividadena prestação de serviços no setor. Construído deforma representativa, o Programa conta hoje com aparticipação voluntária de 136 instituições diretamen-te envolvidas nas diversas etapas do processo, e aparticipação financeira do Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID) através de recursos doFUMIN e do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro ePequena Empresa (SEBRAE). O sistema já dispõede 46 normas de ocupações e quatro normas decompetências específicas.

O sistema de normas e de certificação de profis-sionais tem a característica de ter ampla legitimação.

Profissionais destacados que atuam no mercado sãochamados a dar suas contribuições, de modo a quese estabeleça o melhor e mais adequado padrão dedesempenho reconhecido nas empresas, tendo sidosensibilizadas e mobilizadas 5.750 pessoas dos seg-mentos interessados. Outra peculiaridade do pro-cesso é a consulta pública, da qual já participaramcerca de 17.000 pessoas, através de questionáriosvia e-mail e mala direta, além da participação viainternet, aberta a toda a sociedade.

O processo de construção do sistema consistena elaboração das Normas de Ocupações e Com-petências e Processos de Avaliação que, por suavez, geram as orientações de aprendizagem e osconseqüentes processos específicos de avaliação.Cada uma dessas etapas deve receber a aprova-ção do Conselho Nacional de Certificação, repre-sentado por todos os segmentos que compõem osetor de turismo, o qual legitimou algumas impor-tantes “ferramentas” para melhorar a capacitação dosprofissionais e, conseqüentemente, para elevar aqualidade dos serviços:

Avaliações Diagnósticas – devem anteceder otreinamento ou capacitação e permitem identificarcom precisão as carências do(s) profissional(is). Dãomaior racionalidade, eficiência e direcionamento aosesforços de treinamento pelas empresas e pelas ins-tituições de educação profissional;

Orientações para Aprendizagem – apresentamum guia formativo de cada ocupação, dentro do con-ceito da formação por competência, constituindoimportante instrumento para adequar os conteúdosdos programas de treinamento e de educação pro-fissional, tanto nas empresas como nas escolas;

Cursos de Capacitação de Multiplicadores –permitem a capacitação de instrutores para a disse-minação dos processos de formação e certificaçãopor competência, em sintonia com as Normas Naci-onais, as Orientações para Aprendizagem e os Pro-cessos de Avaliação de profissionais;

Avaliações para Certificação – permitem ava-liar se os profissionais possuem as competênciasdefinidas nas Normas Nacionais, ou seja, se podemreceber o reconhecimento público de que podemexecutar suas atividades com qualidade.

Assim, uma vez definidas as normas, o IH capa-cita multiplicadores e avaliadores para efetuarem acapacitação e a avaliação de profissionais de acor-

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.101-104 Setembro 2001 103

do com as competências evidenciadas pelas nor-mas. Esses multiplicadores (266 treinados no pri-meiro semestre de 2001) não possuem vínculo como Instituto, mas autorização para utilizar as orienta-ções para a aprendizagem desenvolvida pelo IH e,assim, preparar melhor os profissionais para a cer-tificação. A certificação, entretanto, é conferida ex-clusivamente pelo Instituto. Os avaliadores estãohabilitados a aplicar os testes para os candidatos àcertificação em quaisquer das 46 normas de ocupa-ções ou das quatro normas de competências já dis-poníveis no mercado.

Essa rede de multiplicadores e avaliadores a ser-viço da Certificação Profissional no Turismo está emconstrução em todo o país. A competência adquiri-da pelo Instituto de Hospitalidade durante esse pro-cesso o levou a ser convidado a integrar a Comis-são Técnica de Certificação de Pessoas, entidadevinculada à Comissão Oficial do Sistema Brasileirode Certificação, que está sob a coordenação doINMETRO.

Além do benefício evidente aos clientes e à soci-edade em geral pela conscientização da importân-cia econômica e social da atividade turística, osbeneficiário do Programa são:• Profissionais atuantes e novos profissionais do

setor de Turismo nos segmentos de restauran-tes e serviços de alimentação, hotéis e pousa-das, serviços de recreação e entretenimento enegócios relacionados à viagens, pela aferiçãode competências práticas nas várias atividadesdo setor, possibilitando o autodesenvolvimentodos mesmos e ascensão profissional;

• Empresários de todos os portes de negócios e,particularmente, os proprietários de micro e pe-quenos empreendimentos. A certificação de pro-fissionais do setor dentro de padrões de compe-tências serve de parâmetro para ações quebeneficiam a elevação do grau de credibilidadee qualidade das empresas no mercado.

Certificação em Segurança Alimentar

Como parte do Programa de Certificação Profis-sional, o IH coordena também o Programa de Certi-ficação Profissional em Segurança Alimentar, atra-vés de uma parceria com a Fundação Educacionalda Associação Norte-Americana de Restaurantes(NRA-EF), que desenvolveu o sistema denominadoServSafe. Assim, o IH atua no mercado de serviçosde alimentação para a difusão dos conceitos e pro-cedimentos destinados a prevenir a contaminaçãoe as doenças de origem alimentar, transmitindo no-ções essenciais de higiene pessoal, manipulaçãocorreta de alimentos e prevenção da contaminação.Nos cursos, os candidatos à certificação aprendemdesde como comprar, receber e armazenar produ-tos em perfeitas condições até a preparar e servirum prato com segurança.

Os cursos de Segurança Alimentar destinam-sea Supervisores, Instrutores e Manipuladores, e ba-seiam-se em normas internacionais. Preparam oprofissional para a Certificação em Segurança Ali-mentar, conferida pelo Instituto de Hospitalidade coma chancela da NRA-EF, assim como para atenderàs exigências da Agência Nacional de VigilânciaSanitária. Além disso, os instrutores podem partici-par do processo de avaliação do IH e, se aprova-dos, receber um certificado válido por dois anos ereconhecido pelorigoroso Conselho Internacional deSegurança Alimentar (IFSC). No primeiro semestrede 2000, 693 pessoas fizeram os cursos, sendo 374inscritas no de formação de Supervisores em Segu-rança Alimentar, 253 no de Manipuladores e 66 node formação de Instrutores/Multiplicadores.

* Vania Almeida é Assessora de Imprensado Instituto de Hospitalidade.

E-mail: [email protected].

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104 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.101-104 Setembro 2001

NORMAS DE OCUPAÇÕES

Agente de Segurança – Agente de Viagens –Atendente de Reservas – Auditor de meios de hos-pedagem – Barman – Caixa – Camareira ouArrumador – Chefe de Cozinha – Chefe de Re-servas – Churrasqueiro(a) – Comandante de Em-barcação – Commis – Concièrge – Confeiteiro(a)– Padeiro(a) – Coordenador(a) de Eventos –Cozinheiro(a) – Garçon – Gerente de Agência deViagens – Gerente de Alimentos e Bebidas ou Ge-rente de Restaurante – Gerente de Camping – Ge-rente de Governança (ou Governanta) – Gerentede meios de hospedagem – Gerente de Recep-ção – Guia de Turismo – Maître – Mensageiro(a)– Motorista de Veículos de Turismo – MultiplicadorEducacional – Multiplicador Empresarial –Pizzaiolo – Porteiro (ou Capitão Porteiro) –Promotor(a) de Eventos – Recepcionista – Recep-cionista de eventos – Recreador – Reparadorpolivalente – Sommelier - Steward – Supervisorde Recreação – Supervisor de Segurança – Ven-dedor de Produtos para Turista

NORMAS DE COMPETÊNCIAS

Hospitalidade para Profissionais Operacionais– Hospitalidade para Supervisores e Gerentes –Segurança Alimentar para Manipulador que atuaem Estabelecimento de Serviços de Alimenta-ção – Segurança Alimentar para Supervisor queatua em Estabelecimento de Serviços de Alimen-tação

Os interessados nos produtos poderão entrarem contato com o atendimento do Instituto de Hospitali-

dade através de Flávio Leal, pelo telefone: (71) 320-0720ou pelo E-mail: [email protected].

Normas já disponíveisno mercado

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.105-111 Setembro 2001 105

O desenvolver da atividade turística continuasendo um desafio para a sociedade baiana. No mo-mento em que se pretende reformular o papel dosagentes que atuam nesse mercado e, assim, definirnovas estratégias de atuação, três circunstânciasdevem ser priorizadas: aumento na receita, benefi-ciando a iniciativa privada e a arrecadação pública;inserção da população hospedeira, através da me-lhoria na qualidade de vida e valorização das cultu-ras locais; e preservação dos recursos ambientais,principal atrativo dos sítios turísticos estaduais.

Atividade sempre vista sob uma aura de otimis-mo, os elementos culturais e os atrativos da nature-za, objetos expostos visando seduzir os visitantes,muitas vezes serviram à construção da identidadedos baianos. O momento máximo dessa apreensãoaconteceu na última década. A integração da músicaelaborada nas comunidades locais à indústria cul-tural, além de favorecer a emergência da cultura po-pular marcada pela experiência da população afro-descendente, também facilitou a associação docomponente cultural pelo marketing turístico. Apro-veitando-se do fato de os holofotes das mídias es-tarem voltados para essas comunidades, as men-sagens promocionais centraram seu discurso nasingularidade cultural. Segundo Dumet1, “DanielaMercury era o principal ponto de venda da Bahia naEuropa”.

Favorecida por esse e outros fatores, assisti-mos, nos anos 1990, a Bahia retomar a posiçãode destaque como destino turístico no mercadonacional. Além de Salvador, outros sítios espa-

lhados pelo interior passaram a ser referência paraos visitantes em busca de lazer. Porto Seguro ePraia do Forte se tornaram espaços disputados,passando a atrair visitantes e investidores. Entre-tanto, o desenvolver dessas duas localidades tu-rísticas guardam experiências urbanas diferencia-das. Em Porto Seguro, segundo portão de entradada Bahia, a ocupação espacial da sede municipale de outros povoados decorre de atividadescorrelatas ao turismo. Até mesmo o bairro do Bai-anão, tipo de invasão nos padrões que aconte-cem nos grandes centros, resultado do elevadofluxo demográfico registrado no município2, temraízes na oferta de emprego pouco qualificado,comum ao turismo de massa, e no declínio da ati-vidade agrícola, tradicionalmente desenvolvida naregião – cultivo do cacau e extração de madeira.A Praia do Forte apresenta outro estilo de urbani-zação. Povoado litorâneo, pertencente ao muni-cípio de Mata de São João, tem suporte na práti-ca ecológica – preservação de tartarugas – e emum relativo controle no uso do solo. Dessa ma-neira, parte da localidade prestou-se ao assenta-mento de residências voltadas para o público dasclasses A e B, mesmo que restrita aos finais desemana. Outra parcela da área urbana foi ocupa-da pela hotelaria, que, se não é luxuosa, apre-senta um bom padrão de construção. A atuaçãoempresarial do proprietário do Eco Resort Praiado Forte foi decisiva na formatação desse sítio.

Nos últimos anos, novas maneiras de se organi-zar o turismo na Bahia estão sendo apresentadas

O turismo como atividade promotora

do desenvolvimento regional

Carlota Gottschall*

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ao público, caso do complexo hoteleiro Costa deSauípe e do turismo de aventura em Lençóis.

Desde o PLANDEB/593, os planejadores baia-nos, liderados por Rômulo Almeida, viam nessa ati-vidade um importante filão de geração de empregoe de renda para os moradores locais. Para tanto,conforme a concepção predominante na época,acreditava-se que caberia ao Estado liderar o pro-cesso de integração dessa atividade à cadeia eco-nômica prevista para assegurar o desenvolvimentoregional. Afirma-se, nesse docu-mento, ser necessário, “realizarmelhorias das condições urbanísti-cas e definir um programa de fo-mento de uma verdadeira indústriaturística através da atração do tu-rismo nacional e estrangeiro”. As-sim, para a implantação de hotéise restaurantes defendia-se:

Além de incentivar e apoiar as iniciati-

vas de particulares, para construção de

hotéis e restaurantes, em pontos pito-

rescos e dentro das tradições da cozi-

nha baiana, o Estado criará, sempre que

possível, outras facilidades (isenção de

determinados tributos, por exemplo).

Para o interior, prevê-se um programa

de pequenos hotéis e pousos com apoio técnico e financei-

ro do Estado, através do BANFEB e dos municípios.

Tal conceituação se mantém até os dias atuais.Por meio século, o Estado da Bahia, por inter-médio de suas diversas Secretarias, vem cum-prindo o papel de propulsor da atividade turísti-ca. Na década de 1980, as instituições públicaseram, inclusive, responsáveis pela administraçãodos meios de hospedagem, quase sempre doshotéis localizados nas cidades do interior poten-cialmente aptas a exercerem tal atividade. Foiassim em Cachoeira, Lençóis, Rio de Contas,Valença, entre outras. Tal medida fazia parte daestratégia governamental de incentivo ao desen-volvimento do turismo estadual4.

Extrapolando os limites territoriais da Grande Sal-vador, ainda nos anos 1980 outras regiões foramprospectadas como sendo espaços potenciais deexpansão do turismo: Chapada Diamantina (Len-

çóis), Litoral Sul (Valença, Ilhéus e Porto Seguro).As belezas naturais, a cultura exótica, a hospitali-dade e as festividades foram elementos trabalha-dos pelo marketing institucional, visando formataruma imagem que particularizasse o produto turísti-co baiano. Entretanto, apostava-se na qualidade doserviço e na disponibilidade de equipamentos públi-cos e privados, como fatores determinantes para acompetição dos sítios turísticos no mercado. Assimdeclarava-se:

Ao lado da beleza, do mistério e da fanta-

sia, a Bahia dispõe do conforto e da eficiên-

cia de tudo o que há de mais moderno e

eficiente. No interior da paisagem colonial,

há hotéis luxuosos e simples, para atender

a todos. São mais de 14 mil leitos que lhes

abrigam com todo carinho e conforto. Um

completo serviço de restaurante e transpor-

te. Aeroporto internacional, um rápido sis-

tema de locomoção urbana. Escunas para

navegar o mar, barcos para velejar e ferry-

boat para conhecer as ilhas. (...) Assim,

além de um imenso encanto, a Bahia lhe

oferece um completo parque de equipamen-

tos e serviços, para você dispor rápida e

confortavelmente de tudo o que necessitar.

Ao lado do colonial, o moderno. Ao lado da

beleza, a eficiência (Bahiatursa, 1981)5.

A despeito dos esforços despendidos ao longodo tempo, observamos que os diversos pólos quese vêm desenvolvendo no interior da Bahia, assimcomo na sua Capital, ainda comportam desafios quevão desde a oferta eficiente do produto, aí incluin-do-se a formação de pessoal, a melhoria nas condi-ções socioeconômicas e ambientais, assim como aintegração ativa das comunidades hospedeiras, atéa regulamentação da atividade. Tais limites devemser encarados como metas a serem alcançadas vi-sando ampliar o significado regional do turismo.

Nos últimos anos, a política cambial e o incorpo-rar do hábito de viajar a lazer pelos brasileiros favo-receram o crescimento do turismo nacional, sobre-tudo o nordestino. Algumas localidades do interiorda Bahia foram beneficiadas nesse processo. Con-forme já mencionamos, Praia de Forte, no litoral nor-te, e Porto Seguro, no litoral sul, são exemplos bem-

Observamos que osdiversos pólos que se

vêm desenvolvendo nointerior da Bahia, assim

como na sua Capital,ainda comportam

desafios que vão desdea oferta eficiente do

produto até aregulamentação da

atividade. Tais limitesdevem ser encaradoscomo metas a seremalcançadas visando

ampliar o significadoregional do turismo.

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sucedidos dessa experiência. Nos últimos anos, so-bretudo após a inauguração do aeroporto regional,Lençóis vem se conformando como alternativa paraos viajantes que gostam de aventura e apreciam apreservação ambiental. O turismo ecológico encon-tra na Chapada Diamantina um museu natural a céuaberto – cachoeiras, grutas, lagoas, morros, rios –espaços que permitem a pratica de esportes radi-cais e caminhadas. Principalmente visitado pelosbaianos, esse município ainda apresenta uma ofer-ta hoteleira pouco diversificada6.

Outra alternativa recentemente apresentada é ocomplexo hoteleiro Costa do Sauípe. Empreendi-mento inspirado no simulacro do modelo urbano,oferece equipamentos que privilegiam o divertimen-to. Tais complexos de serviços e lazer, os quais têmraízes no modelo de resort, integram o estilo preva-lecente nas redes da hotelaria mundial.

Vizinho à Praia do Forte, o Costa do Sauípe éfavorecido pela vocação referencial do lugar. Tam-bém faz fronteira com o povoado de Sauípe7, per-tencente ao município de Entre Rios8. Tais localidadesintegram a região Costa dos Coqueiros, localizadaao norte de Salvador. Formado por grupos hotelei-ros internacionais – SuperClubs Breezes, o Accor,proprietário do Sofitel Conventions & Resort Costado Sauípe, e a cadeia Marriot com o RenaissanceCosta do Sauípe – tal empreendimento é a marcadefinitiva da entrada em cena do grande capital nomercado turístico local.

Nos últimos anos, Porto Seguro também vemsediando investimentos de grande porte, a despeitoda tradicional organização de seu turismo privilegiaratender grandes fluxos de visitantes a baixos preços,principalmente na região central da sede municipal.Os recursos públicos destinados pelo Programa parao Desenvolvimento do Turismo - PRODETUR9 – emsua primeira fase correspondendo ao valor de US$127.135 milhões10, ao longo da década de 1990 –aplicados na execução de obras de infra-estrutura,preservação do patrimônio histórico e ambiental,contribuíram para atrair o investidor de maior porte.

A descentralização territorial dos novos empre-endimentos demonstra a busca do capital privadopor espaços menos congestionados que os da sedemunicipal para aportar. A valorização do uso do solonas áreas localizadas ao norte, no sentido de SantaCruz Cabrália, e ao sul de Porto Seguro, confirmam

a tendência para a melhor qualificação do produtoturístico regional.

Hotéis com essa característica podem ser en-contrados na localidade de Santo André11, em San-ta Cruz Cabrália, na orla de Porto Seguro ou emArraial D’ Ajuda, a exemplo do Paradise Resort Ho-tel que também disponibiliza outros tipos de equi-pamentos – o Paradise Water Park e o Salão deConvenções12. Mais uma vez, transformado em lo-cal de moda, nos últimos anos, Trancoso assistiu orevoar de uma série de construções residenciais deelevado padrão. Certamente a conclusão dos pro-jetos do Club Mediterranée, segundo resort da redelocalizado na Bahia, e do Outeiro das Brisas, em-preendimento unidomiciliar, irá consagrar definitiva-mente essa localidade em um espaço de consumosofisticado.

A tabela a seguir demonstra a distribuição dosinvestimentos na hotelaria na Costa do Descobri-mento.

1alebaTmegadepsohedsoieM

otnemirbocseDodatsoCan1002-1991

sedadilacoL s´HU sotieLotnemitsevnI

)$SUlim(HU/potsuC)$SUlim(

érdnAotnaS 57 781 862.51 402

-ailárbaC.C.Sedes

607 051.2 453.41 02

ahlemreVaoroC 431 024 007.3 82

alro-orugeSotroP 039.2 570.8 499.08 82

-orugeSotroPortnec

654.1 764.4 176.33 32

osocnarT 86 122 030.1 51

adujA´dlaiarrA 059 031.3 602.55 85

LATOT 753.6 237.81 979.952 14

.1002,arutluCeomsiruTedairaterceS:etnoF

Tais empreendimentos, no entanto, muito dificil-mente irão anular a condição quantitativa em que oturismo se organizou em Porto Seguro. Tudo indicaque, ao lado do turismo de massa, irão florescer al-gumas “ilhas” de conforto e sofisticação. Tal situa-ção aponta para a tendência a diversificação doproduto turístico na Costa do Descobrimento. Ape-sar de estarem menos isolados das comunidadeslocais que o Complexo Costa do Sauípe, muito difi-cilmente esses visitantes terão oportunidade de seaproximar da vida cotidiana dos moradores de Por-to Seguro.

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Perfil dos turistas que visitam a Bahia

De maneira geral, o perfil dos visitantes que op-tam por vir à Bahia é semelhante. Mesmo quandofocalizamos nossa atenção nos hóspedes da Costado Sauípe, tal similaridade pode ser identificada.

Segundo nos informam as pesquisas aplicadaspela Bahiatursa13, os turistas que buscam divertimen-to nas localidades em questão são quase semprebrasileiros. Os paulistas aparecem como os princi-pais admiradores dos encantos na-turais e da hospitalidade baiana,atributos que até então marcam aimagem referencial da Bahia. Taisvisitantes apresentam especial pre-dileção pelas praias do Litoral Norte– Praia do Forte (40%) e Costa doSauípe (42%) – e, em menor quanti-dade, também se fazem presentesem Porto Seguro (22%) e Lençóis(18%). Em segundo lugar, aparecemos soteropolitanos. A facilidade dedeslocamento e o menor custo deviagem certamente influenciam nes-sa tomada de decisão. Dentre es-sas localidades, Lençóis (42%) aparece como o sítiomais visitado pelos baianos de Salvador e outrascidades, sobretudo de Feira de Santana.

A Praia do Forte é o sítio mais procurado entreos estrangeiros europeus (15,2%), havendo desta-que para ingleses e franceses. Certamente a pre-sença desses visitantes influencia no fato de essalocalidade registrar o gasto médio individual maiselevado (US$ 94,4)14, chegando mesmo a superaro dispêndio referido no Costa do Sauípe (US$ 59,0).A alternativa all service disponibilizada por algunshotéis no Complexo e a maior diversidade na ofertade comércio e serviços em Praia do Forte, circuns-tância que compele o visitante a ampliar seu consu-mo, justificam tal resultado pontual.

Em contraponto, aparece Porto Seguro. Nessemunicípio, o gasto médio individual aferido foi US$16,31. Inserido na lógica do turismo de massa vol-tado para a competição com base no menor preço,esse sítio atrai muitos visitantes mineiros (25%) epaulistas (22%). Dentre os estrangeiros, os argenti-nos representam quase que a totalidades dessa ca-tegoria de freqüentadores. Entretanto, mudanças

identificadas no indicador de renda dos visitantesdesse município apontam para a possibilidade de atra-ção de turistas de maior poder aquisitivo. Se, em 1993,a maioria dos entrevistados (82%) declarava recebermenos de US$ 2000 ao mês, em 2001, dentre osconsultados, cerca de 52% disseram possuir rendi-mento superior a US$ 2000.

Como era de se esperar, o palco predileto dosvisitantes abastados é o Costa do Sauípe. Dentreos consumidores que se fizeram presentes no ve-

rão de 2001, o rendimento médioidentificado foi de US$ 10 mil. EmPraia do Forte, 36% dos entrevis-tados disseram possuir um rendi-mento superior a US$ 2000. Otempo de permanência média nes-ses dois locais é de cinco dias equase todos os visitantes se hos-pedam em hotéis ou pousadasclassificados.

De maneira geral, o turista quese dirige a esses sítios está na fai-xa de trinta anos e, quase sempre,tem escolaridade superior. Existeuma relativa paridade na incidên-

cia de empregados do setor publico e do setor pri-vado. Em Costa do Sauípe a presença de empresá-rios e empregados da iniciativa privada é maisexpressiva. Tais visitantes viajam quase sempre apasseio e em companhia da família. Apenas emPorto Seguro podemos observar a presença signifi-cativa de excursões (40,2%).

Conclusão

A entrada em cena dos grandes investidores in-ternacionais coincide com a intenção dos gestorespúblicos de elaborar novas estratégias de atuaçãopara os agentes envolvidos com o turismo e a cultu-ra na Bahia. Quando se coloca na mesa a redefini-ção do papel das instituições públicas relativamen-te à organização do turismo e da cultura, acreditamosser de fundamental importância, primeiro, ampliar odebate sobre a estratégia proposta, principalmenteentre os formadores de opinião e agentes da Co-munidade que, de alguma maneira, estejam pen-sando e/ou atuando nesse setor que atinge umamplo espectro social. Segundo, buscar mecanis-

Ampliar, diversificar eprofissionalizar negóciosque induzam a formação

de cadeias produtivasvoltadas para atender aomercado turístico é uma

possibilidade quepoderá desencadearo desenvolvimentoregional e, assim,

integrar ativamente ascomunidades locais, aogerar emprego e renda.

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mos que possibilitem a maior integração das comu-nidades locais ao turismo, visando acelerar o pro-cesso de desenvolvimento regional.

Após meio século de investimentos públicos nomercado turístico, observamos que as comunidadeslocais tiveram, de fato, poucos benefícios. Os pos-tos de trabalho criados, quase sempre pouco quali-ficados e com parco vínculo empregatício, não sig-nificaram melhorias reais na qualidade de vida dostrabalhadores. Podemos também constatar que, adespeito das ações isoladas dos agentes públicos15,não houve medidas decisivas no sentido de profis-sionalizar e aprofundar o conhecimento tecnológicodas comunidades locais em suas áreas vocacionais,o que poderia contribuir para integrar a cultura aoturismo.

Ampliar os beneficiários da atividade turística éhoje uma meta a ser alcançada. A presença diversi-ficada de empresários atuando em segmentos di-versos, a criação de oportunidades que sejamcapazes de aumentar o gasto médio individual dosvisitantes e o tempo de permanência nos sítios, seassociados à integração ativa das comunidades lo-cais, poderão significar uma mudança na condiçãosocioeconômica do Estado da Bahia.

A integração ativa das comunidades poderá de-correr do desenvolvimento de atividades correlatasao turismo propriamente dito, já que este, em si, ape-sar das limitações em trazer benefícios significativosao coletivo no encaminhar de suas atividades dire-tas, a exemplo do salário médio pago às ocupaçõesmais empregadoras, favorece um enorme irradiar denovas demandas sociais (ver Box).

A segmentação do mercado turístico associadoao consumo de uma clientela mais sofisticada, porexemplo, estará ampliando o mercado consumidor,principalmente para o segmento agroindustrial. Am-pliar, diversificar e profissionalizar negócios que in-duzam a formação de cadeias produtivas voltadaspara atender ao mercado turístico é uma possibili-dade que poderá desencadear o desenvolvimentoregional e, assim, integrar ativamente as comunida-des locais, ao gerar emprego e renda.

A aplicação de investimento público em infra-es-trutura urbana, conservação ambiental e histórica,aque assistimos no último período, tem sido um im-portante passo no sentido de imprimirem-se melhori-as às condições de vida da população residente em

localidades turísticas. A resposta obtida em PortoSeguro é um bom referencial dessa experiência. Al-guns indicadores, a exemplo do consumo de energiaelétrica18, demonstram a resposta de uma deman-da reprimida existente nessa localidade. Entretan-to, ações na perspectiva de se inserir o turismo comoatividade promotora do desenvolvimento regionaltêm sido tímidas. Tanto a atuação dos agentes pú-blicos, enquanto desencadeadores e reguladoresdesses processos, quanto as ações da iniciativa pri-vada ou das associações cooperativas têm sidopouco incisivas nesse sentido.

Acreditamos ser fundamental ousar-se para alémdos conceitos que permeiam as ações que vêm sus-tentando as práticas do turismo na Bahia. Não po-demos continuar acreditando, tal como ocorria nofinal dos anos 1950, que a atração do capital hote-leiro de grande porte e as melhorias urbanas sãocondições necessárias e suficientes para que o tu-rismo amplie sua participação na geração de rique-zas para o estado19 e promova a geração de postosde trabalho de qualidade e renda para a populaçãolocal. Esse modelo tem que ser flexibilizado.

Notas

1 Entrevista concedida por Eliana Dumet, presidente da EMTUR-SA – Prefeitura Municipal de Salvador, a Carlota Gottschallem 1999.

2 Em 1980, período que antecede a oferta de turismo, a popu-lação de Porto Seguro, exclusive Eunápolis, foi estimada em14.419 habitantes. Em 1991, segundo o Censo IBGE, haviam34.661 habitantes. O Censo 2000 registrou 95.665 habitan-tes. Entre 1991/00 houve um crescimento de 11,94% a.a.nesse município.

3 Plano de Desenvolvimento da Bahia (PLANDEB, 1960/63).Documento elaborado pelas Secretarias de Estado e pela Co-missão de Planejamento Econômico sob a supervisão doentão governador Juracy Magalhães, publicado em 1959.

4 Ver artigo “A Evolução do Sistema Institucional Público doTurismo Baiano” de autoria de Lúcia A. Queiroz publicadonesta edição.

5 Folder promocional denominado – BAHIA: a Terra da Felicidade.

6 Considerando-se os hotéis classificados de maior porte, pode-mos citar: Portal Lençóis, Canto das Águas e Hotel do Parque.

7 Ver artigo “Instituto de Hospitalidade: certificação da qualida-de profissional para o setor de turismo”, de Vânia Almeida,publicado nesta edição.

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8 Tanto Praia do Forte quanto Costa do Sauípe pertencem aomunicípio de Mata de São João.

9 Recursos destinados pelo Banco Americano de Desenvolvi-mento – BID, através do BNB, para aplicação em obra de infra-estrutura urbana e ambiental na região Nordeste. Ver artigos“O turismo como fator de desenvolvimento socioeconômico daCosta do Descobrimento – Bahia-Brasil” e “Gestão participati-va para um turismo sustentável: o caso da Costa do Descobri-mento” nesta edição.

10 Dados da Secretaria de Cultura e Turismo, 2001. Esse valorcorresponde aos investimentos realizados no período de 1991-2000.

11 Estamos nos referindo ao Hotel Toca do Marlin.

12 O investimento total aplicado no complexo Paradise foi deUS$ 33.862 mil. Destes, US$ 10.000 mil foram aplicados naconstrução de 172 U.Hs.

13 Foram consultadas as seguintes publicações: Pesquisa deDemanda Turística de Porto Seguro, jan./01; Pesquisa de De-manda Turística de Praia do Forte, jul. /2000; Pesquisa deDemanda Turística do Complexo de Sauípe, jan./01; Pesqui-sa de Demanda Turística de Lençóis/01. Todas essas publi-cações são de responsabilidade da Bahiatursa/Secretaria deCultura e Turismo do Governo do Estado da Bahia.

14 Valor do dólar, cotado em de janeiro 2001.

15 Dólar cotado em janeiro de 2001.

16 Idem.

17 SEBRAE, SENAI, Instituto Mauá, Secretaria de Turismo e Cul-tura, dentre outros.

18 Entre 1996-2000 o consumo de energia elétrica em Porto Se-guro passou de 65.137mw/h para 109.747mw/h.

19 Atualmente o setor de turismo responde por cerca de 3% doPIB estadual.

*Carlota Gottschall é economista e mestre emComunicação e Cultura Contemporânea/Facom/UFBA,

editora da Revista Bahia Análise & Dadose professora do Curso de Comunicação da UCSAL.

E-mail: [email protected].

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.105-111 Setembro 2001 111

Para o Instituto da Hospitalidade (2001)1,“nem sempre a definição do que é uma atividade voltada para o turismo é uma tare-

fa fácil. No caso de hotéis e pousadas, agênciasde viagem e empresas de turismo, não resta dúvi-da de que se dirigem basicamente para o turismo.Bares e restaurantes, entretenimento, lazer etransportes possuem abrangências mais ampla.Contudo, a importância desses segmentos para oturismo é clara”. Tanto que são considerados nocálculo das Contas Satélites do turismo pela Orga-nização Mundial do Turismo – OMT.

O estudo apresentado pelo IH relativo ao perfildos trabalhadores ocupados em turismo e seuscorrelatos no Brasil apresenta algumas das prin-cipais características desse mercado segundo asparticularidades regionais, contribuindo assim paraampliar a compreensão desse setor que é tão di-versificado e complexo. Segundo esse relatório,na Bahia foram 303.393 os ocupados em ativida-des de turismo e correlatas em 1999, o que repre-sentou 5,2% do total de empregados em todas asatividades da economia estadual. A RMS foi a prin-cipal região empregadora, absorvendo 123.113 tra-balhadores (40,6%). A tabela a seguir demonstraa distribuição dos empregos turísticos.

Distribuição de ocupados, segundo setor de ati-vidades.

de oito anos, sendo significativa a participação da-queles que possuem até três anos de estudo(30%). Dentre os trabalhadores que apresentam12 anos ou mais de estudo encontram-se tão-so-mente 3% dos ocupados.

Os empreendimentos de lazer e de entreteni-mento, agências de viagem e setor de transportesempregam os profissionais mais qualificados emelhor remunerados. Hotéis, pousadas, bares erestaurantes agrupam a maior parcela dos ocupa-dos que recebem até dois SM. Nos pólos turísticosdo interior da Bahia, 80% dos hotéis e pousadaspagam tal remuneração e agregam trabalhadorescom menor tempo de estudo. Nas pousadas, é co-mum a instituição de relações trabalhistas que seassemelham ao trabalho doméstico. De maneirageral, as pessoas ocupadas em atividades turísti-cas no estado recebem, em sua maioria, até cincoSM (79%); acima de dez SM estão registrados ape-nas 3% dos trabalhadores. No caso da hotelaria,4,1% recebem mais de 20 SM.

No Brasil, “duas ocupações destacam-se no se-tor de hotéis e pousadas: arrumadeiras/camareirase recepcionistas. As duas têm peso semelhante e,somadas, representam um terço do pessoal ocupa-do. Diretores, gerentes e administradores têm umaimportância relativamente elevada, chegando a7,4%”. Quanto “aos bares e restaurantes, a estrutu-ra operacional é relativamente simples. Mais de 40%é composta pelos próprios donos e sócios que tra-balham no negócio”. Também nos segmentos delazer, entretenimento e agências de viagem, a parti-cipação dos donos do negócio é elevada. Já no se-tor de transportes, “mais da metade dos ocupadosé representada por motoristas e taxistas (55%)”2.

Notas

1 INSTITUTO DA HOSPITALIDADE. Perfil dos profissionaisno mercado de trabalho do setor de turismo no Brasil: pes-quisa. Salvador: Instituto da Hospitalidade, 2001.

2 PNAD/IH.

2alebaT,sodapucoedoãçiubirtsiD

sedadivitaedrotesodnuges9991,aihaB-etsedroN

sedadivitA )%(etsedroN )%(aihaB )%(SMR

sadasuoPesiétoH 1,6 8,8 5,7

setnaruatseReseraB 3,45 0,25 3,84

erezaLotneminetertnE

3,7 9,6 2,8

snegaiVedaicnêgA 5,1 5,2 0,4

setropsnarT 7,03 7,92 0,23

edadilatipsoHadotutitsnI:olucláC.9991,DANP:etnoF

Mercado de trabalhoem turismo

Conforme nos informa o IH, na Bahia, a médiade estudos das pessoas ocupadas em turismo é

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112 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.112-117 Setembro 2001

O produto turístico vendido na Costa dos Coquei-ros1 – Mata de São João – e na Costa do Descobri-mento – Porto Seguro – tem como mola mestra, emprimeira instância, os recursos naturais, tanto pelosatributos que lhes são inerentes como por aquelesque lhes são agregados pela indústria turística eassimilados pelos turistas, associados a fatores so-ciais, econômicos e culturais. Esse princípio é de-fendido por Nicolas (1996: 44), quando diz que oespaço turístico é (re)criado como objeto de consu-mo, inclusive pelo seu valor simbólico.

Assim, esses destinos turísticos foram (re)criados,segundo suas peculiaridades, para atender a clientesdiferenciados, dado que o turismo é a única atividadehumana que faz uso da natureza, no sentido de des-frutar tanto da beleza da paisagem como as condi-ções que o ambiente oferece, a exemplo do clima,recursos hídricos e relevo, para citar alguns exemplos.

A costa ocupada economicamente a partir do sé-culo XVI, passou por diferentes ciclos econômicosque deixaram marcas na história dos homens e danatureza, dando origem à paisagem atual. Esta, porlongo tempo repousou em estado quase letárgico,para, com base nessa herança visível, ressuscitarpara o turismo e para os turistas, na década de 1980.

Turismo e recursos naturais

Em Mata de São João, no Complexo Costa doSauípe, a herança acima referida parece não fazero menor sentido. Criou-se um não-lugar2, um con-junto formado por hotéis, pousadas e resorts, um

autêntico pot-pourri de cenários, uma verdadeiracidade cenográfica, para atrair, seletivamente, umapequena parcela da população de alto poder aqui-sitivo (Gottschall, 2000).

Esse tipo de empreendimento coloca-se de for-ma independente do seu próprio entorno, na medidaem que foi concebido, em nível internacional, comoauto-sustentável. Nessas circunstâncias, o turistanão sente necessidade de manter qualquer tipo decontato com o ambiente externo.

Nas dependências dessa cidade criada, circula-se com absoluta segurança, longe de qualquer tipode assédio ou de imprevisto. Tudo foi rigorosamen-te planejado. Nesse contexto, o turista sai de sua ci-dade ou de seu país e, qualquer que seja o seu destino,tudo se repete. Como num passe de mágica,

a indústria do turismo transforma tudo o que toca em artifici-

al, cria um mundo fictício e mistificado de lazer ilusório, onde

o espaço se transforma em cenário para o espetáculo para

uma multidão amorfa, mediante a criação de uma série de

atividades que conduzem à passividade, produzindo apenas

a ilusão de evasão, e, desse modo, o real é metamorfoseado,

transfigurado, para seduzir e fascinar (Carlos, 1996:26).

É importante salientar que, apesar de tudo, noprocesso de venda e de consumo do produto turísti-co, os recursos naturais, representados na paisa-gem recebem um tratamento especial. Comoestratégia de marketing, é comum destacar a exis-tência e o uso da natureza preservada, quando nãointacta, praias desertas ou praias selvagens.

O recurso natural

como produto turístico

Conceição Cunha*

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.112-117 Setembro 2001 113

Atualmente, em Porto Seguro e proximidades, oturismo avança em duas direções principais: turis-mo de massa e turismo seletivo.

O turismo de massa inicia-se, timidamente, na dé-cada de 1980, e explode a partir de 1990, (re)criandoo ambiente natural e construído, numa atmosfera deencantamento paradisíaco. Já o turismo seletivo, en-contra-se em processo de afirmação, instalando-se,preferencialmente, em áreas protegidas com incenti-vos do Programa para o Desenvolvimento do Turismodo Nordeste (PRODETUR - NE),apostando em uma forma de turismomenos agressivo e em bases susten-táveis. Com isso espera-se garantira integridade física dos recursos na-turais, no tempo e no espaço.

Conservação e preservação:unidades de conservação

O modelo de áreas protegidasnasce em meados do século XIX,nos Estados Unidos, com a criaçãodo Parque de Yellowstone, e ganha adeptos no mun-do inteiro, inclusive no Brasil. Analisada sob esseângulo, teoricamente, a natureza é vista sob doisângulos: conservação e preservação.

No modelo conservacionista estavam embutidospressupostos de uso racional, imaginando-se o be-nefício da maioria no presente e no futuro. Em oposi-ção, os preservacionistas difundiam a reverência ànatureza, pura e simplesmente (Diegues, 1996: 31).

Exageros à parte, reconhece-se tanto a necessi-dade de conservar como de preservar. O fato é queessas idéias custaram um pouco a aportar entre nós,e assim a primeira manifestação oficial, em solo bra-sileiro, só veio a dar-se em 1937, com a criação doParque Nacional de Itatiaia/RJ. A experiência naBahia só veio a ocorrer por iniciativa do Estado, em1959, com o Parque Zoobotânico Getúlio Vargas,em Salvador. Em 1961, coube ao Governo Federaldar outro passo, criando o Parque Nacional de MontePascoal.

Vários fatores têm contribuído para o aumentoda preocupação quanto à proteção da natureza e,dentre eles, citam-se o processo acelerado de de-terioração/destruição dos recursos naturais e a per-da de diversidade biológica que, direta e indireta-

mente, repercutem na qualidade de vida dos cida-dãos e do produto turístico a ser comercializado.

A despeito do atraso para dar início ao processode conservação/preservação na Bahia, constata-seum certo avanço a partir da década de 1970. Nosanos 1980 contava-se com 14 Unidades de Con-servação (UCs); em 1990 elas eram 28 e, no ano2000, já eram quase 100, admitindo-se que aque-las cujo processo de criação encontrava-se emtramitação, tenham sido aprovadas. No conjunto,

duas categorias cresceram maisque outras, justamente por serempermissivas no que tange ao usoracional dos recursos naturais: Re-serva Particular do Patrimônio Na-tural (RPPN) e Área de ProteçãoAmbiental (APA). Em média, foramcriadas 4,0 RPPN/ano e 2,3 APAs/ano, contra 0,6 reservas/ano e 0,5parques/ano. As demais, juntas,perfazem um total de 0,3/ano.

Partindo-se do pressuposto deque o objetivo é proteger a nature-

za para garantir índices desejáveis de biodiversidade,os diversos biomas3 deviam ser alvo dessa medida.Na prática, não é bem isso que acontece, haja vistao cartograma 01, que revela a preferência pelo biomaMata Atlântica e ecossistemas associados que acom-panham a faixa litorânea, em detrimento da caatin-ga, localizada mais para o interior, no centro do esta-do, e do cerrado, que ocupa grande área em terraslimítrofes aos estados de Goiás e Tocantins.

Em relação às categorias de uso, as UCs estãosujeitas a restrições. As unidades classificadas comode Proteção Integral4, de uso indireto e, por isso,mais restritivas, têm como objetivo preservar a na-tureza, sendo aí proibidas atividades referentes aconsumo, coleta, dano ou destruição dos recursosnaturais. Visitas e pesquisas são permitidas, desdeque programadas. Já aquelas de Uso Sustentável5,de uso direto, como a própria denominação sugere,visam compatibilizar a conservação da natureza como uso sustentável dos recursos naturais.

Há que se destacar que o crescimento do núme-ro de UCs é significativo, embora ainda seja relati-vamente pequeno se considerando a área total doEstado. Contudo, pergunta-se – o que está aconte-cendo?

Nos anos 1980 contava-secom 14 Unidades deConservação (UCs);

em 1990 elas eram 28e, no ano 2000, já eram

quase 100, admitindo-seque aquelas cujo

processo de criaçãoencontrava-se em

tramitação, tenhamsido aprovadas.

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114 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.112-117 Setembro 2001

Enquête de opinião elaborada pela FundaçãoOnda Azul – Projeto Vetor Norte6 revela que partedos entrevistados tem uma concepção muito claraa respeito da Costa dos Coqueiros – região privile-giada pela exuberância da natureza e apropriadapara residência, lazer e turismo, longe do agito ur-bano. Conscientes de suas fragilidades, entendemque esses valores devem ser “preservados e bemusufruídos”.

Queixam-se e, com razão, da pouca participa-ção no que tange às decisões tomadas pelo gover-no ou por investidores; da carência de infra-estrutu-ra física e social, principalmente em relação à saúde,educação e segurança e da privatização de praias,em razão de empreendimentos que impedem o di-reito de ir e vir da população. Constatam ainda queexiste conflito em face do jogo de interesse dos di-ferentes atores sociais, presentes em sete municí-

pios integrados pelo siste-ma rodoviário Estrada doCoco/Linha Verde (Laurode Freitas, Camaçari, Matade São João, Entre Rios,Esplanada, Conde e Jan-daíra); além disso, ressen-tem-se da descompensa-ção entre o nível de vidada população nativa, secomparado com o dos re-sidentes de condomíniosfechados, veranistas, visi-tantes e turistas formais.

A APA do Litoral Norte7

compreende os municípiosde Mata de São João, En-tre Rios, Esplanada, Con-de e Jandaíra e encontra-se inserida, totalmente, naárea que está sendo traba-lhada pelo Projeto VetorNorte. Seu plano de mane-jo que vem servindo comoreferencial para outrasAPAs, criadas, posterior-mente, aborda estas e ou-tras questões e estabele-ceu fundamentos básicose metas com atribuições

definidas quanto ao setor público (municipal, esta-dual, federal), privado e comunitário, conforme des-crição a seguir.

Fundamentos básicos:

a) admitir limites e critérios precisos para o desen-volvimento de qualquer ação ou atividade na área,incentivando uma outra visão de contabilidadeambiental;

b) imprimir a esse Plano um caráter de atividadepermanente, exigindo capacitação técnica deequipes de órgãos de planejamento municipal eenvolvimento político da sociedade;

c) montar uma engenharia institucional capaz deefetuar a divisão do trabalho, evitando o predo-mínio de um perspectiva técnica especificada, es-tabelecendo mecanismos institucionais comuns

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.112-117 Setembro 2001 115

e não paralelos e delimitando os âmbitos de açãopública, privada e comunitária.

Metas ambientais e programa de ação envolvendo:

d) controle e desenvolvimento – relativos às opera-ções de licenciamento, manutenção, administra-ção, execução de obras, fiscalização e monito-ramento de atividades na área;

e) defesa – com relação a atividades direcionadasa recursos naturais sob legislação;

f) recuperação – referentes a áreas ambientalmen-te significativas, onde já se processam ações hu-manas, a exemplo dos cordões de dunas;

g) conservação – referentes a áreas com elevadovalor paisagístico;

h) educação ambiental – relativos às atividades deinformações acerca das fragilidades e potencia-lidades socioambientais, com vistas ao desen-volvimento sustentado da área.

Pelo exposto, tem-se a cobertura legal. O queestá faltando?

O exemplo de Porto Seguro

Em Porto Seguro, na Costa do Descobrimento, osfatos estão se desenrolando de maneira diferente? Éverdade que o produto turístico e a clientela são dife-rentes, comparando-se ao Complexo Costa do Sauípe.

Porto Seguro tem atraído, nos últimos dez anos,um grande contingente populacional. É falso afir-mar que o turismo é único responsável direto porisso. Indiretamente o é, mas não somente.

A crise do cacau, instaurada a partir de 1985,encarregou-se de expulsar levas e levas de traba-lhadores, que buscaram, em Porto, um porto segu-ro que lhes garantisse condições de sobrevivência.Para se ter uma idéia mais precisa do fenômeno,faz-se necessário comparar dois momentos da evo-lução da ocupação espacial. Fazendo-se um corteno tempo, observe-se o cartograma 02, que corres-ponde a um instantâneo do ano de 1975, 441 anosapós a instalação da vila. A cidade parecia paradano tempo e a ocupação formal restringia-se a me-nos de um terço da atual, conforme foto 01, admi-tindo-se como limite norte a BR 376/ aeroporto e oRio Buranhém/Oceano Atlântico, ao sul.

Na parte baixa da cidade, comprimidas entre rio eoceano, as construções avançam, sem a menor ceri-mônia, sobre alagadiços, manguezais e ecossiste-mas protegidos pela Constituição Federal. É bom quese esclareça que essa atitude é partilhada por mora-dores de baixa renda, que constroem suas moradias

Foto 1

Foto: AEROIMAGEM S.A.

inicialmente sobre palafitas, mas que aí também seencontram construções sólidas, dotadas de pier eoutros equipamentos, indicadores do luxo e confortoque traduzem o nível de vida dos proprietários.

A foto 02 corresponde à área de expansão locali-zada no tabuleiro, cujos setores são conhecidos comoFrei Calixto, Baianão e Paraguai, os mais antigos da-tados do final dos anos 1980. Por se tratar de umaocupação em área de remanescente de Mata Atlân-tica, o fato foi denunciado e amplamente divulgado

Cartograma 2

Fonte: Porto Seguro, BA – SUDENE, 1976.

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116 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.112-117 Setembro 2001

pela imprensa, o que não foi suficiente para barrar oprocesso de invasão. Ao contrário, prossegue a olhosvistos, acompanhando a BR-376, no sentido sudo-este. Em direção ao nordeste estão condomínios dealto luxo, destinados a moradias e segunda residên-cia. A ocupação prossegue, também, entre a rodoviae o rio (parte inferior esquerda da foto 01), embora adensidade de ocupação seja inferior à do tabuleiro.

O cartograma 03 apresenta, de forma quaseesquemática, outro instantâneo, desta feita regis-trado em 1999.

Retomando a invasãodos manguezais, protegidospor lei, outros mecanismostêm sido acionados com oobjetivo de resguardar a in-tegridade dos ambientesnaturais e construídos.

No município de PortoSeguro, até então, foramcriadas seis UCs8, ocupan-do 51.000 ha., aproxima-damente, uma área signi-ficativa, onde se incluemterras de Santa Cruz Ca-brália e Eunápolis. Mas oprocesso predatório dosrecursos naturais segue

seu curso, não obstante as denúncias e o empenhode parte das comunidades envolvidas no processo.

Sem nenhum planejamento, considerando-se acapacidade de suporte desses ambientes, na altaestação algumas dezenas de embarcações deslo-cam–se, diariamente, rumo aos recifes, conhecidoscomo os “recifes de fora”9, para apreciar um fenô-meno de rara beleza. Outros tantos, utilizando-sede balsas, atravessam o rio Buranhém, em direçãoao Arraial d’Ajuda, Trancoso e Caraíva. Em ambosos casos existem limitações que, de certa forma,inibem o número de visitantes. No primeiro exem-plo, é a dependência da maré, já que o espetáculoa “ser consumido” somente acontece em condiçõesde maré baixa. Apesar disso, é notório o desgastedas, estruturas recifais por excesso de pisoteio. En-quanto isso, para o segundo, em um passado re-cente, havia uma barreira – as más condições detrafegabilidade de estradas carroçáveis – que hojedeixa de existir com o asfaltamento do trecho comdestino a Trancoso.

O que fazer?

A cidade de Porto Seguro cresce para atender ademanda do turismo e da população, originária defluxos migratórios diversos. Esse crescimento de-sordenado compromete o seu próprio desempenho.

O patrimônio ambiental disponível/desfrutável nacosta baiana, e, em particular, em Mata de São Joãoe em Porto Seguro, a despeito de em grande parte,

Foto: AEROIMAGEM S.A.

Foto 2

Cartograma 3

Fonte: Porto Seguro, BA-MG - 3a DL, 1999 (Atualização)

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.112-117 Setembro 2001 117

protegido por lei, encontra-se, seriamente, amea-çado, face ao aterro de alagadiços e manguezais,da ocupação desordenada em áreas de remanes-centes de Mata Atlântica, e das atividades turísticasincompatíveis com a capacidade de suporte do meioambiente.

Para Rodrigues (1996:29), uso e preservaçãonão combinam, embora tenha-se conhecimento deações na tentativa de conciliá-los com resultadospositivos, ainda que essa não seja a regra geral.Acrescenta que este é um problema que se obser-va em todo território nacional, indiferente à instân-cia administrativa ou categoria de uso da UC esugere que

o universo da ação deve ultrapassar a intervenção do Estado

e da empresa privada, e envolver a sociedade civil no seu

conjunto, mediante a atuação das ONGs das associações de

base – legítimas representantes das comunidades –, e das

universidades, nos seus programas de pesquisa e de exten-

são. Só assim poderão ser respeitadas as necessidades lo-

cais, a potencialização dos seus recursos naturais e huma-

nos, enfim a valorização seletiva das diferenças representadas

pelo lugar.

Notas

1 Segundo zoneamento da BAHIATURSA, a Costa dos Coquei-ros engloba os municípios de Lauro de Freitas, Camaçari,Mata de São João, Entre Rios, Esplanada, Conde e Jandaí-ra; a Costa do Descobrimento é formada por Belmonte, San-ta Cruz Cabrália e Porto Seguro.

2 Para Carlos (1996:29), o não-lugar não é a simples negaçãodo lugar, mas uma outra coisa, produto de relações outras,inclusive de comportamentos e modos de apropriação do lu-gar. E, por essa razão, não cria uma identidade (história ecultura), porque produz mercadoria para ser consumida.

3 Bioma é uma unidade biótica de grande extensão geográ-fica, compreendendo várias comunidades em diferentes es-tágios de evolução, produzida pela atuação recíproca dosclimas regionais e denominada pela vegetação predomi-nante.

4 No Estado da Bahia, nesse grupo, incluem-se as seguintescategorias: estação ecológica, reserva biológica, parque na-cional, monumento natural e refúgio de vida silvestre.

5 Abrange: área de proteção ambiental (APA), área de rele-vante interesse ecológico, floresta nacional, reserva extrati-vista e reserva particular do patrimônio nacional (RPPN).

6 O Projeto Vetor Norte trabalha com sete municípios: Laurode Freitas, Camaçari, Mata de São João, Entre Rios, Espla-nada e Jandaíra, dois a mais que a APA/Litoral Norte, queexcluiu Lauro de Freitas e Camaçari.

7 A APA do Litoral Norte engloba a Reserva de Sapiranga, oParque Florestal e Reserva Ecológica Garcia D´Avila e a APAde Mangue Seco.

8 Duas APAs (Coroa Vermelha e Caraíva/Trancoso), três par-ques (Nacional de Monte Pascoal, Nacional de Pau Brasil eMunicipal do Recife de Fora) e a Estação Ecológica de PauBrasil.

9 Parque Municipal Marinho do Recife de Fora, criado pela Leino 260, de 16 de dezembro de1997.

Referências bibliográficas

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DIEGUES, Antônio Carlos Sant’Ana. O mito da naturezaintocada. São Paulo: HUCITEC, 1996. 169 p.

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NICOLAS, Daniel Hiernaux. Elementos para un análisissóciogeográfico del turismo. In: RODRIGUES, A. B. (Org).Turismo e geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais.São Paulo: HUCITEC, 1996. 274 p.

RODRIGUES, Adyr Balastreri. Desafios para os estudiosos doturismo In: RODRIGUES, A. B. (Org). Turismo e geografia:reflexões teóricas e enfoques regionais. São Paulo: HUCITEC,1996. 274 p.

*Conceição Cunha é geógrafa da SEIE-mail: [email protected].

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118 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.118-124 Setembro 2001

Introdução

A Costa do Descobrimento, aqui referida com asigla CD, notadamente Porto Seguro, vem ocupan-do lugar de destaque no estado, em termos de visi-tantes, desde a década de 1970. Esse processo decrescimento do turismo ocorreu, ao longo de quaseduas décadas, de forma espontânea e desordenada,tendo despertado nos técnicos e autoridades envol-vidos com o turismo uma preocupação quanto aosriscos de degradação de um dos produtos turísticosmais representativos da Bahia, que, além dos atra-tivos naturais, possui forte apelo histórico-culturalrelacionado ao descobrimento do Brasil.

Até meados da década de 1980, verificava-seuma maior incidência de pequenos empreendimen-tos, os quais atendiam a um fluxo natural de visi-tantes, que ali chegavam sem vinculação a pacotesturísticos organizados. A descoberta de Porto Se-guro pelos grandes operadores turísticos nacionaisfez surgir um novo segmento, o turismo de massa,crescendo com ele o número de novos e maioresempreendimentos hoteleiros, que passaram a exer-cer forte pressão sobre a infra-estrutura básica.Esta, por sua vez, não tinha capacidade para su-portar a demanda hoteleira, nem para atender àsnovas necessidades advindas da expansão popu-lacional.

Ao instituir o PRODETUR, em 1991, o governobaiano aceitou o desafio de otimizar a execução davocação natural de várias regiões do estado para oturismo, por entender que esta é uma alternativaeconômica forte geradora de emprego e renda. OPRODETUR-BA foi concebido como um programamultissetorial de implantação de infra-estrutura bá-sica destinada ao desenvolvimento do turismo, com-preendendo ações em obras públicas, marketing eeducação para o turismo. Nessa mesma época, foitambém idealizado o PRODETUR-Nordeste, que éum Programa Regional estabelecido em bases con-ceituais semelhantes, contando com o apoio finan-ceiro do Banco Interamericano de Desenvolvimen-to (BID), através do Banco do Nordeste.

Finalizada a sua primeira fase, quando pratica-mente todas as obras previstas estão concluídas ouem execução, foi efetuada uma primeira avaliação,investigando-se se o mesmo está atingindo seusobjetivos de aumentar o movimento de visitantes,ampliar e melhorar a oferta turística, além de geraremprego e renda. Os resultados dessa avaliaçãojunto à população, empresários e turistas estãoconsignados neste Estudo de Caso, que procura re-lacionar o Planejamento Turístico Integrado em seusaspectos teóricos e operacionais.

O conceito de desenvolvimento sustentável, es-tabelecido em documento da Comissão Mundial de

O turismo como fator de

desenvolvimento socioeconômico

da Costa do Descobrimento –

Bahia - Brasil1

Érico Pina Mendonça Júnior*Inez Maria Dantas Amor Garrido**

Maria do Socorro Mendonça Vasconcellos***

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.118-124 Setembro 2001 119

Meio Ambiente e Desenvolvimento (Our CommonFuture – 1987) sintetiza uma nova ordem de inte-gração para o planeta: “Desenvolvimento Sustentávelnão é um estado fixo de harmonia, mas um proces-so de mudança no qual a exploração dos recursos,a direção dos investimentos, a orientação do desen-volvimento tecnológico e a mudança institucional sãocoerentes com o futuro assim como com as neces-sidades presentes”. (OMT, 1993, p.8)

Ao reconhecer claramente a interdependênciaentre as questões ambientais, socioculturais e eco-nômicas, o desenvolvimento sustentável pretendealcançar a conservação e a melhoria das condiçõesambientais, o atendimento às necessidades huma-nas básicas, a igualdade de direitos para as gera-ções atuais e futuras e a melhoria da qualidade devida para todos os povos. (Inskeep, 1991)

As tendências que se apresentam para o futuroda atividade turística apontam para mudanças pro-fundas, tanto no perfil do consumidor e característi-cas do produto quanto no mercado em nível mundial.Vários autores apontam essas tendências, toman-do por base seus respectivos estudos e pesquisasdesenvolvidos ao longo das últimas décadas. Den-tre esses estudos, destacam-se os efetuados porCooper, Fletcher, Gilbert & Wanhill (1993), que fazemos seguintes prognósticos:• O “novo” consumidor de turismo está melhor in-

formado, podendo discernir sobre seus interes-ses, procurando qualidade e participação. Temaumentado muito o grupo de idade mais avan-çada. Esse novo consumidor está deixando depreferir as férias passivas sob o sol e buscandoexperiências que o enriqueçam culturalmente esatisfaçam sua curiosidade.

• O “novo” turista é caracterizado como mais ex-periente e mais sofisticado, demandando maisserviços. Isso significa que as tradicionais fériasanuais da família no resort de praia serão gradu-almente substituídas por viagens inovativas, comprogramações personalizadas. Assim, o pacoteturístico padrão perderá espaço para o plano in-dividual de viagens.

• A oferta turística terá que ser mais profissio-nalizada, nos aspectos de instalações e de qua-lificação da mão-de-obra. A qualidade dos ser-viços prestados será uma vantagem competi-tiva para as empresas que investirem no capital

humano, pois isso é o que deverá “fazer a di-ferença”.

• O desenvolvimento do turismo em bases susten-táveis e ambientalmente adequadas substituirá,gradualmente, o turismo de massa e aquele agres-sivo ao meio ambiente.

O conceito de desenvolvimento sustentável e asnovas configurações do mercado de turismo orien-taram a realização de pesquisa para a avaliação doPrograma. Os resultados dessa pesquisa serãoapresentados no próximo item.

Avaliação do PRODETUR naCosta do Descobrimento

Caracterização da área objeto de estudo

Sob a ótica do turismo, pode-se afirmar que aCosta do Descobrimento é uma região privilegiada,tanto em termos de atrativos naturais (praias, man-guezais, ilhas, falésias, Mata Atlântica, rios, recifesde corais, etc.), como de acervo histórico-cultural. Otema Descobrimento do Brasil tem na CD o seu sítiohistórico mais representativo, e seu acervo arquitetô-nico vem sendo objeto de investimento, visando suapreservação. Porto Seguro é o portão de entradaaéreo e rodoviário da CD, distando 720 km de Salva-dor. Dispõe também do maior e mais diversificadoterritório, em termos de atrativos. Oferece como pro-dutos turísticos, já regularmente procurados pelosvisitantes, as localidades de Arraial d’Ajuda, Trancoso,Caraíva, além da própria sede municipal e seu litoralnorte. Santa Cruz Cabrália, que surgiu de uma pri-meira povoação criada pelos portugueses em 1536,desmembrou-se do território de Porto Seguro em1833. Possui também muitas belezas naturais e oprincipal atrativo histórico é o sítio da Coroa Verme-lha, local de realização da Primeira Missa do Brasil.Belmonte, o terceiro município da CD, é também oque se agregou mais recentemente a esse destinoturístico, com a construção da rodovia BA/001-SantaCruz Cabrália/Belmonte, obra componente do PRO-DETUR. Sua história se conta do começo do séc.XVIII, quando jesuítas portugueses ergueram umacapela às margens do rio Jequitinhonha. Seu nomeé uma homenagem à terra onde nasceu Pedro Álva-res Cabral, a portuguesa Belmonte.

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120 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.118-124 Setembro 2001

Aspectos gerais do Programa

O PRODETUR-BA pode ser descrito como umprograma multissetorial do Governo do Estado, quebusca integrar ações de implantação de infra-estru-tura pública, promoção e educação para o turismo,em zonas turísticas prioritárias. A Superintendênciade Desenvolvimento do Turismo (SUDETUR), nacondição de gestora do PRODETUR, responsabili-za-se pela articulação entre as entidades executo-ras de infra-estrutura do Governo do Estado, sendoparceiros do Programa a BAHIATURSA, a EMBASA,o DERBA, a CONDER, o IPAC, o CRA e o DDF2.

O processo de articulação tem-se aperfeiçoadodentro do Programa e, ao longo desses anos, temincorporado a participação das comunidades locaise das organizações não-governamentais (ONGs). NaCD, tem-se verificado um desenvolvimento gradual,inicialmente com a instituição de um Núcleo de Ges-tão Participativa, que resultou na criação do Conse-lho Regional de Turismo da Costa do Descobrimento(CRT-CD), além de outras iniciativas complementa-res, envolvendo ONGs e comunidades locais, a exem-plo da ação integrada com a EMBASA, no Projeto deRecuperação das Matas Ciliares do Rio dos Man-gues, manancial alimentador do sistema de abaste-cimento d’água de Porto Seguro. O Quadro 1, apre-sentado a seguir, sintetiza as intervenções realizadasna CD, com financiamento BID/Banco do Nordeste.

Os investimentos por parte da iniciativa privadana CD têm convergido para o mesmo objetivo indi-cado pelo PRODETUR, que é o de ampliar e aper-feiçoar a oferta receptiva da região. Observa-se,tanto pelos projetos já concretizados como pelosque estão previstos, que há uma relação muito pró-xima entre as ações pública e privada. Conside-rando o volume global de recursos públicos eprivados investidos e previstos dentro do horizon-te do PRODETUR (2012), pode-se verificar que,para cada US$ 1,00 apli-cado em infra-estrutura pú-blica, tem-se a previsão deUS$ 6,45 em investimentosprivados, conforme podeser visto no Quadro 2:

Em síntese, os resulta-dos apresentados no Qua-dro 2 indicam um forte im-

pacto decorrente dos investimentos públicos na eco-nomia local. Isso pode ser traduzido pelo significati-vo volume de empreendimentos turísticos que es-tão sendo atraídos para a CD a partir das ações doPRODETUR, repercutindo, consequentemente, nageração de emprego e renda.

Análise dos indicadores socioeconômicos

O conjunto de informações levantadas sobre aCD tem revelado diversos aspectos importantes acerca do desenvolvimento do turismo nessa região.Neste item são apresentados os resultados das pes-quisas realizadas em fontes secundárias, bem comodas pesquisas de campo realizadas entre julho eagosto de 1999, buscando relacionar as ações doPRODETUR com o panorama socioeconômico pre-sente nessa zona turística.

• Perfil do turista

A CD recebeu, em 1993, um fluxo de 516.310 tu-ristas, que geraram uma receita global de US$ 101,21milhões, de acordo com cálculos da BAHIATURSA.

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Em 1998, esse movimento atingiu 765.280 turistas,com uma receita total de US$ 214,54 milhões, re-presentando, respectivamente, um incremento decerca de 48 % no número de visitantes e 112 % narenda, enquanto a média mundial de crescimentodo fluxo situou-se em torno dos 25% para o mesmoperíodo, segundo dados da OMT. Por outro lado, ogasto médio total por turista, em 1993, foi de US$163,99 e, em 1999, atingiu US$ 380,61, o que cor-responde a um crescimento da ordem de 132%no período. Esse resultado revelauma elevação do poder aquisitivodo turista, o que pode ser indicati-vo da melhoria do padrão do visi-tante da CD, um dos objetivos doPRODETUR.

Embora a literatura indique dificul-dades em se conquistar a fidelidadedo turista com relação ao destino, naCD ocorre o inverso, ou seja, um alto índice de retornodo turista, o que tem demonstrado o interesse do mer-cado por esse produto. Essa fidelidade pode ser cons-tatada pelo percentual de quase 50% de turistaspesquisados pela BAHIATURSA, que estavam retor-nando à CD. As pesquisas também indicaram que maisde 90% dos entrevistados pretendem retornar.

Nessa mesma pesquisa, 66% dos entrevistadosdeclararam que a CD havia “superado” a sua ex-pectativa de viagem. Se somados aos 20% que di-zem que suas expectativas foram “atendidasplenamente” atinge-se um índice de satisfação de86,1% para o total dos entrevistados. Esse índice,altamente representativo, demonstra mais uma veza competitividade do destino. Vale ressaltar que,nessa mesma pesquisa, 69% dos turistas que esta-vam retornando à CD avaliaram que o destino está“muito melhor” se comparado à sua visita anterior.Se somados a estes os 15% que declararam que odestino está “pouco melhor”, pode-se deduzir que84% dos pesquisados avaliam positivamente a CD,o que pode ser indicativo da importância das açõesdesenvolvidas pelo PRODETUR para melhorar aqualidade desse destino turístico.

• Perfil da população

Em 1994, a população dos três municípios quecompõem a CD totalizava 70.663 habitantes, segun-

do dados do IBGE. Em 1998, essa mesma popula-ção atingiu 108.219 habitantes, apresentando umincremento de 53%. A crise do cacau, aliada à pers-pectiva de empregos decorrentes do turismo, pro-moveu um dos maiores movimentos de contingentepopulacional no estado para aquela região.

A pesquisa realizada em agosto de 1999 indicouque a população residente é basicamente constitu-ída por pessoas nascidas na região sul/extremo suldo estado (78%), incluindo-se nesse conjunto os na-

tivos da própria CD, que represen-tam 34% dos entrevistados. A po-pulação nascida em outros estadosrepresenta 11% do total e está con-centrada em Porto Seguro (78 %).Em Belmonte, a pesquisa não iden-tificou nenhum morador proceden-te de outros estados. Foi identifica-do ainda que 1% dos entrevistados

são de origem estrangeira, radicados principalmen-te em Porto Seguro.

Quando perguntados sobre a influência promo-vida pelo turismo nas condições de vida na CD, noperíodo 1997/1999, 59% dos entrevistados indica-ram que houve melhoria, enquanto 17,8% declara-ram que não houve mudança e 15,8% que essascondições pioraram. Esse resultado reflete, clara-mente, uma percepção positiva quanto à melhoriadas condições de vida na região, pela memória dosentrevistados. Foi também solicitada a avaliação dasobras públicas realizadas pelo PRODETUR, obten-do-se os seguintes resultados: 73% dos entrevista-dos julgaram-nas “muito importante”. A soma destescom os 6% que as consideraram com algum graude importância, elevam a 79% o índice de aprova-ção para as ações do Programa.

• Perfil do empresário

A pesquisa buscou também obter informaçõesdo segmento empresarial na CD, com o objetivo dese estabelecer uma correlação entre o PRODETURe a performance dos negócios, principalmente aque-les voltados ao atendimento da atividade turística,que é o objetivo do Programa. Quanto à origem doempreendedor, um percentual de 50% dos entre-vistados eram provenientes de outros estados; so-mados aos 22% de outros municípios da Bahia e

69% dos turistasque estavam retornando

à Costa do Descobrimento,avaliaram que o destino

está “muito melhor”se comparado

à sua visita anterior.

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aos 5% de estrangeiros, os empresários que foramatraídos para a CD pelas oportunidades de negóci-os oferecidas na região totalizaram 77%.

A avaliação das obras de infra-estrutura imple-mentadas pelo PRODETUR, na visão dos empre-sários, indicou que o Aeroporto (73%), as Rodovias(70%) e os Sistemas de Abastecimento d’água(43%), são as que mais têm contribuído para a me-lhoria do movimento turístico na CD. O Gráfico aseguir detalha as avaliações dos principais compo-nentes do Programa, considerando-se as médiasponderadas:

sa continuar a produzir resultados positivos ecoerentes com a evolução da atividade, torna-senecessário um acompanhamento/atualização per-manentes, reforçando-se o envolvimento dosgovernos municipais e das comunidades nesseprocesso.

– Uma das características marcantes e inovado-ras introduzidas pelo PRODETUR, no âmbito dogoverno estadual, é a implementação de açõesmultissetoriais de forma articulada, o que tem pro-piciado uma visão integrada da atividade turísti-ca pelas diversas áreas do governo. Nesse as-

pecto, ressaltam-se osresultados positivos que setem obtido juntamente comos órgãos executores doPrograma, tanto na otimiza-ção dos recursos quanto naadequação dos diversosprojetos de infra-estruturaàs questões de proteçãoambiental, haja vista ser omeio ambiente o principalcomponente do produtoturístico da CD.

– A dependência econômica da CD em relação aoturismo de lazer pode também estar reforçando onão-crescimento de outras atividades, até mes-mo daquelas que complementam esse setor. Aliteratura recomenda que seja promovida a diver-sificação econômica como forma de reduzir os ris-cos provocados pela sazonalidade. Nesse sentido,é fundamental a criação de mecanismos de in-centivo que promovam também a diversificaçãode outras atividades econômicas naquela região,a exemplo da hortifruticultura, pesca, confecções,dentre outras. No que se refere à diversificaçãodentro da atividade turística, algumas medidas jáestão sendo adotadas no âmbito do PRODETUR,a exemplo da implantação do Centro Cultural ede Eventos da Costa do Descobrimento para de-senvolver o segmento de turismo de congressose eventos, bem como o Projeto de Recuperaçãoe Valorização do Patrimônio Histórico, no resgateà motivação do turismo cultural/educacional an-teriormente preponderante na CD.

– Constata-se que o destino turístico da CD estáconsolidado no âmbito do mercado nacional, con-

Conclusões

Após a análise das pesquisas efetuadas na CDcom o objetivo de aferir o grau de importância doPRODETUR naquela região, a que se aliaram estu-dos e a vivência profissional dos autores deste Es-tudo de Caso no turismo, constatam-se algunspontos que merecem uma reflexão mais acurada,tendo em vista a formulação de sugestões para acontinuidade do Programa e, em alguns casos, cor-reções no seu processo de condução ou a melhoradequação dos seus diversos componentes.– A importância do planejamento para o desenvol-

vimento do turismo na CD ficou evidenciada naimplementação do PRODETUR, que, através deações integradas no âmbito dos governos esta-dual, federal e municipal, tem proporcionado amelhoria da infra-estrutura pública, a proteçãodos recursos naturais e a atração de novos in-vestimentos privados melhor qualificados. Entre-tanto, para que esse mesmo planejamento pos-

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forme têm demonstrado as pesquisas realizadaspela BAHIATURSA. O turismo interno vem funci-onando como facilitador e promotor da reduçãodas desigualdades regionais. A CD já se inserecom relativa força no mercado do Cone Sul, po-rém, para sua inserção em outros mercados in-ternacionais altamente competitivos, a exemplodos mercados europeu e norte-americano, tor-nam-se necessárias ações voltadas à comple-mentação da infra-estrutura aeroportuária,melhor qualificação dos equipa-mentos turísticos, qualificaçãoprofissional e marketing.

– Ao fazer-se um comparativo como ocorrido em determinados des-tinos turísticos, a exemplo deáreas na costa do Mediterrâneo,observa-se como a visão maisprofissional do segmento empre-sarial, aliada a uma ação comu-nitária em parceria com os go-vernos locais, interfere na mudança de rumos vi-sando à preservação da qualidade do destino.Nesse aspecto, é relevante uma ação de consci-entização, sensibilizando o trade para ações vol-tadas à valorização da qualidade do serviço pres-tado ao turista, colocando-o num nível de com-petitividade para atendimento tanto ao mercadonacional quanto internacional.

– Diante da constatação da precariedade do níveleducacional formal e profissional da população lo-cal, entende-se como importante uma ação con-junta entre governo, empresários e ONGs, na buscade mecanismos que venham incentivar a elevaçãodos índices de escolarização e profissionalizaçãona CD. Nesse processo, devem ser envolvidos tantoos mais jovens quanto os adultos, a exemplo daEscola Brasil, uma iniciativa em fase de implemen-tação que pretende, através de uma ação comuni-tária, atuar nesse campo.

– Confirmando as hipóteses consideradas, pode-mos concluir, numa avaliação preliminar, que asações do PRODETUR na Costa do Descobrimen-to, no período de 1994 a 1998, têm contribuídopara promover o crescimento do turismo susten-tável, gerando emprego, renda, elevação do pa-drão do visitante e a melhoria da qualidade devida da população local. O PRODETUR, portan-

to, tem-se revelado um importante instrumentoalavancador para o desenvolvimento do turismona CD.

– O planejamento do turismo, devido ao seu ca-ráter transdisciplinar, envolve questões muitomais amplas do que a atividade turística em si.Ao longo deste trabalho, pôde-se perceber oquanto um programa como o PRODETUR, quevisa desenvolver uma atividade econômica cujofoco é o visitante, tem também o poder de po-

tencializar ações que tratam damelhoria da qualidade de vida deuma comunidade. Assim como PeroVaz de Caminha, na sua carta aoRei D. Manuel, após referir-se atodos os atributos naturais daque-la região, enfatizou que a melhoração a se fazer nessa nova terradescoberta seria cuidar da suagente, os autores deste Estudo deCaso concluem que o PRODETUR

pode ser um instrumento para se dar início aoresgate dessa dívida.

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável,planejamento turístico, turismo sustentável, impac-tos socioeconômicos do turismo.

Notas

1 Este trabalho é uma síntese da Monografia apresentada noCPA-Programa de Capacitação Profissional Avançada doNPGA da Escola de Administração da UFBA.

2 Empresa de Turismo da Bahia (BAHIATURSA); EmpresaBaiana de Águas e Saneamento (EMBASA); Depto. deInfra-Estrutura de Transportes da Bahia (DERBA); Cia. deDesenvolvimento Urbano da Bahia (CONDER); Instituto doPatrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC); Centro deRecursos Ambientais (CRA); Diretoria de Desenvolvimen-to Florestal (DDF).

Referências bibliográficas

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COOPER, C.; FLETCHER, J.; GILBERT, D.; WANHILL, S.Tourism principles and practice. England: Longman, 1993.

A visão mais profissionaldo segmento empresarial,

aliada a uma açãocomunitária em parceriacom os governos locais,

interfere na mudançade rumos visandoà preservação da

qualidade do destino.

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MATHIESON, A. & WALL, G. Tourism: economic, physical andsocial impacts. England: Longman, 1992.

WORLD TOURISM ORGANIZATION. National and RegionalTourism Planning. England: Thonson, 1997.

*Érico Pina Mendonça Júnioré superintendente da Superintendência

de Desenvolvimento do Turismo – SUDETUR,Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia;

**Inez Maria Dantas Amor Garrido é diretora de Projetose Diretora de Investimentos da Superintendência

de Desenvolvimento do Turismo – SUDETUR,Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia;

***Maria do Socorro Mendonça de Vasconcelosé Diretora de Investimentos da Superintendência

de Desenvolvimento do Turismo – SUDETUR,Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia.

E-mail: [email protected].

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Introdução

A questão da gestão para projetos de desenvolvi-mento sustentável foi o ponto de partida para este tra-balho. O estudo de caso aqui desenvolvido focaliza omodelo experimental de gestão participativa, implan-tado entre 1996-1998 na Costa do Descobrimento pelogoverno da Bahia, através da Superintendência deDesenvolvimento do Turismo (SUDETUR)2, órgão daSecretaria da Cultura e Turismo.

Situada no litoral sul do estado, a Costa do Des-cobrimento é o segundo pólo turístico da Bahia. Porisso mesmo, as suas principais localidades – PortoSeguro, Santa Cruz Cabrália e Belmonte – forambeneficiadas nos últimos quatro anos pelo Progra-ma de Desenvolvimento do Turismo (PRODETUR-BA), financiado pelo BID/Banco do Nordeste.

O objetivo do turismo sustentável está explícitono componente denominado Desenvolvimento Ins-titucional (DI) desse Programa. Pretende-se, emtese, que os sujeitos possam efetivamente fazerparte do processo. Fazer parte é diferente de serparte, permitindo uma apropriação reflexiva e soci-alizada entre os diversos sujeitos da ação em movi-mento.

Em virtude do objetivo anteriormente citado, aSUDETUR estimulou o surgimento de um Núcleode Gestão Participativa – envolvendo Porto Segu-ro, Belmonte e Santa Cruz Cabrália – que funcio-

nou durante um ano e meio e teve como resultadosa elaboração compartilhada do Plano Estratégico deTurismo para a região da Costa do Descobrimentoe a criação do Conselho Regional de Turismo (CRT).Outro produto surgido dessa experiência foi o Ca-lendário Oficial de Eventos da Costa do Descobri-mento para 1998, que mereceu da Bahiatursa umlançamento oficial em São Paulo.

O presente trabalho objetivou avaliar os limites epossibilidades do modelo experimental de gestãoparticipativa adotado na Costa do Descobrimento,tendo em vista o projeto de desenvolvimento sus-tentável para a região. Espera-se que tal trabalhopossa estimular o melhor direcionamento dos es-forços para potencialização dos resultados dos in-vestimentos.

Metodologia

O objeto

A iniciativa do governo em investir na infra-es-trutura da região da Costa do Descobrimento foi umfator de mobilização das pessoas, que passaram areivindicar uma participação maior nos projetos dedesenvolvimento local. Era o ano de 1996 e o quese propôs à comunidade da Costa do Descobrimentofoi o desenvolvimento de um trabalho participativocom o objetivo de formular um modelo de gestão do

Gestão participativa

para um turismo sustentável:

o caso da Costa do Descobrimento1

Dalva Maria Sant’Anna.

Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira

Symona Gropper Berenstein*

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turismo para a região. A intenção governamental deinvestir na região estava visível, pois já tinham sidocontratadas as empreiteiras e os materiais já seencontravam na área. Isso contribuiu para conven-cer a população sobre a realidade dos investimen-tos e sobre o fato de que uma parceria entre governoe comunidade seria efetivamente estabelecida.

Apesar desse interesse inicial, durante a açãodesenvolvida na Costa do Descobrimento para aimplantação do modelo de gestão participativa, per-cebeu-se a resistência por parte dos mais diversosatores que relutavam em descentralizar, horizonta-lizar e flexibilizar o processo de gestão. Depois dequase um ano e meio de trabalho no Núcleo deGestão Participativa, conseguiu-se criar institucio-nalmente o Conselho Regional de Turismo da Cos-ta do Descobrimento. Entretanto, rapidamente oCRT-CD começou a enfrentar dificuldades para atuarde forma coletiva. Quando foi escolhido seu presi-dente, as pessoas transferiram, automaticamente,toda a responsabilidade para ele. Esse presidenteacabou, por sua vez, repetindo localmente o com-portamento tradicional, ou seja, tendeu a centrali-zar as decisões.

Assim, surgiu o interesse de investigar por queuma proposta que contou, inicialmente, com a ade-são entusiasmada de muitos membros da comuni-dade foi, paulatinamente, perdendo seu poder demobilização e de persuasão.

A coleta de informações

Para realizar o levantamento das informaçõesnecessárias foram utilizadas as técnicas de obser-vação indireta e direta. Assim, procedeu-se ao le-vantamento de informações prévias de fontes varia-das, compreendendo pesquisa bibliográfica (fontesecundária); pesquisa de campo, do tipo quantitati-vo-descritivo e qualitativo; realização de entrevistas;observação não-participante3 e aplicação de ques-tionários. A história da formação do Núcleo de Ges-tão foi recuperada com base em análise documen-tal e com o resgate de experiências vividas pelasautoras do projeto.

Os resultados alcançados com o trabalho de pes-quisa são apresentados, analisados e interpretadosno item 4 deste Estudo de Caso. Antes porém, opróximo item registra uma breve revisão bibliográfi-

ca sobre o tema de Gestão Participativa. As idéiasconsignadas nesse item orientaram o levantamentoe a análise dos dados do trabalho.

Tentando compreender o queé gestão participativa

Um dos pressupostos do desenvolvimento local –a articulação dos atores envolvidos – impõe a cria-ção de instituições e mecanismos de participação dasociedade no processo decisório. Parece existir, por-tanto, uma harmonia entre as proposições de desen-volvimento local e de desenvolvimento sustentável.

No Brasil, a possibilidade efetiva de se privilegia-rem modelos locais de projetos de desenvolvimentonasceu com a Constituição Federal de 1988, que re-presentou o primeiro passo rumo ao processo dedescentralização, ao dotar o município de uma maiorautonomia. O fim da centralidade do poder se dá emparalelo ao fortalecimento da organização social, tor-nando mais fácil a participação das comunidades natomada de decisão. Essa afirmativa, contudo, preci-sa ser encarada com uma certa cautela.

Jara (apud Fundação Konrad-Adenauer, 1996)ressalta que a descentralização desarticulada dediversas instituições tem demandado o estabeleci-mento de variados conselhos locais para viabilizarprogramas de desenvolvimento. Essa profusão deconselhos acaba confundindo os cidadãos sobrecomo participar da tomada de decisões estratégi-cas do município. Em alguns casos, esses Conse-lhos Municipais são “prefeiturizados”, mantendo elegitimando as pequenas classes políticas e gruposdominantes da sociedade local, em detrimento doestabelecimento de canais locais de participação nosquais as comunidades possam ter maior possibili-dade de integração e diálogo, ainda segundo Jara(apud Fundação Konrad-Adenauer, 1996).

A questão da cidadania é um dos fatores limitan-tes para as experiências de co-gestão introduzidaspor administrações municipais. Outros aspectos li-mitantes dessa nova cultura centrada nas articula-ções de energias sociais e políticas foram observa-dos na avaliação de experiências levadas a caboem algumas administrações municipais no país:• São fatos corriqueiros na trajetória das lutas de-

senvolvidas pelos movimentos populares os flu-xos e refluxos da mobilização da população. A

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participação se dá em termos de lutas emergen-ciais e, uma vez conquistados os objetivos daluta, a articulação se desfaz. (Leal, 1994)

• Foi também identificada como dificuldade do aper-feiçoamento das experiências a ausência de difu-são e troca das práticas implementadas entre osdiversos projetos de caráter participativo, numamesma administração/região. Esse “isolamento”pode ser atribuído à fragmentação das interven-ções, aliado à desarticulação entre os diversosórgãos que lideram o processo,o que dificulta o repasse do sa-ber crítico acumulado pelas prá-ticas vivenciadas. (Leal, 1994)

• Outro aspecto é a incompatibili-dade de propostas de criação demecanismos participativos, coma manutenção de velhas práticasainda adotadas pela máquinadas administrações públicas: burocratização, faltade articulação entre os diversos níveis de gover-no, escassez de recursos financeiros, despreparode funcionários e, ainda, a resistência de algunstécnicos ao processo. (Leal, 1994)

O argumento de “segredo de Estado” é tambémutilizado pelas administrações públicas para impe-dir que a sociedade civil conheça regras, regula-mentos, informações sobre projetos indispensáveisa qualquer processo de decisão. (Teixeira, 1993)Conforme afirma Daniel (apud Teixeira, 1993), aestratégia de ocultar informações para a socieda-de civil vai desde a simples negação da informa-ção até a utilização de linguagem cifrada, paraimpedir o domínio público e a transparência dosatos e decisões.

Há, todavia, forças propulsoras aos projetos degestão participativa, de acordo com a literatura so-bre o assunto. A proximidade com a realidade localpode resultar na adoção de soluções técnicas maisapropriadas, através de um aprendizado na relaçãosetor público/comunidade, por exemplo. As soluçõesprovenientes da “sabedoria popular” permitem aconstrução de um novo saber técnico para tratar arealidade. Por parte das comunidades tem-se ob-servado a busca de conhecimentos para poder par-ticipar das decisões. (Leal, 1994) Adicionalmente, aexistência de uma relação de negociação com o

poder público pode permitir que a comunidade localaja de acordo com suas prioridades, resultando namelhoria das condições de vida da população. (Leal,1994)

Enfim, pode-se observar a complexidade do ob-jeto analisado na breve revisão bibliográfica sobregestão participativa, aqui desenvolvida. No próximoitem, a análise do objeto será realizada com basenos dados levantados em pesquisa.

Análise do caso

Através dos diversos olhares deespecialistas e atores da Costa doDescobrimento, foi possível abor-dar algumas facetas que compõema complexa construção de um pro-cesso participativo.Constatou-se aainda uma frágil participação da

sociedade civil, em decorrência das dificuldades noestabelecimento de canais que abram a possibili-dade para integração e diálogo.

A falta de confiança das pessoas entre si e odesnível de informação entre sociedade civil e go-verno agravam essas dificuldades, conforme a vi-são dos entrevistados para a realização desteEstudo de Caso. A falta de credibilidade, por sinal,é o caminho mais curto para o desengajamento e,consequentemente, para a interrupção de iniciati-vas bem intencionadas, acrescentam os entrevista-dos.

Para que ocorra uma maior interligação entreconservação e desenvolvimento, verificou-se a ne-cessidade de que sejam reconhecidos e admitidostanto os problemas socioeconômicos da comunida-de, que muitas vezes dificultam a sustentabilidadeambiental, como a reduzida consciência dos empre-sários sobre a importância de desenvolver projetosde baixo impacto sobre o meio ambiente. Tais as-pectos ficaram claros a partir da análise do discursodos entrevistados e dos resultados obtidos com aaplicação de questionários na CD.

Como observam, com realismo, alguns entrevis-tados, sem governo nada se faz. No entanto, semsociedade civil se faz muita coisa. Mas é claro quese faz melhor com a participação dessa sociedade.Os novos tempos estão emitindo sinais de que estáse tornando cada vez mais fundamental a participa-

As soluçõesprovenientes da

“sabedoria popular”permitem a construção

de um novo sabertécnico para tratar

a realidade.

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ção da comunidade nas decisões governamentais,argumentam os entrevistados.

As formas de articulação entre as várias entida-des presentes na região, sejam elas públicas ouprivadas, foram muito criticadas pelos participan-tes da pesquisa. Segundo a opinião geral, essasentidades têm uma preocupação visível em colo-car em evidência o seu nome. Assim, elas não acei-tam qualquer estrutura em que esse nome estejadiluído. Por isso mesmo, a comunidade da Costado Descobrimento se vê alvo de umbombardeio de iniciativas desco-nectadas por parte das várias enti-dades que atuam na região, todascom o mesmo objetivo final, que se-ria a mobilização da comunidadepara o bem comum. Essa dificulda-de existe por conta dessas entida-des desejarem a sua visibilidadecomo forma de justificar sua pró-pria existência.

O desafio é conseguir articular essas entidades.Considera-se que um dos fatores que mais contri-buem para esse tipo de postura é a ausência deinstrumentos adequados de avaliação dos projetosexecutados. A avaliação que se faz tem por baseapenas o elemento quantitativo, desconectado darealidade com que se quer interagir, ou um discursosem bases de inferências (através de pesquisas,sondagens etc.).

Esse fato se confirma com os dados colhidos napesquisa realizada pelas autoras deste trabalho juntoaos membros do antigo Núcleo de Gestão: 88% dosmembros da comunidade local entrevistados achamque ainda existem ações pontuais e desarticuladas,apesar dos esforços da Secretaria da Cultura e Turis-mo do Estado da Bahia em integrar os órgãos gover-namentais que atuam na Costa do Descobrimento.

Apesar disso, existe já o esboço de um bom prog-nóstico para o processo participativo na região: 96%das pessoas que participaram do Núcleo de Gestãoacreditam que o Conselho Regional de Turismo podeestimular ações voltadas para o fortalecimento dacomunidade da Costa do Descobrimento. E segun-do 82% do mesmo conjunto de entrevistados, o ca-minho para o fortalecimento do CRT é ele se tornarum órgão consultivo e um porta-voz das reivindica-ções da comunidade.

Parece ser um aspecto conclusivo que, para queo Conselho Regional de Turismo seja eficaz, os go-vernos locais teriam que dar seu reconhecimento esua contribuição financeira, a fim de lhe garantir umaestrutura mínima que envolva a comunidade e os seusmembros – essa é a opinião da maioria dos entrevis-tados, principalmente dos componentes do CRT.

Contudo, a contribuição financeira externa seriamais urgente ao longo da fase de consolidação daexperiência, pois, ainda segundo os entrevistados,

a luta pela auto-sustentação deveestar presente no funcionamentocotidiano desse tipo de associação.Uma fonte para assegurar essaauto-sustentação seria a própriacontribuição dos seus membros, aqual é fundamental também nosentido educativo-participativo:cada membro precisa sentir dentrode si a importância e o compromis-

so de manter a associação que é sua, integralmen-te. (Demo, 1988)

Corroborando a teoria, a falta de experiência dosparticipantes em projetos associativos foi apontadapor muitos entrevistados como um dos fatores que,efetivamente, prejudicaram o desenvolvimento efortalecimento do modelo de gestão participativa naCosta do Descobrimento. Outros elementos limitan-tes, como a baixa cidadania, as resistências de des-centralização e o elevado grau de individualismo seevidenciaram ao longo da pesquisa como outrosfatores críticos nesse caminho. Por outro lado, 98%dos entrevistados concordam que a gestão partici-pativa não só é um exercício de cidadania como achave para o aumento da prosperidade na região, oque sinaliza para a atração das instituições e repre-sentações da sociedade local, no sentido de partici-par do processo decisório regional. Os atoresressaltaram que estão, é claro, “no primeiro degrauda escada” e que se trata de uma “enorme conquis-ta, ainda por fazer”. Mas a consciência a esse res-peito, pelo menos na Costa do Descobrimento, jáexiste.

As oportunidades econômicas como fatores demobilização pró-experiências de cooperação foramenfatizadas por todos os entrevistados. Quando es-sas pessoas começam a aprender a trabalhar emconjunto, as razões iniciais (interesses pessoais) que

98% dos entrevistadosconcordam que

a gestão participativanão só é um exercíciode cidadania como a

chave para o aumentoda prosperidade

na região.

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as mobilizam para a participação podem se trans-formar em objetivos maiores, sugerem alguns dosentrevistados.

Mas por não reconhecer essa possibilidade demudança, parte do setor público deixa de encararesse aspecto como uma ferramenta de mobilizaçãopotencialmente positiva, voltada para a realizaçãoconcreta de objetivos comuns.

Porque os governos não investem na capitaliza-ção do clima favorável à mobilização da população,termina difundindo-se um sentimento de descrençada comunidade organizada quanto às intenções go-vernamentais. Quanto a essa colocação, ficou evi-denciada uma percepção da sociedade civil de quea gestão participativa ainda é algo que ameaça osgovernos. Essa questão pode ser considerada umdos aspectos mais complexos da gestão participati-va. Mas todos os entrevistados admitem que as difi-culdades são de parte a parte – governo e comuni-dade, casos de sucesso, já registrados, são umaforma através da qual governo e lideranças comu-nitárias podem se sensibilizar e caminhar em dire-ção a esse processo, no sentido de repassar o sa-ber crítico acumulado a partir da prática vivenciada.

A pesquisa mostrou que a experiência coorde-nada pela SUDETUR na Costa do Descobrimento,através do Núcleo de Gestão, foi importante e útilpara todos que dela participaram. Apesar dos errose miopias que dificultaram o processo, os entrevis-tados explicitaram que o Núcleo de Gestão deveriater permanecido em funcionamento durante maistempo. Isso está sintonizado com a opinião de mui-tos estudiosos do tema, os quais afirmam que osprocessos participativos demandam muito tempopara amadurecer e se consolidar.

Conclusões

Com base nas considerações desenvolvidas, épossível indicar que, apesar das limitações e obstá-culos no meio do caminho, há possibilidades reaisde que a sociedade civil possa assumir a tarefa deredirecionar sua relação com o Estado, medianteum controle maior e uma participação nas decisõessobre projetos de desenvolvimento local.

O momento atual é o de consolidar as conquis-tas e inovações. Para tanto, torna-se necessáriovencer os obstáculos e as deficiências que ainda

persistem. Essas tarefas não são fáceis, uma vezque os projetos estão em sua grande maioria as-sentados sobre estruturas arcaicas de poder, cominteresses resistentes a transformações sociais demaior vulto e processos participativos e de organi-zação social ainda não completamente sedimenta-dos. Ademais, os resultados dessa pesquisa ten-dem a necessidade de realizar novos estudos paraaprofundar as questões aqui abordadas. Como su-gestões para o futuro tomaram-se emprestadas asrecomendações feitas por Pedro Jacobi, especialis-ta em desenvolvimento rural do Instituto Interameri-cano de Cooperação para a Agricultura (IICA), cita-das por Jara (apud Fundação Konrad-Adenauer),sobre as condições que possibilitam a participaçãosocial:• Fortalecimento, através de programas de capaci-

tação, do potencial técnico e gerencial dos agen-tes institucionais envolvidos nos processos dedesenvolvimento municipal.

• Estabelecimento de mecanismos de participaçãosocial e comunicação (conselhos municipais, co-missões, mesas de negociação, etc.) envolven-do representantes dos vários atores sociais, alémdos canais de representação tradicional (Câma-ra dos Vereadores), como espaços instituciona-lizados para a expressão e debates de interesses,formulação de políticas sustentáveis, maior trans-parência.

• Estímulo e fortalecimento das articulações dos ór-gãos públicos federais e estaduais com os municí-pios, contribuindo para o desenvolvimento de umnovo sistema institucional público descentralizado,com maior sensibilidade social, flexibilidade de efi-ciência, operando próximo às comunidades.

• Estabelecimento e operacionalização de um siste-ma transparente de informação, que permita a arti-culação do município como um todo, orientando oplanejamento, estimulando o diálogo, a comunica-ção, a interpretação dos problemas prioritários e atomada de consciência, como parte de um movi-mento permanente de interação entre o governolocal e os cidadãos, bem como possibilitando o en-volvimento da sociedade civil nos processos degestão da administração pública.

No contato com os diversos atores entrevista-dos no desenvolvimento deste trabalho foi possível

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130 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.125-130 Setembro 2001

identificar estar-se vivenciando um período histori-camente referencial, que apresenta tendências pararupturas de velhas estruturas de gestão, com todasas dificuldades e resistências que isso traz.

Acredita-se que a gestão participativa poderá seruma das opções que permitem visualizar a possibi-lidade de se formular um novo contrato social entreo Estado e a sociedade civil. As questões discuti-das neste trabalho indicam a existência de “janelasde oportunidades”, abertas tanto pela experiênciados atores sociais na CD como por outras experiên-cias que estão ocorrendo em vários pontos do país.

O propósito do diálogo cívico é deslocar a discus-são do que eu penso para o que nós pensamos. Oscidadãos e os formuladores de políticas sabem que,para encontrar soluções para os problemas da soci-edade mais difíceis de tratar, devem ser descobertasnovas formas de conversar, decidir e entrar em ação.A função de decidir em conjunto é decisiva para ascomunidades de agora e do futuro, seja através dereuniões, de associações ou de pequenos grupos debairro. (Morse apud HESSELBEIM et al, 1998)

Conforme atesta um estudioso do tema:

Tem-se chegado a um ponto em que se sabe que a participa-

ção não é uma fórmula mágica, mas que requer um trabalho

paciente. Nenhuma das formas de participação que foram

aplicadas até agora resolveu completamente os problemas.

É muito possível que esses problemas, como tantos outros

de relações humanas, nunca sejam resolvidos de forma defi-

nitiva. Mais importante que buscar soluções totais é reconhe-

cer que se trata de um processo prolongado de aprendizagem,

cuja primeira etapa é aprender a aprender. (Walker, 1974).

Palavras-chave: gestão participativa, desenvol-vimento sustentável local, comunidade, cidadania.

Notas

1 Monografia apresentada no Programa de Capacitação Pro-fissional Avançada (CPA) do Núcleo de Pós-Graduação(NPGA) da Escola de Administração da UFBA, sob a orienta-ção da professora Elisabeth Loiola.

2 Na ocasião, CODETUR.

3 O pesquisador toma contato com a comunidade estudadasem se integrar a ela. Não se deixa envolver pelas situações,embora a observação seja consciente e dirigida para um fimdeterminado.

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WALKER, Kenneth. Participación de los trabajadores en lagestión. Boletim Inst. Internacional de Estudos Laborales:Genebra, 1974.

*Dalva Maria Sant’Anna,Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira e

Symona Gropper Berenstein integram a equipe doPrograma PRODETUR, trabalhando na Superintendência

de Desenvolvimento do Turismo – SUDETUR,Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia.

E-mail: [email protected].

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.131-141 Setembro 2001 131

Este artigo tem três objetivos básicos. Primeiro, ode mostrar quais foram os principais fatores que pro-moveram o desenvolvimento da indústria fonográfi-ca no Brasil. Depois, é feita uma análise do mercadofonográfico brasileiro na década de 1990, que foi ummomento muito especial para a indústria de discosdo Brasil. Terminando o artigo, é feita uma aborda-gem da indústria fonográfica na Bahia, evidenciandoseu surgimento e mostrando a importância do axémusic para seu desenvolvimento.

O período de dinamização da indústria fono-gráfica no Brasil1

Foi a partir das décadas de 1960 e 1970, que aindústria fonográfica brasileira deu um grande salto,dinamizando-se e dinamizando a economia brasilei-ra. Dois são os fatores principais que explicam o cres-cimento da indústria de discos do Brasil nesseperíodo. O primeiro deles foi o processo de substitui-ção das importações, iniciado no Brasil na décadade 1940, mas só consolidado no mercado fonográficodoméstico no final da década de 1960. O segundofator foi a necessidade de se criar um estilo musicalgenuinamente brasileiro, que promovesse uma afir-mação sociocultural do povo brasileiro.

A partir da década de 1960, houve uma reorga-nização de indústria cultural brasileira. Particular-mente no cenário musical, iniciou-se um processoestratégico de promoção dos produtos musicais fa-bricados no Brasil. Em meados da década, houveum verdadeira redefinição da música feita no país

em resposta a uma necessidade de se criar um es-tilo próprio, capaz de competir nacionalmente como produto que vinha de fora:

Por volta de 1965, houve um redefinição do que se entendia

como Música Popular Brasileira, aglutinando uma série de

tendências e estilos musicais que tinham em comum a von-

tade de ‘atualizar’ a expressão musical do país, fundindo ele-

mentos tradicionais a técnicas e estilos inspirados na Bossa

Nova, surgida em 1959. (Eugênio, 1999)

Além disso, a década de 1960 promoveu umasérie de mudanças, muito importantes para a con-solidação da indústria fonográfica no Brasil. Visan-do a uma maior cooperação e a uma nova legislaçãopara a música, em 1965 as gravadoras do Brasil seuniram, constituindo a Associação Brasileira de Pro-dutores de Disco (ABPD). As primeiras conquistasda APBD junto ao governo brasileiro foram a Lei deIncentivo Fiscais, de 1967, que permitia aplicar oICM devido pelos discos internacionais em discosnacionais, e a nova Lei de Direitos Autorais, de 1973,que, entre outras coisas, permitia a não-numeraçãodos discos produzidos. Além dessas duas mudan-ças institucionais, houve uma importante modifica-ção da estrutura do mercado brasileiro:

Em 1959, de cada dez títulos comprados, sete eram estrangei-

ros. Em 1969, essa relação se inverte nas mesmas proporções.

Houve um nítido processo de ‘substituição das importações’

em curso: o mercado brasileiro passou a consumir canções

compostas e produzidas no próprio país. (Eugênio, 1999)

A indústria fonográfica

no Brasil e na Bahia

Gustavo Casseb Pessoti*

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Para o professor Marcos Napolitano Eugênio, queé grande pesquisador do assunto, a necessidadede afirmação do novo gênero musical brasileiro ter-minou também por promover uma modernização no“veículo de transporte do som gravado”. Assim, nofinal da década de 1960 e início de 1970, o long-play de 12 polegadas e 33 1/3 rotações por minutosubstituía completamente o disco de fonograma,exatamente pela necessidade de se rotular a MPBcomo um momento de evolução da indústria fono-gráfica do país.

Todos esses fatores foram res-ponsáveis por um grande crescimen-to e desenvolvimento da indústriafonográfica no Brasil. Entre 1966 e1976 a indústria fonográfica apresen-tou um crescimento de 444%, contra152% do PIB brasileiro no mesmoperíodo. (Eugênio, 1999)

As empresas que dominavam omercado brasileiro nas décadasconsideradas eram a Philips, queincorporou a Companhia Brasileirade Discos (CBD), a CBS e a Odeon,que era dona de um elenco de ar-tistas de muito prestígio na época.Para tentar ganhar algumas parce-las de participação no mercado brasileiro, domina-do até então por estas três grandes, as empresasmenores eram obrigadas a descobrir novos talen-tos da MPB. Foi assim que a pequena gravadora RGEconseguiu apresentar um bom desenvolvimento, en-tre 1966 e 1969. Entre outros artistas menos conhe-cidos, a RGE apresentou para o cenário musicalbrasileiro o cantor e compositor Chico Buarque deHollanda, que logo viria a se tornar um grande nomeda música popular brasileira.

Nas palavras do próprio professor Eugênio, osucesso que a MPB atingiu nas décadas de 1960 e1970 se deveu “à necessidade das gravadoras emgarantir a formação de um elenco fixo de criadores,mantendo uma regularidade na produção musical,amplamente baseada em ‘movimentos’, os quaisajudavam a racionalizar a relação empresa-consu-midor”. As gravadoras buscavam um produto quegarantisse uma vendagem mais estável e duradou-ra. Num momento em que a divulgação e publicida-de em grandes agências não apresentavam um bom

desenvolvimento, as gravadoras dependiam muitoda relação compositor-público consumidor, para acriação de um novo produto musical.

Naquele momento, foi a televisão e sobretudoos programas musicais, em que se destacam os fes-tivais da canção, que se transformaram no grandeveículo de divulgação de novos artistas e de suasobras para um público consumidor ainda indecisoem relação às preferências musicais. Os festivais,mostrados pela TV, aproximaram muito a indústria

fonográfica do consumidor, e o pú-blico passou a conhecer inclusive otrabalho de músicos menores, degravadoras pequenas.

Assim, através dos festivais eprincipalmente, graças à MPB, apartir de 1968 a estrutura do mer-cado fonográfico brasileiro mudouconsideravelmente. Ao invés deperseguir um grande boom do con-sumo musical, a indústria fonográ-fica passou a realizar lançamentosmusicais e a distribuir seus produ-tos conforme o tipo de público e operíodo do ano. Isso se deveu, prin-cipalmente, ao fato de o festival terajudado na “construção” de um pú-

blico consumidor bastante fiel. “A partir da décadade 1960, a indústria já possuía autonomia suficientepara racionalizar seus produtos musicais de acordocom uma tendência de consumo mais estabilizada,cujo processo foi facilitado pela institucionalizaçãoda MPB”. (Eugênio, 1999)

Segundo Marcos Napolitano Eugênio, os princi-pais acontecimentos no mercado musical do Brasil,na virada da década de 1960 para a de 1970, foramos seguintes:• A reciclagem na carreira de Roberto Carlos, que

o consolidou como campeão de vendas para opúblico mais adulto, fazendo-o atingir cifras im-pressionantes, mesmo para os níveis internacio-nais. Da mescla da Jovem Guarda com o filãoromântico, nascia a música “brega”;

• O samba ter conhecido um novo incremento devendas, apoiado num estilo mais melodioso, comletras românticas e de ritmo cadenciado;

• O surgimento do Tropicalismo, com a ascensãodos “Novos Baianos”;

O sucesso que a MPBatingiu nas décadas

de 1960 e 1970 sedeveu “à necessidade dasgravadoras em garantir a

formaçãode um elenco fixo decriadores, mantendouma regularidade naprodução musical,

amplamente baseadaem ‘movimentos’, os

quais ajudavam aracionalizar a relação

empresa-consumidor”.

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• O fato de uma música que misturava elementosdo pop com MPB começar a ser esboçada e atin-gir diretamente o mercado jovem. A partir de1972, nomes como Raul Seixas e Sá & Guarabirapassaram a figurar entre os mais executados. Orock brasileiro conhecia seu primeiro grande re-presentante com Os Mutantes;

• Cantores consagrados da MPB terem partidopara uma carreira internacional, como Tom Jobim,Elis Regina, ou então buscarem consolidar seuespaço junto ao público estudan-til, como Milton Nascimento e GalCosta;

• A MPB, a partir de 1975, ter co-nhecido um novo boom criativo ecomercial. Fagner e Belchior seconsolidam no panorama musi-cal. Os cantores remanescentesdos festivais tornavam-se “mons-tros sagrados” da canção brasi-leira.

Assim, ao final da década de1970, a MPB já estava consolidadae já apresentava um público consumidor fiel, princi-palmente composto pelos jovens da elite brasileira.O mercado brasileiro passou então “a ser dotadode uma dinâmica própria e auto-reproduzida”. En-cerrava-se o processo de substituição das importa-ções em relação ao produto musical. Dos discos con-sumidos no país, 70% eram também produzidosaqui. O nível técnico das gravações era, ainda, mui-to inferior aos padrões internacionais, mas não aponto de inviabilizar o crescimento da produção dediscos no Brasil. Novas gravadoras, como a WEA,montaram filiais no país, e as gravadoras já aquiexistentes aumentaram seu capital, modernizandocom isso seus estúdios de gravação e passando adeterminar os rumos do panorama de consumo musi-cal. A MPB continuava no topo das paradas de su-cesso e, em 1979, tornou-se a “faixa de prestígio ede lucro a longo prazo” da indústria fonográfica,mantendo-se nessa posição até a entrada do popno mercado brasileiro, em meados da década de1980. (Eugênio, 1999)

De tudo que foi exposto nessa seção, pode-sedizer, de maneira resumida, que a dinamização daindústria fonográfica brasileira no período de 1960

a 1980 foi o resultado de algumas mudanças impor-tantes no panorama interno. O principal desses fa-tores foi a formação de um “pólo de consumo musi-cal”, possibilitado pela necessidade de afirmação damúsica brasileira como um produto rentável, dentroda indústria de discos. A MPB foi muito bem aceitae ajudou na criação de um público consumidor,centrado nas classes média e alta da população,para o produto brasileiro. Contribuíram muito paraisso os musicais de televisão e, particularmente, os

festivais da canção. A TV não sóajudou a indústria fonográfica asondar as preferências musicais dopúblico consumidor como tambémauxiliou na formação do gosto mu-sical desse mesmo público. “A arti-culação ‘televisão-indústria fono-gráfica-shows’ permitiu a divisãodos riscos e racionalização dos re-cursos num momento em que aestrutura do mercado estava exces-sivamente instável e fluida” (Eugê-nio, 1999). Esses são os principaisfatores que explicam o vertiginoso

crescimento da indústria fonográfica no Brasil, du-rante o período 1960-1980.

O mercado fonográfico brasileiro na décadade 1990

É praticamente impossível afirmar, com certe-za, qual o estilo musical que melhor caracterizou omercado fonográfico do Brasil na década de 1990.Diferentemente dos anos 1950, em que o estilo pre-dominante foi a Bossa Nova; dos anos 1960 e 1970,em que a MPB dominou o mercado, ou da décadade 1980, em que o pop rock de Lulu Santos e Le-gião Urbana era o campeão de vendas, pelo me-nos quatro estilos musicais diferentes foram muitobem aceitos pelo público consumidor de música nosanos 1990. Axé, Pagode, Sertanejo e Forró conso-lidaram-se no Brasil nesse período e conseguiramuma proeza: desbancar a música estrangeira navendagem de discos. Segundo Filippi (1998), osartistas nacionais, principalmente os relacionadosaos estilos acima citados, foram responsáveis por75% do mercado de discos então vendidos no Bra-sil. Axé, Pagode, Sertanejo e Forró responderam

A dinamização daindústria fonográficabrasileira no períodode 1960 a 1980 foi o

resultado da formaçãode um “pólo de consumomusical”, possibilitado

pela necessidade deafirmação da músicabrasileira como um

produto rentável, dentroda indústria de discos.

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por, aproximadamente, 60 milhões de discos dos100 milhões vendidos pela indústria fonográfica bra-sileira em 1997.

O Brasil, que ocupava a 14a posição no rankingmundial de vendas de discos até fins da décadade 1980, passou a ocupar, em fins da década de1990, a sexta posição, só atrás dos Estados Uni-dos, Japão, Alemanha, Reino Unido e França. Se-gundo explicações de um diretor executivo da IFPI,Nicolas Garnett, este crescimento pode ser expli-cado pelo fato de, durante muitotempo, o mercado brasileiro tersido predominantemente constitu-ído por LPs e cassetes. A entradade CDs, de melhor qualidade, nocenário brasileiro, bem como amelhoria da situação econômica dopaís, são dois dos principais fato-res que, segundo Garnett, justifi-cam o salto em vendagens de dis-cos, principalmente na segunda metade da décadade 1990. Só para se ter uma idéia, enquanto empaíses como os Estados Unidos e a Alemanha asvendas de discos (CDs, LPs e cassetes) apresen-taram um pequeno crescimento de 2% em 1996,em relação a 1995, no Brasil esse crescimento foide 33% para o mesmo período. Em 1996, a indús-tria fonográfica brasileira vendeu aproximadamen-te 100 milhões de cópias de discos, apresentandoum faturamento de mais de US$ 1,3 bilhão, maisda metade de todo o faturamento latino-americanoe de US$ 2,4 bilhões, em 1996. (Negromonte, 1997)É o que revela a Tabela 1, que mostra os dez paí-ses que mais faturaram com a música em 1998.

No Brasil, assim como acontece com a indústriafonográfica mundial, existe um pequeno grupo degravadoras que responde por mais de 90% do totalde vendas de discos no país. As seis maiores grava-doras do mercado são a Som Livre, a Polygram, aSony, a BMG, a EMI (que se fundiu com a Warnerem 2000) e a WEA. Os 10% restantes são ocupa-dos por gravadoras pequenas, que não chegam aalcançar 10 mil discos vendidos por ano. A estrutu-ra da indústria fonográfica do Brasil do fim dos anos1990 é semelhante à indústria dos Estados Unidosda década de 1960. (Caride, 1997)

Segundo Caride, o que ocorre no “Brasil de hoje”é exatamente isso. Selos e pequenas gravadoras dis-

putam o mercado com as distribuidoras de seus pró-prios produtos. Assim, a maioria dos pequenos éobrigada a terceirizar serviços de produção, grava-ção em estúdio e até mesmo a distribuição para asgrandes gravadoras, com o intuito de permanecer nomercado de discos. Cabe às pequenas e médias gra-vadoras a incumbência de lançar novos talentos, umavez que os grandes nomes da música brasileira játêm contrato firmado com as grandes.

Outro dado importante é que todas as seis gra-vadoras que dominam o mercadobrasileiro escolheram o Rio de Ja-neiro como sede principal para a re-alização dos trabalhos de criaçãomusical. O restante, que envolve aprodução, fabricação e publicidade,está dividido entre o eixo Rio-SãoPaulo. As grandes gravadorasterceirizam a produção musical pornão se tratar de um trabalho rentá-

vel. “A hora de gravação de um CD custa R$ 160,00.Um CD demora entre 500 e 600 horas para ser gra-vado. O estúdio porém não é a parte mais rentáveldo negócio. O que dá dinheiro é vender discos, enão gravar”. (Caride, 1997)

No Brasil, assim comoacontece com a indústria

fonográfica mundial,existe um pequeno grupo

de gravadoras queresponde por mais de

90% do total de vendasde discos no país.

De acordo com pesquisas da ABPD, dois são osfatores principais que ajudaram a fortalecer o mer-cado fonográfico brasileiro ao longo dos anos. O pri-meiro deles foi a Lei de Incentivos do governo federal,

1alebaTsonacifárgonofairtsúdniadoãçudorP

socsidedserotudorpsesíapseroiam018991

síaPsedadinUsadidnev*)seõhlim(

otnemarutaF)seõhlim$SU(

oãçapicitraPoãçudorpan

laidnum)rolavme(

AUE 9,5901 4,391.31 1,43

oãpaJ 4,644 0,125.6 9,61

odinUonieR 5,982 6,558.2 4,7

ahnamelA 6,072 5,238.2 3,7

açnarF 6,461 8,431.2 5,5

lisarB 3,501 5,550.1 7,2

ádanaC 4,98 3,969 5,2

ahnapsE 6,46 8,086 8,1

ailártsuA 6,35 7,606 6,1

ailátI **DN 7,795 5,1

laidnumoãçudorP DN 0,007.83 0,001

8891,IPFI:etnoFselpmiSsdCesetessaC,sDC*

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.131-141 Setembro 2001 135

de 1967, que permitia que o ICM gerado pela vendade produtos fonográficos (inclusive os estrangeiros)fosse utilizado exclusivamente para a gravação demúsica brasileira. O segundo, foi a maior veiculaçãoda indústria fonográfica brasileira pelas redes derádio e TV. Uma gravadora, por exemplo, como aBMG, terceira em faturamento em 1996 (com cercade R$ 120 milhões), destina cerca de 14% de seufaturamento líquido para a divulgação de seus dis-cos. “As emissoras de rádio são, hoje, o meio maiseficiente para vender discos. Aveiculação de música nas trilhas so-noras de novela, por sua vez, é osegundo melhor canal de divulga-ção”. (Caride, 1997)

Já para a pesquisadora da Ga-zeta Mercantil, Célia de GouveiaFranco, as explicações para o cres-cimento da indústria fonográfica no Brasil, em mea-dos de 1990, estão ligadas à melhoria da situaçãoeconômica, possibilitada pelo Plano Real, que entrouem vigor em julho de 1994, e, em segundo lugar, àmudança na estrutura das vendas de CD, que pas-saram a ser realizadas em lojas de departamentos.

Segundo Franco, algo em torno de 20 milhõesde aparelhos de som com CD players e rádio grava-dores foram vendidos no Brasil, de 1994 a 1997: “apopularização dos aparelhos de som foi tão rápidaque, num curto espaço de tempo, entre 1995 e 1996,foram vendidos 10,7 milhões de sistemas de som,número superior à população de Portugal”. (Fran-co, 1997). A explosão na venda de aparelhos desom foi acompanhada de perto por um aumento nasvendas de CDs, que substituíram os discos de vinil.

A mudança estrutural de vendas no mercado,referida pela autora, relaciona-se ao fato de que asgrandes lojas de departamento começaram, emmeados da década de 1990, a se especializar tam-bém na vendagem de discos. Segundo Franco, aslojas de departamento foram responsáveis por 42%das vendas de CDs no país naquele período, princi-palmente para uma população de classe mais baixa.

Seja por um desses fatores ou pela conjunçãode todos os expostos até aqui, o fato principal é quea década de 1990 possibilitou não só um crescimen-to das vendas como também um aumento no nacio-nalismo – uma busca pelo produto brasileiro (seme-lhante ao ocorrido nas décadas de 1960 e 1970 com

a MPB). Músicas menos comprometidas com umaletra mais apurada e mais voltadas a um ritmo ale-gre e dançante foram a tônica dos anos 1990. Tam-bém o romantismo e a música religiosa fizeram-sepresentes. Em 1998, o conjunto de pagode “Só PráContrariar” alcançou uma marca até então históricapara a indústria nacional: mais de 3 milhões de dis-cos vendidos, superando os trabalhos de bandascomo “Oásis”, “U-2” e “Rolling Stones”, que, juntas,venderam 500 mil cópias de discos no Brasil, no

mesmo período. No Axé, os nomesmais expressivos foram “É o Tchan”,que até 1998 já havia vendido maisde 6 milhões de cópias e, ainda, a“Banda Eva”, com 2 milhões de uni-dades; Netinho com 1,5 milhão;“Cheiro de Amor”, com 1 milhão, eo “Terra Samba”, com 400 mil uni-

dades vendidas, de seus respectivos últimos lança-mentos. Dos 22 milhões de CDs vendidos em 1997pela gravadora Polygram, 32% foram de conjuntosde axé. (Filippi, 1998). Ainda segundo Filippi, ou-tros sucessos de vendas de discos foram os “pa-dres cantores”. Só Marcelo Rossi vendeu mais de3,2 milhões de CDs até meados de 1999.

O axé music e a indústria fonográfica na Bahia

A indústria fonográfica na Bahia só surgiu nasegunda metade da década de 1980. Até 1983, oque existia neste estado eram estúdios de grava-ção de propagandas para rádio e televisão. A WRProduções, que pertence ao empresário baianoWesley de Oliveira Rangel, foi uma das pioneirasnesse ramo. Surgiu em 1975, fazendo a publicida-de na Rede Cidade e no jornal A Tarde. A partir de1978, a WR começou a trabalhar com trilhas ejingles, iniciando assim o trabalho com música. Maso negócio, como estúdio de gravação musical, sóengrenou em 1983, quando Rangel montou em seuestúdio uma banda de música chamada “Codizeres”.Em 1985, foi criada na Bahia sua primeira empresade gravação de som musical. O primeiro sucessofoi a gravação de uma banda chamada “AcordesVerdes”, liderada pelo cantor Luís Caldas. SegundoWesley Rangel, o surgimento da indústria fonográ-fica na Bahia se confunde com o surgimento do axémusic. Esse foi um movimento musical muito bem

Músicas menoscomprometidas com uma

letra mais apurada emais voltadas a um ritmoalegre e dançante forama tônica dos anos 1990.

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aceito pelas gravadoras e rádios, porque o merca-do estava propício ao aparecimento de um novogênero, fora do convencional.

Assim, a indústria fonográfica da Bahia surgiu paraatender à demanda desse estilo musical, que empoucos anos de vida alcançou enorme sucesso.Antes de mais nada, é preciso deixar bem claro que,quando se fala em indústria fonográfica na Bahia,se fala de uma indústria de produção musical. NaBahia, não existem fábricas de CDs ou gravadorasmultinacionais. O que existe é um mercado de estú-dios de gravação. Nas palavras de Rangel, “o queexiste na Bahia é um mercado produtor de matéria-prima acabada a nível de produção, onde uma gra-vadora como a Polygran, BMG ou Warner contrata oartista e então contrata a produção de seu disco”.(Rangel, 1999). Aí aparece a atividade fonográficada Bahia: produzir discos em estúdios ou mesmo fora.

Todas as etapas da produção musical de um dis-co podem ser feitas na Bahia. A produção fonográ-fica, a produção ligada ao disco, inclui a escolha dorepertório, a seleção dos profissionais que vão tra-balhar, dos arranjadores, dos músicos e a definição,junto ao artista, da forma como uma música vai sergravada.

Na Bahia, a maioria dos estúdios profissionaisgrava e mixa CDs em mesas de 24 canais. Poucossão os estúdios onde se consegue gravar e mixarem 48 canais. O estúdio WR é um deles, onde essetipo de trabalho pode ser feito. Com uma aparelha-gem e infra-estrutura que fazem dele o terceiro me-lhor estúdio independente da América Latina, na WRum artista pode gravar em 24, 48 ou até mais ca-nais, se desejar. A aparelhagem disponível na Bahiaé a mesma que já existe em São Paulo, Tóquio ouNova Iorque. A técnica de gravação é a mesma naBahia ou em qualquer lugar do mundo. O diferencial,hoje, fica por conta da qualidade da equipe técnicaque trabalha na Bahia e do “astral de gravar em umestado tão maravilhoso”. O Ara Ketu, por exemplo,exige da sua gravadora, a Sony Music, que a grava-ção de seu disco seja toda ela feita na Bahia.

As principais produtoras fonográficas da Bahiaestão ligadas às grandes bandas de Axé. São elas:a Mazana, que produz os discos do Chiclete comBanana; a Pracatun, empresa de Carlinhos Brown,que produz seus discos e da Banda Timbalada; Pá-gina do Mar, de Daniela Mercury; MEG, de Netinho;

o Bicho da Cara Preta, que produz “É O Tchan” eCompanhia do Pagode. Como, basicamente, todasas produtoras são também estúdios de gravação,pode-se dizer que na Bahia existem aproximada-mente 15 estúdios profissionais e quase duas cen-tenas de pequenos estúdios, os chamados “fundode garagem”. A maioria dos estúdios profissionais éde grandes bandas do axé, como vimos anterior-mente. Existem também os estúdios de pré-produ-ção, onde se destacam o Verde, o RPA e o Zero,que são pequenos, com investimentos que não ul-trapassam R$ 300 mil. O maior estúdio profissionalindependente da Bahia é o WR Produções, que éconsiderado um estúdio de padrão internacional,pois reúne investimentos de cerca de R$ 1,5 mi-lhão. O WR é responsável por aproximadamente95% da produção musical dos grandes nomes doaxé baiano, como Ara Ketu, Chiclete com Banana,Daniela Mercury, além de responder por mais de50% do total de toda a produção fonográfica daBahia, seja de axé music ou não.

A atividade fonográfica demorou bastante paradeslanchar na Bahia. Isso se deveu ao fato de aindústria fonográfica baiana ter surgido como umreflexo do sucesso nacional do axé music. Apesarde ter surgido, em fins da década de 1980, com muitaforça de mercado, apresentando, já em 1989, umabanda como a Reflexus, que conseguiu uma ven-dagem de 900 mil cópias de disco por todo o Brasil,além de nomes como Luís Caldas, Sarajane e Olodum,que sempre vendiam acima de 100 mil cópias, oaxé não era bem visto pelos olhos das grandesmultinacionais da gravação. Isso acontecia, segun-do Wesley Rangel, porque todas as grandes grava-doras de música, além das emissoras de rádio eTV, se localizavam no eixo Rio-São Paulo. Assim,não era interessante que a Bahia começasse a lan-çar selos próprios para vender a sua música.

A partir da década de 1990, foi promovida umainversão nesse quadro, tendo sido, basicamente,dois os passos fundamentais para se suplantar essabarreira. O primeiro, foi a boa aceitação do públicobrasileiro de uma cantora baiana, até então restritaaos barzinhos de Salvador – Daniela Mercuy. Se-gundo Rangel, que produziu o primeiro disco dacantora, lançado pela gravadora Eldorado, Danielaconseguiu popularizar o axé music. Já em seu se-gundo disco, “O Canto da Cidade”, que era um tra-

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balho de samba reggae, uma das subdivisões doaxé, Daniela conseguiu um contrato com uma dasmultinacionais, que antes havia fechado as portaspara o axé: a Sony Music. O disco não só vendeumais de um milhão de cópias como também poten-cializou o mercado fonográfico da Bahia.

O segundo fator a contribuir significativamentepara o desenvolvimento da indústria fonográficabaiana foi o considerável aumento de carnavais forade época e, principalmente, fora do Estado. Essa eraa chance que o axé precisava parachegar a São Paulo, Rio de Janeiro,Minas, Brasília e tantos outros luga-res, até então dominados, quase queexclusivamente, pela musicalidadedo eixo Rio-São Paulo. O axé, emmeados da década de 1990, estavapresente em mais de 60 carnavaisfora de época e passou a ser o esti-lo dominante em quase todas as FMsdo país, desbancando a música in-ternacional que as multinacionaistentavam impor no Brasil.

O mercado fonográfico baianoproduz cerca de quatro a cinco dis-cos por mês, o que representa algo em torno de 50discos por ano. Desses 50, dez ultrapassam as cemmil cópias vendidas e pelo menos um disco tem ul-trapassado 1 milhão. A média dos grandes artistas,entretanto, é de 200 a 500 mil discos, o que resultaem uma vendagem anual média de 5 milhões dediscos baianos.

Quando um grupo de axé vende 1 milhão de có-pias de discos, os impactos econômicos para a eco-nomia baiana são muitos. Incentiva-se a indústriado carnaval da Bahia e, em última instância, a pró-pria indústria turística do estado. Entretanto, comrelação à indústria fonográfica baiana propriamentedita, os impactos não são tão grandes. Supondo opreço de um disco a R$ 20,00, são gerados R$ 20milhões só de vendas. Desse número, aproximada-mente 90%, ou seja, R$ 18 milhões, ficam com agravadora, que é uma multinacional que não temnada a ver com a Bahia. Quando a produtora docantor é de muito prestígio, ela até pode conseguiruma percentagem acima de 10% das vendas, mas,em geral, é essa a quantia que as grandes produto-ras da Bahia conseguem para si, para o pagamento

de seus serviços. Assim, 10% do preço de capa dasvendas do disco retorna para a produtora do artista,para o pagamento de todos os custos de produção,inclusive os direitos autorais dos artistas, músicos eeditores, se a música é editada. Nesse caso consi-derado, apenas R$ 2 milhões retornam para a Bahia,para pagar a todos os que participaram do proces-so de gravação do disco e distribuir os direitos auto-rais. No caso da produtora de disco não ser baiana,retorna apenas a parcela destinada ao pagamento

dos direitos autorais dos músicos.Freqüentemente, 100% das letrasdos discos de axé são feitas porartistas baianos, que precisam re-ceber direitos autorais para sobre-viver.

Assim, os reais impactos propor-cionados pelo sucesso de vendasde um disco baiano são dois: um éo aumento do recolhimento deICMS, que é gerado para o gover-no, quando da venda do produto nomercado baiano. O outro, é umamaior exposição da música daBahia nos meios de comunicação

de todo o país, o que incentiva selos e gravadorasde toda a urbe a buscarem um novo talento musicalna Bahia, estimulando, por sua vez, o aumento daprodução musical do estado, que é o que alimentaa indústria fonográfica na Bahia.

O mercado fonográfico baiano emprega, entrevendedores de lojas, vendedores de equipamentos,músicos, técnicos, arranjadores, enfim, mão-de-obradireta ou indiretamente ligada à música, aproxima-damente 5 mil pessoas em todo o estado. Traba-lhando diretamente na produção fonográfica, estãocerca de 700 músicos, dos quais, pelo menos 50estão ativos no mercado, isto é, seus discos estãosendo vendidos regularmente em todas as estaçõesdo ano. Desses 50, pelo menos dez têm nome forteno Brasil e no exterior. Timbalada, Asa de Águia,Chiclete com Banana, Eva e Cheiro de Amor nãovendem menos que 200 mil cópias de qualquer dis-co lançado.

Um disco, com um pessoal muito bem entrosado,pode ser gravado em até 10 horas. Tecnicamente,porém, pelas condições de mercado, para se fazerum disco bom e competitivo, gasta-se entre 120 e

O mercado fonográficobaiano emprega,

entre vendedores delojas, vendedoresde equipamentos,músicos, técnicos,

arranjadores, enfim,mão-de-obra diretaou indiretamenteligada à música,

aproximadamente 5 milpessoas em todo

o estado.

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400 horas em estúdio, segundo Wesley Rangel. Umamúsica, em média, demora 24 horas para ficar pron-ta, obedecendo a ordem de gravação e mixagemdos instrumentos à voz gravada. Algumas músicaschegam a gastar até 40 horas, para agradar tanto aodiretor musical quanto ao artista. A média dos artistasmais consagrados da música baiana é de 200 a 300horas em estúdio, uma vez que o disco requer maisapuro e há uma concorrência no mercado. A qualida-de do som depende da qualidade da gravação e, paravender bem, é necessário que os dis-cos toquem nas grandes rádios na-cionais, que exigem maior qualidadepara executar a música.

Assim, o custo de produção deum disco na Bahia é bastante vari-ável. Pode ser de R$ 20 mil a R$200 mil. O custo dos discos dosgrandes do axé music, normalmen-te está entre R$ 150 e R$ 200 mil,porque depende do número de ho-ras que são gastas para fazer a gra-vação, do número de músicosutilizados, de quem vai produzir, dequem vai fazer os arranjos, da qua-lidade exigida ou de questões téc-nicas, como se o disco vai ser gravado e mixado em24 canais ou em 48 e, ainda, se o disco vai ser gra-vado dentro do estúdio ou ao vivo, em um showexterno. Quanto mais sofisticado for o disco, quan-to mais mão-de-obra e horas em estúdio ele neces-sitar, mais alto vai ser o seu custo.

Um estúdio que grava e mixa em 48 ou maiscanais cobra, em média, na Bahia, R$ 120,00 porhora de gravação. Estúdios de 24 canais cobram,em média, R$ 100,00 por hora. E os menores e depré-produção cobram, em média, R$ 60,00 por hora.Um disco de um “artista médio” fica em torno de R$40 a R$ 80 mil para ser produzido, e um artista in-dependente gasta, em média, de R$ 10 a R$ 30 mil.Segundo Rangel, normalmente, artistas pequenos,sem muito reconhecimento ou que fazem uma mú-sica menos sofisticada, preferem realizar a produ-ção de seu disco através do sistema de mídis, feitospor computador. Com o mídi, ele não precisa con-tratar os músicos acompanhantes e a mixagem coma voz pode ser feita a um custo de R$ 1 mil porfaixa. Um disco de 15 faixas sai por R$ 15 mil.

Resumidamente, a indústria fonográfica daBahia é uma indústria de produção musical, quegera suas receitas quando um artista ou uma gra-vadora contrata os serviços de gravação do disco.Na Bahia, não existem nem fábricas de CDs, queiniciam a cadeia produtiva, nem gravadoras, que aterminam. O mercado fonográfico, dessa maneira,depende muito da existência de um grande cantorem evidência no cenário nacional. Depende essen-cialmente de gravadoras e selos de gravação que

se interessem pelo produto musi-cal baiano. Dessa forma, é muitoimportante para o desenvolvimen-to da indústria fonográfica da Bahiaque surjam novos talentos, sejamoriundos do axé, do rock, da MPB,ou de qualquer gênero que alcan-ce o apoio de uma gravadora deporte, que é quem contrata o artis-ta, faz seu marketing e paga oscustos de produção de seu disco.

O mercado fonográfico em ques-tão não é só de axé music, mas esteé, comercialmente, o que se vendemais e que contribui para o desen-volvimento não só de sua indústria

fonográfica como também da economia baiana comoum todo. O axé music alimenta muitas indústrias,em que se destaca a do carnaval, que, todo ano,gera uma série de impactos econômicos para o es-tado. No final da década de 1990, o axé abriu maisuma porta para o desenvolvimento de uma de suasdiversas subdivisões. Surgia, da Bahia para o Bra-sil, o chamado samba do Recôncavo, que, diferen-te do convencional do Rio de Janeiro, passou a serchamado de pagode. E foi um grupo genuinamentebaiano que abriu as portas do mercado fonográficomundial para o novo samba do Brasil, antes funçãoque era restrita ao estado do Rio de Janeiro. O “É OTchan”, com suas danças alegres e ritmadas, tevetamanha aceitação do público consumidor do Bra-sil, que a maioria de seus discos lançados na déca-da de 1990 não venderam menos que 1 milhão decópias. Novos artistas surgiram então, seguindo osucesso de vendas dos discos do É O Tchan. Com-panhia do Pagode, Terra Samba e Harmonia doSamba são exemplos de bandas baianas que al-cançaram muito sucesso (nacional e internacional),

A indústria fonográficada Bahia é uma indústria

de produção musical,que gera suas receitas

quando um artista ou umagravadora contrata osserviços de gravaçãodo disco. O mercadofonográfico, dessamaneira, depende

muito da existênciade um grande cantor

em evidênciano cenário nacional.

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principalmente no final da década de 1990, graçasàs portas que foram abertas pelo É o Tchan.

O principal público consumidor do axé são os jo-vens e as crianças, o que garante uma certa conti-nuidade nas vendas, constituindo um mercado per-manente para a música da Bahia. Os maiorescompradores da música baiana de sucesso são, res-pectivamente, a cidade de São Paulo, o interior doestado de São Paulo, o Rio de Janeiro e, finalmente,em quarto lugar, empatados, os estados de MinasGerais e Bahia; o quinto lugar ficacom Pernambuco. Em Salvador,uma banda de sucesso vende emmédia 50 mil discos. A Europa é hojequem mais compra a música do É OTchan. Os Estados Unidos são umpouco mais fechados, mas tambémcompram, principalmente a músicada Timbalada, que todo o ano ven-de muitos discos naquele país.

Para Wesley Rangel, o axé musicmostrou para o Brasil que os ritmos próprios e ca-racterísticos de cada região do país têm um poten-cial mercado a ser explorado. Mais do que isto, oaxé mostrou que a música da Bahia é forte e temcapacidade de se adaptar às necessidades do mer-cado. Quando o fricote, de Luís Caldas, começavaa perder força, surgiu o samba reggae de DanielaMercury. Depois vieram a Timbalada e o Olodum,com uma musicalidade própria do negro da Bahia,e conquistaram seu espaço. O axé pop do Ara Ketu,de Ivete Sangalo e Netinho, veio a seguir. O últimoa ter forte influência foi o pagode, do Harmonia doSamba e do Terra Samba. A indústria fonográficado axé, que emprega mais de 5 mil músicos, gera,com vendagens estimadas de 5 milhões/ano, ummontante de quase R$ 100 milhões só com a vendade discos. Isso sem contar o montante que se origi-na nos mais de 360 shows realizados anualmentepor tais artistas, a um cachê que está entre R$ 20 eR$ 25 mil para os grandes nomes da música baiana.(Rangel, 1999)

Os principais problemas enfrentados pela indús-tria fonográfica na Bahia são basicamente dois. Umdeles é a ausência de selos fonográficos indepen-dentes e fortes no Estado. O selo de gravação é oórgão da indústria fonográfica que é responsávelpelo contrato do artista, para que ele possa gravar.

É o selo também o responsável pela distribuição doproduto. Como vimos, durante muito tempo não erainteressante para as gravadoras multinacionais o de-senvolvimento de selos de gravação fortes na Bahiaou em qualquer lugar fora do eixo Rio-São Paulo.Essa rejeição, essa falta de incentivo do capital ex-terno, ali, naquele momento de ascensão da indús-tria fonográfica na Bahia, no início da década de1990, contribuiu para que, até meados de 2000, oestado não apresentasse praticamente nenhum selo

de gravação. Na Bahia, existempelo menos cinco selos fonográfi-cos pequenos como o Sons daBahia, WR, NE, Discos e Canto daCidade. Entretanto, esses selossão para projetos secundários dasprodutoras baianas, pois, além doque já foi dito, o custo para man-ter um selo em funcionamento émuito alto e foge à realidade domercado baiano.

O segundo problema enfrentado é decorrente doprimeiro: não existem canais de distribuição naBahia. Por incrível que pareça, uma banda como aChiclete com Banana, por exemplo, que faz todasas etapas de produção de seu disco na Bahia, temseu material pronto levado para o eixo Rio-São Pau-lo, para posterior distribuição para todo o Brasil, in-clusive para a Bahia. A distribuição que é feita naBahia é decorrente de gravações independentes e,como o próprio nome já sugere, independe de umaestrutura própria. É o caso de artistas de menor ex-pressão, que vendem seus discos através do siste-ma “boca a boca” ou nas portas das casas, comovendedores ambulantes. Alguns discos, lançadospelos selos baianos acima citados, também são dis-tribuídos, mas dificilmente alcançam uma vendagemsuperior a 5 mil unidades.

Segundo Rangel, se essa identificação dos pro-blemas da indústria fonográfica baiana fosse feitahá cinco anos atrás, certamente a falta de incentivodo governo e de patrocinadores seria mencionadacomo um terceiro e grave entrave. Entretanto, de1996 para cá surgiram programas de incentivo dogoverno e suas parcerias para gravar e distribuir osdiscos de artistas baianos sem grande repercussãonacional. Os projetos que tratam esta questão sãoo FAZCULTURA, o Sons da Bahia e o Emergentes

Os principais problemasenfrentados pela indústria

fonográfica na Bahiasão basicamente dois:

a ausência de selosfonográficos independentes

e fortes no Estadoe a inexistência de

canais de distribuição.

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da Madrugada. Até fins de 1999, já foram quase 30discos gravados entre o governo e suas parcerias.Ainda segundo Rangel, a ausência de uma fábricade CDs na Bahia não chega a ser um problema,pois no Brasil existem cinco ou seis prensadores dediscos que estão com muito tempo ocioso, porqueo mercado não consome a quantidade de discos queessas indústrias têm condição de atender. Isso ba-rateia os custos de produção e, praticamente, tornadesnecessária uma fábrica dessas na Bahia.

O axé music contribuiu para o surgimento e amanutenção de uma indústria fonográfica na Bahia.Mais do que isso, abriu as portas do cenário musi-cal baiano para o Brasil e para o mundo. O segredopara o sucesso da música da Bahia e, em últimainstância, da própria indústria fonográfica, está nadiversidade de estilos presente no mercado baiano.A Bahia não é só axé music. A grande questão éque o Brasil convencionou chamar tudo que vem daBahia, de axé. Mas por trás do axé estão o pop rockdo Asa de Águia, o tecno de Daniela Mercury, o sambado É O Tchan e a MPB de Ivete, Netinho e CarlinhosBrown. Por isso, o mercado baiano é tão forte e tãocheio de ritmos, o que assegura uma vendagem boade todas as suas grandes bandas, em todas as es-tações do ano.

Novos estilos já surgiram nesse início de séculoXXI. O funk, por exemplo, chegou até a mídia e nãofoi capaz de se auto-sustentar. É bem verdade queo axé não está mais em evidência como na segun-da metade dos anos 1990, mas o certo é que nãosó a indústria fonográfica, mas a própria economiabaiana como um todo cresceu muito com a sua apa-rição. O aumento da procura pelos carnavais forade época e o surgimento do “lamba-forró”, um estilonovo e que mescla elementos do forró à lambadatípica do início do axé, são apenas algumas das evi-dências de que o axé music está passando por umafase de transição semelhante a outras já ocorridas.Dentro desse processo de autotransformação, seráque o axé music está em crise?

Notas

1 Comercialmente a indústria fonográfica brasileira começou ase desenvolver a partir da década de 1960, mas historicamen-te seu surgimento remonta a 1891, quando um mascate euro-peu chega ao Brasil, trazendo em sua bagagem um fonógrafo

semelhante ao de Thomas Edison. Este mascate se chamavaFred Figner e foi o responsável por toda a produção fonográfi-ca do país de 1902 a 1932, tendo aqui fundado a primeiraindústria de gravação. Esta ficou conhecida como Casa deEdison e produziu mais de três mil gravações, fazendo do Bra-sil, já em 1903, o terceiro maior produtor de discos do mundo,atrás somente dos Estados Unidos e da Alemanha.(Giron,1999)

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*Gustavo Casseb Pessoti é economista da SEIe pós-graduando em Planejamento Regional pela UFBA.

O autor agradece as contribuições do empresáriobaiano Wesley Rangel, do economista Ítalo Guanais

Aguiar Pereira e do doutor em Economia Paulo Henriquede Almeida, orientador do trabalho monográfico que

deu origem a este artigo.E-mail: [email protected].

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mento de passagens de avião e de hospedagens,dinamizando dessa forma as agências de viagens.

O preço a ser pago pelo rompimento do contratodo jogador com um determinado clube (o chamadopasse) não pode se constituir na principal receitados clubes e outras soluções deveriam ser tenta-das para que esses encontrem outras fontes quepossam viabilizar sua existência. Entre as alternati-vas indica-se o início da “descartolização” do fute-bol brasileiro. Conforme acentua Joelmir Betting, énecessário que se adote, em todos os clubes, o re-gime de futebol-empresa com co-gestão empresa-rial. “Esse é o esporte moderno como se faz nosEstados Unidos, Japão, Itália e Alemanha. Nessespaíses o esporte é trabalho para executores bempagos e não para aficionados da velha guarda,carreiristas políticos”. As empresas também podemser parceiras na direção desses clubes e auferir, as-sim, parte dos lucros com a atividade esportiva. Comesse raciocínio, a COPENE vem patrocinando atle-tas baianos, contribuindo, dessa forma, para dina-mizar o esporte em nosso Estado. Esperamostambém que o BRADESCO, que adquiriu o BANEB,continue financiando a natação e, desse modo, con-tribua para afastar os jovens dos tóxicos e da vio-lência.

Na Itália os clubes são sociedades anônimas. Oideal seria que o nosso país assumisse o mesmomodelo e que os sócios proprietários tivessem par-ticipação no lucro dos clubes. Porém, para que es-sas mudanças se tornem realidade no Brasil, énecessário que os ares da democracia cheguem aoesporte, principalmente em nosso estado, pois nãodeveria mais ser possível que alguém se torne pre-sidente vitalício de um clube, sendo escolhido perí-odo a período por um Conselho Deliberativo quesegue as pegadas desses presidentes. Outra provi-dência que urge é a delimitação de um período parao exercício da presidência de um clube.

A eleição direta deveria ser estabelecida entreos sócios para a escolha dos presidentes, que sóteriam direito a um mandato. Outro ponto importan-te é a necessidade de criar-se a categoria de sóciotorcedor, para que haja dinamização na vida dos clu-bes. As sedes de praia de clubes como Bahia e Vi-tória precisam ser ocupadas pelas comunidadesvizinhas para que os jovens pratiquem esportes.Para tanto, o governo estadual deveria fazer convê-

nios com esses clubes, sendo essa mais uma ma-neira de integrar o entretenimento ao esporte e, as-sim, promover uma participação sadia dos jovens,afastando-os da violência. Contudo, para que os clu-bes disponham de equipamentos esportivos com essafinalidade é necessário que sua parceria com as en-tidades financiadoras seja revista. No caso do Es-porte Clube Bahia, sabe-se que a entidadefinanciadora não está aplicando os recursos neces-sários.

É também necessário que as companhias partici-pem da contratação de jogadores, que haja, em con-trapartida, o direito de as empresas anunciarem osseus produtos nas camisas dos atletas. Os esportesamadores como natação, atletismo, vôlei e basquetecarecem também de ser financiadas por essas em-presas. Nesse sentido, são dignas de elogio as posi-ções da COPENE e BANEB que, como visto, financi-am nadadores baianos. Com relação ao futebolbrasileiro, que se encontra em profunda crise, tratou-se recentemente da mudança de calendário visandoà salvação desse esporte, mas, segundo parece, anova proposta não é a mais adequada. O campeo-nato nacional deveria ser estendido por quase todo oano e os campeonatos estaduais não deveriam serextintos, mas disputados no restante do ano. Em nos-sa opinião, as ligas profissionais são um retrocesso.Entendemos ainda que os governos estaduais e ogoverno federal devem dirigir toda a programaçãoesportiva, pois o esporte é fator de integração nacio-nal e, assim, deve ser visto como relevante para avida da nação, não se podendo esquecer que o es-porte é considerado patrimônio cultural brasileiro des-de março de 1998. Saliente-se também que os arti-gos 217 e 216 da Constituição Federal de 1998atribuem ao poder público a competência de prote-ger o patrimônio cultural brasileiro.

O esporte brasileiro necessita também de umgrande evento que o dinamize, a exemplo de sediaruma Copa do Mundo. Nesse sentido, estamos deacordo com Joelmir Betting, segundo o qual a Copado Mundo não é custo e sim renda. A disputa dessecertame viria inicialmente fomentar a “indústria sem-chaminés” ou turismo, notadamente o internacional,pois as torcidas dos diversos países viriam prestigiarsuas seleções. O setor terciário seria dinamizado emuma alta dosagem, pois alguns ramos de atividade,como a hotelaria, seriam estimulados a investir em

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A falta de atividade e lazer para os jovens podefomentar a violência e o uso do tóxico nessa faixada população. Dentro dessa ótica, Mary Castro, co-ordenadora de pesquisa da UNESCO, diz que “pãoe circo deixou de ser ópio do povo para ser funda-mental”, fundamentada nos estudos que desenvol-ve. Mary Castro diz ainda que dados do IBGEconfirmam a carência de lazer: “19% dos municípi-os brasileiros não têm biblioteca e 25% não possu-em cinema. Então o jovem tem a rua, que é tomadapelo tráfico de drogas”.1

A UNESCO propõe a abertura de escolas em finsde semana para atividades de cultura e arte, visan-do afastar os jovens das possibilidades de envolvi-mento com a violência, proposta a que gostaríamosde acrescer a de que figure, entre tais atividades, oesporte. Tendo em vista esse objetivo, os governosestaduais construiriam quadras de esportes – devoleibol, basquetebol e futebol – nas escolas.

O esporte, principalmente o futebol, é um doselementos que mais colaboram para a inserção donegro na sociedade brasileira, dado o grande nú-mero de grandes esportistas negros, ainda que nãose pretenda, aqui, subestimar a importância do acessodas mais amplas camadas à escola de boa qualida-de, como o meio efetivo para o alcance da cidada-nia. Mas não se pode, tampouco, deixar de consi-derar dados como os que são trazidas por estudodo professor Maurício Murad. Segundo esse pro-fessor, coordenador do Núcleo de Sociologia do Fu-tebol da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ofutebol emprega cerca de 576.400 pessoas. O fute-

bol, esporte mais popular do Brasil e do planeta Ter-ra, tem um peso significativo na economia, pois emseu seio circulam milhões de reais que são compu-tados nas arrecadações dos estádios, além de en-volver profissionais das mais diversas áreas, comdestaque para aquelas ligadas à saúde: medicina,nutrição, fisioterapia. O merchandising desse esporteemprega profissionais do rádio e da televisão, va-lendo ressaltar que o futebol é um amplo campo deatividade publicitária.

Diante desse quadro, a extinção da Lei do passepelo Congresso Nacional, deu-se em um momentomuito propício. Os dirigentes dos principais clubeshaviam-se rebelado contra essa lei, pois entendiamque os jogadores são um patrimônio dos clubes eque a liberação poderia trazer graves prejuízos aosmesmos. Para resolver esse problema, o governoinstituiu uma Medida Provisória que estabelece oseguinte: os jogadores formados nas divisões debase têm de ficar três anos no clube de origem e sópodem ser liberados mediante uma compensaçãofinanceira. Ressalte-se também que o fim da Lei dopasse pode contribuir para que clubes de porte mé-dio, como os nordestinos, tenham condições de in-vestir em grandes elencos, pois não precisam gastarseus recursos para adquirir os passes dos jogado-res. Ficam, assim, os investimentos, restritos ao pa-gamento dos salários. O esporte também movimentaum comércio informal no âmbito dos estádios. É achamada economia do lazer, da qual nos fala GeyEspinheira. As competições que envolvem campeo-natos e copas nacionais também fomentam o paga-

Lazer, esporte

e entretenimento

Edelcique Machado Serra*

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sua ampliação. Ao mesmo tempo, o nível de em-prego poderia ser aumentado, pois sabemos que osetor terciário é dos que mais absorvem mão-de-obra. Muitos argumentam que a nação não teria con-dições de arcar com a remodelação dos estádios.Mas esta poderia ser feita em conjunto com a inicia-tiva privada que, em troca, poderia ficar com umaparte dos lucros que fatalmente viriam, com umaeventual realização de um campeonato mundial defutebol, por exemplo. A remodelação de estádiosserviria também para incentivar a construção civilque não se encontra em uma fase muito boa, o queacarretaria ainda o aumento do índice de emprego,sabendo-se que esse é dos setores que mais em-pregam a mão-de-obra, principalmente a não-espe-cializada. O México, um país semelhante ao nosso,em 1986 realizou uma Copa do Mundo e, ao quenos consta, o evento foi um sucesso em termos delucros, tendo contado, para tanto, com a participa-ção da iniciativa privada. Enfim, para aqueles quecriticam a realização de uma Copa do Mundo emnosso país, temos a dizer o seguinte: a economia éum sistema interligado e, para se desenvolver, pre-cisa de estímulos que movimentem todos os eixosque o compõem.

O Estado brasileiro, para garantir a realizaçãodesse evento, precisaria então garantir o item se-gurança, que todos sabemos ser deficiente no Bra-sil, sendo seu dever promovê-la independentemen-te de quaisquer eventos. Atualmente, a organizaçãodo esporte bretão em nossa terra é bem diferente.Gostaríamos ainda de dizer que seria de bom alvi-tre que o Brasil lançasse mais uma vez a sua candi-datura para promover uma Copa do Mundo ou quetentasse promover, junto à FIFA, um campeonatomundial extra de futebol. Como procuramos demons-trar, tal evento só traria vantagens à economia denosso país, também contribuindo para aumentar omercado de trabalho dos atletas profissionais. Apro-veitando esse adendo, acrescentamos: os saláriospagos pelos clubes profissionais aos principais atle-tas no Brasil alcançam valores bastante altos, o quefoge da realidade do país. Esse é um dos motivosque concorrem para que os grandes clubes este-jam falidos. Acreditamos que essa questão é rele-vante e deva ser debatida em um simpósio, consi-derando-se a necessidade de que os clubes paguemsalários condizentes com a realidade do futebol bra-

sileiro e deixem, assim, de concorrer para a debâcledos mesmos.

Como acabamos de ver, o esporte está interliga-do com todas as atividades do ser humano, em ci-ências da saúde, na economia, na sociologia — oestudo do lazer e da violência. Aproveitamos entãoesta oportunidade e fazemos, neste espaço, algu-mas sugestões para os poderes públicos no senti-do de integração do esporte à comunidade:a) construção de quadras poliesportivas em todos

os bairros da cidade;b) construção de “campos de bola” na várzea para

que os clubes profissionais possam encontrar fu-turos craques na periferia;

c) constituição, nas universidades estaduais e naprópria Universidade Federal da Bahia, da ca-deira de sociologia do esporte;

d) realização de competições esportivas entre osdiversos colégios públicos, nos fins de semana;

e) construção de escolas nas sedes de praias dosclubes profissionais que têm divisão de base,para que os jovens atletas possam também es-tudar.

Notas

1 A TARDE, 26/08/2001.

Referências bibliográficas

A TARDE. Corpo e espírito (entrevista concedida por MaryCastro), 26.ag.2001.

SERRA, Edelcique. Esporte e economia. Revista Conjuntura ePlanejamento, Salvador: SEI, n. 31, dez. 1996.

* Edelcique Machado Serra é Economista da SEI.E-mail: [email protected].

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Introdução

“O século 18 apenas reinventou o mito de uma utopia da mon-

tanha. Nos panegíricos quinhentistas de suiços citadinos como

Conrad Gesner, que enaltecia a robustez frugal e a ingênua

virtude dos montanheses, já se elaborava um bucolismo alpi-

no.” (Simon Schama, p. 478)

O turismo está intimamente ligado à paisageme ao meio ambiente. Qualquer turista ou viajantepercorre os espaços e pode documentar o que viuatravés de relatórios científicos, fotografias, filmes,pinturas, hipertextos informatizados, textos literá-rios ou matérias jornalísticas. Ao percorrer paisa-gens e os diversos meio ambientes o ser humanorealiza um corte com a natureza em seu estado“puro” ao interpretar e relatar o que viu. A nature-za, quando observada por olhos humanos, é medi-ada pela cultura. Aliás as paisagens e os meioambientes percorridos não são apenas os naturais,mas também os culturais. Paisagens urbanas, na-turais ou híbridas povoam a Terra e até mesmo oespaço cósmico mais próximo na medida em queartefatos humanos são enviados para fazerem es-tudos científicos na Lua, em Marte e em algunspontos mais remotos do sistema solar.

Portanto qualquer descrição da mais simplesnatureza só pode ser feita sob o enfoque cultural,seja artístico, científico ou mercadológico. Isso acon-tece também com as viagens e o turismo. Os rela-tos sobre viagens sempre enalteceram as paisagens

e as culturas diferentes. Desde a antiguidade as ma-ravilhas humanas e naturais atraíram o imagináriodos seres humanos e provocaram esculturas, pin-turas, músicas e relatos que visavam deslumbrar aspessoas de alguma região ou país. Basta lembrarque já na origem da cultura grega, a poesia míticaevocava os mistérios das viagens como a Ilíada e aOdisséia de Homero que se tornaram arquétipos oci-dentais das aventuras guerreiras e românticas inú-meras vezes reiteradas por outros autores. Platãoconheceu outras terras e pode comparar modelosde governo; Aristóteles teve o privilégio de viajarcomo preceptor de Alexandre, o Grande e teve con-dições de ser um dos primeiros grandes cataloga-dores do conhecimento; os chineses, os persas eos indianos viajaram por suas terras vizinhas e igual-mente nos deixaram cosmologias esculpidas napedra ou impressas em caracteres estranhos paranós ocidentais; o mundo judaico-cristão provocouuma revolução religiosa ao elaborar a idéia do Deusúnico e nos legar um dos mais belos conjuntos detextos religiosos ao lado dos Vedas, do Tao e doAlcorão. Ao longo da Idade Média, do Renascimentoe do Iluminismo muitos artistas e filósofos foram pro-curar nas paisagens familiares ou alienígenas ex-plicações para os problemas sociais, inspiração paranovos modelos estéticos e matéria-prima para suasemoções e angústias perante a dificuldade de en-tender ou interpretar o mundo.

As paisagens foram se alterando na Terra à me-dida em que o ser humano expandia as suas colôni-as. Esses tempos primordiais, onde as trevas eram

Turismo, paisagem

e ambiente1

Luiz Gonzaga Godoi Trigo*

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debilmente afastadas pelos fogos primitivos e o uni-verso era povoado por monstros e mistérios incog-noscíveis nos legaram os mitos celtas, maias, egíp-cios, gregos, indus, chineses, polinésios e toda ainfinidade de relatos antiquíssimos encontrados emqualquer povo do planeta. Que paisagens terão ins-pirado os relatos fantásticos de Luciano na antigui-dade, os nomes arcaicos que mapeiam as regiõestenebrosas que Tolkien descreve como se nelas hou-vesse habitado? As paisagens são o cerne da exis-tência humana, de seus desejos edúvidas, dos sonhos e pesadelos.Formam o cenário no qual o dramada história de desenvolve enquan-to milhões de atores surgem e de-saparecem no turbilhão de aconte-cimentos efêmeros. Apenas apaisagem persiste razoavelmenteincólume. O historiador francêsFernand Braudel compreendeubem o quanto a história é fugaz aorefletir sobre o Mediterrâneo. O es-critor albanês Ismail Kadaré enten-deu a força que as epopéias milenares possuempara influenciar, ainda hoje, os povos balcânicos. Oportuguês Miguel Torga e o italiano Dino Buzzattirelataram suas impressões profundas ao observaras inexoráveis montanhas de suas terras e comoelas são indiferentes à vidinha dos homens que la-butam pela sobrevivência, fatalmente fadados àderrota e à morte solitária.

A história, a antropologia, a geografia, a carto-grafia e a sociologia são especialistas em descre-veram os espaços culturais e naturais e por isso sãociências fundamentais para o Turismo. Porém a li-teratura é um ramo da arte que muito se preocupoucom as paisagens. A arte ajuda a ciência e a filoso-fia a, se não compreender, a melhor refletir sobre osamplos espaços do planeta. Florestas, desertos, ge-leiras, praias, montanhas, cavernas, lagos e rios,tudo tem o seu mistério guardado no inconscientedas culturas e civilizações e nem sempre a aridezda ciência consegue transmitir as sensações conti-das nessa natureza tão cercada de mistérios no pas-sado. Portanto o Turismo também precisa se valerda arte para mergulhar no que os idealistas chama-riam de “espírito” das coisas e o que os materialis-tas denominariam de estética profunda do mundo.

Com base nessas considerações introdutórias éque advogo a necessidade de os profissionais deviagens e turismo conhecerem e saborearem as de-lícias de usar a literatura como meio de abandonaras paisagens cotidianas e familiares e se aventurarna vastidão do mundo. Ao lado dos inúmeros textoseconômicos, sociológicos, políticos, antropológicos,históricos e geográficos o turismo pode – e deve –se valer dos relatos literários. Tratarei da questãodo turismo, paisagens e ambiente sob esse enfo-

que, o da literatura, pois é necessá-rio que o conhecimento humanistade nossos estudantes e profissio-nais seja ampliado e toda uma ver-tente da cultura seja a eles ofereci-da, inclusive sob a forma de arte ede emoção. Vamos à viagem.

O imaginário e a paisagem

No livro “Paisagem e memória”,Simon Schama analisa detalhada-mente como as matas, as rochas e

as águas influenciaram a visão do mundo nas dife-rentes culturas. Todo um simbolismo, um romantis-mo e uma necessidade de interpretar a natureza estápresente na arqueologia do imaginário que Schamaexecuta ao longo de seu texto. Um humor fino relatacomo a “pureza” e a “inocência” que a natureza pos-sui vai sendo desvelado à medida em que o planetamostra a sua dupla face de Gaia (mãe) e de túmuloimplacável dos homens. As montanhas inspiraramartistas como J. J. Scheuchzer, Joachim Patinir, Ja-copo da Valenza, Leonardo da Vinci e Pieter Bruegelo velho, assim como inspiraram vários poemas, len-das e romances. É hilariante ler a descrição do des-lumbrado Horace Walpole ao ver, pesaroso, seucãozinho Tory ser devorado por um lobo nas mon-tanhas e despedaçar de uma vez o ingênuo roman-tismo montanhês de seu observador (Schama, p.447). A natureza é bela, mas perigosa.

Mas é um outro lobo das montanhas que trans-forma um pobre pastorzinho em herói, no conto“Maio moço” de Miguel Torga. Sob a ótica profunda-mente existencial de Torga, as montanhas não sãodescritas apenas enquanto natureza mas como ce-nário onde os dramas humanos acontecem. A açãoé centrada nas pessoas, na cultura tão particular dos

Advogo a necessidadede os profissionais

de viagens e turismoconhecerem e

saborearem as delíciasde usar a literatura

como meio deabandonar as paisagenscotidianas e familiares

e se aventurar na vastidãodo mundo.

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montanheses portugueses e em como eles perce-bem aquela natureza tão fantástica e, exatementepor isso, ameaçadora. A realidade de algumas dasvilas mais pobres é terrível: “Não há em toda a mon-tanha terra tão desgraçada e tão negra como Saudel.Aquilo nem são casas, nem lá mora gente. São to-cas com bichos dentro.” (Torga, p. 67). O autor seutiliza do cenário pobre e selvagem para traçar, demaneira quase lacônica e breve em seus contos,uma imagem brutal da realidade social nas monta-nhas do norte de Portugal. A pobreza, a ignorânciae a violência convivem com o espírito de solidarie-dade, com a coragem e a dignidade campesina. Oviajante que passa apenas pelas ruas movimenta-das de Lisboa ou do Porto não imagina que a ape-nas alguns quilômetros adentro do continenteexistem aldeias com ruas e casas de pedra lavrada,fogões a lenha e uma cultura enraizada ainda nasbrumas do passado distante. O filme de Manuel deBarros, “Viagem ao princípio do mundo”, último tra-balho de Marcelo Mastroiani como ator, é uma obrade arte humanista ao narrar como essa gente so-brevive em meio a uma Europa que se moderniza ederruba suas fronteiras rumo a uma união econômi-ca e legal, mas sempre conservando suas caracte-rísticas culturais tão pluralistas e multifacetadascomo eram ainda na idade média.

A imagem da Europa preenche nosso imaginá-rio ocidental com a maior parte dos arquétipos quetentamos reproduzir em nossas sociedades contem-porâneas. Milênios de história foram tramando umtecido tão rico que nos é impossível perceber todasua complexidade e profundidade em um primeiroolhar. As paisagens européias (assim com as pai-sagens milenares da Ásia) escondem e dissimulamsutilezas que apenas ciências com a história podemrevelar. Vamos a um exemplo quase banal.

Se um turista na Europa Oriental, em Praga, qui-ser satisfazer sua curiosidade literária e render ho-menagens ao escritor Franz Kafka em seu túmulo,terá de aprender algumas coisas a respeito da cida-de. Em primeiro lugar deverá saber que Kafka erajudeu e está enterrado no cemitério judaico da cida-de. Depois deverá saber em qual, pois há dois ce-mitérios, o velho e o novo. O velho cemitério, locali-zado no centro da cidade, possui umas doze miltumbas, sendo a mais antiga de 1439. As lápides játombadas pelo tempo, se amontoam pelo chão co-

berto de folhas, algumas delas com limo, rachadu-ras e as inscrições desgastadas, o local ideal para otúmulo do escritor, mas Kafka não está neste cemi-tério. Praga possui seus mistérios, não porque se-jam secretos e devam ficar ocultos por razões me-tafísicas, os mistérios existem porque a cidade nuncafoi devastada por exércitos inimigos (como Buda-peste, Berlim e Dresdem o foram) e as ruas, pontese edifícios antigos foram preservados criando umaatmosfera rara e perfeita em têrmos arquitetônicose históricos. Uma das descrições mais interessan-tes da cidade, nos anos próximos à Segunda Guer-ra, foi feita pelo escritor tcheco Bohumil Hrabal, nolivro “I served the king of England”, sob a ótica dopersonagem principal, um funcionário de hotel am-bicioso e esperto para perceber como sobreviver emum mundo em guerra. Mas voltemos a Kafka. Eleestá enterrado no novo cemitério judaico o que nosobriga a dirigir até lá ou a pegar o metrô. Passa-seda velha cidade para os subúrbios modernos e de-sinteressantes, com suas construções funcionais ecarentes de estética, grandes blocos de escritórios,armazéns, lojas e avenidas simétricas, um cenáriotedioso com exceção de alguns prédios mais novoscom arquitetura elaborada e um visual cada vez maiscomum nas grandes metrópoles européias. Final-mente no cemitério, o primeiro ímpeto é perguntaronde está o túmulo de Kafka. Não precisa. Há umaplaca no grande portão de ferro fundido apontando“Kafkas’s grave”. As alamedas são sombreadas porgrandes árvores que no inverno perdem suas fo-lhas, mas os troncos permanecem cobertos de pa-rasitas. Ao lado dos túmulos a neve se acumula efaz contraste com as lages de granito negras e bri-lhantes dos vários túmulos bem ordenados. De re-pente, destacando-se em meio àqueles monolitosescuros, uma colunata de mármore branco ostentaem letras de bronze em relevo: “Dr. Franz Kafka –1883-1924”, acima de outros nomes da família (Her-mamn Kafka e Julie Kafka). Resta olhar, talvez fa-zer uma oração ou dizer algo em seu louvor ou ain-da depositar flores se é que o visitante teve o trabalhode procurá-las na entrada do cemitério. O símboloem pedra lavrada lá está, erguido em um solo frio erepresentando a obra de alguém que morreu a maisde setenta anos legando ao mundo os textos reple-tos de absurdo e estranhamento perante os abusosde nossa cultura. Impossível não lembrar do filme

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protagonizado por Jeremy Irons no papel de Kafka.Realizado em preto e branco, traz todas as nuancesdo cinza e das sombras que permeiam os textos deautores como Kafka ou o escritor albanês IsmailKadaré. Ao andar pelo cemitério, em direção à saí-da, o choque. Ao fundo, do outro lado da rua enco-berta pelo muro do cemitério, surgindo por entre aslápides sóbrias ergue-se um edifício comercial rosacom colunas de vidros azuis, um autêntico edifíciopós-moderno equipado com duas cúpulas, uma emcada torre que circunda o prédio. Aantiga magia local se transforma emum pastiche, uma caricatura queacaba com a sisudez e a introspec-ção causadas pelo encontro com ovelho mestre. Resta a arma tão hu-mana do riso para perceber que ahistória não parou em Kafka, nem na Segunda Guer-ra, nem na época do colapso do socialismo. A histó-ria prossegue, rindo das tradições e dos monumen-tos antigos ao mesmo tempo em que neles se apoiapara continuar seu trabalho incessante. Os monu-mentos humanos, as paisagens naturais, as ruínas,o passado e o presente se intercalam e os viajantesvêem o presente mediado pela cultura e as inúme-ras interpretações que ela proporciona.

A paisagem americana

A cidade de New York é um dos ícones da cultu-ra norte-americana. Seu “skyline”, as fotos dos fa-mosos edifícios, o estilo de vida e as marcas cele-bradas pelo consumo da moda fizeram da cidadeuma paisagem urbana símbolo da modernidade eda capacidade de recuperação (a cidade estava fa-lida na década de 1980 e hoje voltou a ser um cen-tro de investimentos e do turismo nacional e inter-nacional). Inserida no contexto dos Estados Unidos,a metrópole faz parte de um imenso espaço descri-to por vários autores. Jean Baudrillard, Franz Kafka,Allen Ginsberg e o brasileiro Nelson Brissac Peixo-to escreveram livros sobre o imenso país do norte,todos com um mesmo título: “América”. Entre en-saios e romances o imaginário local povoa a mentedos pensadores de todo o mundo. Umberto Eco, em“Viagem na irrealidade cotidiana”, faz uma autópsiano simbolismo da cultura de massa americana;Marshall Berman, em “Tudo o que é sólido desman-

cha no ar”, conta o processo que levou o La Guardia,prefeito de New York, a transformar a periferia de-crépita da cidade em uma área de condomínios ecortada por autopistas; Will Eisner representa NewYork em suas maravilhosas histórias em quadrinhostrazendo a problemática do existencialismo, da an-gústia e do drama humano para esta modalidadetão heterodoxa da literatura. Em todos estes textosestá a inquietude e a admiração dos autores poruma sociedade tão complexa, rica e multifacetada.

A América é o sonho dourado do sé-culo 20 e o pólo de atração dos ar-tistas, intelectuais, homens e mulhe-res de negócios, políticos e viajantesem busca de algo para fazer e acon-tecer. Os beats souberam aprovei-tar a selvageria e beleza das paisa-

gens americanas. Jack Kerouac, por exemplo,protagonizou a mítica viagem pela Estrada 66 entreo leste e o oeste dos Estados Unidos em seu roman-ce “On the road” e Ginsberg deixou sua revolta e in-dignação no ácido e fantástico poema “América”.

Mas foi uma das mais características indústriasnorte-americanas que melhor reproduziram as pai-sagens e a cultura do norte: o cinema. Hollywoodmorre de amores e temores pelo seu país de nasci-mento e até mesmo diretores estrangeiros se dei-xam encantar pelo mundo americano. “Paris, Texas”,de Win Wenders, é um exemplo de como os euro-peus tentam entender a questão humana vivencia-da na América. O deserto e os grandes territóriosmarcaram as cenas durante décadas: Bagdá Café,Sem Destino, Lobos Não Choram, todos os filmesdo chamado “velho oeste” e os épicos de aventurabeberam nos cenários americanos.

New York foi a cidade que mais chamou para sio glamour das tragédias em super-produções. Quemistério faz com que a mais fantástica cidade doplaneta seja alvo de destruição e terror no cinema?Justamente o fato de ser a “mais”. Desde o primeiroKing Kong, estranhas criaturas e desventuras asso-lam a cidade. Monstros como Godzilla, alienígenas(Independence Day e Marte Ataca), asteróides ecometas (Meteoro, Impacto Profundo e Armagge-don), terroristas e bandidos internacionais, todosatentam contra New York e no cinema ela já foi de-vastada inúmeras vezes. Mas ela também serve decenário para dramas envolvendo a ambição e a

New York foi a cidadeque mais chamoupara si o glamourdas tragédias emsuper-produções.

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desmesura humanas como em “A fogueira das vai-dades” ou “O advogado do diabo”. A paisagem ur-bana convida à reflexão e ao crime, à introspecçãoe à luxúria, à todas os atos humanas que formam otecido social e New York é um dos ícones da civili-zação ocidental, como qualquer grande cidade podecatalizar os sentimentos de um povo, de uma cultu-ra ou de uma nação.

A paisagem brasileira

O historiador Sérgio Buarque de Hollanda nosleva ao espanto em seu livro “Visões do Paraíso”,pois nos faz saber que as terras desconhecidas aosul do Equador faziam florescer na mente daqueleshomens do século 16 visões idílicas do paraíso ter-restre, identificado com estas terras, ou seja, com oBrasil. É difícil convencer quem chega ao Rio deJaneiro pela Baixada Fluminense ou quem sai doaeroporto de Guarulhos e vai pela Marginal do Tietê,em São Paulo, de que o paraíso terrestre é aqui.Mas era diferente a quinhentos anos. As imagensdo paraíso mesclavam-se com gravuras feitas poreuropeus que estranhavam as novas terras tropi-cais e se assustavam com os bichos, as plantas e orelevo. O francês André Thevet acompanhou a ex-pedição de Villegagnon (1555) ao Brasil e desenhouanimais e seres humanos bestializados que com-portam os adjetivos de estranho, exótico ou atémesmo monstruoso como a “ave de bico tão grossoe comprido como o resto do corpo” e relatos expli-cativos de um animal que mais parece um alienígenamas que na verdade é o bicho-preguiça. Um outrofrancês, Jean de Léry, conviveu um ano entre ostupinambás e também participou da mesma expe-dição de Thevet. Sua visão da terra era diferente namedida em que representava os nativos de uma for-ma apolínea, corajosa e bela, um tipo de “bom sel-vagem”. Mas um dos mais famosos relatores dasbelezas brasileiras foi o holandês Hans Staden, fun-dador de nossa literatura de viagem e que influen-ciou os viajantes dos séculos 16 e 17.

Mas é na passagem do século 16 para o século17 que as formas, cores e volumes das ilustraçõestornam-se ainda mais fantásticos e plenos de so-nhos para descrever as delícias e os perigos dasnovas terras. “O olhar lançado pela cultura européiapara a terra e para o índio americano os reconstrói

enquanto objetos do desejo e da cobiça. Um mistode curiosidade e impulso de conhecimento...”(Belluzzo, vol. I, p. 88). O esplendor fica explícitonas obras de Albert Eckhout (1642), ao retratar osricos traços étnicos dos negros africanos e dos nati-vos brasileiros, e nas telas de François Desportes,retratando os mamíferos, aves e peixes com coresvivas e que posteriormente seriam utilizados em ta-peçarias. Entre estas as mais impressionantestessituras são as de Manufacture des Gobelins ondea fauna, a flora e o ser humano nativo interagem emuma estética dinâmica e gloriosa. O país começa aadquirir um “pathos” estilístico no imaginário popu-lar a partir destas obras forjadas nos dois primeirosséculos da colonização. O mestre holandês Eckhoutelaborou também uma série de naturezas mortasonde retrata outras das delícias brasileiras: flores efrutos. As imagens de fartura, exotismo e sensuali-dade do gosto permeiam as telas e marcam o tomda futura gastronomia exuberante dos trópicos. Fi-nalmente, tantas descrições mereceriam uma sín-tese, uma coletânea tentando mostrar aos europeusuma visão totalizante, mesmo que em essência, dasinterpretações artísticas sobre as maravilhas dasnovas terras colonizadas. Foi o holandês Jan VanKessel que, entre 1664 e 1666, pintou quatro gran-des painéis. América, Ásia, África e Europa sãorepresentadas pelo que mais possuem de significati-vo. No caso da América, a representação é centra-lizada em motivos brasileiros.

O volume 3 da série “O Brasil dos Viajantes” pos-sui um subtítulo significativo: “A construção da pai-sagem” e analisa principalmente as obras artísticasdo século 19. “Nesses álbuns já se pode notar aapropriação da noção de pitoresco... A paisagem decrivo científico é uma constante entre os artistas-via-jantes, a considerar o fato de estarem grandes per-sonalidades artísticas a serviço de expediçõescientíficas. É o caso de homens de uma formaçãocompleta como Rugendas, Thomas Ender, Burchelle outros, cujo interesse enciclopédico encontra a sín-tese em representações visuais. O imenso territóriobrasileiro ainda mal desvendado desperta crescentecuriosidade nos europeus voltados ao conhecimentoda natureza, notadamente a partir do século 19”(Belluzzo, vol. 3, p. 11).

Durante a aproximação para pouso no aeropor-to de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, às vezes a

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direção do vento faz a aeronave descrever uma vol-ta pelo centro da cidade e o bairro do Flamengo eBotafogo e embicar no sentido do Pão-de-Açúcarpara a ponte Rio-Niterói. Nesta aproximação a cer-ca de quinhentos metros de altura pode-se obser-var os morros com o que sobrou da vegetação demata atlântica e as casas, edifícios altos e favelasdisputando espaço com os morros e o mar. É difícilpara o conhecedor da história olhar aquela paisa-gem sem comparar com as pinturas coloridas eiridiscentes. O outeiro da Glória, porexemplo, foi retratado por LudwigCzerny (1850), Pieter GodfredBertichen (1864), Raymond Quinssacde Monvoisin (1850) e pelo magní-fico quadro de Thomas Ender (1817)onde a pequena igreja emerge en-tre uma vegetação onde as diversas tonalidades deverde explodem e misturam-se com as tonalidadesde azul do céu inundado da luz dos trópicos. A ima-gem revela a fertilidade e a harmonia de um paraísoque começava a ser tocado pelo homem, mas ain-da preservava a pureza de um éden quase mítico.Esses mesmos exercícios estéticos com a luz e afloresta aparecem nas telas de Johann Rugendas,Joseph Righini (ao retratar as florestas do Pará) eJoseph Selleny. Mas as sombras de um futuro terrí-vel já aparecem na obra de Felix Émile Taunay inti-tulada “Mata reduzida a carvão”, onde as cores es-curas e o céu maculado pela fumaça das queimadasjá mostram as encostas nuas de árvores e os cur-sos d’água contaminados pelos detritos. Já no sé-culo 19 o futuro da maior parte das matas atlânticasdo país estava sendo antecipado neste quadro aomesmo tempo tão triste e profético. A cultura come-çava a destruir a natureza.

Outros relatos, seja na literatura ou na memóriadas famílias, mostram um Brasil belo, é verdade, mascom seu quinhão de problemas ambientais, sociais eculturais que tomam forma ao longo da colonizaçãoe dos diversos sistemas de exploração e exclusão.

Algumas páginas da literatura brasileira consa-graram as paisagens e a cultura local. A sequênciaem que o padre alemão entra em uma toca escurapara caçar uma onça negra é uma preciosidade deadrenalina e sentido de “tempo” na narrativa. O au-tor é Mário Palmério e o livro chama-se “Vila dosConfins”, ambientado no centro-oeste brasileiro.

Outras páginas clássicas são as de Guimarães Rosaonde o sertão mineiro se apresenta em toda suarudeza, beleza e violência. João Ubaldo Ribeiro eJorge Amado celebraram a Bahia, sendo que “Vivao povo brasileiro”, de Ubaldo Ribeiro é obrigatóriopara quem quer conhecer o processo de civilizaçãonos últimos 300 anos e “Capitães de Areia”, de Jor-ge Amado, um texto que denuncia a problemáticasocial dos meninos que viviam nos antigos trapichesde Salvador. Até mesmo o antropólogo Darcy Ri-

beiro aventurou-se pelo romancecom “O mulo”, onde a solidão do ho-mem do campo aparece em todasua plenitude ao lado da ambição edesejo de vencer a qualquer custo.O otimismo de Darcy Ribeiro é ce-lebrado em seu último livro “O povo

brasileiro”, publicado em 1996, onde defender o fu-turo promissor do país com base na complexidadede sua cultura e civilização, uma nova “Roma tropi-cal” como gosta de chamar seu sonho.

Outro autor que consegue passar o drama dahistória do povo brasileiro é Josué Montello. Ambi-entado nas terras do Maranhão, seus personagenssão bem construídos como em “Os tambores de SãoLuís”, uma homenagem sóbria e madura aos ne-gros e às suas lutas pela igualdade social. O Brasilde Montello é poético: “A viração úmida como quevem molhada. A lua redonda, que perdeu o seu bri-lho amarelo, aos poucos vai alvejando por cima domar cinzento, enquanto o céu se cobre de um azuldesmaiado que esconde as últimas estrelas. Olhan-do para o nascente, já se pode ver, sobre as linhasda terra ainda escura, um leve tom cor-de-rosa, quegradativamente se acentua, com alguns pontos es-braseados.” (Montello, 1981, p. 197). A literaturaajuda o viajante a melhor entender as paisagens poronde passa. Desvela seus mistérios e estórias, man-tém a antiga tradição oral na forma de textos empoesia e prosa onde toda uma herança foi preser-vada. As antigas terras, as famílias desaparecidas,as lutas e as anedotas dos povos que primeiro po-voaram o lugar, os exemplos bons e maus legadosatravés das gerações, tudo pode ser resgatado pelaliteratura, ao lado de outros textos científicos produ-zidos pelas ciências históricas e sociais. Desta for-ma as paisagens e os ambientes que o turista per-cebe ganham em volume e profundidade. Ao

Algumas páginas daliteratura brasileira

consagraram aspaisagens e acultura local.

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conhecer os seus desdobramentos e o seu passa-do, um lugar visto em uma viagem ganha em senti-do e significado. O viajante adquire mais cultura eos seres humanos locais podem então ser incluídosna imensa teia do conhecimento humano que étrocada de forma cada vez mais rápida nos canaisvirtuais da globalização.

E assim quem viaja pode se deleitar com surpre-sas sempre fascinantes porque enriquecidas pelacultura. Nos textos sobre viagens e aventuras pairaum sentimento rico pois o próprio ato de ler é, em si,uma viagem e os relatos sobre epopéias nos levamà uma dupla jornada no imaginário. Então o viajan-te poderá ler em uma paisagem estranha e invertero processo: ler em viagem significa um duplo exer-cício de evasão, geográfica e mental. Ler sobre via-gens ou ler nas viagens são atos complementaresdo exercício intelectual da descoberta do mundo eda própria alteração de nossas paisagens e ambi-entes mentais.

Um autor que entendeu a magia das viagens foiPaul Bowles, tanto que ele migrou definitivamentedos Estados Unidos para o Marrocos para viver emuma outra natureza e cultura a sua aventura huma-na. Só quem soltou-se na vida para não retornarpode apreciar com tanta propriedade o nascer deum novo dia porque a sua história deixou de ter cre-púsculos melancólicos para ser feita apenas de al-voradas estimulantes: “Nem dava para acreditarnaquelas manhãs. A frescura primitiva, que a flo-resta derramava sobre a casa, mantinha-se junto àterra na forma de uma névoa. Fora e dentro, tudoera umidade e cheirava a uma loja de flores, mastodo dia essa umidade se dispersava tão logo asferroadas do sol ardente atravessassem a fina ca-mada de orvalho que aderia aos flancos da monta-nha. Viver lá era como viver inclinado, com a terra seestirando para cima de um lado e para baixo do ou-tro, no mesmo ângulo. Apenas o abismo do desfila-deiro dava uma noção de perpendicularidade, Subiaum vapor constante do poço invisível lá no fundo, eo indefinido e distante chamado da água era comoo som do próprio sono.” (Bowles, 1994, p. 58).

Em meio às complexidades do turismo de mas-sa, tão pasteurizado, organizado e comercial, restaainda muito espaço para a aventura e o mergulhono incognoscível. Resta deixar-se levar pelos tex-tos do passado e do presente para acelerar ainda

mais as emoções da descoberta e de se tocar o di-ferente. Livros e viagens, uma boa combinação paramelhor viver os melhores momentos de nossa exis-tência.

Notas

1 Este artigo foi apresentado no II Encontro Nacional de Turis-mo com Base Local – Fortaleza, CE, de 02 a 05 de novembrode 1998.

Referências bibliográficas

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*Luiz Gonzaga Godoi Trigo é professor PUC – Campinas,SENAC-SP – Turismo e Hotelaria e Membro da AIEST

E-mail: [email protected].

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Para cada cidade que Marco Polo lhe descrevia, a mente do

Grande Khan partia por conta própria, e, desmontando a cida-

de pedaço por pedaço, ela a reconstruía de outra maneira...2

Certa vez o sociólogo Octavio Ianni disse que “omundo é uma imensa cidade”. Uma cidade desdo-brada em muitas3. Montreal é assim. “Perfeitamentebilingüe”4, vive aquilo que o historiador Hugh MacLen-nan chamou de duas solidões. A convivência entrefrancofones e anglofones é um dos aspectos maisintrigantes dessa cidade aparentemente bipartida. Odepoimento do designer Will Spencer, 47 anos, érevelador: “quando eu era criança, no bairro deSnowdon, eu não sabia, eu não percebia que a maio-ria das pessoas de Montreal falava francês. Eu nãotinha contato algum com elas”5. Mas esse distancia-mento ganha uma nuança na fala de Eric, um barmanfrancofone: “tudo se desenrola nas mídias e entre ospolíticos. Na rua, a maioria das pessoas se entendebem. Afinal, nós viemos todos de todas as partes.Eu, por exemplo, tenho sangue irlandês. É claro quehá extremistas dos dois lados, mas nós não somosnem mesmo capazes de nos atirar tomates!”6.

É verdade que se fala inglês ou francês cotidia-namente em lojas, cafés ou cinemas da cidade, masa questão lingüística, no seio da arena política, podeser bem mais complexa. O francês é a língua oficialdo Québec7; os francofones, que representam cer-ca de 80% da população, se perguntam por que elese não os outros devem se tornar bilingües. Não se

pode negar o imenso poder de fogo do entorno an-glofone na América do Norte. O Canadá e os Esta-dos Unidos juntos somam cerca de 270 milhões deanglofones contra uma população de cerca de 7milhões e meio de quebequenses8. Para estes, man-ter o francês vivo é uma questão de sobrevivênciasocial, política e étnica.

A indefinição lingüística logo chama a atençãodo visitante. É comum fazer uma pergunta em fran-cês e receber a resposta em inglês, mesmo que ointerlocutor tenha o francês como língua materna.No cotidiano comercial e turístico as interações sãomenos tensas. Sendo uma língua universal, o inglêsé preferencialmente empregado nos contatos entrevisitantes e locais.

Além das ambiências francesa e inglesa, imedia-tamente perceptíveis, Montreal guarda muitas ou-tras cidades. Às vezes segmentadas, mas global-mente enredadas. Para conhecer a alma dessa Ilha,é preciso se mover em cada um desses espaços,desvendar a variedade de guetos urbanos onde re-pousa e fervilha seu cotidiano multicultural.

O berço da cidade, fundada pelos franceses em1642, é o que hoje se conhece como Vieux Montreal,o Velho Porto onde mais tarde desembarcaram imi-grantes de várias partes do planeta. A variedadepopulacional de Montreal se reflete nas raízes an-cestrais físicas e culturais de 41 países, nas cercade 30 religiões professadas e nos 35 idiomas fala-dos na cidade.

Desvendando Montreal –

multiculturalismo e mercado

turístico no Canadá1

Goli Guerreiro*

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Não é difícil perceber a face multicultural de Mon-treal. A ilha onde a cidade se baseia é delimitadaem territórios multiétnicos que expressam com cla-reza a variedade das culturas que formam sua po-pulação. O espaço social tem um contorno preciso,que desenha no centro da Ilha o Boulevard St.Laurent. Essa avenida principal (também chamadade Main pelos anglofones), que sobe do Porto navelha cidade e avança em direção ao norte da ilha,exibe toda a diversidade de sua composição étnicae atiça a percepção do visitante para o aspecto quemelhor caracteriza a sociedade canadense: o multi-culturalismo.

Nos bairros, onde as “comunidades culturais”9 seestabelecem, esses aspectos ganham uma densi-dade muito maior. Se St. Laurent é a reunião da di-versidade étnica da cidade, os bairros são a particula-rização dessas diferenças. São áreas claramentedemarcadas. Templos, residências, comércios es-pecíficos, agências de viagens e, é claro, hábitos evalores se reproduzem e se atualizam na vida coti-diana daqueles microcosmos.

A caminhada é mais uma vez a melhor forma deconhecer esses bairros, muitos vezes explicitamen-te nomeados, como Quartier Chinois (bairro chinês),Petite Italie (Pequena Itália), Quartier Grec (bairrogrego), Quartier Juif (bairro judeu) ou o QuartierLatin, onde a biblioteca nacional, as universidades,livrarias, sebos e cafés animam a alma francesa dacidade. Nesses espaços sociais, atmosferas cultu-rais bastante diferenciadas se desenvolvem em rit-mos e ambiências particulares.

Bem próximo ao Velho Porto, no início do Boule-vard St. Laurent, está o bairro chinês, demarcadopelos típicos portais vermelhos ladeados pelo dra-gão, símbolo de ancestralidade. Os lampadários ar-redondados, os inúmeros restaurantes nomeadosem ideogramas, sinalizam a presença oriental tantoquanto as quinquilharias em louça e bambu apinha-das nas inúmeras casas de souvenirs, que trans-bordam pelas calçadas de um território dominadopelos fenótipos asiáticos. Dificilmente francófonos,esses imigrantes exigem do visitante o uso do in-glês. Cientes de sua contribuição à formação dasociedade canadense10, onde se instalaram no fimdo século XIX, a maior parte dos chineses professao budismo. Diz-se que as ruas do bairro chinês deMontreal exalam os incensos que queimam diantedas estátuas de Buda.

O Boulevard St. Laurent é uma boa metáfora dacena social montrealense. A caminhada ladeira aci-ma é o primeiro impulso do flâneur que, se deslo-cando lentamente, pode sentir a variedade de lín-guas, fenótipos, cores, sabores e cheiros que exalamdos diversos estabelecimentos alinhados ao longodo percurso. Este rico leque pode ser sentido nasplacas em vários idiomas que atraem os mais diver-sos tipos de consumidores. Ler e ouvir em português,ucraniano, hebraico, chinês, grego, italiano, ára-be é uma atividade familiar para quem circula naárea.

Os protagonistas dessa variedade lingüística nas-ceram em outras terras ou em solo canadense, masaprenderam ainda no seio materno as melodias des-ses idiomas. Seus tipos físicos não escondem suasorigens. Muitos deles prezam o uso de suas indumen-tárias características como saris, turbantes, véus, nãoraro comercializadas nas lojas. A boa oferta de res-taurantes e lanchonetes preenche o ar com aromasímpares e faz de Montreal uma festa gastronômicaque não deixa indiferente nem os visitantes nem apopulação local. O bairro oriental é uma festa gastronômica

O Boulevard St. Laurent reflete a diversidade étnica de Montreal

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No bairro português, bem mais acima do St.Laurent, muitos elementos ilustram a significativa pre-sença lusa na cidade, que remonta ao século XVII. Anossa velha conhecida escultura, símbolo das gran-des navegações11, junto ao Coreto do Parc Portugal(praça principal do bairro); a presença onipresente dosgalos (símbolo do país), as lojas Cabral, Imperial, AnaMaria ou Flor do Lar, onde pode-se comprar itens vin-dos diretamente de Lisboa como presentes, jornais erevistas; a casa bancária dos portugueses de Montre-al, que abriga ainda uma clínica e uma agência deviagens com serviços em português; e os menus nonosso idioma oferecendo bacalhau e pastéis de San-ta Clara, são alguns dos exemplos. Há também a Igrejado Santo Cristo do Milagre, exibindo na fachada umacópia da estátua original que se encontra em Açores.Profundamente católicos, os portugueses se aclima-taram bem à nova sociedade, que tem no catolicismosua religião oficial.

Esta última vaga levou também para a área haitianose latino-americanos, como chilenos, colombianos esalvadorenhos. Mas a matriz grega ainda caracteri-za o território.

No bairro grego, uma igreja ortodoxa demarca oinício do território onde inúmeros prédios exibem al-guma referência à terra de origem. Seja na estiliza-ção da arquitetura da estação de metrô, onde o ar-quiteto recorreu a colunas neoclássicas e a uminterior amplo de inspiração helênica, seja na lín-gua que nomeia os estabelecimentos comerciais,como College Platon, Art Gnôsis, Papeterie Zoubris,ou nas fachadas de restaurantes que exibem for-mas típicas da arquitetura das ilhas gregas. Ou ain-da nas lojas de decoração que exibem esculturasclássicas ou nas agências de viagens que vendempacotes para Atenas. Embora os gregos tenham seinstalado em Montreal desde a metade do séculoXIX, a onda de imigração mais significativa se deurecentemente, entre as décadas de 1960 e 1970.

Os símbolos da cultura portuguesa indicam a sua marcante presençaem Montreal

Os gregos não abrem mão da sua identidade linguística

O modo de vida italiano é preservado na pequena Itália

Na comunidade italiana, a Petite Italie, as placasfixadas nos postes de luz das ruas do território nascores verde, vermelha e branca de sua bandeira, sãodispensáveis se comparadas ao poder de remissãodas praças demarcadas por igrejas como La-Madonna-Della-Difesa na Praça Dante, das grifes que chamama atenção do mundo da moda, das sorveterias comoa Alati-caserta, dos disputados restaurantes como aTrattoria dai Baffoni, quase uma instituição gastronô-mica, da influência da arquitetura toscana ou das rou-pas penduradas ao ar livre à moda napolitana. Os ita-lianos gostam de sua língua, ocupam seu espaço emalto e bom som e estão amparados pelo poder políticoque a comunidade exerce no município. Os italianosconstituem o terceiro grupo étnico em importância noQuébec (depois dos franceses e ingleses). Realizamuma imigração permanente desde a metade do sécu-lo XIX, sendo que o peso numérico se deu entre osanos de 1960 a 1975. A pequena Itália, situada no

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final do Boulevard St. Laurent, desfruta da simpatiados montrealenses, que lotam suas cantinas nos ani-mados fins de semana.

Também influentes politicamente, através de seusimportantes organismos comunitários, os judeus deMontreal se concentram no bairro de Outrement, co-nhecido como bairro judeu. Vieram sobretudo da Eu-ropa do Leste, no fim do século XIX, e uma segundaleva se deslocou depois da Segunda Guerra. Seupoder político se reflete em conquistas de cunho re-ligioso, como a recente aprovação de um anseio dapopulação local para a fixação de cercas residenciaiscom sentido ritual. Seus trajes são inconfundíveis.Seus cabelos modelados pela tradição. Suas sina-gogas enchem-se aos sábados para o cumprimen-to de um ritual milenar. Nas delicatessens do bairropode-se encontrar a cuidadosa alimentação judai-ca, incluindo o pão cozido em forno de pedra servi-do durante a ceia do Sabbat. Mais de 60 escolasprimárias e secundárias espalhadas pelo bairrotransmitem as bases e garantem a continuidade dacultura judaica em Montreal.

Nem todas as “comunidades culturais” dispõem deáreas delimitadas, muitas delas interagem em bairrosmistos, onde variadas identidades se movem. O nívelde comunicação intercultural é mais elevado12. As tro-cas são mais diretas. Os estabelecimentos oferecemmais opções de línguas faladas. Para isso, empregampessoas de etnias diversas. Assim, a possibilidade deconvívio das diferenças se desenha com mais clare-za. Nesses territórios mesclados, a variedade dos es-paços religiosos é surpreendente. Muçulmanos, cris-tãos, hindus, budistas, expressam filiação a seustemplos. A imponência de seus prédios ressalta napaisagem urbana e reflete poderosamente o mosaicoplanetário que é a sociedade montrealense13.

O turismo intercultural

Embora esses espaços sociais e a variedade cul-tural sejam acessíveis a todo e qualquer visitante, omercado turístico de Montreal não explora o carátermultiétnico da cidade. Apesar do seu imenso poten-cial para desenvolver o turismo intercultural, essenicho de mercado é minimanente explorado. Ape-nas três agências de turismo em Montreal (Kaléi-doscope, GuidaTour e L’Autre Montreal) se dedicamao segmento.

O turismo intercultural é um tipo de turismo deinteresse específico (étnico, ecológico, esportivo, re-ligioso, etc) que, a princípio, se contrapõe ao turis-mo de massa. Ele diz respeito tanto à exploraçãoturística em territórios autóctones quanto à visita-ção de espaços ocupados por etnias específicas emcidades cosmopolitas – o bairro da Liberdade emSão Paulo ou Little Italie em Nova York, servem comoexemplos. Trata-se de uma tendência internacionalque nasceu em Londres e é bastante praticada tam-bém em Paris e Nova York. No Canadá, aconteceem Montreal, Toronto e Vancouver.

Em Montreal, o turismo intercultural consiste naapropriação enquanto produto de áreas onde as “co-munidades culturais” se estabelecem. São explora-dos os aspectos histórico, social, arquitetural, gas-tronômico e religioso. Alguns requisitos são essenciaispara uma comunidade se constituir num alvo de inte-resse turístico: 1) ser territorialmente delimitada, 2)etnicamente diferenciada, 3) comercialmente repre-sentada e 4) ter lugares de culto e fiéis envolvidos.

O que está em jogo nesse tipo de turismo é a pos-sibilidade de um contato direto com a vida cotidianadas comunidades imigrantes de Montreal e o escopocultural que elas representam. Segundo Ivan Drouin,dono e guia da agência Kaléidoscope, o trabalho con-siste em dar a informação: “de onde eles vêm, quemeles são, como eles fazem. Deixamos a clientela serelacionar com isso. Nós evitamos a comparação coma nossa cultura e a relação dominador/dominado”14.Ele diz não fazer propaganda das culturas em pauta,simplesmente lança informações e confia na sensibi-lidade de sua escolarizada clientela.

A clientela da Kaléidoscope é composta de estu-dantes montrealenses de primeiro e segundo grause de pessoas provenientes de outras regiões doQuébec interessadas em conhecer a faceta cosmo-polita da segunda maior cidade canadense. O perfildesse segmento da clientela é bem delimitado: pes-soas de meia idade e/ou aposentadas que costu-mam passar o fim de semana em Montreal, sendoque a participação dos homens é insignificante secomparada à das mulheres15.

Esses pequenos grupos de cerca de oito a dezpessoas se dispõem a realizar um percurso a pépelos bairros de imigrantes, que dura cerca de trêshoras, ao custo de 12 dólares canadenses (cercade 18 reais) por pessoa. O encontro se dá em uma

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estação de metrô do território da comunidade esco-lhida, ponto de partida da visita, que inclui uma pa-lestra de cerca de meia hora, proferida pela guia. Otema passeia pelo processo histórico que permitiua ocupação daquela área, por algumas característi-cas da cultura transplantada para o espaço, alémde pela posição do imigrante na sociedade quebe-quense e pelo poder político daquela comunidadefrente ao município.

Depois disso, o grupo segue a pé um trajeto pré-determinado, que inclui a observação da influência dacultura imigrante sobre a arquitetura local; a visita amercados de rua, onde a cultura gastronômica é apre-

sentada (a refeição em grupo não está incluída no tour);e a visitação a um templo, onde a cultura religiosa édecifrada para os turistas. No trajeto, o encontro compessoas vivenciando seu cotidiano é inevitável. Seussotaques, seus modos, suas cores, os temperos queexalam das suas cozinhas tornam-se acessíveis ao vi-sitante que, não raro, dirigem aos moradores ao menosum cumprimento.

Nesse tipo de turismo a relação entre visitantese locais é diferenciada se comparada ao turismo demassa, em que a interação é quase inexistente ouse dá por um contato intermediado pelo guia. O mo-mento do shopping é normalmente pré-agendadocom comerciantes e, de modo geral, durante a refei-ção, o grupo entretém a si próprio, muitas vezes semse dar conta da ambiência que o envolve. Assim, apossibilidade de interação com locais é bastante re-duzida.

No turismo intercultural o contato pode ser dire-to, pois não há barreira lingüística (no caso em pau-ta, de modo geral o francês é uma língua comum àspartes envolvidas). Não há parada obrigatória parashopping. Quando ocorre, é um movimento espon-tâneo de um ou mais membros do grupo e a opçãode fazer ou não a refeição no bairro é um indicativodo interesse do visitante e pode ser um ótimo mo-mento para a interação com locais.

Mas, talvez, a maior distinção dessa experiênciaturística seja a ausência da captura de imagens pormeios eletrônicos. Ivan Drouin confirma que é mui-to raro que seus grupos portem câmeras e, na sualeitura, “guardar a foto para descrever a emoção domomento interessa àqueles que não vão voltar, masa minha clientela toda vai voltar. A foto é a emoçãoda lembrança. Eles não precisam dela”. Neste caso,a reconstrução da memória, é feita através da repe-tição da visita, seja com finalidades gastronômicas,religiosas ou lúdicas16.

A não-captura de imagens indica que as motiva-ções do turista de interesse específico são diferenci-adas. As idéias de exterioridade, de controle do es-paço, de legitimidade e de status que passam peloato de fotografar, já trabalhadas por vários autores17,estão ausentes no tipo de abordagem que se esta-belece entre a clientela quebequense e as comuni-dades culturais.

De modo geral, os turistas que participam de citytours tradicionais viajam em ônibus com um guia a

Trajeto do tour intercultural no bairro judeu

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bordo. A parada em lugares considerados turísticosinclui o ato de fotografar, a almejada “prova” da reali-zação da viagem, que será exibida no retorno paraa família e amigos.

Para Drouin, “os turistas que vão às comunida-des culturais para consumir imagens, para servoyeur, não são bem vistos. São bem vistos aque-les que estão lá para descobrir, compreender, en-contrar. Existe uma grande diferença entre chegare fazer fotos e chegar e dizer: ‘bom dia, como vai?’”.A trama de relações entre visitan-tes e locais é o que distingue a ex-periência turística18.

As agências de turismo que rea-lizam esses trajetos não têm encon-trado obstáculos para realização dasvisitas. Talvez pela ausência de con-sumação visual (representada so-bretudo pelas câmeras) e pelopequeno porte dos grupos, as co-munidades não têm manifestadouma rejeição evidente a esse tipo de turismo19. E comodispõem de inúmeros organismos de representação,teriam meios para fazê-la oficialmente.

Para Ivan Drouin, as razões da pouca explora-ção do turismo intercultural devem-se ao fato dessetipo de roteiro não ser vendável para o turista es-trangeiro. Na sua apreciação o desinteresse pelaface multiétnica de Montreal pode estar relacionadoao fato de que grande parte dos turistas que vemdo exterior vive essa mesma experiência multicultu-ral em sua própria cidade20.

Louise Hérbert, diretora da agência GuidaTour,confirma que a clientela interessada nesse tipo deturismo é bastante restrita e, por isso mesmo, suaempresa, que oferece serviço de pessoal turístico(reunindo guias para todo tipo de demanda), dedicauma atenção ínfima a esse segmento de mercado.Ela também atende a uma demanda escolar, paraquem oferece um pacote pluriétnico adaptado à es-cola fundamental. Mas, diferentemente da Kaléidos-cope, para atender à clientela de idosos quebequen-ses, vinda de outros municípios da Província, elarealiza “um tour de monde à Montreal” com duraçãode um dia, com refeição incluída. Trata-se de umavisão panorâmica da variedade étnica, realizada emônibus e, portanto, mais distanciada da interaçãodireta que a visita particular a cada um dos bairros

pode propiciar. Esse tour é uma adaptação do mo-delo do pacote de massa para o contexto multicul-tural da cidade.

A agência GuidaTour, que recebe principalmenteturistas norte-americanos, trabalha também com de-mandas específicas de gays e negros. “Os afro-des-cendentes que se interessam e pesquisam a presençanegra em várias cidades fazem o Black city tour. Acomunidade haitiana é a que mais atiça o interessedeles, talvez pela prática do vodu”, afirma Louise21. As

comunidades negras em Montreal es-tão espalhadas na vasta área norteda cidade, chamada de MontréalNord.

Para Hérbert, “turismo intercul-tural é apenas uma maneira moder-na de nomear uma coisa que sem-pre existiu. Se você vai ao México,você entra em contato com váriasculturas que formaram o país. É amesma coisa aqui. Viajar é sempre

uma aventura cultural”. É verdade que o turismo éuma experiência cultural que se funda nos numero-sos jogos de relações entre turistas e locais22.

Apesar de acreditar na tendência do crescimen-to do turismo de interesse específico, Louise achaque a face multicultural de Montreal deve ser umaespécie de plano B. “Eu penso que é interessantemostrar a face multicultural da cidade aos jovensque vêm aqui várias vezes. Depois que eles vêem oJardim Botânico, o Estádio Olímpico, o Biodomo(itens incluídos em todos os roteiros tradicionais),eles têm a impressão de que isso é tudo. Então agente pode impulsionar o turismo de bairro. Issoserve para mostrar que há sempre coisas a desco-brir em Montreal. Neste mercado é importante sercriativo e encontrar novos caminhos”, diz ela.

Os turistas que visitam Montreal não costumamdedicar muitos dias a descobrir a cidade. E segun-do a diretora da GuidaTour, “as pessoas que vêmpela primeira vez a Montreal se interessam pelo clás-sico”. No entanto, o interesse turístico não se de-senvolve espontaneamente. Há todo um processode construção da imagem do lugar que direciona asescolhas e as motivações do visitante. Há uma se-leção de atrações que distingue o mais belo ou omais original e dirige o olhar para aquilo que “deve”ser consumido pelo turista.

O interesse turísticonão se desenvolveespontaneamente.

Há todo um processode construção da

imagem do lugar quedireciona as escolhas

e as motivaçõesdo visitante.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.153-161 Setembro 2001 159

Uma análise do material de informações turísticasveiculado em Montreal permite afirmar que a facemulticultural da cidade não se constitui num item deatração turística. No material publicitário que divulga aimagem da cidade (disponibilizado no principal centrode informações turísticas), a ancestralidade européiaé altamente valorizada e se encarrega de veicular, emlarga escala, a herança direta da elegante cultura fran-cesa. Note-se nos seguintes trechos de folders:

“L’Amérique française. Le Québec. Indéniablement latin.

Typiquement nord-américain. Grand, beau, impressionnant”.

(A América francesa. O Québec. Inegavelmente latino. Tipi-

camente norte-americano. Grande, belo, impressionante)23.

“Un coin d’Amerique à l’accent français”. (Um canto da Amé-

rica com sotaque francês).

Além disso, uma consulta ao índice do Guia Oficialde Turismo aponta apenas a presença da comuni-dade italiana. Nem mesmo o bairro chinês é mencio-nado. O multiétnico Boulevard St. Laurent tampoucomerece destaque no sumário que, entre outros itens,indica o Vieux Montréal & Vieux Port, o Quartier Latin(as mais visíveis heranças da cultura francesa) e oVillage (bairro gay). Essa ênfase, se não esconde,escamoteia a diversidade étnica que se manifestana cidade24. No texto do prefeito Pierre Bourque, des-tacado no Guia 2001-2002, nenhuma menção a esseaspecto pode ser facilmente notada:

“Je vous souhaite la plus cordiale bienvenue à Montréal, une

des plus attachantes villes d’Amérique. Son dynamisme, la

chaleur des Montréalais, sa vie culturelle, sa gastronomie,

son riche patrimoine et ses magnifiques parcs et espaces verts

vous séduiront”.

(Seja bem-vindo a Montreal, uma das mais atraentes cidades

da América. Seu dinamismo, o calor dos montrealenses, sua

vida cultural, sua gastronomia, seu rico patrimônio histórico e

seus magníficos parques e espaços verdes o seduzirão)25.

Outros exemplos podem ainda demonstrar as tô-nicas adotadas pelo marketing turístico que, dianteda queda do turismo nacional, volta-se vigorosamen-te para o mercado estrangeiro.

“Life à la Montréal: A celebration of life in the city.

City heat, Euro-style. In Montréal, Canada – the indisputed

festival capital of the world – there’s a celebration around every

corner, night or day. The world’s second-largest French-

speaking city excites and entertains. Indeed, there’s something

in the Latin blood that’s downright infectious ...a passion for

all things fabulous”.

(Estilo Montreal: uma celebração da vida na cidade. Cidade

calorosa. Estilo europeu. Em Montreal – indiscutível capital

dos festivais do mundo, há uma celebração em cada esqui-

na, dia e noite. A segunda maior cidade de língua francesa

excita e entretém. Há algo do sangue latino que contagia...

uma paixão por todas as coisas fabulosas).

“Pleasures à la Montréal: Life is so good you can taste it.

Sensory stimulus is emphatically de rigueur. Whether your

palate runs to foie gras or momma’s blue plate special,

Montréal’s legendary bistros and restaurants come in 80

differents nationalities. Dine late and long as the natives do”.

(Prazeres à la Montreal: A vida é boa e você pode experi-

mentar isso. Estímulos sensoriais são garantidos. Se seu

paladar vai do foie gras ao prato especial momma’s blue, os

legendários bistrôs e restaurantes de Montreal representam

a culinária de 80 diferentes nacionalidades. Jante tarde e len-

tamente como os nativos fazem).

A estratégia oficial é apresentar Montreal comouma cidade onde há alegria de viver, onde há diver-são, onde se come bem. É essa imagem queposiciona a cidade no mercado turístico internacio-nal. É bem verdade que isso, de certa forma, colocaem evidência a face multicultural da cidade. É im-possível falar de gastronomia variada, de riquezacultural e de convivência harmoniosa e tolerante semmencionar o quadro humano que as realiza. Mas,por enquanto, não é essa a tônica do material publi-citário que desenha a imagem de Montreal.

Uma breve comparação com o material de infor-mações turísticas de Toronto, a maior cidade anglo-fone do Canadá, pode ser útil para mostrar que,enquanto em Montreal a questão multicultural ésubjacente, em Toronto é predominante. A capa doguia oficial de Toronto estampa: “The world within acity” (O mundo em uma cidade)26.

Textos em destaque nos folders confirmam otom:

“Founded in 1793 as a government outpost with fewer than 200

residents, Toronto has grown in just over two centuries into

Canada’s largest city with citizens from all over the world”

(....maior cidade do Canadá com cidadãos de todas as par-

tes do mundo).

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160 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.153-161 Setembro 2001

A presença oriental é marcante em todo o ma-terial turístico. No folder que veicula as atrações paraos meses de junho e julho de 2001, das quatro fotosimpressas na capa duas trazem crianças asiáticas,sendo que uma delas mostra um rosto em close. Aocontrário do Guia Oficial de Montreal, The EssentialGuide to Toronto aponta como visitas indispensá-veis os bairros de Chinatown, Little Italie, Greektowne Kesington Market, uma espécie de bairro multi-cultural apinhado de lojas de frutas, vegetais, rou-pas, comercializados por imigrantes da Europa,Caribe e Ásia.

O multiculturalismo constitui a imagem de Torontoque o mercado turístico se encarrega de veicular.Segundo Ivan Drouin, “em Toronto tem tours guia-dos em vários bairros, lá eles têm tudo que é neces-sário para fazer o turismo intercultural. Toronto émuito mais multiétnica que Montreal”.

No entanto, a história da imigração é mais longaem Montreal. São culturas antigas com territóriosdefinidos desde o século XIX. Em Montreal, existe ocontraponto entre francófonos e anglófonos, alémda plurietnicidade. Sem dúvida, a cidade poderiaalavancar um turismo intercultural com muita pro-priedade. Por que não o faz?

Talvez a cultura turística de Montreal esteja pró-xima de uma estética americana que trabalha a partirdo simulacro27. Isso transparece não somente na ên-fase no modelo francês transplantado para o NovoMundo, como na importância atribuída ao Biodôme,Jardin Botanique ou ao Insectarium, que simulam adiversidade ecológica do planeta.

O Biodômo “recria” quatro ecossistemas: a flores-ta tropical, a floresta canadense, o mundo polar e omundo marinho, num espaço que é uma das princi-pais atrações turísticas da cidade. Outra vedete lo-cal, o Jardim Botânico, entre seus 30 tipos de jardinsexibe como jóias o Jardim da China e o Jardim Japo-nês, que, evidentemente, recriam ambientes orien-tais. O Insectarium conta com amostras de insetosde todo o planeta. Essas atrações turísticas, presen-tes nos roteiros preferenciais, são simulacros da na-tureza28.

Toda essa diversidade artificial29 ou, nos termosde Jean Baudrillard, estes “modelos de um real semorigem nem realidade”30, talvez tenha mais glamourque a vida cotidiana das comunidades imigrantes,onde as tradições religiosas, alimentares, vestimen-

tares e artísticas estão autenticamente presentes.Trata-se de uma diversidade cultural real e não deuma diversidade encenada para o turismo.

Sem dúvida é um turismo de massa, baseado naestética da simulação, que se realiza em Montreal.O exíguo nicho de mercado que se dedica ao turis-mo intercultural existe pela necessidade de atendera uma demanda de uma população regional quequer compreender melhor quem são os outros comquem eles habitam, desvendando assim a face cos-mopolita de sua Província.

A inserção no mercado turístico pode não inte-ressar às comunidades culturais de Montreal, masimplicaria inevitavelmente uma maior participaçãona semiosfera, a esfera dos signos que as mídiasviabilizam e modelam. As dificuldades de comuni-cação intercultural nas sociedades multiculturais sãofreqüentemente apontadas31. Os discursos identitá-rios encerrados em guetos dificilmente alcançamuma posição na semiosfera que lhes garanta aveiculação de seus valores e estéticas, fundamen-tais para definir seu poder de barganha e participa-ção na sociedade.

A construção da imagem de Montreal pelo mer-cado turístico, certamente não desconhece a impor-tância atribuída à questão nacional no Québec. Umreconhecimento mais amplo da diversidade étnicapelo marketing turístico talvez ferisse o projeto deunidade nacional que atravessa a sociedade que-bequense. A diferença é uma das principais ques-tões postas pelo multiculturalismo e o Québec estáem busca de uma unidade que lhe garanta inde-pendência frente ao Estado canadense32. Tudo levaa crer que o multiculturalismo é um affair político enão turístico em Montreal. Mas isso é assunto parauma outra conversa.

Notas

1 Este artigo foi produzido a partir de pesquisa de campo deum mês realizada em Montreal, Canadá, entre junho e julhode 2001, financiada pelo governo canadense através do pro-grama Faculty Research Program/Bourses de RechercheBrésil.

2 CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis, São Paulo: Cia dasLetras, 2000, p. 43.

3 FOLHA DE SÃO PAULO. A cidade hiper-real. Caderno Mais!.19 de agosto de 2001.

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4 Expressão corriqueira em Montreal.

5 Em conversa informal com a autora.

6 Em Courrier Internacional. Québec – voyage dans une nationincertaine, nº437, 18 mars, 1999.

7 Lei de 1977.

8 Num território três vezes maior que a Península Ibérica, maisprecisamente, de 1.540.681 Km2.

9 “Comunidade cultural” é o termo oficialmente utilizado no Ca-nadá para identificar populações imigrantes.

10 A população oriental de Toronto atinge a marca de 500 milpessoas e em Vancouver habita a segunda maior colônia ori-ental do mundo (a primeira está em São Francisco).

11 A mesma que demarca a fundação da cidade de Salvador noPorto da Barra.

12 Cf. BARRETTE, Christian et al. Guide de communicationinterculturelle. Québec: ERPI, 1996.

13 Para uma descrição completa de todas as áreas ocupadaspor imigrantes ver Lazar, Barry et Douglas, Tamsin. Le Guidede Montréal Etnique. Montreal: Edition XYZ, 1994, 2a ed.

14 Todas as falas de Ivan Drouin foram registradas em entrevis-ta concedida à autora em 28 de junho de 2001.

15 Segundo Ivan Drouin, as razões de sua clientela ser basica-mente feminina passam pelo seguinte: “As mulheres são res-ponsáveis pelos links sociais e os homens, pelos links técni-cos. Apesar de não podermos falar de cultura machista noCanadá, os papéis sociais são bastantes diferenciados”.

16 É comum as comunidades culturais sediarem festivais de vá-rias naturezas.

17 Cf. URRY, John. O olhar do turista. São Paulo: Studio Nobel/Sesc, 1996; SONTAG, Susan. On Photography. Nova York:Delta, 1973.

18 Infelizmente o tempo dedicado à pesquisa não permitiu iden-tificar essas motivações, o que poderia levar a traçar em pro-fundidade o perfil do turista com esse interesse específico.Sobre esse assunto ver SERRANO, Célia et al. (Orgs). Olha-res contemporâneos sobre o turismo. Campinas: Papirus,2000.

19 Sobre a rejeição ao turismo ver Canestrini, Duccio. Ethnictourism. The responsible way – World Conference on Sustai-nable Tourism Lanzarote. Canary Islands, Soain, April 24-29,1995.

20 O Canadá recebe principalmente turistas norte-americanos,britânicos, japoneses, franceses e alemães.

21 Todas as falas de Louise Hérbert foram registradas em entre-vista concedida à autora em 8/7/01

22 Cf. LAPLANTE, Marc. L’Experience touristique contemporai-ne – fondements sociaux et culturels. Presse de l’Universitédu Québec, 1997.

23 Todos os textos citados de guias de turismo e folders foramtraduzidos pela autora.

24 Para além dos limites de Montreal, a presença autóctone ébastante destacada no material de informações turísticas. Asnações indígenas que habitam a área são perfeitamente visí-veis até mesmo para o mais distraído leitor dos folders turís-ticos. Entre as várias aventuras propostas, seja na neve, noslagos ou em safaris aéreos, incluiu-se o contato com popula-ções tradicionais, festejadas como autênticas e místicas.

25 O texto de Pierre Bourque consta da 16a edição do MontréalGuide Touristique Officiel 2001-2002 (750 mil exemplares).

26 In: “2001 Annual Visitor Guide – An Official Publication ofTourism Toronto”. Sem edição. (500 mil exemplares).

27 Ver Baudrillard, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Reló-gio d’Água, 1991.

28 Outras duas importantes atrações turísticas, como o Cassinode Montreal ou a Biosfera, esta última erguida para sediar aexposição universal, não escapam à lógica do simulacro.

29 Sobre as relações entre a autenticidade e artificialidade nacultura turística ver TROTTIER, Louise. Pour un nouveaucadre d’analyse du tourisme: la culture post-moderne. Mon-treal: Université du Québec à Montreal-UQAM (Dissertaçãode mestrado), 1993.

30 Op Cit, p. 8

31 Cf. SEMPRINI, Andrea. Le multiculturalisme. Paris: PUF, 1997.

32 No entanto, nos plebiscitos de 1980 e 1995, os independen-tistas ficaram em desvantagem.

*Goli Guerreiro é doutora em antropologia pela USP eprofessora da UNIFACS – Universidade Salvador.

E-mail: [email protected].

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Talvez o consenso mais amplamente propagadosobre turismo brasileiro – e que se repete na Bahia– é o de que a baixa qualidade dos serviços ou doatendimento afugentaria turistas de maior renda oumaior propensão a gastar. A nossa mão-de-obradesqualificada facilitaria uma maior competitividadepor preço, mas dificultaria uma maior competitivida-de em qualidade. Espera-se, em conseqüência, queuma melhoria da qualificação dos serviços impliqueuma maior possibilidade de crescimento do nossomercado turístico.

É aí que talvez estejamos incorrendo em umgrande equívoco. A qualidade dos serviços é umvalor importante em qualquer atividade e não seriadiferente no turismo. Entretanto, o turismo envolvecomponentes de subjetividade, de fantasia, de so-nho, de significados simbólicos, que não respondem,necessariamente, a aspectos objetivos da realida-de. Senão, como explicar que alguns dos destinosturísticos mais procurados do mundo exibam, mui-tas vezes, um serviço de qualidade duvidosa?

A cidade mais visitada do mundo, Paris, é tam-bém campeã de queixas do pedantismo dos france-ses. Pior, da arrogância de garçons ou balconistasde lojas. Jantar num pequeno restaurante francês,em Paris, pode significar surpresas como, por exem-plo, pedir um filé ao molho tartare, acompanhadocom uma coca-cola, e ouvir do garçom, a exibir umcerto ar de indignação, que aquele prato deve seracompanhado com um vinho e não com o simplesrefrigerante. A rispidez com que alguns vendedores

atendem clientes em lojas também é motivo de quei-xas de turistas que visitam a cidade. O metrô encer-ra as atividade entre meia-noite e uma hora damanhã, o que é um verdadeiro absurdo para o turis-ta que acreditou que “Paris é uma festa”.

E o preço? Uma espelunca em Paris é mais carado que um hotel 3 estrelas no Brasil. O perfume fran-cês – mercadoria que jamais perdeu o seu valor re-lativo – pode ser comprada em qualquer grandecapital do mundo por um preço semelhante. A cida-de sofre de engarrafamentos cotidianos e as filas –um aparente desconforto para qualquer turista – sãouma constante nos cinemas e teatros. Por que en-tão Paris é campeã mundial de atratividade turísticarecebendo 60 milhões de visitantes por ano?

Certamente os motivos mais importantes não têmnada a ver com a qualidade dos serviços: porqueParis é uma cidade mítica, porque é linda, porquesuas pontes e suas estátuas encantam, porque pos-sui museus entre os mais importantes do mundo,porque tem o único metrô do mundo que efetiva-mente leva a qualquer ponto da cidade, com pou-cas centenas de metros entre as estações, porquetem um café em cada esquina – onde você podeficar sentado por muitas horas tendo pedido ape-nas um cafezinho e jamais ser importunado por umgarçom para lhe forçar a consumir algo mais – ou,ainda, porque Paris foi palco da revolução france-sa, porque uma parte significativa de valores dacultura ocidental se criou ali, porque seus paláciossão suntuosos, porque suas lojinhas são sempre

Competitividade internacional

em turismo: a identidade cultural

contra o mito da qualidade dos serviços

Marcelo Dantas*

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.162-168 Setembro 2001 163

chiques, porque comer um simples pão em Paristorna-se um ato de sofisticação, porque sua atmos-fera é única e faz sonhar. E claro que cada turistaque visitou Paris saberia enumerar dezenas de ou-tros motivos para ter gostado da experiência e que-rer repeti-la.

A segunda cidade mais visitada do mundo, NovaIorque, templo do capitalismo americano, é realmen-te um grande exemplo da qualidade dos serviços.Regras claras e funcionamento garantido para tudoque a cidade promete: bares, restaurantes, hotéis,teatros, tudo funciona nos moldes eficientes de umcapitalismo mundialmente hegemônico. No entan-to, falhas nessa “perfeição” são muitas: os motoris-tas de taxi, africanos, asiáticos, indianos e árabes,parecem sempre ter acabado de imigrar, falam in-glês pior do que qualquer turista brasileiro que sóestudou a língua no primeiro grau – o que pode serconsiderado um desconforto ou um serviço de qua-lidade duvidosa. Tem também a attitude nova-iorquina. Termo que significa, em outras palavras,que os nova-iorquinos são metidos e consideramos visitantes estrangeiros e mesmo os americanosde outras regiões seres inferiores ou de inteligênciamínima, que os fazem perder a paciência; o que ha-veria de agradável em ser tratado como ser inferior?No entanto, sem nenhum calor hospitaleiro, a cida-de de Nova Iorque é a segunda mais visitada erevisitada do mundo. Por que? Nova Iorque é o sím-bolo máximo da cultura americana que se dissemi-nou pelo mundo através da influência do cinema,da música, da literatura, mas também das bombas,dos mísseis, da intervenção militar. Sua atmosferacosmopolita – graças ao fato de ser habitada porcontingentes populacionais de todas as regiões domundo – faz dela uma atração para turistas oriun-dos também de qualquer parte. Com isso, impõe-seuma questão: a Broadway é um chamariz de turis-tas ou o fato de atrair tantos turistas permitiu econô-mica e culturalmente a existência da Broadway? Éo que a cidade tem, o que ela consegue significarno mundo que faz dela uma atração.

Se formos para os bem-sucedidos destinos deturistas do Terceiro Mundo, a aparente contradiçãopermanece. O Marrocos é um dos campeões deatratividade turística entre os países mais pobres.Como se explica uma afluência tão grande de turis-tas estrangeiros a um país onde a estrutura de equi-

pamentos e serviços é mínima para os padrões oci-dentais? Nas grandes cidades, como Marrakesh,não se encontram praticamente bares e lanchone-tes, os restaurantes populares têm uma variedademínima de pratos e todos da culinária local, compreponderância absoluta e muitas vezes exclusivado tagine (uma espécie de ensopado de carneirocom legumes, preparado e servido num artefato debarro semelhante aos que se encontram ainda noNordeste, utilizados para fazer cuscuz à brasileira);não se encontram padarias com variedades de pão,existindo quase exclusivamente a opção do pão ára-be; é difícil encontrar-se coca-cola nas andançaspela cidade; com exceção dos grandes hotéis de ca-deias internacionais, os hotéis e pousadas de admi-nistração local não contam com funcionários que fa-lem línguas estrangeiras, só eventualmente ofrancês e, raramente, o inglês; trabalhadores são,em geral, analfabetos ou semi-alfabetizados; os pre-ços, uma história à parte: não existem etiquetas poiso preço informado é sempre mais alto para tornarinevitável a negociação – um hábito local; o assédionas ruas, com centenas de crianças, jovens e adul-tos oferecendo os serviços de guia, às vezes de for-ma ameaçadora, é um desagrado constante paraos turistas, além de eventualmente envolver riscode roubo ou violência. Resumindo, salvo algunsenclaves ocidentais (basicamente os grande hotéisde luxo), a oferta de serviços e seu padrão de qua-lidade estão abaixo de qualquer exigência do turis-ta médio. Talvez até isso explique o fato de que oMarrocos, apesar de ter uma alta atratividade – quese mantém nos últimos anos – tem uma das maisbaixas taxas de retorno entre os principais destinosturísticos mundiais. Mas por que, apesar disso, con-tinua a atrair levas de turistas aos milhões?

É difícil encontrar respostas fora dos aspectosculturais e de identidade nacional que tornam oMarrocos uma nação singular (ainda que guardecertas semelhanças com seus vizinhos do norte daÁfrica – Argélia e Tunísia). O Marrocos evoca todauma mística árabe, uma magia que pode lembrar AsMil e Uma Noites; possui uma singularidade arqui-tetônica de impressionante beleza, costumes com-pletamente exóticos aos olhos ocidentais, e é umaclara opção alternativa aos destinos turísticos maistradicionais. Tanto que os seus turistas dificilmenteoptam pelo destino Marrocos como sua primeira vi-

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agem internacional; portanto, depois de visitar ou-tros países como Estados Unidos e alguns da Euro-pa Ocidental (as duas regiões são campeãs abso-lutas do turismo mundial), ao buscar uma experiênciaúnica, diferente, surpreendente, faz-se a opção peloMarrocos. Ou seja, apesar das enormes deficiênci-as de infra-estrutura, de produtos, serviços e de aten-dimento, os turistas – mesmo às vezes alertados detodos os aspectos negativos pelos guias de viagem– decidem fazer essa aventura.

Qual a estratégia principal utiliza-da para atrair turistas pelos paísesmais visitados do mundo: difundir, omais amplamente possível, a identi-dade e a cultura nacional. Os Esta-dos Unidos garantem o turismo me-nos com marketing e mais comprodutos da indústria da cultura e doentretenimento: a música, o cinema,a televisão, a literatura norte-ameri-cana são consumidos no mundo in-teiro – o país é o primeiro no mundo em exportaçãode produtos culturais e essa indústria está ao ladoda indústria bélica como responsável pela maior fa-tia das suas exportações.

O mistério Brasil

Um país continental, de riqueza e diversidadecultural singulares, de variações climáticas para to-dos os gostos, com possibilidades de um turismonão-sazonal e, portanto, viável o ano inteiro, o Bra-sil é um vexame no ranking do turismo internacio-nal. Está logo atrás do Uruguai, com uma afluênciade pouco mais de cinco milhões de turistas por ano.Acontece que, proporcionalmente à sua população,o Brasil está muito abaixo da capacidade de atrairturistas estrangeiros que o seu vizinho sul-america-no – afinal, os cinco milhões de estrangeiros quevisitam anualmente o Uruguai são um contingentemaior do que a população nacional. Para estar em-patado com o Uruguai, o Brasil deveria receber maisde 170 milhões de turistas estrangeiros, o que seriaum recorde absoluto.

E por que o Brasil recebe tão poucos turistas es-trangeiros? Primeiro, teríamos que responder por-que, potencialmente, o Brasil deveria receber muitomais turistas estrangeiros. Em primeiro lugar, ape-

sar do discurso unânime de que o nosso problemaé a qualidade dos serviços, poderíamos contrapô-loa algumas evidências: o aumento histórico da qua-lidade de produtos e serviços nos últimos dez anos,o crescimento da produtividade, a popularização doCódigo de Defesa do Consumidor e um evidenteaumento da consciência do consumidor dos seusdireitos têm favorecido a melhoria de qualidade. Ou-tro dado é o fato de o Brasil ser um país urbano, comdezenas de cidades acima de um milhão de habi-

tantes, com uma classe média con-sumidora cada vez mais exigente,com o mercado cada vez maismassificado, por um lado, e sofisti-cado, por outro.

Ora, o que um turista médio,europeu ou americano, pode reivin-dicar de qualidade de um restau-rante no Rio de Janeiro, Manaus ouSalvador que seja diferente do quea nossa própria classe média exi-

ge e cada vez mais obtém? Os brasileiros que via-jam para o exterior fazendo turismo sabem que asgrandes cidades brasileiras nada ficam a dever –em infra-estrutura urbana, equipamentos, comércio eserviços – às grandes cidades estrangeiras, de paí-ses desenvolvidos ou não. E ainda oferecemos al-gumas vantagens, como uma gama maior de ser-viços 24 horas, shoppings que funcionam aosdomingos, além de uma diferencial prosaico: osnossos hotéis, mesmo os mais modestos, ofere-cem um café da manhã riquíssimo comparado como padrão mundial (isso quando falamos de algunspoucos países que oferecem café da manhã incluí-do na diária).

Na verdade, a nossa capacidade é enorme, mai-or do que a de muitos países bem-sucedidos na atra-ção de turistas estrangeiros. Os nossos hotéis deprimeira linha custam o mesmo que algumas pou-sadas no exterior, oferecem requintados restauran-tes, piscinas, bares, ginástica, serviço de quarto 24horas, recepcionistas que falam pelo menos inglêsalém do português, instalações confortáveis e mui-tas vezes luxuosas. Naturalmente que a qualidadedo serviço e do atendimento se reduz com a redu-ção de preços dos hotéis menores ou mais modes-tos. Mas, afinal, isso não é um padrão internacional?Um hotel de cem dólares em Nova Iorque não é uma

Qual a estratégiaprincipal utilizadapara atrair turistaspelos países mais

visitados do mundo:difundir, o mais

amplamente possível,a identidade e

a cultura nacional.

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verdadeira espelunca? Por que os hotéis de trêsestrelas brasileiros, na faixa dos 30 dólares, deveri-am ser melhores? E no entanto o são. Incompara-velmente.

Além de tudo isso, o Brasil ainda não conseguiuatrair o turista de alta renda. Uma cidade como Sal-vador, por exemplo, tem uma arrecadação médiadiária de 30 dólares, ou seja, um turismo de rendaabaixo da média internacional. Quem seriam entãoos turistas estrangeiros insatisfeitos com a qualidadedos nossos serviços: gente de clas-se média baixa, da Europa, dos Es-tados Unidos e de países latino-americanos mais pobres do que oBrasil. Será mesmo que esse con-tingente de público consumidor exi-ge mais do que nós oferecemos?Ou estamos a discutir mitos de qua-lidade ao invés de buscar explica-ções menos fáceis para a incapaci-dade histórica do Brasil em atrair osturistas estrangeiros que potencial-mente poderiam nos visitar?

Vantagens comparativas aindavalem alguma coisa?

Se esquecermos por alguns ins-tantes o tal problema da qualidadedos nossos serviços, talvez possa-mos elencar uma série de vantagens brasileiras nacompetição internacional por atração de turistas. OBrasil é quase a metade da América do Sul. Suaextensão territorial, a maior parte abaixo da linha doEquador, oferece o maior litoral tropical do mundo.Praticamente toda a extensão da costa é formadapor praias desfrutáveis, de areia branca, vegetaçãosingular, de clima variando entre quente no Nordestee ameno no Sul. Temos a Amazônia, um mito mun-dial, a maior floresta do mundo (mesmo com quei-madas e desmatamentos regulares), que potencial-mente seria a maior atração mundial em ecoturismo.Temos ainda o Pantanal Mato-Grossense, que lhedisputa a grandeza e pode atrair interesse turísticoda mesma magnitude. Temos com certeza paisa-gens ecológicas no Nordeste, especialmente a MataAtlântica, remanescente da Bahia, a Chapada Dia-mantina e parques ecológicos do Sudeste e do Sul

do país. Portanto, em se tratando de ecologia, pou-quíssimos países do mundo seriam competidores àaltura do Brasil. E no entanto, o contingente de es-trangeiros a desfrutar do nosso turismo ecológico éinsignificante.

Com todas as nossas praias, nem depois do su-cesso das Bahamas, de Cancún, de Islas Margueri-tas, o Brasil até hoje nunca se dispôs a criar umenclave turístico do tipo “sol, mar e palmeiras”. Ape-nas recentemente foi inaugurado o complexo Costa

do Sauípe, na Bahia, que se levaradiante os 90% ainda não realiza-dos (o que existe, cinco hotéis, com1.650 apartamentos e várias pou-sadas, para uma capacidade de210 mil hóspedes por ano, correspon-de a 10% do projeto total), poderá, da-qui a alguns anos, atrair sozinhotantos turistas quanto todo o Brasilrecebe anualmente, já que o padrãomédio desses enclaves de suces-so gira em torno de cinco milhõesde visitantes por ano.

Quanto às nossas cidades, quemjá viajou por países exóticos e pe-los destinos tradicionais sabe queas cidades brasileiras não têm nenhu-ma deficiência que possa impedi-las de atrair turistas estrangeiros.Por que então eles não vêm? Tal-

vez porque antes de vender condições objetivas deinfra-estrutura, equipamentos e serviços, um paísprecise seduzir, convencer, atrair. Para isso, são fun-damentais dois aspectos, a identidade cultural e aimagem internacional. Ambos, somados, são as ra-zões que levam alguém a querer conhecer um país.E qual seria a nossa chance? Quanto à identidadecultural, mais uma vez o Brasil é de uma riquezaque poderia torná-lo altamente competitivo na atra-ção de turistas estrangeiros.

De modo simplificado, mas pragmático, vamosfazer um rápido passeio pelo mapa do Brasil, des-cendo a partir do Norte. Os estados amazônicos têmtodos a floresta, a cultura indígena e cidades origi-nais como Manaus, uma metrópole cravada na sel-va, com uma população mestiça, de costumes, co-res e expressão cultural que podem atrair, sim, ointeresse de estrangeiros que busquem conhecer um

As cidades brasileirasnão têm nenhuma

deficiência que possaimpedi-las de atrair

turistas estrangeiros.Por que então eles não

vêm? Talvez porqueantes de vender

condições objetivasde infra-estrutura,

equipamentos e serviços,um país precise seduzir,

convencer, atrair.Para isso, são

fundamentais doisaspectos, a identidade

cultural e a imageminternacional.

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mundo diferente do seu ou dos países ricos. O Mara-nhão tem um litoral de dunas impressionantes e umacidade como São Luiz que traz a marca da coloniza-ção francesa na sua arquitetura e na sua cultura bran-ca e índia, enriquecida com a negritude. Fortaleza,encanta com seu litoral e sua gente trabalhadora ereceptiva, clima quente e um forró que impregna acidade de uma musicalidade ingênua e sensual o anointeiro. E assim vamos descendo pelo litoral nordes-tino, com cidades menores e aprazíveis como Maceió,onde o mar do Brasil rivaliza com o azul do tão fre-qüentado Mediterrâneo; a riqueza cultural de Recife,de população mestiça, com traços do invasor holan-dês, terra do frevo e do maracatu, das pontes e daclasse média chique da Boa Viagem, a arquiteturacolonial de Olinda, que só vai encontrar rival naimensidão do Pelourinho, em Salvador, a maior árearemanescente da arquitetura colonial portuguesa, nosmais de seis quilômetros quadrados do Centro His-tórico. A Bahia, como os baianos do interior chamamSalvador, com seu sincretismo religioso, sua popula-ção de maioria negro-mestiça, sua singular divisãoem cidade alta e cidade baixa, suas praias, sua ar-quitetura moderna que não se deixa inibir pela gran-deza dos casarios coloniais antigos e segue pelosnovos traços da cidade com linhas e cores de ousa-do grafismo em seus prédios residenciais e comerci-ais. O sincretismo religioso, o ciclo de festas popula-res, o gigantismo do carnaval, festa sem igual nomundo, onde dois milhões de pessoas dançam, be-bem e namoram em sete dias, quase sem parar, oque eqüivale a dizer que é uma festa para catorzemilhões de pessoas, numa celebração à música e àsensualidade, como civilizações antigas praticavam,num encontro do homem com a natureza do mundoe com a sua própria natureza. E assim prossegui-mos com Minas, Espírito Santo, Rio de Janeiro, SãoPaulo, o Sul, o Centro-Oeste – o Brasil inteiro ofere-ce uma diversidade cultural rara no mundo, em setratando de um só país.

Entretanto, o que se conhece do Brasil no mun-do? Primeiro, o futebol – ainda que não esteja hojeem seus melhores dias é um elemento fundamentalda imagem do Brasil, uma imagem positiva, vitorio-sa, original e única (afinal, mesmo na crise, o Brasilé o único país que participou de todas as copas, e éo único tetracampeão mundial). Em seguida, temoso Rio de Janeiro. O Rio é, ainda, a única cidade do

Brasil que se tornou um mito internacional. Em qual-quer região do planeta alguém ouviu falar do Rio deJaneiro, da cidade maravilhosa. Depois, a Amazô-nia. Mas essa é vítima de um marketing internacio-nal negativo, porque no universo das ONGs, comtoda a sua capacidade de difundir informações –verídicas ou não – o Brasil é visto como desleixadoem relação à Amazônia. Não se divulga nunca láfora que uma das causas da destruição de parte dafloresta se deve a um mercado consumidor, forma-do principalmente pelas classes médias européiase norte-americanas, que comercializa móveis e ob-jetos confeccionados com madeiras não-renováveisbrasileiras, e que são produto muito mais do contra-bando, ou seja, de atividades criminosas, do que deexportações autorizadas pelo governo brasileiro. Eexcluindo-se as áreas de estados fronteiriços doCentro-Sul do país, que atraem um turismo quaseque exclusivamente de latino-americanos (argenti-nos, uruguaios, paraguaios, etc.), a outra região quese torna cada vez mais conhecida lá fora é a Bahia.

A Bahia começou a tornar-se conhecida comJorge Amado (o autor brasileiro mais publicado noexterior) e depois pelas grandes estrelas da MPB,os baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, MariaBethânia e Gal Costa. Representantes da músicabrasileira, todos eles sempre cantaram e recantarama Bahia, e sua origem baiana é indissociável da suagrandeza artística.

Identidade cultural e potencialde atratividade turística

Esse tipo de construção de imagem é impossí-vel de ser conquistado através dos instrumentos tra-dicionais do marketing e propaganda. Forma-se aimagem paulatinamente, através da afirmação deuma produção artística que se renova constantementee consolida as conquistas. A importância desses ar-tistas baianos, reconhecidos em platéias seletas eprestigiados por contingentes mais intelectualizadosdas classes médias européias e dos Estados Uni-dos, principalmente, criou uma base de significadomítico para a Bahia que certamente é um patrimô-nio fundamental para a existência da nossa culturano imaginário de outras populações.

A força da música baiana em cruzar fronteiras vaiser reafirmada com uma nova geração de artistas e

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uma nova produção musical, fincada nas raízes daetnicidade baiana e exportada para o mundo. O car-naval baiano dobrou de tamanho nos anos 1990: deum para dois milhões de foliões por dia participandoda festa. Isso se deveu a políticas públicas de atra-ção de turistas? Não. Ainda que, efetivamente, aspolíticas públicas tenham sido fundamentais para vi-abilizar infra-estrutura, equipamentos e capacitaçãode pessoal para receber turistas, o que duplicou apresença desses turistas na Bahia foi a músicabaiana. Foi Daniela Mercury, que setornou a maior vendedora de discosdo Brasil no início da década de1990, levando todo o país a se apai-xonar pelo samba reggae “O Cantoda Cidade”; foi o Olodum, que levoua um patamar de prestígio internaci-onal essa sonoridade rítmica, queconquistou ícones do pop internaci-onal, como Paul Simon e MichaelJackson; foi o Chiclete com Bana-na, a Banda Cheiro de Amor, a Ban-da Eva, que ajudaram a “nacionali-zar” o carnaval baiano. O impacto da arte dessesbaianos despertou a curiosidade de brasileiros doOiapoque ao Chuí e tornou a Bahia um desejo demilhões de brasileiros que estão mais distantes danossa identidade cultural local. Esses artistas, primeiroconquistaram o Brasil com uma música original egenuinamente baiana, mestiça e antropofágica, comuma força percussiva que influenciou a música inter-nacional – hoje, todos os gêneros, do pop ao techno,no mercado internacional da música, são marcadospor uma grande importância da percussão.

Um caso recente, ainda nesse ano de 2001, mos-tra o quanto uma imagem positiva construída atra-vés da identidade cultural e da produção artísticapode vencer acontecimentos negativos para o turis-mo: o assassinato de um grupo de turistas portu-gueses no Ceará, crime liderado por um conterrâneodas vítimas, um português, chocou o Brasil e maisainda Portugal. A expectativa era de que uma notí-cia tão negativa iria gerar uma queda significativana vinda de turistas portugueses para o Brasil. Me-ses depois, a constatação: o fluxo de portuguesespara fazer turismo no Brasil continua crescente. Seráque uma repercussão tão negativa da imagem dopaís não teve como antídoto o fato de Daniela

Mercury ser a artista que mais vendeu discos nahistória do mercado português de música? Uma emcada quatro famílias portuguesas tem um disco deDaniela, que faz shows em estádios em Portugal ecujo sucesso viabilizou a entrada de outros artistasbaianos no mercado lusitano, como Netinho, BandaEva, etc. Será que não contribuiu para a persistên-cia dos turistas portugueses, na sua vontade de co-nhecer o Brasil, as novelas brasileiras, que são umsucesso do outro lado do Atlântico e que além de

construir um imaginário contempo-râneo positivo do Brasil tem influ-enciado até o português falado emPortugal, suavizando-o com expres-sões e sonoridades brasileiras?

O Brasil não é a Suécia.Ainda bem.

É bem verdade que fatores ob-jetivos também afetam a nossa ca-pacidade de atrair o turista estran-geiro. Nova Iorque e Paris, as mais

visitadas, estão a uma distância de pouco mais deduzentos dólares uma da outra. Para o norte-ameri-cano e o europeu visitarem o Brasil, as passagenscustavam, até recentemente, um mínimo de 1.500dólares – o que corresponde, muitas vezes, ao totalque um alemão está disposto a gastar em uma via-gem de uma semana, incluindo hospedagem e gas-tos gerais em Nova Iorque.

Mas enquanto a política do nosso mercado de trans-porte aéreo de passageiros não chega a um preçocompetitivo, resta-nos investir numa política que temque ser nacional e fortemente estatal de valorizaçãoda nossa identidade cultural no exterior. A recentemen-te inaugurada exposição sobre a arte brasileira no Mu-seu Guggenheim, em Nova Iorque – que depois irápara o Guggenheim de Bilbao, na Espanha – é umfator de peso numa verdadeira guerra de contra-infor-mação com as emissoras de TV norte-americanas, quenoticiam regularmente qualquer crime bárbaro acon-tecido no Rio de Janeiro e jamais informam ao ameri-cano médio, por exemplo, que o Brasil atualmenteforma mais de seis mil doutores por ano, acima da tãointelectualizada França européia.

A importância da identidade cultural para a ima-gem externa e, assim, para a atratividade turística

Enquanto a política donosso mercado

de transporte aéreo depassageiros não chegaa um preço competitivo,resta-nos investir numapolítica que tem que sernacional e fortementeestatal de valorizaçãoda nossa identidadecultural no exterior.

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internacional do Brasil, entretanto, está longe de serum consenso. É comum, volta e meia, falar-se, naBahia, que o governo baiano financia viagens inter-nacionais para algumas bandas, como forma decooptação política. Independentemente de segun-das intenções, que os artistas devem ter capacida-de de enfrentar, o que há de errado em investir emartistas que atingem grandes platéias no exterior?Ao contrário, eles são um marketing muito mais po-deroso do que alguns milhões de dólares gastos empropaganda, eles são a expressão cultural do nos-so estado e do nosso país. Ao invés de participarapenas com stands promocionais em feiras interna-cionais de negócios e turismo, a Bahia precisa in-vestir muito mais em exportar os nossos talentos,ajudar a mostrar ao mundo a força da nossa ex-pressão musical e artística. Esse tipo de investimen-to, fundamental para consolidar uma imagem aolongo do tempo, pode ter uma repercussão favorá-vel também muito mais consistente para o turismo.

A experiência única, ambição de qualquer regiãoque pretende se tornar pólo mundial de turismo, éuma questão eminentemente cultural. E o investi-mento em qualidade de serviços, infra-estrutura eequipamentos, continuará sendo fundamental de-pois que o turista chega, seja ele estrangeiro ou bra-sileiro. E, afinal, será que essa aparente desatençãopara com os desafios do mercado internacional doturismo não se deve ao fato de o Brasil, cujos nú-meros são sempre superlativos, poder contar com70 milhões de brasileiros, por ano, fazendo turismointerno? Só com brasileiros, o país ultrapassa a Fran-ça na atração de estrangeiros. Isso implica uma gran-deza do nosso mercado interno que não estimula

maiores esforços e riscos na busca de atrair os dó-lares que circulam no mercado internacional de tu-rismo.

É por causa de singularidades como essa queos nossos mais renomados economistas apostavamno crescimento das exportações com a desvalori-zação do Real – o que tornaria, automaticamente,os nossos preços competitivos no mercado interna-cional – e o resultado de janeiro de 1999 até agorasão pífios. Uma das explicações possíveis e maisevidentes para esse fenômeno é a pujança do nos-so mercado interno. Enquanto isso, mais de 90%das vendas da montadora sueca Volvo se realizamfora da Suécia. Claro, com uma população nacionalmenor do que a da cidade de São Paulo, à Suéciasó cabe exportar para lucrar e crescer... Enquantoisso, no Brasil, a magnitude do nosso mercado in-terno faz das empresas-exportadoras exceções. Al-guém por acaso acredita que os nossos capitalistasnão exportam porque não conseguem compreen-der a importância dessa atividade para os negóciosou que, numa fria avaliação de custo-benefício, elescontinuam constatando que o lucro está mesmo éaqui? Com tudo isso, ainda tem quem agüente essacantilena de que precisamos melhorar a qualidadedo nosso serviço?

*Marcelo Dantas é professor, doutor e pesquisador doNúcleo de Estudos sobre Poder e Organizações Locais

(NEPOL) e Chefe do Departamento de Estudos Organizaci-onais da Escola de Administração da Universidade Federal

da Bahia (UFBA). É também membro do Programa deEstudos e Atividades em Cultura e Turismo (PACTU) da

Pró-Reitoria de Extensão da mesma universidadeE-mail: [email protected].

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As questões teóricas sobre o relacionamento dacultura com a sociedade, o espaço urbano e o turismoemergem na década de 1980. De atividade espontâ-nea que busca o original como parte do cotidiano, pas-sa então a cultura a ser valorizada na sociedade deconsumo – que tudo transforma em mercadoria – comoum produto, o que torna o homem, muitas vezes, umelemento passivo dessa mesma cultura e, ao mesmotempo, responsável pela produção de uma nova ativi-dade, diferenciada, com ocupações especializadas quegeram um novo espaço e/ou novas formas de usodesse espaço, caso recente das reformas dos centroshistóricos no Brasil.

Ao analisarmos os discursos sobre PatrimônioCultural no Brasil, elaborados pelos intelectuais queestiveram à frente da implementação das políticasoficiais na década de 1930, veremos que estão pau-tados principalmente nas questões referentes à per-da e desvalorização dos bens culturais e na buscade uma identidade nacional, como ilustra-o o exem-plo a seguir: “(...) preservar o patrimônio é preservara nação. As ameaças ao patrimônio são ameaças àprópria existência da nação como uma entidade pre-sente, dotada de fronteiras bem delimitadas no tem-po e no espaço.” (Gonçalves, 1996, p. 33)

Podemos concluir, assim, que o Estado deveriaser o “guardião” do Patrimônio Cultural, devendoatuar inclusive como agente promotor do processode valorização e criação da cultura, desenvolvendoações de caráter educacional no que se refere àproteção e valorização desse patrimônio. O que seobserva, porém, é que as cidades passam a ser mo-

dificadas, “modernizadas”, para se adequarem auma nova dinâmica econômica, que tem no turismoseu objetivo principal e no seu Patrimônio Cultural omaior “atrativo”.

Neste momento, as discussões acerca de cida-de, memória e identidade passam a ser objeto devários estudos executados por historiadores, soció-logos, arquitetos, urbanistas e economistas, quebuscam compreender as chamadas “ações gover-namentais” com enfoque na preservação da cultu-ra. Esses profissionais buscam ainda identificarmecanismos que possam explicar a construção edifusão das memórias coletivas, procurando escla-recer as relações, os conflitos, as inclusões e as ex-clusões existentes entre os diferentes grupos.

O resgate da cultura e, conseqüentemente, asua valorização, no final do século XX, transforma-ram-se também em um ingrediente indispensávelda fala dos dirigentes políticos, que buscam uma“volta à cidade”, a sua “redescoberta” para os cita-dinos. Tudo isso vem resultando em todo um movi-mento de reestruturação de museus, centrosculturais e centros históricos esquecidos, tidos an-teriormente como áreas desqualificadas nos cen-tros urbanos modernos. Para os gestores, esseprocesso tem como objetivo principal a salvaguar-da do Patrimônio Cultural e a sua qualificação paraser mais bem utilizado pela população e, principal-mente, pelo turismo, fonte importante da econo-mia mundial nesta transição de século. SegundoArantes, O. (1998, p.143,188), essas ações têmcomo objetivo “...uma valorização do homem atra-

Patrimônio, turismo

e identidade cultural

Mariely Santana*

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vés do resgate da sua identidade, buscando reativartradições locais e incentivando o reconhecimentode suas diferenças imateriais”.

Mas o que é Patrimônio Cultural? Etimologica-mente falando, patrimônio significa “bens herdadosdos pais”. Logo, é um legado do passado. É verda-de que muitos desses bens nos chegam através deheranças, porém eles não são simplesmente lega-dos de uma geração a outra; podemos dizer queeles são “construídos”, “recriados”, “apropriados”. Aomesmo tempo, a permanência des-se patrimônio no tempo resulta deações e interpretações que partemdo presente em direção ao passa-do. Assim,

o interesse então pela defesa do passa-

do e a proteção do patrimônio conjuga-

se com a construção do ambiente (lugar,

território) onde se desenvolvem modos

de vida diferenciados, muitas vezes con-

traditórios entre si devido à diversidade

cultural. (Arantes, A.,1984, p. 9)

Nesse processo, termina por estabelecer-se umacompetição entre diferentes grupos, uns defenden-do a preservação dos espaços naturais e dos espa-ços construídos no passado e, outros, a “moderni-zação” e, com isso, a destruição do passado. O fatoé que se viu, a partir do Século XIX, pós-revoluçãoindustrial, revolução francesa e ascensão do movi-mento moderno, surgirem movimentos que trazemna sua base uma nova forma de viver e ver o mun-do, forma esta estreitamente ligada à função e àabsorção veloz do tempo, dando lugar a diversascorrentes em defesa da preservação, da defesa dopassado, da nossa herança cultural – ou seja, dopatrimônio coletivo de uma nação.

No caso do Brasil, segundo Fonseca (1997, p.111),“(...) as políticas de preservação se propõem a atuar,basicamente, no nível simbólico, tendo como objeti-vo reforçar uma identidade coletiva, a educação e aformação de cidadãos....” A preocupação com a pre-servação e a valorização do Patrimônio Culturalbuscaria, assim, consolidar as manifestações decaráter nacional realizadas em espaço público. Essaforma de apropriação dos valores, signos e símbo-los do passado estará diretamente vinculada ao con-

ceito de cultura adotado por diferentes grupos emépocas distintas.

Nesse sentido, faz-se necessário determo-nosum pouco mais sobre o conceito de cultura. De modomais popular, a cultura é considerada muitas vezescomo algo intangível, sendo referida a áreas do co-nhecimento, das artes plásticas, da música, do tea-tro, do cinema. Esse é um conceito elitista. Não sóassocia a cultura à posse de um certo conjunto deconhecimentos ou informações que não são utiliza-

dos no dia-a-dia das pessoas co-muns, como, ao mesmo tempo,supõe que as pessoas sejam dota-das de uma capacidade especialpara apreciar e usar essa cultura.

Um outro conceito de cultura dizrespeito a um movimento de cria-ção, transmissão e reformulaçãodo ambiente artificial criado pelohomem através de sistemas sim-bólicos. Nesse sentido, cultura éum “produto da atividade humana”,

que se refere à produção material, pintura, monu-mentos, objetos, mas também, à produção simbó-lica que resulta de diferentes manifestações. A re-ferência aqui são os usos, costumes, tradições,crenças populares, sistemas religiosos, códigosjurídicos (Ortiz, 1994).

Vendo a cultura pela questão da significação, ouseja, através das formas de representações simbó-licas, a diferenciação entre a produção material e asimbólica, não-palpável, se dilui, pois é muito fácilverificar que os bens materiais carregam consigouma carga simbólica muito grande – histórica, artís-tica, mística, religiosa, política, social, econômica –e é exatamente essa riqueza de carga simbólica queirá caracterizar os produtos privilegiados da culturae que a fará ser reconhecida como única, singular.Nesse sentido, toda obra produzida pelo homemprivilegia a dimensão simbólica e, consequentemen-te, é um bem cultural.

A contemporaneidade entende cultura comouma condição de produção e reprodução da socie-dade que, conseqüentemente, passa a atender àsnecessidades de auto-afirmação, nacionalidade eidentidade. Nesse sentido, a cultura é vista emconstante mutação, sendo recriada e reutilizada,permitindo ricas interpretações. Propõe-se, assim,

No caso do Brasil,“as políticas depreservação se

propõem a atuar,basicamente, no nívelsimbólico, tendo comoobjetivo reforçar umaidentidade coletiva, a

educação e a formaçãode cidadãos”.

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pensar em cultura como um processo através doqual os homens, para atuarem em sociedade, es-tão constantemente produzindo e utilizando bensculturais, e desta forma, organizando a vida demaneira coletiva.

Em uma sociedade tão heterogênea como a nos-sa, com grandes diferenças regionais, onde o pro-cesso de formação se deu através da fusão de etniase tradições distintas, grupos e classes se apropria-ram de elementos culturais de forma diferenciada.Faz-se necessário reconhecer, en-tender e respeitar essas diferencia-ções culturais que são valorizadaspelos diferentes grupos em relaçãouns aos outros, o que resultou emestruturas de padrões arquitetôni-cos, estéticos, morais e religiosospróprios.

Com base nesses conceitos depatrimônio como herança e de cul-tura como criação, produção de umgrupo social em um determinadoespaço e tempo, chega-se a umanoção de Patrimônio Cultural comoconjunto de bens constituídos, quesão reconhecidos por uma socie-dade como representativos da suahistória e da sua produção. Essesbens, por sua vez, são aqui enten-didos como todas as manifestações de expressãoproduzidas pelo homem, às quais são atribuídassignificados, funções e valores que identificam, per-sonalizam uma comunidade. Daí é possível perce-ber-se que existem alguns bens que acumulam du-rante a sua história mais significados, passandoassim a merecer esforço especial no sentido desua preservação e disponibilização para usos fu-turos. Trata-se de bens que fazem parte de umaidentidade local, uma fatia de memória coletiva quetraduz uma maneira de viver, de se viver em co-munidade.

É necessária a existência de um patrimônio co-nhecido, de uma memória preservada para que sepossa definir uma identidade cultural coletiva, quedeve dizer respeito à totalidade da experiência so-cial e não apenas a segmentos privilegiados. Nãose pode privilegiar apenas uma parte da existênciahumana, ainda que esta esteja revestida de brilho e

prestígio, visto que a cultura é um universo de esco-lha, história, produção, circulação de sentido e va-lor. Acreditamos que o não-entendimento da evolu-ção do conceito de Patrimônio Cultural tem levadoà “musealização” dos nossos centros históricos e àsua transformação em áreas voltadas exclusivamen-te para a atividade turística. O cuidado a ser toma-do é para que a preservação não fragmente a cultu-ra em vários segmentos. A preservação atenta aesse cuidado possibilita superar a suposta dicoto-

mia entre patrimônio material –bens móveis e imóveis – e patrimô-nio imaterial – manifestações cul-turais e tradições.

É importante lembrar que, noBrasil, só a partir de 1937, atravésdo IPHAN, começam efetivamen-te as primeiras preocupações coma preservação do patrimônio bra-sileiro. Naquele momento, privile-giava-se apenas um segmentodesse estrato cultural – as estru-turas arquitetônicas e os bens mó-veis representativos de um determi-nado período da história e ligadosa uma determinada camada dasociedade.

Quanto à preservação dos bensimateriais, só muito recentemente o

Grupo de Trabalho (GT) do IPHAN passou a desen-volver estudos específicos sobre a sua preserva-ção, distinguindo três categorias de objetos quemerecem, cada uma, tratamento específico e for-mas de proteção diferentes de preservação. Entreessas categorias, destacam-se os (MINISTÉRIO DACULTURA, 2000) “(...) espaços culturais onde seconcentram e se reproduzem práticas populares tra-dicionais”.

Nesse sentido, modificações no suporte físico dascidades afetam as manifestações culturais e a rela-ção do homem com seu meio de produção. Obser-va-se que tais modificações dos centros históricosbrasileiros não alteram apenas esse suporte físico– procurando aproximá-lo cada vez mais dos gran-des centros de onde se originam os turistas – masprincipalmente se fazem notar nas alterações dastradições da cultura popular, transformadas alegori-camente em espetáculo.

Modificações no suportefísico das cidades

afetam as manifestaçõesculturais e a relaçãodo homem com seumeio de produção.

Observa-se que taismodificações dos centroshistóricos brasileiros não

alteram apenas essesuporte físico mas,

principalmente, se fazemnotar nas alterações

das tradições da culturapopular, transformadas

alegoricamenteem espetáculo.

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No atual processo de globalização, procura-seassimilar as culturas dos países reconhecidos comodesenvolvidos e inseri-las em cidades do dito Ter-ceiro Mundo, sem fazer-se caso das especificida-des das populações e dos espaços urbanos locais.São apropriados materiais e formas inadequadosnas restaurações ou (re)estruturações de centroshistóricos ou, simplesmente, promove-se, na bus-ca de lucro rápido ou, ainda, sob a justificativa desegurança, higiene e conforto, a substituição de pa-drões ou princípios tecnológicostradicionais por industriais.

Essas transformações do espa-ço urbano em cenário para espe-táculos provocam o sentimento de“estranhamento” dos que vivem evivenciam as áreas que, em umdeterminado momento, se voltamunicamente para a atividade turís-tica. Apesar de se modificarem taisespaços para esse novo público,a ele não é permitido a apropria-ção da cultura local, sendo manti-do como apenas um observador,mero consumidor. E a populaçãolocal perde a sua identidade, assuas características. Apesar do discurso em prolda preservação que se baseia na busca de identi-dade e reconhecimento das culturas locais, o quese observa é que as expressões culturais deixamde ocorrer de maneira espontânea e livre, passan-do a ser planejadas, subordinadas às políticas pú-blicas, à iniciativa privada ou à parceria de ambas,que buscam cada vez mais atrair o turista.

A transformação urbana das áreas históricas,estratos de memória e identidade de um determi-nado grupo, e a sua (re) construção submetida àfuncionalidade da economia e do turismo são tra-duzidas hoje em um espaço onde há enorme per-da de signos, que são importantes para a realiza-ção e identificação dos diferentes grupos sociais.Alterando-se os espaços urbanos e não se enten-dendo a sua dinâmica, sua cultura, produz-se anão-identidade e, com isso, o não-lugar. Longe dese criar uma identidade, produzem-se mercadori-as para serem consumidas em todos os momen-tos: um espaço onde nada é natural, onde tudo sevolta para o espetáculo, porque aqui o lugar é, ele

próprio, mercadoria. A mídia e a publicidade, emparticular, são os elementos centrais, responsáveispelo crescimento e modificação das tradições ecostumes e pela valorização de determinados as-pectos em detrimento de outros, escolhidos alea-toriamente em função do melhor e mais rentávelproduto de consumo. Percebe-se que essa valori-zação do “antigo” passa a ser enquadrada apenasna categoria de “bem de consumo” e/ou “entrete-nimento”. Fica claro que é o investimento financei-

ro quem determina o que deve servalorado, a partir de quando e,mesmo, até quando. Fala-se cadavez mais em direito a cultura, quan-do, na realidade, deveríamos falarem direito à diferença. Acreditamosque se percebermos e respeitar-mos essas diferenças, essa dimen-são plural da cultura, fonte fecun-da de renovação, não correremoso risco de tornar tudo igual. A nos-so ver, os valores culturais nãopodem ser impostos – mas enten-didos como uma ação constanteque está sofrendo influência domeio – e, para serem aceitos, pre-

cisam ser apropriados, escolhidos e valorizados.Precisam ter identidade própria, estarem impreg-nados de signos, ancorados em um espaço e se-rem representativos de uma sociedade em um tem-po determinado. O respeito entre os diferentesgrupos sociais será a força motriz que irá alimen-tar e permitir a heterogeneidade e a pluralidadecultural, tornando o Patrimônio Cultural um diferen-cial para a atividade turística.

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Fala-se cada vezmais em direito a

cultura, quando, narealidade, deveríamos

falar em direito àdiferença. Acreditamosque se percebermos e

respeitarmos essasdiferenças, essa

dimensão plural dacultura, fonte fecunda

de renovação, nãocorreremos o risco de

tornar tudo igual.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.169-173 Setembro 2001 173

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*Mariely Santana é arquiteta com especializaçãoem Conservação e Restauração de Monumentos

e Conjuntos Históricos, pesquisadora do Centro deEstudos da Arquitetura na Bahia – CEAB/FAUFBA,

mestranda no Programa de Pós-Graduaçãoda Faculdade de Arquitetura da UFBA.

E-mail: [email protected].

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174 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.174-179 Setembro 2001

Na história da humanidade, o comércio sempreserviu de cenário à diversão e à sociabilidade, fenô-meno que ainda se repete nos dias atuais. Os espa-ços espetaculares, a exemplo dos complexoscomerciais de lazer e dos shopping centers, são areafirmação dessa vivência na vida contemporânea.Inseridos no universo que se convencionou deno-minar pós-moderno, tais equipamentos urbanos re-sultam da combinação entre a arquitetura do lúdico– espaços cenográficos construídos com o intuitode transmitir aos visitantes a ilusão de uma existên-cia sem as dificuldades do mundo real1 – e o pot-pourri eclético predominante na era global, fruto damistura da geografia de gostos e de culturas dife-renciadas2.

A difusão dos complexos comerciais de lazer nosgrandes centros urbanos decorre, dentre outros fato-res, da emergência do lazer como instrumento de so-ciabilidade e de investimento empresarial, doaprofundamento dos conflitos sociais e da necessi-dade dos indivíduos de escaparem de suas referên-cias cotidianas, posto que tais espaços espetacularesreacendem a perspectiva da “cidade ideal”, conceitojá encontrado nas análises de Walter Benjamin quan-do se refere às galerias parisienses do século XIX3.

Na atualidade, tais equipamentos assumem di-versas modalidades: parques temáticos, complexoshoteleiros, multiplex, shopping mall, museus univer-sitários, arenas e, até mesmo, cibercomunidade –global village. Tais variações são definidas segun-

do as necessidades dos consumidores, interessesdo capital e graus de sofisticação das localidades.

Os empresários americanos, ágeis na arte decaptar emoções humanas e transformá-las em ne-gócios, há muito vêm desfrutando dos benefíciosgerados no mercado de diversão. A primeira experi-ência foi o parque temático Disneylândia, precursorda indústria de entretenimento no mundo. Quarentaanos depois, estima-se que o ramo de diversões nosEstados Unidos tenha se consolidado, pois, em1998, arrecadou cerca de US$ 11,5 bilhões comequipamentos, jogos eletrônicos e fliperamas. NaEuropa, no mesmo ano, calcula-se que a receita comesse tipo de negócio tenha chegado a US$ 1,5 bi-lhão, enquanto, na Ásia, a estimativa ficou em tornode US$ 2 bilhões4.

No Brasil essa atividade é recente. Os primeirosinvestimentos aplicados em parques temáticos,shopping mall e complexos hoteleiros começaram aser feitos na segunda metade dos anos 1990. A mi-gração de grupos norte-americanos e a importaçãode tecnologia foram fundamentais para a alavanca-gem desses empreendimentos, que vêm sendo fi-nanciados pelo Banco Nacional de DesenvolvimentoSocial (BNDES) e pelos fundos de pensão.

A disseminação desses espaços espetacularesmundo afora, associada à crescente importânciado turismo e da indústria cultural, demonstra acentralidade que o lazer vem assumindo nas socie-dades contemporâneas. Inscrita no território das ne-

Busca do lazer define novas formas

de sociabilidade: a experiência do

Shopping Center Iguatemi

Carlota Gottschall*

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cessidades pessoais e sociais do indivíduo, essaprática vem se definindo como importante atividademercantil, a despeito do significado dúbio que sepossa atribuir ao lazer como um contraponto ao la-bor, posto que tal manifestação tanto pode permitira expressão do lúdico quanto do racional.

Vejamos o que nos expõe Dumazedier quandose refere ao significado dos espaços de lazer paraas cidades contemporâneas:

O espaço de lazer deve ser amplamen-

te aberto em direção ao futuro, porquan-

to, no domínio que é seu, as

necessidades podem variar não somen-

te com as descobertas técnicas, mas

também com a evolução das relações

sociais e dos modelos culturais. Qual-

quer que seja esta evolução das técni-

cas e das idéias (...) o espaço de lazer

será cada vez mais necessário para o

equilíbrio humano das cidades cada vez maiores. (...) O lazer,

mesmo que não ganhe tanto em duração quanto alguns pre-

vêem, ganhará em presença, em exigência, em valor; cor-

responde a um velho sonho da humanidade que se expressou

em mitos e utopias. Há, mais ainda na própria lógica de uma

economia terciária, a necessidade de promover empregos

destinados à fabricação de bens e serviços de lazer a fim de

compensar a regressão do emprego na produção dos bens

primários e secundários. Um consumo acrescido de lazer é

necessário ao funcionamento mesmo de uma economia que

pertencerá mais e mais ao setor terciário.

(...) Também se observa que a transformação do consumo, à

medida que as sociedades enriquecem, comporta em toda

parte um crescimento acelerado da parcela relativa dos con-

sumos reais de lazer. Tudo se passa como se, na sociedade

terciária ou pós-industrial, a cultura urbana valorizasse aqui-

lo que se chamou de Homo ludens5.

É interessante observar que algumas localida-des trazem, na forma inicial de organização de seuespaço urbano, um forte componente festivo, nosentido de uma maior disponibilidade para o diverti-mento. Tais localidades certamente são mais pro-pensas a acoplarem o lúdico a outras instâncias davida cotidiana, podendo este componente tornar-seum elemento importante da organização coletiva,capaz de possibilitar a convivência entre ordem co-tidiana e inversão dos valores habituais6. A distin-

ção desse atributo em nossa análise advém da cren-ça de que nessas cidades há uma propensão cultu-ral de seus moradores a aceitar tais espaçospós-modernos de lazer, pois esses também sãoreferenciados no culto à fantasia e ao sonho, concei-to básico da arquitetura do espetáculo.

Dessa forma, tal componente pode ter influencia-do no fato de os shopping centers no Brasil, diferente-mente de em outros países, sempre terem valorizadoas áreas destinadas ao lazer. O Shopping Iguatemi,

primeiro exemplar desses espaços naBahia, desde o início foi apresentadoà população de Salvador como umlocal onde o indivíduo poderia desen-volver “o prazer de comprar e de sedivertir”7. Esse apelo de marketingnão se deu sem razão. Certamenteessa estratégia buscou apoiar-se naassociação desse shopping à expe-riência festiva existente em Salvador.

A vivência do carnaval terminou desenvolvendonos indivíduos residentes nessa cidade uma relati-va propensão a conviver com o lúdico, assim comouma familiaridade com a desordem, no sentido dainversão dos valores habituais. Efetivamente, o car-naval é um evento que, ao se apropriar da paisa-gem urbana, altera sua imagem, assim como a or-dem e os valores vigentes e, mais que isso, interferena construção do dia-a-dia das cidades que osediam. Por outro lado, a concepção do shoppingcenter também tem fundamento na possibilidade deo espaço permitir aos visitantes experimentaremvivências de cunho lúdico. A arquitetura, cada vezmais identificada com os princípios da cenografia,projeta lugares que atendam à já referida propen-são à ilusão. Tal recurso continua sendo válido mes-mo que tais experiências sejam limitadas pelo inte-resse comercial, portanto, racional e controlado,inscrevendo-se no princípio do “descontrole contro-lado da emoção”.8

Nos últimos anos, a interação cada vez maior entrelazer e sociabilidade em espaços de acesso público,experimentada principalmente pelos jovens, tem in-centivado os shoppings brasileiros a ampliarem asáreas destinadas à diversão, as quais passaram aocupar posição privilegiada: restaurantes, cafés, ci-nemas, pistas de gelo, salas de jogos, livrarias, den-tre outros.

O Shopping Iguatemi,desde o início foi

apresentado à populaçãode Salvador como umlocal onde o indivíduopoderia desenvolver“o prazer de comprar

e de se divertir”.

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Acompanhando a tendência mundial de articula-ção dos cinemas em salas múltiplas e a associaçãodesses aos restaurantes, livrarias, discotecas, inter-net-café, salas de jogos, podemos observar a preva-lência das salas de exibição em quase todos os SCbrasileiros, sendo que quase metade dos empreen-dimentos de grande porte e daqueles recentementeinaugurados têm multiplex. Também é usual a pre-sença, nesses espaços, de parques internos (45%),jogos eletrônicos (38%) e teatros (13%)9.

O Iguatemi como espaço dediversão e sociabilidade

Conforme já mencionamos, des-de sua inauguração o ShoppingIguatemi foi apresentado aos baia-nos como um espaço de lazer e so-ciabilidade. A comunicação publici-tária veiculada nos principais jornaisque circulavam na capital à épocadeixa evidente tal estratégia de atra-ção:

No Iguatemi Bahia você passeia, olha vi-

trinas, encontra amigos – e compra – livre do calor e da poei-

ra. Aqui você pode desenvolver o prazer de comprar, aliado à

área de lazer que dispõe de cinemas, restaurantes, jardins e

cascata, um verdadeiro complexo de comércio, serviços e

cultura. (...) No shopping center se encontra o moderno con-

ceito de compras associado ao lazer. Um novo estilo de vida10.

Criado inicialmente com o intuito de responderàs demandas de consumo da classe média ascen-dente, esse shopping foi apresentado ao públicocomo um equipamento que atendia às mudançasque vinham ocorrendo em Salvador e em sua Re-gião Metropolitana nos anos 1970. Contraponto àsatividades de comércio e lazer que até então acon-teciam no centro tradicional, Rua Chile e AvenidaSete de Setembro, carregava o distintivo de ser umespaço moderno, sofisticado e seletivo, capaz desuprir as deficiências urbanas que se ampliavam.

Não é sem motivo que a sua inauguração coinci-de com a entrada em operação da Copene Petro-química do Nordeste, com o primeiro desfile do blo-co afro Ilê Aiyê, a inauguração do hotel MeridienBahia e o anúncio de cidade turística veiculado no

New York Time – todos esses acontecimentosindicativos da nova circunstância regional em quese conformava a cidade de Salvador.

Após longo período de isolamento, que duroutoda a primeira metade do século XX, a sociedadebaiana, com muita rapidez, aderiu às novas situa-ções que lhe foram apresentadas decorrentes dainserção do capital brasileiro ao fluxo global, aexemplo das mudanças no estilo de vida e de soci-abilidade e da conexão com as redes de informa-

ção. Chama-se a atenção para ofato de que tudo isso se dava sem,no entanto, serem abandonadasas velhas posições conservadorasda sociedade, dentre as quais semantiveram referenciadas as ex-periências da cultura popular. Essesnovos caminhos terminaram impri-mindo a Salvador uma identidadeque encontra aporte na dinâmicaque se firmou entre a tradição e amodernidade.

Tal polaridade manifesta-se emdiversas circunstâncias, aqui nosinteressando observar sua enuncia-

ção na experiência urbana instituída no ShoppingCenter Iguatemi, posto que os canais de influência,em mão dupla, que se estabeleceram entre shoppinge comunidade, apoiados na comunicação, permiti-ram que esse espaço servisse tanto à expressão deelementos da cultura local quanto à disseminação eadaptação dos valores da cultura de consumo.

Além do negócio, a vivência urbana que tem lu-gar no Iguatemi, cuja marca é a presença, em ummesmo espaço, de múltiplos atores, ganha impor-tância também ao possibilitar a interação socialmúltipla. Sobretudo, considerando-se ser esse umdos poucos locais de convergência diversa existen-tes na cidade, sobretudo para os jovens que para aíse dirigem na expectativa de encontrar parceria ediversão, em um espaço que lhes permite se senti-rem integrados à lógica global.

As mensagens propagadas pela comunicaçãoinstitucional e pelo marketing reafirmam a imagemdesse shopping como sendo um espaço-comunica-ção, que, além de permitir um contato social diversoem uma circunstância carregada de elementos dorepertório simbólico local, também possibilita a seus

Após longo período deisolamento, a sociedade

baiana, com muitarapidez, aderiu às novassituações que lhe foram

apresentadas decorrentesda inserção do capital

brasileiro ao fluxo global,a exemplo das mudanças

no estilo de vidae de sociabilidade

e da conexão com asredes de informação.

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visitantes se sentirem, mesmo que tão-somente noplano da idealização, integrados ao conjunto de sig-nos internacionais da cultura de consumo.

O slogan “ninguém é igual a você”, amplamentedisseminado no rádio e na televisão há alguns anos,ao tempo em que evidencia a singularidade dessecentro comercial relativamente a seus consórcios, re-afirma o desígnio de ser um espaço urbano referen-cial para os moradores da cidade e seus visitantes.

Considerando-se as indicações apontadas empesquisas aplicadas no Iguatemi11,dois tipos clássicos de freqüentado-res podem ser identificados: consu-midores tão-somente simbólicos econsumidores reais12. Calcula-seque os primeiros representem, emmédia, um terço dos visitantes quefreqüentam o Iguatemi. As razõesque os levam ao shopping são denatureza psicológica – status soci-al, fuga do cotidiano, identidade comsignos de consumo, busca de sociabilidade – e/oueconômica – possibilidade de lazer gratuito em umlugar seguro e “moderno”. Já o consumidor real, maisde 60% dos visitantes, aquele que responde pela ele-vada lucratividade desse empreendimento, quandoopta por comprar no Iguatemi o faz influenciado pe-los mesmos valores simbólicos que norteiam a idado outro tipo de visitante.

O bem-estar que parcela significativa dos baianosacredita encontrar nesse espaço ganha maior forçaquando a decisão de visitar o shopping é motivadapela busca do lazer. Nessa circunstância, além demobilizados pelos fatores de conforto e segurançaque o SC propicia, os visitantes são também sedu-zidos pela busca de informações e de situações quepermitem o florescer dos laços de sociabilidade.Seguindo a hierarquia de preferências enumeradas,“ver novidades” (75%), “ir aos cinemas” (71%), “olharvitrines” (71%), “sair com a família” (60%), “conhe-cer gente/paquerar” (52%), “passear com as crian-ças” (47%) e “freqüentar eventos culturais” (18%)aparecem nas pesquisas como as principais razõesque levam as pessoas ao shopping com o intuito deentretenimento.

Dentre o conjunto de usuários que buscam diver-são no Iguatemi, a liderança dos jovens é evidente –mais de 80% dos integrantes dessa categoria (entre

14-24 anos) vão ao SC com tal finalidade. De manei-ra geral, os jovens são os principais consumidoresdo Iguatemi, representando quase a metade dos fre-qüentadores desse equipamento.

Majoritários, afeitos ao consumo material e sim-bólico, disponíveis para o lazer e a sociabilidade, osjovens, ao tempo em que imprimem ao shoppingatributos relacionados a seus interesses – imagemrelacional, espaços de lazer, cenário das vitrinas,comunicação e atividades de marketing – influenci-

ando o universo simbólico e mate-rial que compõe o cenário, tambémasseguram a atualidade do espa-ço, assim acolhendo o conjunto dosvisitantes.

Na cultura do consumo a juven-tude assume um papel quase queemblemático, poder-se-ia dizer, umavez que a essa fase da existênciahumana estão relacionados valorescomo beleza, sensualidade, saúde,

vitalidade, dinâmica, sucesso. O elixir da juventudeeterna, certamente, nunca foi tão ansiado e concla-mado quanto nos dias atuais. Assim, o Iguatemi, aoser percebido por seus visitantes como um local “fre-qüentado por pessoas jovens, bonitas, modernas eque gostam de movimento”13, termina propiciandouma identificação simbólica ao conjunto de consu-midores.

Referido como “... primeiro lugar onde se pode irsozinho...”14, o Shopping Iguatemi vem formando vá-rias gerações de consumidores que incorporaram ohábito de comprar, conviver e se divertir em equipa-mentos de acesso público. Tal experiência se propa-gou e foi reafirmada em outros shoppings da cidade,sejam eles de grande porte, como os Shopping Pie-dade, Shopping Barra e Lapa Center, sejam menores emais simples, como os shoppings de vizinhança, es-palhados pelos bairros populares de Salvador.

A entrada no cenário urbano do Aeroclube PlazaShow, um novo espécime de espaço espetacularde acesso público, que se inscreve no conceito defestival mall – complexo de entretenimento que ofe-rece ao público um conglomerado de restaurantes,cinemas, centros de lazer e cultura – vem consoli-dar definitivamente o uso dos espaços comerciaispara fins de diversão e sociabilidade entre os mora-dores da cidade e os turistas em visita à capital. Di-

O Aeroclube Plaza Showvem consolidar

definitivamente o usodos espaços comerciaispara fins de diversão esociabilidade entre osmoradores da cidade

e os turistas emvisita à capital.

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rigido ao público de maior poder aquisitivo e de fai-xa etária superior à dos consumidores do Iguatemi,ainda que a prevalência dos jovens naquele localtambém seja marcante, vem se constituindo tam-bém em um espaço para realização de eventos daindústria cultural.

Entretanto, a assimilação pelos citadinos de no-vas formas de sociabilidade e aventuras urbanasque se realizam nos espaços não-tradicionais, ge-ralmente privatizados e pouco disponíveis à visibi-lidade pública, são experiências que, a despeitode se manterem ricas e inovadoras, impedem queas novas gerações experimentem a vivência “deinteração social marcada pela diversidade e pelaocorrência do casual que ocorre tão-somente nasruas”15.

É inegável o fato de que alguns fatores limitam avivência social espontânea em espaços de acessopúblico: prioridade aos consumidores, regras de con-vivência e conveniência definidas pelos donos donegócio, “descontrole controlado da emoção”16, hie-rarquia social, modismos. E, principalmente, não sepode supor que a popularidade atribuída a essesespaços de acesso público signifique a verdadeirapopularização dos shoppings centers ou dos com-plexos comerciais de lazer, no sentido do exercíciode uma vivência variada entre os desiguais. A des-peito da importância do debate sobre semelhançase diferenças que demarcam a experiência vivida narua relativamente ao convívio em centros comerciais,não nos cabe aqui ampliar essa discussão, mas tão-somente constatar a crescente tendência dessa prá-tica urbana.

Independentemente do rumo que o mercadomundial venha indicar para a indústria de entreteni-mento nos próximos anos, tudo indica que a buscados indivíduos por lazer e sociabilidade em espa-ços fechados e a integração desses equipamentosurbanos à paisagem das grandes cidades ou doslocais destinados às atividades turísticas são movi-mentos irreversíveis.

Inúmeras explicações podem ser dadas para talpredileção: ausência de alternativas públicas parao exercício de experiência comunitária; inseguran-ça dos espaços públicos em decorrência do acirra-mento dos conflitos urbanos; prática empresarial naprestação dos serviços de lazer. Ou, ainda, todasessas circunstâncias inscritas em um contexto regi-

do pela comunicação e pela moda de alcance mun-dial. Mas o que parece ser inquestionável é a dispo-sição dos citadinos para aprofundar esse tipo deexperiência urbana.

Notas

1 Conceito apresentado por MARCONDES, Ciro MarcondesFilho. Quem manipula quem? Poder e massas na indústriada cultura e da comunicação no Brasil. Rio de Janeiro: Vo-zes, 1986. 165p.

2 Ver HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo:Loyola, 1994. 349p.

3 Ver BENJAMIM, W. Paris, capital do século XIX. In: KOTHE,Flávio (Org.) Sociologia. São Paulo: Ática, 1989. p.30-43.

4 CAMPOS, Walquíria. Disney continua insuperável. GazetaMercantil, São Paulo, 14 mai. 1998. Relatório Gazeta Mer-cantil – Parques, p. 14.

5 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia empírica do lazer. São Pau-lo: Perspectiva/ SESC, 1999.p.171

6 Ver ROSSARI, Tânia. Demarcação de identidade em espaçocoletivo: o Shopping Iguatemi de Porto Alegre. In: Shoppingcenter: espaço, cultura e modernidade nas cidades brasilei-ras. São Paulo: UNESP, 1992, p. 107-129.

7 A TARDE, 05.12.1975.

8 Conceito utilizado por FEATHERSTONE, Mike. O desman-che da cultura: globalização, pós-modernidade e identidade.São Paulo: Studio Nobel, 1997.

9 ABRASCE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SHOPPINGCENTER. Os novos números da indústria. (online) Disponí-vel na Internet via WWW.URL:http:/www.abrasce.com.br/abrasce/revjunho/capa.htm. jul.2000.

10 A TARDE, 05.12.1975.

11 Foram consultadas duas pesquisas aplicadas pelo ShoppingIguatemi. A Pesquisa I (1999) correspondeu a uma amostrade 300 visitantes, de ambos os sexos, das classes sociais A,B e C, na faixa de idade entre 15 e 75 anos. A Pesquisa II(1997) compreendeu uma amostragem de 400 visitantes, al-cançando o público das classes A, B, C e D, de ambos ossexos, da faixa etária entre 15 e 55 anos.

12 Essa classificação e denominação é de nossa exclusiva res-ponsabilidade.

13 Pesquisa aplicada pelo Iguatemi, 1997.

14 Pesquisa Iguatemi, 1997.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.174-179 Setembro 2001 179

15 Discussão apresentada por FRÚGOLLI, Heitor. São Paulo:espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero/SESC, 1995. 112p.

16 Expressão utlizada por FEATHERSTONE, Mike. O desman-che da cultura-globalização, pós-modernismo e identidade.São Paulo: Stúdio Nobel, 1977.

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*Carlota Gottschall é economista e mestraem Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA,

editora da revista Bahia Análise & Dados,publicada pela SEI/SEPLANTEC, e professora do

Curso de Comunicação Social da UCSAL.E-mail: [email protected].

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Não saber se orientar numa cidade não significa muito.

Perder-se nela, porém, como a gente se perde numa

floresta, é coisa que se deve aprender a fazer.

Walter Benjamin

A possibilidade de conhecer uma cidade podeperfeitamente iniciar-se com a perda, como sugereWalter Benjamin; não simplesmente a perda no sen-tido de desorientação, de não saber onde estamose que rumos tomar, mas a perda dos próprios refe-renciais, pressupostos e pré-noções que temos dacidade. Estes são sempre, por definição, reducio-nistas, enquanto a cidade, seja ela qual for, é múlti-pla em sua essência, composta por uma variedadede linguagens e evocações: insígnias, sons, odo-res, cores, cheiros, ritmos, gestos, vozes em cons-tante ebulição. Podemos dizer, então, que a cidadeé polifônica, para utilizar uma expressão de Cane-vacci (1993, p.18), que a caracteriza “...pela sobre-posição de melodias e harmonias, ruídos e sons, re-gras e improvisações cuja soma total, simultânea oufragmentária, comunica o sentido da obra”.

A diversidade e dinâmica estão, portanto, entreas principais características das cidades, que, comoobras em aberto, se fazem a cada dia, sem jamaisestarem concluídas. Esse fazer-se envolve um cons-tante vaivém, construções e desconstruções, pau-tadas em lógicas, racionalidades, irracionalidades,sentimentos, devaneios e expectativas, dos quaisparticipam diversos atores, com papéis e poderesbastante diferenciados, mas essenciais na sua for-

mação. Entre os atores, encontram-se todos aque-les que nela residem e trabalham, os que a visitamesporadicamente e aqueles que, mesmo não estandopresentes fisicamente, encontram-se a ela ligadospor laços afetivos, redes comerciais e de serviços epor fluxos regionais, nacionais ou globais. A cons-trução se dá não apenas no nível físico concreto,mas no plano simbólico, pois, como nos diz Silva(1992, p. 15), a cidade é “... el mundo de una imagen,que lenta y colectivamente se va construyendo yvolviendo a construir, incesantemente”.

O turismo, consubstanciado nos diversos agen-tes que compõem a ampla rede que lhe dá susten-tação e envolve desde as agências e operadoras,estabelecimentos comerciais e de serviços, até asinstâncias governamentais que assumem sua pro-moção e organização, participa de maneira muitoparticular neste processo de construção/reconstru-ção das cidades contemporâneas. De maneira maisintensa do que as demais atividades econômicas, oturismo depende das qualidades (subjetivas e obje-tivas) intrínsecas ao espaço (urbano e extra-urba-no), o qual lhe serve não apenas de suporte, masse transforma na própria mercadoria.

A cidade é, então, tratada como uma mercado-ria pelo marketing que busca criar e divulgar umaimagem positiva, capaz de atrair um maior númerode pessoas, em geral aquelas dotadas de maiorpoder aquisitivo. A cidade é apresentada a partir daseleção programada de lugares e aspectos descon-textualizados de sua dinâmica cotidiana e orgânica.(Damiani,1999, p.46) A seleção previamente reali-

O Éden terrestre:o consumo da cidade como mito1

Ivana T. Muricy*

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zada se baseia em pré-requisitos da sociedade demaneira a tornar a cidade mais adequada às ex-pectativas, aos sonhos e devaneios de seus poten-ciais consumidores, o que lhe garantirá maiores pos-sibilidades de ser aceita no mercado. Ou seja,vende-se uma cidade assim como se vendem asdemais mercadorias: capricha-se nas “embalagens”,nos “rótulos” e em seus aspectos simbólicos, que,como demonstram diversos estudiosos, tornaram-se mais importante do que a utilidade do produto.

No contexto contemporâneo das “sociedades deconsumo” (Baudrillard:1995) – nas quais tudo setransforma em mercadoria e o consumo passa a serum elemento definidor da identidade e da cidadania,e não um mero prazer – a construção de imagenspositivas da cidade tem exercido um papel fundamen-tal no devir urbano. Como demonstrou Harvey (1996),as qualidades locais são cada vez mais importantesnas disputas pelo capital e as cidades investem cadavez mais em imagens positivas de si mesmas, capa-zes de atrair um maior número de pessoas (investi-dores e consumidores). Essa produção ativa delugares dotados de qualidades especiais, que se dásobretudo no âmbito da imagem, tornou-se um im-portante trunfo na competição espacial entre as lo-calidades, dando contorno a um dos paradoxos doatual processo de globalização, destacado por Harvey(1996, p.267): “Quanto menos importantes as barrei-ras espaciais, tanto maior a sensibilidade do capitalàs variações do lugar dentro do espaço e tanto maioro incentivo para que os lugares se diferenciem demaneiras atrativas para o capital”.

Assim, o planejamento das cidades passou acontemplar não apenas a estrutura urbana, propria-mente dita, mas também a imagem, que, dessa for-ma, passa a ser planificada e regida por um mercadocada vez mais normatizado, pautado em sofistica-das técnicas de marketing. Esse processo de pro-moção e venda das cidades tem sido denominadopor alguns estudiosos, a exemplo de Pandison (1993),de city marketing ou place marketing. Esses auto-res destacam o fenômeno como um dos mais im-portantes componentes do processo de concorrênciaterritorial por turistas e investimentos e da etapa deradical semiotização das mercadorias, que marcama fase atual da globalização.

Conforme destaca Lopes Júnior (1997), o citymarketing não é uma simples estratégia de valori-

zação dos espaços urbanos, tampouco se resumeà sua promoção turística. Trata-se de uma nova for-ma de abordar e administrar as cidades, que se con-trapõe ao planejamento urbano tradicional, pois sevolta basicamente para as demandas, ao invés decontemplar o ordenamento do espaço urbano. A pro-dução de imagens sobre a cidade pesa decisiva-mente sobre a sua evolução futura, especialmente,no que diz respeito aos investimentos públicos noplanejamento urbano. No entanto, ainda segundoesse autor, as maiores conseqüências do city marke-ting relacionam-se à identidade urbana, pois, mui-tas vezes, a construção de uma imagem da cidadeacentua a distância entre a realidade e sua repre-sentação: “...as imagens que projetam a cidadepassam a condicionar as ações e projeções dosatores sociais locais. Tudo se passando como sea cidade imaginada subjugasse, enfim, a cidadereal” (1997, p.178).

No Brasil, pode-se perceber claramente os es-forços empreendidos por algumas cidades na cons-trução de imagens positivas de si mesmas, comotem sido destacado por alguns estudiosos. Lopesjúnior analisa o exemplo de Natal (RN), enquantoVieira (1999) se debruça sobre Salvador, Curitiba eFortaleza. Ambos demonstram, em suas análises,como a imagem dessas cidades vem sendo cuida-dosamente construída com base num potente e bemorganizado aparato promocional e em intervençõesnos espaços urbanos. A construção se dá, eviden-temente, com base em particularidades locais (umamatriz cultural) e na intencionalidade do planejador,ou seja, do perfil que interessa ao grande capital eàs esferas governamentais e do que é possível secriar (em termos de uma combinação entre o dese-jado e o possível). Segundo Vieira (1999), Curitibase apresenta como “cidade modelo, sinônimo dequalidade de vida, cidade de primeiro mundo”; aí ocidadão se confunde com o consumidor e a cidadeé vivida como espetáculo, sempre aberta a inova-ções urbanas. Fortaleza, por sua vez, vem tentan-do firmar sua imagem como “paraíso tropical paraturistas”, em substituição ao antigo estereótipo de“capital da seca e da miséria” (Godim, citado porVieira,1999, p. 40). Em Salvador, a imagem é traba-lhada a partir de elementos da cultura e de seu pas-sado histórico. Os projetos implantados pelosgovernos estadual e municipal passam tanto pela

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valorização de locais históricos, agora transforma-dos em cenários e bens de consumo, quanto pelacriação de novas áreas de lazer.

A transformação da cidade numa mercadoria ea intencionalidade dos discursos construídos se evi-denciam na fala do atual prefeito de Salvador:

Acho que a cultura é fundamental e não pode ser vista ape-

nas pelo aspecto folclórico, a cultura é economia também. A

Bahia vende sua cultura, a sua história, através de uma se-

cretaria que soube fazer uma conexão muito inteligente entre

turismo e cultura – isso faz com que esse produto que é a

nossa cidade, seja melhor vendido. (Citado por Vieira, 1999,

p.41)

O exemplo de Fortaleza é paradigmático dascapitais nordestinas que, hoje, buscam cambiar suaimagem de miséria por outras, paradisíacas, pauta-das sobretudo na natureza e na sensualidade deseu povo. Porto Seguro, que será aqui tomada comofio condutor de nossa análise, encontra-se entreessas cidades nordestinas. A imagem da cidade vemsendo condicionada pelos elementos do city mar-keting, que no caso de Porto Seguro não é tão or-ganizado e orquestrado pelo poder municipal comoacontece nas cidades anteriormente citadas, mas éarticulado sobretudo pelas agências e operadorasde turismo, pelo governo do estado, através da Bahi-atursa, e pelos grandes empresários instalados nacidade. Esses setores, juntamente com o governomunicipal, vêm consolidando a imagem de “Édenterrestre, paraíso tropical voltado para o prazer”,atualizando, dessa forma, o discurso de que “nãoexiste pecado abaixo da linha do Equador”.

Tais imagens funcionam como o capital simbólicodas cidades, ao tempo em que refletem as mudan-ças socioeconômicas, espaciais e culturais decor-rentes de suas inserções no mercado turístico. LopesJúnior (1997 e 1997 a) nos fala da consolidação deum modelo de urbanização no Nordeste, que ca-racteriza os lugares turísticos em todo o mundo, noqual prevalece o que ele denomina de construçãosocial das “cidades do prazer”. Esse novo modelode urbanização caracteriza-se pela centralidade as-sumida pelo consumo, que agora modela e imprimenovas feições e arranjos socioespaciais, substituin-do, de certa forma, o papel desempenhado pela pro-dução em tempos não tão distantes2. Tal modelo

expressa, segundo esse autor, a afirmação, no Nor-deste, das “paisagens urbanas pós-modernas”. Ouso deste último termo remete ao modelo analíticoproposto por Zukin (1993), que pretende marcar asdiferenças entre as cidades modernas e pós-moder-nas, diferenças que não se encontrariam na estru-tura, e sim na forma como são apresentadas e,conseqüentemente, percebidas. Segundo ele, a ci-dade torna-se mercadoria a partir do consumo visualdos espaços e do tempo, que, agora, se encontramtão acelerados quanto abstraídos da lógica da pro-dução industrial:

A genialidade dos investidores imobiliários, nesse contexto,

consiste em converter a narrativa da cidade moderna em um

nexo fictício, uma imagem que é um grande embrulho daqui-

lo que a população pode comprar, um sonho de consumo

visual.

Para esse autor, a pós-modernidade sugere duasformas contrastantes de paisagens urbanas arquetí-picas: as “antigas” cidades modernas e as “Walt DisneyWorld”. Nas cidades antigas, as transformações dão-se a partir do que ele denomina de gentrification ouyuppification, fenômeno que vem ocorrendo, em lar-ga escala, em locais como Nova York e Londres,que inclui a recuperação de sítios históricos e suaposterior ocupação pela classe média, notadamen-te artistas e intelectuais. Já nas novas cidades, comoLos Angeles e Miami, a paisagem pós-moderna as-sume a forma do Walt Disney World e investe-semaciçamente nas opções de entretenimentos. O ter-mo paisagem é usado por Zukin como um conceito-chave para se apoderar da transformação espacial eé com base nele que mapeia cultura e poder:

A paisagem é, claramente, uma ordem espacial que é impos-

ta ao meio ambiente construído ou natural. Desse modo, a

paisagem é sempre socialmente construída ao redor de insti-

tuições sociais dominantes (a igreja, o latifúndio, a fábrica, a

cooperação de franquias) e ordenada pelo poder.

No primeiro modelo de cidade, a história se trans-forma em cenário e os artistas, intelectuais e ativistasculturais são os principais “produtores simbólicos”das imagens e símbolos da “recuperação” dos “ve-lhos” centros urbanos. Nas cidades que têm a DisneyWorld como paradigma, o próprio meio ambiente –

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o oceano, as montanhas, o shopping center – de-sempenha o papel primário na mediação cultural.Zukin destaca que os dois modos de consumo são,antes de tudo, visuais, e misturam temas. Assim, ascidades baseadas no modelo Walt Disney tambémrecorrem a elementos do passado para construirseus sítios de fantasia; nos dois casos, a históriaconstitui-se em produto material e simbólico para oconsumo visual, ou seja, torna-se mercadoria.

Porto Seguro, apesar de ser um dos núcleos deocupação mais antigos do país, assemelha-se aoparadigma “Disney World”, proposto por Zukin. As-sim também é percebida a cidade de Natal, na aná-lise realizada por Lopes Júnior (1997a). Aliás, sãograndes as semelhanças entre essas duas cidades,Natal e Porto Seguro, ambas remodeladas a partirda chegada do turismo.

Em Porto Seguro, a atividade começou a se de-senvolver em meados da década de 1970, quandoesta era pouco mais do que uma vila de pescado-res e uma comunidade agrícola e vivenciava, in-clusive, um processo de perda de sua posição so-cioeconômica e cultural na região. A cidade seconcentrava num limite estreito, compreendido en-tre as proximidades do rio Buranhém e do mar, naparte baixa, existindo também o núcleo urbano daCidade Alta, que era pouco desenvolvido. O espa-ço urbano não possuía uma estratificação socialmuito rigorosa, embora fosse possível reconhecerbairros que concentravam pessoas de nível eco-nômico e status social semelhantes e áreas comfunções definidas, a exemplo das zonas comercial,portuária, residencial e prostitucional. (Espinheira,1974, p.56)

Com o desenvolvimento do turismo e a chegadade novos moradores, ocorre um intenso processode especulação imobiliária, com a valorização so-bretudo dos terrenos localizados no centro da cida-de e nas proximidades do mar. A cidade se expan-de em sua orla marítima, no sentido do municípiode Santa Cruz Cabrália e, mais recentemente, nadireção da BR-367, que liga Porto Seguro ao muni-cípio de Eunápolis. Verifica-se um redirecionamen-to do desenho urbano, que até então acompanhavaa desembocadura do rio Buranhém.

O centro da cidade passou a abrigar estabeleci-mentos comerciais e de serviços voltados sobretu-do para o atendimento ao turista, enquanto a popu-

lação que aí residia foi se transferindo para os no-vos bairros situados na periferia (rumo à BR-367,no sentido de Eunápolis), a exemplo do Cambôlo,Baianão, Paraguai, Fontana I e Fontana II. A orlamarítima, na direção do município de Santa CruzCabrália, até então desocupada, também passou aconcentrar estabelecimentos comerciais e de servi-ços, e novos bairros de classe média e alta surgi-ram nas proximidades das praias, tanto na parte pla-na como no alto das escarpas que margeiam o mar.

Os trechos da cidade dedicados mais diretamenteao turismo – centro e orla marítima – se transforma-ram em espaços voltados para o entretenimento,para o lúdico e para o prazer do corpo. Observa-sea implantação daquilo que Feartherstone (1995)denominou de locais de “desordem ordenada”, nosquais o homem experimenta sensações diferentesdo cotidiano, permitindo-se comportar-se como crian-ças e admirar o exótico, aquilo que é alheio à suasociedade. Como destaca esse autor, apesar daaparente liberdade existente nesses locais, onde asimagens podem evocar prazeres, perturbações, car-navalização e desordem, é necessário ter autocon-trole para vivenciá-los. São espaços, portanto, quepermitem o “descontrole controlado das emoções”nas sociedades contemporâneas.

A cidade é, então, remodelada para atender àsdemandas dessa nova atividade. Nesse sentido, a ci-dade “se produz e é produzida pelo turismo”, comonos fala Lopes Júnior em relação a Natal. O turismoredefine não só o desenho espacial das cidades, masa própria lógica interna, à medida que redefine os usose significados pré-existentes, criando novos espaçose “lugares”, e fomentando novas sociabilidades.

Determinados lugares tornam-se cenários, “car-tões-postais” da nova Porto Seguro. Alguns são no-vos e totalmente construídos pela indústria turística,como as chamadas barracas de praia, constante-mente apontadas pelos visitantes e por represen-tantes das agências e operadoras turísticas, comoum dos principais elementos que caracterizam Por-to Seguro. Mesmo a Passarela do Álcool e a Cida-de Histórica, outros dos seus símbolos, espaços deocupação antiga, e tão singulares do ponto de vistada história local, compostos por casario colonial, sãotambém produto do turismo.

O modelo de urbanização segue o padrão dascidades turísticas, com a valorização das áreas lito-

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râneas e expulsão da população para a periferia,de acordo com a lógica da produção de “lugares deconsumo e consumo de lugares” (Lefebvre, 1991,p.12). Assim, a nova Porto Seguro assume as fei-ções das cidades Disney World identificadas porZukin, principalmente em seu trecho litorâneo, com-pletamente voltado para o entretenimento. A atmos-fera pós-moderna, com seus simulacros e simula-ções, dá o tom desses espaços, “sítios da fantasia”,construídos através da bricolagem de textos e ima-gens.

Dessa forma, tanto a estruturaurbana quanto a forma como a ci-dade é percebida e representadapassam a ser direcionadas pela ló-gica do consumo, comandada poragentes externos. Esse processonão é específico de Porto Seguro,mas reflete questões mais gerais,ligadas ao maior intercâmbio entreas diversas partes do mundo, e,mais especificamente, as particula-ridades e paradoxos da atividadeturística e a maior interseção entre mercadoria ecultura, que tem levado à criação de ambientes vol-tados para o espetáculo. No entanto, o equaciona-mento dessas forças na esfera local depende dasparticularidades dos lugares e, portanto, deve serpensado, como sugere Zukin (1993, p. 206), ao sereferir às paisagens urbanas pós-modernas, a par-tir da oposição entre mercado – “forças econômicasque desvinculam as pessoas das instituições sociaisestabelecidas” – e lugar – “as forças espaciais queos ancoram ao mundo social, dando base para umaidentidade estável”.

Há cidades que apresentam maior resistênciaa esse processo de promoção e venda. Apesar dacriação de imagens e rótulos, não se deixam apri-sionar por inteiro, ressignificam seus conteúdos eprojetam outras imagens, respaldadas em tramase enredos do dia-a-dia de seus personagens, quese misturam àquelas produzidas pelos profissionaisdo marketing. Esse parece ser o caso de Salvador,que, apesar do forte aparato de city marketing, dafolclorização de sua cultura, não se transforma empastiche. Há outras que não precisam de forjar umaidentidade capaz de competir na acirrada “disputapor dólares e turistas” (Soja, 1993), pois já possu-

em um reconhecimento e um significado no mer-cado mundial, como Paris e Nova York. No entan-to, boa parte das cidades acaba sufocada pelasimagens construídas, tornando-se prisioneira daspolíticas de city marketing, como se a criatura der-rotasse o criador.

Porto Seguro se encontra neste último grupo, noqual se estabelece uma certa tensão entre imagem erealidade, transformando a cidade em refém de seupróprio mito. Numa inversão de papéis, Porto Segu-

ro tenta corresponder às novas ima-gens produzidas pelo city marketing,acentuando ainda mais as discre-pâncias entre a realidade e sua re-presentação, o que contribui paraaumentar as distâncias sociais, ex-pressas num espaço altamente es-tratificado. Ocorre, assim, a consoli-dação de uma imagem-mito. Esta iráexercer profundas alterações naidentidade urbana e na forma deapropriação material e simbólica dacidade pelos diversos grupos soci-

ais que participam do processo de construção/des-construção dessa urbe, a qual vem-se consolidando,nas últimas décadas, como um dos principais pontosde convergência migratória do Estado da Bahia3.

A cidade tenta se transmutar no cenário idílicoanunciado nos meios publicitários; intervenções noespaço urbano concretizam os “sítios da fantasia”,massificados e padronizados. A falta de planejamentourbano, ou a sua inoperância, fez com que a expan-são da cidade se pautasse pela lógica dos grandesempresários (sobretudo do setor turístico e imobiliá-rio) em detrimento da lógica das pessoas do lugar.O predomínio da visão utilitarista e imediatista entreos empresários locais e nas esferas governamen-tais levou a que diversas agressões ao meio ambi-ente (como aterramento de lagoas e ocupações demanguezais) e ao patrimônio histórico-cultural fos-sem cometidas. O tombamento da cidade comopatrimônio histórico – apesar das dificuldades en-frentadas pelo IFHAN e, mesmo, da sua inoperânciaem alguns períodos – foi o único fator que conse-guiu conter um pouco a ganância, o espírito icono-clasta e anti-ambientalista de boa parte dos empre-sários que atuam na cidade e, mesmo, de certosgovernantes locais, estaduais e nacionais.

A cidade tentase transmutar no

cenário idílicoanunciado nos

meios publicitários;intervenções noespaço urbanoconcretizam os

“sítios da fantasia”,massificados epadronizados.

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Os empresários e os “marqueteiros” foram, por-tanto, os principais agentes do ordenamento urbanoem Porto Seguro. A cidade se voltou para o chama-do turismo de massa, com a construção de espaçose projetos que reafirmam a alegria, o prazer e o di-vertimento característicos desse tipo de turismo,consolidando uma ambiência mágica. Assim comoacontece em outras cidades turísticas, o onírico é tra-balhado a partir de estereótipos espelhados por di-versas partes do mundo, que remetem ao exótico,isto é, àquilo que foge ao padrão europeu4. Essesarquétipos da atividade turística se misturam a sím-bolos e ícones da modernidade – como as grandescadeias de estabelecimentos comerciais e de servi-ços – e a elementos da cultura local. Tais aspectosacabam por tornar os lugares mais parecidos entresi, dando a sensação de déjà vu provocada peloslocais turísticos. Aí se encontra um dos paradoxosda atividade turística e, mesmo, da contemporanei-dade: quanto mais se busca lugares diferentes, maisos locais se tornam semelhantes. Mas nem tudo éassim tão estático e pré-determinado, pois há umaconstante redefinição do status dos locais e uma bus-ca incessante do novo por parte das pessoas. Rapi-damente os roteiros turísticos tornam-se massificadose buscam-se novos símbolos distintivos.

As qualidades locais permanecem importantespois são elas que conferem “o algo mais” aos espa-ços turísticos. É preciso lembrar que a política de citymarketing se constrói a partir da matriz cultural doslugares, ou seja, os elementos não são totalmenteestranhos à realidade local. Esses elementos sãoressignificados de acordo com a lógica da sociedadede consumo e se misturam a objetos e símbolos damodernidade. “Os mass-media cuidam de fazer estaarticulação e possibilitam o consumo virtual de todosos cantos do planeta”, como nos diz Lopes Júnior(1997, p.199). Por outro lado, as políticas de citymarketing alteram as identidades urbanas.

As políticas de city marketing apoiam-se, apropriam-se e

redefinem as identidades urbanas produzindo clichês identi-

tários, indispensáveis para a entrada das cidades no merca-

do mundial de paisagens. Ao metamorfosear paisagens em

objetos para o olhar do turista, as políticas de promoção tu-

rística transformam as cidades em “objetos-signos”, ao lado

das “calças jeans, imagens de artistas de cinema (e)

MacDonald’s”. (Lopes Júnior, p. 1997)

Assim, as políticas de city marketing contribuempara a conformação da nova Porto Seguro, “produ-zida e que se produz” para o turismo, e reflete suaentrada na acirrada “disputa por dólares e turistas”.Para pensar sobre essa nova realidade é necessá-rio situá-la num contexto mais amplo, que articula oturismo como fenômeno específico das sociedadescontemporâneas, em que novas formas de sociabi-lidade se definem no intercruzamento das forças dos“lugares” e do “mercado”.

Turismo: um mito moderno?

O deslocamento em busca de aventura e lazernão é uma exclusividade do mundo contemporâneo,pois, nas sociedades antigas, já se observavam taispráticas sociais, embora estas só venham a assu-mir maiores proporções com a consolidação da so-ciedade capitalista. Assim, tais viagens foram esti-muladas por fatores como aumento da população,industrialização, expansão dos negócios, maior dis-ponibilidade de renda, regulamentação das férias eavanços tecnológicos, especialmente aqueles reali-zados nos meios de comunicação e transporte. Sur-ge então o turismo como fenômeno de massa, pas-sando a movimentar uma parcela cada vez maissignificativa da economia mundial.

Aos poucos, as viagens de férias em busca delazer passaram a ser encaradas como uma neces-sidade do homem moderno. Urry (1996, p.47) des-taca que, após a Segunda Guerra Mundial, as fériasse tornam uma “marca de cidadania”, com os traba-lhadores conquistando o “direito ao prazer”, e taismomentos passam a ser encarados como base da“renovação pessoal”. Nesse sentido, Krippendorf(1989, p. 17) afirma:

Para encontrarmos uma compensação a tudo o que nos falta

no cotidiano, para tudo o que perdemos ou que desapare-

ceu, viajamos; desejamos nos liberar da dependência social,

nos desligar e refazer energias, desfrutar da independência

e da livre disposição do ser, descansar, viver livremente e

procurar um pouco de felicidade. Com efeito, viajamos para

viver.

As viagens de férias são percebidas como mo-mentos mágicos e redentores, nos quais os homensrealizam verdadeiras catarses, recompõem as ener-

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gias e se recuperam do stress gerado nos ambien-tes de trabalho e nos locais de moradia. Não impor-ta o esforço empreendido nos deslocamentos, quemuitas vezes consomem longas horas de viagens,em veículos desconfortáveis e em péssimas condi-ções de acesso; tampouco importa que as ativida-des e vivências nos locais de destino imprimamritmos e rotinas próximos àqueles experimentadosno cotidiano, porquanto tais momentos são semprepensados como compensações “ao fardo do dia-a-dia”. Nesse sentido, podemos identificar elementosmíticos nas práticas turísticas, pois, como destacouEliade (1989, p.160), enquanto subsistir o desejodo homem de transcender o seu próprio tempo, pes-soal e histórico, e de mergulhar num tempo “desco-nhecido”, podemos dizer que ele ainda conservacertos resíduos de um “comportamento mitológico”.

A mídia globalizada e a publicidade tiveram umpapel fundamental na generalização do turismo ena sua transformação numa necessidade do homemmoderno. Os materiais publicitários e de divulgaçãodos roteiros turísticos constituem excelentes fontesde análise acerca dos aspectos míticos da ativida-de turística, desde que adotemos uma concepçãode mito próxima daquela desenvolvida por Barthes,em diversas de suas obras5. Segundo esse autor,os mitos contemporâneos são descontínuos: “Elenão se anuncia mais em grandes narrativas consti-tuídas, mas em ‘discursos’; é, quando muito, umafraseologia, um corpus de frases, (de estereótipos);o mito desaparece, mas permanece, tanto mais oinsidioso, o mítico”. (1977, p. 11)

No caso específico de Porto Seguro, o materialpublicitário e de divulgação remete a representa-ções distintas da cidade, construídas a partir dediscursos, escritos e imagéticos, que combinam ele-mentos históricos, naturais e culturais, pautadosem míticas diferenciadas. É possível perceber apredominância de dois paradigmas: um pautado noimaginário do paraíso perdido, que toma por refe-rência o discurso mítico presente à época das gran-des navegações; e um outro, que recorre à estéticado prazer e do lúdico, em que a festa, a sensuali-dade, o exotismo do lugar e das pessoas são enfa-tizados. O primeiro evoca a pureza e harmonia dolugar, com base sobretudo na natureza intocada ena imagem do “bom selvagem”, enquanto o segun-do recorre a elementos de culturas variadas para

exaltar a sensualidade, o lúdico e prazer. Apesardas diferenças existentes entre os modelos, todosrepresentam a cidade a partir de elementos “mági-cos”, que se contrapõem ao cotidiano, ao ordinárioe ao mundo do trabalho, ao tempo em que encar-nam o ideal da felicidade plena. Essas construçõesdiscursivas sobre Porto Seguro elaboradas pelasesferas governamentais e por grupos privados for-necem os principais elementos simbólicos de Por-to Seguro, cuja imagem predominante é: de lugar“mágico”, uma espécie de paraíso, não o da virtu-de e do recato, mas o da liberdade e licença, oumesmo, o do prazer.

O caráter mitológico, ainda no sentido barthesia-no, do turismo não se revela apenas na publicida-de, em que tal discurso já era esperado, pois suautilização faz parte das estratégias adotadas pelosmass-media6, mas em todo o desenvolvimento daatividade, uma vez que o turismo impõe formas es-pecíficas de comportamento, percepção e apropria-ção do tempo e do espaço, tanto para turistas comopara moradores. As novas formas de uso dos espa-ços da cidade impõem ritmos, valores, sentimentose significados que se misturam ao cotidiano da ci-dade e acabam por subverter as referências crono-lógicas e espaciais constituídas e usadas por seusmoradores.

Ampliam-se as redes regional, nacional e globalde fluxos, câmbios e intercâmbios comunicativos,econômicos e culturais, que passam a ter uma influ-ência cada vez maior na cidade, podendo, muitasvezes, sobrepor-se à lógica da esfera local e aosvínculos da sociabilidade pré-existentes a essa am-pliação. Os períodos demarcatórios de tempo pas-sam a ser dados menos por elementos do ciclo natu-ral ou por conteúdos locais, e mais pela demandaturística gerada fora da cidade, que determina duasdivisões básicas: a alta e a baixa estação. Mesmo anoção de noite e dia é, em grande medida, “retraba-lhada” pela organização dos eventos e atividadesturísticas. Ou seja, o ritmo da cidade é totalmentemodificado e passa a ser condicionado por elemen-tos de fora, representados pela racionalidade da in-dústria turística e pelos desejos, expectativas e va-lores em relação à vivência na cidade por partedaqueles que a visitam.

Essas novas demarcações temporais, por suavez, implicam transformações na organização inter-

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na da cidade, que passa a ser condicionada pelalógica da atividade turística, envolvendo aspectosque vão desde a própria configuração espacial atéas relações socais estabelecidas. A alta estação,sobretudo o verão, é percebida como um períodocompletamente diferente dos demais períodos doano. Nele há uma quebra de rotina ou, melhor, es-tabelece-se uma nova rotina, completamente dife-rente da que vigorava até então. É um período an-siosamente aguardado pela grande maioria dosmoradores, que vêem aí possibilidades de melhoriade vida, com o aumento dos rendimentos; é sinôni-mo de trabalho, mas também de diversão e de festapara boa parte deles. O período é vivenciado comoextraordinário, momento que possibilita a ampliaçãode contatos, referências e possibilidades de traba-lho e conhecimento, ao tempo em que engendranovas práticas sociais e culturais. Isso tudo “dá maiscolorido” à vida e suas animações, faz com que omomento seja percebido como especial e mágico.

Assim, para a grande maioria dos moradores, a altaestação, sobretudo o verão, representa uma ruptu-ra no cotidiano, devido às profundas alterações ocor-ridas na cidade, que então se volta totalmente paraatender à demanda daqueles que vêm de fora. Atémesmo as pessoas que não trabalham em ativida-des ligadas diretamente ao turismo, como os profis-sionais liberais de classe média, têm seus hábitoscotidianos modificados pela profusão de pessoasque chegam à cidade. Apenas para aquelas pessoasque se encontram na periferia, distantes dos holo-fotes do turismo, e que têm seu cotidiano organiza-do em torno do bairro onde residem, a chegada doverão não institui um outro tempo e é percebidaapenas como um período diferente, mas que nãoprovoca rupturas no cotidiano nem com as referên-cias cronológicas e espaciais pré-existentes.

Numa cidade como Porto Seguro, que gira emtorno de uma única atividade, as alterações trazidaspelo turismo, sejam cronológicas, espaciais ou doâmbito da sociabilidade e da identidade, são, evi-dentemente, mais intensas do que em cidades demaior porte e com a economia mais diversificada,como as grandes metrópoles nacionais e mundiais.Nessas, as referências cronológicas e espaciais jásão múltiplas; os ritmos, valores e práticas bastantevariados e os elementos exógenos já estão incor-porados à ordem do dia.

Em relação aos visitantes, as rupturas provoca-das pelo turismo são, ao mesmo tempo, mais evi-dentes e complexas, como tem sido destacado pordiversos estudiosos. Jonh Urry (1996, p.28) consi-dera, inclusive, a oposição binária entre o “ordiná-rio/cotidiano”, de um lado, e o “extraordinário”, dooutro, como a principal característica presente nodirecionamento do “olhar do turista”. Essa dicoto-mia, como destaca o autor em pauta, pode se esta-belecer de diversas formas, a partir de noções cul-turalmente específicas do que é extraordinário e,portanto, “digno de ser visto”. O extraordinário podeser representado, por exemplo, pela singularidadedo objeto, como a Torre Eiffel, o Empire State, oGrand Canyon, etc. “São famosos por serem famo-sos” e consolidaram-se como alvos de peregrina-ções, mesmo após terem perdido sua especificidade:“Esse modo de olhar demonstra como os turistassão, de certo modo, praticantes da semiótica, lendoa paisagem à procura de significantes ou de certosconceitos ou signos preestabelecidos, que derivamdos vários discursos da viagem e do turismo”.

O leque de possibilidade do turismo é infinitamenteamplo e qualquer situação ou elemento é passívelde se constituir em objeto de contemplação para osturistas, desde que seja percebido como uma ruptu-ra, esteja supostamente na ordem do extraordinário,como nos fala Urry. Favelas, aldeias indígenas, acam-pamento dos “sem-terra”, fábricas, parques, o localda morte de alguma pessoa famosa e até mesmoatividades cotidianas praticadas em contextos inusi-tados podem se constituir em cenários turísticos.

Uma das principais características desse fenô-meno consiste no aspecto pré-codificado do extra-ordinário. Este passa a ser determinado pela indús-tria turística e pela publicidade, que buscam conferirsingularidade aos objetos, situações ou elementosda paisagem natural ou construída, transformando-os em experiências extraordinárias. Assim, o extra-ordinário já não é tão extraordinário... pois tudo jáestá previsto e incorporado à ordem do dia: não hásurpresas. Desse modo, as empresas e operado-ras de turismo propõem aventura, transgressão,emoções, prazeres e lugares singulares para todos,“paraísos ao alcance do bolso”. Tudo isso aliado aoconforto, à segurança e sob olhares vigilantes. Ohomem contemporâneo pode, assim, experimentarsituações diferentes do seu cotidiano, admirar o exó-

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tico, ou seja, aquilo que é alheio a sua sociedade,sem contudo sair da sua lógica, sem correr perigos,pois tudo já foi devidamente programado.

Independentemente do caráter pré-codificado, pre-visível e cíclico do turismo, o turista vive experiênciasque o situam para além do habitual, emaranhadasem outro tempo e espaço. Observa-se, então, queexiste uma “mistura de tempos e espaços”, comonos diz Damiani (1999, p.46). Esta diversidade nãoé meramente dicotômica: moradores X turistas, maspautada em múltiplas referênciascronológicas e espaciais constituí-das na capilaridade das práticas erelações sociais, pois existe umavariedade de tipos de turistas e demoradores, com formas de inserçãodiferenciada na cidade (assim comoacontece em todos os demais âm-bitos socioespaciais), que implicamem relações diferenciadas com osdiversos espaços da urbe e com os grupos sociais.

Os espaços são modificados não apenas em suaaparência física e arquitetônica, mas ressignificadosde acordo com o interesse e a lógica da indústriaturística, como foi visto anteriormente: locais queabrigavam moradores se transformam em centroscomerciais; outros, antes desprezados ou que nãogozavam de especial prestígio junto à populaçãonativa, tornam-se pontos de visitação e peregrina-ção para os novos “cultos sagrados” (Maffesoli,1996)empreendidos pelos turistas. Nessa construção decenários e lugares imaginários, a valorização de ele-mentos do passado (real ou meramente imaginário)é um dos aspectos que mais chamam a atenção.Diversos estudiosos de diferentes campos do co-nhecimento, a exemplo dos já citados Urry e Zukin,têm destacado esse fascínio do homem contempo-râneo pelo passado e pela tradição e sua transfor-mação em bem de consumo.

O passado mitificado se mistura a elementos ca-racterísticos da modernidade e a símbolos locais atra-vés de bricolagens, conferindo uma identidade híbri-da aos espaços da cidade e essas imagens vão, aospoucos, ganhando autonomia, até não ter mais qual-quer relação com realidade, como nos diz Baudrillard(1991, p.13), em seu conceito de simulacro7. Eviden-temente, a cidade de Porto Seguro como um todonão é um simulacro. Mas determinados espaços, a

exemplos das barracas de praia, tal qual uma brico-lage, se constroem a partir de estereótipos de dife-rentes lugares turísticos, signos que já não remetema uma realidade específica, mas a construtos do pró-prio turismo. Os exemplos da publicidade mostramque, a depender do ponto focalizado, não é maispossível a um simples olhar dirigido pelas imagenspublicitárias distinguirmos entre Porto Seguro, Can-cún, Caribe, ou Havaí. Em Porto Seguro, as barra-cas de praia seguem modelos do Havaí e um pouco

de Fortaleza; a Passarela do Álcoolé muito próxima da “Broduei”8 doArraial d’Ajuda, que, por sua vez,também é igual à“Broduei” de Mor-ro de São Paulo. E por aí vão os mo-delos a repetir-se....

Cenários e lugares distantes tor-nam-se, agora, próximos e seme-lhantes. Tomando por base essecontexto, alguns estudiosos têm re-

corrido ao conceito de não-lugar para caracterizar de-terminados espaços produzidos pelo turismo. Carlos(1999) destaca que a indústria turística, ao criar um“mundo fictício e mistificado de lazer”, transforma oespaço em cenário e as pessoas em meros especta-dores. Esses dois processos são percebidos comobase para a produção da não-identidade e, conse-qüentemente, do não-lugar. Assim, diz-nos Carlos, oturismo cria lugares que não são frutos da relaçãoespaço e sociedade, mas produtos da indústria turís-tica, engendrados por processos nos quais nada énatural e tudo se volta para o espetáculo pois o lugaré, agora, a própria mercadoria. Segundo a autora, oslugares produzidos não geram a identidade pois estase vincula a um processo de reconhecimento e desentimentos de pertença dos grupos e/ou das pes-soas a os espaços habitados, ou seja, marcados pelapresença e criados pelas histórias fragmentárias epela acumulação do tempo:

Assim, o não-lugar não é a simples negação do lugar, mas

uma outra coisa, produto de relações outras; diferencia-se

do lugar pelo seu processo de constituição e é, nesse caso,

produto da indústria turística que com sua atividade produz

simulacros ou constrói simulacros de lugares, através da não-

identidade, mas não pára por aí, pois também se produzem

comportamentos e modos de apropriação desses lugares.

(Carlos, 1999, p.29)

Os espaços sãomodificados não apenas

em sua aparênciafísica e arquitetônica,mas ressignificados

de acordo com ointeresse e a lógica

da indústria turística.

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Com efeito, na ânsia de experiências diferentes,na busca do “exótico”, homogeneizam-se cidadesinteiras que se tornam réplicas das quais, como numjogo de espelhos, já não se sabe mais qual é o ori-ginal. A homogeneização dos lugares, que traz con-sigo a sua negação enquanto essência, não se dápela simples inserção de elementos da arquitetura(um urbanismo padronizado), mas sobretudo pelapadronização de comportamentos e pelas formasespecificas de apropriação dos espaços. Existemmaneiras especificas de se comportar como turis-tas, formas de “ser e estar”. A forma como maioriadas pessoas se comporta nos locais turístico já épré-determinada pela própria lógica da atividade quepreviamente qualifica os lugares. Todos os locais sãoqualificados e passam a ser dotados de um determi-nado status. Aquele que deseja aventura, aliada àexuberância da natureza, deve dirigir-se à ChapadaDiamantina; quem está interessado em festa vai paraPorto Seguro ou para o carnaval de Salvador; quembusca a diversidade urbana vai a São Paulo, e as-sim por diante, num conjunto infinito de possibilida-des voltadas para atender e gerar gostos e desejosdos mais diversos.

Evidentemente, os elementos que dão consis-tência a essa padronização são dados pelas sin-gularidades e pela matriz cultural dos locais. Po-tencializam-se as qualidades intrínsecas dos lugares,tomando-se por referência os desejos e expectativasdos próprios consumidores. Como conseqüênciadesse processo, a cidade se torna prisioneira da pró-pria imagem, ou seja, ela fica condicionada ao este-reótipo, como foi visto anteriormente. O turista já nãoviaja em busca do desconhecido, mas de estereóti-pos previamente vendidos pela indústria turística,que codifica, classifica e hierarquiza os espaços,ofertando-os em catálogos: “A aventura e a desco-berta da viagem transformam-se em um pacote co-mercial, planejado e vivido antes do tempo” (Ferra-ra, 1999, p. 23).

Assim, o turismo, da forma como vem sendodesenvolvido, não produziria o conhecimento doslugares visitados, posição defendida por Ferrara, queo vê como um deslocamento no tempo, o qual se fazvisível por meios dos signos que o representam, daíadvindo o caráter metonímico da atividade, na qual osdetalhes passam a valer pelo todo: os flashes fotográ-ficos que buscam flagrar os detalhes espaciais; os

monumentos e detalhes urbanos aprisionados noscartões postais.

Partindo de outros pressupostos, Carlos (1999),também compreende o turismo como uma experiên-cia mediatizada e que não gera o conhecimento doslugares visitados, e sim “impressões fugidias quelogo se apagarão”. Segundo essa autora, no mun-do contemporâneo colecionam-se paisagens de lu-gares distantes que não se conhecerá jamais, poiso conhecimento dos locais turísticos se realiza noato da compra e das fotografias, que funcionamcomo “provas empíricas da viagem”:

Aqui o reconhecimento é exterior e dado pela propaganda. O

sentido do conhecer um lugar se transforma ou se realiza no

testemunho da compra: as camisetas e blusas do Hard Rock

Café espalhadas pelo mundo, as inúmeras camisetas, bol-

sas, chaveiros etc. estampando o nome de lugares seduto-

res. (Carlos, 1999, p.33)

O pouco tempo dedicado aos locais de visitaçãoe o controle exercido pelos guias turísticos são fato-res apontados pela autora para a impossibilidadedo conhecimento dos lugares visitados. Estes cor-respondem exatamente àqueles veiculados nas pro-pagandas e peças publicitárias, ou seja, a cidadese transforma em uma ou duas imagens descontex-tualizadas da vivência cotidiana. Esses aspectosapontados por Carlos e Ferrara foram percebidosnas práticas turísticas em Porto Seguro. Para mui-tos turistas, o conhecimento da cidade se realizanas compras e nas fotografias, e muitas das ativida-des e experiências por eles vividas poderiam acon-tecer em qualquer lugar, ou seja, não dependem dascaracterísticas locais. No entanto, é necessário,antes de qualquer coisa, ressaltar que esse não éum padrão único de comportamento, pois há váriostipos de turistas. E apesar do mundo fictício criadopela indústria do turismo e da tendência à padroni-zação dos comportamentos, acreditamos que o con-ceito de não-lugar não dá conta da complexidadedas experiências turísticas, ou seja, do papel queestas desempenham no mundo contemporâneo.Assim, vejamos...

Os turistas que visitam Porto Seguro se relacio-nam entre si, estabelecem, inclusive, momentos decommunitas (Turner: 1974) e, alguns deles, até comos nativos. Um dos motivos da viagem é exatamen-

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te essa possibilidade de contato com pessoas dife-rentes e a perspectiva de viver experiências quefogem à rotina. Eles também desenvolvem um vín-culo, um sentimento com o lugar visitado, ainda queeste seja mediado por um imaginário pré-fabricado.O clima de magia vendido pela indústria turística, talcomo a acomodação prévia da cidade aos desejos eexpectativas dos visitantes, facilita a criação da emo-ção. Assim é que muitos voltam aos locais visitadoscom certa freqüência e, mesmo regularidade.

É claro que os sentimentos dosmoradores para com os espaços dacidade, são diferentes daquelesdesenvolvidos pelos turistas. Paraesses, as ruas, becos, praças, mo-numentos e outras insígnias da cida-de são permeadas de lembranças, desonhos e devaneios, de “espíritos”,como nos diz Certeau (1994). Osmoradores desenvolvem um senti-mento de pertença (Lefebvre:1991),com determinados espaços da ci-dade, que passam a simbolizar ele-mentos da identidade dos grupos oudas pessoas. Poderíamos, então,dizer que os moradores têm uma sensação prousti-ana da cidade, marcada por reminiscências, frag-mentos de tempos e imagens da intimidade; ao pas-so que os turistas têm uma relação mediada porimagens e agentes externos, sobretudo pela indús-tria turística que previamente seleciona e qualificaos locais. Mas isso não impede que se estabeleçamrelações e identidade. Com a permanência na cida-de, mesmo que de poucos dias, é possível construirsuas lembranças, dotar os espaços de significadosou simplesmente confirmar impressões previamen-te elaboradas. Assim, os espaços de Porto Seguronão deixam de ser feitos pelos fragmentos e acú-mulos do tempo. Os lugares são resignificados, masnão deixam de ser lugares, “não se anulam as sin-gularidades e a história local”; essas são transfor-madas, mas não desaparecem.

Nesse sentido, a noção de não-lugar não nosparece muito adequada, pelo menos para o casoaqui estudado, uma vez que este é definido comoum local que não apresenta os aspectos histórico,relacional e identitário, não criando nem identidadenem relação, mas sim solidão e similitude (Augé,

1994). A noção de lugar-mito parece-nos mais ade-quada para o caso de Porto Seguro e de outras cida-des turísticas com características similares. Para tanto,é necessário pensar em mito no sentido barthesianodo termo, como a exploração da possibilidade daimaginação que não se tem franqueada no dia-a-dia. Essa possibilidade remete a um tempo diferen-te do cotidiano, não-cronológico, como o que envolveo sagrado, mas articulável através de um discursoque ratifica a lógica do cotidiano.

Assim como a “representaçãocoletiva” definida por Durkheim, omito para Barthes é um “determina-do social” um “reflexo”, hoje, encon-trado nos jornais, rótulos, propagan-das e mercadorias. No entanto, omito é um reflexo invertido, se asse-melha, nesse sentido, ao conceitode ideologia de Marx :

o mito consiste em transpor a cultura em na-

tureza; ou, pelo menos o social, o cultural, o

ideológico, o histórico em ‘natural’: o que é

apenas um produto da divisão das classes e

de suas seqüelas morais, culturais, estéticas,

é apresentado (enunciado) como ‘evidente por si mesmo’; os

fundamentos absolutamente contingentes do enunciado tor-

nam-se, sob o efeito da inversão mítica, o Bom Senso, o Di-

reito, a Opinião corrente, numa palavra a doxa (Figura leiga

da Origem) (1977:11).

O mito é um fala”; não uma fala qualquer e, sim,uma fala contextualizada socialmente; na contempo-raneidade, não se apresenta em grandes narrativas,“mas em fraseologias” que operam por deslocamen-to. Barthes (1977) nos fala que o importante não éapenas identificar o mito, porque ele está em todolugar; também sua desmitificação já faz parte hojedo senso-comum; o que interessa, agora, é estudar:“de quais articulações, de que deslocamentos é feitoo tecido mítico de uma sociedade de alto consumo(13)”. Os conceitos operatórios do mito já não sãodevido a sua onipresença na atualidade – o signo, osignificante, o significado e a conotação, mas a cita-ção, a referência, o estereótipo” (13).

Citação, referência e estereótipo: eis algumas dasmatérias-primas da nova Porto Seguro, que se trans-formou numa cidade retórica, que está sempre se

Porto Seguro setransformou numa

cidade retórica, que estásempre se referindoa alguma coisa que

se encontra para além “deseus muros”.

A cidade é vendidapelo city marketingcomo um paraíso,

assim comotantas outras

no mercado turístico.

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referindo a alguma coisa que se encontra para além“de seus muros”. A cidade é vendida pelo city mar-keting como um paraíso, assim como tantas outrasno mercado turístico. O discurso turístico em PortoSeguro se baseia, em grande medida, na promessade prazer, do desejo instituído, da transgressão, daquebra de rotina. Instalam-se um tempo e um espa-ço imaginários que respondem a desejos dos quaisas pessoas não podem se ocupar no cotidiano. Adisciplina do corpo vai ser alterada, com a permissi-vidade proporcionada pelos espaços da “desordemordenada”, que permitem admirar o exótico, o que éalheio a nossa sociedade, e experimentar situaçõesdiferentes, ainda que seja necessário um autocon-trole para vivenciá-las.

Um mundo imaginário se descortina nesses es-paços com a combinação de estereótipos e arquéti-pos de diversas partes do planeta. Essas experiênci-as expandem a imaginação que freqüenta novoslugares, mas não provocam o verdadeiro intercâm-bio, o conhecimento mútuo de culturas diversas; aocontrário, reforçam o ocidental como centro do uni-verso: quanto mais distante dele o espetáculo socialcontemplado, menos racional, menos civilizado... Ohomem moderno se permite o contato com o “selva-gem” para, de maneira oposta, reafirmar o discursoque o instala no centro do universo, o civilizado.

As experiências dos turistas pela cidade, em ge-ral, se resumem aos locais pré-determinados poisestes se deixam conduzir pelas teias visíveis ou in-visíveis da indústria turística e acabam aprisiona-dos pelas mesmas. Os turistas não se permitemperder-se pela cidade como se “perdem numa flo-resta”. Não se propõem a desvendá-la como a umenigma. Não se verifica mais o flanar livrementepelas ruas e becos à deriva, e sim, o olhar pré-codi-ficado e condicionado que provoca ilusões de ótica,nas quais se toma o modelo como realidade. Masesse processo é, ao mesmo tempo, condicionantee condicionado e a realidade acaba por se conver-ter no próprio modelo.

A cidade acaba condicionada, presa a uma ou duasimagens que passam a valer pelo todo, mas por de-trás desses “pontos luminosos” coexistem diversascidades “invisíveis”, que narram outras histórias esão povoadas por “outros espíritos”. Não são mun-dos separados, mas interconectados, que, em algunsmomentos, se interpenetram, e em outros, se man-

têm como realidades estanques. “Cidades-vodu”, naconcepção de Harvey (1996), onde a fonte lumino-sa encobre realidades obscuras. Mas os movimen-tos bruscos, os grandes abalos em uma de suasfaces repercutem nas demais, se propagam comoondas sonoras. O mito do paraíso alimenta a proli-feração dos purgatórios, dos infernos particulares ecoletivos.

Assim, Porto Seguro não é só Passarela do Ál-cool, Cidade Histórica, Arraial d’Ajuda, Trancoso,mas também Paquetá, Pontinha, Areial, Cambolô,Cambolinho, Baianão, Paraguai e tantos outros es-paços e loteamentos das periferias, ocupados porpessoas que também vêm em busca do eldorado,do paraíso, não exatamente do prazer proporciona-do pelo entretenimento, mas do trabalho, capaz deconferir uma dignidade mínima de vida, o que namaioria das vezes não se realiza.

Notas

1 Este artigo é fruto da dissertação “Éden terrestre: a constru-ção social de Porto Seguro como cidade turística”, defendidapela autora, em março de 2001, no Programa de Pós-Gradu-ação em Ciências Sociais (PPCS) da Universidade Federalda Bahia (UFBA). Agradecimentos especiais a Ordep Serra,doutor em antropologia e professor do PPCS, e CristianeSouza, aluna do PPCS, pelas sugestões e comentários dotrabalho original.

2 A relação entre urbanização e turismo tem sido estudada porautores como Mullins (1991).

3 Entre 1991-2000, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, muni-cípio vizinho, registraram as maiores taxas de crescimentodemográfico entre os municípios baianos, respectivamente11,94% e 15,49% ao ano. Embora ainda não seja possívelmensurar com precisão a contribuição dos movimentos mi-gratórios no total do crescimento demográfico dos municípi-os, pode-se inferir que estes respondem por cerca de 67% e87,0% do crescimento. Tal suposição tem por base a tendên-cia geral de redução dos índices de fecundidade e, em me-nor escala, de mortalidade, ocorrida em todo o país e, parti-cularmente, no Estado da Bahia. Segundo análises da SEI,entre 1990-2001, o crescimento vegetativo (resultante do jogoconjugado da fecundidade e da mortalidade) dos municípiosbaianos estaria variando entre 1,0% a 2,0% ao ano. Sendoassim, o diferencial entre esses valores e a taxa de cresci-mento total apresentada pelos municípios deverá correspon-der à contribuição do saldo migratório. Porto Seguro possuiatualmente 95.665 habitantes (IBGE: 2000), corresponden-do ao 14o município baiano em termos de contingente demo-gráfico; Santa Cruz Cabrália conta com 23.880 habitantes(IBGE: 2000).

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4 Ordep Serra (1995) chama a atenção para os aspectos ide-ológicos da utilização do conceito de exótico em nossa so-ciedade, sempre tomado por oposição aquilo que não é eu-ropeu.

5 Ver Barthes (1993) e (1977).

6 Sobre o discurso publicitário, ver Alves (1998).

7 A idéia do simulacro é desenvolvida, por Baudrillard, a partirda distinção entre simulação e representação. Esta parte deum princípio de equivalência entre o signo e a realidade, “mes-mo se esta equivalência é utópica, é um axioma fundamen-tal”. A simulação, por sua vez, parte do princípio da “negaçãoradical do signo como valor, parte do signo como reversão eaniquilamento de toda a referência” (1991:13).

8 Forma pela qual as pessoas chamam uma das ruas maismovimentas, dedicada exclusivamente ao comércio e pres-tações de serviços numa alusão à Broadway, em Nova York.

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*Ivana T. Muricy é socióloga e mestre em Ciências Sociaispela UFBA, técnica da Gerência de Estudos Sociais

(GESO) da SEI, professora da Universidade Católica doSalvador e das Faculdades Jorge Amado.

E-mail: [email protected].

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194 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.194-197 Setembro 2001

Na primeira cena do filme Tieta do Agreste (1996),vemos Jorge Amado lendo o primeiro capítulo doseu romance, publicado em 1977 e adaptado parao cinema, quase 20 anos depois, por Cacá Diegues.Diz Amado: “Começo por avisar, não assumo qual-quer responsabilidade pela exatidão dos fatos, nãoponho a mão no fogo, só um louco o faria. Não ape-nas por serem decorridos mais de dez anos, massobretudo porque verdade cada um possui a sua,razão também e no caso em apreço não enxergoperspectiva de meio termo, de acordo entre as par-tes”. Começa assim afirmando o autor, já desde oinício, que não responde por nenhuma verdade porinteiro, já que cada um tem a sua, e razão também.Desse ponto de vista, Amado autoriza Diegues acontar sua história de Tieta à vontade.

Temos aí uma marca de Jorge Amado comonarrador. O exímio contador de histórias, que co-meça sua carreira literária aos 19 anos com a publi-cação de O País do Carnaval (1931), segue con-tando histórias que vão levando a outras históriasque levam a outras histórias, durante quase 70 anosde sua atividade como escritor. O resultado é quequando você vê, já está longe da trama principal,envolvido num mosaico de histórias, que são asvárias vozes dos personagens e tipos baianos vi-vendo no tempo seus dramas e conflitos. Essaurdidura polifônica, ressaltada por vários e diversoscomentadores e críticos de Amado, é lida quasesempre como “sua extrema transparência em faceda linguagem popular de sua cidade e de seu país”(Sarduy, citado por Risério, 2001, p.3); ou ainda, “as

figuras homéricas de Amado dispensam o aprofun-damento interior – elas são míticas, representativase simples” (Oswald de Andrade, 2001, p.6); ou en-tão, como “uma utilização emocionante dos temasfolhetinescos, um abandono à vida no que ela temde excessivo e desmesurado” (Camus, 2001, p.7),ou mesmo, como diz Antonio Risério (2001, p.3):“Amado conseguiu compreender, falar e rezar nalíngua de seus ancestrais. Isso vale mais do quetudo”.

Mais próximo do modo de funcionamento dasnarrativas orais, com seu apelo à presença e a atuali-zação da história por quem viu ou ouviu os fatos, ashistórias de Amado podem ser pensadas como ummosaico, um modelo de correspondências secretasque incluem cheiros, falas, imagens e gestos, sesoltando quase sempre de um ponto de vista linear,central, de quem sabe de tudo, de quem é o donoda história. Alguém já usou a imagem de “cavalo desanto” para definir Jorge Amado.

Como um antropólogo do universo baiano, ummestre das passagens, Amado passa entre a litera-tura e a realidade baiana, fazendo de sua experiên-cia particular um modelo de “ser brasileiro”, comosugere Lilia Schwarcz (2001, p.11). É ela ainda queafirma:

... para Amado, convivência não quer dizer ausência de con-

flito; mistura não é sinônimo de falta de hierarquia. Ao contrá-

rio, esse universo complexo está todo lá: a pobreza, os

coronéis e seus jagunços, a boemia, a religião que mistura

santos católicos com orixás africanos. Assim como é certo

Amado e os rituais de passagem –

literatura e cinema

Rita Lima*

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que a mistura, seja cultural, religiosa ou biológica, ainda não

se realizou entre nós de forma harmoniosa, é evidente que

Amado – agora xamã – nos confunde com o mistério da lite-

ratura. Quem embarcar nessa viagem terá dificuldade em di-

zer quando começa o mito e se apaga a realidade ou quando

a vida real vira metáfora.

Grande pregador da idéia da mestiçagem, JorgeAmado passeou entre os contrastes brasileiros emais especificamente baianos, dizendo sempre, deuma forma ou de outra, que o mun-do deve ser lido como um folhetimpolifônico, onde cabem várias ver-sões, varias vozes. Quero aproximaraqui a idéia de polifonia àquela demestiçagem, duas imagens ambí-guas, idéias de passagem, ambasguardando no bojo formas mais am-plas de pensar verdade e diversi-dade. E é essa qualidade de xamã,de mensageiro, de quem entra e saide vários mundos, que se transferepara a adaptação de sua obra nocinema.

Tieta do Agreste, o filme

Mas vamos à história. O enredo de Tieta cabe empoucas linhas: “Aos 14 anos de idade, Tieta é expul-sa pelo pai de sua cidade natal, por falta de decoro.Vinte e seis anos depois, ela volta rica e famosa deSão Paulo, onde morava desde então, na compa-nhia de uma jovem protegida, e é recebida comoheroína por toda Sant’Ana do Agreste. Seu pai e suairmã tentam explorá-la ao máximo, mas uma repenti-na paixão pelo sobrinho e a revelação da verdadeiraorigem de seu dinheiro, acabam gerando um novo edefinitivo escândalo.” Essa é a versão seca do ro-mance de mais de 700 páginas de Jorge Amado, re-sumida na sinopse do filme.

Tieta foi o décimo-terceiro longa-metragem deCarlos Diegues, o Cacá, alagoano que cresce na mecado sonho brasileiro, o Rio de Janeiro ou a cidademaravilhosa. Dono de uma filmografia extensa, Cacároda oficialmente seu primeiro longa metragem,Ganga Zumba, em 1963, e segue filmando até hoje.Seu mais recente projeto para o cinema é Deus éBrasileiro, baseado em conto de João Ubaldo, es-

critor baiano, também roteirista de Tieta. Entre seusfilmes mais conhecidos, se destacam A Grande Ci-dade (1965), Joanna Francesa (1972), Xica da Sil-va (1976), Chuvas de Verão (1978), Bye Bye Brasil(1980), Quilombo (1984), Veja Esta Canção (1993),Tieta do Agreste (1996) e Orfeu (1999).

Se quisermos apresentar Tieta de forma triunfal,podemos começar assim: “Depois de bons vinteanos em que os direitos da adaptação trocaram demãos, de quase ter sido estrelado por Sophia Loren

sob direção de Lina Wertmuller, o ro-mance de Jorge Amado, Tieta doAgreste, chega ao cinema. E che-ga em grande estilo, com SôniaBraga e Marília Pera à frente de umelenco de 70 atores, numa produ-ção de cinco milhões de dólares,filmada na Bahia sob a batuta deDiegues. Graças à Lei do Audiovi-sual, que incentiva o investimentoem produções de cinema e TV,montou-se uma co-produção inter-nacional que inclui a produtora bra-sileira Skylight, o Banco Real, aamericana Columbia Pictures e adistribuidora francesa UGC.” É, o

filme Tieta foi uma superprodução para nossos pa-drões de produção e também um dos filmes queestiveram nos inícios de mais uma retomada docinema brasileiro, esta em que nos encontramosagora.

Mas voltemos às correspondências, às passa-gens. Entre Amado e Diegues, se compararmossuas obras, veremos que as temáticas se afinam.Para os dois, de modos diversos, é claro, a históriado povo brasileiro, suas vozes, emoções, dores eamores, foram sempre a idéia central de onde par-tiram e para onde retornaram. Ouçamos Diegues(2001), comentando o filme na época do seu lan-çamento na imprensa: “Na essência, os persona-gens de Tieta expressam uma angústia contempo-rânea – a dificuldade de viver e sobreviver em meioa tantas contradições. Sant’Ana do Agreste é umametáfora muito clara de uma condição brasileira:todo mundo está mentindo o tempo todo. E embo-ra o filme não fale de aspectos específicos do Bra-sil de hoje, apresenta um quadro de contradiçõeshistóricas, como cordialidade e hipocrisia, arcaís-

Grande pregadorda idéia da mestiçagem,Jorge Amado passeou

entre os contrastesbrasileiros e mais

especificamente baianos,dizendo sempre,

de uma formaou de outra, que o

mundo deve ser lidocomo um folhetim

polifônico, onde cabemvárias versões,varias vozes.

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196 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.194-197 Setembro 2001

mo e modernidade, progresso e atraso, violênciamoral e física.”

Como metáfora, como uma imagem que achasintonias, se expande, as histórias amadianas atu-am quase como um panfleto, contra uma certa ima-gem da nossa condição brasileira, que odeia con-trastes e polifonias. Uma imagem que vê comdescrédito e desprezo o cruzamento racial e todasas misturas que daí surgem. Em Jorge Amado, aocontrário, tudo parece ter resultado da mistura: asculturas, as religiões, os sangues das raças. Nãoseria exagero aproximarmos a visão de Amado eDiegues, na forma de afirmar uma imagem do povobrasileiro do ponto de vista das misturas. É no elo-gio desse ser brasileiro, como foco principal de suasnarrativas, que os dois se encontram. É CacáDiegues (2001) que afirma: “Só vejo uma esperan-ça para o cinema brasileiro: ser brasileiro. Ou faze-mos uma coisa que só nós sabemos fazer ou nãotem sentido fazer cinema”.

E as correspondências continuam. Desde AGrande Cidade, passando por Joana Francesa, osfilmes de Cacá Diegues têm um ponto de vista femi-nino forte. O mesmo, encontramos em Jorge Ama-do. Em Tieta temos o ponto de vista de quatromulheres – Tieta (Sonia Braga), Perpétua (MaríliaPera), Leonora (Cláudia Abreu) e Carmosina (ZezéMotta). Podemos aproximar Tieta de Xica da Silvae, talvez, também de Bye Bye Brasil, que Dieguesconsidera extremamente amadiano pela sua odis-séia pelos tipos e vozes brasileiros.

A narração

Mas vamos à estrutura dramática de Tieta. Jásublinhamos que a estrutura dramática da Tieta deJorge, se faz como um mosaico, onde por hora per-demos o pé do fio narrativo principal, para nos per-dermos em outras histórias que vão dando voz eespaço aos tipos do povo baiano. Jorge Amado nospropõe uma leitura intrincada e complexa das rela-ções dos personagens de Tieta. São várias históri-as que vão sendo contadas, entre idas e vindas doautor, pelos dramas dos habitantes de Sant’Ana doAgreste, pela trama do regresso de Tieta, pela bea-tice do sobrinho donzelo, pela chegada do progres-so na pacata cidade, traçando um painel de cidadedo interior baiano, típica da obra de Amado.

Já no filme, temos uma estrutura dramática linear,costurada a partir do ponto de vista de Tieta e dasua relação com a família. O drama do retorno dafilha pródiga, escorraçada pelos interesses mesqui-nhos da família 26 anos atrás, seu retorno triunfal, apaixão pelo sobrinho, sua vida secreta como prosti-tuta de luxo em São Paulo, e a revelação final, é atrama central da Tieta de Diegues. E é nela quepassamos as duas horas do filme. A opção de ten-tar focar no personagem da Tieta e nas coisas quetivessem a ver diretamente com ela, principalmentea família, foi dos roteiristas João Ubaldo e CacáDiegues, provavelmente para resumir da forma maisamadiana possível as 700 páginas de Amado, semperder o foco sintético do formato do cinema. Anto-nio Calmon ajudou na última versão de Tieta para ocinema. Se quisermos uma tipologia para Tieta, po-demos dizer que ela se aproxima de uma comédiaromântica de costumes.

A direção de arte, assim como a música, cum-prem um papel narrativo importante no filme. Dialo-gando com imagens da pintura e escultura brasilei-ra, o visual de Tieta, inspirado na tela “Bandeira doBrasil”, de Volpi, opera com imagens estilizadas doBrasil. Além do quadro de Volpi, quadros e escultu-ras de pintores e escultores baianos, amigos e ilus-tradores dos livros de Jorge Amado, como CalazansNeto, Mário Cravo, Floriano Teixeira, Carlos Bastose Carybé, fazem parte dos cenários do filme. Con-ta-se que Diegues se interessou tanto por um qua-dro de Calazans Neto, citado por Jorge como fa-zendo parte da parede da Prefeitura de Sant’Anado Agreste, que o pintor resolveu criá-lo segundo adescrição de Jorge Amado, já que o quadro na ver-dade não existia.

Diegues declarou que a opção pela estilização daimagem de Tieta foi uma forma de reproduzir, no cine-ma, as estruturas, cores e atmosfera de uma determi-nada pintura brasileira dos anos 1930 e 1950. Umaespécie de cenário art-nouveau nordestino, com suascores fortes, contrastadas. O trabalho do Edgar Moura,fotógrafo, e da Lia Renha, cenógrafa, foi essencial parachegar a esse resultado. Também o figurino de OcimarVersolato para Sonia Braga investe nesse conceito desaturação. O universo kitsch da imagem associado aoreferente interiorano do enredo cria uma forma de iden-tificação farsesca para a recepção do filme. A Tieta deDiegues não trabalha com uma leitura naturalista do

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romance de Amado. Desse ponto de vista podemospensar também na construção narrativa de Dieguescomo um mosaico, com várias camadas de leituras,cada uma com sua relação tempo/espaço própria, suaschaves de acesso.

A música também trabalha com um mundo dereferências e citações que transcendem o universodo romance de Jorge, mas que continuam a dialo-gar com a sensibilidade da arte brasileira. CaetanoVeloso responde pela criação da trilha sonora dofilme. Além das músicas, todos os efeitos, vinhetas,pontuações das cenas, foram pensados e produzi-dos por ele em parceria com Diegues. A trilha deCaetano e Diegues contou ainda com arranjos e re-gências de Jacques Morelenbaum. A música deTieta foi pensada como elemento narrativo, e nãocomo um elemento que apenas sublinha tensões eacontecimentos. Segundo Diegues, a orientação dodesenvolvimento da cena, antes mesmo de ser fil-mada, era pensada em conjunto com a música.

Além das músicas de Caetano para o filme, te-mos um trabalho de pesquisa valioso, realizado peloregente baiano Fred Dantas. Nas cenas de bandi-nhas nas praças de Sant’Ana do Agreste, ou mesmono Natal, temos a presença do Bumba de Reis, gru-po folclórico que preserva as características origi-nais dessa dança popular no sertão baiano. Alémda Filarmônica de Aramari e do Reisado de Reis daEstrela Encantada. Na cena do Te Deum do AnoNovo na Igreja de Sant’Ana, a canção sacra Provade amor é cantada por Virgínia Rodrigues, cantorae atriz do Grupo de Teatro Olodum.

Entre a farsa e a criação

Sant’Ana do Agreste nunca existiu – foi criadapela imaginação de Jorge Amado, que recorreu àmemória de diversas cidadezinhas do interior daBahia. Cacá Diegues e sua equipe recriaram a ci-dade em Picado, distrito de Conceição do Jacuípe,a 20 minutos de Feira de Santana. As cenas litorâne-as foram realizadas em Mangue Seco, vila de pes-cadores na foz do Rio Real.

Depois de dez semanas de filmagens, nasceuTieta, filha de pai brasileiro, uma mistura de baiano,alagoano, carioca, e quem sabe mais quantas, e mãesvárias. Todas também bem brasileiras, mulatas, cabo-verde, branquinhas, com cara de índia, etc.

No final, e para não duvidarmos do que acaba-mos de presenciar, uma voz reaparece para ler aúltima frase do livro. É Jorge, autorizando a mistura,a polifonia. Diegues, por sua vez, aumenta o coro,homenageando Amado dentro do próprio filme. Re-pare com atenção e veja se reconhece vários per-sonagens de outros enredos amadianos inseridosna trama do filme. Talvez você ache Dona Flor e seusdois maridos no teatro de bonecos no pátio do Co-ronel, ou Quincas Berro d’Água, como o freguês quegrita por água no botequim da cidade, quem sabeJubiabá, no velho negro que dá uma figa para pro-teger o menino negro. Não esqueça: são várias his-tórias dentro de histórias que vão dar em outrashistórias, até sei lá aonde, até o infinito das passa-gens de Jorge como o xamã negro, branco, mulato,índio, das histórias da Bahia.

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*Rita Lima é doutora em Comunicação e Semióticapela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;

professora da Faculdade de Letras e Artes da Universidadede Feira de Santana (Feira de Santana) e do Curso de

Cinema e Vídeo da FTC (Salvador).E-mail: [email protected].

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198 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.198-200 Setembro 2001

Por que uma cidade que solta touros atrás dosseus visitantes recebe tantos turistas?

Pamplona é uma cidade espanhola localizada naprovíncia de Navarra, no norte do país, próximo aoPaís Vasco. A Espanha é um dos principais desti-nos turísticos do mundo, mas, em pleno mês de ju-lho, a atenção dos turistas se volta para um deter-minado santo, San Fermín, e a cidade de Pamplonatorna-se palco de uma das festas mais conhecidase, ao mesmo tempo, mais sui generis do país: LosSanfermines.

A chegada

Tive que comprar o bilhete de ônibus ainda emMadrid, com uma semana de antecedência, e creioque dei sorte em encontrar. Na estação, os avisosluminosos deixavam claro o destino da maioria dosque estavam ali: Pamplona. Havia mais de dez ôni-bus deixando a estação, só no horário de 19:30h.Pelos corredores, uma dezena de pessoas circula-va com lenços vermelhos amarrados ao pescoço,preparadas para desembarcar em plena festa. Omotorista do ônibus nunca havia feito o trajeto Madrid-Pamplona e, no meio da confusão de carros queinvadia a cidade, fiquei meia hora perdida procu-rando a estação de chegada.

Quem chega a Pamplona em qualquer outra épo-ca do ano, encontra uma cidade calma, tranqüila e,de certo modo, até provinciana. É habitada por fa-mílias, aposentados e estudantes da Universidade

de Navarra. Quem chega em plena sexta-feira deabertura dos Sanfermines, encontra um caos frené-tico de pessoas cruzando as ruas, fazendo botelhões(preparando enormes quantidades de bebida paraserem consumidas fora dos bares), vendendo ca-misas da festa, lotando as barracas de comida ebebida rápidas ou buscando os escassos alojamen-tos. Praticamente todos vestidos de branco com umlenço vermelho no pescoço. Trata-se de um caospadronizado. Na fila do banheiro um senhor tratavade explicar o porquê da roupa. San Fermín morreudecapitado, por isso o lenço vermelho. Quanto àroupa branca, há muita discordância, mas a versãooficial fala dos turistas endinheirados que visitavama festa atraídos pelas narrações de Hemingway esempre usavam paletós brancos. A partir de então,quase todos começaram a usar roupas brancas.

A festa

Pamplona ganha um ar diferente e, durante osdias de festa, a exceção vira regra e todos se per-mitem fazer coisas distintas, pequenas loucurascomo, por exemplo, correr diante dos touros. A cor-rida acontece pela manhã, bem cedinho, depois quetodos já se embebedaram bastante durante a noitee a madrugada, o que aumenta o perigo e a emo-ção. Pela noite, as pessoas se reúnem nas praçase varandas de bares para beber, conversar e pa-querar, ou simplesmente buscam um bar fechadoonde haja música. Pelo bairro histórico, cada bardispõe de uma seleção sonora que passa pela mú-

O carnaval de Pamplona

Carla Guimarães de Andrade*

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sica espanhola, latina, tecno (bacalao como se dizpor aqui), rock e funk. As pessoas se amontoampelas ruelas da cidade antiga, passando de bar embar. Na cidade moderna está montado um parquede atrações com montanhas russas e lançadeiras.Nas praças, em grandes palcos, diversos grupos serevezam em apresentações durante a tarde e a noi-te. Os “Fabulosos Cadilacs”, um fantástico grupomusical argentino, estava anunciado para se apre-sentar, assim como “Tony Maneros Band”, um grupocatalão de funk, sem falar nos grupos de punk rock ebandas de salsa. É uma verdadeira mescla demo-crática de sons.

Pelas barracas, além das promoções, cartazespolíticos e reivindicações, “estamos festejando, masisso não é um mero ‘pão e circo’, os olhos continu-am abertos”. Pela proximidade com o País Vasco,encontrei até um bar Etarra, onde uma banda can-tava em euscadi. Perguntei o que dizia a letra, “unachorrada nacionalista”, responderam cochichandoem meu ouvido, tradução: “uma bobagem naciona-lista qualquer”. O bar era habitado por punks e jo-vens pró-ETA, dando mais diversidade à festa.Verdade seja dita, tanto no País Vasco, quanto emNavarra, o nacionalismo não é visto da mesma ma-neira como em Madrid. E apesar de se tratar de umtema nebuloso, como o terrorismo, em nenhum mo-mento tive a menor sensação de insegurança, sejapor temer bombas ou meros batedores de carteiraque, ao que parece, não compareceram à festa.

Os touros

Depois de dançar pelas praças, girar na monta-nha russa, tomar mojitos ou sangrias, conhecer pes-soas e desamarrar o lenço vermelho do pescoço,buscando um pouco de ar, ainda há uma cansativatarefa a fazer: buscar espaço pelas esquinas paraacompanhar, atrás da barreira de proteção, a corri-da de touros. Claro que você também pode acom-panhá-la de pertinho, do meio da rua, no trajeto, cor-rendo diante dos chifres e sentindo o bafo quenteno pescoço, só depende de você, da sua coragemou do seu estado de embriaguez...

Atrás das barreiras cada espaço é disputado eapenas alguns afortunados conseguem ver a corri-da, seja das janelas e balcões alugados especial-mente para o evento e que lhe dão uma visão direta

da rua, seja de lugares estratégicos pelo trajeto; maspara conseguir esses lugares é preciso chegar ain-da de madrugada e não sair nem para ir ao banhei-ro. Ou, por um golpe de sorte, encontrar um lugarideal que ninguém tenha visto antes. Não posso di-zer que vi os touros, mas escutei seus cascos ba-tendo desordenadamente pelos paralelepípedos dasruas e vi suas patas levantando a poeira, enquantoos pés, normalmente protegidos por tênis, corriamdesesperados diante dos cascos. Alguns pés pare-ciam recém-saídos de um desenho animado, em queo personagem corre um pouquinho no mesmo lugarantes de ganhar velocidade para se deslocar. O de-sespero faz coisas que ninguém acredita se não vê.Depois assisti à corrida pela televisão e, aí, pudever tudo e com detalhes. No primeiro dia, uma turis-ta americana sofreu uma perfuração de chifre nacoxa e um espanhol, no peito, quase no coração,mas não houve nenhum morto.

Confesso que não entendo o que faz uma pes-soa correr diante de um animal tão grande e tãoperigoso, mas uma coisa devo confessar... Trata-sede uma idéia tão estapafúrdia, tão louca e tão dife-rente, que os minutos que antecederam a corrida,até a chegada dos touros, foram momentos de curi-osidade e excitação únicos, que não poderia des-crever. Talvez essa seja a resposta, talvez não.Talvez cada um tenha sua resposta particular e nemsempre muito lógica ou racional, mas, ainda assim,uma resposta. Como disse um amigo mexicano, quecorreu diante da manada: “foi a coisa mais diferenteque já fiz”. E aí está. Como a própria tourada, a cor-rida de touros também tem muito a ver com nossolado mais primitivo, com a exaltação do homem for-te, do homem que desafia a besta. Às vezes se ga-nha, às vezes se perde.

O outro dia

Com o sol já brilhando forte no céu, é hora detomar um delicioso café da manhã, melhor dizendo,disputar um café da manhã nas cafeterias da cida-de, que abrem logo depois da corrida, deixando umcheirinho de pão quente e café feito na hora pelo ar.Eu tive sorte de ficar na casa de um casal amigo,que estuda em Navarra. Outros amigos, menos afor-tunados, tiveram que dormir sobre a grama, pelosparques da cidade. Mas eles não foram os únicos.

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200 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.2 p.198-200 Setembro 2001

Todos os parques e cada pedaço de grama ficamtomados por pessoas que não encontram alojamentoe estão dispostas a dormir na rua para não perder afesta. Não posso recriminá-los nem pela falta de hi-giene, pois “Los Sanfermines” é uma festa única,trata-se de uma deliciosa suburra, um ritual das ba-cantes, orgia de sons e cores, caos padronizado,premiados dias de exceção em que se divertir é aúnica regra, apoteose de Baco, meio homem, meiobicho, rei do vinho (in vinus veritas), e, é claro, trata-se também de uma festa de origem católica...

As pessoas voltam a despertar para a festa já nomeio da tarde, quando o cheiro de urina fermentadae vômito ainda revolve os estômagos mais frágeis,enquanto os funcionários da prefeitura limpam asruas, fazendo parecer que a noite anterior foi umsonho, que não aconteceu, que não houve festa, jáque a cidade está como antes. Um sonho carnava-lesco em plena Espanha. E já que o mito de Orfeu édo carnaval, que ao menos Morfeu, deus do sono edos sonhos, seja dos Sanfermines.

O que leva tanta gente a Pamplona pode ter umaexplicação mais intelectual, como ver ao vivo o quenarra Hemingway, ou mais prática, como verificar asegurança e organização da festa, ou, a mais socio-lógica, como viver a mescla cultural e, ao mesmo tem-po, penetrar na mais pura Espanha dos touros e festascatólicas, ou a mais aventureira, como desafiar asbestas com cascos, ou a mais simples, como beberaté não poder mais, ou a mais lúdica, como se per-mitir viver fantasias e sair do padrão cotidiano ou,mesmo, a mais insólita, como despertar um dia emum pedaço úmido de grama, sentindo um cheiro,nem sempre agradável, de fim da festa, e sem saberao certo o que passou e o que, diabos, se está fa-zendo ali! Seguramente, não importa o motivo, próxi-mo julho, os sinais luminosos da estação rodoviáriade Madrid voltarão a anunciar a saída de dez ônibuspor hora, com um único destino: Pamplona.

*Carla Guimarães de Andrade é graduada emComunicação Social e pós-graduada em Marketing,

escritora e roteirista. Reside atualmente em Madrid ondecursa o Mestrado em Roteiro de Cinema.

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