apresentaÇÃo

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APRESENTAÇÃO Este trabalho faz parte de um projeto. Um projeto que teve inicio com o meu desligamento e o da minha família da CCB em 2006, os motivos estão em uma carta que entregamos ao ministério. No mesmo ano de 2006 ingressei na Faculdade de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O objetivo já estava traçado, que era o de buscar ferramentas acadêmicas que me ajudassem a entender, e principalmente a quebrar os “mitos” de que a CCB não possuía ligações históricas, que a “Obra” começou ex nihilo, que Francescon não tinha denominação, e que nem recebeu influências que marcaram seu ministério. Nada mais falso. Francescon foi presbiteriano, numa igreja formada por italianos e algumas famílias valdenses. Teve contato com o movimento pentecostal americano, recebeu uma profecia do próprio Durham para ser missionário entre as colônias italianas espalhadas pelo mundo. Foi batizado por G. Beretta, um ex-metodista. Quanta influência recebeu Francescon. Seu padrão de ministério foi o do missionário Michelli Nardi. O objetivo desse trabalho foi justamente contar um pouco dessa história, apoiado em outros autores que percorreram esse mesmo caminho. No final de 2006 encontrei na biblioteca do Mackenzie uma dissertação de mestrado de Gloecir Bianco, cujo objetivo era o de “testar a memória” do membro da CCB. Até que ponto o membro conhecia suas origens. A resposta já era esperada, ou seja, a maioria não sabe muita coisa da sua própria denominação. Hoje com o avanço da internet, isso tem mudado um pouco, mas em relação ao grande público o desconhecimento ainda continua. Gloecir teve o privilégio de usar como fonte do seu trabalho a tese de doutorado feita pelo Prof. Dr. Key Yuasa. Dr. Key, atualmente, é a maior autoridade em relação à vida de Francescon, sua tese foi concluída em 2001 na Suíça, mas até agora aguardamos a tradução e publicação. É um trabalho que já entrou para a história da CCB. Dr. Key teve acesso a este trabalho e através de e-mail disse que gostou muito, isso já valeu todo o esforço empreendido. Em 2008 Gloecir lançou o livro: Italianos Pentecostais. Marcelo Ferreira lançou o livro: Por trás do Véu e pagou um alto preço por isso, mas não negou o seu chamado. Agradeço a esses autores pela amizade e inspiração. Para entendimento do trabalho é preciso lê-lo na íntegra, ler somente o capítulo quarto perde-se o “fio da meada”. Por se tratar de uma monografia as análises são limitadas, maiores análises serão feitas posteriormente numa dissertação de mestrado, se Deus permitir. Aguardo de todos as preciosas críticas e contribuições. Que Deus abençoe.

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Monografia de Helyel Rodrigues para o Bacharel de Teologia do Mackenzie, que trata das origens históricas da Congregação Cristã no Brasil. O trabalho apresenta uma análise histórica e sociológica do movimento de Louis Francescon, e o relaciona a movimentos semelhantes do cristianismo primitivo, medievais e modernos.

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Page 1: ApresentaÇÃo

APRESENTAÇÃO

Este trabalho faz parte de um projeto. Um projeto que teve inicio com o meu

desligamento e o da minha família da CCB em 2006, os motivos estão em uma carta que

entregamos ao ministério. No mesmo ano de 2006 ingressei na Faculdade de Teologia da

Universidade Presbiteriana Mackenzie. O objetivo já estava traçado, que era o de buscar

ferramentas acadêmicas que me ajudassem a entender, e principalmente a quebrar os “mitos”

de que a CCB não possuía ligações históricas, que a “Obra” começou ex nihilo, que

Francescon não tinha denominação, e que nem recebeu influências que marcaram seu

ministério. Nada mais falso. Francescon foi presbiteriano, numa igreja formada por italianos e

algumas famílias valdenses. Teve contato com o movimento pentecostal americano, recebeu

uma profecia do próprio Durham para ser missionário entre as colônias italianas espalhadas

pelo mundo. Foi batizado por G. Beretta, um ex-metodista. Quanta influência recebeu

Francescon. Seu padrão de ministério foi o do missionário Michelli Nardi. O objetivo desse

trabalho foi justamente contar um pouco dessa história, apoiado em outros autores que

percorreram esse mesmo caminho. No final de 2006 encontrei na biblioteca do Mackenzie

uma dissertação de mestrado de Gloecir Bianco, cujo objetivo era o de “testar a memória” do

membro da CCB. Até que ponto o membro conhecia suas origens. A resposta já era esperada,

ou seja, a maioria não sabe muita coisa da sua própria denominação. Hoje com o avanço da

internet, isso tem mudado um pouco, mas em relação ao grande público o desconhecimento

ainda continua. Gloecir teve o privilégio de usar como fonte do seu trabalho a tese de

doutorado feita pelo Prof. Dr. Key Yuasa. Dr. Key, atualmente, é a maior autoridade em

relação à vida de Francescon, sua tese foi concluída em 2001 na Suíça, mas até agora

aguardamos a tradução e publicação. É um trabalho que já entrou para a história da CCB. Dr.

Key teve acesso a este trabalho e através de e-mail disse que gostou muito, isso já valeu todo

o esforço empreendido. Em 2008 Gloecir lançou o livro: Italianos Pentecostais. Marcelo

Ferreira lançou o livro: Por trás do Véu e pagou um alto preço por isso, mas não negou o seu

chamado. Agradeço a esses autores pela amizade e inspiração. Para entendimento do trabalho

é preciso lê-lo na íntegra, ler somente o capítulo quarto perde-se o “fio da meada”. Por se

tratar de uma monografia as análises são limitadas, maiores análises serão feitas

posteriormente numa dissertação de mestrado, se Deus permitir. Aguardo de todos as

preciosas críticas e contribuições. Que Deus abençoe.

Page 2: ApresentaÇÃo

HELYEL RODRIGUES

CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL: ORIGENS HISTÓRICAS

E TEOLÓGICAS DE UMA IGREJA MOVIDA PELO ESPÍRITO.

Trabalho de Graduação Interdisciplinar, apresentado à Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Teologia.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Paulo Rodrigues Romeiro

São Paulo 2009

Page 3: ApresentaÇÃo
Page 4: ApresentaÇÃo

Este trabalho é dedicado a todos os membros da Congregação Cristã no Brasil, na esperança de que um dia encontrem o caminho do protestantismo bíblico. E a todos os que lutam das mais variadas formas, interna ou externamente, para que esse dia brilhe.

Page 5: ApresentaÇÃo

AGRADECIMENTOS

Ao Deus Trino,

Que pela divina providência fez com que esse trabalho fosse possível.

Aos meus pais e familiares,

Pela criação de acordo com os princípios cristãos.

À minha esposa e filhos,

Pelo apoio, mesmo em detrimento da nossa convivência.

Aos meus amigos de classe,

Pelo companheirismo cotidiano.

À colega de classe e amiga Gilvania,

Pelo auxílio na tradução de alguns textos.

A todos os professores da Escola Superior de Teologia,

Pela paciência, conhecimento e compreensão dispensados.

Ao Prof. Silas Luiz de Souza,

Pela inspiração advinda das aulas de História do Cristianismo.

Ao Prof. Paulo Rodrigues Romeiro,

Pela orientação nessa empreitada.

Page 6: ApresentaÇÃo

Os movimentos sectários revolucionários na história da igreja, em geral, dizem a mesma coisa: pensam representar a época do Espírito (Paul Tillich).

Page 7: ApresentaÇÃo

RESUMO

Ao lado do cristianismo escriturístico sempre existiu um cristianismo do Espírito. Tais

manifestações receberam a denominação de “Movimentos do Espírito”. A principal

característica desses movimentos é ter como fonte de autoridade não somente a Bíblia, mas

principalmente as iluminações diretas do Espírito Santo. Esses movimentos irromperam em

toda a história do cristianismo. Há exemplos no inicio do cristianismo, na Idade Média, na

Reforma Protestante e na contemporaneidade. O trabalho visa estudar as origens históricas e

teológicas da Congregação Cristã no Brasil (CCB) dentro do contexto dos Movimentos do

Espírito. Pioneira na inserção do pentecostalismo no Brasil, e prestes a completar seu primeiro

centenário, a CCB foi fruto do trabalho do missionário ítalo-americano Louis Francescon.

Desde o inicio ela se considerou uma igreja diferenciada das demais igrejas evangélicas

brasileiras. Essa diferenciação está baseada justamente na sua compreensão de que sua

fundação, crescimento e desenvolvimento não foram fruto de obras humanas, mas sim do

Espírito Santo. A CCB entende que todas as suas ações e decisões foram, e são guiadas

exclusivamente pelo Espírito.

Palavras-chave: Movimentos do Espírito – Montanismo – Pentecostalismo - Congregação

Cristã no Brasil – Louis Francescon.

Page 8: ApresentaÇÃo

ABSTRACT

Beside the scriptural christianity has always been a Christian Spirit. Such demonstrations have

been called the "Movement of the Spirit." The main characteristic of these movements is to

have as a source of authority not only to the Bible, but mainly the direct illumination of the

Holy Spirit. These movements erupted throughout the history of Christianity. There are

examples at the beginning of Christianity in the Middle Ages, in the Protestant Reformation

and contemporary. This paper looks at the historical and theological origins of the Christian

Congregation of Brazil (CCB) within the context of the movements of the Spirit. A pioneer in

the integration of Pentecostalism in Brazil, and about to complete its first century, the CCB

was the fruit of missionary work of Italian-american Louis Francescon. From the beginning it

was considered a church different from other evangelical churches in Brazil. This

differentiation is based precisely on its understanding that its foundation, growth and

development were not the result of human works, but the Holy Spirit. CCB believes that all

actions and decisions were, and are guided exclusively by the Spirit.

Keywords: Movements of the Spirit - Montana - Pentecostalism - Christian Congregation of

Brazil - Louis Francescon.

Page 9: ApresentaÇÃo

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 - ORIGENS ANTIGAS E MEDIEVAIS .................................................... 15

1.1 O Montanismo ................................................................................................................... 16

1.2 O Monasticismo ................................................................................................................. 22

1.3 Joaquim de Fiori .................................................................................................... 24

CAPÍTULO 2 - ORIGENS MODERNAS ........................................................................... 28

2.1 Os Entusiastas da Reforma Protestante ............................................................................. 29

2.2 George Fox e os quakers ................................................................................................... 32

2.3 O Pietismo ......................................................................................................................... 34

2.4 O Metodismo ..................................................................................................................... 37

CAPÍTULO 3 - O PENTECOSTALISMO MODERNO NORTE-AMERICANO ........ 41

3.1 A influência Protestante na colonização americana e os Avivamentos.......................... 41

3.2 A “Era Metodista” e a “Arminianização da Teologia” ............................................... 42

3.3 O Movimento de Santidade ..................................................................................... 44

3.4 Uma “segunda” ou “terceira benção”? ..................................................................... 46

3.5 O “sinal visível” do Batismo do Espírito Santo.......................................................... 47

3.6 O Movimento Pentecostal e seus Líderes .................................................................. 48

3.7 A Teologia Pentecostal ........................................................................................... 51

3.8 Um balanço necessário ........................................................................................... 53

3.9 Um parêntese sociológico ....................................................................................... 55

3.9.1 Ernst Troeltsch .................................................................................................... 55

3.9.2 H. Richard Nieburh ............................................................................................. 56

Page 10: ApresentaÇÃo

CAPÍTULO 4 - CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL: UMA IGREJA MOVIDA

PELO ESPÍRITO .................................................................................................................. 58

4.1 Louis Francescon: um italiano pentecostal ........................................................................ 59

4.1.1 Origens e conversão ao Protestantismo .......................................................................... 59

4.1.2 A “revelação” sobre o batismo e suas implicações ........................................................ 62

4.1.3 O cisma na Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago ...................................................... 63

4.1.4 O contato com o movimento pentecostal ....................................................................... 65

4.1.5 Pentecostes na Assemblea Cristiana de Chicago ..................................................... 67

4.1.6 Viagem para a América Latina .............................................................................. 69

4.2 Louis Francescon no Brasil ..................................................................................... 72

4.2.1 As primeiras conversões em Santo Antonio da Platina ............................................. 72

4.2.2 As primeiras conversões em São Paulo .................................................................. 74

4.3 Desenvolvimento e expansão .................................................................................. 75

4.3.1 O Hinário transmite uma História .......................................................................... 77

4.4 Doutrinas e Ensinamentos ....................................................................................... 79

4.4.1 Doutrinas ............................................................................................................ 81

4.4.2 Ensinamentos ...................................................................................................... 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 88

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 90

Page 11: ApresentaÇÃo

11

INTRODUÇÃO

A Congregação Cristã no Brasil (CCB) é pioneira na implantação do protestantismo

pentecostal em nosso país. Ela foi organizada em 1910, pelo missionário itálo-americano

Louis Francescon, o qual fora influenciado pelo movimento pentecostal que ocorreu no inicio

do século XX nos Estados Unidos da America (EUA). Motivado pela pregação do pastor

batista William H. Durham na cidade de Chicago, Francescon recebeu a incumbência de

pregar a mensagem pentecostal aos italianos e suas colônias espalhadas pelo mundo.

Sentindo-se movido pelo Espírito, empreendeu viagem missionária para América do Sul,

acompanhado de Giacomo Lombardi e Lucia Menna. Em 1909 chegaram à cidade de Buenos

Aires na Argentina, onde lançaram as bases para a futura igreja Assemblea Cristiana,

existente até hoje. No inicio de 1910 Francescon chegou à cidade de São Paulo, Brasil. Em

seguida fez uma viagem até a cidade de Santo Antonio da Platina no norte do Estado do

Paraná, onde ocorreram as primeiras conversões. Retornando à São Paulo, Francescon

encontrou solo fértil para propagação de sua mensagem, especificamente no bairro do Brás,

local de forte presença da colônia italiana.

Desde o inicio a CCB manteve-se distante dos demais protestantes brasileiros,

inclusive de sua co-irmã na implantação do pentecostalismo no Brasil, a Assembléia de Deus.

O distanciamento é explicitado na sua forma de organização eclesiástica e principalmente na

sua teologia. No limiar do seu primeiro centenário pouca coisa parece ter se modificado

dentro de suas fileiras. “A Congregação Cristã é conhecida no meio protestante, por conservar

as mesmas características e as mesmas linhas doutrinárias (consideradas rígidas),

estabelecidas na sua organização no ano de 1910 e preservadas até os dias atuais” (BIANCO,

2007, p. 19). Por causa desse distanciamento e isolamento dos demais protestantes a CCB tem

desenvolvido uma forma de pentecostalismo diferenciado. “A CCB continua sendo, portanto,

o que os primeiros pesquisadores já afirmaram à seu respeito: um pentecostalismo sui

generis” (FOERSTER, 2006, p. 121).

Este trabalho tem por objetivo estudar as origens históricas e teológicas da CCB. O

Estudo dessas origens será feito baseado na hipótese, que permeia todo o trabalho, de que a

CCB faz parte de uma tradição cristã, a qual os estudiosos denominam genericamente como

“Movimentos do Espírito”. “A tradição bíblica afirma que o Espírito age livremente, ninguém

consegue aprisioná-lo. A igreja oficial, com seus dogmas, tem muitas vezes tentado delimitar

Page 12: ApresentaÇÃo

12

sua ação, mas a história tem registrado, aqui e ali, a irrupção de movimentos que qualificamos

de ‘movimentos do Espírito’”. (JARDILINO, 1994, p. 18). Segundo Mendonça:

Em geral, são movimentos que correm à margem da Igreja Oficial. A principal característica desses movimentos é a aversão às normas da Igreja, por entenderem que a iluminação do Espírito revela tudo o que é necessário para a vida religiosa, inclusive a conduta. Todos esses movimentos são, em geral, englobados sob o título de Religiões do Espírito, Movimentos do Espírito ou, ainda, Iluminismo. (2008, p. 130 - grifo nosso).

Uma das marcas característica da maioria desses movimentos é o estado de êxtase, que

pode ser acompanhado da glossolalia (falar em línguas estranhas) e da profecia1. O êxtase é

um estado alterado de consciência, e se caracteriza pela passagem que o indivíduo sofre de

uma realidade para outra. É considerado um canal privilegiado de comunicação com o

sagrado. Os graus de consciência são variados e o indivíduo pode apresentar: tremores, voz

embargada, choro e em alguns casos total inconsciência. Tais fenômenos não são

peculiaridades exclusivas da religião cristã. (MENDONÇA, 2008).

Dependendo da tradição na linha de estudos, os Movimentos do Espírito podem

receber outras nomenclaturas. Assim, quando for usado qualquer um dos termos abaixo, será

no sentido de uma vida cristã mais emocional. Nas palavras de Mendonça e Velasques:

Modernamente circulam três palavras para designar a tendência mais emocional da vivência religiosa cristã: a primeira é “entusiasmo”, que aparece na literatura anglo-saxã européia; a segunda é “iluminismo”, de preferência francesa; a terceira é “pentecostalismo”, mais norte-americana e, por extensão, latino-americana. Quando essa tendência surge e ainda está no interior das Igrejas tradicionais é chamada de “carismática”. Esse fenômeno se observa atualmente também na Igreja Católica. (1990, p. 47).

As palavras “entusiasmo” e “carismático” serão usadas no sentido teológico do termo.

Esta distinção faz-se necessária principalmente porque a palavra “carismático” pode assumir

outros significados. O termo será usado no sentido da pessoa que diz possuir dons espirituais,

conforme os mencionados no Novo Testamento. Conforme Matos:

1 O termo “profecia” esta sendo usado no sentido dos dons do Novo Testamento conforme entendida pelos pentecostais. Refere-se ato da pessoa que fala em nome de Deus.

Page 13: ApresentaÇÃo

13

O termo “entusiasmo” (do grego em = “em” e theós = “Deus”) aponta para situações em que as pessoas afirmam receber revelações diretas de Deus, muitas vezes acompanhadas de êxtases místicos, visões e outros fenômenos associados a uma experiência religiosa de grande fervor e intensidade. Por sua vez, a palavra “carismático” lembra os carismas ou dons espirituais mencionados no Novo Testamento, particularmente aqueles extraordinários ou espetaculares, tais como profecias, línguas estranhas, curas e milagres diversos. (s.d.).

Não é objetivo do trabalho apresentar uma lista exaustiva desses movimentos. O

propósito é apenas estudar alguns fragmentos na história do cristianismo, na busca por

características comuns, que ajudem a melhor compreender as origens da CCB. A escolha

desses fragmentos também não é arbitrária ou aleatória, mas está em conformidade com os

autores pesquisados. “Em particular, dentro da história do cristianismo, a busca de uma

religiosidade mais intensa a partir de um contato mais íntimo com Deus, passa pelo

misticismo, pietismo, pelas ordens mendicantes e pelas religiões de pobreza lideradas por

leigos”. (MENDONÇA, 2008, p. 130). O trabalho que está dividido em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, denominado “Origens Antigas e Medievais”, serão abordados

três movimentos: o montanismo; o monasticismo e o movimento de Joaquim de Fiori. O

montanismo teve inicio por volta do segundo século d.C2, na região da Frigia, Ásia Menor.

Foi um movimento profético liderado por Montano, Maximila e Priscila. Advogavam serem

os representantes do tempo do Paráclito, ou seja, do Espírito, e de possuírem novas revelações

para a Igreja. O monasticismo aparece no Egito por volta do século III d.C. Movimento leigo

que buscava a perfeição espiritual por meio da fuga do mundo. Os monges eram conhecidos

como homens cheios do Espírito, ou “pneumáticos”. Joaquim de Fiori, no século XII d.C,

ensinou que a história estava dividida em três períodos ou dispensações: a do Pai; a do Filho e

a do Espírito Santo. (MENDONÇA, 2008).

No segundo capítulo, denominado “Origens Modernas”, serão descritos os

movimentos contemporâneos à Reforma Protestante do século XVI, conhecidos como

“entusiastas” ou “radicais” da reforma. Em seguida o movimento de George Fox conhecido

como “quakers”. Após a reforma, o protestantismo europeu passou por um período chamado

de “ortodoxia” ou “escolasticismo protestante”. Nesse período os teólogos preocupavam-se

em estabelecer a correta doutrina. Na busca por uma religiosidade mais intensa e prática,

surgem dois movimentos importantes para o nosso estudo. Na Alemanha o pietismo e na

Inglaterra o metodismo.

2 Depois de Cristo.

Page 14: ApresentaÇÃo

14

No terceiro capítulo serão estudadas as origens do movimento pentecostal moderno

em solo americano. É nos EUA que os diversos movimentos descritos no trabalho irão se

mesclar contribuindo para o surgimento desse importante Movimento do Espírito. O

movimento pentecostal moderno é fruto dos desdobramentos da doutrina da perfeição cristã

de John Wesley ensinada pelo metodismo, e dos movimentos Holiness (Santidade) ocorridos

no século XIX.

O quarto capítulo é dedicado exclusivamente à CCB. Será estudado como se deu a

conversão do fundador Louis Francescon ao protestantismo e posteriormente ao

pentecostalismo. Quais os motivos que o levaram a empreender viagem para America Latina?

Como foi a inserção e expansão da CCB em território brasileiro? Quais são suas principais

doutrinas e ensinamentos? Como é seu relacionamento com os demais protestantes? De que

maneira é feita a preservação de sua história e memória?

Com o desenrolar do trabalho será possível perceber algumas características comuns à

maioria desses movimentos: 1) alegam receber uma iluminação interior do Espírito; 2)

dividem a história em períodos ou dispensações; 3) defendem representar a era do Espírito; 4)

são contra uma estrutura eclesiástica rígida; 5) acreditam que entre Igreja e Estado não pode

haver qualquer relação, pois há o perigo de “contaminação”; 6) desejam viver em

conformidade com a igreja do Novo Testamento, principalmente no tocante as práticas dos

dons espirituais (glossolalia, profecia, curas, milagres). 7) acreditam que o fim do mundo

(apocaliptismo) e a volta de Cristo, para estabelecer seu reino milenar, são iminentes

(milenarismo).

Page 15: ApresentaÇÃo

15

CAPÍTULO 1 - ORIGENS ANTIGAS E MEDIEVAIS.

Os movimentos estudados nesse capítulo estão situados em dois momentos na história

da Igreja. O montanismo no século II d.C, e o monasticismo no século III d.C, estão

localizados no Período Antigo. No entanto, eles avançam para outros períodos da história.

Principalmente o monasticismo. Cairns classifica esse período como:

História da Igreja Antiga, 5 a.C – 590 d.C. O primeiro período da história da Igreja revela a evolução da Igreja Apostólica para a Antiga Igreja Católica Imperial, e o início do sistema Católico Romano. O centro de atividade era a bacia do Mediterrâneo, que incluía regiões da Ásia, África e Europa; A igreja operava dentro do ambiente cultural da civilização greco-romana e do ambiente político do Império Romano. (2001, p. 21)

O movimento de Joaquim de Fiori, século XII d.C, tem seu inicio no Período

Medieval. Um período bastante conturbado para o Império Romano, época em que o

cristianismo irá se mesclar com novas culturas. Cairns classifica esse período como:

Historia da Igreja Medieval, 590 d.C – 1517 d.C. O palco de ação nesse período muda do sul para o norte e oeste da Europa, isto é, para as margens do Atlântico. A Igreja Medieval, diante das levas migratórias das tribos teutônicas, lutou para trazê-las ao cristianismo e fundir a cultura greco-romana e o cristianismo com as instituições teutônicas. Ao fazer isso, a Igreja medieval centralizou ainda mais sua organização debaixo da supremacia papal, desenvolvendo o sistema sacramental-hierárquico que caracteriza a Igreja Católica Romana. (2001, p. 22)

Tal divisão possui apenas fins didáticos. É um recurso que auxilia a localizar os

eventos dentro de um “espaço-tempo” e a memorizar fatos importantes. “Por esta razão, a

periodização da história da Igreja é apenas um recurso artificial para colocar os dados na

história em segmentos perceptíveis e ajudar o estudante a guardar os fatos essenciais.”

(CAIRNS, 2001, p. 21). Não se pode cair na “idolatria das origens”. É necessário vencer o

pressuposto de que as origens são um começo que explica. Pior ainda: que basta para explicar.

(BLOCH apud CAMPOS, 2005).

Page 16: ApresentaÇÃo

16

1.1 O Montanismo.

Passada a expectativa da iminente volta de Cristo, os cristãos tiveram que se

estabelecer no mundo. Desde o inicio a comunidade cristã sofreu perseguições, ora dos

judeus, ora das autoridades romanas. As perseguições e dificuldades, no entanto, não vinham

somente do meio externo, mas também de dentro. Ensinamentos gnósticos e disputas com o

marcionismo, fizeram com que a Igreja do século II empregasse muita energia para defender

sua fé. Em reação a esses “perigos doutrinários”, a Igreja procurou desenvolver alguns

princípios: 1) estabelecimento do cânon: qual a relação de livros que serão considerados

inspirados para a composição da Bíblia, 2) sucessão apostólica: quem são as pessoas

autorizadas a ensinar e a quem os cristãos devem obedecer como autoridade eclesiástica e 3)

estabelecimento do credo: quais sãos os ensinamentos básicos que os cristãos devem professar

com certeza e convicção. Com a evolução e consolidação desses princípios, a Igreja desse

período ficou conhecida como “Igreja Católica Antiga”. (GONZÁLEZ, 1995). Nesse contexto

surge o montanismo. “Contra a ordem em desenvolvimento surge a reação do Espírito,

comandada por Montanus.” (TILLICH, 2000, p. 58).

O montanismo surgiu por volta do ano de 172, como movimento profético na região

da Frígia, na Ásia Menor. Eram seus fundadores, Montano, Priscila, Maximila e Quintila

posteriormente. Tinham como pólo central duas cidades de uma aldeia chamada Ardaban:

Pepuza e Timiom. Existe contradição referente à data de inicio do montanismo, entre dois

escritores antigos. São através de seus escritos que nos chegou às informações sobre ele. O

historiador da Igreja Eusébio de Cesaréia, em sua obra História Eclesiástica (H.E. V. XIV-

XIX), apresenta os anos entre 160 e 177, tendo preferência por 170. O Bispo Epifânio de

Salamina em sua obra Panarion (Pan. XLVIII-XLIX), fornece a data de 157. (TREVETT,

1996 - tradução nossa).

Montanismo foi o nome dado pelos opositores do movimento, ou seja, pelos líderes

oficiais da Igreja na época. “Teria sido Cirilo de Jerusalém o primeiro a usar o termo

montanismo.” (MAGALHÃES, 2006, p. 76). Outros nomes também foram usados para

designar o movimento, “Frígios”, “Pepuzitas”, “Priscilianistas”, “Quintilianistas” (Pan.

XLVIII. 1 – XLIX. 1 - tradução nossa) “Catafrigas” (H.E. V. XVIII). Esses nomes provinham

dos fundadores e da suas cidades. Porém, os montanistas denominavam-se “Nova Profecia”.

Para Magalhães:

Page 17: ApresentaÇÃo

17

O termo é, portanto, uma expressão daquilo que as pessoas entenderam na época do que estava acontecendo na vida de muitas comunidades. Montanismo é expressão cunhada pela historiografia oficial da Igreja. Nova Profecia é expressão que marca a forma como os primeiros atores e atrizes deste processo entenderam a ação do Espírito e a renovação das comunidades. (2006, p. 76).

Montano nasceu na Frigia e por volta de 155, foi supostamente sacerdote do deus

Apolo Lairbeno. Após conversão ao cristianismo, começou a profetizar dizendo ser a

encarnação do Espírito Santo, e que havia começado uma nova e última era, a era do Espírito.

Montano acreditava ser o próprio Paráclito (Consolador) prometido por Jesus em João 14:26

(H.E. V. XVI. 12). Montano dizia: “Em verdade o homem é como uma lira, e eu o arco; o

homem dorme, e eu velo”, “Vim não como anjo ou mensageiro, mas como Senhor, Deus o

Pai” (Pan. XLVIII. 3-11; 11,9 - tradução nossa). Enquanto Montano era o Paráclito, Priscila e

Maximila eram suas profetisas. (H.E. V. XVI. 1). “Os montanistas tinham duas idéias

fundamentais: o Espírito e o ‘fim’” (TILLICH, 2000, p. 59). Eles entendiam que o Espírito

Santo ainda falava e ensinava os cristãos, e que isso não estava restrito as Escrituras. Em

relação ao “fim” diziam que Jesus voltaria e instituiria a Nova Jerusalém na cidade de Pepuza.

De acordo com Montano e suas profetizas, com eles, o período de revelação tinha chegado ao fim e imediatamente depois disso viria o fim do mundo. A Nova Jerusalém seria estabelecida na cidade de Pepuza na Frigia – e muitos montanistas, se reuniram ali a fim de testemunhar os grandes eventos dos dias finais. (GONZALEZ, 2004a, p. 140).

Tais afirmações causaram grande discórdia entre os cristãos da época. Mesmo porque,

Montano e suas profetizas pronunciavam seus oráculos em estado de êxtase, dizendo coisas

sem sentido. Esse fato parece ter desagradado os líderes da Igreja, pois havia um

entendimento que não era necessário que o profeta falasse em êxtase, se o tal fizesse era

considerado um falso profeta. Inclusive eram citados os profetas do Antigo e do Novo

Testamento e segundo os líderes, nenhum deles profetizou em estado de êxtase. Eusébio

assim relata o pensamento dos lideres:

[...] mas o falso profeta, no êxtase – ao qual seguem o descaramento e a ousadia – começa em voluntária ignorância e termina em demência involuntária da alma, como se disse anteriormente. Mas não poderão mostrar um só profeta, nem do Antigo nem do Novo (Testamento) que tenha sido arrebatado pelo espírito desta maneira, [...] (H.E. V. XVII. 3; 4).

Page 18: ApresentaÇÃo

18

Mas entre o povo existiam pessoas que defendiam essas manifestações. A confusão

tornou-se grande, uns queriam reprimir enquanto outros queriam ouvir as profecias. Eusébio

ao citar Apolinário (H.E. V. XVI. 7-8), nos dá uma idéia de qual era a imagem dos líderes da

Igreja em relação ao movimento:

Diz-se que em Misia da Frigia existe uma aldeia chamada Ardaban. Ai foi, dizem que um recém-convertido à fé chamado Montano, pela primeira vez, em tempos de Grato, procônsul da Ásia, saindo contra o inimigo com a paixão desmedida de sua alma ambiciosa de proeminência, ficou a mercê do espírito e de repente entrou em arrebatamento convulsivo como se possesso e em falso êxtase, e começou a falar e a proferir palavras estranhas, profetizando desde aquele momento contra o costume recebido pela tradição e por sucessão desde a Igreja primitiva. Dentre os que naquela ocasião, escutaram estas expressões bastardas, uns, ofendidos com ele como energúmeno, endemoninhado, embebido no espírito do erro e perturbador das multidões, repreendiam-no e tentavam impedi-lo de falar, lembrando-se da explicação e advertência do Senhor sobre estar em guarda e alerta com a aparição de falsos profetas, os outros em troca, como que excitados por um espírito insano, sedutor e desencaminhador do povo, provocavam-no para que não permanecesse mais em silencio. (grifo nosso).

É possível perceber na citação acima, que os líderes estavam irritados e aturdidos com

essa nova maneira de expressão da fé. Não conseguiam classificar taxativamente o

movimento como heresia, ou seja, um ensinamento não apostólico. Afinal de contas, eles

aceitavam as doutrinas da Escrituras, Ressurreição dos Mortos e Trindade. (Pan. XLVIII. 1).

No entanto, um importante líder e teólogo da Igreja de Cartago na África, Tertuliano, por

motivos obscuros aderiu ao montanismo.

Tertuliano, o teólogo de mente jurídica, nasceu em Cartago por volta de 150. Viveu

vários anos em Roma e após sua conversão, aos 40 anos, retornou a sua cidade natal

dedicando-se a escrever diversas obras em defesa da fé cristã. Dentre elas: Apologia;

Prescrição contra os Hereges; Contra Praxeas; Contra Marcião e Da Alma. (GONZALEZ,

2004a). Gonzalez ao falar de Tertuliano diz:

Deste modo, mediante uma inigualável combinação de ironia mordaz com uma lógica inflexível, Tertuliano se converteu na chibata dos hereges e campeão da ortodoxia. E entretanto por volta do ano 207, aquele rude inimigo dos hereges, aquele tenaz defensor da autoridade da igreja, uniu-se ao movimento montanista, que o resto dos cristãos considerava herético. Esse passo dado por Tertuliano é um dos mistérios insolúveis da história da igreja. (1995a, p. 125).

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Não é possível saber com certeza quais foram os motivos que levaram Tertuliano a se

converter ao montanismo. Ao que tudo indica, Tertuliano foi atraído pelo caráter ascético e de

rigor moral existente nos ensinamentos do movimento, como explica Campenhausen:

As razões pelas quais Tertuliano tomou tal decisão não são claras; contudo parece que o montanismo personificava, na opinião dele, o espírito de protesto contra o crescente poder da hierarquia e contra sua suposta lassidão em lidar com os pecadores arrependidos. Foi esse aspecto do montanismo que atraiu Tertuliano, que sempre demonstrara um excessivo rigor moral. (apud GONZALEZ, 2004, p. 168).

Tertuliano entendia, contrariamente aos outros líderes, que o profeta ao profetizar,

perdia seus sentidos, pois, era ofuscado pelo poder de Deus e não podia saber o que estava

dizendo. (Contra Marcião apud Pan. XLVIII. 5.1). Em sua obra Da Alma (De Anima, IX),

Tertuliano nos fornece uma bela imagem de sua visão em relação ao montanismo. Se não

fosse mencionada a fonte, poderia se pensar tratar-se de um relato pentecostal do século XXI.

Bettenson relata o ocorrido num culto de domingo:

Temos entre nós uma irmã favorecida com dons de revelação que ela manifestou na igreja, mediante visões extáticas no Espírito, durante os ofícios do domingo... Terminando o culto e despedido o povo, costuma relatar-nos suas visões... “entre outras coisas, diz ela, foi-me revelada uma alma em forma corporal que surgiu semelhantemente a um espírito; não era, contudo, uma realidade vazia de qualidades, mas algo que podia ser tocado, vaporoso, transparente, de cor etérea e de forma perfeitamente humana”. (2007, p. 139).

As visões por parte das mulheres pareciam ser comuns no movimento. Certa Quintila

mencionada por Ephifanius, faz um relato parecido com o de Tertuliano. Cristo havia

aparecido a ela enquanto dormia em Pepuza. “Cristo veio a mim, vestido de um manto

branco, sob a forma de uma mulher, imbuindo-me com sabedoria, e revelou-me que este lugar

é santo, e que Jerusalém deve descer do céu aqui” (Pan. XLIX. 1). As mulheres

desenvolveram papel proeminente no montanistmo. Esse fato parece ser comum à maioria dos

Movimentos do Espírito, que no inicio pregam sempre uma igualdade entre os membros. Para

Trevett (1996), Montano foi o grande organizador do movimento, mas foi Priscila a grande

líder carismática. “[...] pesquisadores recentes têm reconhecido que não foi Montano o

principal profeta do movimento e sim Priscila.” (MAGALHÃES, 2006, p. 87). “Alem de

Priscila, Maximila, Quintila, as mulheres mais conhecidas da historiografia, são mencionadas

outras mulheres na Nova Profecia com posição de destaque, Dentre elas destacamos Perpétua

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20

e Felicitas [...]”. (MAGALHÃES, 2006, p. 89). Montano fora, supostamente, um sacerdote

pagão antes de sua conversão. Esse fato pode explicar a sua aceitação para a participação das

mulheres na liderança do movimento. “Se de fato, Montano fora sacerdote do deus Apolo

Lairbelo, havia aí uma procedência do ‘meio-ambiente’ cultural, pois, as mulheres também

exerciam o sacerdócio.” (FRANGIOTTI, 1995, p. 56).

Como já mencionado, o montanismo se destacou pelo rigor dos seus ensinamentos,

entre os quais pontuamos: 1) rompimento de matrimônios para melhor servir ao movimento;

2) leis de jejuns; 3) proibição do segundo casamento; 4) negação do perdão para alguns

pecados como adultério e homicídio. (H.E. V. XVIII. 2), (Pan. XLVIII. 8-9). Frangiotti

elenca as imposições do movimento:

Exigem fé incondicionada de seus adeptos, obediência às suas ordens e uma moral rígida, dura, rigorosa, uma pratica ascética de jejuns severos, substanciosas esmolas de qualquer tipo, encorajam e aconselham ao martírio, interdição do matrimonio, especialmente das segundas núpcias. O ponto mais marcante do rigorismo montanista era o de que, após o batismo, os pecadores não deveriam esperar novo perdão dos pecados. Ensinava que os pecados maiores, chamados “capitais”, como homicídio, o adultério e a apostasia, não podiam ser perdoados e que a Igreja não tinha poder para isso. A estes “pecados capitais”, alistavam-se outros secundários: proibição de ornamento nas mulheres, aceitação de cargos públicos, uso de pintura, escultura e das ciências profanas. O montanismo se caracterizava, assim pela mais rigorosa penitencia. (1995, p. 58).

No inicio, os Movimentos do Espírito surgem cheios de vigor e originalidade. Pregam

a igualdade entre os membros, pois o Espírito deve ser livre para usar quem desejar. Mas com

o passar das primeiras gerações, esses aspectos originais vão perdendo força. Os princípios de

liberdade e informalidade vão cedendo lugar para uma maior organização e formalidade.

Tillich comenta:

Acontece, porém, que ao se procurar fixar o conteúdo do ensinamento do Espírito, o resultado é exatamente pobre. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os quacres logo após o seu surgimento. Quando se fixa o conteúdo, não se vê nada de novo ou, pior ainda, o novo não passa de forma mais ou menos radical de moralismo. Foi o que aconteceu com George Fox e seus seguidores, e com todas as seitas do mesmo tipo. Na segunda geração, tornam-se racionalistas, moralistas e legalistas; o elemento de êxtase desaparece, não sobra quase nada de criativo em comparação com o período clássico do cristianismo apostólico. Os montanistas fixaram seus ensinamentos em novos livros; adotaram idéia de certa sucessão profética. Naturalmente, de maneira auto-contraditória, posto que sucessão é princípio organizacional e profecia não. A tentativa de combiná-los não deu certo e nunca dará [...] O que passou nessa época tem-se repetido frequentemente na historia da igreja. Surgem pequenos grupos com rigorosa disciplina; tornam-se suspeitos dentro

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da igreja; separam-se e formam grandes igrejas; em seguida perdem o poder disciplinar original. (2000, p. 59-60).

Movimentos como o montanismo podem ser observados e estudados por muitos

ângulos. Eles influenciam e são influenciados pelo meio social, político e religioso em que

nascem. Frangiotti (1995, p. 56), propõe uma síntese do montanismo em quatro pontos:

Primeiro, como fenômeno nascido da superstição religiosa ou fruto de milenarismo asiático influenciado pelo Apocalipse. Segundo, como uma tentativa de retorno à Igreja das origens, de reforma da Igreja, de retorno ao estado de perfeição e pureza, como pretexo contra o episcopado monárquico urbano, que sufocava, cada vez mais, o dom da profecia, isto é como movimento, contra a Igreja organizada, sistematizada. Terceiro, pode-se vê-lo ainda como movimento político religioso que nasceu e se radicava nas igrejas das zonas rurais da Frígia contra as igrejas urbanas, que se pavoneavam em torno de seus bispos. Em quarto e último lugar, como reação ao conservadorismo das regiões rurais, contra a “modernização” das igrejas urbanas, que se vão helenizando, enfraquecendo sua fisionomia original, carismática.

Enfim, o montanismo não ficou restrito aos limites da Frigia, mas estendeu-se por

Roma e Norte da África. Após várias condenações regionais o Papa Vitor em 198-199, ou

Zeferino em 199-217, excomungou os seguidores de Montano. Também sofreram condenação

no VI Concilio Ecumênico realizado em Constantinopla em 680-681. (FRANGIOTTI, 1995).

A exigência do imperador Leo III em 721-722 para que os montanistas e judeus fossem

batizados é prova da longa existência do movimento. (MAGALHÃES, 2006).

O motivo para se dar maior destaque ao montanismo neste capitulo, é o fato do

montanismo ser considerado uma forma primitiva de pentecostalismo. A Nova Profecia foi “a

última primavera pentecostal da Igreja.” (WHALE apud MAGALHÃES, 2006, p. 77). Outra

característica que marcará não só o montanismo, mas também a maioria dos Movimentos do

Espírito é a permanente dúvida: esse tipo de movimento é um reavivamento espiritual no seio

da Igreja ou é mais uma heresia? (TREVETT, 1996).

Em seguida será descrito outra forma de Movimento do Espírito. Tendo suas bases no

ascetismo, no isolamento da Sociedade, na fuga das atividades mundanas, e muitas vezes na

clausura. O monasticismo nasce no Oriente, mas rapidamente se espalha por outras regiões.

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1.2 O Monasticismo.

O monasticismo tem suas origens por volta do século III d.C. no Egito, especialmente

nas regiões desérticas. Todavia, ele se espalhou por várias localidades do Império Romano,

tanto no Oriente quanto no Ocidente, influenciando profundamente o cristianismo. A palavra

monge vem do termo grego monachós e significa “solitário”. Uma das principais razões para

os primeiros monges viverem isolados foi a fuga do “mundanismo” com suas inquietações e

tentações. Dessa forma poderiam se dedicar mais a vida no Espírito. Devido ao isolamento,

logo foram também chamados de “anacoretas”, que significa: “retirado” ou “fugitivo”. O

movimento monástico possui dupla influencias. Uma interna e outra externa. A interna vem

das próprias palavras de Jesus sobre o deixar as riquezas e segui-lo (Mateus 19:21), e das

palavras de orientação do apostolo Paulo quanto ao celibato (Romanos 7). “Se o fim estava

próximo, não havia razão para se casar e levar a vida sedentária dos que fazem planos para o

futuro.” (GONZALEZ, 1995b, p. 61). A externa vem da filosofia grega, platônica e estóica.

Elas entendiam que a matéria era má. Para se atingir o aperfeiçoamento da alma era

necessário ter domínio sobre os desejos e paixões do corpo.

Um fator que deu impulso ao movimento monástico foi à subida de Constantino ao

poder do Império Romano no século IV d.C. Nesta época a perseguição aos cristãos havia

diminuído. Com Constantino a Igreja também chegava ao poder e se institucionalizava. Para

muitos, como para Eusébio de Cesaréia, esse novo acontecimento fazia parte do plano de

Deus no avanço do cristianismo. Para outros a “porta estreita” ensinada por Jesus ficara larga

demais. As multidões entravam por ela, sem muitas vezes ter noção exata da fé cristã.

Buscavam posições de prestigio e poder na nova religião estatal. Gonzalez explica:

A resposta de muitos não se fez esperar; fugir da sociedade humana; abandonar tudo; subjugar o corpo e as paixões que dão ocasião à tentação. E assim, ao mesmo tempo que a Igreja se enchia de milhares que pediam o batismo, houve um verdadeiro êxodo de outros milhares que procuravam a santidade na solidão. (1995b, p. 61).

Dois nomes estão ligados às origens do monasticismo. Paulo e Antonio. Suas

biografias foram escritas por Jerônimo e Atanásio respectivamente. Entretanto, muitos relatos

são lendários. Por volta do século III d.C, Paulo ao fugir de uma perseguição, andou pelo

deserto até encontrar um abrigo. Passou ali o resto de seus dias, alimentando-se quase que

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23

exclusivamente de tâmaras. As únicas companhias que teve foram os animais e algumas vezes

de Antonio. Segundo Atanásio, Antonio nasceu no Egito numa família de agricultores

relativamente rica. Quando jovem, ouviu na Igreja as palavras de Jesus ao jovem rico (Mateus

19:21) e sentido-se tocado, optou pela vida monástica. Antonio viveu alguns anos com um

ancião para aprender a vida monástica, depois se retirou para o deserto. Atanásio conta que os

demônios importunavam e lutavam muito contra Antonio, provocando até ferimentos físicos.

Outras pessoas também o procuravam, monges queriam aprender de sua sabedoria, e

enfermos iam atrás de milagres. Próximo a sua morte, em 356 d.C, Antonio permitiu que dois

jovens monges vivessem com ele, para aprenderem e atenderem suas necessidades. Cada vez

mais pessoas se retiravam para o deserto a fim de aprender com os monges. Esse contato entre

monges fez com que surgisse outro tipo de monasticismo, o “cenobita”, palavra de origem

grega que quer dizer “vida comum”. Pacômio nasceu também no Egito em 286 d.C, e deu

forma a esse novo tipo de monasticismo, que se dava em mosteiros, em pequenas

comunidades de monges. O movimento também iria se espalhar pelo Ocidente.

No Ocidente o tipo de monasticismo que predominou foi o cenobita, e o seu

sistematizador foi foi Benedito de Núrsia. Benedito nasceu na aldeia italiana de Núrsia. Sua

família pertencia à velha aristocracia romana. Por volta dos vinte anos de idade, ele se retirou

para uma caverna onde lutava contra várias tentações. Gregório, o Grande diz que Benedito

lutava contra uma tentação que se apresentava na forma de uma bela mulher. Pensando em

desistir da vida monástica, Gregório esclarece que ele recebe uma iluminação:

...ele recebeu uma repentina iluminação do alto, recobrou os sentidos, e ao ver uma moite de espinheiros e urtigas tirou toda a roupa e se lançou aos espinheiros e ao fogo das urtigas. Depois de se revolver ali durante muito tempo, saiu todo ferido... A partir de então nunca voltou a ser tentado de maneira igual. (GONZALEZ, 1995c, p. 45).

A fama de Benedito se espalhou rapidamente, muitos monges quiseram se unir a ele.

Benedito os organizou em grupos de 12 (doze) e se dirigiram a um lugar remoto chamado

Montecasino, onde organizaram uma comunidade, próxima à outra fundada por sua irmã

gêmea, Escolástica. Em 529, Benedito preparou para o mosteiro um documento, contendo

toda orientação para convivência ali. A famosa “Regra de São Benedito”, que se tornaria a

base de todo monasticismo ocidental. A Regra se adaptou bem ao estilo ocidental de

monasticismo. Sua tônica era a temperança em todas as atividades do monge: alimentação

(inclusive o consumo diário de vinho); trabalho; oração; descanso e assim por diante. Era bem

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24

diferente do estilo oriental. Somente duas regras eram mais rígidas. A “Permanência” ao

mosteiro de origem e a “Obediência” ao abade.

Como efeito colateral, tanto no monasticismo oriental como no ocidental, os monges

passaram a considerarem-se superiores aos outros cristãos, devido à vida de renuncia e de

penitencia que levavam. Fizeram desse estilo de vida um meio para se obter a salvação

individual. O monge passou a ver-se como um “pneumático”, ou seja, um homem cheio do

Espírito, conforme Daniélou e Marrou:

Em meio a uma sociedade cristã, ou que pretende ser cristã, mas que é e se sente ameaçada pelo espírito do mundo ou pela tibieza, o monge lá está para representar o ideal mesmo do Evangelho em todo o rigor e a recusa a todo compromisso, o chamamento a perfeição à estrada estreita, à loucura da cruz; mas este ideal é também plenitude da vida espiritual, entusiasmo, efusão do Espírito. Este último ponto talvez seja o mais característico do monacato oriental; o monge é um “pneumático”, um “pneumatóforo”, manifestando a presença do Espírito pelos carismas que lhe são confiados e é esta a função mais elevada que terá de preencher no seio da Igreja. (apud JARDILINO, 1994, p. 20).

O movimento monástico seguiu influenciando a Igreja por séculos. Os mosteiros

foram grandes aliados da Igreja no processo de educação e evangelização. Nos séculos X e XI

dois mosteiros se destacaram na tarefa de reformar o monasticismo e também a Igreja. O

mosteiro de Cluny deu origem à “reforma cluniacense” e o mosteiro de Citeaux a “reforma

cisterciense”, cujo termo vem do latim, Cistertium. (GONZALEZ, 1995d). E justamente sobre

um monge cisterciense que será tratado a seguir, um monge que anunciava a “era do

Espírito”.

1.3 Joaquim de Fiori.

Segundo Gonzalez (2004b) os séculos X e XI d.C. foram períodos difíceis para a

teologia e para a igreja ocidental, devido ao declínio do Império Carolíngio (Carlos Magno).

O século XII d.C. nasce como um período de despertamento do pensamento teológico. Surge

um grande numero de pregadores, mestres e movimentos, que não se encaixavam na estrutura

hierárquica e doutrinal da Igreja Católica. Alguns desses movimentos distanciaram-se das

doutrinas tradicionais cristãs. Outros buscavam uma vida religiosa mais profunda, sem a

intermediação das autoridades eclesiásticas, que às vezes eram indignas ou indiferentes. Neste

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25

contexto aparecem as idéias de Joaquim de Fiori. Fiori nasceu na Calábria entre 1130 e 1135.

Era monge cisterciense, posteriormente em 1189 fundou seu próprio mosteiro, o “São João de

Fiori.” Neste lugar Joaquim passou a vida exercitando a contemplação e estudando a Bíblia,

principalmente o livro de Apocalipse. Quando morreu em 1202, era considerado um Santo.

(CONGAR, 1976).

Conforme Fiori, a história estava dividida em três eras. Cada qual regida por uma das

pessoas da Trindade. Dessa forma a história se desenrola em três estágios. A era do Pai a do

Filho e a do Espírito Santo. Porém estes períodos não são estanques, mas são gerados no seio

do anterior. “Os três estágios sucedem um ao outro de tal maneira que durante os últimos dias

de uma era aparecem sinais ou presságios da que esta para vir.” (GONZALEZ, 2004b, p.

183). “Cada novo período é concebido e nascido no ventre do período anterior.” (TILLICH,

2000, p. 183). “Segundo Fiore, os períodos e as formas do reino são de tal maneira

entrelaçados que um fecunda o outro, nele penetrando.” (MOLTMANN, 2000, p. 210).

Fiori acreditava ter descoberto uma concordância do Antigo e do Novo Testamento,

bem como os segredos do Apocalipse. Isso foi feito através da associação de duas

escatologias da tradição cristã. A primeira, segundo Agostinho, o mundo foi criado em sete

dias. Consequentemente a história humana tem sete idades. Depois de seis eras de trabalho,

vem à sétima era, a do descanso. Esta sétima era é o Sabbat da história do mundo, que

antecede o dia eterno do Senhor. A outra, segundo os teólogos capadócios, o “Reino de Deus”

apresentava três modos de revelação diferentes, segundo as propriedades das pessoas

trinitárias. A era do Espírito, como foi também identificada pelos montanistas, tivera inicio na

promessa do Paráclito contida no Evangelho de João. Fiori identificou o sétimo dia da história

do mundo com o reino do Espírito. (MOLTMANN, 2000). Dessa forma Fiori passou a

atribuir datas para estes períodos da história. Gonzalez define essas datas:

O primeiro começa com Adão e termina com Cristo; o segundo vai de Cristo até o ano de 1260; o ultimo se inicia naquela data e se estenderá até o final dos tempos. O primeiro é a era do Pai; o segundo é a era do Filho; e o terceiro a era do Espírito. A data 1260 é estabelecida por intermédio de um processo exegético que serve para mostrar o método teológico de Joaquim. Se entre Adão e Jesus houve quarenta e duas gerações, deve se esperar que, para poder manter a concordância entre ambos os testamentos, haverá também quarenta e duas gerações entre Cristo e o início da terceira era. Embora no Antigo Testamento estas gerações não sejam absolutamente de comprimentos iguais, a perfeição do Novo Testamento necessita que sejam todas iguais. Se então se calcula com uma base de trinta anos para cada geração, quarenta e duas gerações serão 1260 anos. (2004b, p. 183).

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Fiori acreditava ter descoberto um segredo nas Sagradas Escrituras, que apontava para

um desenvolvimento histórico regido por três ordens universais ou reinos. O relacionamento

de Deus com a humanidade seria diferenciado em cada um deles.

Os segredos das Sagradas Escrituras nos apontam três ordens universais – status -: a primeira, na qual estávamos sob o império da lei; a segunda, na qual estamos sob a graça; a terceira, que já sentimos próxima, na qual estaremos numa graça muito mais rica... Assim, o primeiro status consiste na ciência; o segundo, na sabedoria parcialmente completa; o terceiro, na plenitude do conhecimento. O primeiro na servidão de escravos; o segundo na sujeição de filhos, o terceiro na liberdade. O primeiro no medo; o segundo na fé; o terceiro no amor. O primeiro no status de escravos; o segundo no de homens livres; o terceiro no de amigos. O primeiro é dos jovens; o segundo é o dos homens; o terceiro é o dos anciãos. O primeiro situa-se na luz das estrelas; o segundo na luz do alvorecer; o terceiro na plena luz do dia... O primeiro status relaciona-se com o Pai; o segundo com o Filho; o terceiro com o Espírito Santo. (MOLTMANN, 2000, p. 210).3

A história desenvolve-se sob três formas de reino. No reino do Pai, a relação com os

homens se dá através da lei e do temor. No reino do Filho, Deus domina através do Evangelho

e dos sacramentos da Igreja. Por causa do Filho os homens passam de escravos a filhos de

Deus. A relação baseada no temor passa para a confiança. No reino do Espírito os homens

passam da condição de filhos a condição de “amigos de Deus”. (MONTMANN, 2000).

Tillich (2000) analisa os três estágios. O primeiro representado sociologicamente pelo

matrimonio; trabalho, servidão e economia. O período religioso era o da lei. O segundo

período é o do clero e da igreja organizada, os sacramentos tornam a lei desnecessária por

causa da graça. O terceiro é o representado pelo período monástico. É o último período. As

graças do Espírito Santo ultrapassam as graças sacramentais. Não há submissão ao estado

nem as autoridades da igreja. A contemplação toma o lugar das obras e amor o da lei.

Como mencionado anteriormente, o ideal monástico exerceu grande influencia na

história da Igreja. Para Fiori, em cada era, Deus apontava arautos. Os arautos da era do

Espírito eram os monges cujo estilo de vida seria mais espiritual do que a do povo e a dos

lideres eclesiásticos. “Assim, por exemplo, Benedito e os outros grandes líderes na vida

espiritual eram precursores da era do Espírito. “Quando esta era de fato aparece – e está

próxima – será o tempo quando florescerão a vida espiritual, a renuncia monástica, e a

caridade perfeita.” (GONZALEZ, 2004b, p. 183).

3 A obra citada por Montmann é: Concórdia Novi ac Veteris Testamenti, Veneza, 1519, Lib. V, 84,112.

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Por influência das doutrinas de Fiori a partir do século XIII surgiram movimentos

baseados no ideal de pobreza. Os “begardes” (de beggar, mendigo, pobre). Eram conhecidos

também como “Comunidades do Livre Espírito” e tinham a ala feminina chamada de

“beginnes”. Estes homens e mulheres julgavam viver sobre o controle do Espírito, e dessa

forma não podiam pecar. Todos os atos praticados por eles eram santos, e livres de quaisquer

acusações, já que o Espírito não pecava. (MENDONÇA, 2008). Segundo Jardilino:

Os irmãos do livre-Espírito acreditavam ter chegado à perfeição exigida por Deus e por isso eram incapazes de pecar. Como seres perfeitos não podia haver regras nem limites para suas ações. O “homem perfeito” podia chegar a qualquer conclusão e fazer o que lhe aprouvesse, pois nada poderia ser considerado pecado para aqueles que estavam em liberdade total. (1994, p. 23).

Uma ala mais radical dos monges franciscanos, outro movimento também

influenciado por Fiori, passaram a pregar suas doutrinas. Chamavam-se de “espirituais”.

Diziam que o papa e os demais cristãos estavam ainda na “era de Cristo”, enquanto eles, os

espirituais, estavam na era do Espírito. Enfim no século XIII, a doutrina de Fiori foi

condenada pelo quarto Concilio de Latrão.

Para Tillich (2000) e Moltmann (2000), as doutrinas de Fiori irão influenciar diversos

movimentos da era Moderna, como o iluminismo e socialismo, pois ambos esperavam por um

período da história em que todos seriam ensinados diretamente pela luz interior, a luz da

razão, e assim o homem teria liberdade completa. Suas idéias irão influenciar também as

diversas “seitas” da Reforma protestante. Para Jardilino, Fiori é o primeiro dispensacionalista 4da história:

“Joaquim de Fiori pode ser considerado o primeiro sistemático do dispensacionalismo,

pois tratou das dispensações que, segundo, sua opinião, ocorreram e que ainda vão ocorrer no

curso da história humana.” (JARDILINO, 1994, p. 22).

4 O dispensacionalismo é uma das formas teológicas de se entender a relação de Deus com a humanidade, defendida pelos pentecostais, a outra de linha reformada, é a teologia dos pactos.

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CAPÍTULO 2 - ORIGENS MODERNAS.

Os movimentos estudados neste capítulo fazem parte do período chamado moderno na

história da Igreja. Período marcado por grandes transformações religiosas, políticas, sociais e

científicas. Cairns faz a seguinte definição:

História da Igreja Moderna, 1517 e depois. Esse período foi iniciado por um cisma que resultou na origem das igrejas-estados protestantes e na divulgação universal da fé cristã pela grande vaga missionária do século XIX. O palco da ação não era mais o mar Mediterrâneo nem o oceano Altântico, mas o mundo. O cristianismo tornou-se uma religião universal e global. (2001, p. 23)

Inúmeros fatores contribuíram para o ocaso da era medieval e surgimento da era

moderna. “Há então, uma transição gradual entre uma forma de viver de um período para

outro.” (CAIRNS, 2001, p. 21). O sentimento nacionalista de alguns povos europeus; as

grandes navegações; o surgimento da imprensa; o declínio do Catolicismo Romano e a

Renascença são alguns deles. Pontualmente a Renascença traz especial interesse. Foi um

movimento nascido na Itália por volta do século XIV e que se espalhou rapidamente por toda

Europa. Seus proponentes alegavam que a era anterior a medieval, fora um período obscuro

para o conhecimento da humanidade. A Renascença se caracterizou pelo desejo de voltar às

origens clássicas greco-romana. Este ideal foi assimilado por diversas áreas do saber como as

artes, a literatura entre outras. Era grande o interesse na antiguidade clássica, em todos os seus

aspectos. No bojo desse movimento encontra-se o humanismo com seu renovado interesse nas

qualidades e potencialidades humanas. (GONZALEZ, 2004c). Segundo Cairns:

Tentativas internas para reformar um papado corrupto foram feitas pelos místicos que lutaram para personalizar uma religião que se institucionalizara demasiadamente. Tentativas de reforma foram feitas também por reformadores primitivos, tais como os místicos João Wycliffe e João Huss, concílios reformadores e humanistas bíblicos. A expansão geográfica do mundo, a nova visão intelectual secular da realidade na Renascença, o surgimento das nações-estado e a emergência da classe média se constituíram em forças externas que logo derrubariam uma Igreja corrupta e decadente. A recusa da Igreja Católica Romana em aceitar a reforma interna tornou possível a Reforma. (2001, p. 23).

A Reforma Protestante do século XVI com suas doutrinas de sacerdócio universal dos

crentes; livre exame das Escrituras Sagradas; individualismo religioso entre outras; contribuiu

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29

para o surgimento da era moderna. O conceito de era, ou mundo moderno, esta sendo usado

no sentido de cultura ocidental. Pelas características descritas, o protestantismo tem sido

considerado como fator preponderante para este acontecimento. Para Ernst Troeltsch (1983)

se o protestantismo não foi o fator primordial, pelo menos não se constituiu um estorvo.

Grande parte dos fundamentos do mundo moderno se desenvolveu em completa

independência do protestantismo, sendo um desenvolvimento natural da baixa idade media,

em parte pelos efeitos do Renascimento assimilado pelo protestantismo. Este contexto será

parte do palco dos Movimentos do Espírito descritos a seguir.

2.1 Os Entusiastas da Reforma Protestante.

Apesar das inúmeras tentativas anteriores de se reformar a Igreja Católica Romana,

lideradas por homens como João Wyclif e João Huss, nenhuma delas obteve tamanho

desdobramento quanto à do monge agostiniano Martinho Lutero. No dia 31 de Outubro de

1517, ele afixou na catedral de Wittenberg suas 95 teses. Com o auxílio da imprensa, recém

criada, elas se espalharam por toda a Europa, bem como outros de seus escritos, causando seu

rompimento com o Catolicismo Romano. “O único homem que realmente conseguiu essa

ruptura, e com ela transformou a face da terra, foi Lutero.” (TILLICH, 2000, p. 227).

Lutero inovou nos ensinamentos quanto à salvação através da justificação pela fé;

quanto à autoridade papal em relação às Escrituras entre outros. Mas na questão da relação

entre Igreja e Estado não houve avanço significativo. Esse fato desagradou alguns grupos

menos favorecidos socialmente, pois viam em Lutero e no movimento, um novo tempo em

que eles seriam libertos, não só espiritualmente da opressão papal, mas também socialmente

da opressão dos poderosos. Para esses grupos a reforma havia ficado pelo meio do caminho.

Em Zwickau (Wittenberg), surgiu um movimento no qual seus “profetas” alegavam

que não precisavam mais da Bíblia, uma vez que tinham o Espírito. Este era suficiente para os

dirigirem em todos os aspectos da vida. Thomas Muntzer, natural de Zwickau, acreditava da

mesma forma. O que importava não era o texto das Escrituras, mas sim a revelação presente

do Espírito. Suas idéias tinham um componente político, pois ensinava que os “espirituais”

deviam se reunir em uma comunidade teocrática para trazer a realidade o reino de Deus. Essas

idéias de teocracia influenciaram a revolta dos camponeses em 1524, duramente massacrada

pelos príncipes, com o consentimento de Lutero. (GONZALEZ, 2004c).

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Em Zurique da mesma forma, outro grupo não estava satisfeito com as propostas de

reforma do reformador Zuínglio. Para eles, a igreja deveria ser separada e distinta do Estado.

Como foi a igreja do Novo Testamento, assim deveria ser agora. A igreja primitiva esteve

sempre em tensão e sendo perseguida, mas nunca usou a violência para se defender. O

Sermão do Monte deveria ser observado literalmente. Para ser um cristão, a pessoa deve fazer

uma opção voluntária e isso na fase adulta, e não deve ser batizada quando criança. A idéia de

igualdade também deveria prevalecer e muitos se chamavam de “irmãos”, inclusive em

relação às mulheres. Em 21 de Janeiro de 1525 George Blaurock pediu a um dos seus irmãos

Conrad Grebel, que o batiza-se. Grebel assim procedeu e logo Blaurock começou a batizar

outras pessoas na comunidade. Como essas pessoas já tinham sido batizadas quando crianças,

seus opositores começaram a chamá-los de “anabatistas” que significa “rebatizadores”. Os

anabatistas se defendiam dizendo que não estavam rebatizando ninguém, mas simplesmente

aplicando o verdadeiro batismo, que posteriormente passou a ser por imersão total do corpo.

(GONZALEZ, 2004c). Gonzalez explica as proposições anabatistas:

Portanto a reforma iniciada por Lutero devia ir mais além se verdadeiramente queria ser obediente ao mandato bíblico. A igreja não deveria confundir-se com o restante da sociedade. E a diferença fundamental entre ambas é que, embora se pertença a uma sociedade pelo simples fato de nascer-se nela, e sem fazer decisão alguma a esse respeito, para ser parte da igreja há necessidade de se fazer uma decisão pessoal. A igreja é uma sociedade voluntária e não uma sociedade dentro da qual nascemos. A conseqüência imediata de tudo isso é que o batismo das crianças deve ser rechaçado. Esse batismo dá a entender que uma pessoa é cristã simplesmente por ter nascido em uma sociedade supostamente cristã. Porém tal entendimento oculta a verdadeira natureza da fé cristã, que requer decisão própria. (1995e, p. 98).

Muitos anabatistas foram perseguidos e mortos, tanto por católicos quanto por

protestantes. Em muitos casos, ironicamente, por afogamento. Com o calor da perseguição

não demorou a que idéias apocalípticas e da iminente volta de Cristo para implantar seu reino

surgissem. Em Strasbourg, Melquior Hoffman começou a pregar que esta cidade era a “Nova

Jerusalém”. O afluxo de pessoas foi intenso, e consequentemente as autoridades tiveram que

intervir. Hoffman “profetizou” que seria aprisionado por seis meses e depois viria o fim.

Como as profecias não se cumpriram os radicais voltaram seus olhos para a cidade de

Munster na região da Westphalia, onde uma trégua entre católicos e protestantes criara uma

situação favorável. Liderados por João Matthys e João de Leiden a “Nova Jerusalém” fora

transferida para lá e as conseqüências também foram trágicas. (GONZALEZ, 2004c). Matos

esclarece a relação entre entusiastas e reformistas:

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No século 16, os reformadores protestantes se defrontaram repetidamente com pessoas e grupos, principalmente anabatistas, que apelavam para revelações diretas de Deus e tendiam a relativizar a importância das Escrituras. Esses indivíduos receberam os epítetos de “entusiastas”, “libertinos”, “fanáticos” e “espiritualistas”, sendo objeto de alguns dos escritos mais contundentes de Lutero, Calvino e outros líderes. Por exemplo, Calvino escreveu uma obra intitulada “Contra a seita fantástica e furiosa dos libertinos que são chamados espirituais” (1545). Lutero costumava referir-se a eles com o termo Schwärmer, que lembra um enxame de abelhas esvoaçando confusamente em torno da colméia. (s.d.).

Os entusiastas e radicais da reforma desejavam voltar “as origens” do Novo

Testamento. Para eles, ser cristão fazia parte da decisão pessoal de cada individuo. Igreja e

Estado eram coisas separadas e distintas. A ceia e o batismo não eram sacramentos, ou seja,

meios exteriores que conferem graça ao cristão, mas apenas símbolos. Como a conversão era

algo da decisão pessoal, o batismo deveria ser administrado somente para adultos. No

entender de Tillich:

Da perspectiva do Espírito interior, todos os sacramentos perdem o valor. O ofício do ministro se torna desnecessário nos grupos sectários por causa da imediatez da processão do Espírito. Em lugar disso tinham outro ímpeto, expresso de dois modos. A sociedade seria transformada pelo sofrimento, e se não fosse, absteriam-se de armamentos, de juramentos, de serviços públicos e de qualquer outra coisa que lhes envolvesse em questões de ordem política. Um outro movimento sectário mostrava-se disposto a superar a sociedade má por meio de medidas políticas e ate mesmo pela espada. Os evangélicos radicais também são conhecidos pelo nome de entusiastas. A ênfase de seu movimento recaía na presença do Espírito divino e não nos escritos bíblicos como tais. O Espírito pode se presentificar em qualquer pessoa a qualquer momento e lhes aconselhar sobre o que deve fazer nos afazeres cotidianos. (2000, p. 237).

Na Inglaterra outro movimento trás como marca a mesma distinção que os entusiastas

da reforma faziam em relação à separação da Igreja e do Estado em assuntos espirituais.

George Fox radicalizou ainda mais a questão dos sacramentos. Ensinava que o verdadeiro

comer e beber de Cristo eram espirituais. Comer os elementos materiais como, pão e vinho,

tinham pouco ou nenhum valor. Superior as Escrituras era a “luz interior” que cada ser

humano recebia do Espírito.

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2.2 George Fox e os quakers.

“Um homem na busca pela luz interior”, assim era George Fox o fundador do

movimento quaker. Nasceu em 1624 em uma pequena aldeia da Inglaterra. De origem

humilde, foi aprendiz de sapateiro. Não recebeu educação teológica formal. Fox gastou

diversos anos numa ardente peregrinação espiritual. Participava de varias reuniões de muitos

grupos religiosos, porém nada o satisfazia. Em 1646 ele descobriu o que chamou de “luz

interior”, que é Cristo vivendo no crente. Para ele o cristão é ensinado por essa luz, não

necessitando de nenhum meio exterior de graça, como a igreja, o batismo ou a ceia. Ao expor

suas idéias nessas reuniões, Fox passou a ter vários seguidores. No começo chamavam-se de

“filhos da luz”, ou simplesmente “amigos”. O povo vendo que seu entusiasmo religioso era

tanto que até tremiam, deu-lhe o nome de “quakers” (do inglês, tremer).

Fox chamava as igrejas de “casa com campanários”, pois Deus não habita em casas

feitas por mão de homens. Em relação ao culto ele entendia que qualquer estrutura ou liturgia

era um obstáculo à obra do Espírito, por isso o “culto dos amigos” era realizado em silêncio.

Caso alguém se “sentisse” chamado a falar ou a orar, o fazia. As mulheres também tinham os

mesmos direitos para falar quando impulsionadas pelo Espírito. Fox não se preparava para as

pregações, pois entendia que o Espírito na hora o iria mover para isso. Em certa ocasião se

negou a pregar alegando que não se sentia movido pelo Espírito. Quanto à ceia e o batismo,

entendia que eram meio materiais que desviavam à atenção da realidade espiritual. Para ele, o

beber e o comer espiritual do corpo de Cristo era muito mais importante do que o pão e vinho.

Gonzalez registra as palavras de Fox:

Alegrei-me por me mandarem chamar as pessoas à esta luz interior... e tira-las de suas comunhões mundanas, de suas orações e seus hinos, que eram formas vazias. Minha tarefa é tirá-las das cerimônias judias, das fábulas pagãs, das invenções humanas e dos dogmas detalhados. (2007a, p. 144).

Mesmo a despeito desse individualismo espiritual, Fox não se distanciou dos seus

seguidores. Ele enfatizava a necessidade da comunhão cristã e o envolvimento com questões

de justiça social. Quando surgia alguma discordância entre o grupo, não usavam do voto para

dirimi-las. Ao invés disso propunham o silêncio até que alguém recebesse uma “iluminação”

que fosse satisfatória para todos. Os quackers rapidamente atraíram o ódio dos lideres

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religiosos da época. Negavam-se a dar o dízimo, a prestar juramentos e não se inclinavam

nem prestavam homenagem às autoridades. Como conseqüência Fox e muitos seguidores

foram seguidamente presos e muitos martirizados. (GONZALEZ, 2007a; 2004c).

Robert Barclay, um discípulo de Fox, sintetizou em 1678 os quinze pontos dos

principais ensinamentos dos quakers. Serão descritas algumas dessas proposições para melhor

compreensão do movimento. Algumas destas proposições possuem afinidades de pensamento,

inclusive de vocabulário, com a teologia da CCB.

II. Sobre a revelação direta

Vendo que nenhum homem conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho o revela, e vendo que a revelação do Filho consiste no e pelo Espírito, por isso o testemunho do Espírito é o único meio pelo qual o verdadeiro conhecimento de Deus foi, é e pode der revelado,... pela revelação deste mesmo Espírito, ele se manifestou sempre aos filhos dos homens, tanto patriarcas, como profetas e apóstolos [...]

III. Sobre as Escrituras

Destas revelações do Espírito de Deus procederam as Escrituras da verdade;... contudo, sendo elas simplesmente a declaração da fonte e não a própria fonte, não devem ser consideradas a principal base de toda verdade e conhecimento, nem mesmo a regra primária adequada da fé e do conhecimento, nem mesmo a regra adequada da fé e do comportamento. Antes, sendo elas que dão um testemunho verdadeiro e fiel do primeiro fundamento, são e podem ser consideradas uma regra secundaria, subordinada ao Espírito do qual elas têm toda a sua excelência e certeza...

X. Sobre o ministério

Visto que, por esse dom ou luz de Deus, é recebido e revelado o verdadeiro conhecimento nas coisas espirituais,... pelo impulso, movimento e atração dele, cada evangelista ou pastor cristão deve ser guiado e ordenado para seu trabalho e obra do Evangelho, tanto no que respeita ao lugar, às pessoas e aos tempos em que ele é ministro. Além disso, os que têm essa autoridade podem e devem pregar o Evangelho, embora sem comissão ou letras humanas; por outro lado, os que desejam a autoridade desse dom divino - por mais instruídos ou autorizados por comissões de homens ou de igrejas – devem ser tidos como simples enganadores e não como verdadeiros ministros do Evangelho. E também os que receberam esse santo e imaculado dom, assim como o receberam livremente – sem contrato ou negócio – muito menos devem usá-lo para negociar ou para ganhar dinheiro por meio dele.

XI. Sobre o culto

Todo culto verdadeiro e aceitável a Deus é oferecido pelo movimento e pelo impulso e interno e imediato de seu próprio Espírito, o qual não está limitado nem a lugares, nem a tempos ou pessoas, pois embora sempre devamos cultuá-lo a fim de que estejamos em temor perante ele, para a manifestação exterior desse culto em orações, louvores e pregação, não devemos fazê-lo onde e quando queremos, mas onde e quando somos movidos a ele pela secreta inspiração de Seu Espírito em nossos corações... Por conseguinte, todos os outros cultos, tanto louvores, como orações, e pregação, que os homens estabeleçam por sua própria resolução, que eles podem iniciar ou terminar segundo a sua própria vontade, fazer ou não fazer segundo lhes parece conveniente, que sejam sob uma forma prescrita – como liturgia – quer sob a forma de orações concebidas extemporaneamente pela força e capacidade natural da mente, tudo isso nada mais é que superstição, culto falso, e

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abominável idolatria aos olhos de Deus; essas coisas devem ser negadas, rejeitadas e separadas nesses dias em que ele produz uma ressurreição espiritual.

XII. Sobre o Batismo

Assim como há um só Senhor e uma só fé, há também um só batismo; este não consiste em por de lado a sujeira da carne, mas na resposta da boa consciência perante Deus pela ressurreição de Jesus Cristo. E esse batismo é uma coisa pura e espiritual, a saber, o batismo do Espírito e do fogo, pelo qual somos sepultados com ele, a fim de que, sendo lavados e purificados de nossos pecados, possamos andar em novidade de vida; dele o batismo de João era uma figura, o qual foi recomendado somente durante algum tempo e não para ser continuado sempre. Quanto ao batismo das crianças, trata-se de uma tradição puramente humana, de que não se encontra nem o preceito nem a prática em toda a Escritura.

XV. Sobre saudações e recreações etc.

Vendo que o fim principal de toda religião é redimir o homem do espírito e do vão comportamento deste mundo e leva-lo para a comunhão interior com Deus – perante o qual, se sempre estivermos em temo, somos tidos por felizes – todos os vãos costumes e hábitos, tanto em palavras como em obras, devem ser rejeitados e esquecidos; tais como tirar o chapéu a outro homem, inclinar e curvar o corpo e outras saudações desta espécie, com todas as formalidades loucas e supersticiosas que concernem a eles... (citado em BETTENSON, 2007, p. 350-355 – grifo nosso).

Os quakers surgiram num período conturbado na história da Inglaterra. Época em que

a guerra civil (1644-1649), liderada por um grupo chamado “puritanos”, estava em curso. O

grupo ou partido dos puritanos era assim chamado pelo seu rigorismo moral, e por querer

“purificar” a Igreja Anglicana dos antigos costumes católicos romanos, estabelecendo

somente a Bíblia como regra de fé e prática. Eram calvinistas na sua teologia. O calvinismo é

um sistema teológico criado por João Calvino (1509-1564) reformador da igreja de Genebra,

Suíça. (Cairns, 2001). O calvinismo dá ênfase na doutrina da soberania de Deus. Ensina,

dentre outras coisas que: 1) Deus “elegeu” pessoas e as “predestinou” previamente para

salvação, segundo sua soberana vontade; 2) No momento certo estas pessoas ouvirão a

pregação do evangelho e não resistirão ao chamado divino; 3) O Espírito Santo irá produzir

segurança e certeza de salvação, uma vez salvas nunca perderão esta condição.

(MENDONÇA, 1995). Esses conceitos serão importantes no transcorrer do trabalho, quando

os compararmos com o metodismo inglês. Enquanto isso surgia no continente europeu outro

movimento que dava ênfase em uma vida piedosa prática e na ação do Espírito. O pietismo.

2.3 O Pietismo.

Após a Reforma o protestantismo passou por um período de sistematização de suas

idéias. Os reformadores estavam preocupados em estabelecer a correta doutrina. È a época das

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confissões de fé. “A corrente surgida imediatamente depois da Reforma, é conhecida pelo

nome de ortodoxia [...] Poderíamos chamá-la de escolástica protestante com todos os

refinamentos e métodos que a palavra ‘escolástica’ inclui.” (TILLICH, 2000, p. 272). É o

período de consolidação das idéias da Reforma em formulas, confissões, catecismos entre

outros. “Entretanto à medida que as gerações subseqüentes herdaram a obra teológica de seus

ancestrais, essa obra se tornou crescentemente obsoleta e materializada [...].” (GONZALEZ,

2004c). Não demorou a surgir a reação do Espírito. Na Alemanha ela recebeu o nome de

Pietismo.

Filipe Jacó Spener fundador do Pietismo alemão nasceu em 1635 em uma devotada

família luterana. Ao ingressar no curso superior, sentiu grande diferença entre a fé vivida em

casa e a que encontrara na Universidade. Ao viajar para a Suíça conheceu Jean de Labadie,

um ex-jesuita. Ficou impressionado com a vitalidade do movimento Labadista. Decidiu então

que iria promover um despertamento fervoroso na Igreja Luterana. Ao voltar para a Alemanha

e ser ordenado pastor, começou a fazer experiências com pequenos grupos que se reuniam na

sua casa para estudos bíblicos. Em 1675 publicou sua obra mais conhecida, Pia Desideria

(Desejos Piedosos). Ao lado de Spener se destacou o seu discípulo Augusto Hermann

Francke. A oposição por parte dos teólogos da ortodoxia luterana veio rapidamente e ambos

foram acusados de ensinar heresias. Assim os pietistas se viram obrigados a fundar em 1694

seu próprio centro de estudos, a Universidade de Halle.

Os seis “desejos piedosos” que deram o título à obra de Spener continham todo o

programa do movimento, são eles: 1) O entendimento mais claro das escrituras se dá pelo

estudo devoto em pequenos grupos, o collegia pietatis; 2) Os crentes devem redescobrir o

princípio do sacerdócio universal e assumir responsabilidades nesses grupos; 3) A natureza do

cristianismo não está contida em formulas doutrinárias, mas sim na experiência de fé e uma

atitude no todo da vida, mais importante que as doutrinas ortodoxas são as experiências e

práticas efetivas da vida cristã; 4) Todas as controvérsias que venham a existir no grupo

devem ser levadas a cabo com espírito de caridade; 5) O treinamento dos pastores deve ir

além da lógica fria da teologia ortodoxa, deve incluir leitura devocional e a prática efetiva de

pastorear o rebanho; 6) Dessa forma o púlpito será lugar de alimento, instrução e inspiração

para os crentes, ao invés das especulações e investigações eruditas sobre pontos irrelevantes.

Importante dizer, que Spener não estava pregando um anti-intelectualismo, mas uma vida

cristã mais intensa e prática. Mendonça define o núcleo da fé pietista:

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O núcleo da fé pietista consiste na “experiência com Cristo” e no cultivo de sua presença. A experiência com Cristo santifica um sentimento vivido de seu sofrimento substitutivo, que ao mesmo tempo mostra ao fiel a extensão de seus próprios pecados diante da justiça divina, justiça que se transforma em amor e perdão na cruz. O cultivo da presença do Cristo sofredor mantém viva a premência do pecado assim como a certeza do amor e do perdão. (1995, p. 74).

Outro nome importante no movimento pietista é o do Conde Nicolau Ludwig von

Zinzendorf. Em 1722 ele convidou alguns irmãos da Boemia, que estavam sofrendo

perseguições, para se estabelecerem em uma de suas propriedades na Saxônia. Zinzendorf se

tornou líder daquela comunidade. Devido sua origem esses irmãos da Boemia ficaram

conhecidos como “moravianos” e também como “herrnhters”, por causa da vila de Herrnhut

que fundaram em território de Zinzendorf. Os moravianos tornaram-se grandes missionários,

espalhando sua fé por diversas partes do mundo. Foi em uma dessas muitas missões,

atravessando o Atlântico sob tormenta, que João Wesley foi impactado com a piedade e a fé

dos moravianos. Wesley é o fundador do movimento que será visto no próximo tópico.

(GONZALEZ, 2004c). Novamente Mendonça, ao falar do pietismo diz:

Em suma, o pietismo é essencialmente uma crença em Jesus, uma fé centrada no crucificado [...] È uma grande devoção a Bíblia, a sua leitura, estudo e interpretação pessoal. É uma grande descrença neste mundo, onde, no entanto, se deve viver asceticamente a espera de outro melhor. O pietismo aceita a igreja institucionalizada, à qual atribui uma função purificadora, mas valoriza mais a devoção pessoal e as reuniões de oração e estudo da Bíblia em qualquer lugar que seja. (1995, p. 75).

Tillich faz uma importante análise do movimento destacando o princípio pietista da

individualidade da fé em relação à ortodoxia protestante. Esse princípio alega que todos

podem e devem ter uma experiência pessoal com o Espírito. Cada cristão é autônomo na sua

relação com Deus. Na busca piedosa pela comunhão com o Espírito, todos serão diretamente

ensinados por Ele. Para Tillich, esse princípio está presente na maioria dos movimentos

estudados até aqui.

O subjetivismo do pietismo, ou a doutrina da “luz interior” dos quacres e de outros movimentos de êxtase, têm caráter de imediatez ou de autonomia em oposição a autoridade da igreja. Falando mais claramente, a autonomia racional moderna é filha da autonomia mística da doutrina da luz interior. Essa doutrina é antiga; encontramo-la na teologia franciscana da Idade Media, em algumas das seitas radicais (especialmente entre os franciscanos posteriores), em inúmeras seitas do período da Reforma, na transição do espiritualismo para o racionalismo, da crença do Espírito como guia autônomo de cada indivíduo à orientação racional que todas as pessoas possuem em virtude de sua razão autônoma. De outra perspectiva

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histórica, o terceiro estágio de Joachim de Fiori, o estágio do Espírito Santo [...] Remontam à profecia de Joel, em que os servos ou empregados são ensinados diretamente pelo Espírito Santo e ninguém depende de quem quer que seja para receber o Espírito. (2000, p. 281).

O pietismo mais que um movimento era um forma piedosa de viver a fé cristã.

Influenciou diversos movimentos com seu ideal, aliando estudo da Bíblia e uma vida cristã

prática. Um deles foi metodismo inglês.

2.4 O Metodismo.

À exemplo do pietismo no continente, o metodismo surgiu como movimento de

renovação espiritual na Inglaterra do século XVIII. “Henrique VIII, que reinou entre 1509 e

1547, separou a Igreja da Inglaterra da Igreja Romana.” (MENDONÇA, 1995, p. 35). Desta

separação surgiu a Igreja Anglicana da qual João Wesley, fundador do metodismo, foi

ministro até a morte. Wesley nasceu em 1703 numa família numerosa. Seu pai Samuel e sua

mãe Suzana tiveram dezenove filhos. Seu pai, também ministro anglicano, inculcava-lhe

rígidos princípios morais. Sua mãe cuidada de sua educação nas letras, na religião e na vida

devocional. Referia-se a ele como um “tição tirado do fogo”, devido a um incêndio que

escapara na infância. Ela via naquele incidente uma indicação de que Deus tinha planos para

seu filho. (GONZALEZ, 2007a).

Ao entrar na Universidade de Oxford destacou-se pelos estudos e pela vida piedosa.

Com seu irmão Carlos e um grupo de amigos montaram um grupo para estudos bíblicos e

atividades devocionais. Os membros comprometiam-se em levar uma vida sóbria, tomar a

comunhão pelo menos uma vez na semana, reunirem-se todas as tardes, por três horas, para

estudar as Escrituras e visitar os cárceres regularmente. Por ser o único ministro ordenado e

pelos seus dons naturais, Wesley tornou-se líder do movimento. O grupo recebeu a alcunha

depreciativa de “clube santo”, “devoradores da Bíblia” e “metodistas”. Mesmo a despeito de

uma vida piedosa, alguma coisa parecia faltar na experiência de fé de Wesley.

No final de 1735 Wesley estava a bordo do navio Simmonds, a caminho da Geórgia na

Nova Inglaterra. Iria atender a um pedido para pastorear a congregação inglesa de Savannah.

A bordo também se encontrava um grupo de missionários moravianos, indo evangelizar os

índios na mesma localidade. Dado momento, sobreveio uma forte tormenta sobre o navio,

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quebrando-lhe o mastro. O pânico tomou conta de todos. Exceto do grupo de moravianos.

Eles permaneciam cantando hinos e acalmavam as pessoas a bordo. A atitude dos

missionários fez com que Wesley ficasse em duvida sobre a profundidade de sua fé, uma vez

que sentiu medo da morte. Seu trabalho na Geórgia não lhe rendeu muitos frutos e assim

retornou a Inglaterra. Um pouco decepcionado com sua falta de fé pensou em abandonar a

pregação. Mas em 24 de Maio de 1738, Wesley teve a experiência que procurava. A partir

desse evento não teria mais duvidas quanto a sua salvação. Gonzalez registra essa

experiência:

À noite, fui de muita má vontade a uma sociedade na rua Aldersgate, onde alguém lia o prefácio de Lutero à Epístola aos Romanos. Quando falava um quarto para as nove, enquanto ele descrevia a mudança que Deus opera no coração mediante a fé em Cristo, senti em meu coração um ardor estranho. Senti que confiava em Cristo, e somente nele, para minha salvação e me foi dada a certeza de que ele havia resgatado os meus pecados, os meus, e me havia salvo da lei do pecado e da morte. (2007a, p. 177).

George Whitefield, outro membro do “clube santo”, dividia sua atividade de pregação

entre a Geórgia e a Inglaterra. Whitefield foi o responsável por trazer Wesley para a prática

da pregação ao ar livre. Essa maneira de pregar não era do seu agrado, pois entendia que Deus

exigia ordem nos serviços divinos. Outra preocupação era com a reação dos ouvintes, relatada

por Gonzalez:

Começavam a chorar, condoer-se amargamente e em voz alta por seus próprios

pecados. Alguns caiam desmaiados por causa da profunda angustia que sentiam.

Depois um grande gozo tomava conta deles e diziam que estavam limpos de sua

maldade. (2007a, p. 179).

Whitefield e Wesley logo iriam separar-se por motivos teológicos. O primeiro seguia a

linha calvinista, enquanto o último a arminiana. O arminianismo é um sistema teológico,

criado em antítese ao calvinismo, pelo Teólogo holandês Jacó Armínio (1559-1609). Dá

ênfase na vontade e responsabilidade humanas quanto à salvação. Mendonça faz uma síntese

da teologia arminiana.

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Na sua essência, a teologia de Armínio pode ser resumida assim: Cristo morreu por todos os homens, e o propósito de Deus, desde o princípio, foi salvar todos os crêem em Cristo. Desse modo, os propósitos soberanos de Deus deixam uma margem para a decisão humana, o que valoriza de certo modo o homem ao lhe garantir a liberdade de aceitar ou não, pela fé, essa graça que lhe é oferecida. (1995, p. 37).

Wesley desenvolve toda sua teologia sobre bases arminianas, os pontos principais em

contraste com o calvinismo são: 1) Não existe eleição ou predestinação prévia de alguns

indivíduos para salvação por parte soberana de Deus; 2) O ser humano pode ou não resistir ao

chamado divino para salvação em Cristo, pois em todo ser existe uma graça preventiva, da

parte de Deus que o habilita a isso; 3) Deus poderá conceder a alguns cristãos uma certeza de

seu amor e de salvação - como fora sua experiência em Aldersgate - mas essa certeza, em

momento algum, se constitui em garantia absoluta de não cair do estado salvífico. Wesley

rejeita três importantes doutrinas do calvinismo: a) predestinação; b) graça irresistível e c)

perseverança dos santos. Ele entendia a salvação como um processo em que o ser humano,

possuindo uma graça preventiva que o habilita aceita a mensagem do evangelho; arrepende-se

dos seus pecados; é justificado pela fé em Jesus Cristo e passa por um processo de

santificação até atingir um estágio de “perfeição cristã”. Por meio da santificação somos

restaurados a imagem de Deus. Assim é lido em um de seus sermões5:

A salvação começa com o que geralmente se costuma chamar (e muito acertadamente) a graça preventiva; inclui o primeiro desejo de agradar a Deus, o primeiro raio de luz concernente a sua vontade e a primeira leve e transitória convicção de termos pecado contra ele. Tudo isto revela certa tendência rumo a vida; certo grau de salvação; um começo do resgate da cegueira, do coração indiferente, tão insensível a Deus e as coisas de Deus. A salvação logo avança por meio da graça convincente, que nas Escrituras geralmente se chama arrependimento. Esta traz uma medida maior de conhecimento, e uma maior liberação plena do coração de pedra. Depois experimentamos a salvação cristã propriamente dita, por meio da qual por graça somos salvos, pela fé, e que consiste nestes dois grandes ramos: a justificação e a santificação. Por meio da justificação somos salvos da culpa do pecado e restaurados ao favor de Deus; por meio da santificação somos libertos do poder e da raiz do pecado e restaurados a imagem de Deus. A experiência, pelas Escrituras, nos demonstra que esta salvação é tanto instantânea como gradual. Começa no momento em que somos justificados pelo amor santo, humilde, gentil e generoso de Deus pelo homem. A partir desse momento aumenta e cresce como um grão de mostarda, a qual no principio, é a menor de todas as sementes, mas depois grandes ramos, e se torna em uma árvore muito grande. Num outro instante, também, o coração é limpo de seus pecados e experimenta um amor puro por Deus pelo homem. Mas depois esse amor aumenta mais e mais, até que cresçamos em todas as coisas naquele que é a Cabeça, até alcançar a medida da estatura da plenitude de Cristo. (Sermão 85, - On Working Out Our Own Salvation – parte 2, sec. 1, na edição de Jackson das obras de Wesley, 7, p. 514. citando em DAYTON, 1996, p. 27 – tradução nossa).

5 Para outros sermões de Wesley consultar: http://www.metodistavilaisabel.org.br/metodismo/sermoes_john.asp, acesso em 24 Set. 2009.

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Wesley entendia a perfeição cristã como um segundo “momento” dentro do

“processo” total de santificação. Logo, alguns de seus discípulos passaram a relacionar esse

“segundo momento” como um “batismo do Espírito Santo”, nos moldes do evento do

Pentecostes do Novo Testamento, descritos em Atos 2. Principalmente John Fletcher e seu

amigo Joseph Benson. Wesley não concordou com esse “passo além” em relação ao seu

ensinamento, pois argumentava que o cristão ao ser justificado já recebia o Espírito Santo. As

diferenças entre eles permaneceram. Fletcher explica em que ponto divergia de seu mentor:

Você poderá encontrar minhas opiniões a esse respeito nos sermões do senhor Wesley sobre a perfeição cristã e sobre o cristianismo escritural; com esta única diferença: que eu distinguiria mais claramente entre o crente batizado com o poder pentecostal do Espírito Santo, e o crente que, como os apóstolos depois da ascensão do Senhor, ainda não está tão cheio desse poder. (DAYTON, 1996, p. 31 – tradução nossa).6

Em relação à História, Fletcher fazia outra distinção. Ele a dividia em três

dispensações: a primeira, do Pai, que antecipava a manifestação externa do Filho; a segunda,

do Filho, que se inicia com João Batista e antecipa a promessa do Pai, o derramamento do

Espírito Santo em Pentecostes; a terceira, do Espírito, que antecipa a volta de Cristo. Essas

dispensações não são somente uma descrição do processo salvífico, ou etapas da obra de Deus

na historia humana, mas uma descrição das etapas de crescimento espiritual e o

desenvolvimento pelo qual cada indivíduo deve passar. Dessa forma Fletcher dava maior

ênfase para a pessoa do Espírito Santo, trazendo esse assunto para a “agenda do dia”. Wesley

por sua vez, era mais tradicional nesse ponto. Acreditava na doutrina dos pactos: o da lei, ou

obras, e o da graça. (DAYTON, 1996 – tradução nossa).

Graças aos esforços de Wesley o metodismo se espalhou por toda Europa e Nova

Inglaterra. Ele viajou mais de 200.000 milhas a cavalo, pregou cerca de 42 mil sermões e

escreveu cerca de 200 livros. (CAIRNS, 2001). Os desdobramentos da doutrina de

santificação de Wesley terão grande influência no surgimento do movimento pentecostal em

solo norte-americano. “O metodismo haveria de encontrar seu verdadeiro destino na América

do Norte.” (DAYTON, 1996, p. 37 – tradução nossa).

6 Carta de John Fletcher a Mary Bosanquet, datada data de 07 de março de 1778, reimpressa em Tyerman, Wesle’s Designated Sucessor, p. 411. citando em

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CAPÍTULO 3 - O PENTECOSTALISMO MODERNO NORTE-AMERICANO.

Ao lado do protestantismo da Bíblia há também um protestantismo do Espírito que vai dos profetas de Zwickau e dos anabatistas ao pentecostalismo de hoje, passando pelos quakers, os inspirados de Cévennes, Swedenborg, os iluminados alemães e muitos outros. (LÉONARD, 1988, p. 7).

O movimento pentecostal americano é de suma importância para este trabalho. A CCB

tem suas origens diretamente ligadas a este acontecimento. O termo “Pentecostes” é uma

referencia aos eventos ocorridos em Atos 2. Era uma festa judaica. É considerado o fato

inaugural da igreja cristã. A compreensão do movimento pentecostal é sobremodo complexa.

Como será visto, o pentecostalismo é fruto dos desdobramentos da doutrina de santificação de

Wesley. Está para muito além do simples relato do acontecimento “inaugural”, em Topeka,

Los Angeles no inicio de 1901. “Portanto, os eventos de Topeka, Los Angeles ou Chicago não

foram frutos do acaso, nem tampouco pioneiros nesse processo crescente de pentecostalização

de igrejas protestantes norte-americanas.” (CAMPOS, 2005, p. 106). É necessário conhecer,

resumidamente, alguns fatores que contribuíram para que o evento de Topeka eclodisse.

3.1 A influência Protestante na colonização americana e os Avivamentos.

A primeira influência está presente no tipo de colonização empreendida. Puritanos da

Inglaterra emigraram para a Nova Inglaterra imprimindo a marca do protestantismo na nova

nação. “Perseguidos por questões político-religiosas, os puritanos da Inglaterra emigraram em

grande numero para terras da América. Em 1620, os Pilgrim Fathers atravessaram o oceano

no Mayflower e fundam a colônia de Massachusetts.” (MENDONÇA, 1995, p. 49). Os “Pais

Peregrinos”, a bordo do navio “Flor de Maio” atravessam o Atlântico com intenção de fundar

na nova terra uma nação cristã, o “Novo Israel de Deus”. Atrás dos Pais Peregrinos vieram

também pessoas dos mais diferentes segmentos religiosos. Em busca de um lugar onde

pudessem exercer suas idéias em paz e tranqüilidade. Moravianos, metodistas, anabatistas,

quakers e outros grupos surgidos durante a revolução puritana na Inglaterra, fundaram

comunidades na colônia. A efervescência religiosa era grande. Um exemplo foi a “profetiza”

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Ann Lee Stanley fundadora dos seekers (tremedores). “A Mãe Ann Lee dizia ser a “Segunda

Vinda de Cristo”, que havia regressado agora em forma feminina, como antes havia vindo em

forma masculina.” (GONZALEZ, 2007b, p. 26-27). 7

Outro fator importante que irá marcar a teologia norte-americana serão os avivamentos

dos séculos XVIII e XIX. O primeiro deles surgiu nos meios calvinistas, muitos dos quais

influenciados pela pregação de Whitefield. Em 1734 o pastor de Northamptom,

Massachusetss, Jonathan Edwards, começou a pregar dando ênfase para que as pessoas se

arrependessem dos seus pecados e procurassem ter uma experiência de conversão genuína. A

reação dos ouvintes foi análoga ao do avivamento inglês promovido por Wesley. “As pessoas

arrependiam-se dos seus pecados em meio a lágrimas, davam gritos de entusiasmo pelo

perdão alcançado e algumas até desmaiavam.” (GONZALEZ, 2007a, p. 208). Em 1802 outro

avivamento teve inicio nos meios universitários. Timothy Dwight, neto de Jonathan Edwards,

pregava sobre a incredulidade e a autoridade da Bíblia, e levou quase um terço do corpo

discente da universidade de Yale a se converter. Assim, no Leste norte americano, os

avivamentos começaram nas universidades.

Os avivamentos também atingiram o Oeste, lugar para onde muitas pessoas haviam

migrado. Eram realizadas reuniões em acampamentos ao ar livre. O mais famoso deles foi o

de Cane Rigde no estado de Kentucky, marcado por estranhos fenômenos como, quedas,

pulos, meneios, danças e ladridos. (CAIRNS, 2001). “Inesperadamente, começaram a ocorrer

inauditas expressões de emoção, pois uns choravam, outros riam, outros tremiam, alguns

saiam correndo, e não faltavam pessoas que latiam...” (GONZALEZ, 2007b, p. 29). Estes

avivamentos surgiram primeiramente nos meios presbiterianos calvinistas, causando polêmica

e divisão na denominação. Todavia outros grupos irão utilizar o mesmo expediente, obtendo

maior êxito na evangelização, foram os batistas e metodistas.

3.2 A “Era Metodista” e a “Arminianização da Teologia”.

Os metodistas obtiveram grande êxito na evangelização do Oeste americano por causa

dos meios que empregavam. Como havia falta de pastores com formação teológica, foram

utilizados pregadores leigos. A linguagem que utilizavam era simples. Qualquer clareira ou

7 Relato análogo é o da montanista Quintila: “Cristo veio a mim, vestido de um manto branco, sob a forma de uma mulher [...]”

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43

acampamento se transformava em lugar de culto. A teologia arminiana também era propícia,

pois todos eram convidados a crer, sem distinção, bastava aceitar a mensagem. O metodismo

mostrou-se especialmente adaptado a “região de fronteira”. Conseqüentemente os costumes e

a moral das pessoas foram elevados, e milhares se convertiam ao protestantismo metodista.

Mendonça explica como se deu a expansão do metodismo:

A expansão do metodismo na América do Norte se dá na esteira da conquista e colonização do sudoeste americano e das áreas a sudoeste que, por compra ou conquista, foram sendo incorporadas ao território da nova nação. As demais denominações acompanharam essa expansão, mas os metodistas, por suas peculiaridades, conseguiam se adaptar melhor às condições sócias da “fronteira”. Os metodistas estavam habituados a pratica religiosa informal, a realizar suas reuniões ao “ar livre”, com seus pregadores leigos e itinerantes e sua teologia simples e emotiva. Desse modo, a igreja Metodista estava sempre na linha de frente, era a primeira a chegar, pois não exigia lugares sagrados, nem ministros formados e nem aparato litúrgico. Os acampamentos, nas clareiras, nas florestas, eram lugares para seus pastores cavaleiros realizarem cultos e prédicas. As outras denominações, como os presbiterianos por exemplo, mais formalistas, ajustavam-se com certa dificuldade a essas novas condições e por isso ficaram mais ou menos na esteira dos metodistas, que cresceram extraordinariamente. Fator importante, ainda, eram as diferenças teológicas entre os metodistas e os demais de origem calvinista. (1995, p. 56).

Em virtude desta adaptabilidade, os metodistas experimentaram enorme crescimento,

superando as demais confissões evangélicas. A influencia exercida por eles foi tamanha que

historiadores do século XIX chegam a falar sobre uma “era metodista norte-americana”.

Como conseqüência a teologia arminiana foi prevalecendo sobre outras teologias,

especialmente a calvinista. A influência arminiana se estendeu inclusive aos círculos

reformados. Novamente os interpretes falam sobre uma “arminianização da teologia

americana”. Segundo Dayton:

A razão deste surpreendente crescimento do metodismo é múltipla. O movimento wesleyano chegou a América do Norte no momento de maior vigor. Seus evangelistas e obreiros itinerantes que percorriam as regiões a cavalo, somados aos laicos e novos conversos, aumentaram facilmente suas forças e se estenderam por todo o país, mostrando-se especialmente adaptados a fronteira que se expandia com a colonização do Oeste. Os motivos arminianos e perfeccionistas do metodismo, tanto explícitos como implícitos, eram um pano de fundo que combinava com o desejo de expressar e também alimentar o expansionismo otimista da região. O metodismo cresceu a tal ponto como fator de influencia que os intérpretes do século XIX sugerem falar de “uma era metodista na América do Norte”[...] As idéias e praticas do metodismo penetraram em outras denominações, especialmente do campo reformado. Os avivamentos do século XVIII agregaram outro fator para a debilitação do calvinismo puritano e contribuíram ao que veio a chamar-se a “arminianização da teologia norte-americana”. (1996, p. 37-38 – tradução nossa).

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“O resultado desta acomodação do metodismo à fronteira foi sua quase completa

vitória sobre as igrejas coloniais mais antigas. A conferência metodista do Oeste aumentou o

numero de membros de 2.800 para mais de 11.000 no período de 1800 a 1805 [...]”

(NIEBUHR, 1992, p. 112).

3.3 O Movimento de Santidade.

Com a arminianização da teologia, houve um crescente interesse na doutrina da

“perfeição cristã” de Wesley. A ênfase nos temas sobre santificação acabou por produzir uma

“cruzada pela santidade”. A partir da década de 1830 a metodista Phoebe Palmer passou a

realizar reuniões de oração em Nova Iorque todas as terças-feiras. Ela e sua irmã Sarah

Lankford diziam ter chegado a “experiência de santificação”. Phoebe se tornou editora de

uma revista chamada Guide to Holiness (Guia para Santidade). O tema “santidade”

impregnou a literatura da época. Phoebe se tornaria figura central no que se conheceria mais

tarde como Movimento de Santidade (Holiness). (DAYTON, 1996).

Nos meios calvinistas o representante desta tendência foi Charles G. Finey. Com uma

nova forma de fazer reuniões, chamada de “Novas Medidas”, Finey fazia uso de uma

linguagem simples, distribuía folhetos antes dos cultos, citava nomes de pessoas em orações e

sermões. Havia também o “banco dos aflitos”, destinados às pessoas que tinham alguma

dúvida para esclarecer. Finey tornou-se professor e posteriormente reitor do Oberlin College

(Colégio de Oberlin) em Ohio. Neste lugar, devido à ênfase na santificação cristã, surgiu o

“perfeccionismo de Oberlin”, ou seja, a busca por uma santificação total. A teologia de

Oberlin pode ser resumida assim: “Todo crente é santificado na medida em que tendo aceito a

Cristo e dado integralmente seu coração renuncia totalmente ao pecado”. (SMITH apud

MENDONÇA, 1995, p. 58). Em Oberlin também foi criado um periódico para se difundir as

idéias de santidade, o Oberlin Evangelist. Finey, porém, não chegou a vincular a experiência

de santificação ao batismo do Espírito Santo nos moldes pentecostais. (DAYTON, 1996).

Alguns membros do Oberlin College foram mais explícitos ao vincularem a

experiência de santificação com o batismo pentecostal. Retomando assim, as antigas idéias de

Fletcher. Henry Cowles preparou dois sermões em 1840 para o periódico Oberlin Evangelist,

nos quais ele chegava à seguinte conclusão: “O plano de salvação contempla como seu

primeiro objeto a santificação da igreja; e usa o batismo do Espírito Santo como o grande

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45

poder eficiente para levar a cabo a obra”. (citado em DAYTON, 1996, p. 46 – tradução

nossa). Dessa forma cada vez mais a linguagem e os símbolos pentecostais passaram a ser

usados no Movimento de Santidade. O sentimento de restauração, ou seja, a igreja atual

deveria viver como nos dias apostólicos, colaborou para a crescente vinculação da experiência

de santidade e do recebimento de poder para o evangelismo, ao evento de Pentecostes. Em

1856 o metodista britânico William Arthur escreve o livro The Tongue of Fire (Língua de

Fogo). Ao concluir a obra ele faz a seguinte oração:

E agora, adorável Espírito, que procede do Pai e do Filho, desce sobre todas as igrejas, renova o Pentecoste para nossa época, e batiza a todos em geral... oh, batiza-os de novo com línguas de fogo! Coroa este século XIX com um novo avivamento da religião pura e sem mácula maior do que o século passado, maior do que o primeiro século, maior que qualquer demonstração do Espírito que tenha sido outorgada aos homens. (citado em DAYTON, 1996, p. 47-48 – tradução nossa).

No ano seguinte, em 1857, teve inicio mais um avivamento, entendido por muitos

como o Terceiro Grande Avivamento. A partir de reuniões diárias de oração dirigidas por

Jeremiah Lanphier na rua Fulton, em Nova Iorque. No inicio eram apenas seis pessoas,

passados alguns meses, quase 10.000 (dez mil) pessoas estavam se reunindo em reuniões

similares por toda Nova Iorque. Como resultado desse avivamento, cerca de 1.000.000 (um

milhão) de pessoas foram acrescentadas as igrejas. Os metodistas ganharam a maioria dos

novos membros. (CAIRNS, 2001).

Após a guerra civil americana (1861-1865) o Movimento de Santidade adotou cada

vez mais a formulação pentecostal da doutrina de santidade total. Em julho de 1867 foi criada

a National Camp Meeting Association for the Promotion of Holiness (Associação Nacional de

Acampamentos para a Promoção da Santidade). De 1867 a 1872 foram realizados 14

(quatorze) acampamentos. A idéia dos acampamentos era fazer com que, todos juntos,

recebessem um “batismo pentecostal do Espírito Santo”. O tema dos primeiros 14

acampamentos foi “Dias de Poder no Templo do Bosque”. O informe do 16º (décimo sexto)

levava o titulo de “Um Moderno Pentecostes”. (DAYTON, 1996).

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3.4 Uma “segunda” ou “terceira benção”?

O Movimento de Santidade não era homogêneo em termos de ensinamentos. Havia

pelo menos três variantes principais. A primeira, a oficial, ensinava sobre duas “obras da

graça”. A santificação recebida em termos de batismo do Espírito Santo era uma “segunda

benção”, posterior à conversão que todos os crentes sem distinções deveriam buscar. Assim é

lido em um dos informes do Guide of Holiness de Phoebe Palmer, registrado por Dayton:

Em nossas reuniões à tarde afirmamos a necessidade absoluta para todos os crentes, quaisquer que sejam, de receber a santidade do Senhor, ou em outras palavras, o pleno batismo do Espírito Santo, como o receberam os cento e vinte discípulos no dia de Pentecostes. (1996, p. 56 – tradução nossa).

A segunda variante, influenciada pela doutrina dispensacionalista de Fletcher,

ensinava que o batismo do Espírito Santo era uma “terceira benção”, ou “terceira obra da

graça”. Para estes, o batismo do Espírito deveria ser algo visível. Algum sinal exterior deveria

indicar esse acontecimento na vida de um crente. Em primeiro lugar a pessoa se convertida.

Depois passava por um período de inteira santificação. Por último recebia o batismo do

Espírito. Arthur S. Clibborn escreve à Asa Mahan, ex-presidente do Oberlin College nos

seguintes termos:

Pouco a pouco a luz nasceu em meio à obscuridade, comecei a sentir-me mais e mais submetido a Cristo e desprendido de mim e do mundo. Depois de um tempo de completa consagração (por volta de quatro anos depois daquele chamado), durante o qual me fez estar disposto a ser um loco por Cristo – renunciar a mim e ao mundo, a reputação, e dar-me inteiramente a Ele, dar a mim mesmo a seu serviço – recebi o batismo do Espírito. (citado em DAYTON, 1996, p. 63 – tradução nossa).

O batista Benjamin Harden Irwin, fundador da igreja Fire-Baptized Holiness Church

(Igreja da Santidade dos Batizados com Fogo), e o evangelista canadense R.C. Horner, são os

defensores mais proeminentes da “terceira benção” acompanhada de demonstrações físicas do

Espírito. Irwin era uma figura controvertida, não só por sua doutrina do batismo em fogo, mas

também pelas manifestações que ocorriam em suas reuniões como, danças, gritos, prostração,

risos entre outras.

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A terceira variante é representada pelo evangelista Dwight L. Moody, já no final do

século XIX. Nos meios reformados o batismo do Espírito Santo era entendido como uma

capacitação de poder para o serviço evangelístico. Em 1871 Moody passou por uma

experiência em que desejava ser revestido desse poder. Pessoas do Movimento de Santidade

freqüentavam suas reuniões de avivamento para descobrirem indícios de temas sobre o

batismo do Espírito em suas pregações. Moody, no entanto, era ambíguo em suas colocações

públicas. Em suas pregações, porém, eram comuns os temas sobre “uma investidura

pentecostal para o serviço”. Mas explícito nessa questão foi seu sucessor Reuben A. Torrey.

Em uma de suas obras publicadas na década de 1890, são encontradas quatro proposições

sobre o batismo do Espírito Santo:

1. ...que existem varias formas de nomear esta experiência na Bíblia... batizados com o Espírito Santo... cheios do Espírito Santo... investidos de poder do alto... receber o Espírito Santo... o dom do Espírito Santo... 2. ...que o batismo do Espírito Santo é uma experiência clara e distinta, que é possível saber se tem recebido ou não... 3. O batismo do Espírito Santo é uma obra separada e distinta da sua obra de regeneração. 4. O batismo do Espírito Santo sempre esta conectado com o testemunho e o serviço. (citado em DAYTON, 1996, p. 70 – tradução nossa).

Estas diferenças doutrinárias contribuíram para o surgimento de inúmeras

denominações nascidas do Movimento de Santidade. A maioria delas acrescentava à palavra

Holiness (Santidade) ao seu nome, por exemplo: Igreja Pentecostal da Santidade (1899);

Igreja de Deus – Cleveland (1907); Igreja de Deus em Cristo (1907); Igreja dos Nazarenos

(1895); Igreja da Santidade dos Batizados com Fogo (1898); União Pentecostal (1901).

3.5 O “sinal visível” do Batismo do Espírito Santo.

O fato é que no final da década de 1890 quase todas as variantes do Movimento de

Santidade ensinavam, de uma forma ou de outra, um batismo do Espírito Santo. Uma pista

desta influência são as publicações de uma série de hinários usados nos avivamentos. Foram

publicados pelo menos seis destes “hinários pentecostais”. O caminho estava preparado para o

surgimento do pentecostalismo moderno. A fogueira estava armada. “Tudo o que se

necessitava era de uma faísca que incendiasse a mecha.” (DAYTON, 1996, p. 74 – tradução

nossa).

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A faísca seria acesa por um evangelista independente do Movimento de Santidade em

1900-1901, ao associar a glossolalia como sinal visível do batismo do Espírito Santo. A

glossolalia não era um fenômeno desconhecido na época. Em 1881 durante um acampamento

de santidade no centro dos Estados Unidos há o seguinte relato:

Um dia no meio de um grande sermão, uma mulher de Carrol Country, seguidora da santidade, caiu ao chão no meio do corredor. Isto por si só não era de se espantar, já que cair de vez em quando era algo que se pudesse esperar. Mas o que não se esperava que ocorresse, aconteceu neste caso. Várias irmãs tiveram que se ocupar para que ela não oferecesse um espetáculo não edificante. Imediatamente começou a articular uma série de palavras que rimavam, e a cantá-las em uma estranha melodia. Ela continuou com isso até que o serviço fosse arruinado e o acampamento se transformou num grande alvoroço. Ainda que parecesse estranho, o público se dividiu. Alguns diziam que era um repetição dos acontecimentos de Pentecostes, quando falaram em línguas desconhecidas. Mas todos os pregadores que estavam presentes, sem exceção, opinaram que era coisa do diabo. No acampamento as opiniões estavam tão dividas que tiveram que tratar das coisas com extremo cuidado. (citado em DAYTON, 1996, p. 127 – tradução nossa).

É curioso observar no relato acima, que as manifestações produzidas pelos

Movimentos do Espírito, em sua maioria causam discordância. As pessoas se dividem entre

aqueles que apóiam e entre aqueles que consideram coisa do diabo. Esta tensão esteve

presente também no movimento montanista descrito no primeiro capítulo. A questão vem

sempre à tona: Estas manifestações são sinais de um avivamento no seio da Igreja ou são mais

uma heresia?

A associação do “falar em outras línguas” como sendo o sinal exterior que atestaria

que uma pessoa havia recebido o batismo do Espírito Santo, seria o “salto de qualidade” que

faltava para a transformação do Movimento de Santidade no Movimento Pentecostal

Moderno. Os historiadores dariam esse mérito a Charles Fox Parham.

3.6 O Movimento Pentecostal e seus Líderes.

Charles Fox Parham (1873-1929) era um pregador independente do Movimento de

Santidade. Alguns anos antes havia sido pastor metodista. Sua crença a respeito da cura

divina, possivelmente fez com que se desligasse e iniciasse um ministério independente. Ele

fundou o Instituto Bíblico Betel na cidade de Topeka, Estado do Kansas, região central dos

Estados Unidos. Neste lugar os alunos estudavam temas próprios da teologia pentecostal

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como, a conversão, a santificação, o iminente retorno de Cristo entre outros. Porém uma

questão os incomodava, nas palavras do próprio Parham:

Em dezembro de 1900 tínhamos estudado sobre os temas de arrependimento, conversão, consagração, santificação, santidade, e a iminente volta do Senhor. Havíamos chegado a um ponto difícil em nossos estudos. O que acontecia com o segundo capítulo de Atos?... Coloquei os alunos a estudar diligentemente sobre tudo o que constituía uma evidencia bíblica do batismo do Espírito Santo. (DAYTON, 1996, p. 128).

No dia 31 de Dezembro de 1900 era realizada uma vigília de oração para aguardar a

chegada do novo ano. Uma das presentes, a evangelista Agnes N. Ozman Laberge pediu que

os outros alunos lhe impusessem as mãos para que ela recebesse o batismo do Espírito Santo,

e assim fosse capacitada para o trabalho missionário no exterior. Na seqüência desse ato,

Agnes falou em idioma chinês. Parham prontamente ligou um evento ao outro. Era a resposta

que esperava para as questões que vinham estudando. A glossolalia (falar em outras línguas)

era o sinal visível, ou evidência inicial, do batismo do Espírito Santo. Nos dias seguintes o

fenômeno também ocorreu com Parham e com grande parte dos alunos da Escola Betel

Parham relacionou esse evento ao que ocorrera com os apóstolos no dia de pentecostes (Atos

2). Assim ele denominou seu movimento de The Apostolic Faith (A Fé Apostólica). Este

também era o nome de um jornal pelo qual Parham divulgava suas idéias.

Mesmo considerado como “pai do pentecostalismo moderno”, a historiografia

pentecostal tende a diminuir seu papel. Talvez devido a suas inclinações racistas e por

defender estranhas doutrinas. Uma delas diz que os anglo-saxões seriam descendentes das

doze tribos de Israel, após o exílio na Assíria. O movimento pentecostal iria se expandir para

o mundo a partir das reuniões dirigidas por um dos seus discípulos. Homem humilde, neto de

escravos, cego de um olho, conhecido como “irmão Seymour” (CAMPOS, 2005), (MATOS,

s.d.).

William Joseph Seymour (1870-1922) era membro da Igreja Metodista Episcopal,

uma congregação negra. Em 1895 trabalhava em Indianápolis como garçom em restaurantes.

Algum tempo depois se mudou para Houston estado do Texas, freqüentando uma igreja

Holiness. Em 1905 Parham inicia uma escola bíblica no mesmo local. Seymour desejava

participar das aulas, mas por causa do racismo de Parham, é obrigado a assisti-las do lado de

fora, assentado em uma cadeira. Posteriormente Seymour recebe o convite para visitar um

pequeno grupo, dissidente dos batistas por ensinarem doutrinas Holiness. Em seu primeiro

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50

sermão Seymour prega Atos 2.4 dando ênfase para nova doutrina pentecostal da glossolalia.

Houve discordância entre o grupo e alguns membros se uniram a Seymour. Eles passaram a

realizar suas reuniões em uma antiga casa na Rua Bonnie Brae8. No dia 12 de Abril de 1906,

Seymour tem a experiência que vinha pregando, falou em outras línguas. Nesse mesmo dia a

varanda da casa onde estavam desabou pelo excesso de pessoas. Os lideres então alugaram

um antigo edifício de madeira, onde anteriormente havia pertencido a uma igreja metodista de

negros. O local era situado à Rua Azuza, 312 próxima ao centro de Los Angeles. (CAMPOS,

2005), (MATOS, s.d.).

Rapidamente o local se transformou num centro de peregrinações. As reuniões eram

barulhentas, não havia liturgia nem hora para terminar. Duravam aproximadamente doze

horas. Os homens gritavam e pulavam pelo salão e as mulheres dançavam e cantavam, muitos

caiam prostrados em êxtase. Seymour fundou um jornal para divulgar os novos

acontecimentos. Em uma das publicações, o jornal informava que em algumas reuniões

estavam presentes pessoas de vinte nacionalidades. Vinham pessoas negras, brancas,

hispânicos, ricos e pobres todos ansiosas para experimentar o batismo do Espírito Santo e

falar em outras línguas. Seymour acreditava que o Espírito Santo estava usando um negro

para que a divisão entre as etnias e entre as classes sociais fosse rompida. Era comum a frase:

“A linha divisória da cor havia sido lavada pelo sangue”. O movimento recebeu o nome de

Apostolic Faith Mission (Missão da Fé Apostólica). Os acontecimentos na Rua Azuza

chamaram também a atenção da imprensa. Em 18 de Abril de 1906, o jornal Los Angeles

Times informava que seus repórteres estavam diante de uma “sobrenatural babel de línguas”,

uma nova seita de fanáticos formada por negros e imigrantes pobres. Parham chegou a visitar

o local, mas ficou chocado com o que viu, isto impossibilitou a união dos grupos. O

movimento pentecostal iria se dividir também por questões teológicas. Entre aqueles que

defendiam o batismo do Espírito Santo como uma “segunda benção” dos que defendiam como

uma “terceira benção”. (CAMPOS, 2005), (MATOS, s.d.).

Willian H. Durham (1873-1912) pastor batista visitou a missão na Rua Azuza e

“recebeu” o batismo do Espírito Santo. Em 1907 ele fundou a North Avenue Mission (Missão

da Avenida Norte), na cidade Chicago, Illinois. Durham discordou de Seymour quanto à

questão das fases para o recebimento do batismo. Para ele só existiam duas: a

conversão/santificação e o batismo do Espírito Santo, com a evidência de falar em línguas. A

8 O historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil Alderi Souza Matos teve a oportunidade de visitar esse local em outubro de 2003. A casa da Rua Bonnie Brae está muito bem preservada, sendo administrada por uma instituição denominada Pentecostal Heritage Inc.

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Missão da Avenida Norte irá influenciar de maneira decisiva a vida de Louis Francescon,

fundador da CCB.

3.7 A Teologia Pentecostal.

O movimento pentecostal, como foi dito no tópico anterior, se dividiu por problemas

teológicos. Surgiram assim dois grandes grupos e um terceiro menor. A divergência não era

nova, no Movimento de Santidade também houve controvérsia quanto ao entendimento do

processo de santificação.

O primeiro grupo (Parham, Seymour) ensinava a doutrina da santificação na tradição

wesleyana, ou seja, “as três obras da graça”. O indivíduo se converte, passa por um processo

de completa santificação, entendida como uma experiência posterior, e recebe o batismo do

Espírito Santo, evidenciado pelo falar em línguas.

O segundo grupo (Durham) ensinava uma variante da doutrina acima, a qual foi

chamada de “as duas obras da graça” ou “obra consumada”. O indivíduo se converte, é

santificado e recebe o batismo do Espírito Santo, evidenciado pelo falar em línguas. Para

Durham a obra de Cristo na cruz era suficiente tanto para salvar quanto para santificar. O

padrão de Durham foi o que predominou entre os pentecostais brasileiros, uma vez que tanto

Francescon quanto Daniel Berg, um dos fundadores da Assembléia de Deus, partiram em

missão motivados pelos ensinamentos de Durham.

O terceiro grupo, derivado do segundo, se preocupou em resolver um problema

referente a formula batismal. Era necessário harmonizar dois textos bíblicos: Mateus 28:19

com Atos 2:38. O modo correto de se batizar alguém, segundo eles, era somente no nome de

Jesus, pois assim os apóstolos batizavam no livro de Atos. O movimento ficou conhecido

como “Unicista” ou “Só Jesus”. A CCB também procurou harmonizar esses dois textos em

sua formula batismal.

A divisão entre o primeiro e o segundo grupo se tornou tão séria que chegaram a dizer

que o próprio diabo havia motivado Durham a ensinar um batismo do Espírito Santo sem a

devida preparação da santificação. As acusações a Durham foram embasadas ao melhor

“estilo pentecostal”, ou seja, através de visões, sonhos, profecias entre outros. Rehfeldt relata

um acontecimento curioso:

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Como não poderia deixar de ser, uma certa irmã Reubley teve uma visão em que os demônios estavam discutindo quanto ao que fazer agora que o Espírito Santo tinha novamente voltado ao mundo. Eis que finalmente um demônio muito corrompido disse: “Eu descobri, dêem [sic] a eles um batismo numa vida não santificada”. Todos os demônios bateram palmas e gritaram em aprovação. (apud JARDILINO, 1994, p. 82).

Deixando de lado a controvérsia das obras da graça, o movimento pentecostal

apresenta um padrão doutrinário comum. Donald Datyton (1996) salienta que além da marca

característica da glossolalia, o movimento pentecostal possuiu uma teologia de quatro pontos:

1) Jesus salva; 2) batiza com o Espírito Santo; 3) Jesus cura e 4) Jesus voltará. Este padrão

confere ao movimento um sentimento de possuir um “evangelho completo”. Como lido na

citação acima, os pentecostais acreditam que o Espírito Santo esteve ausente na história da

Igreja desde a morte dos apóstolos até o dia em que voltou a batizar novamente em 1900-

1901. O movimento em suma, “restaura a fé apostólica” com todas as suas propriedades. O

termo “fé apostólica” aparece tanto no movimento de Parham quanto no de Seymour. A CCB

irá apropriar-se deste conceito radicalizando-o ao atribuir que Francescon restaurou a fé

apostólica para os dias atuais. Assim é lido em um dos artigos da “Afirmação da Verdade” da

Fraternidade Pentecostal Norte Americana (PFNA) em 1948:

Durante a Reforma Deus se utilizou de Martinho Lutero entre outros para restaurar no mundo a doutrina da justificação pela fé. Ro. 5.1. Mais tarde o Senhor usou os irmãos Wesley entre outros, que pertenceram ao grande movimento de santidade, para restaurar o evangelho da santificação pela fé. Atos 26:18. Depois disto usou diversas pessoas para restaurar o evangelho da cura divina pela fé. (Stg. 5.14,15) e a doutrina da segunda vinda de Cristo. Atos 1.11. Agora o Senhor está utilizando muitas testemunhas dentro do grande movimento pentecostal para restaurar o evangelho do batismo com o Espírito Santo e com fogo (Lucas 3.16; Atos 1.5) e os sinais que o seguiriam. Marcos 16.17,18; Atos 2.4; 10.44-46; 19.6; 1.1-28.31. Graças a Deus agora temos pregadores do evangelho completo. (citado em DAYTON, 1996, p. 7).

O “evangelho quadrangular” é entendido, portanto, como um evangelho completo.

Parham deu ao seu movimento outro nome característico: “Movimento da Chuva Tardia”. O

pentecostes descrito em Atos são as “primeiras chuvas”, o derramamento do Espírito Santo

acompanhado pela colheita da Igreja. O pentecostes moderno representa as “ultimas chuvas”,

o derramamento especial do Espírito que restaura os dons nos últimos dias, como preparação

para a grande colheita, o retorno de Cristo em glória. O dom de falar em outras línguas era

entendido pelos pentecostais como sinal da iminente volta de Cristo, uma vez que era uma

capacitação para a evangelização das nações. Essa aparente descontinuidade com as formas

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clássicas do cristianismo e com a própria historia da Igreja pode parecer um ponto fraco do

movimento, mas pelo contrário, tornou-se a maior justificação de sua teologia. (DAYTON,

1996).

Esse sentimento “restauracionista” desconecta o membro pentecostal da História e faz

com que ele pense que o pentecostalismo surgiu ex nihilo (do nada). Segundo Dayton (1996)

se alguém perguntar a um pentecostal sobre as origens do seu movimento, isso lhe soara como

blasfêmia. Afinal o pentecostalismo não é outra coisa senão a restauração da “fé apostólica”, e

suas origens estão no Novo Testamento. Este fator tem sido um dos principais empecilhos

para que as igrejas pentecostais mantenham comunhão com outras igrejas, principalmente da

linha reformada. Afinal, segundo sua concepção, quem não recebeu o batismo do Espírito do

Santo não é portador do mesmo.

3.8 Um balanço necessário.

Antes de passar para o quarto e último capítulo deste trabalho, faz-se necessário um

balanço dos movimentos estudados até aqui. Nestes três primeiros capítulos foram descritos

alguns movimentos ocorridos na história da igreja, os quais receberam a denominação de

“Movimentos do Espírito”. Junto ao relato dos movimentos procurou-se delinear alguns fatos

importantes concernentes ao contexto histórico em que surgiram. Muitos destes movimentos

não guardam relação histórica direta com a CCB, outros sim, como é o caso do Movimento

Pentecostal Americano. Mais do que relação histórica direta, o trabalhou procurou por

características que pudessem estabelecer uma relação quanto ao pensamento teológico destes

movimentos.

Como visto, os Movimentos do Espírito nascem e se desenvolvem a margem da Igreja

Oficial. Acreditam que as normas e a formalização da religião, engessam e impendem a livre

ação do Espírito. Defendem uma vida cristã prática, emotiva, as “coisas espirituais” são

apreendidas pelo sentimento, pela experiência e não pelo intelecto. Em geral apelam para uma

autoridade advinda das revelações e dons do Espírito, como, visões, profecias, sonhos entre

outras, em detrimento à revelação escriturística. Em última instância é o Espírito que irá

ensinar todas as coisas, inclusive o que está escrito na própria Bíblia.

Eles dividem a História em “Eras” ou “Dispensações”. Cada Movimento do Espírito

acredita viver a dispensação final que antecede a iminente volta de Cristo para estabelecer o

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milênio e a Jerusalém Celestial. Usam expressões para se referirem a uma experiência prática

com o Espírito: comunhão; coração aquecido; desejos de piedade; perfeição cristã, batismo do

Espírito Santo entre outras.

É necessário certo afastamento do “mundo”, da cultura e da Sociedade por causa do

perigo de se contaminar a “alma”. Assim o moralismo em relação aos costumes é

intensificado. Tudo o que está relacionado com o corpo, com a diversão, deve ser rejeitado.

Devido o moralismo excessivo, existem alguns pecados que são mais graves, imperdoáveis,

principalmente os relacionados à vida sexual. O afastamento do “mundo” produz

internamente, um forte sentimento de união e fraternidade, afinal fazem parte de uma

comunidade diferenciada, de uma “elite espiritual”. O sentimento de não hierarquia também é

acentuado, uma vez que todos são “filhos”, “irmãos”, “amigos”, não deve haver diferenciação

entre líderes e liderados, pois, quem lidera a todos é o Espírito. As mulheres por sua vez, se

beneficiam desta situação, ganham oportunidade de atuarem, de se expressarem. Pelo menos é

assim no inicio.

O desejo de voltar a viver como a Igreja dos dias apostólicos, faz com que a tradição

cristã perca o valor. A continuidade histórica é rompida. Não se consegue enxergar a atuação

do Espírito em outras épocas. Tudo começa agora. O nome “apostólico”, presente no nome de

alguns destes movimentos, denota este desejo. O Espírito parece não atuar na história de

forma coletiva, mas somente na história de indivíduos. Para Velasquez:

O Deus das religiões do espírito é estranho à realidade histórica e social. A interiorização desse Deus decorre da subjetivação do dualismo tradicional. Deus não atua nas estruturas do mundo, mas tão-somente no interior das pessoas: não se relaciona com a história de povos e nações, mas apenas com indivíduos [...] (VELASQUEZ, 1990, p. 262-263).

Em sua maioria os Movimentos do Espírito estão ligados as massas, representam à

aspiração dos extratos mais baixo da Sociedade. Correm a margem da Igreja. Estão sempre

em tensão com ela. Para melhor compreensão desta relação se faz necessário recorrer a alguns

conceitos da sociologia da religião.

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3.9 Um parêntese sociológico.

Os Movimentos do Espírito nascem e se desenvolvem dentro de determinados

contextos sociais, políticos e religiosos. Eles recebem influência e influenciam esse meio.

Sem perder o foco histórico e teológico que o trabalho se propõe, e devido complexidade que

tais movimentos apresentam, é necessário buscar alguns fundamentos da sociologia da

religião para melhor compreendê-los. Para isso, serão usados os conceitos de dois autores que

são referência nessa questão, Ernst Troeltsch e H. Richard Niebuhr. “Pois se a religião fornece

a energia, a meta e o motivo dos movimentos sectários, os fatores sociais, não menos

decididamente, oferecem a ocasião e determinam a forma que a dinâmica religiosa assumirá”.

(NIEBUHR, 1992, p. 26).

3.9.1 Ernst Troeltsch.

Ernst Troeltsch desenvolveu uma teoria para classificar sociologicamente os grupos

cristãos em dois tipos, “Igreja” e “seita”. Uma das principais características que define

sociologicamente um grupo como “seita” é a tensão entre este grupo e a Sociedade. Na

“Igreja” as pessoas nascem nela, na “seita” as pessoas aderem de forma voluntária. Este fato é

marcante na maioria dos Movimentos do Espírito. Eles estão sempre em conflito com a

Sociedade, a qual procura transformar com seus ensinamentos. Enfatizam a experiência da

“conversão” como requisito imprescindível para participar do grupo. Enquanto a “Igreja” se

preocupa com a coletividade, a “seita” se concentra no indivíduo. Segundo Troeltsch:

As diferenças concretas saltam à primeira vista. A Igreja é um tipo de organização fundamentalmente conservadora, que até certo ponto aceita a ordem secular e domina as massas; em princípio, portanto é universal – ou seja, deseja abarcar a totalidade da vida da humanidade. As seitas, por outro lado, são grupos relativamente pequenos, que aspiram à perfeição interior do indivíduo, tendo como objetivo um companheirismo pessoal e direto entre os membros de cada grupo. Assim, desde o início elas são obrigadas a organizar-se em grupos reduzidos e renunciar à idéia de dominar o mundo. Sua atitude em relação ao mundo, ao Estado e à Sociedade pode ser de indiferença, tolerância ou hostilidade, já que não têm interesse em controlar e incorporar estas formas de vida social- pelo contrário, tendem a evitá-las; sua meta normalmente é ou tolerar a presença destas instituições sociais ao lado de sua própria organização ou mesmo substituir aquelas por esta. (1987, p. 135).

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A essência da “Igreja” está no seu caráter de instituição. As pessoas passam a fazer

parte dela ao nascer, através do batismo. O sacerdócio, a hierarquia, os sacramentos, a

jurisdição eclesiástica e a tradição formam o tesouro objetivo da graça, basta acioná-los no

momento oportuno. A “Igreja” deseja dominar as massas e educar os indivíduos, trazendo-os

para sua área de influência. Em contrapartida a “seita” é uma comunidade de voluntários onde

os membros aderem por livre e espontânea vontade. Ninguém se torna membro ao nascer, é

necessário converter-se. O progresso espiritual depende do esforço individual e da fidelidade

aos princípios do grupo. A “seita” não esta preocupada em educar as nações, mas sim em

reunir um grupo “seleto de eleitos” colocando-os em direta oposição com o mundo. O desejo

pela escatologia, pelo fim do mundo está sempre na ordem do dia, uma vez que esse grupo

não se “encaixa” nas estruturas mundanas. (TROELTSCH, 1987).

Estas características descritas estão presentes na maioria dos Movimentos do Espírito

estudados até aqui. A ênfase na conversão para se fazer parte do grupo fez com que grupos

anabatistas da reforma e depois dela, rejeitassem o batismo infantil, o papel dos sacramentos e

qualquer interferência do Estado ou da Sociedade nos assuntos espirituais. H. Richard

Nieburh irá utilizar outra nomenclatura para os Movimentos do Espírito.

3.9.2 H. Richard Nieburh.

Nieburh, usando os conceitos de Troeltsch e de outros sociólogos, irá chamar alguns

dos movimentos estudados, com exceção do metodismo, de “Igreja dos Deserdados”. “Assim,

o metodismo foi adaptado desde os seus inícios para tornar-se Igreja da classe média

respeitável, embora seu emocionalismo religioso continuasse a constituir forte apelo para a

gente simples.” (NIEBURH, 1992, p. 50). São nos extratos mais baixos da sociedade que se

encontram os ingredientes motivadores para a formação dos Movimentos do Espírito.

Segundo Troeltsch:

Os movimentos religiosos realmente criativos, formadores de igrejas, são obras dos estratos mais baixos. Somente aqui pode-se encontrar a imaginação irreprimida, a simplicidade da vida e a força veemente da necessidade, de onde brotam a fé incondicional na revelação divina, a inocência da plena submissão e a intransigência da certeza. Só aí encontramos a necessidade de um lado e a ausência da cultura de reflexão relativizadora, de outro. Todas as grandes revelações originárias de comunidades surgiram sempre nesses círculos. Nesses movimentos religiosos, o significado e o poder para o desenvolvimento posterior tem sempre dependido da

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força do ímpeto original, conferido, tanto pelas revelações ingênuas quanto pelo vigor da convicção que erigiu este ímpeto absoluto e divino. (apud NIEBURH, 1992, p. 27).

Um dos traços comuns desse tipo de “igreja” é o fervor emocional. Nela o pensamento

abstrato ainda não se desenvolveu plenamente, e a emoção não foi suprimida pelas

convenções da religião bem educada. A genuína religiosidade é expressa pelo vigor dos

sentimentos, mais do que pela conformidade com os credos religiosos. A formalidade do

ritual é substituída pela informalidade e linguagem simples. O clero bem preparado e fixado

na liturgia é substituído por líderes leigos que dão total ênfase no improviso. Como correm a

margem da Sociedade, o desejo pelo milenarismo, pelo apocaliptismo ou por uma nova era é

constante. Nieburh resume:

Ingenuidade intelectual e necessidades práticas combinam-se para criar marcada propensão para o milenarismo com suas promessas de bens tangíveis e de inversão de todos os sistemas de classe vigentes. Desde o primeiro século os deserdados, identificaram-se com o apocalipsismo. A mesma combinação de necessidades e experiência social produzem nestas classes profundo apreço pelo caráter radical da ética do Evangelho e maior resistência à tendência de comprometer-se com a moralidade do poder do que a encontrada entre seus irmãos mais afortunados. A religião do pobre caracteriza-se pela exaltação das virtudes típicas da classe e pela apreensão, sob a influência do Evangelho, dos valores morais presentes em suas necessidades. Em conseqüência, verifica-se aqui, mais do que em outro lugar, o reconhecimento da dignidade religiosa, da solidariedade e da igualdade; da simpatia e ajuda mútuas, da rigorosa honestidade em matéria de dívida, a avaliação religiosa da simplicidade no vestir e nas maneiras; da sabedoria escondida aos sábios e entendidos, mas revelada aos pequeninos, da pobreza de espírito, da humildade e da mansidão. Simples e direta na apreensão da fé, a religião dos pobres afasta-se das relativizações da sofisticação ética e intelectual e, pelo que resulta em formas de conduta, demonstra freqüentemente sua superioridade moral e religiosa. (1992, p. 20).

Imaginação irreprimida, ingenuidade intelectual, necessidades praticas,

emocionalismo religioso e uma fé incondicional numa revelação divina, parecem ser alguns

dos principais ingredientes presentes nos Movimentos do Espírito. Após a descrição histórica

e teológica de alguns destes movimentos, aliada a uma pequena base teórica da sociologia da

religião, passa-se para a análise da CCB. O objetivo é encontrar em suas origens, indícios que

possam justificar sua classificação como um Movimento do Espírito.

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CAPÍTULO 4 - CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL: UMA IGREJA MOVIDA

PELO ESPÍRITO.

A CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL, é uma comunidade religiosa fundamentada na doutrina apostólica (Atos 2:42 e 4:33), apolítica, sem fins lucrativos, constituída de número ilimitado de membros, sem distinção de sexo, nacionalidade, raça, ou cor, tendo por finalidade propagar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor a Deus, tendo por cabeça só a Jesus Cristo e por guia o Espírito Santo (São João, 16:13)[...] (CCB, Estatuto 2004, Art. 1º).

A CCB foi pioneira na inserção do pentecostalismo no Brasil. Fundada em 1910 está

próxima do seu primeiro centenário. No entanto, no aspecto doutrinário quase nada mudou.

Seus ensinamentos ainda são transmitidos oralmente. Ela se considera uma “comunidade

religiosa fundamentada na doutrina apostólica”. Como visto, o termo “apostólico” denota o

desejo de restaurar as origens do cristianismo. Raras são as publicações oficiais. Isto porque,

uma Igreja movida pelo Espírito não pode construir barreiras intelectuais para o mesmo. O

termo Igreja está sendo usado no sentido sociológico, conforme definido por Mendonça:

Entende-se por Igreja uma comunidade local, regional ou nacional, com um mínimo de estabilidade, com certa liderança burocrática razoavelmente estabelecida e com corpo de doutrinas mais ou menos delineado, situado acima das vontades individuais. (2002, p. 143).

O termo seita também pode ser usado, pois a CCB possui algumas das características

mencionadas no capítulo anterior como, oposição ao mundo e adesão voluntária. As seitas

tendem com o passar do tempo a se tornarem Igrejas. Geralmente elas passam da condição de

“movimento” para a condição de Igrejas a partir da segunda geração de membros. As novas

gerações, porém, não guardam o mesmo ímpeto religioso das primeiras, pois procuram

adaptar-se melhor a Sociedade. Nieburh explica:

Pela própria natureza, o tipo sectário de organização é valido apenas para a primeira geração. Os filhos nascidos dos membros voluntários da primeira geração começam a fazer da seita uma Igreja, muito antes, de chegarem à maturidade. Com o advento

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deles a seita tem de assumir o caráter de instituição educacional e disciplinar com o propósito de levar a nova geração à conformidade com os ideais e costumes que se tornaram tradicionais. (1992, p. 20).

No entanto, a classificação em um ou outro “tipo” não é tarefa fácil nem clara. Ao

mesmo tempo em que a CCB possui marcas de Igreja, quanto a sua organização, também

preserva fortes traços de seita, no tocante a conservação rígida dos ensinamentos, evitando o

quanto possível influências externas no modo de pensar de seus fiéis. Santos Junior (s.d.) ao

estudar especificamente esse tema afirma: “A CCB não se deixa prender por um ou outro tipo.

Com isso, pode-se dizer que a inadequação baseia-se no fato de que ora o grupo se comporta

como igreja; ora como seita.” Nessa questão o trabalho seguirá Mendonça (2002) que

clássica a CCB no gradiente “seita/Igreja” como Igreja.

4.1 Louis Francescon: um italiano pentecostal.

Louis Francescon é peça fundamental para o entendimento das origens da CCB. Não

somente por ser o fundador, mas também por deixar as bases dos ensinamentos que se

tornarão fundamentos inabaláveis na Igreja. Ou como os anciães9 brasileiros costumam

denominar: “nossas santas tradições” (CCB, Resumo de Ensinamentos da Assembléia de

2002, Tópico 21).

Dentro do movimento pentecostal ítalo-americano ele compartilhou a liderança com

outras pessoas, mas no Brasil sua figura exerceu papel central. A conduta e o pensamento

teológico de Francescon serão verdadeiros paradigmas espirituais para a futura Igreja. Ele

sempre atribuirá que suas ações são movidas pelo Espírito Santo.

4.1.1 Origens e conversão ao Protestantismo.

Sua autobiografia, bem como a história dos primórdios do movimento pentecostal

ítalo-americano e a história dos primórdios da CCB, estão contidas num pequeno livreto azul

denominado: “Resumo da Convenção Realizada em Fevereiro de 1936; Reuniões e

Ensinamentos Realizadas em Março de 1948; Pontos de Doutrina e da Fé que uma vez foi

9 A CCB usa a forma arcaica “Anciães” no lugar de “Anciãos”.

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dada aos Santos; Histórico da Obra de Deus, Revelada pelo Espírito Santo no Século Passado

e Mensagens”. Uma das raras publicações oficiais da Igreja. Devido à importância do

documento, e por ser uma fonte primária, a autobiografia será sempre citada fazendo-se

intervenções quando necessárias.

HISTÓRICO DA OBRA DE DEUS, REVELADA PELO ESPIRITO SANTO, NO SÉCULO PASSADO. I PARTE.

Este fiel testemunho da Obra do Nosso Senhor, teve início na cidade de Chicago, Illinois e não é para engrandecer aquele que o escreve, porém, para a Glória de Deus que opera todas as coisas, segundo o conselho de Sua vontade. (Efésios 1:11). Eu, Louis Francescon, nasci em 29 de março de 1866, na comarca de Cavasso Nuovo, Prov. de Udine (Itália) de profissão mosaísta. Vim para a América do Norte, depois de ter cumprido o serviço militar, chegando a Chicago em 3 de março de 1890. (CCB, 2002, p. 35).

A primeira observação digna de nota é sobre o título. Em 1942 a CCB publicou a

mesma com outro título, o original: “Resumo de uma Ramificação da Obra de Deus, pelo

Espírito Santo, no Século Atual”. (RELY, 1998, p. 436). Mudou-se de “Resumo de uma

Ramificação da Obra de Deus [...]”, para “Histórico da Obra de Deus [...]”. Esta mudança dá

indícios da evolução no pensamento exclusivista da CCB que se vê não como um “Ramo da

Obra de Deus”, mas como a própria “Obra de Deus”.

Francescon revela que nasceu na Itália. De família católica, era o quinto filho de Pietro

e Maria Lorsa Francescon. Aos 15 anos de idade vai para Budapeste, Hungria, onde

desenvolve habilidades para aprender outros idiomas e evolui na profissão de mosaísta. O

conhecimento de outras línguas será importante para o desenvolvimento de seu trabalho

missionário no futuro. A Hungria foi o principal destino dos imigrantes italianos entre 1886 e

1895. (YUASA apud BIANCO, 2008).

Após ter cumprido o serviço militar, Francescon emigrou para os Estados Unidos da

América do Norte, checando na cidade de Chicago em Março de 1890. Milhares de europeus

emigram para os Estados Unidos nessa mesma época, produzindo mudanças significativas

tanto na cultura, economia e religião. Para Nieburh:

A migração de milhões de europeus para os Estados Unidos nos séculos XVIII, XIX e XX constitui um dos maiores fenômenos da história mundial, comparável, em certo sentido, ás extraordinárias migrações que assinalaram o fim do mundo antigo e o inicio da civilização do norte da Europa. Descobriu-se que, não somente seus efeitos políticos e econômicos sobre a prosperidade das nações são cada vez mais

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significativos, mas que sua importância para a história religiosa esta se tornando cada vez mais visível. (1992, p. 125).

O ano de 1890 é muito significativo. Francescon chega aos Estados Unidos no

momento de maior vigor dos movimentos Holiness, conforme estudados no capitulo três. A

cidade de Chicago era também o local de atuação do pregador avivalista Moody. Ele perdeu

seu auditório, onde realizava suas reuniões, após um grande incêndio. (DAYTON, 1996).

Francescon está, portanto, num ambiente onde a efervescência religiosa é muito grande. Isso

irá influenciar seu pensamento. Sobre sua conversão ele declara.

No mesmo ano, ouvi o Evangelho por meio da pregação do irmão Miguel Nardi. Em Dezembro de 1891 tive do Senhor a compreensão do novo nascimento. Em Março de 1892, com o grupo evangelizado pelo irmão M. Nardi e algumas famílias da fé “Valdense”, foi criada nesta cidade a primeira Igreja Presbiteriana Italiana, sendo o Sr. Fillippo Grilli, pastor. Eu fui eleito um dos três diáconos, e após alguns anos, ancião. (CCB, 2002, p. 35).

Francescon foi evangelizado por Miguel Nardi, missionário italiano pioneiro na

implantação do protestantismo entre a colônia italiana nos Estados Unidos. Nardi pregava

com muita eloqüência e demonstrava bom conhecimento bíblico. Era um autentico pregador

do Movimento Holiness, pregava sobre a segunda vida de Cristo e sobre o batismo com o

Espírito Santo. Um relato da época destaca:

O senhor Nardi apresentava o evangelho com tal simplicidade e poder que as pessoas ficavam surpresas e atraídas e agarravam, pelo conhecimento da bíblia e pela autoridade com que falava. Ele pregava repleto de fé sobre a segunda vinda de Cristo, e exortava seus ouvintes a vigiar e a orar para que a volta de Cristo pudesse ser rápida. Ele também pregava o batismo com o Espírito Santo e a total dependência de Deus. (YUASA apud BIANCO, 2008, p. 81).

Francescon é co-fundador da Primeira Igreja Presbiteriana Italiana em Chicago,

juntamente com um grupo evangelizado por Nardi e algumas famílias da fé Valdense. Logo

assume posição de liderança, é eleito Diácono10 e algum tempo depois, Ancião. O termo

Ancião acabou prevalecendo posteriormente na estrutura da CCB, tornando-se marca 10 A palavra Diácono vem do Grego “diacronia” é o oficial que nas Igrejas prestam assistência tanto no culto quanto aos pobres, órfãos e viúvas. Sua instituição encontra-se em Atos 6.

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distintiva na denominação dos seus líderes. Porém, o termo é sinônimo de Pastor, Bispo,

Presbítero.11

4.1.2 A “revelação” sobre o batismo e suas implicações.

No princípio do ano de 1894, encontrando-me em Cincinate, Ohio, em serviço material, aconteceu que, estando numa noite de joelhos em meu quarto lendo o Cap. 2 da carta aos Colossenses, ao chegar no verso 12, ouvi uma voz que me repetiu 2 vezes: ”Tu não obedeceste a este meu mandamento”. Então respondi: ”Senhor jamais alguém me falou neste assunto”. Em 1 de Janeiro de 1895, casei-me com Rosina Balzano salva também em nosso meio em, princípio de 1892. Como membro da administração da referida Igreja, falei do batismo determinado nas escrituras e como o Senhor me ordenou obedecê-lo. Todos se manifestaram contra mim, inclusive o pastor, ao qual eu tinha comunicado por carta na mesma noite que o Senhor me havia falado. (CCB, 2002, p. 35-36).

A experiência de Cincinate em 1894 marcará a vida de Francescon ao ponto dele, por

problemas de “consciência”, não conseguir mais conviver entre os presbiterianos italianos.

Sua compreensão sobre o ritual batismo não se coaduna mais com a da comunidade. Para ele

o batismo verdadeiro é feito pela imersão total do corpo e não por efusão ou aspersão. Ao

“ouvir” a voz de Deus por duas vezes ele teme, e a partir daí alimentará um conflito que

durará nove anos. Em cima dessa experiência com o sagrado, Francescon construirá toda a

base do seu ministério. Mas antes que isso aconteça é necessário um passo importante,

“obedecer a Deus”, ou seja, rebatizar-se. O fato de não aceitar o batismo infantil, entendendo

que o batismo é uma questão de opção voluntária consciente, é uma das características dos

Movimentos do Espírito. Outra característica marcante são as experiências com o sagrado que

mudam as vidas dos líderes destes movimentos. Em sua maioria alegam ter recebido uma

revelação especial de Deus. A nova visão de Francescon sobre o batismo entra em conflito

com a dos líderes da Igreja.

No ano de 1898, o Senhor salvou o irmão Giuseppe Beretta por meio dos Metodistas Livres Americanos, o qual após algum tempo, uniu-se conosco, Presbiterianos italianos. Falei-lhe também muitas vezes, do citado batismo, mas no momento não lhe era dado compreender. Em princípio de Setembro de 1903 nos encontramos em Elgin, ILL, (no local onde eu e o irmão G. Marin estávamos executando um trabalho), lhe falei novamente em presença deste, da necessidade de

11 A palavra Presbítero vem do Grego “presbíteros”, significa “mais velho”, são pessoas designadas para liderarem a igreja. São responsáveis pela pregação e ensino dos membros e também se envolvem na administração. Sua instituição encontra-se em Atos 20:17; 1 Timóteo 5:17 entre outros.

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obedecer ao mandamento do Nosso Senhor. Então, servindo-se Deus também de outros meios, convenceu-se e dois dias após, fez-se batizar mesmo em Elgin, por um irmão Americano pertencente à Igreja dos irmãos (Church of the Brethren). Na ocasião lhe disse: “Irmão Beretta, agora que sois batizado, na próxima segunda-feira, dia 7 que é dia do Trabalho, batizar-me-ás também”. Como o pastor se encontrava na Itália, competia a mim como ancião presidir o serviço que se realizava no domingo, dia 6. Assim tive oportunidade de dizer ao povo o que eu sentia em meu coração e lhes falei: Após 9 anos que o Senhor me falou em obedecer ao Seu mandamento, amanhã com a ajuda de Deus, terei a oportunidade de obedecê-Lo e se algum de vós quiser assistir, venham ao (Lake-front, de Chicago) em tal lugar às tantas horas.Vieram cerca de 25, dos quais, 18 obedeceram juntamente comigo. Fomos imersos pelo irmão G. Beretta. (CCB, 2002, p. 36 – grifo nosso).

Em 1898, portanto, pouco mais de um ano antes do evento “Topeka”, a influência

metodista chega à igreja presbiteriana, através da conversão de Giuseppe Beretta. Francescon

compartilha sua nova visão com ele. Curiosamente Beretta se antecipa a Francescon e é

rebatizado por imersão por um irmão da Igreja dos Irmãos. Animado com a atitude de Beretta,

Francescon aproveita a ausência do pastor Fillipo Grilli e anuncia a comunidade que irá se

rebatizar por imersão no lago Michigan, no dia do Trabalho. Dos vinte e cinco membros que

compareceram dezoito “obedeceram” (se rebatizaram) com Francescon. O termo “obedecer”

se tornou sinônimo da palavra “batismo” entre os membros CCB. “Ancião” e “obedecer”, são

duas palavras distintas do vocabulário dos demais protestantes brasileiros. Esta distinção

colaborará para o exclusivismo e distanciamento da CCB para com os demais evangélicos.

4.1.3 O cisma na Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago.

Com a volta do Pastor Grilli, Francescon pede a palavra num culto de domingo e

apresenta sua demissão dos cargos que ocupava naquela igreja. Tal atitude, segundo ele, era

uma “ordem” recebida de Deus. Ele ainda os exorta a seguirem sua atitude caso queiram ser

abençoados por Deus.

Pouco tempo depois, o pastor (F. Grilli) voltou da Itália e no primeiro domingo que nos reunimos, disse-lhe que eu desejava dirigir algumas palavras à irmandade antes de seu sermão, o que me foi concedido. Primeiramente perguntei a todos se eu havia feito alguma coisa errada, que testemunhassem; responderam que nada havia contra mim. Então exortei-os que, se quisessem também ser participantes das promessas de Deus, seria necessário obedecê-lo conforme Sua palavra. Em seguida apresentei minha demissão de ancião, secretário e membro daquela Igreja. Todos se maravilharam e pediram para que eu não os deixasse e eu lhes respondi que aquela decisão não era por mim premeditada, mas sim ordenada, por Nosso Senhor. (CCB, 2002, p. 37).

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O motivo que levou Francescon a se desligar da igreja presbiteriana não foi somente a

questão do batismo. Francescon como membro da administração vivenciou a constante

dificuldade de se pagar o salário pastoral. Isto o incomodava, pois, entendia que um pastor

não deveria receber salários. Seu modelo de pastor era o de Miguel Nardi que trabalhava

gratuitamente. Ele também entendia que o pastor deveria ser fixo na igreja, não concordava

com mudanças contínuas de pastores. Todos estes fatores contribuíram para seu desligamento.

(YUASA apud BIANCO, 2008). Bianco esclarece:

Os anos todos de convivência com a “burocracia eclesial”, serviram para Louis Francescon formar algumas idéias e questionar inúmeras outras. Dentre as práticas que questionava no Presbiterianismo e que Yuasa trata com detalhe, estão: a forma do batismo (que já o incomodava desde 1894), a lealdade da direção (ou do pastor) para com a igreja, a questão do salário pastoral e a questão da adoração. Foram esses pontos que geraram a primeira mudança em 1903, juntamente com amigos leais, iniciou um grupo para estudar a bíblia, orar, adorar e dividir o pão, era assim que entendia a necessidade de retornar às origens da Igreja primitiva. (2008, p. 84).

Os dezoito membros da igreja presbiteriana que haviam se rebatizado com Francescon,

decidem se desligar da Igreja Presbiteriana também. O grupo passou a se reunir em casas,

dando origem a uma pequena comunidade, liderada por Beretta e Francescon.

Aconteceu também, que aqueles que comigo obedeceram ao mandamento, quiseram abandonar a igreja, o que não julguei conveniente fazerem, todavia o fizeram. Foi necessário então, que nos reuníssemos em vários lugares, pela necessidade dos que não sabiam ler. Assim a primeira reunião foi em casa do irmão ancião N. Moles, na qual, eu fui eleito ancião. Nessa mesma ocasião, propuz os irmãos G. Beretta, e P. Menconi para dirigirem o serviço uma semana cada um; depois de algumas noites decidiu-se reunir em minha casa. (CCB, 2002, p. 37).

Mas, a convivência harmoniosa da nova comunidade não seria duradora. Após uma

viagem à Itália para visita de familiares, Francescon por motivos teológicos se afasta também

do grupo recém formado. Alguns irmãos acabam seguindo-o. Francescon diz que sempre esta

sendo orientado por Deus.

Em 2 de Dezembro de 1903, embarquei para a Itália em visita à minha família. Regressando a Chicago em princípio de maio de 1904, encontrei estes irmãos cheios de si, e em contendas sem fim. Não sabendo como proceder resolvi pedir conselho ao Senhor e Ele respondeu que me separasse deles até que Ele (o Senhor) determinasse unir-me a eles novamente. Isto foi em outubro de 1904, separando-se comigo também as famílias de N. Moles, Alberto di Cicco e alguns outros, nos reuníamos de casa em casa nos dias estabelecidos, e todos os domingos partia-se o

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pão, recordando a morte do Nosso Senhor. Eis alguns dos preliminares da grande obra que o Senhor fez pelo Espírito Santo, na colônia Italiana. (CCB, 2002, p. 37).

Desta nova divisão, um grupo irá se reunir na W. Grand Ave, 1139 em Chicago.

Francescon sempre atribui às revelações do Espírito Santo, a motivação de suas atitudes. Ele

diz buscar sempre a orientação do Espírito e procura fugir das disputas teológicas. Francescon

deseja viver a fé à sua maneira e continua a reunir-se com seu grupo em casas. Eles

comemoram a ceia do Senhor em todos os domingos, bem diferente do que veio a fazer a

CCB com sua comemoração anual. Segundo Giamarco:

Após o retorno de uma viagem de visita a Itália com sua família que durou de 02 de dezembro de 1903 até o principio de maio de 1904, ao retornar Francescon se indispõe com Beretta, Ottolini e Menconi pois defende que o domingo deve ser observado como era o sábado judaico, abstendo-se o cristão de qualquer atividade, ao que Beretta contrapunha dizendo que os cristãos deviam ser santos, não os dias. Isso fez com que Francescon com sua família e acompanhado das famílias Moles e DiCicco se separassem do grupo e passassem a realizar reuniões nas casas novamente, pois nessa altura a pequena comunidade livre italiana já tinha adquirido um local de culto situado na W. Grand Avenue 1139, onde se reunia a Assemblea Cristiana como foi denominada por seus membros, ou a Igreja dos Toscanos, como era jocosamente chamada pelos demais imigrantes italianos devido a origem da maioria de seus fiéis. (2007).

4.1.4 O contato com o movimento pentecostal.

Os dois grupos separados em 1904 irão unir-se novamente em 1907. O motivo que

levará a isso é o contato que Francescon terá com o recente movimento pentecostal.

Francescon ao assistir um culto ao ar-livre fica sabendo que na West North Ave, 943 há uma

missão que anunciava o batismo do Espírito Santo Pentecostal. (GIAMARCO, 2007).

Essa missão não é outra senão a North Avenue Mission (Missão da Avenida Norte),

liderada pelo pastor Willian H. Durham. Francescon freqüenta o local por uma semana

sozinho, e depois leva as outras pessoas do seu grupo. Curiosamente ele diz que aquele lugar

é a obra de Deus.

Em fins de Abril de 1907, o Senhor me fez encontrar com um irmão Americano, um dos primeiros a receber a promessa do Espírito Santo, em Los Angeles, no ano de 1906 e, por meio dele soube que na W. North Ave, 943, havia uma missão que anunciava a Promessa do Espírito Santo e que o próprio pastor (W. H. Durham) A havia recebido. Na primeira semana freqüentei sozinho aquele serviço e o Senhor

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me confirmou que aquela era Sua obra. No domingo seguinte me acompanhou o resto do grupo. No mês de Julho a minha esposa foi a primeira a ser selada com o Dom do Espírito Santo, falando em língua Sueca e a irmã Dora Di Cicco foi a segunda, falando em língua Chinesa. Em 25 de Agosto o benigno Senhor se comprazeu selar também a mim também. Naquele tempo enquanto se esperava a Promessa, o Senhor fez saber ao irmão W. H. Durhan e outros que Ele me havia chamado e preparado para levar Sua mensagem à colônia italiana; após fui eu mesmo também confirmado por Deus. (CCB, 2002, p. 38 – grifo nosso).

Após freqüentarem algum tempo a Missão, Francescon, sua esposa e a irmã Dora,

recebem o batismo do Espírito Santo. Interessante que ele usa a expressão “selar” referindo-se

ao recebimento do batismo. Este termo tornou-se usual entre os membros da CCB. Quando

um membro recebe o batismo do Espírito Santo diz que foi “selado com a promessa”, o que

também difere do vocabulário da maioria dos evangélicos brasileiros, colaborando assim para

o futuro exclusivismo.

Enquanto esperava “ser selado com a promessa”, Francescon recebe do pastor Durham

uma profecia dizendo que Deus o havia chamado para ser o portador da nova mensagem

pentecostal para as colônias italianas. A profecia o motivará empreender posteriormente

viagem à America Latina.

Francescon passa a divulgar suas experiências entre os irmãos do grupo do qual estava

separado. Ele os convida a freqüentar a Missão do pastor Durham, e alguns acabam também

recebendo o batismo do Espírito Santo Pentecostal.

No principio de Setembro, testemunhei Pietro Ottolini e sua família, vindo todos assistir aos serviços e, em poucos dias, forma também selados com a Bendita Promessa do Espírito Santo. No dia 14 do mesmo mês, veio também o irmão Giovanni Perrou e perguntei-lhe se conhecia o Evangelho e ele respondeu-me haver nascido no Evangelho; perguntei-lhe também se tinha em si mesmo testemunho de ser salvo, e ele respondeu-me que não sabia, então o exortei a pedir perdão a Deus de todo o seu coração e depois buscar a Promessa do Espírito Santo; ele obedeceu prostrando-se de joelhos e naquele momento, o Benigno Senhor o lavou com SEU SANGUE, e também o selou com a Promessa do seu Espírito Santo. Naquele momento se achavam presentes os irmãos G. Marin e A. Lencioni, tendo esse último se manifestado contrário; entretanto vendo como o Senhor operava sobre o irmão G. Perrou, seu conhecido, convenceu-se e buscou também a face do Senhor. (CCB, 2002, p. 38-39).

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4.1.5 Pentecostes na Assemblea Cristiana de Chicago.

Pietro Ottolini testifica aos seus irmãos reunidos na West Grand Ave, 1139, os fatos

ocorridos na North Avenue Mission do pastor Durham, e como recebeu o batismo do Espírito

Santo no dia 09 de Setembro de 1907. No dia 14 de Setembro o irmão A. Lencioni visita a

Missão de Durham acompanhado de G. Perrou, este último recebe o batismo. “Na manhã do

dia de domingo, 15 de setembro, chamado por Francescon de ‘inesquecível dia’ e por Ottolini

de ‘um dia de sacra memória’ houve uma manifestação especial do Espírito Santo entre os

italianos reunidos na Assemblea Cristiana.” (GIAMARCO, 2007).

Os presentes não compreendendo as manifestações ocorridas, mandam chamar

Francescon, o qual vem, e explica-lhes que se trata de manifestações pentecostais. Enquanto

ele falava, alguns irmãos recebem o batismo pentecostal. Após esse acontecimento

Francescon é novamente conduzido ao posto de Ancião na antiga igreja.

No inesquecível dia 15 de Setembro do mesmo ano, na casa de oração da W. Grand Ave, 1139, o Senhor se manifestou no irmão A. Lencioni, e muitos dos presentes julgando que ele não se encontrasse em sí, formaram um ambiente confuso por não discernirem a obra de Deus. Dois dos presentes (P. Menconi e Luigi Garrou) vendo isso, vieram me chamar dizendo que fosse depressa onde eles se encontravam reunidos; antes de sair orei ao senhor que me determinou ir. Ao entrar naquele local, o Senhor me abriu a boca para falar no poder do Sangue do Concerto Eterno e que só por Ele se pode permanecer em pé na presença de Deus e obter as Suas fiéis promessas. Imediatamente, o Senhor se manifestou com Sua presença, selando os irmãos P. Menconi, A. Andreoni, A. Lencioni e outros, e as maravilhas de Nosso Senhor e de Seu grande poder foram conhecidas e manifestadas a todos quantos vinham vê-las e o Senhor convencia e os selava, jovens e velhos (na fé) e entre esses, os irmãos G. Marin e Umberto Gazzari. Nas primeiras semanas o Senhor chamou muitos Carrareses, entre os quais nosso irmão Alessio Adriani, que ainda vive e permanece na fé. Quando voltei à Congregação de W. Grand Ave, o irmão P. Ottolini abria o serviço e P. Menconi presidia. No terceiro serviço que tivemos, sucedeu que, enquanto o irmão P. Menconi subia ao púlpito, o irmão P. Ottolini, (guiado pelo Espírito Santo), deu um salto e falou em alta voz: “Irmão Menconi! pare; o Senhor me disse que enviou em nosso meio o irmão Louis Francescon para nos exortar”. E o irmão P. Menconi foi confirmado por Deus para ficar sentado no momento, depois também Deus se serviria dele. E foi assim que, novamente, ocupei o lugar de ancião nessa igreja até 29 de junho de 1908. (CCB, 2002, p. 39-40 – grifo do autor).

Os grupos novamente unidos formam a primeira igreja italiana pentecostal em solo

americano a “Assemblea Cristiana”. A atividade na nova igreja é intensa. Profecias, curas,

batismos do Espírito Santo, novas conversões. A Igreja Presbiteriana Italiana sofre novas

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baixas. Nessa época Francescon faz uma profecia, que futuramente se tornará a marca

calvinista distintiva da CCB, ou seja, Deus é quem enviará as pessoas que se salvarão á Igreja.

Em fins de outubro, o Senhor enviou minha esposa a Los Angeles, Cal., a fim de dar o testemunho da promessa a família do irmão N. Moles, que residia naquela cidade à cerca de um ano antes da manifestação do Espírito Santo, resultando assim que também alguns deles foram selados e então se uniram com os irmãos Americanos que ali, habitavam. Nessa ocasião recebemos a visita de alguns irmãos de Hulberton N. Y., que ouviram como o Senhor tinha operado em nosso meio. Após alguns dias foram também selados e voltaram as suas residências com essa confirmação em seus corações. Pouco depois vinha também o irmão G. Beretta que recebeu o dom de Deus. Recebemos também em nosso meio os irmãos Leopoldo Tedeschi e Michele Iacovetti, (que conheciam o Evangelho). Em princípios de Dezembro o Senhor falou pela minha boca, dizendo: “Eu o Senhor, permaneci no meio de vós e se me obedecerdes e fordes humildes Eu mandarei convosco todos que devem ser salvos. Vos terei unidos por um pouco de tempo a fim de vos preparar, para depois mandar alguns de vós em outros lugares para recolher outras minhas ovelhas. Este é o sinal que vos dou para confirmar que vosso Deus é que vos falou. Este local será pequeno para conter as pessoas que chamarei”. Logo após estas profecias um irmão sentiu-se de comprar mais 60 cadeiras, a fim de juntar às existentes. Naqueles dias o Senhor havia operado nos irmãos Giacomo Lombardi e Giovanni Rossi e em outras famílias, membros da Igreja Presbiteriana Itália, como também nos católicos, dentre os quais o irmão Luigi Terragnoli. No domingo seguinte ao da profecia, todas as cadeiras foram ocupadas, permanecendo algumas pessoas em pé. Em princípios de janeiro de 1908, foi realizado um batismo para estes últimos e cerca de 70 obedeceram ao mandamento de Nosso Senhor; desses, a maior parte já eram selados com a Promessa. De 15 de setembro até fim de Dezembro de 1907, o Senhor fez muitas curas milagrosas de doenças crônicas e incuráveis à ciência humana; desses casos citamos aqui quatro nomes: G. Lombardi, P. de Stefano, Lúcia Menna e Fidalma Andreoni. O Senhor permitiu, entretanto que passássemos duras provas e perseguições, mas não fazíamos caso delas, porque a Graça de Deus abundava em nossos corações e as suas promessas eram fiéis. (CCB, 2002, p. 40-41 – grifo do autor).

Com o estabelecimento da igreja e com seu crescimento, a preocupação agora é com

as missões. Entre 1908 e 1909, partem de lá cerca de vinte missionários levando a mensagem

pentecostal aos seus patrícios, residentes em diversas regiões dos Estados Unidos, Itália e

América Latina. (GIAMARCO, 2007).

Em Janeiro de 1908 os irmãos P. Ottolini e G. Perrou, guiados pelo Espírito Santo e com a comunhão da Igreja foram à cidade de New York, (passaram antes por Hulberton) permitindo o Senhor que alguns cressem, dentre os quais o irmão Silvio Margadonna. Depois da partida de P. Ottolini, o irmão A. Lencioni tomou o seu lugar em abrir os serviços, e em Fevereiro, o Senhor lhe fez sentir de ir a Hulberton N.Y., a fim de batizar novamente os crentes daquele local, pois não foram imergidos de acordo com Sua Santa Palavra. O irmão G. Lombardi substituiu A. Lencioni até 15 de Julho. Em Março do ano seguinte, o Senhor fez saber a mim e ao irmão G. Lombardi que deixássemos o nosso trabalho material, para nos dedicarmos inteiramente à obra que Ele nos havia preparado; ambos nos encontrávamos em má

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situação financeira e cada um com 6 filhos menores; entretanto, não tememos, certos de que o Senhor protegeria nossas famílias. Esta revelação nos foi confirmada por meio do dom de interpretação de linguagem e isto muito nos consolou, dispondo-nos inteiramente à vontade de Nosso Senhor. Em princípios de Abril, num espaço de duas semanas, quatro irmãos partiram para a Itália, dos quais três voltaram sem sucesso. Permaneceu lá um pouco de tempo com sua família o irmão Demetrio Cristiani, tendo o Senhor operado nela, vieram, após, a Chicago. Durante o mês de Abril, o Senhor nos mandou gloriosas mensagens, controladas pelo Espírito Santo e quase todas já se cumpriram; destas, vamos narrar uma como segue: um irmão, depois de ter rendido testemunho, falou em linguagem estranha e sentou-se; uma nossa irmã, com o dom de interpretação, levantou-se dizendo: “O Senhor nos faz saber hoje, pela boca deste irmão, que os Santos da Itália serão perseguidos sob o reinado de Vittorio Emanuelee III”, (Note-se que por ocasião desta profecia, o testemunho desta Obra, não tinha ainda chegado a Itália). Como todos sabem, esta profecia foi totalmente cumprida em 1936, quando, por ordem do governo italiano, todos os locais de reuniões de nossos irmãos foram fechados e proibidos de se reunirem, e os que eram surpreendidos reunidos eram multados e também encarcerados, pelo único motivo de servirem a Deus vivente, segundo a fé Apostólica. Em 29 de Junho, o Senhor me fez sentir de ir a St. Louis, Mo. Antes de partir, ordenei para anciães desta Igreja de Chicago os irmãos Pietro Menconi e A. Andreoni. Em 15 de Julho, me veio encontrar em St. Louis, Mo. o irmão Lombardi e de lá partimos para Califórnia. Em princípios de Setembro, ele voltou a Chicago para depois partir para Roma (Itália) onde diversos foram pelo Senhor chamados e eleitos para serem Suas testemunhas naquela nação.12 Eu fiquei em Los Angeles, e acolhi em casa do irmão N. Moles algumas irmãs italianas já salvas e batizadas com o Espírito Santo, nas Igrejas Americanas daquela cidade. Naquele tempo o Senhor salvou o irmão Serafino Arena e família, além de outros e, após tempos, o irmão S. Arena sentiu-se levar o testemunho na Sicilia (Itália), onde foi bem sucedido. Em 3 de março de 1909, voltei a Chicago. Em 18 de Abril, guiado pelo Espírito Santo, parti para Filadélfia, Pa., onde o Senhor chamou os irmãos Giovanni Marcucci, sua esposa e um filho, sua irmã Carolina e filha, e mais a irmã Concetta. O Senhor firmou Sua Obra naquela cidade no meio do povo italiano, confirmando-A pelo bom fruto dado à Glória de Deus Pai. Voltei a Chicago em 22 de Julho. (CCB, 2002, p. 42-44 – grifo do autor).

4.1.6 Viagem para a América Latina.

Antes de se relatar a viagem de Francescon para a Argentina e Brasil, um fato ocorrido

no Chile é digno de nota. Um Movimento do Espírito surgia naquele país, independente de

missionários estrangeiros. O movimento pentecostal chileno nasceu no seio da Igreja

Metodista de da cidade de Valparaíso.

O pastor W. G. Hoover em 1895 visita uma igreja pré-pentecostal em Chicago, e fica

impressionado com a vitalidade da renovação espiritual vivida pela igreja. Através de

correspondências com líderes pentecostais da Índia, Estados Unidos e Venezuela, Hoover se

inteira do batismo do Espírito Santo Pentecostal. Entre 1907 e 1909 são intensificadas as

12 Dos trabalhos de G. Lombardi na Itália originou-se a Igreja Cristã Evangélica Assembléia de Deus na Itália. Disponível em http://www.assembleedidio.org/cennistorici.php

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reuniões de oração e vigílias em sua igreja. Os textos de Atos e do profeta Joel são estudados

com afinco, até que:

“... risos, chôro [sic], gritos, cantos, línguas estranhas, visões, êxtases nos quais a pessoa caia no solo e se sentia trasladada a outra parte – ao céu, ao paraíso, a campos formosos, com experiências variadas – falavam com o Senhor, com anjos ou com o diabo [!]. Os que passavam por estas experiências gozavam muito e geralmente eram mudados e se tornavam cheios de louvores, de espírito de oração, de amor”. (HOOVER apud D’EPINAY, 1970, p. 48).

O Espírito surge com toda força na igreja dirigida pelo pastor Hoover, com todas as

manifestações pertinentes a este tipo de movimento. Assim desde 1902 “ventos de

espiritualidade” já sopravam sobre a pequena igreja de Valparaíso e consequentemente sobre

a America Latina. (D’EPINAY, 1970).

Em 4 de Setembro de 1909 Louis Francescon, Giacomo Lombardi e Lucia Menna

partem de Chicago para a Cidade de Buenos Aires na Argentina. Trazem consigo a mensagem

pentecostal. Mais uma vez Francescon alega estar viajando apoiado em uma revelação. Dois

anos antes, ele já havia recebido do pastor Durham essa incumbência. Eles vêm com a

intenção de evangelizar Michelangelo Menna, cunhado de Lucia Menna.

Em 4 de Setembro por santa revelação e bem confirmado, embarquei de Chicago Ill. para a cidade de Buenos Aires, com o irmão G. Lombardi e Lucia Menna. Após algumas semanas eu e o irmão G. Lombardi fomos convidados pela família Michelangelo Menna, a ir a sua casa em San Cagetano, província de Buenos Aires, onde o Senhor operou das suas maravilhas. Em princípios de janeiro de 1910 voltei com o irmão G. Lombardi na cidade de Buenos Aires, onde foi aberta uma porta para a Obra do Nosso Senhor, e também num subúrbio chamado Tigre. (CCB, 2002, p. 44).

Francescon não dá detalhes da sua passagem pela Argentina. Acontece, porém, que ao

evangelizar um pequeno grupo na província de San Cagetano e num bairro de Buenos Aires

chamado Tigre, ele lança as bases da futura igreja Assemblea Cristiana. Em 1916 Narciso

Natucci, vindo da Assemblea Cristiana de Chicago, organiza definitivamente a igreja. O

relato a seguir é da própria igreja na Argentina. Nas palavras do Pastor Crimi:

Cidade de Chicago (EUA) calle West Erie Street 1350, em sua fachada lê-se ASAMBLEA CRISTIANA REUNIDOS EM NOME DE JESUS. Nesta direção vinha todos os dias, um grande número de fiéis, os cultos eram realizados em

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italiano, pois sua membresia era composta de emigrantes da Itália. A mensagem de Deus chegava poderosamente e penetrava nos corações das pessoas reunidas ali. Logo veio um pregador pentecostal com uma mensagem para nosso país. Os primeiros a chegar eram irmãos da mesma nacionalidade, pertenciam a nossas igrejas com o nome ‘ASAMBLEA CRISTIANA’. Vindos de Chicago desembarcaram em 09 de outubro de 1909, no porto de Buenos Aires, os irmãos Luis Francescon, Giacomo Lombardi e Lucia Menna. Em 28 de novembro do mesmo ano, o Senhor batizou com o Espírito Santo 6 pessoas, pertencentes à família Menna, que viviam em San Cayetano (província de Buenos Aires). Além de pregar nas cidades de Três Arroyos e Tiger Necochea, em seguida partiram para o Brasil em 8 de março de 1910. [...] Em 1915, entre as pessoas que se reuniam na igreja de Chicago, um homem começou a sentir em seu coração um desejo ardente de trazer a mensagem de Deus para Buenos Aires. Chamava-se Narciso Natucci. (1996 – tradução nossa).

Depois de lançar as bases da igreja na Argentina, Francescon embarca para São

Paulo, onde organizará a CCB. Seria comum pensar que entre a CCB e a Asamblea Cristiana

da Argentina houvesse estreitos laços. Nada mais natural, uma vez que as duas Igrejas

compartilham o mesmo fundador. No entanto, a CCB seguindo sua linha exclusivista não

mantém nenhum vinculo de cooperação com a igreja na Argentina. Muito menos com

qualquer outra igreja do Brasil ou do exterior, nem ainda com as igrejas que nasceram do

movimento pentecostal ítalo-americano. Com relação à igreja na Argentina a CCB explica:

- OBRA DE DEUS NA ARGENTINA E BOLIVIA

Levantou-se o irmão Ricardo Rebuffo, de Buenos Aires (Vila Lyneh) fazendo um rápido histórico como começou a obra na República Argentina. Em 1909 chegou o testemunho a eles por intermédio dos servos de Deus, irmão Louis Francescon e Giacomo Lombardi, vindos de U. S. A. A Obra prosperou grandemente espalhando-se por quase todo o país; entretanto de uns tempos para cá, as coisas não seguiram como deviam seguir. Alguma cousa [sic] que não convém à sã doutrina infiltrou-se no meio da Igreja e entrou a desunião danificando a obra [...] (CCB, Resumo de Ensinamentos da Assembléia Geral de 1969 – grifo nosso).

A igreja na Argentina seguiu o padrão das igrejas americanas em relação à criação de

escolas bíblicas e implantação de estudos bíblicos. Foram criadas revistas para educação

teológica dos membros, inclusive uma revista dedicada especialmente para admissão de novos

membros. “Todas essas coisas que não convêm à sã doutrina”, na opinião da CCB, danificou

a “Obra na Argentina, pois ela levantou barreiras intelectuais para a livre ação do Espírito.13

Após os trabalhos na Argentina, Francescon e Lombardi se dirigem ao Brasil.

13 Revista: “Ingressando como membro na Asamblea Cristiana. Disponível. em <http://www.asambleacristiana.com.ar/pdf/Ingresando%20como%20miembro%20-%20Profesor.pdf.>. Acesso em 14 de Out. de 2009.

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4.2 Louis Francescon no Brasil.

Em 08 de Março de 1910 Francescon e Lombardi partem de Buenos Aires na

Argentina com destino ao Brasil para a cidade de São Paulo, Capital. Eles conhecem um

italiano no bairro da Luz que morava em Santo Antonio da Platina, norte do Estado do

Paraná. Passado alguns dias Lombardi resolve voltar para Buenos Aires e Francescon decide

ir atrás do novo amigo. Logicamente, todas as ações estão divinamente guiadas pelo Espírito.

Embora o grande desenvolvimento da CCB ocorresse em São Paulo, entre a colônia italiana,

foi no Paraná que aconteceram as primeiras conversões. Ou como Bianco (2008) denonima:

“O Mito de Origem”.

Em 8 de março de 1910, por determinação do senhor, partimos direto a São Paulo (Brasil). No segundo dia de nossa chegada, divinamente guiados, encontramos no jardim da luz um italiano chamado Vicenzo Pievani (ateu) morador em Sto. Antônio da Platina, Paraná, e lhe falamos da graça de Deus. (CCB, 2002, p. 44).

4.2.1 As primeiras conversões em Santo Antonio da Platina.

Francescon conheceu no Jardim da Luz em São Paulo, o italiano Vicenzo Pievani que

curiosamente classifica como ateu. Enfrentando todas as dificuldades possíveis, ou seja, sem

saber a localização nem como chegar lá, sem falar o português, doente e com pouco dinheiro,

Francescon, divinamente guiado, decide viajar pela estrada de ferro Sorocabana,

desembarcando na estação de Salto Grande. Após percorrer 70 quilômetros a cavalo na

companhia de um guia indígena, chega a Santo Antonio no dia 20 de Abril de 1910. Segundo

ele tudo já estava preparado por Deus.

Dois dias após, V. Pievani voltou a Sto. Antônio da Platina, e nós permanecemos em S. Paulo até aos 18 de Abril, quando então por vontade de Deus, o irmão G. Lombardi partiu para Buenos Aires e eu para Sto. Antônio da Platina. Chegando naquele lugar, encontrei dois italianos um dos quais era V. Pievani e o outro Felício A. Mascaro; sendo suas esposas e demais moradores daquele lugar brasileiros e de fé católica romana. Para ir ao lugar onde o Senhor me ordenara, eu não tinha nenhum endereço a não ser o seguinte: V. Pievani, Sto. Antônio da Platina, Estado do Paraná. Havia só uma estrada de ferro que levava ao sul daquele Estado, porém, Sto. Antônio da Platina achava-se ao norte e distante mais de 200 Km da estação mais próxima. Meu coração duvidava em tomar aquela estrada, porém, me senti de ir à estação e consultar o mapa e o Espírito Santo me indicou a tomar a Estrada de Ferro Sorocabana, que percorria o Estado de São Paulo, passando perto do norte do

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Estado do Paraná, e sua última estação era Salto Grande. Parti de São Paulo às 5:30 horas com uma terrível dor lombar que me impediu tomar alimento durante todo aquele dia. Cheguei a Salto Grande às 23 horas e nesse lugar o Senhor me disse ter preparado tudo para mim, a fim de cumprir minha missão; e assim aconteceu, porém faltavam cerca de 70 km a cavalo, atravessando matas virgens infestadas de jaguaras e outras feras existentes no lugar. Pela Graça de Deus, fiz este resto de viagem com um guia indígena, chegando em Sto. Antônio da Platina, em 20 de Abril. Outra dificuldade que encontrei foi não conhecer uma palavra do idioma português, e achar-me sem dinheiro e doente; Deus, porém, que tem todos os corações em suas mãos, me fez ver a primeira maravilha: ao chegar naquele local, encontrei na janela a esposa do italiano V. Pievani tendo o senhor lhe dito: “Eis o homem que Eu vos enviei”. (note-se que eu não era lá esperado). Assim, fui recebido em sua casa e poucos dias depois, o Senhor comprazeu-se em abrir seus corações e de mais 9 pessoas. Foram batizadas na água 11 pessoas e confirmados com sinais do Altíssimo. Estas foram as primícias da grande obra de Deus naquele país. (CCB, 2002, p. 44-46 – grifo do autor).

Francescon se hospedou na casa de Pievani e passado alguns dias, batizou onze

pessoas em um riacho próximo chamado “Ribeirão do Boi Pintado”. Entre os batizados estava

Feliciano A. Mascaro, o primeiro membro batizado no Brasil. A primeira comunidade foi

formada, portanto, em Santo Antonio da Platina. Segundo Bianco (2008), este fato marcou

profundamente os membros da CCB neste local. Não só os membros como também as

autoridades da cidade. Foram nomeadas ruas e avenidas com os nomes de Francescon e

Mascaro. Mesmo que a organização oficial da CCB tenha ocorrido posteriormente em São

Paulo, os membros de Santo Antonio da Platina não abrem mão desta “fundação simbólica”.

Depois dessas conversões o povo da região, predominantemente católico, fica

enfurecido a ponto de jurar Francescon de morte. Após passar por muitas dificuldades, ele

retorna para São Paulo em 20 de Junho de 1910.

Logo após o inimigo começou a trabalhar para desfazer aquela Obra, mas foi em vão o seu trabalho. O resto do povo daquele lugar sabendo da minha chegada e da minha missão, juraram matar-me, tendo como chefe um sacerdote de determinada denominação. Isto teria sucedido se Deus não interviesse com Seus meios. O Senhor me fez saber de permanecer lá até 20 de Junho; nessa prova eu estava pronto a me entregar aos inimigos, a fim de poupar a vida dos poucos crentes que o Senhor havia chamado. Deus é testemunha disso, como também os irmãos que lá vivem. Parti de Sto. Antonio da Platina em 20 de Junho, com destino a São Paulo. (CCB, 2002, p. 46).

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4.2.2. As primeiras conversões em São Paulo.

Francescon chega a São Paulo provavelmente em 21 de Junho de 1910. Ao chegar ele

relata que o Senhor lhe “abriu uma porta” da qual resultou na “conversão” de 20 pessoas.

Dentre elas haviam Presbiterianos, Batistas, Metodistas e Católicos Romanos. Francescon está

convicto de sua missão, pregar a mensagem pentecostal aos italianos, independente do lugar

onde estejam e da religião que professam.

Apenas chegando àquela capital, o Senhor permitiu abrir uma porta, resultando que cerca de 20 almas aceitaram a fé e quase todas provaram a Divina virtude. Uma parte eram Presbiterianos e alguns Batistas e Metodistas e alguns também Católicos Romanos. Alguns foram curados e outros selados com o Bendito Dom do Espírito santo. (CCB, 2002, p. 46).

A porta que Francescon se refere é uma Igreja Presbiteriana situada na Rua da

Alfândega nº 64, antigo nº 4 no bairro do Brás, onde ele tem a oportunidade de pregar a

mensagem pentecostal. A pregação de Francescon dividiu a igreja e para evitar maiores

problemas o pastor Carvalhosa mudou-se dali, levando consigo os bancos e o órgão da Igreja.

Os membros que ficaram começaram a realizar cultos com Francescon naquele lugar,

eram eles: Felipe Pavan (ex-presbítero da igreja), sua esposa Ângela e seus filhos Germilio e

Paulo, Ernesto Finotti sua esposa Esterina e seu filho João, Santo Pontalti e sua esposa Isabela

parentes de Ernesto. Esse pequeno grupo foi batizado por Francescon no Rio Tietê, na altura

da Ponte Grande. Ernesto e Pavan foram ungidos14 para o ministério de Ancião. Em Setembro

de 1910 ele parte para o Canal do Panamá, após aconselhar o pequeno grupo de irmãos. “Em

fins de Setembro parti para o Canal do Panamá, deixando-os nas mãos de Deus e com os

conselhos que o Senhor mandou dar para que, por meio deles continuassem a Obra de Deus

naqueles lugares.” (CCB, 2002, p. 46).

Em 1911 o irmão Genário também foi ungido para o ministério. O ancião Genário

batizou outra família no bairro da Água Branca. Em um rio próximo à fábrica de vidros Santa

Marina, foram batizados: Antonio Mazzei, sua esposa Maria e seus filhos Francisco e

Genarino.

14 “Ungir” no vocabulário da CCB é o mesmo que ordenar ou consagrar ao pastores ao ministério.

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Em Fevereiro ou Março de 1915, Felipe Pavan e sua família foram despejados da casa

onde moravam na Rua da Alfândega. Pavan foi acolhido pelo irmão Caetano D’angelo na Rua

Anhaia. Passado alguns dias ele foi morar com a família Spina na Rua da Graça. Dessa forma

o grupo ia aumentando. Finalmente em 1916 é adquirida uma propriedade na Rua

Uruguaiana, 163 para realização dos cultos. Na década de 1950 será adquirida a propriedade

que se tornará sede central da CCB no mundo, situada a Rua Visconde de Parnaíba nº 1616.

Estes são os primórdios do inicio da CCB em São Paulo.15

4.3 Desenvolvimento e expansão.

Um fator importantíssimo que contribuiu para o sucesso do trabalho de Francescon,

em São Paulo, foi a forte presença da colônia italiana. No transcorrer dos séculos XIX e XX

emigraram para o Brasil cerca de 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) italianos.

Quatro razões contribuíram para esse fenômeno. O primeiro, econômico, está ligado à

substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalhador italiano. O segundo, racial, está ligado à

política de branqueamento da população brasileira. O terceiro, cultural, está ligado à política

migratória de não trazer povos distante da cultura latina. O quarto, religioso, está ligado ao

fortalecimento da população católica em nosso país. Desse ponto de vista, o italiano possuía o

perfil perfeito. (BORGES PEREIRA, 2004). Segundo Bianco:

Em São Paulo, que chegou a ser identificada como uma “cidade italiana” no início do século XX, os italianos se ocuparam principalmente na indústria nascente e nas atividades de serviços urbanos. Chegaram a representar 90% dos 50.000 trabalhadores ocupados nas fábricas paulistas, em 1901. No início, entretanto, o destino era mesmo as fazendas de café do interior paulista, que também incluía o que conhecemos hoje como interior paranaense. Logo que os italianos chegavam, o governo os recebia em alojamentos provisórios. Em 1882 foi inaugurada uma hospedaria, no bairro do Bom Retiro, no entanto, o local era pequeno e lá proliferavam diversas doenças. Foi necessário então, começar a construir um novo local que pudesse atender à demanda crescente de estrangeiros. Em junho de 1887 começou a funcionar a Hospedaria do Imigrante, com capacidade para 1200 pessoas, mas esse número muitas vezes foi ultrapassado, houve oportunidades em que se registrou a presença de 6 mil pessoas alojadas. Nos 91 anos de atividades, estima-se que o local tenha acomodado aproximadamente três milhões de pessoas. Atualmente, o complexo abriga o Museu da Imigração. (2008, p. 36-37).

15 O relato completo do inicio da CCB em São Paulo está disponível em <http://www.louvoresccb.kit.net/curiosidades/relato_da_obra_de_deus_no_seu_in.htm>.

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Francescon em São Paulo sentiu-se literalmente em casa. Não teve de enfrentar

dificuldades culturais para desenvolvimento do seu trabalho. Isso lhe conferiu uma enorme

vantagem estratégica na evangelização. Com isso o numero de membros foi crescendo em

virtude da existência de laços comuns. “Quando o fundador da Congregação, Louis

Francescon, italiano, chegou ao Brasil, já possuía ligações com a imensa colônia italiana. Ele

pregou, viveu, trabalhou, atuou como pastor e batizou nesse meio italiano. Não tinha de

vencer barreiras culturais”. (READ, 198-?. p. 41).

Nos primeiros anos o trabalho da CCB ficou limitado à colônia italiana. Ela era

conhecida como igrejinha dos italianos. Por causa dos cultos de caráter pentecostal era

conhecida também como glórias, isso porque no culto, a todo o momento os membros diziam:

“glória a Deus”. (LÉONARD, 1988).

“Naqueles primeiros dias, o Senhor chamava apenas a população italiana, pois a única

língua utilizada pelo fundador era o Italiano! Falava-se, pregava-se, ensinava-se e cantava-se

só em Italiano.” (ancião João Finotti citado por READ, 198-?, p. 22).

Devido ao caráter étnico que a igreja adquiriu, seu crescimento nos primeiros anos foi

modesto. Mas com o passar dos anos houve uma transição natural para a população brasileira.

Consequentemente o numero de membros começou a crescer. Read esclarece:

O movimento expandiu-se entre os italianos, e, com o correr dos anos, passou natural e progressivamente dos italianos para os brasileiros, sem qualquer dificuldade, pois, por volta de 1930, duas gerações de italianos já se haviam integrado na sociedade brasileira e o fundador havia começado a pregar e ensinar, usando o Português em vez do Italiano. (198-?. p. 41).

Os primeiros números sobre o crescimento da CCB são relatados pelo próprio

Francescon na autobiografia que estamos seguindo. Ela foi escrita em Março de 1942. Ele

atribui ao rápido crescimento, prova irrefutável de que a Igreja foi plantada e guiada pelo

Espírito Santo.

Até agora o Senhor me enviou nove vezes ao Brasil e todos as vezes tenho notado maior progresso no meio deles quer espiritual, quer material. Esta é uma prova que a obra de Deus no Brasil foi plantada pelo Espírito Santo e por Ele guiada; na Capital de São Paulo existem cerca de 30 Igrejas, todas de comum acordo e com mais de 6000 almas que rendem testemunho da graça de Deus. Segundo o relatório do ano de 1940, o numero de casa de oração da nossa irmandade no Brasil era de 305; do ano de 1935 a 1940, obedeceram 17.761 almas ao mandamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, ao qual seja dada toda honra e glória. (CCB, 2002, p. 47).

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William R. Read (198-?) em estudo realizado na década de 1960, baseado nos

relatórios anuais que contabilizam os batismos realizados, informava que de 1936 a 1962,

330.025 (trezentos e trinta mil e vinte e cinco) haviam sido batizadas. Segundo cálculo

aplicado por ele, a comunidade era de aproximadamente 600.000 pessoas. Nessa época a CCB

já havia se espalhado por vários estados brasileiros. No último Censo Demográfico realizado

em 2000, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), declararam-se membros

da CCB, 2.489.113 (dois milhões quatrocentos e oitenta e nove mil cento e treze) pessoas.16

Até 1935 a CCB não contabilizava o numero de pessoas batizadas, pelo receio de

incorrer no pecado do Rei Davi, descrito em II Samuel capítulo, 24. Após 1936 Francescon

recebe uma revelação do óbvio, “manter registros sistemáticos a fim de obedecer às leis do

país” (READ, 198-?, p. 25). Para Mendonça (1990) a CCB “explodiu” na década de 1950

quando os trabalhadores italianos foram substituídos pelos nordestinos no bairro do Brás.

4.3.1 O Hinário transmite uma História.

Embora não mantendo registros históricos, uma fonte que demonstra o processo de

aculturação da CCB ao povo brasileiro é o seu livro de hinos usado nos cultos. O primeiro

hinário foi composto e impresso ainda na Assemblea Cristiana de Chicago em 1912. Sua

autoria é reputada às revelações do Espírito Santo. Yuasa registra esse acontecimento:

No ano de 1912, enquanto nós ainda estávamos na igreja de Chicago Illinois, numa humilde localização numa grande Avenida, nosso primeiro livro de hinos foi impresso. Estando sem um livro de hinos até aquele momento com o qual pudéssemos louvar o Senhor, nós nos reunimos em especial oração, e rogamos ao Senhor para abrir um caminho através do qual nós pudéssemos obter um livro italiano de músicas espirituais. [...] Durante a oração o Senhor se revelou aos irmãos com estas palavras: “Eu darei sabedoria para os irmãos entre vocês, quem deverão compor um livro de músicas, o qual será se sua propriedade e o qual deverá ser utilizado sempre onde quer que Eu seja invocado (apud BIANCO, 2008).

O hinário se chamava “Inni e Salmi Spirituali” posteriormente foi impresso o “Nuovo

Libro di Inni e Salmi Spirituali”. Por causa dessa “revelação” recebida por Francescon e seus

companheiros, os membros da CCB, até hoje, acreditam que os hinos que a igreja canta nos

16 Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/religiao_Censo2000.pdf.

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cultos, são de autoria dos fundadores, tanto a letra quanto a música. Assim acreditam que as

outras igrejas, principalmente as pentecostais “copiaram” seus hinos mudando apenas a letra.

Mas segundo análise de Yuasa (apud BIANCO, 2008), os hinos contidos nesses hinários

foram inspirados em diversas musicas do movimento Holiness americano e nos hinários

protestantes em geral. Somente 24% (vinte e quatro por cento) dos hinos contidos nesses

hinários são de autoria do movimento pentecostal italiano.

Em 1932 Francescon teve outra “revelação” e deu instruções aos anciães brasileiros

para que alguns hinos fossem traduzidos para o português. Assim foi produzido um hinário

misto, italiano/português e um hinário só em português. O balanço apresentado na Assembléia

Geral de 1936 mostra a contabilização da venda dos hinários em 1934/1935. Foram vendidos

2.042 mistos contra 1677 hinários em português, revelando a preferência dos membros pelo

hinário misto.

O hinário Nº 2 chamava-se “Hymnos e Psalmos Espirituaes”. Impresso em Março de

1944 já em português. No seu prefácio há uma evidência da procedência da autoria dos hinos,

ratificando o que foi relatado no penúltimo parágrafo.

Agradecemos a Deus por Jesus Cristo por mais este passo que nos permitiu dar na compilação deste novo livro intitulado “HYMNOS E PSALMOS ESPIRITUAES” Nº 2 o qual melhor se adapta ao desenvolvimento da Congregação Cristã do Brasil. Grande parte destas melodias sacras, pertencem a autores norte-americanos, italianos e de outras nacionalidades; as demais, assim como as poesias, quer originais, traduzidas ou semi-traduzidas, são frutos de membros da Congregação Cristã do Brasil. (CCB, Hinário Nº 2, 1944).

Segundo o próprio prefácio, esse hinário “melhor se adapta ao desenvolvimento da

CCB”. Ou seja, ao processo de transição e acomodação da igreja ao povo brasileiro.

Igualmente, revela que a maioria dos hinos foi composta por irmãos de diversas

nacionalidades.

O estudo analítico da evolução do hinário da Congregação iria certamente revelar diversas etapas do crescimento e desenvolvimento dessa nova igreja, explicando sua rápida transição, da cultura predominantemente italiana para a brasileira num período rápido de tempo. O elemento italiano, tanto racial como lingüístico foi a ponte atravessada pela nova igreja para atingir um rápido padrão de crescimento. (READ, 198-?, p. 24).

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O hinário Nº 3 chamava-se “HINOS DE LOUVORES E SÚPLICAS A DEUS” e

continha 330 hinos. O hinário Nº 4 também se chama “HINOS DE LOUVORES E

SÚPLICAS A DEUS”. Ele contem 450 hinos, 400 hinos são utilizados nos cultos para adultos

e 50 para o culto dos jovens e das crianças. É utilizado desde Março de 1965. Atualmente está

sendo preparada uma nova edição com lançamento previsto provavelmente o ano de 2010.17

4.4 Doutrinas e Ensinamentos.

A fonte primária de autoridade de onde emanam as doutrinas e os ensinamentos da

CCB são as revelações e interpretações bíblicas do “profeta-fundador” Louis Francescon. A

Bíblia passa a ser então, uma fonte secundária. O único documento que a CCB teve

preocupação de registrar e publicar foram os resumos das Assembléias Gerais de 1936 e 1948,

justamente as reuniões que Francescon esteve presente. No preâmbulo desse documento, que

contem também a autobiografia que estamos seguindo, está escrito:

Prefácio

Devido à necessidade sempre crescente da Obra de Deus, o Senhor fez compreender a seus servos nas Reuniões Gerais de 1998, que seria necessária a nova edição do Resumo da Convenção das Igrejas da Congregação Cristã no Brasil do ano de 1936, assim como o Resumo das Reuniões Gerais de Ensinamentos do ano de 1948, já que esses dois trabalhos tiveram a assistência do irmão Ancião Louis Francescon, a quem esta Obra foi revelada. [...] (CCB, 2002, p. 5 – grifo nosso).

Os dois grandes pontos doutrinários que deram impulso a toda “saga” teológica

empreendida por Francescon, foram o batismo por imersão e o batismo do Espírito Santo.

Segundo ele foi através deles que a Igreja cresceu em numero, e por isso nada se pode mudar

ou acrescentar, pois o crescimento é sinal da aprovação de Deus.

Eis como o benigno Deus começou Sua Obra; pelo batismo da água, segundo o mandamento do Senhor Jesus, fomos tirados das seitas humanas e de suas teorias; pelo Dom do Espírito Santo Ela foi animada e engrandecida, nada mais havendo necessidade de acrescentar, pois os resultados falaram e ainda falam desta maravilhosa obra feita pela potente mão de Deus, e só a Ele seja dado honra e glória por Jesus Cristo, Bendito em Eterno. (CCB, 2002, p. 47).

17 Devo a Marcelo Ferreira Silva o contato com os hinários 1, 2 e 3.

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Francescon declara que todas as vezes que voltava para os Estados Unidos da

América, após alguma viagem, encontrava “coisas diferentes” daquilo que se fazia no inicio

do movimento pentecostal ítalo-americano. Devido a diferenças teológicas ele acabou se

separando desse movimento e organizando a Congregação Cristã de Chicago, a qual

permaneceu até sua morte em 07 de Setembro de 1964.

Todas as vezes que eu voltava á América do Norte, encontrava sempre novidades no meio de dos irmãos; coisa diferentes daquilo que tinham aprendido no começo. Agradeço a Deus, porém, que sempre me iluminou e me fez discernir o bem do mal, mantendo-me firme no Seu conselho e na Sua verdade. Este testemunho é um breve resumo da obra de Nosso Senhor. é uma lembrança á minha família e também um conforto á irmandade de Chicago, da qual uma parte se conserva fiel á palavra de Deus, tomando juntos a parte do Senhor como também muitos outros irmãos de outras localidades, que não comprometeram a celeste vocação por respeito humano, nem por temor do que o homem lhes pudessem fazer e nem ainda por tentação do maligno. Nas guerras do Nosso Senhor, muitos por não terem sido perseverantes, nos abandonaram, porém, Deus os substituiu por outros. Embora outros mais nos abandonaram, sabemos que temos um verdadeiro Amigo que nunca deixará, nem abandonará, nem abandonará Seus fieis; Ele é o Eterno Senhor, o Seu Nome é a Palavra de Deus, o Verdadeiro e Fiel, Aquele que julga e guerreia pela justiça, Aleluia. Irmãos! Guardemo-nos do inimigo e do seu astuto falar, a fim de não cairmos em seus laços, porém, firmes no conselho de Deus para que possamos, unidos com Ele e com o Espírito Santo, servi-lo, com lealdade e pela fé que temos recebido d’Ele em Cristo Jesus, nosso Salvador, Bendito em Eterno. Agradeço a Deus por Jesus Cristo, por ter mantido minha mente sempre clara e alertada até agora. Não conservei lembranças, ou particulares de minha vida, nem da gloriosa missão que o Bendito Deus me chamou a cumprir pela fé no Senhor Jesus e virtude do Espírito Santo. Contemplando sempre do alto da minha submissão ao Senhor meu Deus, o panorama de Sua grande Obra, sentindo-me sempre presente Nela e para contar, quando Ele me der oportunidade, as Suas grandes maravilhas, a Sua misericórdia, Seus conselhos e Suas libertações recebidas. Vi Seu poder e fidelidade em Suas promessas e também Seus juízos. Esta lembrança e também um Dom de Deus que o homem recebe d’Ele, para magnificar a Sua paciência e Suas Obras, e dar a Deus o louvor e toda a glória por Jesus Cristo, Amém. Chicago, Illinois, Março de 1942. (CCB, 2002, p. 48 – fim da primeira parte).

Devido a inúmeras discordâncias com os líderes do movimento pentecostal ítalo-

americano, Francescon diz que muitos irmãos se separam dele, mas Deus sempre os substituía

por outros. Por ter passado por varias experiências conflitantes, e por não concordar com

muitas das posições teológicas de seus primeiros companheiros, Francescon idealizou o que

seria a “Constituição da Igreja Perfeita”. Essa Constituição foi adotada pela CCB no Estatuto

de 1936.

CONSTITUIÇÃO DA IGREJA DE DEUS

Jesus é a cabeça da Igreja. O Espírito Santo é a Lei para guiá-la em toda a verdade. Sua organização é a Caridade de Deus no coração de seus membros, que é o vinculo

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da perfeição. Onde esses três não governam, é satanás que governa em forma de homem para seduzir o povo de Deus com sabedoria humana.

Por determinação dos Anciães essa Constituição foi colocada em um quadro, e por

muitos anos permaneceu afixada nos átrios da CCB. Nela Francescon transmite a idéia que

tem sobre a constituição da “verdadeira Igreja”. Nela não deve haver hierarquia, pois Jesus é a

cabeça e o Espírito Santo é a guia dos crentes.

- QUADRO REVELAÇÃO DO IRMÃO LOUIS FRANCESCON.

O Senhor preparando não há mal algum em se ter no saguão de uma casa de oração a inscrição em um quadro da revelação que o Senhor deu ao irmão ancião Louis Francescon e que se encontra no preâmbulo do Estatuto da Congregação. No entanto convém que seja uma coisa em ordem e em proporção em tamanho, com o local onde venha a ser colocado. Não há mal algum nisto como não há lei sobre o caso. (CCB, Resumo de Ensinamentos da Assembléia Geral de 1969).

Curiosamente esse quadro foi retirado dos átrios da CCB em 1999, devido a uma

revelação dada aos Anciães da época. A alegação para tal se deve ao fato de que Deus revelou

a Francescon que a única frase que deveria constar na CCB era a frase em cima do púlpito:

“Em Nome do Senhor Jesus”.

* 12 - QUADRO DA CONSTITUIÇÃO DA IGREJA DE DEUS18

Em reunião ministerial de Anciães de todo o Brasil, deste ano, deliberou-se por aprovação unânime remover esse quadro de nossas casas de oração. Essa resolução é tomada devido à revelação que o Senhor deu ao seu servo, irmão Louis Francescon, de que os únicos dizeres que devem constar nas casas de oração, são estes: "EM NOME DO SENHOR JESUS". Os dizeres do quadro serão tirados, também, da contra-capa do livreto de nosso Estatuto. (CCB, Resumo de Ensinamentos da Assembléia Geral de 1999).

4.4.1 Doutrinas.

Além da Constituição, a CCB possui doze pontos doutrinários que deveriam reger a

Igreja. Os doze pontos são figurativos, pois na prática o que impera são os ensinamentos

transmitidos pela tradição oral. Os pontos de doutrinas foram elaborados em uma convenção 18 O asterisco no tópico de ensinamento significa que ele é privativo do ministério, ou seja, não pode ser lido aos membros comuns.

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de igrejas do movimento pentecostal ítalo-americano a fim de definir e dirimir inúmeros

conflitos teológicos existentes entre os líderes.

A tensão se fazia presente em outras igrejas da comunidade italiana, que chegavam a divisão como ocorreu em Chicago. Devido a isso os anciões Luigi Francescon e Massimiliano Tosetto (Niagara Falls, NY), com o auxilio de Michele Palma (Syracuse, NY) consideraram necessária à realização de uma Assembléia Geral dos anciões das igrejas ítalo-americanas. O local foi à igreja de Niagara Falls, NY, e a data 30 de abril a 01 de maio de 1927. Essa Assembléia Geral pode ser considerada o evento constitutivo do movimento pentecostal ítalo-americano. Nele são elaborados e aceitos pelas comunidades os 12 pontos de fé, que ainda hoje são utilizados pela Congregação Cristã no Brasil, pela Christian Church of North América e pela Congregazione Cristiana Pentecostale Italiana [...] (GIAMARCO, 2007).

Os pontos de doutrina aparecem no Artigo 10º do Estatuto de 1936. Eles constam

também impressos no final dos hinários utilizados pela CCB nos cultos. São eles:

PONTOS DE DOUTRINA E DA FÉ QUE UMA VEZ FOI DADA AOS SANTOS.

1. Nós cremos na inteira Bíblia e aceitamo-la como infalível Palavra de Deus, inspirada pelo Espírito Santo. A Palavra de Deus é única e perfeita guia a nossa fé e conduta, e a Ela nada se pode acrescentar ou d'Ela diminuir. É também, o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê. (II Pedro, 1:21, II Tim., 3:16,17; Rom. 1:16).

2. Nós cremos que há um só Deus vivente e verdadeiro, eterno e de infinito poder, Criador de todas as coisas, em cuja unidade há três pessoas distintas; o Pai, o Filho e o Espírito Santo. (Ef. 4:6; Mat. 28:19; I João, 5:7).

3. Nós cremos que Jesus Cristo, o Filho de Deus, é a Palavra feita carne, havendo assumido uma natureza humana no ventre de Maria virgem, possuindo Ele, por conseguinte, duas naturezas, a divina e a humana; por isso é chamado verdadeiro Deus e verdadeiro homem e é o único Salvador, pois sofreu a morte pela culpa de todos os homens. (Luc. 1:27,35; João 1:14; I Pedro 3:18).

4. Nós cremos na existência pessoal do diabo e de seus anjos, maus espíritos que, junto a ele, serão punidos no fogo eterno. (Mat. 25:41).

5. Nós cremos que a regeneração, ou o novo nascimento, só se recebe pela fé em Jesus Cristo, que pelos nossos pecados foi entregue e ressuscitou para nossa justificação. Os que estão em Cristo Jesus são novas criaturas. Jesus Cristo, para nós, foi feito por Deus sabedoria, justiça, santificação e redenção. (Rom. 3:24 e 25; I Cor., 1:30; II Cor., 5:17).

6. Nós cremos no batismo na água, com uma só imersão, em nome de Jesus Cristo (Atos, 2:38) e em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. (Mat., 28:18,19)

7. Nós cremos no batismo do Espírito Santo, com evidência de novas línguas, conforme o Espírito Santo concede que se fale. (Atos, 2:4; 10:45-47; 19:6).

8. Nós cremos na Santa Ceia. Jesus Cristo, na noite em que foi traído, tomando o pão e havendo dado graças, partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo "Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim". Semelhantemente tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: "Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue, que é derramado por vós". (Luc. 22:19,20; I Cor., 11:24,25).

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9. Nós cremos na necessidade de nos abster das coisas sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocaa e da fornicação, conforme mostrou o Espírito Santo na assembléia de Jerusalém. (Ato, 15:28,29; 16:4; 21:25).

10. Nós cremos que Jesus Cristo tomou sobre Si as nossas enfermidades. "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da Igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados." (Mat. 8:17; Tiago, 5:14,15).

11. Nós cremos que o mesmo Senhor (antes do milênio) descerá do céu com alarido, com voz de arcanjo e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. (I Tess., 4:16,17; Ap. 20:6).

12. Nós cremos que haverá a ressurreição corporal dos mortos, justos e injustos. Estes irão para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna. (Atos, 24:15; Mat., 25:46) para a vida eterna. (Atos, 24:15; Mat., 25:46).

Do ponto de vista da teologia pentecostal, os doze pontos de doutrinas são perfeitos, e

representam bem essa teológica. Ou seja, no papel a CCB demonstra a típica teologia

pentecostal de quatro pontos, como classifica Dayton (1996). Jesus Salva (ponto 5), Cura

(ponto 10), Batiza com o Espírito Santo (ponto 7) e Voltará (ponto 11). Portanto, por mais que

a CCB negue qualquer classificação, ela não pode negar suas origens.

Dois pontos de doutrina merecem destaque. O ponto numero 1 por muitos anos

permaneceu inalterado. Até que em 1995 recebeu o acrescimento da palavra “contendo”,

passando a ter a seguinte redação:

Artigo 19 – Estatuto Reformado de 1995.

1) Nós cremos na inteira Bíblia Sagrada e aceitamo-la como contendo a infalível Palavra de Deus, inspirada pelo Espírito Santo. A Palavra de Deus é a única e perfeita guia da nossa fé e conduta, e a Ela nada se pode acrescentar ou d’Ela diminuir. É, também, o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê. (II Pedro, 1:21; II Tim. 3:16-17; Rom. 1:16). (grifo nosso).

Com o acrescimento da palavra “contendo” a CCB passou a figurar entre os adeptos

da Teologia Neo-Ortodoxa. Essa teologia surgiu no inicio do século XX e teve como um dos

principais expoentes o teólogo suíço Karl Barth. Para os neo-ortodoxos, a Bíblia não é a

palavra de Deus, mas sim a contêm. Até que ponto os líderes da CCB tem consciência do

efeito que esse acréscimo trás a sua teologia é objeto de estudo.

O ponto numero 6 denota claramente o desejo que a CCB tem em harmonizar os

textos de Atos 2:38 com Mateus 28:18-19. A fórmula batismal utilizada pela CCB, portanto, é

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diferenciada das demais igrejas evangélicas brasileiras. Embora sendo trinitariana na sua

teologia, sua fórmula batismal, segue a do movimento pentecostal unicista. A maneira com

que a CCB batiza seus novos membros é a seguinte:

* 33 – PONTO DOUTRINAL - CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PALAVRAS QUE SE PRONUNCIAM AO BATIZAR – Tópico de 1969.

O saudoso servo de Deus irmão ancião Louis Francescon, deixou-nos esclarecidos sobre este ponto. O modo de batizar e a missão de batismo encontram-se em Mateus 28 v.19 “Portanto ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do filho e do Espírito Santo”. A palavra “ide” exprime a ordem que Jesus nos da, consequentemente, a missão com a qual Ele nos envia. O mandamento de batismo encontra-se em Atos dos Apóstolos 2 v. 38 “Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado Em nome de Jesus Cristo” para perdão dos pecados. Unindo-se o que vem dito nessas duas passagens, encontramos as palavras a serem ditas no batismo:

“Irmão, Em nome de Jesus Cristo te batizo, Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. (CCB, Resumo de Ensinamentos da Assembléia de 2009, Tópico 33).

4.4.2 Ensinamentos.

Apesar de a CCB possuir uma Constituição, e uma estrutura doutrinária em doze

pontos, o que impera internamente é a tradição oral. Os ensinamentos transmitidos por

Francescon aos anciãos brasileiros, e destes aos membros, é o que realmente prevalece dentro

da Igreja. Dessa forma evitam-se as disputas pelo poder, ou seja, o verdadeiro ancião é aquele

que guarda e transmite o que recebeu, ou seja, o que mantém a “pura tradição”. Segundo

Foerster:

Já vimos que os membros da CCB não obedecem nem ao carisma de um líder, nem a uma estrutura burocrática, mas a tradição e à ordem, da qual o ancião é apenas o guardião e representante. Ser o guardião e representante da tradição legitima a autoridade do ancião [...] Eles agem como “condutores” da tradição oral de geração em geração. Eles guardam e transmite a memória coletiva da CCB e são seus portadores. (2006, p. 134).

Assim a CCB desenvolveu ao longo do tempo uma gama de ensinamentos advindos da

tradição oral. Através de uma leitura literal da bíblia ela foi encontrando trechos para validar

tais ensinamentos. Por causa disso, ela se considera uma Igreja diferenciada das demais, e,

portanto a única que pode oferecer a verdadeira salvação. Ela acredita representar o puro

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ensinamento apostólico. Para a CCB Francescon restaurou a doutrina apostólica que a igreja

cristã havia perdido. A maioria dos Movimentos do Espírito alega a mesma coisa. Os

principais ensinamentos são:

1. O batismo correto é o praticado pela formula composta de Atos 2:38 com

Mateus 28:18-19, portanto todas as pessoas batizadas de forma diferente

devem ser rebatizadas.

2. A verdadeira oração é aquela pratica somente de joelhos. (Filipenses 2:10).

3. As mulheres que oram ou profetizam deve ter a cabeça coberta com o véu. (I

Coríntios 11).

4. Os membros devem saudar-se com o ósculo santo. (I Tessalonicenses 5:26).

5. A verdadeira saudação é: “A paz de Deus” e não “A paz do Senhor.

6. O dízimo pertence ao Antigo Testamento e não ao Novo.

7. O verdadeiro obreiro não pode receber salário, pois aquilo que recebeu de

graça deve dar de graça. (Mateus 10:8).

8. O evangelho não deve ser pregado em lugares públicos. O Espírito Santo

enviará àqueles que são predestinados a salvação à CCB.

9. A pregação do sermão não deve ser preparada, mas sim revelada na hora que

se irá pregar. O Espírito Santo irá trazer naquele momento o que deverá ser

ensinado à Igreja.

10. Quando um membro falece, ele “dorme” e não tem consciência do que

acontece ao seu redor.

11. O adultério é o pecado de morte. Esse ensinamento, embora negado pela

maioria dos lideres e membros da CCB, foi ratificado em diversas reuniões

de ensinamentos:

Resumo de Ensinamento da Assembléia Geral de 1936

INFIDELIDADE MATRIMONIAL

Se alguns dos cônjuges tornar-se infiel ao matrimônio, deixa-se a decisão do caso a critério da parte ofendida, pois a lei de nosso país permite divórcio a vínculo, que

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somente nesse caso Deus permite. (S. Matheus 19:9). O pecador será excluído da comunhão com os fiéis.

Resumo de Ensinamento da Assembléia Geral de 1984.

02 - ERROS DE DOUTRINA: PREGAR QUE ADULTÉRIO NÃO É PECADO DE MORTE - E QUEM NÃO RECEBE A PROMESSA NÃO É SALVO.

Quem pregou que adultério não é pecado de morte deve se retratar perante a irmandade e desfazer o que disse. Se alguns pecaram e depois declararam que se sentem perdoados, isto é entre eles e Deus. De nossa parte não os impedimos de se congregar [...]

O excesso no rigorismo moral é outra marca registrada da maioria dos Movimentos do

Espírito. Como visto no primeiro capítulo, o montanismo também considerava o adultério um

pecado mortal. É necessário expurgar os pecadores, para que somente uma elite espiritual

permaneça dentro da Igreja.

Enfim, a CCB entende que por ser a única igreja a observar, no conjunto, esses

ensinamentos, está numa posição de superioridade às demais igrejas evangélicas. Ela se

entende como a “Graça”, o “Verdadeiro Caminho”, enquanto as outras estão a “beira do

caminho”. As demais igrejas são “outros apriscos” e servem apenas, para “guardar”

momentaneamente os predestinados, até que encontrem o “verdadeiro aprisco”, a própria

CCB. Ela defende que todas as suas decisões são guiadas e reveladas pelo Espírito Santo.19

O sentimento de ser a igreja verdadeira, o único caminho que conduz ao céu, parece

presente já no fundador Francescon, em suas próprias palavras: “Este é o Caminho do Céu

aprovado do Eterno Salvador” (CCB, 2002, p. 50). Mas essa idéia foi levada ao extremo pelos

seus discípulos, os anciães brasileiros. De tal sorte que a CCB não possui nenhum tipo de

cooperação com as demais igrejas brasileiras.

Os membros da CCB não se sentem ligados a nenhuma história ou tradição cristã. Para

eles o verdadeiro evangelho foi restaurado somente em 1910. Assim a CCB constitui-se a

única “arca de salvação” para o ser humano. Para os membros, essa idéia redunda em prejuízo

intelectual, numa visão míope e exclusivista do evangelho, para a denominação redunda em

orgulho espiritual. Não conhecer suas origens religiosas é o mesmo que não conhecer os

próprios genitores. Este trabalho intenta ser uma contribuição no resgate dessa história. Com a

expectativa de que ao lê-lo, o membro da CCB possa perceber que faz parte de algo bem

maior do que a sua denominação, algo chamado “Cristianismo”, que possui uma longa

história de heróis e mártires. Para Cairns:

19 A palavra “aprisco” é uma alusão ao discurso de Jesus em João 10:16.

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Há também edificação quando alguém toma consciência de sua árvore genealógica espiritual. É tão necessário para o cristão conhecer sua genealogia espiritual quanto é para o cidadão estudar a historia de seu país para exercer sua cidadania de forma consciente. Ao mostrar o desenvolvimento genético do cristianismo, a história da Igreja esta para o Novo Testamento assim como o Novo Testamento está para o Antigo. O cristão precisa conhecer os principais contornos do crescimento e progresso do cristianismo tão bem quanto conhece a doutrina bíblica. Desse modo, ele se sentirá parte do Corpo de Cristo, que inclui um Paulo, um Bernardo de Claraval, um Agostinho, um Lutero, um Wesley e um Booth. O sentido de unidade que surge da continuidade da história produzirá enriquecimento espiritual. (2001, p. 20).

A CCB levou ao extremo a questão da descontinuidade histórica. Tentou, e tenta de

todas as formas ocultar os fatos das suas origens. Não há publicações oficiais, nem datas

comemorativas, possivelmente a ocasião do primeiro centenário passará em branco. Dessa

forma ela passa a idéia para a membresia de que a igreja surgiu ex nihilo, ou melhor, surgiu da

vontade de Deus e não do ser humano. Nem o fundador escapa dessa proposta. No preâmbulo

do Estatuo de 2004, Francescon é apresentado apenas como “Seu servo”, seu nome não é

mencionado. Alegam também que ele não tinha denominação alguma, mas como visto

Francescon foi membro da Igreja Presbiteriana e depois da pentecostal, Assemblea Cristiana

de Chicago.

PREÂMBULO:

O Senhor iniciou Sua Obra no Brasil por um Seu servo, em Junho de 1910, sem denominação alguma, propagando-se, todavia, rapidamente, por intermédio de Seus crentes, desde então chamados por fé, em Nosso Senhor Jesus Cristo [...]

Gloecir Bianco (2008) ao “testar” a memória dos membros da CCB em seu trabalho,

verificou que é raríssimo encontrar um membro que conheça suas origens. O fato de que a

igreja começou em uma colônia italiana e que por muitos anos ficou restrita a ela, é

totalmente desconhecido pela grande maioria dos membros. Pode ser que com a evolução

tecnológica dos meios de comunicação, principalmente a internet, esse desconhecimento

venha a diminuir.

A CCB usa com eficácia uma receita bem conhecida da sociologia da religião. É o

conceito “Moisés e Maquiavel”. Ao ocultar suas “origens humanas”, ela procura transmitir a

idéia de que sua existência é exclusivamente obra do Espírito. Dessa forma, ela consegue

legitimar suas proposições religiosas. Berger define essa “receita”:

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Para se provar a eficácia da legitimação religiosa pode-se fazer, por assim dizer, uma pergunta de receita sobre a construção de mundos. Se alguém se imagina fundador plenamente consciente de uma sociedade, um misto de Moisés e Maquiavel, poderia perguntar a si mesmo o seguinte: Qual seria o melhor modo de garantir a futura continuação da ordem institucional, agora estabelecida ex nihilo? Há uma resposta óbvia à pergunta, formulada em termos de poder. Suponha-se, porém, que todos os meios de poder tenham sido de fato empregados – que todos os opositores tenham sido destruídos, que todos os meios de coerção estejam à disposição, que se tenham tomado providencias razoavelmente seguras para a transmissão do poder aos sucessores designados do fundador da sociedade. Persiste o problema da legitimação cuja urgência é maior devido a novidade e portanto a precariedade notória da nova ordem. A melhor maneira de resolver o problema seria aplicar a seguinte receita: interprete-se a ordem institucional de modo a ocultar o mais possível o seu caráter de coisa construída. Que aquilo que foi formado ex nihilo surja como a manifestação de alguma coisa que existiu desde o começo dos tempos, ou ao menos desde o começo deste grupo. Que as pessoas esqueçam que esta ordem foi estabelecida por homens e continua dependendo do seu consentimento. Que acreditem que, executando os programas institucionais que lhes foram impostos, limitam-se a realizar as mais profundas aspirações do seu ser e a se porem em harmonia com a ordem fundamental do universo. Em suma: estabelece legitimações religiosas [...] (1985, p. 45-46).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ao termino desse trabalho foi possível verificar o quanto a CCB esta enquadrada no

conceito de Movimento do Espírito. Todas as ações empreendidas pelo fundador Louis

Francescon são atribuídas ao Espírito. Foi visto o quanto a história do cristianismo está

impregnada desses movimentos. Desde o inicio com o montanismo, passando pelos quakers

até chegar ao movimento pentecostal americano, o qual a CCB está diretamente ligada.

O discurso desses movimentos é sempre o mesmo, ou seja, Deus ainda fala e orienta

diretamente as pessoas. Deus não está preso a escritura, mas seu Espírito “sopra onde quer”.

Eles também acreditam representar uma “era do Espírito”, uma restauração do tempo

apostólico, com direito a todas as suas prerrogativas. Dessa forma todos os dons, milagres e

feitos extraordinários, não estão restritos à Bíblia, mas são também para hoje.

Os movimentos do Espírito alegam que houve um tempo em que a Igreja se desviou e

que, portanto, o verdadeiro Evangelho perdeu sua pureza. Cada um desses movimentos

alegam que são os restauradores do “puro Evangelho”, a CCB alega a mesma coisa. Fato é

que o Evangelho se deu na História e se desenvolveu através dela. Mas em sua maioria, tais

movimentos apresentam uma proposta de descontinuidade histórica.

Dessa forma o trabalho encerra-se, cumprindo seu objetivo de apresentar as origens

históricas e teológicas da CCB, dentro do conceito de Movimento do Espírito. Muitas

perguntas ficam em aberta para futuras pesquisas: de que forma o Espírito está “circulando”

atualmente dentro da CCB? Como ela está lidando com os desafios da modernidade? São

caminhos a serem percorridos em outros trabalhos.

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