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Governo do Estado da BahiaCésar Borges

Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia

Luiz Carreira

Superintendência de EstudosEconômicos e Sociais da Bahia

Cesar Vaz de Carvalho Júnior

BAHIA ANÁLISE & DADOS é uma publi-cação trimestral da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEI, autarquia vinculada à Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia da Ba-hia. Divulga a produção regular dos téc-nicos da SEI e de colaboradores externos. As opiniões emitidas nos textos assinados são de total responsabilidade dos autores.

Conselho EditorialCesar Vaz de Carvalho Júnior

Paulo Hermida GonzalezEdmundo FigueroaRenata Proserpio

Ângela FrancoConceição CunhaCarlota Gottschall

EditoriaCarlota Gottschall

RepórterCristiana Serra

InformáticaOctavio Augusto de Oliveira Filho

NormalizaçãoGerência de Documentação

e Biblioteca GEBI

EditoraçãoDesigners Associados

Tiragem: 1.000 exemplares

Av. Luiz Viana Filho, 435, 4ª Avenida CEP: 41.750-300 Salvador - Bahia Fone: (0** 71) 370-4823/370-4704

Fax: (0** 71) 371-1853

http://www.sei.ba.gov.bre-mail: [email protected]

Bahia Análise e Dados, v.1 (1991- ) Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 1999.

TrimestralISSN 0103 8117 CDD 338.91 CDU 338.984

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disseminação da Cultura do Consumo parece ser um consenso neste final de século. O estilo atual

do capitalismo, pautado na lógica do efêmero e na sociedade de redes, é produto de alguns fatores Aque parecem ser inquestionáveis - crescimento das cidades, elevação do padrão de vida, diversifica-

ção das mercadorias, aumento do consumo de serviços e lazer, globalização das empresas transnacionais,

difusão dos meios de comunicação e informação, dentre outros.

Por outro lado, a capacidade de indivíduo galgar o status de cidadão está, cada vez mais, relacionada à sua

possibilidade de consumir. Assim sendo, pode-se supor que a integração social está diretamente relacionada

ao conjunto mínimo de bens que o indivíduo deve possuir para que possa receber o "título de cidadão da

sociedade de consumo".

Nesse processo de disseminação de produtos, o desenvolvimento das novas tecnologias tem tido um papel

crucial. Entretanto, se esses avanços têm propiciado uma inquestionável melhoria na qualidade de vida da

Humanidade, têm também agudamente acentuado as desigualdades procedentes do desenvolvimento

capitalista.

Com o intuito de tentar elucidar este momento de profundas transformações, a Bahia Análise & Dados

agrupou artigos que abordam diversos aspectos do debate ligado ao consumo. Acreditamos que a discussão

conceitual relativa à cultura da sociedade de consumo e ao papel da publicidade nesse processo venha

contribuir em muito para uma compreensão mais profunda dos diversos tipos de relações que vêm sendo

estabelecidas neste final de século.

Na era informacional, as redes mundialmente implantadas têm evidenciado a importância da assunção local.

Assim, entender como Salvador vem se movimentando nesse contexto é uma proposição no mínimo intrigan-

te. Nesta publicação, tentamos averiguar diversos aspectos ligados à cultura do consumo que, de alguma

maneira, retratam a convivência plural desse espaço-cultural. Confira os artigos agrupados no bloco Salvador:

a imagem do consumo.

Também não poderíamos nos eximir da discussão a respeito da influência transformadora das novas tecnolo-

gias nas referências de consumo. Parece consenso entre os articulistas aqui presentes, o caráter revolucioná-

rio do comércio eletrônico. Dentre os vários fatores positivos arrolados, podemos citar como sendo os de

maior destaque a capacidade de gerar novos negócios e a interatividade. Outra importante discussão é a da

oferta de produtos resultantes da engenharia genética - os alimentos transgênicos.

Os direitos do consumidor não poderiam ser preteridos nesse debate. Se, é inquestionável a tomada de

consciência da sociedade brasileira quanto aos seus direitos, seu exercício é ainda incipiente se comparado à

pressão exercida pelos cidadãos residentes nos países de primeiro mundo. As redes reais e virtuais de

conexão são importantes instrumentos de defesa dos indivíduos, diante do incalculável poder das organiza-

ções econômicas e políticas. Vejam os diversos aspectos abordados no bloco Direitos do Consumidor.

Cumpre-nos, por fim, agradecer a gentil contribuição dos vários autores que participaram desta edição,

sobretudo a generosidade do professor visitante Mike Featherstone da Nottinghan Trent University, Inglaterra,

garantindo-lhe a pluralidade e o aprofundamento do debate.

APRESENTAÇÃO

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Governo do Estado da BahiaCésar Borges

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Superintendência de EstudosEconômicos e Sociais da Bahia

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Conselho EditorialCesar Vaz de Carvalho Júnior

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InformáticaOctavio Augusto de Oliveira Filho

NormalizaçãoGerência de Documentação

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Av. Luiz Viana Filho, 435, 4ª Avenida CEP: 41.750-300 Salvador - Bahia Fone: (0** 71) 370-4823/370-4704

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http://www.sei.ba.gov.bre-mail: [email protected]

Bahia Análise e Dados, v.1 (1991- ) Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 1999.

TrimestralISSN 0103 8117 CDD 338.91 CDU 338.984

CEPO: 0110

CULTURA DO CONSUMO

A Autonomização da Esfera Cultural ..................................................................................................... 8Mike Featherstone

A Publicidade à Luz da Semiótica das Paixões ..................................................................................... 23Sônia Regina de Araújo Caldas

João Antonio de Santana Neto

SALVADOR: A IMAGEM DO CONSUMO

Cultura do Consumo: vários mundos em uma cidade ........................................................................... 30Carlota Gottschall

"A Imagem Diz Tudo?" O espaço urbano como objeto de consumo ..................................................... 39Natália Miranda Vieira

Quem Botou Grife no meu Acarajé? Uma reflexão sobre a identidade nacional ................................... 45Márcia Rios

Consumo Cultural na Bahia .................................................................................................................. 47por Cristiana Serra

Profissionalizando o Mercado Cultural: a experiência da Facom / UFBA .......................................... 50

Aquisição de Bens de Consumo Duráveis na RMS ............................................................................... 51Luiz Mário Ribeiro Vieira

POF/IBGE - Pesquisa de Orçamento Familiar / IBGE ....................................................................... 57

Indicadores de Consumo na Bahia/Gazeta Mercantil ............................................................................ 60

AS NOVAS TECNOLOGIAS MUDAM O CONSUMO

Engenharia Genética e a Oferta de Novos Produtos para o Consumo ................................................. 66Entrevista: Mitermayer Galvão dos Reis

A Bahia Realiza Pesquisa em Genética / Embrapa ........................................................................... 70

Do Comércio Eletrônico às Comunidades de Negócios ........................................................................ 71Cláudio Cardoso

Comerciantes Baianos Investem no Comércio Eletrônico ................................................................. 77

A Economia do Comércio Eletrônico - Dejà Vu ou Revolução .............................................................. 79Paulo Henrique de Almeida

DIREITOS DO CONSUMIDOR

A Geração de Resíduos: a face perversa do consumo ......................................................................... 84Maria Gravina Ogata

Consumo de Alimentos de Rua em Salvador: o que é que a baiana/(o) tem? ...................................... 89José Ângelo Wenceslau Góes

Defesa do Consumidor ........................................................................................................................... 93por Cristiana Serra

Agências Reguladoras da Concorrência: o setor elétrico brasileiro ....................................................... 96Daniella Azeredo Bahiense

Índice Geral ............................................................................................................................................ 100

SUMÁRIO

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8 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.8-22 Setembro, 1999

A Autonomização daEsfera Cultural*

Mike Featherstone**

Ateoria da racionalização e da diferenciaçãocultural, de autoria de Max Weber, é bemconhecida. Para Weber, o desenvolvimento

da modernidade não só implicava um longo pro-cesso de diferenciação da economia capitalista edo estado moderno, como também envolvia umaracionalização cultural, com a emergência de esfe-ras separadas, científicas, estéticas e de valoresmorais. A discussão de Weber (1948c) em torno dadiferenciação da esfera cultural, a partir de um nú-cleo mais rudimentar, holístico, religioso, cultural, éconduzida em alto nível de abstração. EmboraWeber proporcione rápidos vislumbres do modosegundo o qual cada aspecto da esfera cultural éincessantemente conduzido por sua própria lógica,sobre a maneira pela qual os valores se relacionamcom o estilo de vida e a conduta e as tensões expe-rimentadas pelos intelectuais, o �homem cultivado�e os especialistas culturais, seu principal objetivoera delinear uma tipologia (Weber; 1948c:323-4;este aspecto do trabalho de Weber será discutidomais amplamente no próximo capítulo). Discus-sões mais amplas sobre a esfera cultural são en-contradas nos escritos de Bell (1976) e Habermas(1984a); é necessário fundamentarmo-nos nessasfontes se pretendermos entender a conjunção par-ticular da cultura nas sociedades ocidentais con-temporâneas. Com efeito, precisamos investigar ascondições para o desenvolvimento da esfera cultu-ral, enfocando determinadas seqüências e localiza-ções históricas. Em primeiro lugar, temos de enten-der a emergência de uma cultura relativamente

autônoma (o conhecimento e outros meios simbóli-cos) em relação com o crescimento da autonomia edo potencial de poder dos especialistas no que serefere à produção simbólica. Necessitamos, por-tanto, enfocar os portadores da cultura e as pres-sões contraditórias geradas pelas interdependênci-as cambiantes e as lutas de poder de uma fraçãocrescente, no interior da classe média, em direçãoa processos duais de (a) monopolização e separa-ção de um encrave cultural e (b) a desmonopoliza-ção e difusão da cultura para públicos mais am-plos. Em segundo lugar, precisamos focalizar odesenvolvimento de instituições e de estilos devida, no que diz respeito aos especialistas cultu-rais, e examinar a relação entre complexos de va-lor e conduta nos vários planos da vida, não ape-nas em termos de uma esfera cultural concebidacomo as artes e a academia (�alta cultura�), mastambém em termos da geração de contra-cultu-ras oposicionistas (boêmias, vanguardas artísti-cas e outros movimentos culturais). Em terceirolugar, temos de compreender a dinâmica relacio-nal de um desenvolvimento paralelo ao da esfe-ra cultural: a expansão geral da produção cultu-ral via �indústrias culturais� e a geração de ummercado mais amplo para bens culturais e ou-tros bens simbólicos, que produza o que temsido denominado cultura de massa ou cultura doconsumo. Ambas as tendências têm contribuídopara a proeminência cada vez maior da culturanas sociedades modernas. Trata-se de tendênci-as que ameaçam erodir e domesticar a cultura

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.8-22 Setembro, 1999 9

cotidiana, o cabedal de memórias, tradições emitos que damos por certo.

Isso sugere que os especialistas culturaisfreqüentemente se vêem presas de uma relaçãoambivalente com o mercado, que poderá levar aestratégias de separação e distanciamento, a fimde sustentar e promover a autonomia da esfera cul-tural. Ao mesmo tempo, em termos de interdepen-dências e lutas de poder com os outros grupos, so-bretudo os especialistas econômicos, isso poderádispô-los a usar o mercado para alcançar uma au-diência mais ampla, com o intuito de favorecer seupoder societário geral e aumentar o prestígio e ovalor público de seus bens culturais de especialis-ta. As condições que favorecem a autonomizaçãoda esfera cultural permitirão que os especialistasculturais monopolizem, regulamentem e controlemmelhor a produção cultural, procurando colocá-laacima da produção econômica, e a arte e as ativi-dades intelectuais acima da vida cotidiana, do gos-to popular deseducado e da cultura de massa.Por outro lado, as condições que ameaçam a auto-nomia da esfera cultural, os processos dedesmonopolização que desacreditam as hierarqui-as simbólicas �sagradas�, artísticas e intelectuaistenderão a permitir a manifestação de grupos mar-ginais de especialistas culturais ou a encorajar no-vas alianças de determinados especialistas comoutros grupos poderosos de especialistas econô-micos, a endossar gostos alternativos e a procurarlegitimar um repertório mais amplo, que poderá in-cluir as tradições populares e os bens culturais demassa, previamente excluídos. Sem uma tentativade compreender a elevação e as fortunas declinan-tes de determinados grupos de especialistas cultu-rais e sua relação modificada com outros grupos dedetentores do poder, tais como os especialistaseconômicos, poderá ser difícil entender aquelesque lamentam ou aplaudem afirmações contempo-râneas, tais como �o fim da arte�, o �fim da vanguar-da�, �o fim dos intelectuais� e �o fim da cultura�(Featherstone, 1991a).

Neste capítulo examinaremos várias aborda-gens que se ocuparam destas questões. Isso seráfeito através de um exame das três principais con-cepções do desenvolvimento de um campo alarga-do da produção cultural, que implica analisar ointer-relacionamento do desenvolvimento da esfera

cultural e da cultura de consumo de massa. Exami-naremos primeiramente a produção daquelaperspectiva cultural na qual uma cultura de massa,apresentada como algo que ameaça engolir e re-baixar a esfera cultural, é vista como o desfecho ló-gico do processo de produção capitalista dos bens.Em segundo lugar, examinaremos um modo deabordar o consumo, que recorre a perspectivas an-tropológicas, para argumentar que existem similari-dades no consumo de bens simbólicos em todas associedades e que deveríamos abster-nos de avali-ar de maneira negativa a cultura produzida emmassa. Em vez disso, a classificação dos bens egostos culturais (sejam eles bens de consumo du-radouros, práticas de estilo de vida ou atividades li-gadas à alta cultura) deve ser entendida como algoque opera relacionalmente no mesmo espaço soci-al. Essa perspectiva sociogênica focaliza como osaspectos simbólicos dos bens e das atividades sãopraticamente usados para estabelecer os limitesdos relacionamentos sociais. Em terceiro lugar, ex-ploraremos uma perspectiva psicogenética do con-sumo cultural que examine a gênese da propensãoe o desejo de consumir novos bens e experiências.Semelhante perspectiva, que enfoca a classe mé-dia e recorre ao conceito de interesses ideais, for-mulado por Weber, também levanta a questão dosprocessos no longo prazo de geração de hábitos,disposições e meios de orientação em diferentesgrupos de pessoas, interdependentes e competiti-vas. Finalmente, voltamos a uma discussão sobrea esfera cultural e sugerimos algumas das condi-ções que favorecem sua formação e deformação ea geração de determinadas avaliações da culturade massa realizadas por um conjunto de especia-listas culturais. Essa tentativa de identificar comotais questões deveriam ser abordadas nos ajuda amelhor compreender o processo de desenvolvi-mento cultural e a ir além dos conceitos, estatica-mente concebidos, da esfera cultural, da cultura demercado, da cultura de massa, da cultura do con-sumo, da cultura cotidiana e das tradições e códi-gos culturais profundamente enraizados.

A produção do consumo mercantilizado

O estudo do consumo há muito vem sendoconsiderada território da economia e, embora

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Adam Smith tenha argumentado que �o consu-mo é o único objetivo final de toda produção�(Minchinton, 1982:219), a análise do consumotem sido grandemente negligenciada em favorda produção e da distribuição. Tal negligênciapode ser resultado do pressuposto de que o con-sumo não era problemático, pois baseava-se noconceito de indivíduos racionais que adquiriambens com vistas a maximizar sua satisfação.Essa escolha racional poderia ser modificadapor pressões sociais tais, queos costumes e hábitos das pes-soas recebiam apenas um reco-nhecimento de pouca monta. Nofinal do século XIX encontramosalgum interesse em relação aosefeitos externos sobre a utilida-de - o consumo conspícuo e oefeito do esnobismo - que po-dem ser observados principal-mente nos escritos de Veblen(1953) (ver também Minchinton,1982:221). Em geral, o interesse sociológicopelo movimento em direção ao consumo demassa, na segunda metade do século XIX, res-tringia-se a indicar as limitações das explicaçõesestritamente econômicas ou de mercado docomportamento humano. Essa crítica sociológi-ca da economia algumas vezes aliou-se a umapreocupação no sentido de que o consumo demassa acarretava a desregulamentação social euma ameaça aos laços sociais. O movimento emdireção a uma produção de massa intensificada,ao consumo de massa e à ampliação do merca-do a mais setores da vida é geralmente vistocomo prejudicial à cultura. A nova cultura produ-zida para o consumo de massa muitas vezes eraencarada negativamente, sobretudo pelos críti-cos neomarxistas, que consideravam a propa-ganda, a mídia de massa e as indústrias doentretenimento como extensões lógicas da pro-dução de bens, em que os mercados eram mo-nopolizados para produzir fraudes maciças euma cultura do consumo degradada. A tendên-cia tem sido deduzir os efeitos do consumo dacultura da produção da cultura e, nos quadrosneomarxistas, a seguir variantes do modeloapoiado na base-superestrutura. A partir dessa

perspectiva, é possível considerar a lógica daprodução de massa capitalista como algo queconduz a uma sociedade de massa mais ampla.

Uma das teorias mais claras sobre o poder dasforças produtivas da sociedade - no sentido de atre-lar o consumo para que se adeque a seus desígnios- é a da Escola de Frankfurt sobre a indústria cultural.Atividades que não impliquem trabalho, em geral,são incluídas na mesma racionalidade instrumentalda lógica mercantil do local de trabalho, e os bens ar-

tísticos e culturais tornam-se sujei-tos à mesma padronização epseudo-individualização usadas naprodução de outros bens. DaíHorkheimer e Adorno (1972:137)observarem que �o divertimento, nocapitalismo tardio, é o prolonga-mento do trabalho�. A arte, que anti-gamente substituía a promesse debonheur,1 os anseios da alteridadeque transcendem a realidade exis-tente, agora transformam-se aber-

tamente numa mercadoria. Segundo Horkheimer eAdorno:

...a novidade não é o fato de que se trate de uma mercado-

ria, mas que hoje, deliberadamente, se admita que ela o

seja; que a arte renuncie a sua própria autonomia e ocupe

orgulhosamente seu lugar entre os bens de consumo é algo

que constitui o encanto da novidade (1972:157).

A indústria da cultura oferecia a perspectiva deuma cultura manufaturada, na qual a discriminaçãoe o conhecimento da cultura (a alta cultura dos lite-ratos) eram submergidos e substituídos por umacultura de massa (aquele que procurava o prestígiosubstituía o especialista), em que a recepção eraditada pelo valor de troca. Para Adorno, o predomí-nio cada vez maior do valor de troca obliterava ovalor de uso original (no caso da arte, a promessede bonheur, o deleite, o prazer ou �a finalidade semfinalidade� por meio da qual o objeto devia serabordado) e o substituía pelo valor de troca (seuvalor instrumental de mercado ou de �moeda cor-rente�). Isso livrava a mercadoria de assumir umamplo arco de associações secundárias ou artifici-ais, e a propaganda, em particular, tirou vantagemdessa capacidade.

A indústria da culturaoferecia a perspectiva de

uma cultura manufaturada,na qual a discriminação e

o conhecimento da culturaeram submergidos esubstituídos por uma

cultura de massa, em quea recepção era ditada pelo

valor de troca.

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Dessa perspectiva a propaganda não apenasusou, transformou ou substituiu a alta cultura tradi-cional, a fim de promover o consumo de mercadori-as e ampliar a fraude, em escala maciça, mastambém chamou a atenção para o aspecto simbó-lico das mercadorias. O triunfo da troca econômicanão precisa acarretar apenas o eclipse da culturatradicional e da alta cultura, mas uma nova cultura�artificial� foi gerada a partir �de baixo�, através dalógica da produção da mercadoria, de modo asubstituí-las. Daí o fato de inúmeros comentaristasterem focalizado o papel primordial da propagandana gênese de uma cultura do consumo (Ewen,1976; Ewen e Ewen, 1982; Leiss et al., 1986).

Outro exemplo da interpretação da cultura doconsumo em termos da mercantilização da vida co-tidiana encontra-se no trabalho de FredricJameson. Seguindo a abordagem da lógica do ca-pital, que assinala a profusão de uma nova culturaartificial e que abrange a produção da mercadoria,Jameson (1979:139) enfatiza que:

...a cultura é o próprio elemento da sociedade do consumo;

sociedade alguma jamais foi saturada com signos e mensa-

gens como esta... a onipresença da imagem, no capitalismo

do consumo (significa que) as prioridades do real tornam-se

revertidas e tudo é mediado pela cultura.

Tal perspectiva é fundamental para seu influenteescrito, �Pós-modernismo ou a lógica cultural docapitalismo tardio�, no qual delineia os contornosda cultura pós-moderna (Jameson, 1984a:87).

Semelhante ênfase na profusão e na desor-dem cultural, que ameaça obliterar os últimosvestígios da cultura tradicional popular ou daalta cultura, encontra-se na obra de JeanBaudrillard, à qual Jameson recorre. Baudrillard(1970) fundamenta-se na teoria da mercantiliza-ção de Lukács e de Lefebvre. Argumenta que oconsumo envolve a manipulação ativa dos sig-nos e que os objetos não são consumidos, e simo sistema de objetos, o sistema de signos quecaracteriza o código. Baudrillard recorre à semi-ologia para desenvolver as implicações culturaisda análise da mercadoria e alega que na socie-dade do capitalismo tardio o signo e a mercado-ria fundiram-se com a finalidade de produzir osigno-mercadoria. Para Baudrillard a lógica da

economia política envolveu, portanto, uma revo-lução semiológica, que pressupõe não apenas asubstituição do valor de uso pelo valor de troca,mas, finalmente, a substituição de ambos pelovalor de signos. Isso leva à autonomização dosignificante, que pode ser manipulado (porexemplo, através da propaganda) para despren-der-se de um relacionamento estável com os ob-jetos e firmar suas próprias cadeias associativasde significado.

Nos últimos escritos de Baudrillard (1983a,1983b), desaparecem as referências à economia, àclasse e ao modo de produção. Com efeito, em de-terminada passagem de Symbolic Exchange andDeath, Baudrillard (1993) contesta Bourdieu quan-do este argumenta que a análise social, em termosde normatividade ou classe, está fadada ao fracas-so, por pertencer a um estágio de um sistema jásuplantado. O novo estágio do sistema é o mundopós-moderno, simulatório, no qual a televisão, amáquina de simulação par excellence,2 reduplicainfindavelmente o mundo. Este desvio para a pro-dução e reprodução de cópias, para as quais nãoexiste original, o simulacro, apaga a distinção entreo real e o imaginário. De acordo com Baudrillard(1993:148), agora vivemos �em uma alucinação�estética� da realidade�. O término derradeiro da ex-pansão do sistema de produção de mercadorias éo triunfo da cultura dos significados e a morte dosocial. Trata-se da configuração de uma ��pós-soci-edade�� que foge à classificação e à explicação so-ciológica, um ciclo interminável de reduplicação esuperprodução de signos, imagens e simulaçõesque leva a uma implosão do significado. Estamosagora no território cada vez mais familiar da supos-ta transformação da realidade em imagens da cul-tura pós-moderna, esquizóide, rasa. Tudo o quepermanece no nível humano são as massas, amaioria silenciosa, que age como �um buraco ne-gro� (Baudrillard, 1983b:9), absorvendo da mídiao excesso de produção da energia e da informa-ção e observando cinicamente o fascinante einfindável jogo de signos. A concepção queBaudrillard tem da massa levou-nos para muitolonge da teoria da cultura de massa, na qual amanipulação das massas através da mídia popularexerce um papel fundamental. Para ele a lógica dodesenvolvimento da mercadoria presenciou o triun-

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fo da cultura, uma nova fase pós-moderna da de-sordem cultural, na qual as distinções entre níveisda cultura - alta, de folk, popular ou de classe - dãolugar a uma massa pegajosa que simula e brincacom a superprodução de signos.

Atualmente o debate alta cultura/cultura demassa desperta pouca paixão na vida acadêmica.Desde meados de 1970 os ataques à distinção en-tre alta cultura e cultura de massa vem prosseguin-do a passo acelerado. Muito influiu, no contextoinglês, o trabalho do Birmingham Centre forContemporary Cultural Studies (ver Hall et al.,1980) e da Open University (ver Bennett et al.,1977; Bennett et al., 1981). Nele se encontra umamplo espectro de críticas em torno do pretensoelitismo da distinção em favor da alta cultura, for-mulado pela Escola de Frankfurt, que se dá entre aindividualidade e a pseudo-individualidade e quecondena as massas à manipulação (Bennett et al.,1977; Swingewood, 1977). Outras críticas incluemo puritanismo e a pudicícia fora de moda daquelesargumentos que favorecem conceitos de uma pro-dução criativa em oposição ao direito das massasde gozar seu consumo e seus prazeres (Leiss,1983; New Formations, 1983); a invalidade da dis-tinção entre as necessidades falsas e verdadeiras,presente nas críticas da sociedade de consumo esua cultura, que se encontram no trabalho deMarcuse (1964), Debord (1970) e Ewen (1976) (verSahlins, 1976; Leiss, 1983; Springborg, 1981); e anegligência das correntes igualitárias e democráti-cas na cultura de massa, o processo de nivelar porcima e não por baixo, que encontra em Shils (1960)uma de suas mais vigorosas afirmações (ver tam-bém Swingewood, 1977; Kellner, 193). Surgiramigualmente críticas ao fato de que os fundamentosda crítica à cultura de massa se situam em umaperspectiva essencialmente nostálgica - o Kultur-pessimismus de intelectuais que caíram na armadi-lha do mito da estabilidade, coerência ecomunidade pré-moderna (Stauth e Turner,1988a), ou da nostalgia de um mundo social pré-simulatório, tal como encontramos no trabalho deBaudrillard. As críticas às teorias da cultura demassa também negligenciaram as diferenciaçõessociais complexas (Wilensky, 1964), o modo peloqual as mercadorias produzidas em massa podemser feitas sob medida ou os signos podem ser re-

vertidos, com seu significado negociado crítica ouoposicionalmente (ver o trabalho sobre assubculturas dos jovens, realizado pelo BirminghamCentre for Contemporary Cultural Studies, especi-almente Hebdige, 1979, que escreve sobre ospunks; ver também o de Certeau, 1981). Além des-ses, temos o pronunciamento de RaymondWilliams (1961), segundo o qual �não existem mas-sas, apenas outras pessoas�. Tais críticas assina-lam a importância de transcender a visão deacordo com a qual a uniformidade do consumo éditada pela produção e enfatizam a necessidade deinvestigar o uso e a recepção reais dos bens atra-vés de várias práticas. As críticas em questão impli-cam também uma reavaliação das práticaspopulares, que já não devem mais ser vistas comodegradadas e vulgares. Na realidade, defende-se aintegridade da cultura das pessoas comuns e lan-ça-se uma suspeita sobre o empreendimento daelaboração de uma esfera cultural autônoma, comsuas hierarquias simbólicas rígidas, cânones exclu-sivos e classificações.

Os bens simbólicos e a ordem social

Direcionar o enfoque mais para o consumo dacultura do que para a produção nos leva para a re-cepção e o uso diferencial dos bens produzidos emmassa e para as experiências e modos pelos quaisa cultura popular fracassou, tendo sido eclipsadapela cultura de massa. Com efeito, se adotarmosuma abordagem à formação cultural num processoem longo prazo, fica claro que os objetos culturaissão continuamente reelaborados e vão do popularaos altos estratos e à massa e vice-versa. Nessesentido, a cultura popular e a cultura de folk nãopodem proporcionar uma linha de base para a cul-tura, pois apresentam uma história prolongada, nosentido de que foram mercantilizadas e acondicio-nadas. Em conseqüência, a ênfase deve deixar delado as visões mais abstratas da produção culturale voltar-se para as práticas reais da produção cul-tural por parte de determinados grupos de especia-listas culturais e o modo pelo qual eles serelacionam com as atuais práticas de consumo, porparte dos diferentes grupos.

Obtém-se considerável percepção deste pro-cesso ao se analisar a pesquisa antropológica so-

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bre o consumo, a qual focaliza o aspecto simbólicodos bens e seu papel enquanto comunicadores.Dessa perspectiva, os bens são usados para deli-mitar fronteiras entre os grupos, para criar e demar-car diferenças ou o que existe de comum entre gru-pos de pessoas (ver Douglas e Isherwood, 1980;Sahlins, 1976; Leiss, 1983; Appadurai, 1986). Leiss(1978:19), por exemplo, argumenta que, enquantoem todas as culturas a propriedade de algo que sa-tisfaça as necessidades econômicas do homem ésimbólica, os bens são duplamen-te simbólicos nas sociedades oci-dentais contemporâneas. O sim-bolismo é empregado consciente-mente na elaboração e noimaginário ligado aos bens, noque se refere aos processo deprodução e de marketing, e osconsumidores recorrem a associa-ções simbólicas, quando usam osbens para construir modelos dife-renciados de estilo de vida.

O trabalho de Douglas eIsherwood (1980) é particularmen-te importante neste aspecto, devi-do à ênfase sobre como os benssão usados para estabelecer os limites dos relacio-namentos sociais. Argumentam eles que o gozodos bens relaciona-se apenas em parte com o con-sumo físico. Ele também se liga de modo funda-mental a seu papel de marcadores. Gostamos, porexemplo, de compartilhar os nomes dos bens comos outros (o fã dos esportes ou o conhecedor de vi-nhos). Além disso, a maestria da pessoa culturalacarreta uma maestria aparentemente �natural�,não apenas de informação (o �homem de boa me-mória�, autodidata), mas também de como usar econsumir apropriadamente e com facilidade natu-ral, em cada situação. Nesse sentido o consumodos bens culturais elevados (arte, romances, ópe-ra, filosofia) deve se relacionar com o modo peloqual outros bens culturais mais mundanos (roupas,alimento, bebidas, busca do lazer) são manejadose consumidos e a alta cultura deve ser inscrita nomesmo espaço social, como um consumo culturalcotidiano. Na discussão de Douglas e Isherwood(1980:176ss), as classes de consumo são defini-das em relação ao consumo de três conjuntos de

bens: um conjunto de gêneros de primeira necessi-dade (por exemplo, o alimento), um conjunto detecnologia (viagens e equipamentos básicos) e umconjunto de informações (bens da área de informa-ção, educação, arte, atividades culturais e delazer). Na escala mais baixa da estrutura social ospobres são restritos ao conjunto de gêneros de pri-meira necessidade e têm mais tempo a sua dispo-sição, mas os que se encontram no topo da classede consumo precisam não só de um nível mais ele-

vado de rendimentos, como tam-bém de uma competência nojulgamento dos bens informacio-nais e dos serviços. Isso implicaconsiderável investimento no tem-po, não só como um investimentode toda a vida no capital simbólicoe cultural, mas como um investi-mento na manutenção das ativi-dades de consumo (é nestesentido que nos reportamos ao tí-tulo do livro de Linder (1970), TheHarried Leisure Class, mais umtrocadilho sobre o trabalho deVeblen (1953) a respeito do con-sumo conspícuo). Daí o fato de

que a competição para se adquirir bens, no setorda informação, gere elevadas barreiras de admis-são e técnicas eficazes de exclusão.

A fase, duração e intensidade do tempo in-vestido na aquisição de uma competência parase poder lidar com a informação, bens e servi-ços, bem como a prática cotidiana, a conserva-ção e a manutenção dessa competência,constituem, conforme nos lembra Halbwachs,critérios úteis de classe social. Nosso empregodo tempo, em relação às práticas de consumo,nos conforma a nossos hábitos de classe e, por-tanto, transmite uma idéia precisa de nossostatus de classe (ver a discussão de Halbwachsem Preteceille e Terrail, 1985:22). Isso nos fazperceber a importância da pesquisa sobre os di-ferentes investimentos em longo prazo na aqui-sição de informações relativas ao capital culturalde determinados grupos. Essa pesquisa foi reali-zada com detalhe por Bourdieu e sua equipe(Bourdieu et al., 1965; Bourdieu e Darbel, 1966;Bourdieu e Passeron, 1971; Bourdieu, 1984).

Enquanto em todas asculturas a propriedade de

algo que satisfaça asnecessidades econômicasdo homem é simbólica, os

bens são duplamentesimbólicos nas

sociedades ocidentaiscontemporâneas. O

simbolismo é empregadoconscientemente na

elaboração e noimaginário ligado

aos bens.

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Para Bourdieu (1984) determinadas constela-ções de gosto, preferências quanto ao consumoe práticas de estilo de vida são associadas comocupações específicas e frações de classe, tor-nando possível mapear o universo do gosto e osestilos de vida com todas suas oposições estru-turadas e suas distinções finamente nuançadas,que operam num ponto específico da história.Entretanto, no interior das sociedades capitalis-tas, o volume da produção de novos bens resultaem uma luta infindável com a fi-nalidade de obtenção daquiloque Hirsch (1976) denomina�bens posicionais�, isto é, bensque definem o status social. Aconstante oferta de novos bens,desejáveis e na moda, ou ausurpação de bens requintadospor uma camada mais baixa levaaqueles que pertencem a uma camada superiora ter de investir em novos bens (informacionais)a fim de restabelecer a distância social original.

É possível, portanto, reportar-se a sociedadesnas quais a tendência seja a de uma progressivaderrubada das barreiras que restringem a produ-ção de novos bens e a capacidade de circulaçãodas mercadorias, e a sociedades que apresentemuma tendência contrária, no sentido de restringir,controlar e canalizar a troca, de modo a instituirmercadorias que constituem um verdadeiroencrave. Em algumas sociedades os sistemas destatus são protegidos e reproduzidos ao se delimi-tar eqüivalências e trocas, em um universo estávelde mercadorias. Em outras sociedades, que apre-sentam um sistema baseado na moda, o gosto, emum universo de mercadorias que passa por cons-tantes mudanças, é restrito e controlado. Existe, aomesmo tempo, a ilusão da escolha individual e deum acesso sem restrições. As leis suntuárias sãoum dispositivo intermediário, que regula o consumonaquelas sociedades de status estáveis, que en-frentam a desregulamentação do fluxo de merca-dorias, por exemplo a Europa pré-moderna(Appadurai, 1986:25). As tendências, notadas porJameson, Baudrillard e outros, a uma superprodu-ção de bens simbólicos, nas sociedades contempo-râneas, sugerem que seria impossível sujeitar auma leitura definitiva ou coerente o desnorteante

fluxo de signos, imagens, informação, modas e es-tilos (ver Featherstone, 1991a).

Exemplos dessa pretensa desordem culturalsão freqüentemente tirados da mídia (é o que fazBaudrillard, por exemplo). No entanto, com a exce-ção de grandes colocações, do tipo �a televisão é omundo�, obtemos pouca compreensão de comoessa desordem afeta as práticas cotidianas de dife-rentes conjuntos de pessoas. Pode-se argumentarque, enquanto os encontros face a face continua-

rem a ocorrer entre pessoas con-cretas, serão feitas tentativas dese ler o comportamento de umapessoa com o objetivo de obterpistas que indiquem sua posiçãosocial. Os diferentes estilos e eti-quetas das roupas e dos bens emmoda, por mais que estejam sujei-tos à mudança, imitação e cópia,

constituem um desses conjuntos de pistas. Contu-do, conforme nos lembra Bourdieu (1984), pormeio de seu conceito de capital simbólico, os sinaisdas disposições e dos esquemas classificatóriosque indicam as origens e a trajetória de uma pes-soa através da vida se manifestam na conformaçãodo corpo, tamanho, peso, postura, jeito de andar,porte, tom de voz, estilo de falar, senso do descon-forto ou da desenvoltura corporal, etc. A cultura,portanto, é incorporada e não é apenas uma ques-tão de quais roupas são usadas, mas como sãousadas. Livros de aconselhamento sobre boas ma-neiras, gosto e etiqueta, de Erasmo a �U� e �Non-U�, de autoria de Nancy Mitford, inculcam a seusleitores a necessidade de naturalizar as disposi-ções e as boas maneiras, de estar completamenteà vontade com elas. Ao mesmo tempo, os arrivistaspodem exibir sinais da dificuldade de alcançar umaposição e da incompletude de sua competênciacultural. Em conseqüência, os novos-ricos, queconstantemente adotam estratégias conspícuas deconsumo, são reconhecíveis e seu lugar no espaçosocial lhes é designado. Suas práticas culturaissempre correm o perigo de ser rejeitadas e consi-deradas vulgares, desprovidas de gosto, pela clas-se alta, pela aristocracia e por aqueles que são�ricos em bens culturais� - os artistas e intelectuais.

De uma determinada perspectiva, os bens artís-ticos e intelectuais são mercadorias encravadas,

Nosso emprego do tempo,em relação às práticas deconsumo, nos conforma anossos hábitos de classee, portanto, transmite uma

idéia precisa de nossostatus de classe.

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cuja capacidade de circular no espaço social é limi-tada pelas qualidades sagradas a elas atribuídas.Nesse sentido o especialista da produção simbóli-ca procurará aumentar a autonomia da esfera cul-tural e restringir o fornecimento e o acesso a taisbens, criando e preservando, assim, um espaço fe-chado de alta cultura. Isto pode assumir a forma derejeição ao mercado e a qualquer uso econômicodos bens e de adoção de um estilo de vida que é ooposto ao do especialista econômico bem-sucedi-do (a desordem versus a ordem, ocultivo de estratégias de trans-gressão, a veneração do talentonatural e do gênio em oposição aotrabalho e ao empreendimentosistemático, etc.). No entanto,conforme indica Bourdieu (1979,1984), existe um interesse no de-sinteresse e é possível mapear aeconomia oculta e incorretamentereconhecida dos bens culturais,com suas próprias formas de cir-culação, taxas de conversão aocapital econômico, etc. O problema dos intelectu-ais, em situações de mercado, é que eles precisamalcançar e conservar aquele grau de fechamento ede controle que permite aos bens culturais continu-ar a ser mercadorias encravadas. Com efeito, con-forme assinalaram muitos comentaristas, este é oparadoxo dos intelectuais e artistas: sua depen-dência do mercado e, no entanto, sua repulsa eseu desejo de independência em relação a ele. Emsituações de excesso de produção de bens simbó-licos, poderá haver uma competição intensificadapor parte de novos intermediários culturais (a ex-pansão cada vez maior do design, da publicidade,do marketing, da arte comercial, das artes gráficas,das atividades que dizem respeito ao jornalismo, àmídia e à moda) e por parte de outros intelectuais�marginais� que surgiram após a expansão da edu-cação superior, nas sociedades ocidentais do pós-guerra. Tal competição pode levar à incapacidade,por parte dos intelectuais estabelecidos, de mantera estabilidade das hierarquias simbólicas, e a faseresultante da desclassificação cultural abre um es-paço para a geração de um interesse pela culturapopular, sobre uma base que se proclama maisigualitária e democrática.

Assim, partimos da postura de encarar a produçãoda cultura, levando em consideração a perspectiva domodo de produção, para outra que, de acordo com asdescrições da obra de Bourdieu, feitas por Preteceille eTerrail (1985:36), pode ser denominada uma aborda-gem ao modo de consumo. Desse ponto de vista, a de-manda e o consumo cultural não são ditados meramen-te pela oferta, mas precisam ser compreendidos nocontexto de um quadro social, isto é, sociogenetica-mente induzido; trata-se de uma perspectiva que

enfatiza que �o consumo é eminen-temente social, relacional e mais ati-vo do que privado, atômico ou passi-vo� (Appadurai, 1986:31).

O romantismo, o desejo e oconsumo da classe média

A perspectiva do modo deconsumo enfatiza as continuida-des do manejo e do uso dosbens, socialmente estruturados,entre a sociedade capitalista

contemporânea e outros tipos de sociedade. Aperspectiva �psicogenética�, tal como a produ-ção da abordagem do consumo, dirige seuenfoque para a explicação da proliferação de no-vos bens. Em contraste com a ênfase na oferta,a abordagem psicogenética concentra-se noproblema da demanda por novos bens. Isso im-plica um deslocamento da análise centrada naeconomia para as questões do desejo, para oenigma que é a gênese da propensão a consu-mir mais de uma vez, para o complexomotivacional que desenvolve uma ânsia peloprazer, a pobreza, a auto-expressão e a auto-re-alização através dos bens. De um modo que fazlembrar A Ética Protestante (Protestant Ethic) deWeber, Campbell (1987) alega que o surgimentodo consumo, como o da produção capitalista, re-quer uma ética e, neste caso, é seu romantismoe não o protestantismo que fornece tal estímulo,pois ele enfoca a imaginação, a fantasia, o misti-cismo, a criatividade e a exploração emocional.3

Campbell escreve o seguinte:

...assim, a atividade essencial do consumo não é a seleção,

a aquisição ou o uso real dos produtos, mas a procura imagi-

Nas sociedades, queapresentam um sistema destatus baseado na moda, ogosto, em um universo de

mercadorias que passapor constantes mudanças,

é restrito e controlado.Existe, ao mesmo tempo,

a ilusão da escolhaindividual e de um acesso

sem restrições.

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nária do prazer a que se presta a imagem do produto. O con-

sumo �real� é, em grande parte, o resultado desse hedonis-

mo �mentalístico� (Campbell, 1987:89).

A partir dessa perspectiva, o prazer que se obtémcom os romances, pintura, peças de teatro, discos,filmes, rádio, televisão e moda não é o resultado damanipulação, por parte dos anunciantes, ou uma�obsessão pelo status social�; é um gozo ilusórioestimulado pela fantasia. A disposição de entregar-se aos desejos, fantasias e ilusões,a capacidade de passar boa partedo tempo a correr atrás deles, podevariar entre os diferentes grupossociais. Campbell localiza suas ori-gens na relação com o consumis-mo, na classe média inglesa do sé-culo XVIII. Grupos que alcançaram alto grau deinstrução provavelmente são mais dispostos a en-carar seriamente idéias e ideais de dignidade e,conforme assinalou Weber, a procurar alcançarconsistência em sua conduta. No entanto, até ondepoderemos entender o consumo de massa ao fo-calizarmos unicamente o desenvolvimento deuma ética romântica na classe média? Para com-preender os hábitos de consumo da classe médiano século XVIII, precisamos situar os hábitos des-se grupo em relação aos das classes mais baixase mais altas.

Já nos referimos ao contraste entre as socie-dades que restringem a troca de mercadorias afim de reproduzir um sistema estável de status esociedades que possuem um universo cambiantede mercadorias e um sistema de modas, acom-panhado do surgimento de uma mutabilidadecompleta, que, na verdade, pode ser consideradaem termos de um gosto socialmente estruturado.O consumo, na classe alta ou na aristocracia, ten-de mais à reprodução de um sistema estável destatus, que também inclui fases de excessos etransgressões liminares (carnaval, feiras, etc.).Mennell (1987) lembra-nos que a aristocracia, emuma sociedade de corte, tornou-se �especialistana arte do consumo, prisioneira de um sistema definas distinções, de batalhas pelo status e gastoscompetitivos, dos quais não podia escapar, poistoda sua sociedade dependia disso�. Ali o códigoda moda era mais restrito do que elaborado e o

cortesão tinha de conformar-se a rígidas regrasquanto ao vestuário, às boas maneiras e à postu-ra (Elias, 1983:232). Nas sociedades de corte, talcomo Versalhes durante o reinado de Luís XIV, oconsumo era altamente estruturado em termos daregulamentação da etiqueta, cerimônia, gosto,traje, boas maneiras e conversa. Cada detalhe eravisto como um instrumento da luta pelo prestígio.A capacidade de ler a aparência e os gestos en-quanto pistas ligeiras e revelatórias e o tempo

gasto em decodificar a postura eas conversas dos outros indica-vam como a própria existência deum cortesão dependia do cálculo.

Essas rígidas restrições aocomportamento, na sociedade decorte, produziu inúmeros contra-

movimentos que procuravam compensar a supres-são do sentimento e a racionalidade da corteatravés da emancipação desse mesmo sentimen-to. Em geral inclinamo-nos a perceber essas posi-ções contrastantes como algo que envolvediferenças de classe entre a aristocracia (o corte-são dissimulado, astuto, falso) e a classe média (ocidadão virtuoso, sincero, honesto) e a formulá-lasem termos de qualidades dirigidas para o outro epara si mesmo. Elias (1978:19), no início de TheCivilizing Process, mostra como a classe médiaalemã venerava a Kultur e adotava ideais românti-cos de amor à natureza, solidão e abandono à exci-tação sentida pelo próprio coração. Nesse exemploos intrusos da classe média, espacialmentedispersos e isolados, podem ser contrastados coma corte bem estabelecida, com seus ideais inspira-dos na civilisation francesa. A partir daí pode-seestabelecer uma série de contrastes entre ainteligentsia da classe média e o cortesão aristo-crático: interioridade e profundidade de sentimentoversus superficialidade e cerimônia; imersão em li-vros e na instrução e o desenvolvimento da identi-dade pessoal versus conversação formal emaneiras cortesãs; virtude versus honra (verVowinckel, 1987).

Existem, no entanto, ligações entre a ênfase ro-mântica da classe média na sinceridade e o desen-volvimento de tendências românticas na aristocracia.Elias (1983:214ss), em �Sociogênese do romantismoaristocrático�, afirma que Rousseau, um dos influen-

O consumo éeminentemente social,

relacional e mais ativo doque privado, atômico

ou passivo.

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tes precursores do romantismo burguês, devia partede seu sucesso ao modo pelo qual suas idéias erampercebidas como uma reação à racionalidade da cor-te e à supressão do �sentimento� na vida cortesã. Aidealização da natureza e os anseios melancólicospela vida no campo são encontrados na nobreza doinício do século XVIII, na corte de Luís XIV. O profun-do contraste entre a corte e o campo, a complexida-de da vida cortesã e o incessante autocontrole e oscálculos necessários contribuíram para uma nostal-gia de uma existência rural idealizada, descrita emutopias românticas repletas de pastores e pastoras,em romances tais como L�Astrée, de Honoré d�Urfé.Elias detecta descontinuidades e processos seme-lhantes na sociogênese do romantismo burguês earistocrático. Refere-se (1983:262) à classe médiacomo �uma classe com dupla fachada�, exposta àspressões sociais de grupos situados em plano maiselevado, que detêm grande poder, autoridade e pres-tígio, e grupos situados abaixo, inferiores no tocantea essas qualidades. A pressão pelo autocontrole, emrelação aos códigos da vida profissional, aliada àspressões de se pertencer a uma classe com duplafachada, pode ajudar a gerar uma ambivalência paracom o sistema de regras e a autocoerção que nutremuma imagem fantasiosa de uma expressão da emo-ção mais direta e espontânea.

As implicações do papel da ética romântica nagênese do consumismo agora devem ter ficadomais claras. Não se pode presumir que o romantis-mo simplesmente funcione como um conjunto deidéias que induzia uma expressão emocional maisdireta, por meio de fantasias e devaneios, e que setraduzia no desejo de novas mercadorias para nu-trir tais aspirações. Pelo contrário, precisamoscompreender a sociogênese das tendências ro-mânticas que foram geradas nas rivalidades e in-terdependências da aristocracia e da classe média.Essas pressões podem ter nutrido um anseio ro-mântico pela vida sem restrições, expressiva eespontânea, que foi projetada nas mercadorias emanifestou-se na moda, na leitura de romances eem outros divertimentos populares, encontrados natrepidante esfera pública. No entanto, a praticidadeda vida cotidiana, as exigências sociais no sentidode se manter a aceitabilidade de uma pessoa tam-bém constituíram forças importantes. As restriçõessociais exigiam dos profissionais de classe média

uma cuidadosa atenção para com a etiqueta, o tra-je, o porte e um consumo ordenado, medido. Aocontrário da classe dos cortesãos, a classe médiagozava de uma vida privada que ela permitia estar�fora do palco�. É fácil, porém, sobrestimar a liber-dade e a independência da esfera particular. Apressão para manter um estilo de vida social,concomitante com o status individual, levou a pres-sões cada vez maiores no sentido de codificar e re-gulamentar o consumo doméstico, o gostoartístico, a comida e as festividades (ver Elias,1983: 116).

Quando observamos mais especificamente aclasse média, precisamos levar em consideraçãoas diferentes situações, em determinadas nações,no século XVIII. A situação da classe média inglesaera muito diferente da situação da classe médiafrancesa e alemã. A Inglaterra apresentava umexemplo intermediário, com laços mais estreitosentre a vida na corte e a vida no campo e entre umaaristocracia mais diferenciada, a pequena nobrezae a classe média (Elias e Dunning, 1987:35;Mennell, 1985:119). No século XVIII e no início doséculo XIX, a sociedade londrina proprietária deterras era uma referência para os estratos da clas-se média ascendente, que emulavam seus gostos,boas maneiras e modas (Mennell, 1985:212).Davidoff (1973:13) relatou como, no início do sécu-lo XIX, os manuais de direção do lar, livros e revis-tas de etiqueta e os gastos cada vez maiores com aostentação, por ocasião de determinadas cerimôni-as, com o propósito de manter determinado estilode vida, tornaram-se um requisito (ver tambémMennell, 1985:209).

As evidências sugerem que a classe média, naInglaterra do século XVIII, deparou com uma pres-são cada vez maior em favor do consumo, vinda debaixo. Aquilo que foi denominado �a revolução doconsumidor�, no século XVIII, implicou um aumentomaior de artigos de luxo, moda, bens destinados aolar, romances populares, revistas, jornais, diverti-mentos e os meios de comercializá-los através dapropaganda, para um público comprador que au-mentava dia a dia (ver McKendrick et al., 1982). Asclasses mais baixas eram atraídas para essa ex-pansão do consumo adotando modas que imita-vam as das classes altas e a moda difundiu-se,baixando na escala social, com uma amplitude mui-

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to maior na Inglaterra do que em outros países eu-ropeus (McKendrick et al., 1982:34ss).

Um motivo importante pelo qual a emulação setornava possível e as novas modas se transmitiamtão rapidamente era o fato de ocorrerem em ummeio urbano. Londres, no século XVIII, era a maiorcidade da Europa e exercia considerável prepon-derância sobre outros países europeus. As modasvolúveis, a exibição de novas mercadorias nas lo-jas, o consumo conspícuo eram claramente visíveise constituíam o tema das conversas cotidianas. Oestreitamento das distâncias sociais e a aberturapara relações informais entre as classes tambémse tornaram manifestas no novo uso do espaço pú-blico em Londres. É aquilo que passou a ser deno-minado a esfera pública e compreendia instituiçõessociais: periódicos, jornais, clubes e cafés, nosquais os indivíduos podiam reunir-se para discus-sões livres de restrições (ver Habermas, 1974;Eagleton, 1984; Stallybrass e White, 1986:80ss). Aemergência da esfera pública está intimamente li-gada ao desenvolvimento da esfera cultural. A pro-fissão de crítico literário e os especialistas indepen-dentes, que se dedicavam à produção cultural,escreviam para os jornais e revistas e criavam ro-mances para suas platéias recentes e cujo númeroaumentava, desenvolveram-se extraordinariamen-te em meados do século XVIII (Williams, 1961;Hohendahl, 1982). Os cafés citadinos tornaram-secentros onde as pessoas se reuniam para ler ououvir a leitura de jornais e revistas e discuti-los(Lowenthal, 1961:56). Não só os cafés eram o terri-tório democrático onde se travava uma discussãocultural sem restrições (cf. Mannheim, 1956), comotambém eram espaços de civilidade, um ambientediscursivo higienizado, livre de gente de baixa ex-tração, os �corpos grotescos� do botequim(Stallybrass e White, 1986:95). Os cafés substitui-ram o consumo festivo e fútil por um lazer produti-vo. Eram lugares decentes, ordeiros, que solicita-vam um afastamento da cultura popular, cada vezmais encarada sob uma perspectiva negativa.

Embora existisse um movimento em direção auma democratização do intercâmbio cultural e umadiferenciação da cultura entre as camadas respei-táveis, decentes e polidas e entre as camadas maisbaixas e descontroladas, no século XVIII isso faziaparte de um processo em longo prazo. Burke

(1978:24) alega que, no século XVI, havia duas tra-dições na cultura: a tradição clássica da filosofia eda teologia, aprendida nas escolas e universida-des, e a tradição popular, contida nas canções econtos folclóricos, nas imagens devocionais, nosmistérios encenados no teatro medieval, nos livrosde baladas populares, nas feiras e festivais. No en-tanto, as camadas superiores participavam direta-mente da cultura popular e até mesmo no início doséculo XVIII nem todos estavam afastados da cul-tura do povo. Burke (1978:286) sugere que, em1500, os estratos cultivados desprezavam o povo,conquanto compartilhassem sua cultura. Entretan-to, por volta de 1800, seus descendentes haviamdeixado de participar espontaneamente da culturapopular e a redescobriam como algo exótico e inte-ressante. A cultura das camadas inferiores perma-neceu como fonte de fascinação e o simbolismodessa tradição continuou sendo importante, comouma pequena marca na alta cultura da classe mé-dia (Stallybrass e White, 1986:107). O carnavales-co, com seu hibridismo, mistura de códigos, corposgrotescos e transgressões, continuou sendo umespetáculo fascinante para os escritores do séculoXVIII, incluindo Pope, Rousseau e Wordsworth. En-quanto uma parte dessa tradição marcava presen-ça na boêmia artística de meados do século XIX,com sua transgressão proposital à cultura burgue-sa e a invocação do simbolismo corporal grotesco eliminar, associado ao carnavalesco, outra parte de-sembocava no romantismo. Quando Frederico, oGrande publicou De la littérature allemande em1780, ele protestou contra a mistura e a transgres-são social, além da falta de gosto �na abominávelobra de Shakespeare�, que provocava �enlevo emtoda a platéia, quando ela ouvia aquelas farsas ridí-culas, dignas dos selvagens do Canadá� (citadoem Elias, 1978:14). Para os intelectuais burguesese seu público, contra quem Frederico dirigia seuscomentários, os reais selvagens da América doNorte (L�Ingénu, de Voltaire) e do Taiti (Voyage, deBougainville) exerciam um fascínio cada vez maiorenquanto �alteridade exótica�.

Ao mesmo tempo que aquela cultura populartradicional começava a desaparecer, os intelectuaiseuropeus estavam descobrindo, registrando e for-mulando a cultura de outros povos (ver Burke,1978). Tratava-se, em parte, de uma reação ao refi-

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namento esclarecido da cultura clássica e �civiliza-da� da corte e da aristocracia (Lunn, 1986), aoracionalismo e universalismo uniformes do Ilumi-nismo. Herder, por exemplo, era sensível à diversi-dade cultural, à particularidade de cada comunida-de cultural e queria que as diferentes culturasfossem consideradas em bases iguais. Essa posi-ção acabou transformando-se em uma crítica àidentificação sociocêntrica dos franceses com suaprópria cultura, denominada �civilização� e �alta cul-tura�, a metacultura universal do gênero humano(Dumont, 1986).

Observações finais: o desenvolvimento daesfera cultural

O desenvolvimento da esfera cultural deveser visto como parte de um processo em longoprazo que envolveu o crescimento do poder po-tencial dos especialistas, em se tratando da pro-dução simbólica, e que apresentou duas conse-qüências contraditórias. Houve maior autonomiana natureza do conhecimento produzido, bemcomo a monopolização da produção e do consu-mo em encraves de especialistas, com o desen-volvimento de vigorosas classificações rituaistendo por objetivo excluir os de fora. Houve tam-bém maior expansão do conhecimento e dosbens culturais produzidos para novas platéias emercados, nos quais as classificações hierárqui-cas existentes foram desmanteladas e os bensculturais especializados, vendidos de maneirasemelhante a outras mercadorias �simbólicas�.São esses processos que assinalam a autono-mia e a heteronomia da esfera cultural.

Seria proveitoso refletir sobre as observaçõesde Elias (1971:15) e examinar o processo de for-mação da �autonomização� de determinadas esfe-ras, que devem ser entendidas no tocante aosequilíbrios de poder cambiantes e àsinterdependências funcionais dos diferentes gru-pos sociais. Portanto, para compreender o de-senvolvimento da esfera econômica, precisamos li-gar o termo econômico à emergência de determi-nados estratos sociais e à teorização do nexo autô-nomo cada vez maior, das relações geradas poresse grupo e outros grupos. Elias (1984) focalizaQuesney e os fisiocratas (que foram imediatamen-

te seguidos por Adam Smith e outros) como os pri-meiros grupos a sintetizar os dados empíricos, nacrença de que conseguiriam detectar os efeitos dasleis da natureza na sociedade e de que serviriamao bem-estar e à prosperidade do gênero humano.As idéias dos fisiocratas, de acordo com Elias(1984:22), ficavam a meio caminho entre uma reli-gião social e uma hipótese científica. Eles eram ca-pazes de fundir duas correntes da tradição, até en-tão extremamente independentes: os conceitos fi-losóficos, em larga escala, dos escritores de livrose os conhecimentos práticos acumulados por admi-nistradores e comerciantes.

À medida que aumentou o poder de especialis-tas econômicos de classe média, entendidos emcomércio, negócios e indústria, o objeto da inquiri-ção mudou de estrutura e formou a base para umaabordagem científica mais autônoma. Em conse-qüência, a crescente autonomia dos fenômenossociais, tais como os mercados, encontrou sua ex-pressão na gradual e crescente autonomia da teo-ria sobre esses fenômenos e na formação daciência da economia, que talhou uma esfera sepa-rada, com leis próprias, imanentes e autônomas. Areivindicação dos empresários de classe média, nosentido de que a economia devia ser autônoma elivre da intervenção do Estado tornou-se atualizada(para um interessante relato das tentativas de criaruma �cultura de mercado� e para convencer aspessoas de que a teoria estava de acordo com arealidade, ver Reddy, 1984). Desenvolveu-se aidéia de que a economia era uma esfera separadae era, de fato, autônoma na sociedade. Elias(1984:29) sugere que essa reivindicação por auto-nomia apresentava pelo menos três aspectos:

Era uma reivindicação que afirmava a autonomia do nexo das

funções que formavam o tema principal da ciência da econo-

mia, da autonomia em relação a outras funções, tema princi-

pal de outras disciplinas. Era uma reivindicação à autonomia

da ciência, cujo tema principal era esse nexo, de suas teorias

e métodos em relação aos de outras disciplinas. Era também

uma reivindicação à autonomia da classe de pessoas

especializadas no desempenho dessas funções, em relação a

outros grupos sociais e, sobretudo, em relação aos governos.

Podemos, portanto, tentar compreender os pro-cessos mediante os quais a economia passou a

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posicionar-se como uma esfera social independen-te e a ciência da economia, relativamente autôno-ma, se desenvolveu. Já relatamos alguns modospelos quais a esfera cultural pode ter se deslocadoem direção à autonomia e essa trajetória mereceuma abordagem muito mais ampla. Existem, po-rém, importantes diferenças entre as esferas, nãoapenas no nível da autonomia alcançada, mastambém no déficit do poder potencial dos especia-listas em produção simbólica (artistas, intelectuais,acadêmicos), em comparação com os especialis-tas econômicos e outros grupos, bem como na na-tureza da forma, conteúdo e eficácia social dossímbolos e bens culturais produzidos. Conformeassinala Bendix (1970), seguindo o raciocínio deWeber, os especialistas em religião que monopo-lizaram o conhecimento mágico-mítico propiciavamcrenças que tinham um significado mundano e umautilidade pública enquanto meios de orientaçãopara as pessoas comuns. O conhecimento dos ar-tistas e intelectuais não oferecia benefícios práticossemelhantes, apesar das convicções de seus de-fensores. Embora os artistas, em face de suas ca-pacidades, possuíssem mistérios que os tornavamformidáveis, tais habilidades não proporcionavampoder no sentido religioso e o conhecimento oculto,sem um propósito aparente, pode até mesmo tertornado as elites culturais suspeitas para opopulacho (Bendix, 1970:145). No entanto, a de-manda por tais bens pode aumentar quando ela sedireciona para uma sociedade baseada no consu-mo e nas credenciais, com seu mercado mais am-plo para os bens culturais e uma expansão daeducação superior.

O empenho em firmar uma esfera autônoma daalta cultura pode ocultar uma série de tensões e in-terdependências na produção da cultura em geral.Pierre Bourdieu (1984, 1985), por exemplo, sugeriuque o princípio organizador essencial da produçãocultural é situar o que vem em primeiro lugar: asconsiderações simbólicas, que geram aquilo queele denomina �o campo da produção cultural restri-ta�, ou as considerações econômicas (�o campo daprodução cultural em larga escala�). Conformemencionado, os artistas e os intelectuais tendem aenfatizar sua autonomia em relação ao mercado eà vida econômica. Para Bourdieu, entretanto, aquiopera uma dinâmica relacional, pois a negação do

mercado e a relevância do capital econômico sebaseiam em �interesse pelo desinteresse�, isto é,um interesse pelo aumento do prestígio e relevân-cia de seus bens culturais, do capital cultural sobreo capital econômico. O quadro se complica aindamais devido ao fato de que a subárea da produçãoartística e intelectual pode ser vista como parte deuma série contínua, que consiste em quatro par-tes: (1) as pequeninas sociedades que se admi-ram mutuamente, compostas pelas vanguardas epela boêmia, que seguem mitos de criação e su-perioridade carismática e que são altamente autô-nomas em relação ao mercado; (2) instituiçõesculturais, tais como as academias e museus, rela-tivamente autônomas no que se refere ao merca-do e que estabelecem e mantêm suas próprias hie-rarquias e cânones simbólicos; (3) os produtoresculturais que obtêm o endosso da �alta sociedade�e das classes superiores, além do sucesso, e cujosucesso cultural está estreitamente ligado ao lucroeconômico e ao sucesso do mercado; (4) os produ-tores culturais que alcançam uma vasta platéia ouo sucesso �popular� e cuja produção está estreita-mente ligada às injunções do mercado (verBourdieu, 1983a:329).

Podem-se fazer inúmeras observações sobre ointer-relacionamento das subáreas e o conceito deprodução cultural como um todo.

Em primeiro lugar, esse modelo, que enfatiza arelativa heteronomia e autonomia das váriassubáreas em relação ao mercado, assinala odeterminismo relacional das várias partes da esferacultural como um todo. Ele sugere que a valoriza-ção da alta cultura e a desvalorização da culturapopular variarão à medida que as vanguardas cul-turais e as instituições culturais desenvolvam emantenham autonomia e legitimidade. Temos, por-tanto, de examinar a interdependência e as altera-ções do equilíbrio de poder entre os especialistasde bens simbólicos e os especialistas econômicos,de um modo que dê conta da diferenciação das di-versas subáreas da esfera cultural.

Em segundo lugar, não devemos focalizar ex-clusivamente esses grupos. O processo que deuorigem à esfera cultural e à cultura do mercado demassa ocorreu em diferentes processos de forma-ção do Estado e em diferentes tradições nacionais.Maravall (1986), por exemplo, argumenta que o de-

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senvolvimento de uma cultura de massa naEspanha do século XVII deveria ser compreendidounicamente em termos de fatores econômicos. Elevê o desenvolvimento da cultura barroca comouma reação cultural conservadora à crise enfrenta-da pelo Estado espanhol (em particular os setoresmonárquicos e senhoriais), que manipulava a pro-dução da cultura para gerar uma nova cultura deespetáculos destinados às massas urbanas em ex-pansão.

Outro exemplo apresenta relevância direta paraa autonomia potencial da cultura. As peculiarida-des do processo de formação do Estado francês,que alcançou alto grau de centralização e integra-ção, também promoveram a visão segundo a quala cultura francesa representava a civilização uni-versal e a metacultura da humanidade. Tal visãonão apenas facilitava uma atitude séria para com acultura, através do desenvolvimento das institui-ções culturais, como também favorecia o desenvol-vimento da cultura como uma especialização e umestilo de vida prestigiosos. Isso era particularmenteverdadeiro para aquela fração da classe médiaatraída pelos ideais culturais do Iluminismo e peloestilo de vida do escritor independente do séculoXVIII (Darnton, 1983). Proporcionava também abase para o desenvolvimento da boêmia e da van-guarda artística e literária de Paris, a partir da dé-cada de 1830 (Seigel, 1986). Assim, paracompreender as diferentes avaliações societáriasda �alta cultura� ou a aplicabilidade transcultural doconceito de �capital cultural�, elaborado porBourdieu, precisamos ter a consciência de que aaceitação e a eficácia social das formas reconhecí-veis do capital cultural variam em relação ao graude integração social e cultural da sociedade. Forade centros metropolitanos específicos dos EstadosUnidos, o capital cultural, isto é, o conhecimento daalta cultura e das disposições e gostos adquiridosque manifestam esse conhecimento, recebe me-nos legitimidade e potencial de investimento doque na França (Lamont e Lareau, 1988).

Em terceiro lugar, embora certas subáreas daesfera cultural alcancem relativa autonomia, suaspráticas culturais ainda podem afetar a vida cotidia-na e a formação dos hábitos e disposições de gru-pos mais amplos, fora da esfera cultural, conformeindica nosso exemplo francês. Seria proveitoso in-

vestigar o lugar das idéias culturais do tipo �o artis-ta como herói� e a veneração pelo estilo de vida doartista e do intelectual por parte de diferentes gru-pos, processos educacionais e a mídia cultural demassa (alguns passos nessa direção se encontramnos dois capítulos seguintes). Alguns comentado-res creditam à esfera cultural considerável influên-cia sobre a cultura cotidiana. Bell (1976) afirma queo modernismo artístico, com suas estratégiastransgressivas, influenciou fortemente a cultura doconsumo e ameaça a base do vínculo social.Martin (1981) também ponderou os efeitos do mo-dernismo cultural e da contracultura sobre a culturabritânica. Carecemos também de estudos mais sis-temáticos sobre o papel exercido pela esfera cultu-ral na formação das disposições, hábitos e meiosde orientação para diferentes grupos. Tais estudosajudariam a investigar as conexões entre as pers-pectivas sociogenéticas e psicogenéticas, na medi-da em que a formação da pessoa culta ou instruídaencerra certas tendências que correspondem aomodo como os processos civilizatórios asseguramo controle dos afetos e a interralização dos contro-les externos. Além disso, precisamos focalizar osprocessos em longo prazo que formam as platéiase o aumento de públicos para determinados tiposde bens culturais, produzidos nas várias subáreasda esfera cultural.

Nossa discussão sobre a esfera cultural sugere,portanto, a necessidade de um conceito mais dife-renciado sobre essa esfera, em que a relativa auto-nomia das várias subáreas seja investigada. Issonos capacitaria melhor a entender o relacio-namento entre aqueles setores que procuram al-cançar maior autonomia (alta cultura) e aquelesmais diretamente ligados à produção para os mer-cados populares, em se tratando de bens culturais(a cultura do consumo de massa). Conformeenfatizamos, o relacionamento entre esses setoresnão é fixo ou estático, porém é mais adequadoconcebê-lo como um processo. É importante levarem conta as várias fases que acabam acarretandouma autonomia, a qual, segundo se mencionou,era particularmente notável na França do séculoXIX, e uma heteronomia (fases de desclassificaçãocultural, na qual os encraves culturais são inseridosem mercados econômicos mais amplos, abertosaos bens culturais, tais como o pós-modernismo).

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Faz-se necessário focalizar certas fases na históriade determinadas sociedades, a fim de compreen-der os processos que levam à formação e à defor-mação da esfera cultural. Isso pressupõe examinarum determinado intergrupo, as lutas de poder e asinterdependências de classe, que aumentam ou di-minuem o poder potencial dos especialistas cultu-rais e a valorização societária de seus bens eteorias culturais.

Seria útil, a esta altura, investigar o relaciona-mento entre determinadas concepções teóricas danatureza, do alcance e do propósito da cultura pro-duzida por especialistas culturais e os movimentosdiferenciais que visam alcançar a autonomia e aheteronomia. Nossa intenção, neste capítulo, foi ade argumentar em favor da perspectiva de um pro-cesso em longo prazo na cultura e na qual oenfoque não se encontra nem na produção culturalnem no consumo cultural per se. Em vez disso, pre-cisamos examinar seu necessário inter-relaciona-mento e os movimentos em direção às teorizaçõesque enfatizam a exclusividade do valor explanató-rio de cada uma dessas abordagens, tendo em vis-ta a ascensão e queda de determinados conjuntosde pessoas envolvidas com as interdependênciase as lutas de poder. Com efeito, precisamosenfocar os processos, em longo prazo, da produ-ção cultural nas sociedades ocidentais, que possi-bilitaram o desenvolvimento de uma enorme capa-cidade de produzir, circular e consumir benssimbólicos.

Notas:

Uma versão anterior deste capítulo foi apresentada na Con-ferência do Grupo de Teoria Germano-Americano, realizadaem Bremen em julho de 1988, tendo sido publicada por R.Munch e N. Smelser (org.), no livro Theory of Culture(California University Press, 1992). Gostaria de agradecer aPeter Bailey, Josef Bíeicher, David Chaney, Mike Hepworth,Stephen Kalberg e Stephen Mennell os comentários que fi-zeram a essa versão.

1 Promessa de felicidade. Em francês, no original. (N. do T.)

2 Por excelência. Em francês, no original. (N. do T.)

3 O relacionamento entre os valores e a ação é complexo,conforme atesta a literatura secundária sobre A Ética Protes-tante (Protestant Ethic), de Weber (ver Marshall, 1982:64ss).A discussão que Bendix (1970:146ss) empreende em tornode A Ética Protestante é um esclarecimento útil das diferen-tes maneiras segundo as quais os valores culturais sãotransmitidos ao povo, sob condições contrastantes de religi-osidade e secularização intensas. O estudo de Campbellnão dedica suficiente atenção ao nexo interpessoal da con-duta e ao importante papel que os especialistas culturais de-sempenham ao tentar promover, transmitir e sustentarcrenças, sob condições de um aumento da secularização,nas quais se pode presumir um hiato maior entre a alta cultu-ra e a experiência cotidiana. Embora saibamos que a classemédia tem maior capacidade de encarar as crenças seria-mente, precisamos ter mais provas dos efeitos da crençasobre a conduta.

*O presente artigo faz parte do livro O Desmanche daCultura - globalização, pós-modernismo e identidade,

publicado pela Editora Studio Nobel em 1995. Suareprodução foi concedida pelo autor Mike Featherstone

em 23.08.99.

**Mike Featherstone leciona Sociologia e Comunicações naNottingham Trent University, Inglaterra. É editor fundador darevista �Theory, Culture & Society� e diretor do TCS Center.

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Ninguém pode negar o importante papel de-sempenhado pela publicidade no seio dasociedade atual. Nota-se, cada vez mais,

que a publicidade é um meio fundamental para dis-seminar ideologias e comportamentos, utilizando-se, muitas vezes, de alguns sentimentos comoforma de manipular o público-alvo.

Considerando que a publicidade visa a influenciaros consumidores no sentido da aquisição do produto,espera-se que ela reflita as tendências do momentoe os sistemas de valores da sociedade, instalando-se um maquinismo entre o desejo e a satisfação quecada ato de consumo vem pôr em movimento.

A aquisição de um produto pode ser representa-da pelo seguinte quadrado semiótico, que revela ascategorias modais:

Têm-se, então, dois eixos modais: a) o eixo dasmodalizações exógenas, modalizações do sujeitoheterônomo (dever vs. poder); b) e o eixo dasmodalizações endógenas, modalizações do sujeito au-tônomo (saber vs. querer). Aparecem também dois es-quemas modais: c) o das modalizações virtualizantes,modalizações do sujeito virtualizado (dever vs. querer);d) e o das modalizações atualizantes, modalizações dosujeito atualizado (saber vs. poder).

A Publicidade à Luzda Semiótica das Paixões

Sônia Regina de Araújo Caldas*João Antonio de Santana Neto**

O discurso publicitário tende, cada vez mais, aevidenciar necessidades a satisfazer e anseios aconcretizar, revelando ao consumidor a possibilida-de de supressão de uma lacuna. Esta lacuna podeser, então, definida como �Paixões de falta� strictosensu (Paixão fiduciária - insegurança e/ou Paixãode objeto - aflição, ansiedade).

O consumidor conserva uma aparência de arbí-trio, mas está condenado a responder a estímuloscujos mecanismos, muitas vezes, não lhes sãoclaros, justamente porque a linguagem que o co-manda atingiu requintes de extrema sutileza, consi-derando-se que a linguagem é fruto da comunhãode dois processos criativos: a criação intelectiva e acriação afetiva.

A criação intelectiva parte do princípio de que aconvicção intelectual é um impulso importante, queleva à ação, e o discurso publicitário visa a manterou a alterar uma situação. Tais ações são pretendi-das pelo enunciador e provocadas ao consumidor.A influência intelectual que o enunciador pretendeexercer sobre o consumidor pode ser classificadasegundo dois graus de intensidade: a comunicação(dar a conhecer), e a prova.

Contudo, o convencimento não é o objetivo prin-cipal do discurso publicitário. Muito mais do queuma argumentação lógica, ele visa a uma argumen-tação afetiva, a uma persuasão, pois parte do prin-cípio de que o consentimento afetivo é um impulsoseguro que leva à ação, como também do princípiode que o convencimento afetivo pode preencherpossíveis lacunas da convicção intelectual. Trata-

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se, portanto, da criação afetiva. Nessa, tambémtem-se dois graus de intensidade: o grau mais sua-ve dos afetos, que busca a benevolência, e o graumais violento dos afetos, que objetiva a comoção.

A publicidade associa ao produto um determina-do valor descritivo, definido na estrutura profunda,transformando-o num objeto-valor. Através de ima-gens de vida, num mundo idealizado pelo público-alvo, a comunhão das linguagens verbal e não-ver-bal tem por objetivo montar um texto, organizado eestruturado de tal forma que sejaum �todo de sentido�, em que cadatipo de linguagem presente reflita,por intermédio de seus signos, o(s)valor(es) descritivo(s) associado(s)ao objeto, essa concepção de ob-jeto-valor.

Logo, o produto é apresentadoao consumidor como a forma �má-gica� que solucionará o seu problema, despertan-do-o como sujeito modal do /querer-ser/, revelandosua insegurança (Paixão fiduciária de falta) e/oudespertando sua ansiedade (Paixão de falta do ob-jeto). A aflição e a insegurança refletem uma esferatensa pela disjunção, quando o consumidor /quer-ser/, /crê-não-ser/, /não-sabe-poder-ser/. O produto,apresentado pela publicidade, revela-se no motivodo seu anseio, tendo em vista a satisfação de umafalta (do objeto) e a supressão da insegurança.

Através de um texto que se vale do processoestilístico do viés, o discurso publicitário apoia-sena categoria gramatical do ser vs. parecer, queconstitui a primeira articulação semântica das pro-posições atributivas. Obtêm-se, assim, quatro cate-gorias de posição imediatamente superior à dicoto-mia fundamental, que são verdadeiro, falso,segredo, mentira:

Conforme mencionou-se anteriormente, a publi-cidade está inserida num contexto socioeconômi-co-cultural, refletindo suas tendências. Como texto,ela apresenta signos (tanto verbais quanto não-

verbais) que levam o consumidor a reconhecer-seou não como membro de um grupo (público-alvo).Conseqüentemente, como membro desse grupoou aspirante a membro, o consumidor vê-se com-pelido a adquirir o produto, objetivando suprir suainsegurança e ser mantido ou aceito pelo grupo.

A propaganda, então, não reflete simplesmenteo mundo real, mas cria imagens de vida que funcio-nam ao nível do devaneio, implicando uma insatis-fação com o mundo real, expressa por meio de

representações imaginárias do fu-turo tal como ele poderia ser: umautopia.

Retorna-se, assim, às quatrocategorias da modalização vere-dictória, anteriormente apresenta-da. O consumidor, então, pode serclassificado como: a) sujeito virtu-alizado � não-conjunto com o obje-

to, mas operador das estruturas elementares designificação; b) sujeito realizado � conjunto com oobjeto.

O querer e o dever determinam um sujeito virtu-alizado, enquanto o saber e o poder determinamum sujeito atualizado. Entretanto, só ao adquirir oproduto o consumidor passará à categoria de sujei-to realizado.

Ao adquirir o produto, o consumidor, entãocomo sujeito realizado, deixa de ser sujeito do fa-zer que visa à conjunção e torna-se um sujeito jáconjunto que objetiva o prazer de seu objeto. Umavez conjunto ao sujeito, o objeto perde, de algummodo, seu status pragmático e transforma-se emobjeto tímico, objeto de prazer que é fonte de eufo-ria ou de disforia.

A euforia é representada pela satisfação do su-jeito realizado com o prazer proporcionado pelo ob-jeto (Outras paixões complexas - paixões deobjeto). A disforia é representada pela decepção epela desilusão do sujeito realizado em face do pra-zer proporcionado pelo objeto (Outras paixõescomplexas - fiduciárias de confiança).

A publicidade tende a funcionar em nívelonírico, mostrando geralmente estereótipos esteti-camente valorizados pela sociedade e construindoum universo imaginário em que o enunciatário con-segue materializar os desejos insatisfeitos da suavida quotidiana.

O convencimento não éo objetivo principal dodiscurso publicitário.

Muito mais do que umaargumentação lógica, elevisa a uma argumentaçãoafetiva, a uma persuasão.

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O discurso publicitário não teria o fascínio se a in-veja social dos seres humanos não fosse uma emo-ção comum e generalizada. A lacuna entre o que apublicidade realmente oferece e o futuro que prometecorresponde à lacuna entre o que o consumidor senteque é e o que ele gostaria de ser. Tal lacuna, em vezde ser preenchida pela ação ou pela experiência vivi-da, é preenchida por devaneios fascinantes.

A inveja social funciona, então, como uma das�molas� que impulsionam a publicidade, e pode serde dois tipos: a) sentimento de tristeza, de irritaçãoou de ódio que anima contra quem possui um bemque não se tem. Nesse tipo de inveja S1/S2, oactante objeto O medializa a inveja de S1 com rela-ção a S2; b) desejo de gozar de uma vantagem, deum prazer igual ao de outrem. Trata-se da invejaS1/O e o actante S2 medializa o desejo de S1. O pa-pel de mediador poderia ser interpretado, no caso,a partir do objetivo do sujeito S1: através de O, S1

visa a S2 e, através de S2, S1 visa a O.

Ao mostrar as pessoas tal como elas poderiamvir a ser, a publicidade só faz apresentar, por impli-cação, o que elas não são presentemente. Retra-tando um mundo imaginário onde as pessoas sãobelas, felizes, socialmente seguras e bem-sucedi-das, a publicidade se fundamenta no desejo sub-consciente de um mundo melhor através do seuinteresse capital: o consumo individual como formade superar a fealdade, a infelicidade, a inseguran-ça, a solidão, a frustração.

A segunda �mola� é o ciúme, o qual explicitauma cena passional com vários papéis. O ciúme érepresentado pelo temor de perder o objeto paraum rival ao menos potencial ou imaginário. Este te-mor do rival nasce da presença do objeto-valor quefunciona como pivô.

O percurso passional é função de relaçõesduais entre três actantes, e o conjunto é orientadopela perspectiva adotada pelo ciumento. Desseponto de vista, não se tem um tipo de ciúme, mas

FOTO: MÁRCIO LIMA

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dois, que podem ser: a) uma depressão e um sofri-mento; b) um temor e uma angústia. Se o aconteci-mento decisivo - a junção do rival com o objeto - écaptado antes de sua ocorrência, a relação de riva-lidade - S1/S2 - passa para o primeiro plano e des-perta o temor: vigia-se o rival, procura-se frustrarsuas abordagens e desviá-lo do objeto, conquis-tando-se este último e excluindo-se o rival. Se oacontecimento já ocorreu, resta ao ciumento a vin-gança ou nada a fazer; entretanto, a relação deapego - S1/O,S3 - passa ao primeiro plano. Emsuma, o ciúme está na interseção da configuraçãodo apego e da rivalidade, que correspondem, res-pectivamente, à relação entre o ciumento e seu ob-jeto - S1/O,S3 - e à relação entre o ciumento e seurival - S1/S2.

A relação entre o ciumento e o objeto, definidaanteriormente como apego, está associada: a) à in-tensidade que pode ser interpretada como uma ne-cessidade, repousando num /dever-ser/ quemodalizaria a junção. Este /dever-ser/ comprome-te, de certa forma, a existência semiótica do sujei-to, visto que, uma vez rompido o apego, o sujeitodeveria regressar a uma fase pré-semiótica ondenada mais teria valor para ele; b) ao desejo de pos-sessão exclusiva, quando o sujeito, já conjuntocom o objeto, está situado na dimensão tímica, enão mais na dimensão pragmática, isto é, devido àposse, o objeto transforma-se em fonte de prazerque é fonte de euforia.

A terceira �mola� é a sombra, �sentimento dedesconfiança�, �temor de ser eclipsado, mergulha-do na sombra por alguém�. O dispositivo de base ésempre o mesmo: a configuração da rivalidade,sem objeto definido, mas captada na perspectivade apenas um dos sujeitos. A sombra toma por re-ferência a competência de S1, repousando sobre odispositivo actancial S1/S2/O,S3 e especializando-se como �temor� (prospecção) - relação de rivalida-de - ou como �sofrimento� (retrospecção) - relaçãode objeto.

A relação de conjunção entre o sujeito e o obje-to-valor leva a classificá-lo como sujeito da posses-são � é um sujeito que já detém a posse do objeto.A possessão pode ser definida como a faculdadede usar um bem de que se dispõe, ou seja, de de-ter-se um bem e servir-se dele. O sujeito da pos-sessão não é um sujeito do fazer que objetiva a

conjunção, porém um sujeito já conjunto que visaao prazer de seu objeto. Percebe-se, no entanto,que há um sujeito do fazer que dá prazer ao sujeitode estado, mas estaria situado na dimensão tímica,e não mais na dimensão pragmática, a qual levou àconjunção com o objeto. Então, a compra do objetoestaria situada na dimensão pragmática (S1=S2) e oprazer que este sujeito da possessão teria em dis-por dela estaria situado na dimensão tímica. Com aposse do objeto, este perde de alguma forma seustatus pragmático e transforma-se em objetotímico, objeto de prazer que pode ser fonte de eufo-ria ou disforia para o sujeito.

Pode-se perceber que o sujeito da possessão éaquele que dispõe de um bem e pode servir-se dele.Sendo assim, ele pode também ser classificado comoum sujeito volitivo, que, uma vez conjunto, desdobra-ria toda a extensão do seu querer sobre o objeto.

Logo, pode-se concluir que a publicidade procu-ra despertar o desejo do público-alvo através damanipulação sobre a paixão fiduciária, projetandosobre esta a imagem de que o objeto-valor apre-sentado é que vai solucioná-la, transformando-aem uma paixão de objeto. A partir daí, desperta oquerer e/ou o dever, (paixão de virtualização)virtualizando o sujeito que aceita a manipulação.No seu processo manipulador, a publicidade doa osaber e espera que o sujeito adquira o poder, (pai-xão de atualização) atualizando o sujeito. O próxi-mo passo situa-se na dimensão pragmática emque o sujeito, através da compra do produto anun-ciado, entra na posse do produto (paixão de reali-zação). Passa-se, assim, à dimensão tímica, naqual o sujeito já conjunto com o produto anunciado(objeto-valor) tem o prazer da posse, a qual podeser fonte de euforia (paixão de confiança � consi-derada confiança positiva pelo sujeito � o que oleva à paixão de objeto � alegria, satisfação) oupode ser fonte de disforia (paixão de confiança �considerada confiança negativa ou desilusão pelosujeito � o que o leva à paixão de objeto � tristeza).

Referências Bibliográficas:

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamen-tos semióticos. São Paulo: Atual, 1988.

_______. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1990.

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CALDAS, Sônia Regina de Araújo e SANTANA NETO, João An-tonio de. A feminilidade no anúncio de um cigarro: uma visãosemiótica. Anais do VIII Seminário do Centro de EstudosLingüísticos e Literários do Paraná. Umuarama: UNIPAR,1995. p. 449-55.

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GREIMAS, Algirdas Julian e FONTANILLE, J. Semiótica das pai-xões - dos estados de coisas aos estados de alma. Trad.Maria José R. Coracini. São Paulo: Ática, 1993.

*Sônia Regina de Araújo Caldas é doutoranda em Letras eprofessora da UCSAL.

**João Antonio de Santana Neto é doutor em Letras,professor da UCSAL, UNEB e UFBA.

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Aforça dos movimentos de contraculturainsurgidos nos anos 60/70, mesmo provo-cando mudanças profundas na ordem soci-

al vigente - a transformação na família patriarcal,os movimentos de liberação da sexualidade, o fe-minismo - não foi capaz de conter o furor da culturado consumo que então se afirmava. Assim, chega-mos ao final deste século, com um sentimento uni-versal e inquestionável relativamente ao poder doefêmero e da ilusão da imagem. Essa sensaçãoprismática deve-se à seqüência de elementos eacontecimentos difundidos ao longo das últimasdécadas. Assim, em todos os países se formarampontos luminosos conectados às redes estrutura-das pelas empresas transnacionais - ao ofertarembens de consumo (materiais ou simbólicos) - ligan-do entre si os consumidores (reais ou virtuais) nabusca de imagens que os identifiquem.

As redes, ao apresentarem uma realidade con-creta e também virtual, espalharam-se pelo planetacom densidade desigual, definindo assim umaapreensão também diferenciada relativamente aonovo padrão de civilização contemporânea, sobre-tudo para aqueles indivíduos que estão fora dospontos de luminosidade. A esses cabe navegar noplano da fantasia e dos sonhos, na ilusão de que épossível atingir o mundo paradisíaco anunciadonos outdoors fluorescentes.

A cidade de Salvador, Brasil, América do Sul, éum belo exemplar dessa pluralidade, pois váriosmundos disputam um espaço na construção deuma identidade comum e, ao mesmo tempo, dife-

renciada. A inserção desse espaço-cidade na �redereal�, construída pelo capitalismo transnacional,ocorreu justamente no momento em que a socieda-de brasileira se associava à lógica global da culturado consumo. Assim, desde os idos de 70 a velhacidade da Bahia tem sido impulsionada a adaptar eprojetar valores que oscilam entre �tradição e mo-dernidade� num contexto social dicotômico.

Temos a Salvador da orla, ponto luminoso,conectada aos prazeres reais e virtuais do mundo doconsumo e da individualidade, mas também temos acidade periférica, onde os moradores vivem relativa-mente à margem do consumo real, mas que bebeme sonham valores simbólicos e imagens projetadospelo mundo do consumo. Sem dúvida, as mídias e,ultimamente, de forma mais acentuada, a música(elemento particular de conexão internacional) têmdesempenhado um papel crucial nesse processo.

O presente artigo pretende averiguar a relação queos cidadãos residentes em Salvador vêm estabele-cendo com o mundo do consumo e da imagem nestefinal de milênio. Partindo do princípio de que apesardo acesso real aos bens materiais ser privilégio depoucos, muito poucos, estamos diante de uma comu-nidade extremamente criativa, onde as fantasias e ossonhos ganham vida com muita singularidade.

Acredito que o consumo conspícuo seja um dosprincipais elementos de integração e de construçãoda imagem entre os indivíduos residentes nesse es-paço-urbano-cultural. É claro que, a depender da lo-calização social desses indivíduos, sua relação como objeto ou com a imagem projetada por este, assu-

Cultura do Consumo: váriosmundos em uma cidade

Carlota Gottschall*

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me papéis diferenciados. Assim, o �valor de troca sig-no�1 pode ganhar representação de status e/ou deinserção, integração sociais. Nos dois casos, a refe-rência principal é a imagem. Independentemente dovalor de uso e da satisfação individual do produto,esta transferência imagética para a sociabilidade ex-pressa o conflito existente numa sociedade cuja tra-dição hierárquica é tão fortemente difundida.

Para que possamos ampliar nosso campo de in-vestigação a respeito dessa hipótese, irei recorrer aalguns conceitos teóricos. Comece-mos pelo debate relativo à dissemi-nação da Cultura do Consumo. Esseestilo de capitalismo prende-se àconvergência de alguns fatores queparecem consensuais entre os ana-listas: o crescimento das cidades -em nenhum outro momento da histó-ria da Humanidade tantas pessoasviveram nos espaços urbanos; a elevação do padrãode vida; a diversificação das mercadorias; o cresci-mento no consumo dos serviços; a propagação mun-dial de produtos e estilos de vida; o culto ao lazer e aoprazer; e, principalmente, a difusão midiática.

Dentre os vários fatores que conformaram a soci-edade de consumo, a mudança no estilo de acumu-lação do capital teve um efeito bombástico. A lógicado efêmero jogou um papel decisivo nessa transfor-mação, pois, não somente alterou o �tempo de vida�do produto, que passou a ser regido pela primazia do

instantâneo e do descartável, como também deslo-cou a posição do consumo relativamente à acumula-ção do capital - de mero resultante da produçãopassou a promotor de valores culturais e gerador deriqueza.

�Frente à volatilidade da moda, dos produtos, dosprocessos de trabalho, das idéias e ideologias, dos va-lores e práticas estabelecidas� (Harvey, 1992), o con-sumo passou a ser visto como �um vasto complexoflutuante de signos e de imagens fragmentárias, que

terminou por desestabilizar a ordemcultural anteriormente estabelecida�(Featherstone, 1995). A imagempassou a jogar na arena do consumoum papel fundamental, assumindo,segundo as necessidades dos inter-locutores, feições diferenciadas.

Para as empresas, a competiçãono mercado da construção de ima-

gens passou a ser sinônimo de lucro e identidade.No primeiro momento, o investimento na imagem setornou tão importante quanto o realizado em pesqui-sa ou maquinário. Hoje, com a produção estruturadaem unidades flexíveis e fornecedores especializa-dos, as griffes das empresas estão sendo mais valo-rizadas que as próprias fábricas.

Na organização espacial das cidades, a padro-nização das imagens vem, cada vez mais, ga-nhando força empresarial. A indústria transnacio-nal de material de construção, os estilos pasteuri-

A imagem passou a jogarna arena do consumo um

papel fundamental,assumindo, segundo as

necessidades dosinterlocutores, feições

diferenciadas.

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zados das edificações, a indústria do patrimôniohistórico, são exemplos de um comportamento em-presarial que aponta para a homogeneização, em-bora a expressão máxima dessa tendência estejaestampada nos espaços �desterritorializados� quese espalham pelo mundo: parques temáticos,resort, shopping center, free shopping, museuscontemporâneos.

Para o indivíduo, a aquisição de uma imagemvem tendo significado cada vez mais importante.Em geral, essa imagem é cambi-ante,2 assumindo diferentes cono-tações de acordo com os códigosdos grupos, que são definidos se-gundo uma �ética específica e noquadro de uma rede de comunica-ção� (Maffesoli, 1998). Agindo nosentido de despertar no �persona-gem� o sentimento de pertenci-mento, a imagem social pode serrica em significados: �auto-apresentação no merca-do de trabalho; identidade individual, status social,auto-realização, significado de vida�3 ou, mesmo,de inserção social, como ocorre nas cidades doTerceiro Mundo.

O desejo dos indivíduos, independentementede sexo, raça ou posição social, vem sendo mes-clado pelo conjunto simbólico de signos-mercadori-as. Entretanto, o despertar desse anseio, assimcomo a �felicidade�, concretizada pela �posse� deum objeto, têm significados particulares. Traços dapersonalidade individual, contexto cultural (regionale local), condição socioeconômica, valor de uso damercadoria e eficiência no uso das mensagens pu-blicitárias são fatores que podem influenciar na es-colha de um produto ou na definição de seu valorsimbólico para o cidadão, que, cada vez mais, étratado pelo gestores públicos e privados comoconsumidor (no sentido massificante do termo).

Os estudiosos, em geral, ao tentarem inter-pretar a propensão a consumir dos indivíduos,terminam supervalorizando o aspecto psicosso-cial. Assim, o jogo de valores simbólicos (indivi-duais ou coletivos) é considerado como avariável principal das análises. Vejamos algu-mas concepções teóricas relativas ao papel daimagem no despertar do desejo de consumir. Noentender de Campbell,

...a atividade essencial do consumo não é a seleção, aquisição

ou uso real dos produtos, mas a procura imaginária do prazer a

que se presta a imagem do produto. O consumo ´real� é, em

grande parte, o resultado desse hedonismo �mentalístico�.

(Campbell apud Featherstone, 1997).

Para Veblen (1953), o consumo conspícuo - aque-le que dá visibilidade ao sujeito, que lhe confere statussocial - está na essência do desejo de consumir.Bourdieu também é adepto dessa referência, �deter-

minadas constelações de gostos,preferências quanto ao consumo epráticas de estilo de vida são associ-adas a ocupações específicas e fra-ções de classes� (Bourdieu apudFeatherstone, 1997).

Para Lipovetsky, a satisfaçãoindividual é o principal sentimentoque impulsiona o consumo. Veja-mos sua posição:

...o que se busca através dos objetos é menos uma legi-

timidade e uma diferença social do que uma satisfação

privada cada vez mais indiferente aos julgamentos dos

outros. O consumo não é mais uma atividade regrada

pela busca do reconhecimento social; manifesta-se em

vista do bem-estar, da funcionalidade, do prazer para si

mesmo. O consumo, maciçamente, deixou de ser uma ló-

gica do tributo estatutário, passando para a ordem do

utilitarismo e do privatismo individualista. (Lipovetsky,

1989).

Acredito que haja, em todas essas concep-ções, nuanças da realidade, pois o plano do imagi-nário vem, nesse final de milênio, assumindo umpapel fundamental na estruturação das relaçõessociais, econômicas, políticas e culturais. Semmedo de errar, podemos conceber que exista umaespécie de categoria transnacional de indivíduosidentificados pela disseminação de bens (materi-ais e/ou simbólicos). Favorecida, principalmente,pela difusão midiática, construiu-se um estilo sin-tonizado de comportamento/sentimento entre aspessoas, formando uma espécie de rede mundialde consumidores. Entretanto, não podemos deixarde considerar que esta sintonia tem limites. Limi-tes que, acredito, estejam relacionados à localiza-ção desses indivíduos na rede, se considerando a

As mudanças sucessivasde papéis terminaminduzindo também a

ausência de compromissodos indivíduos com as

virtudes abstratas -solidariedade, confiança,

lealdade.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.30-38 Setembro, 1999 3 3

imagem inicialmente concebida - pontos lumino-sos e espaços obscuros.

A era informacional4 vem acentuando essa ten-dência. As transformações na paisagem econômi-ca e a instabilidade no mundo do trabalho estãoafetando diretamente os vários campos de rela-ções. A predominância da perspectiva de curtoprazo vêm promovendo a valorização do efêmerona vida cotidiana. Isso sem falar na perda de refe-rência induzida pelo deslocamento dos valores tra-dicionais, nos quais, independen-temente de qualquer juízo devalor, estavam estabelecidas re-gras claras de convivência. Asmudanças sucessivas de papéisterminam induzindo também aausência de compromisso dos in-divíduos com as virtudes abstra-tas - solidariedade, confiança, le-aldade -, ao tempo em quesupervalorizam a identidade volá-til, construída sob a égide de umaimagem que, a princípio, não estáligada a lugar nenhum, ou seja, é�desterritorializada�.

O jogo das aparências (moda,sucesso, estilo de vida, mídia)pode nos levar a crer que estejamos vivendo um mun-do homogêneo, sem distinções. Porém esta suposi-ção não tem pertinência. A era informacional, até opresente momento, não alterou o princípio da desi-gualdade que norteia a história do capitalismo, muitopelo contrário - o monopólio internacional de capital(produtivo e volátil), somado à forma seletiva comovêm sendo usadas as novas tecnologias, tem acen-tuado as dessemelhanças entre os povos. A imagememitida no jogo das aparências ganha distinção e ra-zão de ser diferenciada, segundo as singularidadeslocais.

Assim, as fantasias, projetadas pelo marketing edifundidas pelos media, relativas à aquisição de umbem, ao se tornarem objeto de desejo são particulari-zadas relativamente ao indivíduo ou ao coletivo. Aí in-serem-se componentes tais como: estilo pessoal(educação, situação econômica, código do grupo,moda), valor de uso, qualidade do produto, acesso fi-nanceiro, status social e, até mesmo, sentido de per-tencimento.

A publicidade (propaganda, cinema, novela)vem trabalhando com muita eficiência os signosque dão conteúdo aos sonhos, às fantasias, �aprocura imaginária do prazer a que se presta aimagem do produto�.5 Mas em nenhum momen-to vislumbra neutralizar as diferenças, as desse-melhanças, mesmo quando cria campanhas uni-versais. As campanhas internacionais da Coca-Cola ou da Benneton são exemplos clássicos dorespeito às diferenças.

Vamos parte por parte. Acredi-to que o estilo global de vida,centrado na mundialização doconsumo e favorecido pelo maiorintercâmbio das pessoas, tenhacriado entre os indivíduos tradicio-nalmente ricos, de qualquer país,uma sintonia fina que lhes permiteum senso comum de consumo.Nesse contexto, o conceito de�utilitarismo e privacidade individu-alista� cunhado por Lipovetsky éperfeitamente aplicável. Outrassituações também convergem nosentido de fortalecer o individua-lismo: a popularização dos benstecnológicos, principalmente

aqueles relacionados à comunicação; a sociabili-dade efêmera que gera ausência de compromis-sos com o coletivo; os conflitos sociais quefomentam a violência urbana, são alguns aspectosque vêm contribuindo para acentuar o senso de in-dividualismo, principalmente entre os habitantesdos grandes centros urbanos.

Mas, ao lado desse mundo que clama pela indi-vidualidade, coexiste outro absolutamente distantedessa lógica. Tomemos como exemplo a periferiade Salvador. Nos bairros pobres da cidade, a im-portância da relação comunitária continua sendomantida como se ainda vivêssemos nos idos de 40/50. A convivência na rua entre os moradores temdiversos significados para a população local. Creioque os limites físicos da casa (várias pessoas mo-rando em pequenos cômodos), a estratégia de so-brevivência das famílias cujas mulheres trabalhamfora, a sociabilidade comunitária como alternativade lazer, são alguns dos elementos que tornam apreservação da vida comunitária fundamental. Ora,

A publicidade(propaganda, cinema,

novela) vem trabalhandocom muita eficiência os

signos que dão conteúdoaos sonhos, às fantasias,�a procura imaginária doprazer a que se presta a

imagem do produto�.5 Masem nenhum momentovislumbra neutralizar

as diferenças, asdessemelhanças, mesmoquando cria campanhas

universais.

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se estas pessoas (mais de um milhão de habitantes)sequer têm espaço físico e direitos que lhes permi-tam exercer o papel integral de indivíduos, a buscapela individualidade via objetos é simplesmente im-ponderável.

Vejo a cidade de Salvador como um tipo de so-ciedade plural, em que o consumo conspícuo,aquele que dá visibilidade, assume grande impor-tância ao cumprir diferentes papéis, em múltiplassituações. De início, podemos afirmar que a inscri-ção da cidade no mundo do turismoe do consumo lhe confere uma ima-gem planejada pelo marketing, cujaestratégia é tornar visível a convivên-cia harmônica entre os elementosda cultura tradicional (pela espeta-cularização) e os signos da moder-nidade (pela integração ao mercadomundial). Nesse caldo, com certe-za, tem muito dendê.

Segundo, diante do perfil daclasse de renda mais elevada - �no-vos ricos� e classe média - a aquisição de bens mate-riais e/ou simbólicos serve como passaporte para alegitimação social; já para os pobres, o consumo sepresta com mais força à inserção social. É semprebom reafirmar que esses jogos de valores e imagensse processam em um cenário cujas relações guar-dam, com muito apreço, os vínculos de tradição comuma cultura imperial - campos sociais claramentedefinidos.

Por expressar mais claramente a miscelânea dacultura local integrada à global, pretendo ater-memais detalhadamente à análise do consumo cons-pícuo na versão da inserção/interação social. Paratanto, utilizarei duas variáveis: a manifestação des-se sentido de consumo relativamente ao uso doespaço e a aquisição de bens tecnoculturais noauge do Plano Real.

O imaginário espacial

Em relação ao uso do espaço, começo recor-rendo ao antropólogo Sansone, quando analisa oresultado da pesquisa realizada com a populaçãojovem, negra e pobre que freqüenta os bailesfunks da periferia do Rio de Janeiro e Salvador.Vejamos o que afirma o pesquisador:

...nos dois lugares (Rio e Salvador), a forma pela qual se dá

uma inegável e crescente desinibição do jovem negro é por

meio das experimentações com o visual, o uso do corpo e o

consumo conspícuo (de bebidas, roupas, música, transpor-

te). (...) nos dois casos, os informantes (funkeiros) vêem o

consumo como meio para alcançar a cidadania, �para ser

gente�. (Sansone, 1998).

A projeção/interação social também é perceptí-vel relativamente aos espaços identificados com a

modernidade. É interessante res-saltar que a referência ao modernoparece fazer aflorar nos baianos osenso de pertencimento ao mundoglobal. Vejamos o que concluiSansone a esse respeito:

Para estes jovens, participar do funk em

Salvador é uma das formas de participar

da modernidade ou se imaginar em um

espaço próprio de modernidade; é uma

versão da modernidade que se combina

com a própria condição de jovem e negro-mestiço de

classe baixa não é antagônica à identificação factual de

baianidade. (Sansone, 1998).

Os shopping centers, particularmente oShopping Iguatemi, constituem-se em outroexemplo daquilo que, mesmo num planodiametralmente oposto de identidade, integra alógica do consumo versus imagem em um espa-ço relacionado à modernidade. Inaugurado nadécada de 70, esse exemplar de espaço�desterritorializado�, típico da arquitetura pós-moderna, foi muito bem aceito pela populaçãode Salvador desde o primeiro momento, a pontode estabelecer, ao longo desses anos, uma pro-funda interação empática com o estilo impressopelo citado Iguatemi, criando elos de influênciaem mão dupla, relativamente às singularidadeslocais.

No plano do imaginário, esse estilo de empreen-dimento assumiu significado de ícone de moderni-dade. Integrado ao planejamento de expansãourbana da cidade, a imagem projetada pelomarketing do Iguatemi, desde o começo, relacionavao empreendimento à vida cosmopolita. O anúncioinstitucional veiculado no principal jornal da cidade no

O poder da açãoparticipativa e

transformadora docoletivo relativamente aos

espaços tem uma forçacapaz de re-significar suasfunções, mesmo naquelesabsolutamente planejados,

imprimindo-lhe traçosda cultura local.

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dia da inauguração do empreendimento deixava claraessa intenção:

...com a inauguração hoje do Shopping Iguatemi Bahia, a ci-

dade ganha um empreendimento que tende a implantar aqui

o moderno conceito de compras associadas ao lazer. (...) No

mundo inteiro, shopping center é uma realidade não só co-

mercial: é também de diversão, interação e cultura. (...) En-

tregando a Salvador o maior e mais moderno Shopping

Center do Brasil, a Nacional Iguatemi e as empresas que a

constituem sentem-se convictas de haver contribuído signifi-

cativamente para o progresso desta capital. (A Tarde,

05.12.75).

Definindo um campo diferencial comparativa-mente às associações que ocorriam no centro dacidade, a marca Iguatemi foi tão profundamenteidentificada pela comunidade a um estilo de vidamoderno, que vem sendo reafirmada até os dias dehoje. Em uma pesquisa aplicada no ShoppingIguatemi, em 1997, pela empresa Interscience, to-das as classes de consumidores destacaram a mo-dernidade do espaço como sendo um dos fatoresde atratividade.

Estamos diante de dois tipos de �apropria-ção� de espaços, absolutamente diferenciados naessência, mas que convergem ao dar sentido àsfantasias e imagens projetadas pelos indivíduos

da comunidade. Assim, podemos constatar o po-der da ação participativa e transformadora do cole-tivo relativamente aos espaços. Força capaz dere-significar suas funções, mesmo naqueles abso-lutamente planejados, imprimindo-lhe traços dacultura local.

Na definição de Certeau (1994),

O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo

animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdo-

bram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que

o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam

a funcionar em unidades polivalentes de programas

conflituais ou proximidades contratuais. Em suma, o es-

paço é um lugar praticado. Assim, a rua, geometricamen-

te definida por um urbanismo, é transformada em espaço

pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço

produzido pela prática do lugar constituído por um siste-

ma de signos - um escrito.6

Na outra face da moeda, sob o mesmo uni-verso simbólico dos baianos de Salvador, va-mos observar o comportamento da população aoadquirir alguns bens de consumo. O momento éo auge do Plano Real, nos idos de 1995/96. Aanálise tem como referência a Pesquisa de Orça-mento Familiar9, aplicada pelo IBGE, em Salvador.O universo estudado são os gastos realizados pe-

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las famílias com a aquisição de produtostecnoculturais selecionados, considerando duasvariáveis: faixa de renda e grau de instrução.

Quando o consumidor virou real

Consultando os quadros a seguir, a primeiraconstatação que nos salta aos olhos é a não-equidade entre grau de instrução e nível de ren-da entre os consumidores soteropolitanos. Adespeito da participação das famílias de nívelsuperior ser predominante no consumo de, prati-camente, todos os itens, o mesmo não ocorrequando destacamos a variável gastos segundoas faixas de renda; neste caso, observa-se umamaior homogeneidade. Isto é, temos a presençade indivíduos com formação de 3o Grau alojadosem faixas de renda inferiores.

Mesmo diante da fragilidade de uma tradiçãocultural erudita, é previsível supor que, nas famí-lias de nível superior, as quais agregam cercade 300 mil pessoas, estão concentrados os prin-cipais consumidores dos produtos culturais. Aparticipação dessas, dentre aqueles que investi-ram em livros, chega a ser assustadora (75%).Comportamento similar é identificado entre osfreqüentadores de cinema/teatro (68%). O con-sumo de bens relacionados a música7, devido àforte influência desta na vida dos habitantes dacidade, foi um dos produtos culturais mais eqüi-tativamente demandados dentre as famílias detodos os níveis de instrução, havendo, até, umaleve predominância daquelas que possuem ní-veis educacionais menos elevados.

Em relação à aquisição de jornais o compor-tamento é mais equilibrado. Observa-se umamelhor distribuição entre todas as faixas de ins-trução (26% têm tão-somente ensino funda-mental). Isso, em Salvador, município queconcentra os melhores indicadores educacio-nais do estado. Vale destacar que o jornal esta-dual de maior circulação tem uma tiragem deapenas 122.430 exemplares. Essas informa-ções só vêm reforçar a hipótese de que os me-dia eletrônicos (televisão e rádio) são osprincipais veículos de informação e de exercíciode poder no Estado da Bahia.

Nessa fase do Real, out/95-out/96, as vanta-

gens da estabilidade da moeda e a flexibilidadedo crediário foram, sobremaneira, aproveitadaspela população de baixa renda. Esta, diante dosbenefícios conjunturais teve oportunidade dedeixar fluir velhas demandas reprimidas (reais esimbólicas). Assim, os produtos eletroeletrôni-cos foram a grande vedete - televisão em cores,conjunto de som acoplado, ar condicionado, mi-croondas. Entretanto, acredito que o vídeo-cas-sete (82,2% dos compradores ganhavam entre2sm-15sm) foi a expressão máxima do consumoconspícuo. Até porque, 56,5% dos consumido-res possuíam tão-somente nível de instruçãofundamental.

As famílias de classe média aproveitaram, comempenho, a oportunidade para investir na aquisi-ção de microcomputadores. A disseminação douso doméstico dos equipamentos, principalmenteapós a integração desses à rede mundial,internet, incentivou a sua aquisição pelas famílias.Outra informação indicativa do aumento daafiliação de domicílios à rede foi o aumento signi-ficativo do percentual de aparelhos telefônicos(não-celulares) adquiridos pelas famílias de nívelsuperior (59,1%) nesse período.

Até aí, tudo é perfeitamente compreensível.O que acredito ser digno de uma averiguaçãomais profunda diz respeito à participação relati-vamente elevada dos gastos das famílias comcursos de informática. Dentre os itens pesquisa-dos, observou-se uma relativa homogeneidadena distribuição dos gastos entre todas as clas-ses de renda, com um maior investimento dentreas famílias que agregam de 2 a 6 salários míni-mos. O mesmo ocorreu naquelas famílias quepossuem nível de instrução fundamental(23,4%).

Os quadros apresentados a seguir demons-tram mais detalhadamente o perfil dos gastos dafamílias com bens tecnoculturais, em um mo-mento econômico particular para os consumido-res brasileiros.

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Conclusão

Parece ser comum criar-se uma imagem paraum povo ou uma cidade que é socialmente aceitaentre os �nativos� e os �estrangeiros�; esta éconstruída a partir de traços de identidadeconsensuais. Entretanto, alguns tipos de socieda-des são mais afeitas a assumirem uma teatralida-de. Acredito que Salvador esteja incluída dentreessas, uma vez que aceita, desde os anos 40, a al-cunha da Terra da Felicidade, percorrendo cami-nhos que perpassam a imaginação popular, orientaas ações dos gestores (públicos e privados) e ali-

menta a fantasia dos estrangeiros. Muitas águas ro-laram debaixo dessa ponte. Já nem vale a pena pas-sar uma tarde em Itapuã. Mas a teatralidademantém-se, esta que, de tão forte, chega a costurara identidade dos baianos - a dita baianidade.

No jogo da competitividade espacial, a organização deuma teatralidade eclética garante vantagens comparativasde um lugar relativamente a outro. Nas cidades do TerceiroMundo, sobretudo naquelas localidades sem diferencialtecnológico, mas ricas em patrimônio cultural e ecológico,a montagem de um espetáculo teatral ganha feição de va-lor de troca. A valorização do espaço e a competição inte-

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rurbana vêm engendrando uma disputa onde a organiza-ção de espaços urbanos espetaculares se tornou ummeio de atrair capital e pessoas (do tipo certo). �A projeçãoda imagem para um lugar é construída considerando-seum conjunto fragmentado e cambiante de valores, ao qualse soma qualidades particulares locais a elementos des-territorializados� (Harvey, 1989).

Muito dificilmente os atores que compõem esse cená-rio, às vezes carregado de pinceladas fellinianas, poderi-am passar imunes a tal �alegoria� que, na verdade, resultade um somatório de situações diferenciadas, imersas emum universo que é interligado por uma imagem social queage como fio condutor no seio de uma sociedade forte-mente hierárquica. Assim, seu consumo ou sua fantasiade consumo ganham corpo, pois toda imagem requer pa-ramentos. Tendo a acreditar que, pelo caráter singular dasociedade baiana, do qual gostaria de destacar a elevadaconcentração de renda, o acesso ao mundo do consumo(real ou simbólico) adquire contornos que merecem sermelhor apreciados, sobretudo no que diz respeito ao con-sumo conspícuo.

Mesmo porque, dicotomicamente, o universosoteropolitano, apesar de extremamente tradicionalno trato político, é �pós-industrial� em sua conforma-ção econômica. Esta é uma cidade em que predomi-na o setor de serviços; as indústrias que a circundamsão automatizadas, as atividades turísticas e cultu-rais têm um rico potencial de crescimento.

O perfil dos consumidores acompanha a emergênciada economia, observando-se o predomínio de riquezasrecém-adquiridas. Os �novos ricos� são, geralmente, ori-ginários da tecnocracia empresarial ou do entorno do axémusic. Regidos pela lógica da ostentação, terminam pordefinir o padrão estético predominante na cidade. Emtese, essas classes de consumidores (A e B) sustentamos empreendimentos de lazer, comércio e serviços maisestruturados aí encontrados.

Por outro lado, também compondo esse universodesigual e combinado,1 temos hordas de pobres que,não duvidem, ao se apresentarem quantitativamente,são significativos para o conjunto da economia. Até por-que, como já observamos anteriormente, para esses oconsumo de bens reais ou simbólicos assume o papelde integração social.

Acredito que seja necessário investigar com maisprofundidade esse binômio de mão dupla: imagem/consumo e/ou consumo/imagem, que, indiscutivel-mente, vem moldando cada vez mais as sociedades

modernas. Estando a velha cidade da Bahia envoltanessa cortina de fumaça, seria interessante tentardesvendar alguns desses componentes que susten-tam a sociabilidade e suas formas de interlocuçãocom as demais sociedades globais.

Notas:1Caracterização apresentada por Veblen para representaçãodo valor de um bem segundo a lógica do consumo ostentatório.Ver Gilles Lipovetsky em O Império do Efêmero (1989).2A troca cambiante da imagem resulta das relações estabeleci-das com base no efêmero, ou seja, aquelas em que a cumpli-cidade social se esgota na ação. Daí a necessidade da trocaconstante de papéis.3Ver David Harvey, em Condição Pós-Moderna, 1989.4Termo concebido por Manuel Castells para caracterizar a atualetapa capitalista.5Ver Campbell, em citação transcrita anteriormente.6Ver Michel de Certeau no livro A Invenção do Cotidiano.7Ver, nos quadros, a discriminação dos componentes que inte-gram o item música.8Termo usado por Leon Trotsky para caracterizar a dicotomiacapitalista.

9 Ver informação POF páginas 57-59.

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*Carlota Gottschall ([email protected]) é mestranda doCurso de Comunicação e Cultura Contemporâneas Facom/

UFBA, editora da Revista Bahia Análise & Dados e professorado Curso de Comunicação da UCSAL.

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Vivemos em uma sociedade, denominada poralguns �a sociedade de consumo�, onde,cada vez mais, consumir passa a ser um de-

ver do cidadão e não um prazer. O sociólogo fran-cês Jean Baudrillard (1995: 108) alerta para o fatode ter se criado uma espécie de standard package,que define o conjunto mínimo de bens a possuirpelo consumidor para que ele possa receber o �títu-lo de cidadão da sociedade de consumo�, ou seja,para que ele se sinta fazendo parte do sistema enão seja excluído e ignorado.

O consumismo, que invade todas as esferas danossa vida cotidiana, acaba por afetar diretamente oespaço da cidade que passa a ser tratado claramen-te como um produto a ser vendido. Neste ponto, pas-sa a ter importância fundamental a indústria turística,que é vista como a grande solução para os proble-mas econômicos das cidades contemporâneas.

Assim, o projeto de cidade e a política urbana leva-da a cabo pelos governos locais investem pesada-mente na construção de uma imagem positiva para ascidades e atrativa para os investidores externos. A for-ma física vai tomando local de destaque e, cada vezmais, percebe-se o retorno da importância dada à es-tética no urbanismo contemporâneo, que se constituiem uma grande ferramenta para o marketing urbanocaracterístico de nossas cidades hoje.

A importância dada, hoje, à elaboração de um proje-to de cidade bem definido, acompanhado por uma es-trutura de marketing, deve-se ao fato de que estesfacilitam e impulsionam a atuação de agentes privados.

O urbanismo contemporâneo deve ser analisado

também a partir do fenômeno corrente da globalização,que leva à competitividade entre as cidades condicio-nada pela integração da sociedade em rede. Estaintegração é definida por vários aspectos, entre osquais Lopes (1998: 55) destaca: a eficiência do espaçourbano (disponibilidade de serviços básicos, condiçõesde mobilidade da população, condições estéticas eambientais); a parceria público-privado; a qualificaçãoda infra-estrutura de telemática e de logística e a qualifi-cação abrangente dos recursos humanos.

A imagem da cidade passa, assim, a ter papel funda-mental na competitividade entre cidades e regiões que,no mundo globalizado, substitui, ou, pelo menos, torna-se mais evidente que a competitividade entre nações. Épossível observar claramente o esforço empreendido naconstrução desta imagem em várias cidades do Brasil,como por exemplo, em Curitiba, Fortaleza e Salvador.

Curitiba

Curitiba, hoje, possui a imagem, nacional e interna-cionalmente, de cidade modelo, sinônimo de qualida-de de vida, cidade de Primeiro Mundo. García analisacomo se deu o processo de formação desta imagemna cidade, chegando a conclusões interessantes:

Ao nosso ver, no caso analisado, esta �imaginabilidade� da

cidade transcende a capacidade de os espaços serem facil-

mente apreendidos por suas qualidades intrínsecas e ex-

pressa, sobretudo, o elevado nível de controle social

exercido pela imagem síntese, capaz de agregar valores cul-

turais a cada nova intervenção. (GARCÍA, 1997:163)

�A Imagem Diz Tudo?�O espaço urbano como objeto

de consumoNatália Miranda Vieira*

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A autora observa que a formação dessa imagem édestinada às camadas médias da sociedade e temuma força homogeneizadora muito forte. �O discursodominante consagra a indiferenciação ilusória das clas-ses sociais� (GARCÍA, 1997: 173). Palavras como ou-sadia e inovação, tornam-se palavras-chave no discur-so do marketing político. Associadas à velocidade deconstrução e inauguração de novas obras, formamuma imagem de cidade que se moderniza e se preparapara a chegada do ano 2000. Cada vez mais é assimi-lado pela população que �sercuritibano� significa estar de acordocom o projeto de metrópole modernaconduzido pelo poder público. Assim,a população é envolvida nos projetosde renovação urbana através de umaparticipação contemplativa da nova ci-dade, criando nos cidadãos um sen-timento de pertencimento sem queocorra uma participação realmente ativa. �A assistênciaao espetáculo cria uma ilusão de participação�(GARCÍA, 1998: 10). Nestes casos, o objetivo de exer-citar a cidadania que é intrínseco à participação ativa, ésubstituído por um tipo aparente de participação quefunciona apenas como legitimação do poder.

Observam-se em Curitiba características de uma ci-dade-espetáculo que está sempre aberta a inovaçõesurbanas, onde confunde-se cidadão com consumidor.�O projeto de �lançamento� de cada novo �produto� cos-tuma ser minuciosamente planificado�, comenta García(1997: 164), referindo-se à inauguração de novasobras. Estes novos espaços, que fazem parte das inter-venções urbanas recentes (início anos 90), normal-mente estão voltados para atividades de lazer e cultura,os exemplos clássicos são: a Rua 24 horas, a Ópera deArame e o Jardim Botânico. O projeto de lançamentofaz-se de vital importância para o sucesso de tal produ-to, tanto que o marketing realizado para a Rua 24 horassugere que o curitibano esperava por este espaço, queesta é uma verdadeira necessidade da vida metropoli-tana. No caso da Ópera de Arame, problemas funcio-nais graves, relacionados à acústica e ao confortotérmico, são completamente suprimidos pelo impactocausado pela imagem moderna (GARCÍA, 1998: 7).

Fortaleza

Esta relação entre formação de uma imagem, com-

petitividade entre cidades e projetos voltados para o se-tor de lazer e cultura também pode ser observada nacidade de Fortaleza. Apesar de se constituir na maispobre metrópole do Nordeste, com uma taxa de de-semprego de 12% e chegando a ter quase 50% da po-pulação ocupada no setor informal, a políticaempreendida pelo poder local vem fazendo com queFortaleza seja cada vez mais procurada por turistas.Sua imagem vem passando por uma transformação ra-dical deixando de ser identificada como �capital da seca

e da miséria� para ser assumida como�paraíso tropical para turistas�(GONDIM, 1998: 1).

Esta mudança, ao invés de estarrelacionada com uma possível rever-são do quadro de extrema pobreza edesigualdade social acima exposto,está diretamente ligada às transfor-mações decorrentes de intervenções

urbanas levadas a cabo pelos governos estadual emunicipal a partir dos anos 90. Essas obras tambémfazem parte de uma disputa político-eleitoral entre osgrupos comandados por Tasso Jereissati, na esferaestadual, e por Juraci Magalhães na esfera municipal(GONDIM, 1998: 2; 11). Os governos municipal e es-tadual estão apostando pesado no turismo comoindutor do crescimento econômico da cidade, �promo-vendo a imagem de Fortaleza como um animado bal-neário� (GONDIM, 1998: 12).

O investimento maior, mais significativo e recente naárea corresponde à construção do Centro Dragão doMar de Arte e Cultura. Construído em uma área de30.000 metros quadrados, onde 13.000 é áreaconstruída, o Centro Cultural agrega dois museus, doiscinemas, um cine-teatro, um planetário, um anfiteatro,um auditório, uma biblioteca, salas de exposição, insta-lações para cursos de treinamento, livraria, cafés, res-taurantes, lanchonetes e praça (GONDIM, 1998: 12).

Observa-se, então, a grandiosidade da obraque requer uma demanda muito grande por ativida-des culturais, demanda esta que o próprio Secretá-rio de Cultura da época admitia não existir nacidade. Entretanto acreditava-se que a concentra-ção de atividades em um mesmo local, em conjuntocom a presença de turistas na cidade, permitiria asuperação deste problema. A partir disto, podemosconcluir que uma obra de custo estimado entre 12e 18 milhões de reais foi executada numa cidade

Observam-se em Curitibacaracterísticas de umacidade-espetáculo queestá sempre aberta a

inovações urbanas, ondeconfunde-se cidadão

com consumidor.

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portadora de graves problemas estruturais paraatender a uma suposta demanda de turistas,incrementando, assim, a imagem de cidade moder-na e atrativa. Mais interessante ainda é observar oorgulho com que os cearenses apresentam seusmais novos símbolos de modernidade.

No caso de Fortaleza também encontramos umaparato de city marketing evidente. Encontram-seoutdoors de propaganda da cidade em outras cida-des, como em Recife por exemplo, e também em veí-culos de informação, como a revista Veja, com aseguinte frase: �Ceará. A imagem diz tudo�. Mais umavez se observa um bem-sucedido marketing político:

Aparentemente, tal atitude tem sido bem sucedida, pois,

apesar dos muitos problemas de Fortaleza e da ausência de

um notável patrimônio natural ou construído, a cidade é con-

siderada bela e boa para se conhecer e viver, como indica

pesquisa recente (GONDIM, 1998: 14).

Salvador

Salvador também passa por uma visível políticade governo de formação de uma imagem e contacom vários projetos urbanísticos neste sentido. Dife-rentemente de Fortaleza, Salvador é uma das cida-

des mais antigas do Brasil e possui vasto patrimôniohistórico e cultural. Assim, os projetos implantadosna cidade passam tanto pela valorização de locaishistóricos como cenário e bens de consumo, quantopela criação de novas áreas de lazer.

As propagandas veiculadas pela Secretaria deCultura e Turismo do Governo do Estado exemplifi-cam bem o espírito e a intenção destes projetos.Numa delas, observa-se a frase: �Salvador. Agora emnova embalagem�. E, ao lado, fotos do Pelourinho re-cuperado, do Parque de Pituaçu, Parque da Lagoa doAbaeté e Wet�n Wild. As intervenções urbanas sãoequiparadas a embalagens para auxiliar no consumodos produtos da cidade por moradores e visitantes.

Em entrevista à revista Via Bahia, publicação daSecretaria de Cultura e Turismo do Estado daBahia, o então prefeito da cidade, AntônioImbassahy, coloca sua visão:

Acho que a cultura é fundamental e não pode ser vista ape-

nas pelo aspecto folclórico, a cultura é economia também. A

Bahia vende a sua cultura, a sua história através de uma

Secretaria que soube fazer uma conexão muito inteligente

entre turismo e a cultura - isso faz com que esse produto,

que é a nossa cidade, seja melhor vendido. (VIA BAHIA, de-

zembro de 1997: 05).

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O governo do Estado e a prefeitura atuam emconjunto nessa relação com o turismo. SegundoImbassahy (VIA BAHIA, dezembro de 1997: 06), en-quanto o Estado, através da Bahiatursa, realiza umeficiente trabalho de promoção, a prefeitura cuida doproduto, ou seja, da cidade.

Este projeto de cidade empreendido pelo poderlocal de Salvador, que vem transformando a cidadeno novo point do Brasil (VIA BAHIA, abril de 1998:24), pode ser observado em várias intervenções ur-banas já concluídas ou ainda emdesenvolvimento: o Parque Metro-politano do Abaeté, que teve o obje-tivo de preservar a lagoa doAbaeté; o Parque Costa Azul; oParque Jardim dos Namorados; oParque Metropolitano de Pituaçu,com remanescentes de mata Atlân-tica; o Parque das Esculturas doMuseu de Arte Moderna; o Diquedo Tororó, reinaugurado em junhode 1998; a revitalização do Pelourinho; a iluminaçãoda orla da Barra. Segundo Eliana Dumet, então pre-sidente da Empresa Municipal de Turismo(EMTURSA):

A imagem que queremos passar é que o visitante venha para

Salvador porque ele vai ter todas as vantagens de uma cidade

organizada, onde as pessoas se sentem mais alegres e feli-

zes (VIA BAHIA, abril de 1998: 25).

Conclusão

Paradigma do urbanismo contemporâneo, oprojeto de cidade exemplificado pelas cidades deCuritiba, Fortaleza e Salvador, busca o reconheci-mento da cidade dentro de um mundo globalizado,através de um city marketing baseado em todo umpotente e bem-organizado aparato promocional.

Porém, é necessário que se tenha uma visãocrítica de todo o processo, para que não seja per-mitida a criação de imagens-mito. As cidades de-vem ser encaradas com toda a profundidade quelhes é característica, não aparecendo aos olhos damídia através de uma imagem plana e sem contra-dições. É preciso que sejam realizadas interven-ções que estimulem uma ação realmenteconstrutora de cidadania.

O desenvolvimento da preocupação com a di-mensão estética da cidade nas duas últimas déca-das é de chamar a atenção. Independentementede porque somos levados a isto, seja por escutaras propagandas de empreendimentos privados so-bre os prazeres escondidos em nossas cidades,seja por conta das preservações históricas emmoda, o fato é que estamos aprendendo a olhar acidade como um objeto estético e a teoria urbanísti-ca voltou a se preocupar com a estética. Ao lado

dos publicitários, da iniciativa pri-vada e do próprio Estado, um dosagentes que promovem esta novaestetização da vida diária são osarquitetos e urbanistas que estãosempre se questionando sobre afronteira entre arte erudita e popu-lar que vem se tornando cada vezmais indefinida.

Faz-se importante também,neste processo de competitividade

entre cidades, que estas possuam uma identidadecultural marcante, fazendo com que sejam vistascomo local atraente para se viver. A manutençãodas identidades culturais tem também o objetivo degarantir o sentimento de pertencimento cotidiano auma sociedade concreta, contrastando com ahegemonia dos valores universais.

O espaço de fluxos é definido pela integração na sociedade

em rede, enquanto que o espaço local é definido pela

estruturação social e cultural. É preciso não esquecer que,

no mundo atual, é o primeiro que predomina na luta pela

competitividade, sendo o segundo o algo mais que diferen-

cia (LOPES, 1998: 50).

Esta busca por este algo mais por parte das ci-dades leva à manipulação de padrões familiaresem um vocabulário urbano recheado derevitalizações, reabilitações, reciclagens. Não é dese estranhar que também estes espaços da cidadedentro do capitalismo tardio sejam produzidos emsérie. Assim, percebe-se que a cidade passa a serformada por fragmentos bastante diferenciados en-tre si, ao mesmo tempo em que se passa a obser-var muitas semelhanças entre cidades distintas, ouseja, �um sistema crescentemente homogeneizadoa nível global, embora fragmentado e hierarquiza-

A manutenção dasidentidades culturais tem

também o objetivo degarantir o sentimento de

pertencimento cotidiano auma sociedade concreta,

contrastando com ahegemonia dos valores

universais.

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do a nível local� (BOYER, 1992: 9). Ironicamente, àmedida que as cidades partem na busca desenfre-ada por um diferencial tornam-se cada vez maissemelhantes entre si e o desenvolvimento da cultu-ra da televisão e do consumo leva à destruição daidentificação regional. Este fato nos leva à necessi-dade de um exame aprofundado de tal situação, jáque arquitetos e urbanistas devem ser responsá-veis por propostas que respeitem as �idiossincrasi-as dos lugares e a individualidade de seus cida-dãos� (DEL RIO, 1997: 710).

Porém, torna-se indispensável a análise decomo ocorre a interseção entre mercadoria e cultu-ra através dos anos 80, levando à criação de ambi-entes voltados para o espetáculo. Já em 1968,Lefebvre (1991: 04) observa o contraste entre a ca-racterística que ele identifica como essencial da ci-dade, o fato dela ser uma obra, com a orientaçãoque vem ocorrendo na direção do dinheiro, na dire-ção dos produtos. O contraste é evidenciado pelofato da obra ter valor de uso, enquanto que o pro-duto possui valor de troca.

No que diz respeito aos núcleos urbanos,Lefebvre (1991: 12, 13) ressalta que as qualidadesestéticas desses antigos núcleos desempenhamum grande papel na sua manutenção. Estes núcle-os acabam se tornando, então, um produto de con-sumo de alta qualidade para estrangeiros, turistas,etc.. O autor conclui que a sobrevivência destesnúcleos é devida ao duplo papel: lugar de consumoe consumo do lugar.

A sensação que se tem na apropriação dos ce-nários e revitalizações historicizantes contemporâ-neas é que estes espaços perdem um pouco desua cultura e de sua humanização, exatamentepelo aspecto da artificialidade. Com certeza o tipode apropriação resultante é diverso do anterior.

Muitos estudos críticos alertam para esta faltade vida de verdade na nossa sociedade, mas gran-de parte da população é seduzida por este proces-so de construção de cenários e não-lugares semperceber a superficialidade disso tudo. Entre a teo-ria e a prática também existe uma longa distância;mesmo depois de perceber a artificialidade destavida pós-moderna, quem está disposto a se arris-car na vida de verdade, a não ser quem não tem aopção de participar da vida artificial?

Como arquitetos, urbanistas e interventores no

meio urbano, estamos sendo, então, intimados a,neste contexto de consumo contemporâneo, en-contrar o lugar adequado para o espaço urbano.Sem renegar ou diminuir o espaço que a indústriaturística deve ter como impulsionador econômicopara as cidades, é preciso intervir tendo como prin-cipal objetivo os problemas estruturais das nossascidades, para que a imagem divulgada através domarketing urbano não passe de uma ilusão muitobem cultivada na cabeça dos cidadãos (ou seriamelhor dizer, dos consumidores?).

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*Natália Miranda Vieira ([email protected]) é arquitetaformada pela UFPE, atualmente matriculada no Mestrado

em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.

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Trilhando por esse hipertexto que é a cidadede Salvador, nos deparamos com uma es-

tratégia de visibilidade dos tabuleiros dasbaianas de acarajé: o de Dinha, no Rio Verme-lho, o de Cira, em Itapuã, o �da� Regina, na Gra-ça, o Point do Acarajé, no Canela, além dealguns sites na Internet, com suas home pagesexpondo, virtualmente, uma iguaria a ser degus-tada. O que eles têm em comum, além da pi-menta, do feijão fradinho e do azeite-de-dendê?Poderíamos arriscar: uma grife que renova oprestígio desse prato da chamada culináriabaiana, reinando como signo de identidade localdesse cadinho do Ocidente que é �promessa defelicidade�, curtição e desejos - a Bahia.

Esses sites oferecem um produto local nemsempre �autêntico�, preparado comme il faut,haja vista o acarajé na sua versão �zen�, feitocom soja, composição que traça, imaginaria-mente, uma ponte com o Oriente. Inova-seigualmente a sua forma de distribuição, a exem-plo do Point do Acarajé delivery, isto é, com en-trega em domicílio (tão �descaracterizado�,lamentam alguns baianos). O acarajé fazdobradinha com a �loura gelada� ou a Coca-cola(�tradicional�, light ou diet), �universalizadas� porum modo hegemônico de produção. Tais ende-reços elegem-se �dignos� de representar a ter-ra, como é o caso da baiana Dinha, com seutabuleiro móvel instalado em eventos locais(muitos dos quais produções da alta cultura) ousendo transportado por vôos nacionais da Varig,disseminando a baianidade.

A grife impressa no tabuleiro de algumas�baianas� constitui-se em marca distintivareveladora da necessidade de se rearticular sím-bolos identitários de culturas locais em época deeconomia e informação globalizadas. Neste con-texto, as �monoidentidades� perdem a sua soli-dez, esgarçam-se no contato com outras culturase o conceito de nação passa a definir-se menospor seus limites territoriais e mais como uma �co-munidade hermenêutica de consumidores�, se-gundo Néstor G. Canclini.1 Essa reconfiguraçãoassegura a sobrevivência de hábitos tradicionaisnas redes do capitalismo transnacional, as quaisse estendem por vastos territórios, tornandodifusas as antigas e convencionais fronteiras. Eaqui navega o nosso (?) acarajé no azeite-de-dendê e na Internet, se não para competir, pelomenos para conviver com a McDonald�s, porexemplo, artifício que reflete a lógica do mercado,que impõe ao local outras práticas de negociaçãoe conexão com o global.

Distante está o tempo em que a �preta�perambulava pelas ruas da velha Bahia, ven-dendo o acarajé para cumprir, exclusivamente,um ritual do candomblé. Mas não está distante oanonimato de muitas baianas, mercando o seuproduto nas esquinas da cidade, ausentes dasaltas esferas do poder, quadro que revela o cru-zamento de tempos históricos em seus tabulei-ros. �Apagado� encontra-se o tempo que diz dascondições de emergência das práticas culinári-as dos negros escravizados, dessa subalterni-dade imposta pelo colonizador em sua fé cegapara dominar o Outro, subordiná-lo ao eurocen-trismo.

Mas quem teria apagado esse tempo? Umpovo sem memória? Diríamos que o desejo dese construir uma identidade para o Brasil - relatohomogeneizador tecido pelas elites do país, quecosturam um texto escondendo suas nervuras e

Quem Botou Grife no meu Acarajé? Uma reflexão sobre identidade nacional

Márcia Rios*

�Dez horas da noite na rua desertaA preta mercando parece um lamento

Na sua gamela tem molho cheirosoPimenta-da-costa, tem acarajéTodo mundo gosta de acarajé

O trabalho que dá prá fazer é que é.�(A preta do acarajé, Dorival Caymmi)

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seus nós, para finalmente naturalizá-lo como apele colada ao corpo. As narrativas de identida-de essencialistas, ao elaborarem um modelo denação, buscam uma coesão social e, para tanto,apagam os conflitos interétnicos e osmicrorrelatos, discursos de resistência à domi-nação branca. Essas narrativas criam �truques�que tornam os indivíduos de diferentes raças eclasses sociais protagonistas de uma mesmahistória e os fazem se perceberem como perten-centes a uma mesma comunidade nacional:�acima de tudo, brasileiros�.

Expostos se encontram hoje a trama, as do-bras e os alinhavos desse texto. Seus fios seromperam quando as culturas identitárias retra-

çaram formas de pertencimento, tornando-asmais fluidas, provando que o discurso homoge-neizador não consegue excluir, apesar do esfor-ço, o diálogo com sistemas culturais e simbóli-cos diferentes.

Sim, ainda tem acarajé no tabuleiro: ao sa-bor do freguês e do mercado. Voilà, um hot-link!

Bota mais pimenta, baiana!

Nota:

1 CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos.Rio de Janeiro, UFRJ, 1996.

*Márcia Rios, doutoranda em Letras pela UFBA, éprofessora da UNEB e da Faculdade Rui Barbosa.

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No mundo todo as ativida-des ligadas à cultura eao entretenimento tem

apresentado uma importânciacrescente dentro do conjunto daeconomia. Somando-se a essatendência global, na Bahia, parti-cularmente, as manifestaçõesartísticas estão muito presentese possuem grande significaçãopara a vida social e econômica,sobretudo na cidade de Salva-dor. Portanto, qualquer projeto dedesenvolvimento e geração deempregos deve levar em conside-ração esta forte vocação culturaldo estado. �Com a mecanizaçãodas indústrias as pessoas vão fi-cando sem ter o que fazer. O de-semprego é assustador. Sãojustamente as ocupações naárea de serviços e lazer, o turis-mo, a música, o teatro, a dança,todas as formas de arte e deaglutinação social, que vão gerarriqueza e garantir o sustento degrande parte da população�, afir-ma o cineasta Moisés Augusto.

Este também destaca que oreconhecimento da música baia-na no cenário nacional e interna-cional é fruto da efervescênciacultural que se seguiu à implan-tação das escolas de Música,Dança e Teatro, durante a ges-

tão do Dr. Edgar Santos, entãoreitor da Universidade Federalda Bahia. �O que temos hoje tema ver com o que aconteceu noinício da década de 60, quandoEdgar Santos trouxe todos aque-les artistas e experimentalistaspara a Bahia. Foi também a épo-ca em que Gil, Caetano eBethânia começaram a fazer su-cesso em outros estados dopaís�.

Além desse tipo de resultadode longo prazo, o investimentoem cultura também apresenta re-tornos mais imediatos. Vejamoso exemplo do Festival de Inver-no, que aconteceu recentementeem Lençóis, na Chapada Dia-mantina. O Estado, ao investir di-retamente na realização de umevento de música, promove osartistas, movimenta toda a eco-nomia da cidade (pousadas, ho-téis, comércio e restaurantes) efora da cidade (agências de turis-mo, companhias de transporteaéreo e rodoviário), além de con-tribuir para a divulgação do localcomo pólo turístico, atraindo pos-teriormente novos visitantes.

Esse processo de retroali-mentação pode ser claramenteobservado no cinema, uma vezque a produção de um filme tem

um custo bastante alto, envolvevárias pessoas e faz circular mui-to dinheiro. �Temos que comprarcenários, alugar carros, garantirhospedagem e alimentação detoda a equipe durante as loca-ções. Isso sem falar que o cine-ma é um importante veículo depromoção da imagem do estadolá fora. O cinema hollywoodianosempre fez isso muito bem. Pen-semos nas roupas que vestimos,nos produtos que compramos ena enchente de palavras em in-glês que invadem nosso vocabu-lário. Não é à toa que o cinema éa ponta de lança da hegemoniaamericana�, ressalta MoisésAugusto.

No universo da produção cul-tural baiana, o carnaval, sem dúvi-da, tem uma importância bastanterepresentativa. No final dos anos80, a festa se transformou em in-dústria, abrindo diversas possibili-dades de negócios e oportunida-des de emprego. �A produçãocultural desencadeada pela festacarnavalesca, particularmente noplano da música, é o que constróie dá suporte ao exuberante mer-cado de bens e serviços culturaisque caracteriza a cidade�, afirmaPaulo Miguez1.

Segundo Miguez, a consoli-dação da música baiana comoproduto altamente lucrativo daindústria cultural está vinculada aampliação e sofisticação tecnoló-gica, em 1982, do estúdio WR,gravadora dirigida pelo empresá-rio Wesley Rangel. A música derua do carnaval baiano começoua ser viabilizada no mercado apartir da produção de Luís Cal-das e a Banda Acordes Verdespela WR. �Até esse momento, aprodução fonográfica baiana, à

Consumo Culturalna Bahia

Por Cristiana Serra

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4 8 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.47-50 Setembro, 1999

exceção dos jingles comerciais,não era executada nas rádios dacidade�, destaca Miguez.

A experiência criativa naBahia, apesar de ser muito forte,nem sempre caminha junto comprofissionalismo e visão empre-sarial. �O mercado baiano éaquecidíssimo culturalmente,tanto no que diz respeito à pro-dução quanto ao consumo debens culturais, mas faltaprofissionalização. Refiro-me aoprofissionalismo não de artistas� estes se profissionalizam muitovelozmente � mas do profissio-nal da produção cultural. Cria-mos muito e não sabemosmercar a nossa criação paraalém do rótulo de produto regio-nal, embora vendido em todoBrasil�, afirma Milton Júlio daActo.

A escritora de peças teatrais,Aninha Franco2, compara a rela-tiva desorganização dos profissi-onais baianos na área de culturaà postura de um exército sem es-tratégias, mas com uma boa in-tuição. �A produção baiana estáentre algumas melhores do paíspor ter duas qualidades, ousadiae criatividade, é preciso amarraro lado empresarial�, enfatiza Ani-nha Franco.

Um espetáculo teatral, porexemplo, não pode se mantersem patrocínio. Na falta de pa-trocinadores da iniciativa priva-da, o Estado tem que tomar parasi este papel. �O governo subsi-diou a implantação do póloPetroquímico e está dando umasérie de incentivos para a vindada Ford para a Bahia. O investi-mento em cultura é um investi-mento como outro qualquer�,argumenta Moisés Augusto.

Na Bahia, o Estado é ainda oprincipal agente financiador deprojetos culturais. As empresasestão começando a despertarpara o investimento em cultura,embora não acreditem muito nosresultados. No âmbito da iniciati-va privada, as grandes empresasconcentram o patrocínio. MiltonJúlio chama a atenção para a im-portância da viabilização do fi-nanciamento cultural, através deconsórcios, envolvendo peque-nas empresas associadas empool. �Devemos solicitar que ogoverno reveja algumas medidasfiscais, que inibem o patrocíniopor parte de pequenas empresas,e tente articular a legislação doICMS, por exemplo, à possibilida-de de patrocínio cultural pormicroempresas ou aquelas vincu-ladas ao SIM BAHIA, à regimesde substituição, ou de antecipa-ção tributária�.

Nos últimos anos, os agentespúblicos tiveram um papel funda-mental no fortalecimento do tea-tro baiano. �Na década de 70,

quando estudei teatro, ensaiáva-mos durante 6 meses para apeça ficar apenas um mês emcartaz. Naquela época, aconteci-am três peças por ano na cidade.Hoje, todas as semanas, temosde 5 a 20 espetáculos em cartaz.Isso sem falar nas peças baianasque passam dois anos fazendosucesso no sul do país. Até opróprio teatro �global� vem tendouma participação muito maior nocircuito baiano. Mensalmente,pelo menos uma peça de foravem a Salvador�, afirma o cine-asta Moisés Augusto.

O investimento do governo eo trabalho que tem sido feito pe-los profissionais nesta área tam-bém contribuíram para a forma-ção de platéias. O consumidorpassou a se interessar mais peloteatro. Moisés Augusto não com-partilha da crença generalizadaentre os produtores culturais,videomakers e cineastas de quenão existe público para vídeo ecinema na Bahia. �Eu costumodizer que para haver mercado

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é preciso produzir. A discussãoda relação entre o produto cul-tural e o mercado lembra umpouco aquela história do ovo eda galinha�.

A peça �A Bofetada� se tor-nou o maior sucesso de bilhete-ria na história do teatro baianoporque começou a fazer um tra-balho mais direcionado para ogrande público. Para tanto, resol-veu apostar no caminho do hu-mor. �O humor abre todas asportas, as pessoas tem prazerem se distrair, e isso é uma coisanormal e inerente ao ser huma-no�, destaca Aninha Franco.

Em qualquer criação artística, orelacionamento com o público éfundamental. A mercadoria culturaltem sua especificidade, na medidaem que retrata valores, identida-des, que são criados por uma co-munidade. �Não é como venderroupas e perfumes, não é umavenda para cada indivíduo, portan-to, deve criar uma identificação co-letiva�, explica Milton Júlio.

A arte pode se colocar aogosto do freguês, mas sem per-der de vista seu papel de pensara si própria enquanto arte. �Cae-tano dizia que veio aqui para ba-gunçar o coro dos contentes.Hoje ele canta Peninha. Isso éótimo, porque ele vende hummilhão de discos, mas vira emexe, desafia novamente ocoro dos contentes�, ressaltaMoisés Augusto.

Na cultura do consumo, o queinicialmente aparece como sub-versivo e contestador, se norma-liza e acaba sendo incorporadopelo próprio mercado. Assim fun-ciona a dinâmica da inovação.Ou seja, aquilo que antes fugiaao padrão, passa a ser consumi-do e torna-se posteriormente opadrão socialmente aceito.

Roberto Duarte, que depoisde muitos anos trabalhandocomo autodidata com teatro, fo-tografia, cinema e publicidade re-solveu fazer um curso universitá-rio (ver box), defende a necessi-dade de se resgatar uma certamística do artista-autor: �A com-binação da fórmula turística, queleva à superficialidade e à con-templação do exótico, com o mo-mento neoliberal ofuscou com-pletamente a iniciativa artísticaem si e privilegia o culto do su-cesso de público e do brilho aqualquer preço. Isso é bom, masnão vive sem substância artísti-ca, sem qualidade e criação ver-dadeira, que estão além das fór-mulas fáceis do showbusinessprovinciano�.

Para Adailto Almeida, da Pal-co Produções, produtora quepromove shows de música de ar-tistas consagrados da MPB,como: Ney Matogrosso, CaetanoVeloso e Maria Bethânia, nemtudo vai bem no mercado culturalbaiano. O uso generalizado dameia-entrada vem se tornando

um grave problema, além da jácomum falta de patrocínio. �Nãosou contra a utilização da meia-entrada para estudantes univer-sitários e de 1º e 2º graus. O queprecisa ser revisto é o fato deque hoje qualquer pessoa, quefaz um curso de inglês ou deinformática, possui a carteira deestudante, afirma Adailto.

Os produtores culturais já es-tão se mobilizando para que asautoridades tomem uma provi-dência em relação a ampliaçãoexagerada do uso da carteira deestudante. Segundo Adailto, emfunção desse problema, não foipossível trazer Chico Buarquede Holanda para Salvador, ape-sar do apoio concedido pelaFundação Cultural do Estado.�Já encaminhamos uma cartaao governador. Como se nãobastasse a falta de uma boacasa de espetáculos, ainda te-mos que lidar com essas dificul-dades. Assim, Salvador vai ficarsem os grandes shows de MPB�,destaca o produtor.

Notas:

1 MIGUEZ, Paulo. A Contemporanei-dade Cultural na Cidade da Bahia.Bahia Análise & Dados. Salvador:SEI, v.8, n.1, p 50-53, Jun./98.

2 As considerações de Aninha Francosobre o teatro baiano foram retiradasde seu depoimento publicado na re-vista Bahia Análise & Dados, Salva-dor, SEI, v.8, n.1, p 54-58, Jun./98.

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OCurso de ProduçãoCultural da Faculdade

de Comunicação da Univer-sidade Federal da Bahia(Facom) está colocando nomercado a primeira turmade produtores culturais nofinal deste ano. A entradade profissionais com umaformação específica de ní-vel superior, provavelmen-te, deverá mudar a qualida-de dos profissionais atuan-tes do mercado baiano.�Creio que a Universidadeao formar profissionais emprodução cultural irá ampliare instituir novos conceitos eestilos de atuação no mer-cado, que irão sendo cria-das em decorrência dosavanços tecnológicos, dasvivências na área e com aparticipação criativa dessenovo tipo de profissional�,acredita Roberto Duarte,aluno da Facom, que apesarde não ter uma graduaçãouniversitária, desde 1967,vem estudando e trabalhan-do na área de cinema e ar-tes dramáticas como autodi-data, tendo inclusive ensi-nado uma disciplina sobrefilme publicitário na PUC doRio de Janeiro.

O curso de Produção Cul-tural iniciou suas atividadesem 1996. A criação dessanova habilitação na Faculda-de de Comunicação decorreda tendência mundial de valo-

Profissionalizando o Mercado Cultural:a experiência da Facom/UFBA

rização das atividades relaciona-das a cultura e ao lazer, da voca-ção cultural da Bahia, mas tevecomo elemento fundamental, aexistência de uma pós-gradua-ção já consolidada e bem concei-tuada na área de Comunicação eCultura Contemporâneas.

A implantação de uma habili-tação de nível superior sempretem como dificuldade inicial a de-finição da identidade do curso edo perfil do profissional que viráa ser formado. �Desde o primeirosemestre, estamos sistematica-mente avaliando e monitorandoo andamento do curso. No mo-mento, estamos promovendouma ampla discussão sobre a re-forma dos currículos das habilita-ções em produção cultural ejornalismo, até porque a nova Leide Diretrizes Básicas - LDB exi-ge que sejam realizadas adapta-ções às diretrizes curricularesque foram recentemente traça-das para área de comunicaçãoem todo país�, afirma Marcos Pa-lácios, diretor da Facom.

O perfil do produtor culturalno contexto de uma educaçãouniversitária deve ser compatívela formação do comunicador deuma maneira geral. Ou seja, umindivíduo informado, atualizado,com uma boa compreensão darealidade local, nacional e inter-nacional, e que possa atuar apartir do entendimento das dinâ-micas do mercado da cultura.�Um produtor cultural com nívelsuperior não pode ser um mero

executor de tarefas visandoatender às solicitação dos or-ganismos detentores de recur-sos para projetos culturais�,destaca Marcos Palácios.

A reforma curricular dasduas habilitações da Facomprevê uma carga horária de300 horas, que deverão serdestinadas à realização de ati-vidades extracurriculares pe-los alunos, como cursos deextensão, oficinas oferecidaspor empresas e órgãos gover-namentais e estágios. MarcosPalácios ressalta que as práti-cas profissionais exercidas nomercado e aquelas desenvol-vidas na Faculdade devemser diferentes e, ao mesmotempo, complementares. AFaculdade deve ser um localde aprendizagem e, sobretu-do, de experimentação. �Emum jornal laboratório, porexemplo, o aluno não deve fa-zer o mesmo trabalho que sefaz em uma redação de umaempresa jornalística qualquer.Na Faculdade ele tem a liber-dade de propor novos pa-drões, o que dificilmente seriapermitido em uma empresa.Essa capacidade de experi-mentação poderá ser traduzi-da em avanços, que irão seconsolidar no mercado, quan-do o estudante se tornar umprofissional�, ressalta o dire-tor da Facom.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.51-59 Setembro, 1999 5 1

Oobjetivo deste artigo é analisar os dadosdisponíveis sobre a propriedade e o padrãode gastos das unidades familiares com

bens de consumo duráveis, estabelecendo uma re-lação com o nível de renda e o grau de instrução,com base na Pesquisa sobre Orçamento** Familiardo IBGE realizada na Região Metropolitana de Sal-vador (RMS), no período 1995/1996.

Na primeira seção, é feito um breve retrospectoda conjuntura econômica desse período, abordan-do principalmente questões relacionadas à distri-buição de renda e à estrutura industrial.

O estoque de bens de consumo duráveis porfaixa de renda e o grau de instrução são analisadosna segunda seção e, na terceira, as despesas to-

tais das famílias com a aquisição de aparelhos deuso doméstico. Por fim, na quarta seção, apresen-tam-se as principais conclusões deste trabalho.

Cenário Macroeconômico 1994-1996

Em 1993 a economia brasileira começou a rea-

Aquisição de Bens de ConsumoDuráveis na RMS

Luiz Mário Ribeiro Vieira*

gir ao processo recessivo dos primeiros anos dadécada que se iniciava, com a taxa de crescimentodo PIB chegando, então, a 4,9%. Com a implemen-tação do Plano Real, que estabilizou a economia,as taxas de crescimento do PIB se mantiveram po-sitivas e foram consideráveis os impactos sobre osalário real médio que cresceu 26,7% no períodode 1994 a 1996. A ampliação da demandaprovocada pela elevação da renda real, principal-mente das camadas de baixa renda, ao reduzir-seacentuadamente a inflação, foi um dos principaisfatores a contribuir, em 1994, para que a economiabrasileira crescesse 5,90% e, assim, registrasse omaior índice desde 1986 (Plano Cruzado). A tabela1 mostra a evolução do PIB no período.

O setor industrial participou de maneira signifi-cativa, apresentando crescimento de 20,7%, aídestacando-se os bens de consumo duráveis, cujoincremento foi de 15,6%, em 1994 (tabela 1). Ocrescimento da produção dos bens duráveis foi ex-traordinário, principalmente no segmento de eletro-domésticos, como refrigeradores, que saltaram de

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5 2 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.51-59 Setembro, 1999

1,6 milhão para 2,4 milhões de unidades em 1994,elevando-se em 44,9%, conforme gráfico abaixo.

O crescimento da economia também reduziua taxa de desemprego, que era de 5,32%, em1993, para 4,64% em 1995, o que contribuiupara elevar ainda mais a demanda agregada porbens de consumo duráveis.

A estabilidade dos preços da cesta básica foi umdos fatores que contribuíram para que houvesseuma folga adicional no rendimento das famílias, faci-litando assim, o aumento da demanda de bens deconsumo duráveis. A propensão marginal a consu-mir esses bens é crescente; isso implica que a elas-ticidade-renda é maior que 1, ao contrário do queacontece com os produtos da cesta básica, cuja pro-pensão marginal a consumir declina com o nível derenda e tem elasticidade-renda menor que 1.

A soma desses fatores contribuiu para que ataxa acumulada de crescimento do PIB, no período1993-1996, fosse uma das mais altas dos últimosanos, atingindo 19,0%.

Os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar(POF) foram obtidos nessa conjuntura econômica,em que se registraram mudanças importantes emvariáveis fundamentais da economia, tais como in-flação, salário, emprego e consumo. Tais variáveisdevem necessariamente ser consideradas emqualquer análise da POF, sobretudo neste trabalhoem que se focaliza a estrutura dos gastos com

bens duráveis que têm uma relação direta com arenda média, o seu crescimento, sua distribuição egrau de diversificação da demanda.

A Propriedade de Bens de Consumo Duráveisna RMS: por faixa de renda e nível deinstrução.

Nesta seção vamos apresentar e analisar osdados relativos à propriedade de bens de consumoduráveis por faixa de renda mensal familiar e graude instrução.

Os resultados apresentados na tabela 2 mos-tram que, apesar da maior difusão, hoje, de algunsbens tecnologicamente mais antigos (fogão, gela-deira, ferro elétrico, rádio, televisor, etc.), se verificauma concentração em favor dos domicílios de fai-xas de renda mais altas, caracterizando a posse,nesses domicílios, de mais de um bem de consumodurável, como televisão e automóvel. Essa concen-tração da propriedade de bens de consumo durá-veis não foi mais acentuada, devido ao importantepapel desempenhado pela estabilidade econômicae pela ampliação do sistema de crédito para aqui-sição desses bens, a partir de 1994, principalmentepara as faixas de menor renda.

Em relação ao automóvel, que aparece em to-das as faixas de renda, varia de 4,0 % para domi-cílios até 2 salários mínimos até 31,0% paradomicílios acima de 30 salários mínimos. Essesdados revelam a importância do sistema de finan-ciamento associado à mudança na estratégia dasempresas automotivas, que vêm popularizandoesse bem de consumo durável. Até fins dos anos80 os automóveis se destinavam a uma faixa derenda alta e com poucos consumidores. A partir dadécada de 90 introduziu-se o conceito de carro po-pular, que passou a atender a um mercado carente,tornando-se possível, a um grande número de con-sumidores, a aquisição de automóvel, principal-mente nas faixas de renda média.

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Os dados da tabela 3 e 4 demonstram, clara-mente, uma grande difusão dos eletrodomésticos�tradicionais�, observável sobretudo nos domicíli-os com renda até 2 e entre 2 e 6 salários mínimos.Os bens mais difundidos são: fogão, ferro elétrico,geladeira, TV em preto e branco, ventilador e li-qüidificador.

Os eletrodomésticos �modernos� (aspirador depó, torradeira elétrica, máquina de secar roupas,máquinas de lavar pratos, etc.) só têm uma presen-ça significativa nas famílias com renda mensal aci-ma de 10 salários mínimos e grau de instruçãosuperior.

As faixas de renda de 15 a 30 e acima de 30salários mínimos já detinham, no seu inventáriode bens de consumo duráveis, 39,3% e 43,4%,respectivamente, dos bens considerados �mo-dernos�, enquanto as faixas de renda até 2 e de2 e 6 salários mínimos detinham apenas 14,0%e 22,6% desses bens, respectivamente.

Os altos preços de alguns desses bens os tor-nam inacessíveis às famílias de menor renda, maisespecificamente às faixas de renda abaixo de 10salários mínimos.

O grau de instrução é outro fator determinanteda posse dos bens de consumo duráveis, excetono que concerne aos bens de consumo duráveis�tradicionais�. Nos domicílios cujas pessoas têm ní-vel acima do ensino fundamental encontram-se

56,6% dos bens de consumo duráveis, enquantonaqueles em que se registram grau de instrução ig-norado e sem-instrução estão apenas 5,45% des-ses bens. Alguns bens duráveis, pelo seu carátertecnológico, predominam nos domicílios com pes-soas detendo o 3o Grau ou nível superior. Tal é ocaso dos microcomputadores (64,6%), máquina delavar pratos (75,0%), torradeira elétrica (59,2%) ear-condicionado (4,3%).

Despesas totais com aquisição de aparelhos emáquinas de uso doméstico por faixa de rendae grau de instrução.

Nesta seção, analisam-se as despesas dasfamílias com a aquisição de bens duráveis. A es-tabilidade da economia trouxe o sistema de cré-dito, que praticamente inexistiu durante o longoprocesso inflacionário experimentado pela eco-nomia brasileira, possibilitando às famílias debaixa renda a aquisição dos bens de consumo�tradicionais�. Os resultados da POF confirmamessa observação, porque as despesas, combens duráveis, das famílias até 6 salários míni-mos, estão concentradas em quatro bens �tradi-cionais� (TV em cores, geladeira, fogão evideocassete), o que corresponde a cerca de72,0% do total das despesas.

A estabilidade econômica permitiu, portanto, o

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5 4 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.51-59 Setembro, 1999

acesso de um contingente considerável de famíliasaos bens de consumo duráveis, ampliando o mer-cado de consumo antes restrito a uma minoria dapopulação.

Os dados das tabelas 5 e 6 indicam que osdispêndios das famílias são diferenciados deacordo com o nível de renda. À medida que arenda se eleva a parcela destinada a bens du-ráveis �tradicionais� cai, ao tempo em que au-

menta a parcela destinada aos bens duráveismodernos. Portanto, os bens tradicionais têmelasticidade-gasto maior que um para as ren-das baixa e média, e menor que um para asrendas altas.

Os bens �modernos� representam apenas13,2% do total da despesa com bens de consu-mo duráveis das famílias com renda até 2 salári-os mínimos, enquanto para as famílias com

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renda entre 15 e 30 salários mínimos essa par-cela chega a 63,6%.

As despesas com bens de consumo �moder-nos� têm uma forte relação com o grau de instru-ção das pessoas de referência. As pessoas comgrau de instrução até o ensino fundamental gas-tam com aquisição de bens de consumo �moder-nos� apenas 21,% do total; entre as pessoascom até o 3o Grau incompleto a parcela dos gas-tos era de 52,5% e aquelas com 3o Grau comple-to despendiam 69,3% dos seus gastos comaquisição de bens �modernos�, ficando evidenteque, quanto maior o nível escolaridade, maior adespesa com esses bens.

Conclusões

Os bens de consumo duráveis �tradicionais�estão presentes em praticamente todos os domi-cílios incluídos na amostra, o que se deve aoamplo processo de difusão de tais bens, em vir-tude da incorporação das famílias de baixa ren-da ao mercado de consumo propiciada pelaestabilidade econômica e pelo sistema de crédi-to ao consumidor.

Os bens de consumo duráveis �modernos� es-tão presentes de maneira mais efetiva nas famíliasde renda mais elevada, devido à própria relaçãoentre esses bens e o nível de renda. O grau de ins-trução é outro fator importante para a demanda dedeterminados bens, tendo-se verificado que os detecnologia mais avançada são adquiridos por pes-soas cuja escolaridade vai além do ensino funda-mental.

Esses resultados conduzem a sugerir-se sernecessário, para uma continuidade no cresci-mento do setor de bens de consumo duráveis,como ocorreu entre 1994 e 1996, melhorar a dis-tribuição de renda, permitindo-se a elevação doacesso aos bens de consumo �moderno� pelasfamílias de renda abaixo da média. Por outrolado, a elevação do grau de escolaridade da po-pulação também poderia contribuir para um mai-or acesso aos bens de consumo tecnologica-mente avançados, porquanto o seu uso plenoimplica, no mínimo, uma escolaridade secundá-ria completa.

Os resultados também confirmam os efeitospositivos de uma política econômica redistributi-va sobre a renda e o emprego. A partir do mo-

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mento em que tais efeitos cessaram, o nível deatividade da economia se retraiu. Efetivamente,a má distribuição de renda inibe o crescimentoeconômico e tem graves repercussões sociais.

O crescimento com estabilidade econômica sóserá eficiente quando houver uma distribuição maiseqüitativa da renda e, consequentemente, reduzi-rem-se os desníveis sociais, tal como aconteceu natentativa verificada nos primeiros anos do PlanoReal.

Referências Bibliográficas:

IBAER, Werner; Guilhoto, Joaquim & Fonseca, Manuel. Mudan-ças estruturais na economia industrial brasileira, 1960-1980.Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro, v.40, n.º 7, jul/1986.

LANGONI, Carlos. Distribuição de Renda e DesenvolvimentoEconômico no Brasil. São Paulo, Expressão e Cultura, 1978.

ROSSI, J. W. Elasticidades de Engel para dispêndios familiaresnas principais capitais brasileiras. Revista Brasileira de Esta-tística. Rio de janeiro, v.44, n. 176, out-dez/1983.

SEI. Conjuntura & Planejamento. Salvador (vários números).

THOMAS, Duncan, STRAUSS, John. Estimativas do impacto de mu-danças de renda e de preços no consumo no Brasil. Pesquisa ePlanejamento Econômico. Rio de Janeiro: IPEA, 21(2), ago.1991.

TOLIPAN, R & TINELLI, A (orgs.). A Controvérsia sobre a distribui-ção de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975

*Luiz Mário Ribeiro Vieira é assessor técnico da SEI eprofessor da FACCEBA.

**Ver informação POF no box em anexo

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Realizada pelo IBGE em 1987/88, a Pesqui-sa de Orçamento Familiar foi retomada em

1995/96, abrangendo, para os dois períodos, asregiões metropolitanas brasileiras, o Distrito Fe-deral e o município de Goiânia.

A POF é uma pesquisa domiciliar poramostragem que investiga características dedomicílios, famílias e moradores (levantadaspor outras pesquisas domiciliares realizadaspelo IBGE) e, principalmente, seus respectivosorçamentos (despesas e recebimentos).

O principal objetivo da POF é possibilitar no-vas estruturas de ponderação para os índicesde preços que compõem o Sistema Nacional deÍndices de Preços ao Consumidor, do IBGE e deoutras instituições, além de embasar demandasrelativas ao cálculo do PIB no que diz respeitoao consumo das famílias.

O potencial de análise trazido pela POF éimenso, já que a pesquisa mensura, a partir deamostras representativas de determinada popu-lação, a estrutura de gastos (despesas), os rece-bimentos (receitas) e as poupanças desta popu-

POF - Pesquisa de OrçamentosFamiliares/IBGE

lação. Estruturadas sobre as unidades familiares,tais informações permitem estudar aspectos im-portantes da realidade nacional, como a compo-sição dos gastos familiares, as disparidades regi-onais entre áreas urbanas e entre grupospopulacionais (entre ricos e pobres, entre osmais e menos escolarizados, etc.), perfis de con-sumo, quantidades de alimentos/bebidas adquiri-dos via gasto monetário para o consumo familiar.Ademais, permite dimensionar o mercado paraprodutos e serviços, bem como fundamentar es-tudos relacionados aos aspectos nutricionais dapopulação e ao planejamento econômico e socialde um modo geral.

O levantamento de dados (12 meses) con-templa todas as épocas do ano, possibilitandoque os resultados reflitam um padrão médioanual. Mais que isso, possibilita captar rendi-mentos mais próximos da realidade (o consumodas famílias é acompanhado durante todo oano), bem como os diversos arranjos para a so-brevivência familiar não percebidos pelas outraspesquisas.

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Indicadores de Consumo na Bahia*

A BAHIA TEM

4,773%

do poder de compra das famílias brasileiras, asoma do que consomem e do que investem em

bens duráveis, isso corresponde a

US$ 29,622 bilhões

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A biologia molecular está revolu-

cionando várias áreas do conhe-

cimento humano. Como esta

técnica vem sendo aplicada e

quais os produtos que estão cir-

culando no mercado?

Mitermayer � Na área médica abiologia molecular permite a pro-dução de moléculas que nossocorpo precisa, como por exem-plo, os hormônios. Uma série demedicamentos tem sido criadoscom o auxílio da engenharia ge-nética. É o caso do fator 8, umasubstância importante que faltanos indivíduos com hemofilia.Hoje, essa molécula já está sen-do fabricada, embora a um customuito alto, o que não a tornaacessível à toda sociedade. Naárea de prevenção, a engenhariagenética possibilita o desenvolvi-mento de metodologias para o

aperfeiçoamento das técnicas dediagnóstico, através de estudosque permitem, por exemplo, lo-calizar certos vírus, saber comoestão sendo transmitidos e paraonde estão se deslocando. Alémde métodos para diagnosticaruma doença infecciosa ou estu-dar um câncer, também é possí-vel gerar uma proteína que aoser injetada no organismo vai es-timular a produção de defesascontra determinada infecção, é oque chamamos de vacina.

Na agricultura, temos o desen-volvimento de plantas transgêni-cas. Vejamos o exemplo do toma-te, comumente usado na mesa dobrasileiro, um produto que apo-drece com muita facilidade devidoà ação das enzimas que destroema membrana de suas células. Notomate do tipo transgênico é colo-cado um gene que produz uma

substância que bloqueia a açãodessas enzimas, retardando oseu amadurecimento. Isso signifi-ca uma economia tanto para o co-merciante quanto para o consumi-dor. Na pecuária, pela engenhariagenética é possível produzir umapequena vaca doméstica capazde produzir cerca de três litros deleite por dia. Ou ainda, estimular aprodução do hormônio do cresci-mento e obter um animal commaior peso para o abate ou pro-duzir porcos com mais carne emenos gordura.

Uma série de protestos e mani-festações de grupos ambientalis-tas tem ocorrido, principalmentena Europa, em decorrência daprodução e da comercializaçãode organismos geneticamentemodificados. Alguns países che-garam a proibir a fabricação e a

Engenharia Genética e aOferta de Novos Produtospara o Consumo por Cristiana Serra

Atualmente, vários produtos que passaram por algum tipo de manipulação genética estão disponíveispara o consumo no mercado. A novidade mais recente no campo da ciência é a possibilidade deproduzir organismos com características totalmente diferentes, por meio da transferência de um genede uma espécie à outra � os chamados organismos transgênicos. Nesta entrevista, Mitermayer Galvãodos Reis, especialista em biologia molecular, professor universitário e diretor do Centro de PesquisasGonçalo Muniz da Fundação Oswaldo Cruz, discute os benefícios e os temores normalmente presen-tes na polêmica discussão sobre a comercialização de produtos geneticamente modificados. Ele falasobre as diversas aplicações da engenharia genética, a situação da pesquisa neste campo no Brasil, aregulamentação existente e a necessidade de normatização dos estudos científicos. Mitermayerdefende que a ciência precisa avançar com responsabilidade e ética. Nesse sentido, o pesquisadorantes de tudo deve ter um compromisso com a natureza e com os seus semelhantes.

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entrada desses produtos. Quaisos riscos efetivos da dissemina-ção de organismos genetica-mente alterados? Existe algumtipo de regulamentação que con-trole o uso dos transgênicos?

Mitermayer � Evidentemente osriscos existem. Em função disso,estão sendo criadas as comis-sões de biossegurança. Entendoque seja necessário uma norma-tização e não o bloqueio do de-senvolvimento dessas aplica-ções. Porém, não adianta ape-nas criar as leis se não houvercontrole e uma avaliação perma-nente. A execução desse tipo deatividade requer que as pessoasenvolvidas tenham competência,não só técnica e científica, mastambém ética para não colocar apopulação e a natureza em risco.As Nações Unidas e a Organiza-

ção Mundial de Saúde estão discu-tindo esse problema e definindo re-gras para normatizar essa situa-ção. Nos países em que os trans-gênicos são liberados é precisoque a informação seja amplamen-te divulgada. A população tambémdeve pressionar, pois, a responsa-bilidade pela regulamentação des-ses produtos é geral, na medidaem que valores como cidadania eética não dizem respeito ao local,são valores universais.

No Brasil, já existe uma regu-lamentação. Para tanto, foramcriadas comissões encarregadasde acompanhar e avaliar as insti-tuições que trabalham com biolo-gia molecular. No Centro dePesquisas Gonçalo Muniz, hátambém uma comissão internade biossegurança, um conceitonovo que foi incorporado recen-temente.

A transferência genética ganhauma dinâmica própria na nature-za? Espécies geneticamentemodificadas podem vir a transfe-rir genes para espécies selva-gens? O que distingue esse pro-cedimento de outras técnicas demanipulação genética é o fato depoder transferir qualquer traçopara qualquer organismo? Atransferência pode ocorrer entremicroorganismos e organismosmais evoluídos?

Mitermayer � Alguns estudos re-lativos a esse problema vêmsendo desenvolvidos no Brasilem plantações de arroz, com oobjetivo de verificar justamente apossibilidade de transferência degenes de plantas transgênicaspara as não-transgênicas. Nãose sabe ainda, qual a probabili-dade de haver riscos de entre-

FOTO: MÁRCIO LIMA

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6 8 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.66-70 Setembro, 1999

cruzamento, por exemplo, entreuma plantação no Rio Grande doSul e outra na Argentina.

Entre microorganismos nãomuito evoluídos, como as bacté-rias, está comprovado que existea transferência. Esta é uma preo-cupação freqüente nas discus-sões sobre os transgênicos. Umdos grandes problemas que te-mos nos deparado na ciência ena medicina é o aparecimento debactérias resistentes à penicilina.Quando analisamos o processode ganho de resistência, obser-vamos que as mais resistentestransferem genes que conferemmaior força àquelas anterior-mente não-resistentes.

Hoje, o desafio é verificar seesta transferência pode ocorrerde um microorganismo para o serhumano. Acredito que sim. Algunscanceres são causados por vírus.É o caso do câncer de útero cau-sado pelo HPV. O genoma doHPV se incorpora no DNA de nos-sas células, que passam a produ-zir substâncias que vão estimularseu crescimento indefinido. Háainda outros tipos de vírus, queretiram um segmento de gene doser humano e o transfere parauma célula de outro indivíduo.Portanto, esse risco existe.

Pode haver uma diminuição dadiversidade genética em certasespécies em função da superex-ploração de determinados tiposde organismos?

Mitermayer � Em ciência só po-demos nos posicionar quando háevidências, a partir de experimen-tos comprovados. Independenteda engenharia genética, está ha-vendo no planeta uma redução dadiversidade de organismos. Se fo-rem criadas condições para que

uma planta venha a se desenvol-ver melhor do que as outras emum determinado ambiente, talvezneste ambiente específico o quevocê fala pode vir a ocorrer. Noentanto, essa questão é ambiva-lente. Com auxílio da engenhariagenética, algumas plantas, queestão vivendo em condições des-favoráveis e desaparecendo, po-derão permanecer. A primeira vezque alguém clonou um gene foi nadécada de 70. A engenharia ge-nética é algo muito recente. Evi-dentemente, houve uma explosãode conhecimento, mas ainda é

muito pouco tempo para que pos-samos avaliar essas conseqüên-cias.

As aplicações mais freqüentesda engenharia genética são emvegetais. Os riscos de perturba-ção dos ecossistemas podemaumentar com a generalizaçãode aplicações em animais?

Mitermayer � Depende da óticaque seja abordado o problema.Vejamos, por exemplo, o caso dacriação bovina que tem um custoeconômico socialmente elevado.Quando o gado é criado extensi-vamente, ocupa áreas que poderi-am estar sendo disponibilizadaspara o uso na lavoura. Com a en-genharia genética, se pode criar

condições para que um animalpossa se desenvolver mais rapi-damente, em um espaço menor.Não sei quando vamos poder mo-dificar geneticamente certas es-pécies da natureza, evidentemen-te que essas pesquisas vão ocor-rer quando houver interesse co-mercial e/ou venham a garantir asustentabilidade da raça humana,como é o caso de animais queproduzem carne e leite.

O Brasil apenas importa ou já vemproduzindo sementes e alimentosgeneticamente alterados? De ummodo geral como se encontramas pesquisas no país?

Mitermayer - O Brasil tem umapartheid na ciência, ou falamosem Sudeste e o resto do país, ouSão Paulo e o resto do país. Osestados do Sul já estão fazendoexperimentos nessa área, até por-que possuem uma agriculturamuito forte e uma produção emgrande escala. Para fazer pesqui-sa é preciso ter recursos, ter di-nheiro. Os reagentes e a quasetotalidade dos equipamentos sãoimportados. Para tanto, é funda-mental determinação política.Existem projetos em São Pauloque são financiados pelo estado,através da Fundação de Amparoà Pesquisa (Fapesp). Infelizmen-te, a empresa privada no Brasil in-veste muito pouco para oincentivo à pesquisa.A quase totalidade dos projetossão aplicados nas universidadesestaduais e federais ou em institu-tos federais, com predomínio paraas grandes universidades de SãoPaulo - USP, Unicamp, Piracicaba- do Rio Grande do Sul e Viçosa,em Minas Gerais. Alguns dessesgrupos estão criando núcleos liga-dos às empresas. Na Bahia, a

A autorização paracomercialização só

é concedida quando,através de experiências

comprovadas pelaComunidade CientíficaInternacional, se temabsoluta certeza queesses produtos nãorepresentam risco

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.66-70 Setembro, 1999 6 9

pesquisa é muito incipiente. Espe-ro que venhamos a investir na for-mação de recursos humanos paraque também possamos produzirciência e não só carnaval e gru-pos de pagode.

Medicamentos são consumidosem pequenas doses e alimentos,em grandes quantidades. Comogarantir a segurança alimentardos consumidores? Não seriaimportante um maior rigor noprocesso de autorização para acomercialização desses alimen-tos transgênicos?

Mitermayer � Quem libera o ali-mento para o consumo é o Minis-tério da Agricultura. A autoriza-ção só é concedida quando,através de experiências compro-vadas pela Comunidade Científi-ca Internacional, se tem absolutacerteza que esses produtos nãorepresentam risco à saúde hu-mana. É um processo similar aoda vacina que leva aproximada-mente de 20 a 30 anos para serdisponibilizada no mercado.Uma indústria não tem a liberda-de de produzir um transgênicosem que tenha autorização go-vernamental para isso, caso con-trário estará infringindo a legisla-ção do país.

Na discussão sobre os transgêni-cos, aqueles que são a favor dacomercialização desses produtoscostumam defender as vantagensdo ponto de vista econômico. Jáos que se preocupam exclusiva-mente com a questão ambientalacreditam que esses argumentosnão justificariam os possíveis ris-cos. Há uma frase que diz �láonde está o perigo nasce o quesalva�. As biotecnologias podemtrazer benefícios também no nível

ambiental, como por exemplo, apossibilidade de dispensar a inter-venção química?

Mitermayer � Hoje para garantiruma produção adequada de de-terminado alimento, são jogadastoneladas de tóxicos no meioambiente. O que se pretendequando se produz uma plantatransgênica é fazer com que elapossa se defender da ação dedeterminados microorganismos,é como se ela fosse vacinada.Para isso, são inseridos genesque conferem à planta maior re-sistência a pragas, fungos e ví-rus que lhe seriam normalmentenocivos. Desse modo, pode-seimpedir o uso de agrotóxicos.Pelo menos temos a vantagemde saber que aquela planta étransgênica, enquanto o agrotó-xico é absorvido por outras plan-tas sem que se tenha conheci-mento disso. A ciência tem queavançar. Tudo que é novo causaapreensão. É importante que aapreensão não vire histeria, massim que gere tranqüilidade paraque haja uma normatizaçãoadequada.

Como o senhor vê a responsabili-dade do cientista, quando hoje eletem o poder de praticamente

�brincar de Deus� e promover umaampla �reforma da Natureza�?

Mitermayer � O objetivo do cien-tista é sempre o de ajudar a me-lhorar a qualidade da vidahumana, contribuindo para aper-feiçoar �o que Deus criou�. Nos-sas ações como pesquisadoresnão são individualizadas. Quan-do um pesquisador propõe umtrabalho, este é julgado em umasérie de instâncias até que ve-nha a ser operacionalizado, issoleva no mínimo dez anos.

Na década de 50, a expec-tativa de vida no Brasil era emtorno de 40 e 50 anos, hoje éde 70 anos. Obviamente me-lhoramos a qualidade de vida.Mas, ainda assim, muita gentemorre de fome. Vamos deixaras pessoas morrerem de fomeou devemos buscar mecanis-mos que aumentem a produtivi-dade de alimentos e o baratea-mento dos custos? Se não,nossa sociedade vai acabar su-cumbindo à violência e não aosproblemas de saúde. Esta éuma questão muito complexae, sobretudo, requer umaorientação política. Volto a in-sistir que o fundamental é terética, definir regras e fazer comque estas sejam cumpridas.

FOTO

: MÁR

CIO

LIM

A

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7 0 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.66-70 Setembro, 1999

AEmbrapa Mandioca eFruticultura, localizada

em Cruz das Almas/Ba, vemdesenvolvendo pesquisas demelhoramento genético emduas frutas bastante comunsna dieta alimentar do brasilei-ro, a banana e o mamão.

O Brasil é o terceiro maiorprodutor mundial de banana,sendo que a quase totalidadeda produção, cerca de 6 mi-lhões de toneladas por ano, édestinada ao consumo inter-no. A cultura da bananeira éafetada por uma série de pra-gas e doenças causadas porfungos, bactérias, vírus e in-setos. As perdas após a co-lheita chegam a comprometer30% da produção.

Em função dos baixos ní-veis de capitalização e da fal-ta de tecnologia, com exce-ção de algumas plantaçõesem São Paulo, Minas Gerais,Santa Catarina, Goiás e RioGrande do Norte, o cultivo dabanana apresenta baixa pro-dutividade, sendo realizadonormalmente por pequenosagricultores.

O programa de melhora-mento genético em banana,coordenado pelo pesquisadorSebastião Silva, tem comoobjetivo criar novas varieda-des, a partir da obtenção dehíbridos superiores, resisten-tes a doenças e com melho-res características agronômi-cas, tanto no que se refere àprodutividade, como à quali-

A Bahia Realiza Pesquisa em Genéticadade do fruto. No controle de do-enças, o uso de variedades re-sistentes é uma das alternativasmais efetivas, já que independeda ação do agricultor na fase decrescimento das plantas e não éprejudicial ao ambiente. O au-mento da produtividade e daqualidade dos frutos, somado aredução do emprego de defensi-vos agrícolas e dos gastos com acultura , representa um ganhosignificativo na renda do produtor.

Embora o Brasil seja o maiorprodutor mundial de mamão, ape-nas três variedades, integrantesdos grupos Havaí e Formosa, sãoutilizadas para a comercialização.Essa estreita base genética dacultura do mamoeiro no Brasiltem como conseqüência umamaior vulnerabilidade a pragas edoenças. O elevado preço e a difi-culdade de obtenção de semen-tes dos híbridos do grupo Formo-sa também limitam a expansãoda cultura. As pesquisas desen-volvidas por Jorge Loyola Dantas,na Embrapa Mandioca e Fruticul-tura, através de técnicas de me-lhoramento genético, visam am-pliar a sustentabilidade da lavou-ra com a criação de novasvariedades.

Além dos métodos convenci-onais de melhoramento genéti-co, por meio de técnicas dehibridização, a Embrapa de Cruzdas Almas, em parceria com aEmbrapa Recursos Genéticos eBiotecnologia (Cenargen) emBrasília, vem realizando um es-tudo para o desenvolvimento do

mamão transgênico, conduzi-do pelo pesquisador ManoelTeixeira Sousa Júnior. A pes-quisa pretende modificar ge-neticamente o mamão, tor-nando-o resistente à ação dovírus da mancha anelar.Como esta praga não podeser combatida pelo controlequímico, em função da formacomo o vírus é transmitido, aúnica solução encontrada pe-los produtores é migrar paraoutras regiões. A abertura denovas fronteiras agrícolas,em muitos casos, provocadesmatamento. A criação domamão transgênico, além depossibilitar que o cultivo domamoeiro deixe o nomadis-mo, irá proporcionar umamelhoria da qualidade e doaspecto do fruto, permitindouma maior competitividadeno mercado internacional.

Fontes:

SILVA, Sebastião de Oliveira e;ALVES, Élio José; LIMA, MarceloBezerra; SILVEIRA, JorgeRaimundo da Silva. Melhoramen-to genético da bananeira.

DANTAS, Jorge Luiz Loyola; SOUZA,José da Silva; PINTO, Raul Mag-no de Souza; LIMA, JulianaFirmino de. Variabilidade genéticae melhoramento do mamoeiro.Trabalho apresentado no Simpó-sio de Recursos Genéticos e Me-lhoramento de Plantas para oNordeste Brasileiro, realizado naEmbrapa Semi-Árido, Petrolina,Pernambuco, no período de 28 desetembro a 2 de outubro de 1998.

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Ocomércio eletrônico é a parte mais visívelde uma nova onda de negócios e investi-mentos em todo o mundo. Estimulados

pela forte expansão e alta penetração da Internetnos mais variados setores da sociedade, empre-sas, órgãos governamentais, instituições financei-ras e consumidores cada vez mais integram-se àgrande rede mundial.

Vivemos um final de milênio marcado por profun-das transformações sociais. Economias de várias na-ções tornam-se cada vez mais interdependentes.Revoluções tecnológicas contribuem para acelerar oritmo dos acontecimentos. Novas tecnologias da infor-mação e dos transportes, que operaram neste séculouma gigantesca revolução global, impõem profundasalterações sociais através da redução das distâncias eda conseqüente interpenetração dos mais diversosestoques culturais da humanidade. Organizações depraticamente todos os campos de atividade empreen-dem mudanças administrativas, sejam elas radicaisou triviais, descentralizando processos, ampliando acirculação de informações em seus domínios, estabe-lecendo novas parcerias, modificando antigas rela-ções de trabalho. Nações refazem seus territóriosapós o final das repúblicas socialistas; finda a guerrafria, franqueiam-se mercados.

O capitalismo reestrutura-se em novas formas,em que a geração de riqueza, através da produtivi-dade e da competitividade de empresas, países,regiões e pessoas, depende sobretudo da informa-ção e do conhecimento, desde que acompanhadasda capacidade tecnológica para processar a infor-

Do Comércio Eletrônicoàs Comunidades de Negócios

Claudio Cardoso*

mação e gerar conhecimento. Ao lado disso, vive-mos pela primeira vez, na história da humanidade,um capitalismo verdadeiramente global, em quevários pólos, espalhados por todo o planeta, inte-gram-se dinamicamente e interagem de forma ime-diata e altamente interdependente. Esse contextoplanetário se integra por rede, isto é, �numa novaforma organizacional, altamente flexível e dinâmi-ca, que, ao mesmo tempo, inclui o que vale e excluio que não vale.�1 O aumento da complexidade daseconomias contemporâneas faz da informação umfator determinante, não apenas pela necessidadede armazenamento de dados, mas, sobretudo,pela urgência de processar informações e transmi-ti-las em alta velocidade para qualquer lugar.2

Este �novo capitalismo� difere das formas ante-riores, mesmo as mais recentes, não somente pelanova estrutura em rede, mas também devido àsnovas formas de ganho.3 Vejamos o exemplo dasorganizações baseadas na Internet, pois estas ain-da não ganham dinheiro.4 Algumas perdem, outrasse mantêm sem grandes lucros. Entretanto, em setratando de valor nominal, algumas dessas empre-sas tiveram ganhos de 1.000% ou até 1.500% noúltimo ano.5 Atualmente, o valor das ações da livra-ria virtual Amazon.com equipara-se ao do laborató-rio farmacêutico Pfizer - dono da patente domedicamento Viagra -, cujo parque industrial, emdécadas de existência, contabiliza várias indústriasinstaladas em 12 países, contando com um quadroatual de cerca de 70 mil funcionários. Enquanto aAmazon.com emprega 320 funcionários e acaba

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7 2 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.71-78 Setembro, 1999

de completar apenas seu sexto ano de existência,vendendo livros e discos.6

O mercado sempre aposta na expectativa deganho. Os investidores apostam na perspectiva deque essas empresas constituam-se em mais doque bons negócios. Elas representam o surgimentode um novo modelo de negócios do futuro. Destemodo, supõe-se, elas deverão aumentar seu valorrapidamente, ao serem as primeiras a operaremnum novo formato bem mais competitivo. Esse di-ferencial seria dado pela acumula-ção crescente de informações acer-ca dos produtos e dos clientes, pelaintegração em cadeia dos agentesenvolvidos no negócio, partindo dopróprio intermediário - no caso a li-vraria virtual -, e envolvendo editoras, operadorasde crédito, empresas de entrega e correios e clien-tes consumidores.

Todos os agentes envolvidos no novo modelotrabalham de forma cooperativa. Os consumidorespesquisam produtos na livraria, sugerem novos tí-tulos, indicam leituras para outros clientes obteremmais informações críticas acerca dos produtos quepretendem adquirir, associam suas compras àssuas preferências, informam seus dados à livraria;esta, por sua vez, os passam para as operadorasde crédito e para os correios ou empresas de entre-ga, que disponibilizam aos clientes consumidores oacompanhamento do deslocamento dos seus pedi-dos, desde a origem até o destino. O novo modeloé mais cooperativo, dinâmico, flexível e comunitário- embora existam grandes divergências nos estu-dos econômicos acerca do real papel dastecnologias da informação nos ganhos de produti-vidade,7 ao considerar-se, de um lado, o períodoagudo de investimento e de aprendizagem, en-quanto, de outro lado, fabricantes de hardwareamericanos vêm alcançando ganhos jamais vistos,ao redor de 42% ao ano entre 1995 e o primeiro tri-mestre de 1999.

Entre 1973 e 1995, a produtividade da econo-mia norte-americana aumentou a uma taxa anualde 1,1%. A partir de 1995, o percentual pulou para2,1%. As empresas de tecnologia podem estarcontribuindo fortemente nesse processo. Somenteesse setor, que representa 8% da economia ameri-cana, responde por nada menos que 35% do cres-

cimento econômico dos últimos anos.8 Os númerospodem estar indicando que já vivemos um capitalis-mo diferente, no qual �a tecnologia gera valor e aexpectativa de geração de valor desta tecnologiaacaba criando dinheiro.�9

A força comercial da Internet não reside unica-mente na simples exposição de produtos para con-sumidores conectados. Não se limitando a serapenas mais uma nova mídia - como a TV e o rá-dio, por exemplo -, a rede transformou-se num

imenso ambiente comunicacionalque promove continuamente a for-mação de comunidades reunidas emtorno dos mais variados interesses.Ações comerciais na rede vêm con-quistando consumidores na medida

em que agregam valor aos produtos através daoferta de serviços. Na Internet, para um empreen-dimento comercial ter sucesso, não basta usar arti-fícios publicitários nem tampouco se limitar afornecer informações de produtos para os clientes.O diferencial de sucesso da rede reside na qualida-de e efetividade dos serviços oferecidos. Assim, ousuário da rede, além de querer efetuar comprascom segurança e conforto, quer também aproveitarpara obter novas informações de forma seletiva,acessar sua conta no banco, saber dos resultadosdo futebol, verificar os índices da bolsa de valores,checar as últimas notícias - preferencialmenteaquelas que aconteceram depois da edição dosjornais em papel -, e também, entrar em contatocom amigos e colegas de trabalho, enviar e rece-ber documentos, enfim, o usuário da rede quer faci-litar a sua vida e, ao mesmo tempo, participar domundo.

Para que tais necessidades sejam plenamenteatendidas, empresas que disponibilizam serviçosonline se vêem obrigadas a efetuar investimentos,não apenas em aplicações Internet (particularmen-te os serviços Web), mas também na informatiza-ção do ambiente corporativo através da integraçãodos seus diversos sistemas de informação - esto-que, cobrança, contabilidade etc. -, de modo a pro-porcionar agilidade na oferta de serviços deauto-atendimento online, garantir a segurança dasinformações da organização e reduzir os custosoperacionais dos serviços Internet. Numa primeirafase, a Internet comercial concentrava seus esfor-

O novo modelode negócios é mais

cooperativo, dinâmico,flexível e comunitário.

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ços em disponibilizar informações aos clientes.Agora, o sucesso dos empreendimentos comerci-ais depende de aplicações transacionais que dialo-guem com bases de dados e com sistemas deinformações e que respondam imediatamente e deforma integrada às demandas dos usuários.

A princípio restrita apenas aos meios militares eacadêmicos, a Internet ganhou dimensões espeta-culares a partir do momento em que foi franqueadaao acesso do público em geral e, em particular, àsiniciativas de negócios.10 A bem daverdade a rede já gozava de excelen-te reputação a essa época, notada-mente devido ao fato de ter criado,logo nos seus primeiros anos deexistência, um novo espaço social,repleto de formas inéditas deinteração - anônimas, livres, abertase cooperativas -, e de grande intensidade participa-tiva. São reconhecidos os inúmeros episódios deformação de grupos de solidariedade, iniciativas deeducação a distância entre países distantes, fartadistribuição de informações antes inacessíveis àgrande parte dos usuários, intercâmbios culturaisentre os mais diversos povos e nações, demons-trando a grande vitalidade do ambiente social cria-do pela rede.11

Do ponto de vista comercial, o cenário transfor-mou-se radicalmente desde a primeira grande ex-plosão das atividades de comércio eletrônico naInternet entre os anos 1995 e 1996. Num sentidoamplo, podemos entender as atividades de comér-cio eletrônico como toda transação comercial ne-gociada e realizada em computadores, em casa,no trabalho ou através de processamento móvel,usando as facilidades das redes mundiaistelemáticas, notadamente através da Internet.12

Contudo, atividades comerciais na Internet sãofreqüentemente vistas apenas como sinônimo de�anúncio publicitário eletrônico� ou �venda direta aoconsumidor conectado�.

Desde o advento da Web, a Internet vem pro-gressivamente ampliando sua ação nas empresas,ao se transformar na interface integradora de ambi-entes de sistemas de informação corporativos maisadotada em todo o mundo. As Intranets expandem-se integrando em um mesmo padrão de acesso to-dos os serviços intra e extracorporativos. Externa-

mente às organizações, a Internet transforma-senuma plataforma privilegiada de serviços, ofere-cendo aos clientes a possibilidade de interatividadee auto-atendimento, além das aplicações voltadasao atendimento personalizado. As Extranets sãofruto da maturidade dos dois níveis anteriores, do-tando as organizações de uma nova dimensão deação corporativa, possibilitando de forma efetiva otele-trabalho, barateando a implementação de sis-temas cooperativos, criando canais seguros para

serviços voltados a clientes e colabo-radores, além de proporcionarem ointercâmbio eletrônico de dados13 en-tre empresas, expandindo de mododefinitivo a atuação do ambiente desistemas de informação corporativopara além dos muros das organiza-ções.

Assim, atividades de comércio eletrônico devemestar orientadas pelas estratégias corporativas deinserção na rede. Tais estratégias visam não ape-nas automatizar aplicações corporativas no modeloInternet em diversos níveis, mas também ampliarações de negócio através da oferta de serviçosonline. É neste último aspecto que reside a maiornovidade da rede para os negócios e, também, omaior desafio para empresários. É preciso compre-ender que a Internet, além de otimizar ações con-vencionais das empresas - tais como as comunica-ções internas e externas, o intercâmbio eletrônicode dados com fornecedores e parceiros, os fluxosde informações internas (workflow), o treinamentode pessoal, ou a interação com os clientes - aomesmo tempo transformou-se, ela própria, em umlugar de negócios, em um novo marketplace.

É o conjunto estratégico de negócios na redeque deverá estar no foco dos investimentos em ne-gócios eletrônicos (e-Business). Visto a partir des-se quadro mais amplo, o comércio eletrônico(e-Commerce) transforma-se em apenas um doscomponentes deste conjunto de ações empresari-ais, que também incluem as estratégias demarketing corporativo, a definição e adoção de pla-taformas computacionais e das tecnologias deprocessamento da informação, e a conseqüenteremodelagem da arquitetura da informação da or-ganização de modo a suportar as novas ações co-merciais integradas pela grande rede mundial.

O diferencial desucesso da rede

reside na qualidade e efetividade dos

serviços oferecidos.

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Entretanto, resta um longo caminho a ser per-corrido pelas empresas brasileiras no sentido de setornarem aptas a aproveitar as novas oportunida-des deste novo e imenso mercado emergente. Atéhá bem pouco tempo, o índice de informatizaçãodas empresas nacionais só era satisfatório nas or-ganizações de maior porte.14 A pe-netração da Internet em todosos níveis da economia tem levadopequenas organizações a se depa-rarem com o seu próprio atraso.Neste contexto, o que se vê é umbaixo nível de informatização namaior parte de um mercado, cujointeresse em fazer negócios pelarede já foi despertado. O pequenoe o médio empresários, ainda desatentos aos in-vestimentos em informática, nem sequer dispõemda mínima organização da sua informação básicaque possibilite ações efetivas de e-Commerce, talcomo a posse de um cadastro eletrônico do seuestoque, ou até mesmo um simples sistemacontábil.15

Um grande esforço ainda deve ser efetuadopara colocar tais empreendimentos em condiçõesde ingressar no mundo do comércio eletrônico. Aolado disso, também concorre negativamente o bai-xo índice de atualização dos acervos de sistemaspara os novos ambientes computacionais, além da

falta de padrões internos de alinha-mento das plataformas de proces-samento, de ambientes operacio-nais e dos sistemas de informaçãopropriamente ditos, que ocasional-mente deverão demandar traba-lhos de conversão de dados demo-rados e dispendiosos. Some-se aisso o alto custo de implementaçãodas camadas integradoras dos am-

bientes corporativos, que desestimulam boa partedos empresários interessados.

A própria rede Internet também apresenta seusproblemas e limitações. Dentre eles destacamos obaixo grau de inteligência do processamento no ladodo cliente,16 decorrente da baixa velocidade na trans-ferência de grandes volumes de informação através

A Internet, alémde otimizar ações

convencionais dasempresas ao mesmo

tempo transformou-se,ela própria, em um lugar

de negócios, em umnovo marketplace.

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da rede. Esta limitação física acaba por demandarfreqüentes ajustes nos sistemas corporativos - quefuncionam bem nas velocidades das redes internas -, para se adequarem à realidade da performance daInternet. Além disso, devem-se considerar os proble-mas de versão dos browsers na elaboração dos ser-viços web, pois os usuários usam as mais diversasversões de diferentes fabricantes, que nem sempresuportam as novidades embutidas em muitas aplica-ções. Deve-se considerar também que a disponibili-zação de serviços na rede implica anecessidade de suporte ágil e imedi-ato, o que significa um aumento noscustos operacionais, sobretudo noque se refere ao aumento de de-manda de redundância dos siste-mas, e reforço nos serviços de aten-dimento ao cliente. Acima de tudo,nunca se deve negligenciar o aspecto da segurançado próprio cliente e do ambiente corporativo. Servi-ços transacionais e integrados de auto-atendimentosignificam risco para a segurança da organização e,consequentemente, novos custos operacionais paraassegurar a integridade do patrimônio corporativo.

Deste modo, ambientes corporativos devem-sealinhar às ações de e-Commerce através de umaboa estratégia de e-Business, que leve em contatodos esses problemas e outros mais que porven-tura surjam. Uma aplicação de comércio eletrônicopode ser bastante complexa. Ao integrar de formaautomática transações de venda, crédito e esto-que, gerar novas transações para fornecedores eparceiros, contabilizar receitas e despesas e, even-tualmente, tomar decisões inteligentes a partir dosdados coletados dos próprios clientes ou em outroponto da cadeia, a complexidade do ambiente mul-tiplica-se, os risco aumentam. Todas as perspecti-vas parecem apontar na direção da necessidadede integração da cadeia comercial através de tran-sações eletrônicas, já que a crescente adoção dacomputação vem criando uma espécie de �línguafranca� dos negócios, estes cada vez mais interli-gados através de sistemas de informação e inter-câmbio eletrônico de dados.

Podemos acreditar que as organizações que ini-ciarem mais cedo os investimentos em aplicaçõesorientadas por estratégias de e-Business terão al-guma vantagem competitiva no mercado, desde

que estas ações estejam bem orientadas por pro-fissionais capacitados. Do contrário, pode-se estardesperdiçando tempo e recursos, além de compro-meter a imagem já construída da empresa em suasações convencionais.

Para evitar insucessos nos investimentos em e-Business é recomendável a elaboração de uma ar-quitetura de sistemas alinhada à infra-estruturatecnológica da organização. Além disso, deve-se ob-servar, durante o processo de elaboração da aplica-

ção Internet, o uso de metodologiasde desenvolvimento de sistemas(MDS) voltadas para este tipo deprojeto. É também recomendável aseleção de ferramentas de desen-volvimento adequadas ao ambientecorporativo, além de tecnologica-mente atualizadas com o estado-da-

arte das aplicações ora em uso na rede. Muitasorganizações já identificam a necessidade de cria-ção de um departamento específico para a gestãoweb, normalmente localizadas como uma interfaceentre as diretorias de comunicação e de marketing, eaquelas de informática e de gestão de negócios. Ocaráter singular deste novo campo de ação tem leva-do os seus novos profissionais a posicionarem-seentre as tradicionais abordagens técnicas e novasações de comunicação voltadas aos mercados inter-nos e externos das organizações.

No processo de elaboração de um plano deação corporativa de negócios eletrônicos devem-se também enfatizar os estudos da arquitetura denavegação e do design, o projeto de segurançapara evitar os chamados back orifices,17 o uso deprotótipos para estudo e definição das interfaces, oprojeto de implementação, considerando priorida-des e a oferta de serviços de maior valor agregado,e o projeto de desenvolvimento, que deve estar ali-nhado às interfaces integradoras (Intranet) do am-biente corporativo.

Finalmente, em face dos números das pesqui-sas desenvolvidas em todo o mundo e fartamentedivulgados pela mídia - não sem um certo tom desensacionalismo -, podemos acreditar que o mer-cado na Internet deverá continuar a crescer e ofe-recer novas oportunidades de negócio. Ao mesmotempo, tudo leva a crer que, num curto período detempo, a rede deverá passar por melhorias suces-

Todas as perspectivasparecem apontar na

direção da necessidadede integração da cadeia

comercial através detransações eletrônicas.

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sivas na sua infra-estrutura, aumentando significa-tivamente suas capacidades técnicas e, conse-quentemente, proporcionando ainda novos modosde ação comercial.

A perspectiva da formação de uma imensa ondade negócios na Internet é real e deverá empurrargrande parte dos negócios em direção a um ambi-ente no qual a transação eletrônica praticamentese tornará uma exigência básica para o ingresso eparticipação neste novo mercado de oportunida-des, forçando empresas a desenvolverem sistemasde informação internos integrados e capazes de in-serir serviços transacionais na rede. Assim, empre-endimentos de negócios eletrônicos devem, desdejá, serem pensados estrategicamente. Podemosestar a um passo de um novo período de investi-mento em informática. Talvez estejamos até bempróximos de um novo e gigantesco movimento deintegração de grande parte da cadeia dos negóci-os, ao integrar os mais diversos atores e as maisdiversas atividades comerciais num mesmo eimenso ambiente eletrônico de processamento co-operativo da informação, realizando, de modo ines-perado e por caminhos tortuosos, a criação de umaimensa e solidária inteligência coletiva.

Notas:

1 CASTELLS, Manuel. The Information Age. Economy,Society and Culture. Volume III. End of Millennium Malden,Massachussets: Blackwell, 1997, p.117.

2 PETIT, Pascal (org). L�Economie de l�Information. Paris: LaDécouverte, 1998, p.12.

3 Sugerimos a leitura da trilogia, já considerada por muitoscomo �paradigmática� sobre a questão, escrita por ManuelCastells, cujo terceiro volume está citado logo acima. O volu-me I, recentemente traduzido para o português pela editoraPaz e Terra, foi lançado no Brasil sob o título �A Sociedadeda Informação.�

4 HENRY, David et alli. The Emerging Digital Economy II, 1999.US Department of Commerce. <http://www.ecommerce.gov/ede/> (21/07/1999).

5 Entrevista concedida por Manuel Castells para o programaRoda Viva da TV Cultura, São Paulo, exibida em 22/07/99.

6 De acordo com dados fornecidos por THOMPSON, MaryannJones. �Only Half of Net Purchases are Paid Online.� In: TheIndustry Standard, 1999. <http://www.thestandard.com/merics/> (03/03/1999).

7 Ver, TEIXEIRA, Francisco. Tecnologia, Organizações e Pro-dutividade: Panorama Internacional e Lições para o Brasil.Salvador: MIMEO, 1999, onde o leitor encontrará um impor-tante panorama teórico sobre as complexas relações entreprodutividade e tecnologias da informação. Nele o leitor tam-bém encontrará o esclarecimento acerca da famosa senten-ça de Solow, prêmio Nobel de economia, e que deslanchouuma longa discussão sobre o paradoxo da produtividade dosanos 80: �We see computers everywhere except in theproductivity statistics�. A frase consta de um artigo publicadono New York Times Book Review, em 12 de julho de 1987,denominado We�d Better Watch Out.

8 LAHÓZ, André. Nova Economia. Exame, 25/08/99, p.124.

9 CASTELLS, Manuel. Op.Cit., 1997, p.119.

10 Menos de 40 milhões de pessoas em todo o mundo estavamconectadas à Internet no final de 1996. No final de março de1999, ou seja, pouco mais de dois anos depois, cerca de 140milhões acessavam a rede (NUA Internet Surveys, 1999.<http://www.nua.ie/surveys/> (23/04/1999).

11 A propósito da grande vitalidade da rede e da formação decomunidades virtuais, ver LEMOS, André. As Estruturas An-tropológicas do Ciberespaço. Salvador: MIMEO, 1996, etambém, PALACIOS, Marcos. Cotidiano e Sociabilidades noCyberespaço: Apontamentos para Discussão. In: FAUSTONETO, Antonio e PINTO, Milton José (Orgs). O Indivíduo eas Mídias. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996, p.87-102.

12 COSTA, Eduardo e RIBEIRO, Humberto. Comércio Eletrôni-co. Brasília: CNI/IEL, 1998.

13 Habitualmente identificado pela sigla EDI ou, Electronic DataInterchange.

14 No Brasil, a proporção de computadores para cada 100 pes-soas da mão-de-obra ativa é 12, enquanto que nos EUAesse índice é de 87, em Singapura, 82, e no Reino Unido, 81(HENRY, David et alli. Op.Cit.).

15 Ver, CARDOSO, Claudio. Dois Estudos de Caso de e-Business no Brasil. Salvador: MIMEO, 1999.

16 Para aplicações no modelo cliente/servidor.

17 Falhas da arquitetura de segurança que permitem o acessoao ambiente Intranet por invasores que estejam acessandoa Internet (hackers).

*Claudio Cardoso ([email protected]) é professor daFaculdade de Comunicação da UFBA e consultor de e-

Business da Unitech.

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Fazer compras sem sair de casa vem se tor-nando uma prática cada vez mais comum

entre os consumidores nos últimos anos. Asvendas pela Internet apresentam grande cresci-mento no mundo dos negócios e começam adespertar a atenção dos comerciantes baianos.

Em um mercado cada vez mais competitivo,aqueles que se lançarem primeiro nessa em-preitada, provavelmente, terão mais chances dese posicionar melhor. Foi partindo desse pres-suposto que a Livraria Grandes Autores (http://www.webdelivery.com.br/grandesautores) come-çou a operar o serviço de comércio eletrônico emjunho do ano passado. Até hoje foram investidos30 mil reais. Embora já possua dez mil usuárioscadastrados, a receita oriunda das vendas pelarede é de aproximadamente 3% da receita totalda livraria. �Acredito que nenhum investimentoem Internet trouxe retorno que compensasseessa aventura. Este é um mercado novo que re-quer muito investimento para se montar uma es-trutura competitiva�, afirma David Abenhaim,webmaster da Grandes Autores Virtual.

O consumidor que vai à loja gasta mais por-que está exposto a uma série de atrativos que arede ainda não é capaz de oferecer. Para con-seguir cativar o consumidor virtual, as empresasprecisam oferecer um atendimento diferenciadoe diversificar seus serviços. A atualização e re-novação constantes fazem com que o usuáriovolte sempre ao site em busca de novidades.�Na Internet a concorrência está mais acirradado que no mundo físico. Aos poucos, o mito deque, na rede, uma microempresa pode competirna mesma condição que uma grande empresavem sendo derrubado, pois, não é verdade. Oque se observa é que algumas pequenas em-presas que oferecem tecnologia vêm sobressa-indo, porque oferecem produtos inovadores.Mesmo assim, muitas destas foram incorpora-das pelas grandes corporações�, destaca owebmaster da Grandes Autores.

Comerciantes Baianos Investemno Comércio Eletrônico

David Abenhaim também acredita que o co-mércio eletrônico está saindo de seu estadoembrionário para entrar em uma nova fase,mais expansionista e agressiva. Na GrandesAutores Virtual, a maioria dos pedidos é dirigidaa empresas localizadas em outros estados.Também há uma demanda freqüente para aqui-sições no exterior. Desde o início de setembrodesse ano, a empresa passou a oferecer fretegratuito para os demais estados brasileiros,como estratégia para enfrentar a forte concor-rência das livrarias do sul do país e garantiresse importante segmento do mercado.

No ramo das vendas pela Internet, tanto a pre-guiça como o excesso de ocupações podem seconverter em importantes aliados. Pensando jus-tamente nas pessoas que não têm tempo ou nãogostam de ir às compras, a rede de supermerca-dos Supermini (http://www.webdelivery.com.br/supermini) resolveu implantar o serviço de comér-cio eletrônico em janeiro deste ano. Para tanto,foram investidos até o momento cem mil reais. Arenda gerada com as vendas via Internet aindanão representa nem 2% da receita total do super-mercado. �Acreditamos que o retorno do investi-mento não acontecerá agora, mas com certezavirá. A curva de crescimento é constante. À medi-da que o tempo passa, atendemos novos clien-tes, paralelamente aos já existentes�, afirma LuisFernando, proprietário do Supermini. Em junho jáhavia 200 usuários cadastrados. Três meses de-pois este número passou para 300.

Ao entrar no site pela primeira vez o usuárioprecisa se cadastrar. Depois de cadastrado, oconsumidor já pode visitar as chamadas�gôndolas virtuais� e realizar o pedido. O prazomáximo para entrega é de 24 horas. O paga-mento é feito quando os produtos são recebidosno domicílio. �O cliente espera encontrar no siteas mesmas mercadorias que está habituado acomprar no supermercado. Todas as seçõesdisponíveis na Internet procuram atender essa

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expectativa. O consumidor também pode suge-rir marcas e produtos de sua preferência. Casoo produto solicitado esteja em falta, entramosem contato com o cliente e sugerimos outro si-milar�, explica Luis Fernando.

A taxa cobrada pela entrega em domicílio é

de R$4,00. Os preços dos produtos da Internete da loja são os mesmos. Luiz Fernando chamaa atenção para o valor agregado à mercadoriacom a utilização do serviço. �O consumidor quefaz compras pela rede economiza no tempo eganha no conforto.�

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A Economia do ComércioEletrônico - Dejà Vu ou Revolução?

Paulo Henrique de Almeida*

Ocomércio eletrônico nasceu há cerca decinco anos, quando algumas empresasnorte-americanas - fabricantes de micro-

computadores e livrarias virtuais - começaram a uti-lizar a Internet para vender seus produtos. Estainovação de apenas cinco anos se apresenta comoum canal de distribuição de bens e serviços e derealização de negócios capaz, em tese, de mudarradicalmente o conteúdo e a forma de muitas ativi-dades econômicas tradicionais.

O desenvolvimento e a expansão do comércioeletrônico através da Internet têm dois fundamen-tos básicos. Em primeiro lugar, as inovações noscampos da informática e das telecomunicações,que permitem uma queda acelerada nos custos deprocessamento, estocagem e transmissão da infor-mação - microcomputadores mais potentes e maisbaratos, cabos de fibra ótica, novos satélites e ou-tras. Em segundo lugar, a desregulamentação in-ternacional do setor de telecomunicações, com ofim de monopólios e a abertura de mercados nacio-nais para empresas estrangeiras. Este segundo fa-tor - que cria um quadro de concorrência oligopolís-tica - também favorece a queda dos preçosrelativos na transmissão de dados e, além disso,permite uma expansão mais acelerada das redesde telecomunicação.1

Como vários analistas econômicos já notaram,o debate em torno do futuro do comércio eletrônicotem sido polarizado por dois pontos de vista bemdiferentes.

O primeiro pode ser chamado de �realista� ou

�pessimista�. Seus partidários acreditam que o co-mércio eletrônico em particular, e as indústrias dainformação em geral, são apenas novos exemplosde atividades econômicas caracterizadas por umacombinação de elementos já conhecidos: custos fi-xos elevados, custos marginais baixos eexternalidades de rede. Desse modo, o funciona-mento do comércio eletrônico na Internet obedece-ria às mesmas leis e regras válidas para adistribuição de energia elétrica, redes telefônicasou companhias de aviação. O melhor exemplo des-te tipo de ótica pode ser encontrado no último livrodos professores Carl Shapiro e Hal R. Varian, daUniversidade da Califórnia, Berkeley, recentementetraduzido no Brasil - Information rules: a strategicguide to the network economy.2

Tentemos explicar o que significam os conceitosacima. Uma companhia telefônica tem elevadoscustos fixos, isto é, custos que não variam com ovolume de serviços produzidos: manutenção decentrais, amortização de equipamentos ou saláriosde altos executivos. Em contrapartida, o custo mar-ginal para a implantação de mais uma linha telefô-nica, ou seja, o custo adicional para a incorporaçãode mais um cliente à sua rede é, em relação aosseus custos fixos, muito pequeno. Uma das conse-qüências diretas deste fato é que a companhia tele-fônica tem todo interesse na expansão de suaclientela; a incorporação de um novo cliente custapouco, uma grande base de clientes é condição in-dispensável para a amortização de seus considerá-veis custos fixos. Pelo mesmo motivo, a empresa

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de telefonia luta para a multiplicação do número dechamadas e para o uso pleno de sua capacidadeprodutiva - o custo adicional de uma nova ligação édesprezível em relação aos seus custos totais. Daí,as promoções de domingo, os descontos no horá-rio noturno e mesmo os prêmios em minutos gratui-tos para clientes fiéis.

No entanto, existe outra razão que leva a em-presa telefônica a lutar pela expansão de sua basede clientes. Esta razão é a externalidade de rede.Muitos bens e serviços não têmqualquer valor enquanto permane-cem isolados. É o caso do telefone.Ele é inútil se não existe outro apa-relho conectado a ele. Corolário:quanto mais aparelhos interliga-dos, maior a utilidade de cada tele-fone instalado ou a instalar, maior ovalor total da rede.

A corrente �realista�, da qual fa-zem parte Shapiro e Varian, acredi-ta que o comércio eletrônico é apenas um novocampo de desenvolvimento deste tipo já conhecidode economia, que os economistas denominameconomia de rede.

Se esta corrente �realista� tem razão, é possívelainda prever-se, para o comércio eletrônico naInternet, uma evolução semelhante à que ocorreuem outros meios de comunicação no passado. Umaboa defesa desta tese pode ser encontrada num tex-to do economista israelense Sam Vaknin, intituladoInternet: a Medium or a Message? Vaknin sugereque a Internet repetirá os ciclos que caracterizaram,por exemplo, a evolução do rádio: a) fase pública,anárquica, experimental e não-mercantil; b) fase co-mercial, marcada pela apropriação empresarial donovo meio; c) institucionalização, etapa marcadapela regulação jurídica e pelo início da concentraçãodo capital; e, finalmente, d) o �banho de sangue�,período de consolidação, caracterizado pelo apare-cimento de megaempresas que passam a controlaro novo espaço de comunicação.3

De acordo com os �pessimistas�, a Internet e ocomércio eletrônico caminhariam assim na direçãode estruturas de mercados oligopolísticas, com aconcorrência tendendo a se dar entre megaempre-sas e megarredes de empresas, num quadro de li-mitação crescente da soberania do consumidor.

Neste sentido, o futuro estaria sendo desenhadodesde já. Citemos dois exemplos. Primeiro, osurgimento de mecanismos nos sites de busca que�orientam� a pesquisa de páginas em favor de em-presas que pagam para aparecer com maior desta-que. Só organizações com meios de investir empromoção têm chances de sobreviver neste tipo deciberespaço. Segundo, a multiplicação de aquisi-ções e fusões gigantescas, envolvendo dezenas ecentenas de milhões de dólares, e que são feitas

com objetivos bem definidos: gerare controlar as transações na rede.4

A corrente �otimista�, cujo maiorrepresentante é o editor da revistaeletrônica Wired, Kevin Kelly, pen-sa, no entanto, de modo bem distin-to. Para ela, o comércio eletrônico éparte fundamental de uma nova erevolucionária economia, �global,intangível e intensamente interliga-da�. Essa economia seria uma eco-

nomia �sem fricção�, onde os custos de transaçãotenderiam a zero, não haveria barreiras à entradade novas firmas e existiriam mercados transparen-tes, isto é, caracterizados pelo fim das assimetriasde informação.5

Expliquemos melhor a tese �otimista�. O comér-cio eletrônico permite que produtores vendam dire-tamente aos consumidores, o que reduz, em teoria,os custos de transação. Estes custos operacionaisbaixos criados pela �desintermediação� facilitam aentrada de novos concorrentes, o que, por sua vez,implica acirramento da concorrência e redução depreços, com as empresas sendo forçadas a repas-sar seus ganhos de custo aos consumidores. Ade-mais, os consumidores podem mais facilmente �com um simples �clic� � ter acesso às informaçõese estão aptos, portanto, a escolher entre muitasofertas, o que pressiona ainda mais os preços parabaixo. A conseqüência final, de acordo com Kelly eoutros, é um deslocamento do poder dos produto-res para os consumidores, com o incremento dasoberania destes últimos.

Na prática, contudo, as coisas não tem sidoassim tão frictionless. Em primeiro lugar,como muitas empresas já perceberam, os cus-tos operacionais associados ao comércio ele-trônico são elevados. Se o contato com o con-

A corrente �realista�acredita que o comércio

eletrônico é apenasum novo campo de

desenvolvimento destetipo já conhecido de

economia, que oseconomistas denominam

economia de rede.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.79-81 Setembro, 1999 8 1

sumidor é mais direto e barato, restam osenormes custos da logística necessária atransportar o produto até ele. Além disso, aintermediação pode diminuir em algumas áre-as (com o fim do varejista tradicional, porexemplo), mas ela desenvolve-se em outroscampos. Com efeito, multiplicam-se os sitesde busca, os sites de leilão e muitos outros ti-pos de intermediários, que se apropriam deuma fração dos valores transacionados. Fatotambém inquietante, a resposta das grandesempresas do ciberespaço a este novo tipo deintermediação tem sido a aquisição de elosdas cadeias produtivas e/ou a organização deredes de firmas subordinadas. Este tipo demovimento pode resultar em menores espa-ços para a concorrência. Acrescente-se que,como vimos, a soberania do consumidor podeser limitada com o uso de novos artifícios.

O futuro da Internet e do comércio eletrônicoenquanto �nova economia� baseada na conectivi-dade total, na simetria de informação e mesmo nadisponibilidade gratuita, pode ser assim questiona-do. Como a economia tradicional já mostrou, atransformação de reduções de custo em diminui-ções de preço e melhorias na qualidade do serviçonão é obrigatoriamente automática. Para que que-das de custos se traduzam em vantagens para osconsumidores é necessária a existência de um am-biente competitivo. A competição, por sua vez, sópode ser garantida pela regulação estatal ou social.Na ausência desta, a Internet será apenas mais umparaíso para monopólios, onde valerão, como pen-sam Shapiro e Varian, as mesmas leis econômicasdo mundo não-virtual.

Para concluir, é preciso dizer que, de qual-quer maneira, o comércio eletrônico é revolucio-nário. Ele transforma os mercados na medidaem que redefine a divisão social do trabalho es-tabelecida. Acelera a inovação tecnológica por-que impõe a difusão do e-business, vale dizer,dos negócios baseados na transmissão eletrôni-ca de dados. Aumenta a interatividade na econo-

mia, pois aproxima empresas de empresas, em-presas de consumidores e consumidores de simesmos. Envolve fornecedores e clientes noprocesso produtivo, incrementando o espaço daco-produção e do auto-serviço. Revoluciona asdimensões temporal e espacial da economia,permitindo a constituição de um mercado globalaberto 24 horas em todos os dias. Exige, final-mente, a renovação constante dos modelos or-ganizacionais e das tecnologias da informação aeles associados.

Subestimar seu potencial pode ser um erro maisgrave que superestimá-lo.

Notas:

1 Para uma análise mais aprofundada deste tema, ver, porexemplo, The Economic and social impact of electroniccommerce - preliminary findings and research agenda,OCDE, feb. 1999, disponível no site da OCDE.

2 Carl SHAPIRO e Hal R. VARIAN, A Economia da informa-ção: como os princípios econômicos se aplicam à era da In-ternet, Rio de Janeiro: Campus, 1999. Uma análise sintéticado ponto de vista destes dois autores foi feita recentementepelo economista norte-americano Paul Krugman; trata-se doartigo �The Web Gets Ugly�, que pode ser encontrado emhttp://web.mit.edu/krugman/www/ugly.html.

3 Um resumo da visão de Sam Vaknim pode ser encontradoem �Internet � Anti-revolução�, Lafis, Carta Capital, ano VI,n.° 106, 15 de setembro de 1999, p. 64-7. O texto integralestá disponível em http://www.geocities.com/Athens/Forum/6297/internet.html.

4 Ver, por exemplo, �Comment le Net manipule les surfeurs�,PlanetCyber, Sciences et Avenir, avril 1999, p. 110-12.

5 O mais recente livro de Kevin Kelly, que desenvolve esteponto de vista, é New Rules for the New Economy: 10 Radi-cal Strategies for a Connected World. Ele já foi publicado noBrasil: Kevin KELLY, Novas regras para uma nova econo-mia: 10 estratégias radicais para um mundo interconectado,Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

*Paulo Henrique de Almeida ([email protected]), doutor emEconomia pela Universidade de Paris X - Nanterre, é

professor e vice-diretor da Faculdade de CiênciasEconômicas da UFBA.

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A Geração de Resíduos:a face perversa do consumo

Maria Gravina Ogata*

No Congresso do Institute of Solid Wastes,evento técnico-científico realizado nos Es-tados Unidos, em 1965, foi apresentada

uma proposta, no mínimo, esdrúxula. Ponderou-sea possibilidade de, em um futuro remoto, lançar-seos resíduos sólidos no espaço sideral, em razão dagrande quantidade de lixo que se acumulava, diapor dia, nas grandes cidades americanas.

Os Estados Unidos produzem cada vez mais re-síduos sólidos a cada ano e, assim como em outroslugares, há cada vez menos locais para recebê-los. Acada ano, nesse país, são gerados mais de 150 mi-lhões de toneladas de lixo urbano (CORSON,1993).Um estudo recente sobre o potencial da reciclagemmostra que a geração de lixo crescerá tanto que,mesmo que haja o aproveitamento de 30% dessesresíduos, dentro dos próximos 10 anos haverámais lixo do que se tem no presente.

Isto mostra o grau de aflição em que se encon-tram os técnicos e a população com os resíduosgerados em um mundo que prima pelo consumocada vez maior de bens e altamente degradadordos recursos naturais. Na verdade, além da grandequantidade de detritos gerados, incomoda, nomundo atual, o fato de que boa parte deles não épassível de fácil reintegração à natureza.

Os resíduos provenientes das atividades huma-nas podem ser líquidos, sólidos ou gasosos. Os pri-meiros, geralmente são captados por tubulaçãosubterrânea ou escoam superficialmente. Os gaso-sos, tratados ou não, acabam sendo emitidospara a atmosfera. Já os resíduos sólidos, perma-

necem nos locais em que são lançados, não go-zando da mobilidade característica dos demaistipos de resíduos.

Os resíduos sólidos necessitam de coleta emcada unidade geradora, de casa em casa, de quar-teirão em quarteirão, cobrindo todos os bairros deuma cidade. Além dos resíduos urbanos, adicio-nam-se os volumes daqueles gerados por feiras emercados, hospitais, estabelecimentos comerciaise industriais e áreas rurais.

Isto significa que não é pequeno o aparato téc-nico, humano e financeiro necessário para dar con-ta da grandiosa tarefa de descartar adequadamen-te os dejetos que, quando bem coletados, transpor-tados e dispostos, promovem a melhoria sanitáriae, consequentemente, melhoria da qualidade devida das pessoas.

A administração das grandes cidades, muitasvezes, não sabe o que fazer, do ponto de vista sa-nitário e econômico, para dispor seus resíduos demodo satisfatório. Além disso, os espaços urbanosdisponíveis vão se tornando cada vez mais reduzi-dos para a recepção dos dejetos urbanos/industri-ais. As poucas áreas abertas existentes sãodisputadas por outros usos urbanos igualmente im-portantes para o bom desempenho das atividadesurbanas: construção de moradias, implantação decentros industriais, cemitérios, estações de trata-mento de esgoto, áreas de lazer, escolas, dentreoutros.

A concentração de pessoas e atividades produ-tivas em reduzido espaço geográfico, como é o ter-

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ritório urbano, faz com que não haja condições dehaver a assimilação ou dissipação dos dejetos nanatureza, sejam eles líquidos, gasosos ou sólidos.

Os bancos de desenvolvimento, nacionais ouinternacionais, têm definidas algumas linhas de fi-nanciamento que viabilizem a minimização dosproblemas decorrentes da disposição final dos re-síduos nas grandes cidades. Existem estudos, re-cursos e equipamentos disponíveis no mercado,que podem auxiliar no controle das conseqüênciasda disposição final dos rejeitos me-tropolitanos.

Entretanto, não contam com amesma sorte as cidades de médioe pequeno porte, bem como asáreas rurais. De um modo geral,não há equipamentos planejadospara solucionar problemas refe-rentes aos resíduos que se acumulam em cidadescom uma população bem mais reduzida que nasmetrópoles brasileiras. Elas se ressentem da faltade dinheiro, de tecnologia/equipamentos adequa-dos à quantidade de resíduos gerados. Causa es-panto a quem viaja por este Brasil, a degradaçãovisual a que é submetido um viajante ao se depararcom papéis e plásticos espalhados por toda parte,especialmente nas áreas rurais, em pequenos emédios núcleos urbanos. É comum, nesses casos,encontrar como �cartão postal�, na entrada e na sa-ída da cidade, um �lixão a céu aberto, com restosplásticos voando para todas as direções.

Assim, o lixo é problema nas médias e nas pe-quenas cidades, bem como na área rural que, nomais das vezes, lança mão da queima para se livrardos dejetos, tendo como conseqüências outrosgraves problemas ambientais, a exemplo da conta-minação do ar e da destruição das florestas, queardem em chamas durante vários dias.

Outra questão interessante, revelada pela análi-se do antropólogo MEDAM (1971), refere-se aofato de que a Cidade, de um modo geral, procurajogar para longe dos olhos da maioria das pessoastudo o que diz respeito às suas feições negativas e,sem dúvida nenhuma, os aterros de lixos e �lixões�a céu aberto, nesse contexto se encontram situa-dos. Ele denominou essa característica do fenôme-no urbano com a expressão �Cidade - Censura�.

Os aterros de lixo sempre se constituíram, e ain-

da se constituem, em áreas de atração de popula-ção, ainda que isto possa parecer um contra-sen-so. Na verdade, o �lixão� a céu aberto, figura tãocomum nas cidades brasileiras, atrai dois tipos depessoas: 1) a população que vive do lixo, ou seja,que busca no lixo o seu sustento e 2) aquela quequer, a qualquer preço, realizar o sonho de possuira casa própria. Isto passa a ser possível na medidaem que a presença do �lixão� ou do aterro de lixodesvaloriza os imóveis situados no seu entorno,

possibilitando, assim, o parcela-mento do solo, geralmente emloteamentos clandestinos, combaixos valores por metro quadrado(OGATA, 1983).

Na verdade, não é isso que oadministrador da cidade deseja.Ao dispor o lixo longe da maioria

das pessoas, ele pensa que está protegendo a co-munidade dos efeitos negativos que um �lixão�pode proporcionar, a exemplo da contaminação doar, da água e do solo; porém, ele não conta com ofator de atração que esse tipo de ocupação do soloexerce. Em pouco tempo a cidade cresce em dire-ção ao �lixão�, impedindo a sua expansão futura, oque força o planejador a escolher áreas cada vezmais distantes, nas quais se dará a atuação domesmo processo que, novamente, irá atrair os doistipos de população, formando um círculo vicioso,difícil de romper.

A �Cidade - Censura�, de MEDAM (op.cit), cum-pre o seu papel duplamente: joga para �debaixo doseu tapete�, o lixo e a população pobre da cidade.A �Cidade - Censura� foi descrita com outras pala-vras pela favelada Carolina Maria de Jesus, na suaobra �Quarto de Despejo� (1976, p.53):

...nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As

margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente

da favela é considerado marginais. Não mais se vê os cor-

vos voando as margens do rio, perto dos lixos. Os homens

desempregados substituíram os corvos. (sic)

Na verdade, nessas áreas são lançados os de-tritos da sociedade de consumo e o rebotalho dasociedade capitalista: uma parcela da populaçãourbana jogada à margem do processo de produçãoe consumo. São os �citadinos-sem-cidade�.

Os aterros de lixo semprese constituíram, e aindase constituem, em áreasde atração de população,

ainda que isto possaparecer um contra-senso.

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As áreas próximas aos depósitos de lixo mere-cem um tratamento especial por parte do planeja-dor urbano, devendo ser disciplinados os usos eocupação possíveis, evitando-se o adensamentoda população no seu entorno. Essa precaução éválida para que a população não sofra com a de-gradação ambiental da área, bem como para quenão venha a limitar-se a possibilidade de expansãofutura da área de disposição final dos dejetos.

Os problemas decorrentes da má disposição fi-nal dos resíduos sólidos não se confinam ao localde lançamento, como parece indicar a leitura rápi-da dos textos de MEDAM e de JESUS (op.cit). Osproblemas ambientais extrapolam a questão pontu-al. A título elucidativo, pode-se mencionar o casodo chorume, líquido que percola dos depósitos delixo, que contamina o solo, o ar e as águas superfi-ciais e subterrâneas, causando problemas às pes-soas que nem sequer imaginam onde fica o localda disposição final do lixo.

É importante lembrar que muito tem se discutidosobre a resolução dos problemas relacionados aolixo, ainda que não se tenha adotado, ainda, ne-

nhuma posição no sentido de lançá-los no espaço.Várias alternativas têm sido experimentadas, a ní-vel nacional e internacional, para minimizar os efei-tos negativos do acúmulo de resíduos gerados naera moderna. Fala-se muito em redução do lixo, emreciclagem e recuperação de materiais valiosos,que estão sendo desperdiçados. A reciclagem seencontra na ordem do dia. Ela não só promove aredução do volume do lixo como, também, propor-ciona a economia de energia, de água, de matéria-prima e reduz a poluição do ar, das águas e dosolo. A reciclagem pode gerar empregos e oportu-nidades de negócios.

Vez por outra se ouve a seguinte frase: �Não éviável economicamente o aproveitamento do lixo�.Aí então se pergunta: Será que, no cálculo efetua-do, foram levados em conta todos os problemas desaúde pública que deixarão de ocorrer por conta deum ambiente mais sadio? Será que se levou emconta, também, os custos necessários à recupera-ção de áreas degradadas, em razão do comprome-timento dos recursos naturais, que deixarão de serutilizados devido ao aproveitamento dos resíduos

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como matéria-prima? Na verdade, não há tradiçãode se dar valor econômico aos recursos naturais eà saúde humana, sendo essa, talvez, a razão dopessimismo desses cálculos. Na verdade, são ne-cessários tempo, recursos financeiros disponíveis,educação e vontade política para que sejamimplementados programas de reciclagem ou de ou-tras modalidades mais racionais de tratamento dosresíduos, em larga escala.

Aspectos legais

No âmbito nacional, alguns instrumentos jurídi-cos disciplinam a matéria, principalmente no quediz respeito ao controle dos resíduos perigosos,conforme se pode constatar através do rol dos di-plomas legais abaixo apresentados:

1. Resolução CONAMA n. 6, de 15 de junho de1988, que dispõe sobre o controle delicenciamento de atividades industriais gerado-ras de resíduos;

2. Portaria Normativa do IBAMA n. 1.197, de 16 dejulho de 1990, que visa regular o importação deresíduos, sucatas e resíduos tóxicos;

3. Decreto n. 875, de 19 de julho de 1993, que pro-mulga o texto da Convenção sobre o controle demovimentos transfronteiriços de resíduos peri-gosos e seu depósito;

4. Resolução CONAMA n. 5, de 5 de agosto de1993, que define normas mínimas para trata-mento de resíduos sólidos oriundos de serviçosde saúde, aeroportos, terminais rodoviários eferroviários;

5. Resolução CONAMA n. 19, de 29 de setembrode 1994, que trata da exportação de resíduosperigosos contendo bifenilas policloradas e utili-zação, no País, de óleo Ascarel-PCBs;

6. Resolução CONAMA n. 37, de 30 de dezembrode 1994, que dispõe sobre a classificação e pro-cedimentos de importação e exportação de resí-duos das classes I, II e III.

Do ponto de vista estadual, o recente Decreto n.7.639, de 28 de julho de 1999, que regulamenta a

Lei n. 3858, de 3 de novembro de 1980, apresentaum capítulo sobre o tema Resíduos Sólidos. Poresse instrumento jurídico, define-se resíduo sólido,no art.75, como sendo:

...qualquer lixo, refugo, lodos, lamas e borras nos estados

sólido e semi-sólido, resultantes de atividades da comunida-

de, bem como determinados líquidos que pelas suas particu-

laridades não podem ser tratados em sistema de tratamento

convencional, tornando inviável o seu lançamento na rede

pública de esgotos ou corpos de água.

Classificam-se os resíduos perigosos em razãode suas quantidades, concentrações, característi-cas físicas, químicas ou biológicas, que possamcausar, ou contribuir, de forma significativa para amortalidade ou incidência de doenças irreversíveisou impedir a reversibilidade das demais, bem comoos que apresentam perigo imediato ou potencial àsaúde pública ou ao ambiente quando transporta-dos, armazenados, tratados ou dispostos de formainadequada (art. 76).

O mesmo Decreto estabelece, como princípiosda gestão racional dos resíduos, hierarquizados deacordo com ordem apresentada: a não-geração deresíduos; a minimização da geração; a reutilização; areciclagem; o tratamento e a disposição final (art.78).

São consideradas proibidas as seguintes formasde destinação final de resíduos sólidos, no Estado daBahia, conforme prevê o art. 80 do referido Decreto:

I - lançamento � in natura� a céu aberto;

II - queima a céu aberto ou em recipientes, instalações ou equi-

pamentos não-adequados, conforme a legislação vigente;

III - lançamento em corpos d�água, praias, manguezais, ter-

renos baldios, poços ou cacimbas, cavidades subterrâneas,

em redes de drenagem de águas pluviais, esgotos, eletrici-

dade ou telefone, mesmo que abandonadas, ou em áreas

sujeitas a inundação;

IV - infiltração no solo sem tratamento prévio;

V - utilização para alimentação animal, em desacordo com a

legislação específica.

Outros instrumentos legais disciplinam o assun-to na Bahia:1. Resolução do CEPRAM n. 41, de 28 de abril de

1980, que trata da qualidade do ar e da incine-ração dos resíduos sólidos;

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2. Resolução do CEPRAM n. 313, de 30 de maiode 1984, que se refere ao controle de resíduossólidos perigosos;

3. Resolução do CEPRAM n.13, de 29 de julho de1987, que aprova modificação da Resolução doCEPRAM n. 313/84;

4. Resolução do CEPRAM n. 14, de 29 de julho de1987, que aprova a diretriz-DT-1001, que dis-põe sobre a incineração de resíduos perigosos;

5. Resolução do CEPRAM n. 552, de 31 de marçode 1992, que aprova a norma sobre o controlede resíduos de embarcações, oleodutos e insta-lações costeiras;

6. Resolução do CEPRAM n. 1.039, de 6 de de-zembro de 1994, que aprova a Norma Adminis-trativa NA-001/94, que dispõe sobre o controledo transporte rodoviário de produtos e resíduosperigosos no Estado da Bahia.Na esfera municipal, a legislação específica

prevê a promoção da limpeza das vias e logradou-ros públicos, coleta, remoção, destino e aproveita-mento do lixo. Todas essas atividades são da com-petência municipal, uma vez que se referem aassunto de interesse local, intimamente relaciona-dos com o uso e ocupação do solo, cuja competên-cia foi determinada aos Municípios pela Constitui-ção Federal de 1988.

No caso das Regiões Metropolitanas ou de mu-nicípios que tenham interesses comuns na resolu-ção do problema dos resíduos gerados, estãosendo realizados Consórcios Municipais com vistaa manter um serviço mais barato e eficiente para asua disposição final. Muitos municípios não maisdispõem de espaços para lançar seus resíduos, ra-

zão pela qual se faz um esforço comum para ga-rantir esse serviço básico, de modo consorciado,escolhendo-se, em outros municípios, os locais dedisposição final dos dejetos.

Os �quartos de despejo�, cada vez mais vão sedistanciando dos principais centros urbanos parase localizarem cada dia mais longe dos olhos damaioria da população. No entanto, os problemasambientais decorrentes da má gestão dos resíduossólidos, não se limitam aos �quartos de despejo� dacidade, ainda que aí se encontrem estocados. Elesaparecem e comprometem uma quantidade ex-pressiva de pessoas, visto que a contaminação doar e das águas, não se confinando nos locais dedepósito, conforme ocorre com a contaminação dosolo, acarreta problemas ambientais e de saúdepública.

Referências Bibliográficas:

CORSON, Walter H. (ed.). Manual Global de Ecologia.: o quevocê pode fazer respeito da crise do meio ambiente. SãoPaulo: Augustus, 1993. 413 p.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo. São Paulo:Edibolso, 1976, 184 p.

MEDAM,A. La Ville-Censure. Paris: Anthropós, 1971. 245 p.(Societé et Urbanisme).

OGATA, Maria Gravina. Os resíduos sólidos na organização doespaço e na qualidade do ambiente urbano: uma contribui-ção geográfica ao estudo do problema na idade de São Pau-lo. Rio de Janeiro, IBGE, 1983. 188 p. (Série RecursosNaturais e Meio Ambiente).

*Maria Gravina Ogata é mestre em Geografia Física eadvogada atuante na área de Direito Ambiental.

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Consumo de Alimentos de Rua em Salvador:o que é que a baiana /(o) tem?

José Ângelo Wenceslau Góes*

Comércio informal

Acrise econômica vem aumentando o de-semprego no país e tem provocado um au-mento do mercado informal de alimentos,

que é constituído, hoje, por uma grande massa depessoas de várias classes, atuando em diversosramos: cachorro-quente, quentinha, transporte es-colar, sacoleiros, etc. Na frente de escolas, noscentros comerciais, nos terminais rodoviários,grandes estacionamentos, enfim, onde haja movi-mento, esses ex-trabalhadores de carteira assina-da estão presentes, denunciando uma grave ques-tão social.

Uma das dificuldades encontradas para mapearo perfil dos trabalhadores envolvidos nessa ativida-de deve-se ao fato de que a maioria das pessoasque está atuando no mercado informal não gostade se identificar, pois a atividade não é regulariza-da, assim qualquer personalização pode significaro risco da perda total do investimento. De qualquermaneira, os dados disponíveis relativamente aomercado informal comprovam a participação ex-pressiva de trabalhadores da classe média nessasatividades. Podemos supor que o desempregocrescente dos trabalhadores do Pólo Petroquímicode Camaçari, que na década de 80 operava combons salários, hoje é um dos principais responsá-veis pelo aumento das atividades informais paraesse segmento da população.

Diante desse quadro econômico, no qual so-bressai o aumento do desemprego e subemprego,

é previsível antever o aprofundamento da impor-tância do setor informal na economia da cidade.Paralelamente, se mantidas as tendências atuaisrelativas aos níveis de rendimento e ao grau de so-fisticação e complexidade exigidos pelo empregoformal, as transformações em curso no setor infor-mal reforçam a hipótese do crescimento de sua im-portância para a geração de emprego e renda nacidade de Salvador, o que requer um tratamento desuas questões, substancialmente diferente daque-le que tem sido dado até hoje.

No Brasil, a venda ambulante tem sido uma ati-vidade geradora de renda para uma significativaparcela da população, que, tradicionalmente, vemsendo excluída do processo produtivo formal. Estaatividade, que é por muitos economistas considera-da típica de países do Terceiro Mundo, reforçandoassim a idéia de anomalia do chamado mercado in-formal nestes países, caracteriza-se pela combina-ção de pequenas unidades produtoras de bens eserviços e de produtores independentes, ambos àmargem das estatísticas oficiais.

A quantidade de pessoas dedicadas à vendaambulante é cada vez maior, tendo em vista o exér-cito de mão-de-obra alijada do mercado de traba-lho, tanto nos países de capitalismo avançadocomo em países como o Brasil, com reincidentescrises econômicas que tornam esta atividade umadas poucas formas de inclusão econômica parauma grande parcela das populações deserdadas.

A expressão �informal� carece, em muito, de ri-gor conceitual. Freqüentemente está associada ao

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não-cumprimento, pelos atores, das regras jurídi-co-institucionais reguladoras da esfera econômica.Nessa ótica, a economia informal seria necessaria-mente constituída por atividades invisíveis e clan-destinas, resultando da crise do Estado Capitalista.

Contudo, a relação informalidade/pobreza nãodeve servir para ocultar, por exemplo, o fato de nosanos mais recentes, parcelas significativas dos se-tores médios da sociedade terem assumido ativida-des informais como estratégia de vida, assim comoo fato de que muitas das atividades informais tipi-camente de baixa renda se terem capitalizado, via-bilizando-se como opções bastante rentáveis, mes-mo em Salvador.

O comércio de rua é uma importante alternativaque registra um sem-número de atividades e envol-ve expressivo contingente de trabalhadores. Vãodas tradicionais baianas de acarajé aos barraqueiros,passando por �balconeiros� e vendedores ambulan-tes dos mais variados produtos tais como: cerveja,�ligantes�, �capetas�, água mineral, água �de saqui-nho�, gelo, pipoca, picolé, queijinho, churrasquinhos,sanduíches, cachorro-quente, amendoim, cigarros,cafezinho, colares, apitos etc., até aos catadoresde papel e papelão e de latas de cerveja e refrige-rante.

Nos fins do século passado e início deste, mui-tas negras escravas ou recém-libertadas passarama produzir doces e alguns outros quitutes da cozi-nha africana, especialmente o acarajé, bolinho defeijão, cebola e água, frito no azeite de dendê fer-

vente, para serem vendidos nas ruas da cidade.Inicialmente, esta venda era feita com as negrasmercando seu produto, nos fins de tarde, nas prin-cipais ruas de Salvador. Com o desenvolvimento, aexpansão física da cidade e sua urbanização, asvendas vão-se estabelecendo gradativamente em�pontos� localizados nas esquinas que se incorpo-ram à paisagem, passando a ser referência da ci-dade do Salvador.

As baianas do acarajé constituem pequenasorganizações familiares; estas vêm sobreviven-do, neste século, aos diversos altos e baixos danossa economia. Estas unidades organizacio-nais estruturam-se como microempresas e têmna figura da baiana a grande empreendedoraque se dedica diretamente ao seu negócio e seocupa de todas as atividades que possibilitam aprodução e a distribuição.

Outra categoria interessante de ambulantes sãoos vendedores de �queijinho�. Esta atividade apre-senta peculiaridades, quando a observamos em re-lação aos demais ambulantes que são, na suagrande maioria, autônomos. Apesar de existiremvendedores de queijinho autônomos, a maior partedeles, em especial as crianças, está ligada direta-mente a um distribuidor, que controla seu trabalho,aufere os lucros das vendas, repassando para osvendedores mirins de queijinho quantias irrisóriaspelo trabalho, o que pode ser caracterizado comoexploração destes menores.

Para muitos vendedores, já adultos, esta é a

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única atividade que desenvolveram durante a vida;primeiro vendendo para o próprio grupo familiar oupara os distribuidores, e, depois, transformando-sena forma de sustento da família que constituíram.

Alguns ambulantes estabeleceram-se comverdadeiras lanchonetes, oferecendo opçõespara diversos tipos de gostos. Uma das opçõesmais conhecidas, e das preferidas da população,é o �churrasquinho de gato� que, conforme circu-la de �boca em boca�, apareceu pela primeiravez nas festas de largo da Cida-de do Salvador e transformou-seem um dos quitutes mais tradici-onais de nossas festas popula-res, atraindo a freguesia com ocheiro forte dos condimentos.Seus vendedores afirmam queutilizam carne de boi na sua con-fecção, mas não fazem restri-ções à nomenclatura adotada pelos clientes queo chama de �churrasquinho de gato�.

Manipuladores de Alimentos

Substituir a refeição por uma marmita requenta-da ou um lanche rápido é a realidade de muitosbrasileiros que, ainda jovens, procuram conciliartrabalho com estudos, visando conquistar melhori-as nas condições de vida no futuro. No entanto,para que a alimentação preencha requisitos dequalidade nutricional e higiene, o alimento deve seratrativo, limpo e livre de substâncias ou microorga-nismos que possam representar riscos para a saú-de dos indivíduos.

Uma das alternativas encontradas pelo consu-midor para a alimentação na rua consiste na com-pra de produtos alimentícios no mercado informalofertados por ambulantes. Esta opção é decorrenteda procura por alimentos de baixos preços e pelafalta de conhecimento dos riscos a que estão ex-postos.

Os alimentos são vulneráveis às contaminaçõese se tornam suscetíveis às alterações nutricionais,organolépticas e microbiológicas, na ausência deum rígido sistema de acondicionamento térmicodurante o preparo e venda do produto. Diversossão os métodos de contaminação dos alimentos: ohomem, os animais, a água, o ar, os equipamentos

e utensílios, o armazenamento e a distribuição. Istoporque os alimentos são um bom meio de culturapara os microorganismos patogênicos, os quais,atingindo um certo grau de multiplicação, determi-nam quadros clínicos de toxinfecções alimentaresem seus consumidores. Apesar dos modernos mé-todos sanitários para produzir, manipular, preparar,distribuir e servir alimentos, o número de casos detoxinfecções alimentares cresce ano a ano, sendoconsiderado pela Organização Mundial de Saúde

uma das grandes causas de enfer-midades em todo o mundo.

O comércio, dito clandestino, dealimentos, infelizmente conta, emgrande parte, com o respaldo dapopulação. De um lado, existem aignorância e o desconhecimento deque os alimentos podem provocardoenças e, de outro, a crença que

os produtos in natura ou caseiros são saudáveis.Essa desinformação do consumidor deve merecerpreocupação específica dos profissionais higienistasalimentares. Neste sentido, deve-se buscar suaeducação sanitária, no mais amplo sentido, que de-verá abranger não só sua educação formal, porématentar para os hábitos e costumes tradicionais, que,por si, constituem-se um risco à sua saúde, como éo caso do hábito de consumir alimentos crus ou in-suficientemente tratados por temperaturas eficien-tes na destruição dos agentes patogênicos.

As atividades desenvolvidas nas barracasguardam semelhanças com as atividades que serealizam no âmbito doméstico. Assim, observa-se que os barraqueiros transferem para as bar-racas as suas formas do convívio doméstico comos alimentos. Se os seus hábitos incorporam hi-giene, uso de material descartável etc., eles sãotransferidos para o atendimento ao público.Caso contrário, o público está sujeito à ingestãode alimentos inadequados, à utilização de uten-sílios mal protegidos e a outros perigos do pontode vista da saúde pública.

Considerações finais

Fiscalizar e controlar o comércio informal dealimentos parece ser a meta mais fácil de se al-cançar. Acabar, definitivamente, com ele, é im-

O público está sujeito àingestão de alimentos

inadequados, à utilizaçãode utensílios mal

protegidos e a outrosperigos do ponto de vista

da saúde pública.

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possível, pois há que se contornar os fatores deordem econômica e mudar a mentalidade da po-pulação consumidora. O controle pode ser me-lhorado, através de uma legislação mais racio-nal, nem muito branda em certos aspectos, nemrigorosa demais em outros e, principalmente,por uma política fiscal mais equilibrada e condi-zente com a realidade do país. Os serviços defiscalização municipais, estaduais e federais,devem ser ampliados e receber recursos compa-tíveis com sua missão social, alicerçando-se emlegislação que seja uniforme e abrangente; coe-rente com a realidade socioeconômica do país;fundamentada nos mais modernos conhecimen-tos científicos e aplicada mais com sentidoeducativo do que policialesco, porém semprecom seriedade e rigor; ser de fácil compreensãoentre os usuários, ou seja, consumidores, fis-cais, etc.

Ao lado destas medidas, é de fundamental im-portância uma campanha de educação em Saúde,visando mudar a conduta, pelo menos a médio pra-zo, dos consumidores e dos próprios produtores.Criação de locais específicos para comércio infor-mal, após liberação de área e instalações. Sistemade transporte, armazenamento e conservação doproduto para a venda, e relação de produtos ade-quados a essas condições. Para isso, o papel dosórgãos competentes assessorados por profissio-nais da área de alimentação é fundamental.

Nesse processo é importante o papel do po-der público, que, para além da função meramen-te reguladora e, não raro, repressiva, que costu-ma desempenhar frente ao mercado informal,pode contribuir com estímulos destinados àpotencialização de sua capacidade de gerar em-prego e renda, assim como com incentivos paradar suporte a ações visando à modernização deseus agentes.

Logicamente, essa intervenção dos órgãos ofi-ciais deve procurar privilegiar as atividades que in-terferem diretamente na estrutura urbana, comoambulantes e barraqueiros, que normalmente utili-zam logradouros públicos ou áreas de domínio doPoder Público para o seu exercício. Neste caso, odesafio colocado ao Poder Público, particularmente

ao municipal, é conciliar os interesses dos que re-correm às atividades informais como alternativa deocupação e a necessidade de garantir a utilizaçãocoletiva dos espaços públicos.

Mas é de fundamental importância que a atua-ção do Poder Público frente ao mercado de ativida-des informais esteja efetivamente sintonizada comas tendências de transformação do informalsoteropolitano e com o significativo mercado debens e serviços simbólicos que se assenta namultiplicidade cultural característica da cidade doSalvador.

Referências Bibliográficas:

BENEZ, R. et al. Avaliação Microbiológica de Produtos Alimentí-cios Comercializados por Vendedores Ambulantes. Cader-nos da Faculdade Integrada São Camilo. São Paulo, v.3, n.1,p.63-67, jan./jun. 1997.

DIAS, T. M. da Cunha et al. Ambulantes: histórias das gentes eseus negócios no Carnaval da Bahia. In: O Carnaval Baiano.Negócios e Oportunidades. FISCHER. T. (Org.) Brasília:SEBRAE, 1996.

GERMANO, P. M. L. Comércio clandestino de produtos animaisprejudica Saúde Pública. Revista Higiene Alimentar, v.5,n.18, p.11-12, junho. 1991.

LOIOLA, E. & MIGUEZ, P. Tabuleiros da Festa: Pequenos Negó-cios & Muitos Negociantes do Carnaval Baiano. In: O Carna-val Baiano. Negócios e Oportunidades. FISCHER. T. (Org.)Brasília: SEBRAE, 1996.

MENDONÇA, J. Desempregados incham o mercado informal.Jornal A Tarde. Salvador. 1999, Caderno 1, p.7.

PANETTA, J. C. A Legislação Brasileira sobre Alimentos, no limi-ar do Século 21. Revista Higiene Alimentar, v.10, n.44, jan./fev.1996.

________. Ocorrência de Zonoses de Origem Alimentar. RevistaHigiene Alimentar, v.9, n.38, p.14, julho/agosto. 1995.

TEIXEIRA, A. Barracas de Alimentação no Carnaval de Salva-dor: Uma atividade ao acaso ou uma ação empresarial? In:O Carnaval Baiano. Negócios e Oportunidades. FISCHER.T. (Org.) Brasília: SEBRAE, 1996.

* José Ângelo Wenceslau Góes é mestre em Ciências dosAlimentos, professor da Escola de Nutrição da

Universidade Federal da Bahia.

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Defesa doConsumidor

Por Cristiana Serra

As relações que o cida-dão estabelece na soci-edade do consumo são

heterogêneas e abrangentes.Assim, tanto um grande empre-sário que depende, para o funci-onamento de suas indústrias,dos serviços prestados pelacompanhia fornecedora de ener-gia elétrica, como o indivíduoque toma um cafezinho na rodo-viária, são considerados consu-midores. A Proteção e Defesa doConsumidor é, portanto, um dosramos mais democráticos do Di-reito Civil, como destaca MárcioCerqueira, diretor de assuntosespeciais do Procon: �Na área doDireito Trabalhista, um indivíduopode ser empregador e/ou em-pregado a vida inteira, ou podesimplesmente não ter nenhumarelação de trabalho. No entanto,não há quem não seja consumi-dor e a lei protege a todos de for-ma igual�.

O Código de Defesa do Con-sumidor, Lei 8.078, foi elaboradoem 1990 e está em vigência des-de março de 1991. Antes do es-tabelecimento desse dispositivoespecífico, as questões referen-tes às relações de consumoeram tratadas pelo Código CivilBrasileiro e pelo Código Comer-

cial. Quando um produto apre-sentava algum tipo de problemae o fornecedor não se dispunhaa solucioná-lo, o consumidor ti-nha que recorrer à justiça co-mum para que o fabricante - cujaempresa normalmente não esta-va situada no mesmo estado emque a compra foi realizada - fos-se acionado. Tal situação de-mandava tempo, dinheiro e,

principalmente, exigia paciênciado consumidor.

�Em todo o mundo, a defesado consumidor vem sendo discu-tida desde a década de 70.Como conseqüência, foram defi-nidas normas e diretrizes pelaComunidade Econômica Euro-péia e leis de defesa da concor-rência e das relações de consu-mo nos Estados Unidos�, afirmaCésar Luiz Paiva, promotor de

justiça e coordenador do Centrode Apoio Operacional das Pro-motorias de Defesa do Consumi-dor. A criação do Código de De-fesa do Consumidor brasileirodecorre também dessa conjuntu-ra mundial e de uma série de ou-tros fatores. Entre eles, uma mai-or conscientização do cidadãode seus direitos, a mobilizaçãode organizações não-governa-mentais que vêm sendo instala-das nas principais cidades dopaís e o reconhecimento dospróprios juristas da necessidadede uma legislação específica.

O Brasil foi o primeiro país nomundo a ter uma regulamenta-ção de defesa do consumidordefinida em um código de leis, oqual reúne toda a legislação re-ferente à proteção das relaçõesde consumo. �O código é ummicrossistema legal, incluindonormas de direito material, pe-nal, processual, no campo civil eadministrativo. Assim sendo, alegislação brasileira, nesta área,é considerada uma das maiscompletas e avançadas do pla-neta�, ressalta César Luiz Paiva.

Por ser muito abrangente, emoito anos de vigência esse códi-go não passou por nenhuma mu-dança substancial. Recentemen-te, alguns setores vêm pressio-nando para que as leis venham aser alteradas. �Nos últimos doisanos, foram apresentados maisde 50 projetos que tramitaram naCâmara de Deputados. Destes,cerca de 85% visam retirar direi-tos que foram contemplados pelaLei 8.078�, afirma Márcio Cer-queira. Segundo ele, há uma crí-tica generalizada entre os forne-cedores de que a legislação émuito protecionista. Entretanto,

O Brasil foi o primeiro paísno mundo a ter uma

regulamentação de defesado consumidor definidaem um código de leis, o

qual reúne toda alegislação referente à

proteção das relações deconsumo.

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acredita que �esse paternalismofoi necessário, porque, antes doCódigo de Defesa do Consumi-dor, a desproteção era total e,convenhamos, o consumidor é aparte mais vulnerável dessa rela-ção�, argumenta o diretor doProcon.

Existem no Brasil vários ór-gãos de defesa do consumidorque atuam de maneira distinta epossuem atribuições específi-cas. Na Bahia, o Procon está vin-culado à Secretaria da Justiça eDireitos Humanos do Estado.Cabe a este organismo fiscalizare aplicar sanções administrativas(multas, interdição total ou parci-al de estabelecimentos, suspen-são temporária de registro, impo-sição de contrapropaganda) aosmaus fornecedores, tanto no quese refere à venda de bens eprestação de serviços, como noscasos de propaganda enganosa.�É importante ressaltar que é ga-rantida ao fornecedor uma opor-tunidade de reparar o dano, atra-vés de uma audiência de concili-ação. Se o problema for solucio-nado na audiência, o processo éarquivado. Caso contrário, o for-necedor tem um prazo de dezdias para apresentar sua defesae o consumidor é orientado a re-correr à Justiça. Se a reclama-ção do consumidor for conside-rada procedente, o fornecedorrecebe uma sanção administrati-va�, explica Márcio Cerqueira.

No âmbito municipal, a Co-ordenadoria de Defesa doConsumidor (Codecom), demodo semelhante ao Procon,atua apenas na instância ad-ministrativa. Ações que visema indenizações por prejuízoou a troca de produtos só po-

dem ser resolvidas na esferajudicial.

O Ministério Público, atra-vés da Promotoria de Defesado Consumidor, é acionadoquando um problema atingeum número considerável depessoas. Nestas situações,esse órgão apresenta umaação civil à Justiça, represen-tando os interesses da coletivi-dade. Além das ações coleti-vas, é atribuição exclusiva doMinistério Público o ajuizamen-to de ações criminais, excetu-ando-se os casos de denúnciasprivadas.

A Delegacia de Defesa doConsumidor, órgão vinculado à

Secretaria de Segurança Públi-ca do estado, tem uma atuaçãoespecífica na área de crimescontra as relações de consumoe age em conjunto com outrosórgãos nas fiscalizações de es-tabelecimentos comerciais. �Àsvezes temos que interditar de-terminado lugar e encontramosresistência por parte do propri-etário. Nestas circunstâncias,temos que acionar a Delegaciade Defesa do Consumidor�,afirma o diretor do Procon.Compete, particularmente, aoInstituto Baiano de Metrologia(Ibametro), verificar se os pro-dutos atendem às normas refe-

rentes aos pesos e medidasanunciados.

Márcio Cerqueira chama aatenção para a importância dehaver um maior entrosamentoentre as diversas instituições.�O Procon pode atuar em qual-quer tipo de relação de consu-mo, envolvendo uma varieda-de enorme de produtos e servi-ços, como geladeiras, planosde saúde, cinemas e aparta-mentos. No entanto, não te-mos técnicos especializadosem cada uma dessas áreas.Por isso, em determinados ca-sos precisamos recorrer a ou-tros órgãos, que dispõem deprofissionais com uma forma-ção específica e podem asses-sorar nossos fiscais. Na áreade saúde, por exemplo, temostrabalhado junto com a Vigilân-cia Sanitária�.

No âmbito federal, o Depar-tamento de Defesa do Consu-midor da Secretaria de DireitoEconômico do Ministério daJustiça é responsável pela polí-tica nacional das relações deconsumo e pelo estabeleci-mento de diretrizes para os ór-gãos administrativos de prote-ção do consumidor. O Proconda Bahia representa os demaisProcons do país na ComissãoPermanente de Defesa doConsumidor do Ministério daJustiça.

Embora esteja crescendo, aparticipação da sociedade civilorganizada na promoção dos di-reitos do consumidor é ainda re-duzida. �No Brasil, o Código for-taleceu as instituições, mas nos-sa cultura é muito incipiente noque diz respeito à formação e àatuação de associações não-go-

O Código fortaleceu asinstituições, mas nossa

cultura é muito incipienteno que diz respeito àformação e à atuação

de associaçõesnão-governamentais,

empenhadas na defesado consumidor.

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vernamentais, empenhadas nadefesa do consumidor�, afirmaCésar Luiz Paiva. Aqui na Bahia,por exemplo, o Movimento dasDonas de Casa Consumidorasda Bahia vem realizando um tra-balho nesta área há cinco anos.

Após a implantação do Códi-go, observa-se que os consumi-dores têm demonstrado umamaior consciência de seus direi-tos. No entanto, a falta de instru-ção de uma parcela significativada população, um problema gra-ve no país, tem comprometido oexercício pleno da cidadania. Umdos direitos fundamentais do con-

sumidor é a educação para o con-sumo, que pode ser adquiridatanto informalmente, através deações de conscientização (distri-buição de material informativo,palestras, divulgação de informa-ções nos meios de comunicação)implementadas pelos organismosenvolvidos, quanto formalmente,pela inserção de disciplinas noscurrículos das escolas em todosos graus de instrução. �Algumasfaculdades, como as de Econo-mia, Administração e CiênciasContábeis, já incluíram em seuscurrículos matérias que abor-dam o tema dos direitos do con-

sumidor. Nas escolas, a criançapode aprender, desde cedo, osprincípios que regem as rela-ções de consumo, para que, nofuturo, caso venha a se tornarum fornecedor, ela possa teruma posição adequada�, ressal-ta Márcio Cerqueira.

Para que o consumidor possacobrar e exercer os seus direitos,ele precisa ter acesso à educa-ção, possuir consciência políticae dispor de um aparato judiciárioeficiente. Desse modo, CésarLuiz Paiva considera que a defe-sa dos direitos do consumidor é aexpressão máxima da cidadania.

Procon - Departamento de Defesado ConsumidorRua Carlos Gomes, 74640060-330 � Salvador � BahiaTelefone: (71) 321-4228 - 321-3793Fax: (71) 321-2409

Coordenadoria de Defesado ConsumidorRua 28 de setembro, 26, Baixa dosSapateiros40020-240 � Salvador � BahiaTelefone: (71) 324-4232Fax: (71) 241-5744

Centro de Apoio Operacional dasPromotorias de Defesa do ConsumidorAvenida Joana Angélica, 902sala 104, Campo da Pólvora, Nazaré40050-001 � Salvador � BahiaTelefone: (71) 321-9310Fax: (71) 321-9310

IBAMETRO - Instituto Baiano deMetrologia, Normalização e QualidadeIndustrialVia Urbana, km 4,5 � CIA,43.780-000 � Simões Filho � BahiaTelefone: (071) 394-1031Fax. (71) 394-1186Internet: www.ibametro.ba.gov.brE-mail: [email protected]

Associação do Movimento dasDonas de Casa e Consumidores daBahiaRua Bahia, 584, conj. 201 � Pituba41830-160 � Salvador � BahiaTelefone: (71) 248-6153Fax: (71) 359-4558

ENDEREÇOS ÚTEIS

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Agências Reguladoras da Concorrência:o setor elétrico brasileiro

Daniella Azeredo Bahiense*

Oprocesso de regulação da infra-estruturaque hoje vivenciamos está condicionado,muitas vezes, a uma ampla reestruturação

dos setores, conduzindo ao desmonte da situaçãode monopólio natural, separando determinadas ati-vidades de outras e regulando diferentemente ossegmentos potencialmente competitivos.

A reforma do setor elétrico brasileiro é exemplodisso. As atividades de geração, transmissão e dis-tribuição1 foram separadas, para tratamento dife-renciado, instaurando-se um mercado mais com-petitivo para a primeira das atividades, associadoao ingresso de produtores independentes de ener-gia. Entretanto, diferentemente do ocorrido na In-glaterra (país pioneiro no processo de reestrutura-ção deste setor), que ao operacionalizar a mudan-ça do controle acionário do Estado para a iniciativaprivada das empresas de energia definiu todo oarcabouço jurídico-institucional previamente, o Bra-sil optou por inicialmente privatizar e depois definirconcretamente o modelo da nova indústria e suaregulação.

Assim, após o início das privatizações, foi cria-da, pela Lei nº 9.427 de 26 de dezembro de 1996, aAgência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) �uma instância regulatória independente � com o in-tuito de assegurar que os objetivos básicos propos-tos pela reforma � ampla e justa competição e uni-versalização dos serviços � sejam cumpridos.

A nova agência, criada sob o regime deautarquia especial, dotada de condições técnicasadequadas, autonomia administrativa e financeira,

e flexibilidade de ação, tem como finalidades bási-cas regular e fiscalizar a produção, transmissão,distribuição e comercialização de energia elétricano novo cenário, com predomínio da participaçãodos agentes privados. As principais funções daANEEL são as seguintes:

� fiscalizar as concessões para a prestação deserviço público de energia elétrica;

� zelar pelo equilíbrio econômico-financeiro dasconcessionárias e pela qualidade dos serviçosprestados;

� supervisionar a exploração dos recursos hídri-cos do país;

� definir a estrutura tarifária e autorizar os níveispropostos pelas empresas;

� assegurar a estabilidade da função regulatória; e� dirimir os eventuais conflitos entre os diversos

agentes que integram o setor elétrico.

As Agências Estaduais

Desde o blecaute que deixou o Rio de Janeirono escuro no verão de 1997 e, mais recentemente,o apagão de 11 de março, a ANEEL vem sendoalvo de constantes críticas quanto ao seu papel defiscalizador da qualidade e continuidade dos servi-ços prestados à população.

A qualidade de serviço no setor elétrico está as-sociada à capacidade de satisfazer às necessida-des de eletricidade com segurança, confiabilidadee em condições técnicas e comerciais em níveis

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satisfatórios com relação ao preço dos serviços,sem, no entanto, comprometer a viabilidade finan-ceira destes.

A determinação de uma qualidade exigível, emconcordância com o preço de fornecimento de ele-tricidade, supõe a resolução de um problema de di-fícil equilíbrio em um sistema elétrico em que aregulação econômica esteja voltada para a abertu-ra econômica e competitividade. Tal regulação ten-de a incentivar as concessionárias, em especialaquelas que atuam sob regime de monopólio, a umcontrole de custos. Na ausência de uma regulaçãoespecífica, a qualidade dos serviços e o relaciona-mento comercial com os consumidores podem vir asofrer deterioração.

Diante disso, com o objetivo de proteger o con-sumidor do abuso de poder de mercado inerente àposição monopolista das empresas atuantes nestesetor, o Estado, além de criar a ANEEL, vem suge-rindo ainda a descentralização de suas atividadescomplementares de fiscalização, através da cria-ção de Agências Reguladoras Estaduais, com res-ponsabilidades sobre a regulamentação de muitas

questões ligadas à distribuição e com o objetivo deauxiliar no melhor desempenho da Agência Nacio-nal de Energia Elétrica.

Por esse processo de descentralização, a agên-cia federal transfere parte de suas competênciaspara as estaduais que, por estarem mais próximasdas concessionárias, seriam mais eficazes na fis-calização dos serviços oferecidos ao consumidor,principalmente o residencial.

Entretanto, apesar das normas que irão regeras agências reguladoras de energia estaduais játerem sido publicadas, a maior parte dos estados2

está apenas iniciando o processo para estruturaras entidades que cuidarão da fiscalização das em-presas de energia já privatizadas e das que aindaserão vendidas. Na Bahia, já se tem a AgênciaEstadual de Regulação de Serviços Públicos deEnergia, Transporte e Comunicações da Bahia(AGERBA), agência de caráter multissetorial, vin-culada à Secretaria da Energia.

De acordo com o DE-SEB de abril de 1998, asatividades passíveis de descentralização poderiamser descritas da seguinte forma:

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Poder-se-ia, ainda, agrupar esses itens em trêsníveis de delegação, a saber:1. fiscalização dos serviços de distribuição, das

atividades de comercialização, das barreiras àlivre competição, ouvidoria, solução de conflitoslocais, sendo que as ações e penalidades seri-am determinadas pela ANEEL;

2. proposição de padrões de qualidade, de critéri-os para procedimentos comerciais, atividadesde regulação técnica, incluindo determinaçãode padrões de qualidade sobre a distribuição eas atividades comerciais, análise de contratos,poder de determinar o livre acesso aos sistemasde distribuição, estabelecimento de soluçõespara os eventuais conflitos, caso em que aANEEL seria uma instância superior; e

3. revisão e homologação de reajustes tarifários (aANEEL teria o poder de reverter a homologa-ção), homologação de fusões e aquisições (su-jeitas à aprovação da ANEEL e do CADE).No que diz respeito aos padrões de qualidade, a

regulação de atendimento ao cliente, essencial paraproteger os consumidores do abuso de concessioná-rias monopolistas, pode ser obtida através do esta-belecimento e das aplicações de padrões em áreasdiretamente relacionadas ao cliente, tais como: leitu-ra de medidores, faturamento, recebimento de paga-mentos e tratamento de reclamações.

As tarefas da ANEEL relacionadas à qualidadede serviços e atendimento ao cliente, para as quaisé possível a atuação dos Órgãos Reguladores Es-taduais, são descritas a seguir de maneira resumi-da:

1. devido a sua proximidade física dos clientes epor ser alvo direto de pressões políticas quantoà prestação de serviços públicos, deve ser inte-resse dos Estados assumir a tarefa demonitoração dos procedimentos das concessio-nárias no atendimento ao cliente;

2. às agências estaduais cabe lidar com as recla-mações de consumidores encaminhadas peloConselho dos Consumidores, pelos PROCONSou trazidas diretamente pelos consumidores. AANEEL, neste caso, deve ser o árbitro de últimainstância executiva na solução de conflitos entreconcessionárias e consumidores;

3. cabe ainda às agências estaduais educar e in-formar os consumidores sobre as atividades doregulador e sobre seus direitos com relação aosetor elétrico, inclusive dando apoio técnico aoConselho de Consumidores e PROCONS; e

4. as agências estaduais devem informar sobre odesempenho das concessionárias quanto aoatendimento aos padrões técnicos e ao atendi-mento ao cliente.

Entretanto, ainda não estão claramente definidosos meios que a agência utilizará para fiscalizar a qua-lidade e continuidade dos serviços de energia elétri-ca prestados ao consumidor final. Isso porque,devido à indisponibilidade de fiscais, sua principalfonte de informações é fornecida pelas próprias em-presas que compraram as estatais (concessionáriasprivatizadas). A conseqüência imediata disso é a pre-cariedade de com que são construídos os indicado-res de qualidade, que não levam em conta a opiniãodo usuário, evidenciando um claro comprometimentoda agência com as empresas reguladas.

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Notas:1 A geração de energia elétrica é o resultado da transforma-

ção de outras fontes primárias, renováveis ou não-renováveis, como, por exemplo, a hidráulica, lenha, gásnatural, carvão mineral e urânio. Atualmente, o emprego deuma ou outra fonte de energia é condicionado aos aspectostecnológicos, econômicos e socioambientais envolvidos.Os sistemas de transmissão são responsáveis pelo trans-porte da energia elétrica e compõem-se das redes de trans-missão, de subtransmissão, de distribuição e das linhas deinterligação. A distribuição de energia elétrica é a área dosistema elétrico mais próxima do consumidor, sendo,resumidamente, os objetivos de uma concessionária de dis-tribuição: assegurar o fornecimento adequado aos consumi-dores; construção, operação e manutenção do sistemaelétrico com o mínimo custo; e atendimento rápido aos no-vos consumidores e aumento de carga.

2 A descentralização está encaminhada em, pelo menos, qua-tro estados brasileiros, além da Bahia: São Paulo, Rio deJaneiro, Rio Grande do Sul e Ceará.

3 Para informações mais detalhadas sobre a fundamentaçãojurídica da descentralização vide capítulo 10 do RelatórioDE-SEB, 1998.

Referências Bibliográficas:BAHIENSE, Daniella Azeredo. Reestruturação do Setor Elétrico Bra-

sileiro e Descentralização de suas Atividades de Regulação.UFBA/CME. Projeto de Dissertação. Salvador, 1999.

GAZETA MERCANTIL. Estados Engatinham na Regulação doSetor Elétrico. 13/08/98.

RELATÓRIO DA GAZETA MERCANTIL LATINO-AMERICANO:Energia Elétrica. 22 a 28/02/99.

RELATÓRIO PROJETO DE-SEB. Descentralização do SetorElétrico Brasileiro. 04/98. Brasília.

*Daniella Azeredo Bahiense é economista e técnica da SEI.

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100 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.100-103 Setembro, 1999

ASSUNTO

ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL � BAHIAv.8, n.2/3, p.59-67, dez.1998.

ADOLESCENTE � TRABALHO � ÁREAMETROPOLITANA - SALVADORv.8, n.4, p.73-88, mar.1999.

AGRICULTURA - BAHIAv.8, n.2/3, p.27-34, dez.1998.

AGRICULTURA � BRASILv.8, n.2/3, p.27-34, dez.1998.

APA ver ÁREA DE PROTEÇÃOAMBIENTAL

ÁREA DE LAZER � SALVADORv.8, n.1, p.75-79, jun.1998.

ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL �BAHIAv.8, n.2/3, p.89-97, dez.1998.

ASSENTAMENTO RURALv.8, n.4, p.103-113, mar.1999.

BLOCO AFRO � SALVADORv.8, n.1, p.33-49, jun.1998.

BLOCO DE TRIO � SALVADORv.8, n.1, p.33-49, jun.1998.

BRANCO � MERCADO DE TRABALHO� ÁREA METROPOLITANA �SALVADORv.8, n.4, p.64-72, mar.1999.

CAMPANHA DA FRATERNIDADE � 1999v.8, n.4, p.114-116, mar.1999.

CARNAVAL � SALVADORv.8, n.1, p.25-32, jun.1998.v.8, n.1, p.33-49, jun.1998.v.8, n.1, p.50-53, jun.1998.v.8, n.1, p.61-69, jun.1998.

CENTRO COMERCIAL � SALVADORv.8, n.1, p.96-104, jun.1998.

CENTRO HISTÓRICO � SALVADORv.8, n.1, p.70-74, jun.1998.

CEPRAM ver CONSELHO ESTADUALDE PROTEÇÃO AMBIENTAL

CIDADANIAv.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

CIDADESv.8, n.1, p.61-69, jun.1998.

CIÊNCIA E TECNOLOGIA � BRASILv.8, n.2/3, p.101-118, dez.1998.

COMÉRCIO VAREJISTA � ÁREAMETROPOLITANA - SALVADORv.8, n.1, p.96-104, jun.1998.v.8, n.1, p.105-116, jun.1998.v.8, n.2/3, p.35-39, dez.1998.

CONSELHO ESTADUAL DEPROTEÇÃO AMBIENTAL � BAHIAv.8, n.2/3, p.68-88, dez.1998.

CRIANÇA � TRABALHO � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.4, p.73-88, mar.1999.

CRISE ECONÔMICAv.8, n.2/3, p.9-19, dez.1998.

CRISE FINANCEIRA ver CRISEECONÔMICA

CULTURA � SALVADORv.8, n.1, p.13-17, jun.1998.v.8, n.1, p.25-32, jun.1998.v.8, n.1, p.33-49, jun.1998.v.8, n.1, p.50-53, jun.1998.v.8, n.1, p.54-58, jun.1998.

DANÇA � SALVADORv.8, n.1, p.25-32, jun.1998.

DESEMPREGO � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.2/3, p.53-56, dez.1998.v.8, n.4, p.36-43, mar.1999.

DESEMPREGO � BRASILv.8, n.2/3, p.53-56, dez.1998.v.8, n.4, p.114-116, mar.1999.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO -BAHIAv.8, n.2/3, p.146-160, dez.1998.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO �NORDESTEv.8, n.2/3, p.133-145, dez.1998.

DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL �BAHIAv.8, n.2/3, p.23-26, dez.1998.

DESENVOLVIMENTO REGIONAL �BAHIAv.8, n.2/3, p.146-160, dez.1998.

DESENVOLVIMENTO REGIONAL �NORDESTEv.8, n.2/3, p.133-145, dez.1998.

DESENVOLVIMENTO URBANO �SALVADORv.8, n.1, p.13-17, jun.1998.v.8, n.1, p.18-22, jun.1998.v.8, n.1, p.61-69, jun.1998.v.8, n.1, p.70-74, jun. 1998.v.8, n.2/3, p.119-132, dez.1998.

DESIGUALDADE REGIONAL �NORDESTEv.8, n.2/3, p.133-145, dez.1998.

DESIGUALDADE SOCIAL � MERCADODE TRABALHO � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.4, p.64-72, mar.1999.

DISCRIMINAÇÃO RACIAL � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.1, p.117-127, jun.1998

DISCRIMINAÇÃO SEXUAL � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.1, p.117-127, jun.1998.

ECONOMIA � BAHIAv.8, n.2/3, p.9-19, dez.1998.

ECONOMIA INTERNACIONALv.8, n.2/3, p.9-19, dez.1998.

EMPREGO � ÁREA METROPOLITANA �SALVADORv.8, n.2/3, p.46-52, dez.1998.

ESCOLARIDADE � TRABALHADOR �ÁREA METROPOLITANA �SALVADORv.8, n.4, p.44-50, mar.1999.

ESPAÇO REGIONAL � BAHIAv.8, n.2/3, p.146-160, dez.1998.

ESTADO (NAÇÃO)v.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

EXPORTAÇÃO � BAHIAv.8, n.2/3, p.40-45, dez.1998.

INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO �BAHIAv.8, n.2/3, p.23-26, dez.1998.

LAZER � SALVADORv.8, n.1, p.13-17, jun.1998.v.8, n.1, p.33-49, jun.1998.v.8, n.1, p.84-95, jun.1998v.8, n.1, p.96-104, jun.1998.

MÃO-DE-OBRA � ZONA RURAL �BAHIAv.8, n.4. p.91-102, mar.1999.

ÍNDICE GERALv.8, n.1-4, jun.98/mar.99

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.100-103 Setembro, 1999 101

MARINAS � SALVADORv.8, n.1, p.84-95, jun.1998.

MEIO AMBIENTE � LEGISLAÇÃO �BAHIAv.8, n.2/3, p.68-88, dez.1998.v.8, n.2/3, p.89-97, dez.1998.

MEIO AMBIENTE � PROJETOS �BAHIAv.8, n.2/3, p.59-67, dez.1998.

MERCADO DE TRABALHO � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.1, p.117-127, jun.1998.v.8, n.2/3, p.46-52, dez.1998.v.8, n.2/3, p.53-56, dez.1998.v.8, n.4, p.9-26, mar.1999.v.8, n.4, p.27-35, mar.1999.v.8, n.4, p.36-43, mar.1999.v.8, n.4, p.44-50, mar.1999.v.8, n.4, p.51-59, mar.1999.

MERCADO DE TRABALHO � BRASILv.8, n.2/3, p.53-56, dez.1998.

MERCADO DE TRABALHO �DESIGUALDADE SOCIAL � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.4, p.64-72, mar.1999.

MERCADO DE TRABALHO �MIGRANTE � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.4, p.60-63, mar.1999.

METRÔ � SALVADORv.8, n.1, p.7-12, jun.1998.

MIGRANTE � MERCADO DETRABALHO � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.4, p.60-63, mar.1999.

MOVIMENTO SOCIAL � ZONA RURALBAHIAv.8, n.4, p.103-113, mar.1999.

MÚSICA � SALVADORv.8, n.1. p.25-32, jun.1998.v.8, n.1, p.33-49, jun.1998.v.8, n.1, p.50-53, jun.1998.

NEGRO � MERCADO DE TRABALHO �ÁREA METROPOLITANA �SALVADORv.8, n.4, p.64-72, mar.1999.

NEGRO � SALVADORv.8, n.1, p.25-32, jun.1998.v.8, n.1, p.33-49, jun.1998.

OCUPAÇÃO � ÁREA METROPOLITANASALVADORv.8, n.4, p.9-26, mar.1999.v.8, n.4, p.27-35, mar.1999.v.8, n.4, p.44-50, mar.1999.v.8, n.4, p.51-59, mar.1999.

OCUPAÇÃO � ZONA RURAL � BAHIAv.8, n.4, p.91-102, mar.1999.

ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTALv.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

ORGANIZAÇÃO SOCIALv.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

ORLA MARITIMA � SALVADORv.8, n.1, p.18-22, jun.1998.v.8, n.1, p.80-83, jun.1998.

PDDU ver PLANO DIRETOR DEDESENVOLVIMENTO URBANO DESALVADOR

PEA ver POPULAÇÃOECONOMICAMENTE ATIVA

PED ver PROJETO DE EXECUÇÃODESCENTRALIZADA

PESQUISA E DESENVOLVIMENTO �BRASILv.8, n.2/3, p.101-118, dez.1998.

PLANEJAMENTO URBANO �SALVADORv.8, n.2/3, p.119-132, dez.1998.

PLANO DIRETOR DEDESENVOLVIMENTO URBANO DESALVADORv.8, n.2/3, p.119-132, dez.1998.

PLANO REALv.8, n.2/3, p.9-19, dez.1998.

PNNA ver PROGRAMA NACIONAL DOMEIO AMBIENTE

POPULAÇÃO ECONOMICAMENTEATIVA � ÁREA METROPOLITANA �SALVADORv.8, n.4, p.44-50, mar.1999.v.8, n.4, p.51-59, mar.1999.v.8, n.4, p.60-63, mar.1999.

POPULAÇÃO RURAL � BAHIAv.8, n.4, p.91-102, mar.1999.v.8, n.4, p.103-113, mar.1999.

PRODUÇÃO AGRICOLA � BAHIAv.8, n.2/3, p.27-34, dez.1998.v.8, n.4, p.103-113, mar.1999.

PRODUÇÃO AGRICOLA � BRASILv.8, n.2/3, p.27-34, dez.1998.

PROGRAMA NACIONAL DO MEIOAMBIENTEv.8, n.2/3, p.59-67.dez.1998.

PROJETO DE EXECUÇÃODESCENTRALIZADA � BAHIAv.8, n.2/3, p.59-67, dez.1998.

QUALIDADE DE VIDA � SALVADORv.8, n.1, p.75-79, jun.1998.

RENDA AGRICOLA � ZONA RURAL �BAHIAv.8, n.4, p.91-102, mar.1999.

SETOR INFORMAL � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.1, p.117-127, jun.1998.v.8, n.4, p.27-35, mar.1999.

SETOR SERVIÇOS � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.1, p.117-127, jun.1998.

TEATRO � SALVADORv.8, n.1, p.54-58, jun.1998.

TERCEIRO SETORv.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

TERRITÓRIO � BAHIAv.8, n.2/3, p.146-160, dez.1998.

TRABALHADOR � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.4, p.9-26, mar.1999.v.8, n.4, p.64-72, mar.1999.

TRABALHADOR � ESCOLARIDADE �ÁREA METROPOLITANA �SALVADORv.8, n.4, p.44-50, mar.1999.

TRABALHO - ZONA RURAL � BAHIAv.8, n.4, p.103-113, mar.1999.

TRABALHO DO MENOR � ÁREAMETROPOLITANA � SALVADORv.8, n.4, p.73-88, mar.1999.

TRABALHO INFANTIL ver TRABALHODO MENOR

TRABALHO INFORMAL ver SETORINFORMAL

TRANSPORTE COLETIVO �SALVADORv.8, n.1, p.7-12, jun.1998.

TRANSPORTE MARÍTIMO �SALVADORv.8, n.1, p.84-95, jun.1998.

TRANSPORTE URBANO � SALVADORv.8, n.1, p.7-12, jun.1998.

TURISMO � SALVADORv.8, n.1, p.13-17, jun.1998.v.8, n.1, p.84-95, jun.1998.v.8, n.1, p.105-116, jun.1998.

URBANIZAÇÃO � SALVADORv.8, n.1, p.61-69, jun.1998.v.8, n.1, p.70-74, jun.1998.

USO DO SOLO � BAHIAv.8, n.2/3, p.89-97, dez.1998.

TÍTULO

Agricultura: continua tudo (a)normal.v.8, n.2/3, p.27-34, dez.1998.

Apoio e estímulo ao desenvolvimentocientífico e tecnológico do Brasil.v.8, n.2/3, p.101-118, dez.1998.

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102 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.100-103 Setembro, 1999

Migrantes e não-migrantes no mercadode trabalho da RMS.v.8, n.4, p.60-68, mar.1999.

Modernidade e tradição: mudançasrecentes na estrutura setorial doemprego da RMS.v.8, n.2/3, p.46-52, dez.1998.

Mudanças no padrão de ocupação naRMS.v.8, n.4, p.9-26, mar.1999.

Municipalização das ações de meioambiente: a contribuição daexperiência do PED/PNMA na Bahia.v.8, n.2/3, p.59-67, dez.1998.

Náutica de lazer, turismo costeiro emarinas: o mercado mundial e o casode Salvador.v.8, n.1, p.84-95, jun.1998.

Novos coletivos rurais de produção.v.8, n.4, p.103-113, mar.1999.

Ocupação da mão-de-obra no �novorural� baiano.v.8, n.4, p.91-102, mar.1999.

As ONGs e as mudanças nas funçõesdo Estado brasileiro contemporâneo.v.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

Orla marítima de Salvador: por umaforma de apreensão virtual da cidade.v.8, n.1, p.80-83, jun.1998.

Pensando a cidade e o plano diretor dedesenvolvimento urbano.v.8, n.2/3, p.119-132, dez.1998.

Pequena reestruturação produtiva noturismo e comércio varejista da RMSna última década.v.8, n.1, p.105-116, jun.1998.

O perfil demográfico dos ocupados naRMS.v.8, n.4, p.51-59, mar.1999.

Quem quer comprar a cara destacidade?v.8, n.1, p.25-32, jun.1998.

A questão regional e o desenvolvimentobrasileiro recente: ênfase sobre oespaço nordestino e o baiano.v.8, n.2/3, p.133-145, dez.1998.

Salvador e a cidade central.v.8, n.1, p.70-74, jun.1998.

Salvador será centro de turismo, culturae lazer.v.8, n.1, p.13-17, jun.1998.

Shopping center: espaço de comércio,serviço e lazer.v.8, n.1, p.96-104, jun.1998.

Teatro: um grande negócio.v.8, n.1, p.54-58, jun.1998.

Tempos modernos: trabalho edesigualdades no mercado detrabalho na RMS.v.8, n.4, p.64-72, mar.1999.

O trabalho da criança e do adolescentena RMS.v.8, n.4, p.73-88, mar.1999.

Viver Bahia: convivência e televivência.v.8, n.1, p.61-69, jun.1998.

AUTOR

ABREU, Teresa Lúcia Muricy dev.8, n.2/3, p.59-67, dez.1998.

ALMEIDA, Paulo Henrique dev.8, n.1, p.84-95, jun.1998.

AMARAL, Emanuel d�Ablev.8, n.4, p.114-116, mar.1999.

AMOEDO, Luis Augustov.8, n.1, p.18-22, jun.1998.

ARAÚJO, Heloisav.8, n.2/3, p.119-132, dez.1998.

AZEVEDO, Fausto Antônio dev.8, n.2/3, p.101-118, dez.1998.

AZEVEDO, José Sérgio Gabrielli dev.8, n.1, p.105-116, jun.1998.v.8, n.2/3, p.9-14, dez.1998.v.8, n.4, p.9-26, mar.1999.

BAHIA, Aídav.8, n.2/3, p.35-39, dez.1998.

BARBOSA, Ivanv.8, n.1, p.7-12, jun.1998.

BELAS, Angelav.8, n.4, p.51-59, mar.1999.v.8, n.4, p.60-63, mar.1999.

BRAGA, Thaiz Silveirav.8, n.4, p.27-35, mar.1999.

CARNEIRO, Roberto A. Fortunav.8, n.2/3, p.23-26, dez.1998.

CARRERA-FERNANDEZ, Josév.8, n.1, p.117-127, jun.1998.v.8, n.4, p.36-43, mar.1998.

CARVALHO, Juvenildav.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

COELHO NETO, Ernaniv.8, n.1, p.84-95, jun.1998.

Campanha da fraternidade 1999.v.8, n.4, p.114-116, mar.1999.

Comércio: futuro incerto.v.8, n.2/3, p.35-39, dez.1998.

A contemporaneidade cultural na cidadeda Bahia.v.8, n.1, p.50-53, jun.1998.

Cresce a indústria de transformação daBahia.v.8, n.2/3, p.23-26, dez.1998.

Debatendo os reflexos da crise na Bahia.v.8, n.2/3, p.9-19, dez.1998.

Dinâmica e inserção das exportaçõesbaianas.v.8, n.2/3, p.40-45, dez.1998.

Discutindo a orla de Salvador.v.8, n.1, p.18-22, jun.1998.

Escolaridade e ocupação na RMS.v.8, n.4, p.44-50, mar.1999.

Espacialização e expansão daterritorialidade baiana na próximadécada.v.8, n.2/3, p.146-160, dez.1998.

Espaços públicos e qualidade doambiente urbano em Salvador.v.8, n.1, p.75-79, jun.1998.

Evolução do mercado de trabalho eperspectivas para 1999.v.8, n.2/3, p.53-56, dez.1998.

O final do século e a questão ambiental.v.8, n.2/3, p.68-88, dez.1998.

Gestão e uso do solo nas áreasprotegidas.v.8, n.2/3, p.89-97, dez.1998.

A inatividade econômica na RMS: umarealidade escondida.v.8, n.4, p.36-43, mar.1999.

Informalidade e ocupação não-registradana RMS.v.8, n.4, p.27-35, mar.1999.

Um mapa em preto e branco da músicana Bahia: territorialização emestiçagem no meio musical deSalvador.v.8. n.1, p.33-49, jun.1998.

Mercado de trabalho informal do setorterciário na RMS.v.8, n.1, p.117-127, jun.1998.

Metrô: um transporte de massa paraSalvador.v.8, n.1, p.7-12, jun.1998.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.9 nº 2 p.100-103 Setembro, 1999 103

CORDIVIOLA, Albertov.8, n.1, p.70-74, jun.1998.

COUTO, Vitor de Athaydev.8, n.4, p.91-102, mar.1999.

COUTO FILHO, Vitor de Athaydev.8, n.2/3, p.27-34, dez.1998.v.8, n.4, p.91-102, mar.1999.

FERNANDES, Cláudia Monteirov.8, n.4, p.27-35, mar.1999.v.8, n.4, p.73-88, mar.1999.

FERREIRA, Maria das Graças T.v.8, n.2/3, p.119-132, dez.1998.

FRANCO, Aninhav.8, n.1, p.54-58, jun.1998.

GÓIS, Zéliav.8, n.2/3, p.35-39, dez.1998.

GOMES, Jairv.8, n.1, p.18-22, jun.1998.

GOTTSCHALL, Carlotav.8, n.1, p.96-104, jun.1998.

GUERREIRO, Goliv.8, n.1, p.33-49, jun.1998.

GUIMARÃES, José Ribeiro S.v.8, n.2/3, p.119-132, dez.1998.

LIMA, Sôniav.8, n.2/3, p.68-88, dez.1998.

LORENZO, Manoelv.8, n.1, p.13-17, jun.1998.v.8, n.1. p.18-22, jun.1998.

MACHADO , Geraldov.8, n.2/3, p.15-19, dez.1998.

MACHADO, Gustavo Bittencourtv.8, n.2/3, p.27-34, dez.1998.v.8, n.4, p.103-113, mar.1999.

MATTOSO, Sylvio de Queirósv.8, n.2/3, p.101-118, dez.1998.

MENDONÇA, Letícia Koeppelv.8, n.4, p.73-88, mar.1999.

MENEZES, Wilson F.v.8, n.1, p.117-127, jun.1998.v.8, n.4, p.36-43, mar.1999.

MIGUEZ, Paulov.8, n.1, p.50-53, jun.1998.

MOURA, Miltonv.8, n.1, p.25-32, jun.1998.

MUELLER, Lourençov.8, n.1, p.80-83, jun.1998.

OGATA, Maria Gravinav.8, n.2/3, p.89-97, dez.1998.

OLIVEIRA, José Antônio Puppim dev.8, n.2/3, p.89-97, dez.1998.

PIMENTEL, Ritav.8, n.2/3, p.68-88, dez.1998.

QUEIROZ, Lúcia Aquino dev.8, n.2/3, p.133-145, dez.1998.

RIBEIRO, Sônia Pereirav.8, n.2/3, p.146-160, dez.1998.

RUBIM, Antonio Albino Canelasv.8, n.1, p.61-69, jun.1998.

SAMPAIO, Antônio Heliodóriov.8, n.1, p.18-22, jun.1998.

SANTANA, Marcelov.8, n.4, p.44-50, mar.1999.

SANTOS, Elisabetev.8, n.1, p.75-79, jun.1998.

SANTOS, Luiz Chateaubriand C. dosv.8, n.2/3, p.46-52, dez.1998.v.8, n.4, p.64-72, mar.1999.

SERRA, Edelcique Machadov.8, n.2/3, p.53-56, dez.1998.

TEIXEIRA, Ana Lúciav.8, n.2/3, p.68-88, dez.1998.

TEIXEIRA, Angelav.8, n.1, p.128-135, jun.1998.

VIEIRA, Luiz Mário Ribeirov.8, n.2/3, p.40-45, dez.1998.

______________Trabalho realizado por Marília Torres,

bibliotecária da SEI.