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1 APRENDIZAGENS EM HISTÓRIA: ESTUDOS EXPLORATÓRIOS SOBRE NARRATIVA HISTÓRICA E A COMPETÊNCIA NARRATIVA DOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO Ione Machado Santos 1 ([email protected] Resumo: Este trabalho possui um duplo objetivo: em primeiro lugar, apresento de forma parcial e provisória, alguns resultados de uma pesquisa exploratória realizada no Estágio Supervisionado, cujo objeto de reflexão consistiu na relação entre a produção de narrativas históricas e a construção do conhecimento histórico dos alunos e alunas de uma turma de 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública em Feira de Santana-BA. Em segundo lugar, com base em minha caminhada exploratória, e partindo da hipótese de que a produção de narrativas históricas é um instrumento eficiente para o desenvolvimento da competência narrativa dos estudantes, coloco em discussão uma intenção de pesquisa acerca da aprendizagem em História, que tem como objetivo geral investigar a competência narrativa dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio. Este artigo se enquadra na área de investigação denominada Didática da História, cuja finalidade é o estudo do aprendizado histórico, e tem como principal referência teórica as ideias e conceitos do filósofo alemão Jörn Rüsen. O objeto deste artigo centra-se na análise das narrativas elaboradas pelos estudantes, realizada com base no conceito de competência narrativa. Palavras-chave: narrativa histórico; competência narrativa; Didática da História; Este artigo é fruto de dois estudos exploratórios realizados no campo de investigação da Didática da História. O primeiro teve início na disciplina de Estágio Supervisionado, e buscou refletir acerca da relação entre narrativa histórica e a construção do conhecimento histórico dos alunos e alunas do 2º ano do Ensino Médio de um colégio público de Feira de Santana BA. O segundo, desdobramento do primeiro, consiste em uma pesquisa em andamento, e tem como objeto de reflexão investigar a competência narrativa dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio. 1 Granduanda em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

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APRENDIZAGENS EM HISTÓRIA: ESTUDOS EXPLORATÓRIOS

SOBRE NARRATIVA HISTÓRICA E A COMPETÊNCIA

NARRATIVA DOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO

Ione Machado Santos1

([email protected]

Resumo:

Este trabalho possui um duplo objetivo: em primeiro lugar, apresento de forma parcial e

provisória, alguns resultados de uma pesquisa exploratória realizada no Estágio

Supervisionado, cujo objeto de reflexão consistiu na relação entre a produção de narrativas

históricas e a construção do conhecimento histórico dos alunos e alunas de uma turma de

2º ano do Ensino Médio de uma escola pública em Feira de Santana-BA. Em segundo

lugar, com base em minha caminhada exploratória, e partindo da hipótese de que a

produção de narrativas históricas é um instrumento eficiente para o desenvolvimento da

competência narrativa dos estudantes, coloco em discussão uma intenção de pesquisa

acerca da aprendizagem em História, que tem como objetivo geral investigar a

competência narrativa dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio. Este artigo se enquadra

na área de investigação denominada Didática da História, cuja finalidade é o estudo do

aprendizado histórico, e tem como principal referência teórica as ideias e conceitos do

filósofo alemão Jörn Rüsen. O objeto deste artigo centra-se na análise das narrativas

elaboradas pelos estudantes, realizada com base no conceito de competência narrativa.

Palavras-chave: narrativa histórico; competência narrativa; Didática da História;

Este artigo é fruto de dois estudos exploratórios realizados no campo de

investigação da Didática da História. O primeiro teve início na disciplina de Estágio

Supervisionado, e buscou refletir acerca da relação entre narrativa histórica e a construção

do conhecimento histórico dos alunos e alunas do 2º ano do Ensino Médio de um colégio

público de Feira de Santana – BA. O segundo, desdobramento do primeiro, consiste em

uma pesquisa em andamento, e tem como objeto de reflexão investigar a competência

narrativa dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio.

1 Granduanda em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

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Em Rüsen, a competência narrativa é compreendida como a competência essencial

e específica da consciência histórica. Seu conceito pode ser definido em três elementos:

conteúdo, forma e função que correspondem de maneira respectiva às competências de

experiência, interpretação e orientação. A competência de experiência diz respeito a

habilidade de perceber o passado como tal e distanciá-lo do presente. A competência de

interpretação refere-se a habilidade de interpretar o que se aprendeu do passado,

diminuindo as distancias entre as diferentes temporalidades – presente, passado e futuro –

através do conceito de continuidade. A competência de orientação remete a capacidade de

utilizar a experiência histórica para orientar a nossa vida prática no tempo.

De acordo com Cerri (2010) a competência narrativa não pode ser aprendida em um

curso, ela resulta, contudo, de um aprendizado e se reconstrói de maneira contínua, em

decorrência de novas experiências e mudanças na realidade e do diálogo com novos

argumentos. Cerri afirma ainda que a incompetência narrativa é consequentemente a

incapacidade de se orientar no tempo de acordo com a própria identidade, com os

elementos históricos presentes na vida prática, e com as ideias e argumentos do mundo

cultural.

Sendo assim, a reflexão sobre estas investigações se faz pertinente por alertar para a

necessidade de entender como os saberes históricos atuam na geração de sentido dos

estudantes do Ensino Básico, ou seja, na forma como utilizam esses saberes para orientar

sua vida prática no tempo e na tomada de decisões.

Desta forma, o texto aborda em um primeiro momento alguns resultados da

primeira experiência. Em seguida, apresento a análise das narrativas elaboradas pelos

estudantes. E por fim, coloco em discussão uma segunda proposta de investigação, que

consiste em uma pesquisa em desenvolvimento.

A produção de narrativas e a construção do conhecimento histórico dos alunos do

Ensino Médio

Durante o estágio supervisionado foi elaborado um projeto de pesquisa/ensino que

foi aplicado em uma turma de 2º ano do Ensino Médio. Refletir sobre a relação entre

narrativa histórica e a construção do conhecimento histórico dos estudantes partiu do

pressuposto de que, nos últimos anos, muitas têm sido as críticas direcionadas ao modelo

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tradicional de ensino, que tem se caracterizado pelo excesso de verbalismo, e pela

memorização de informações, em detrimento de metodologias que enfatizam a

centralidade, e a valorização dos alunos e alunas e de seus conhecimentos prévios. Na fase

de observação do estágio, constatei que estas práticas de ensino de história não foram

superadas, e ainda são preponderantes no cotidiano escolar.

A narrativa histórica, como recurso para aprendizagem, tem base na organização da

experiência humana no tempo, desta forma, ela se faz presente em várias dimensões da

vida social do ser humano, bem como na construção do conhecimento (RÜSEN, 2001).

Portanto, a escolha de investigar a narrativa histórica dos estudantes se deu por que esta

constitui um componente essencial para o aprendizado histórico. Em relação a isto, Rüsen

afirma que

Com ela, particularidade e processualidade da consciência histórica podem ser

explicitadas didaticamente e constituídas como uma determinada construção de

sentido sobre a experiência do tempo. O aprendizado histórico pode, portanto,

ser compreendido como um processo mental de construção de sentido sobre a

experiência do tempo através da narrativa histórica, na qual as competências para

tal narrativa surgem e se desenvolvem (RÜSEN, 2011, p.43).

Entende-se então que narrativa histórica e consciência histórica estão intimamente

ligadas, já que a narrativa é a condição pela qual a consciência histórica se expressa, de

maneira que agregam as dimensões de experiência, interpretação e orientação, elementos

que são próprios do aprendizado histórico.

Além disso, de acordo com Schmdit (2009), é somente a partir da narrativa que o

conhecimento se torna consciente, aumentando a capacidade do sujeito de perceber o

passado como passado histórico, que é construído pelo historiador através de vestígios

materiais ou evidências do passado, e não somente como um passado prático ou passado

morto, que são subdivididos em passado encapsulado, passado lembrado, e passado

consultado. Isso ocorre por que a aprendizagem histórica só se torna de fato aprendizagem

quando ela muda os padrões de interpretação do passado, o que propõe um processo de

internalização dialógica e não passiva do conhecimento histórico, além de uma

exteriorização para fora, no sentido de mudar a relação com a vida prática e com o outro.

As sequências didáticas foram construídas de acordo com os conteúdos que seriam

estudados durante o ciclo, sendo eles: Brasil colonial, Iluminismo e Revolução Industrial.

Assim, a proposta era que os alunos e alunas produzissem narrativas históricas a partir de

destes conteúdos, com base em exposições orais e imagéticas.

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Uma das atividades realizadas em sala consistiu em um trabalho de consciência

histórica, em que foram apresentadas aos estudantes oito imagens, em sequência

cronológica, que retratavam a condição do negro na sociedade brasileira, desde o período

colonial até os dias atuais. A ideia era que, em um primeiro momento, os estudantes

fizessem sua própria análise das imagens, e em seguida elaborassem uma narrativa que

abordasse a temática retratada nas imagens. No segundo momento da atividade, apresentei

novamente as imagens, porém, desta vez, analisando as imagens conjuntamente com os

alunos e alunas, e então solicitei que reescrevessem a narrativa.

Em geral, as narrativas construídas pelos estudantes apresentavam falhas de

compreensão e expressão em relação ao conteúdo trabalhado em sala, isto é, manifestavam

confusões temporais, ideias fragmentadas, e explicações pautadas no senso comum, ou

com teor descritivo. Considero ainda que as narrativas produzidas no primeiro momento da

atividade foram mais autênticas que a segunda, pelo fato de que, nas primeiras os alunos se

esforçaram mais em se expressar com suas próprias palavras, já que escreveram a partir de

suas observações. Na segunda narrativa eles fugiram bastante da proposta da atividade, e

ao invés de reescreverem as narrativas destacando a temática das imagens, a maioria

acabou escrevendo um texto a parte, tratando principalmente de aspectos discutidos por

nós durante as aulas, e muitas vezes de forma distorcida.

Além das construções de narrativas, outras atividades foram realizadas durante o

estágio, como a aplicação de questões de ENEM e vestibular. Na medida em que corrigia

as questões juntamente com os estudantes pude constatar que a maioria aparentava ter

convicção de quais eram as respostas certas e as erradas, contudo, ao questioná-los o

porquê de determinada alternativa estar ou não correta, dificilmente conseguiam explicar

de forma clara, e por vezes, diziam apenas que a alternativa estava correta ou não, mas não

sabiam o porquê. De maneira mais específica, as narrativas dos estudantes geralmente

apresentavam confusões relacionadas a temporalidade, conceitos utilizados de maneira

equivocada, e principalmente informações desconexas e fora do contexto do tema que

estava sendo abordado em sala de aula.

De forma semelhante ocorria ao trabalhar os conhecimentos prévios dos/as

estudantes. Ao questionar, por exemplo, o que entendiam por Iluminismo, apresentavam

ideias dispersas, sem conseguir construir/articular uma narrativa consistente sobre tal

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conteúdo, de modo que, se essas ideias fossem enquadradas nas categorias de constituição

narrativa de sentido, empreendidas por Barca e Gago (2004), - sendo elas dos tipos:

fragmentada, restrita e global – a maioria se encaixaria na categoria fragmentada.

Situações como essas são apontadas por Caimi (2006), ao afirmar que em se

tratando de um modelo de ensino pautado na mecanicidade, que tem como fim a

memorização, basta apenas conversar com pessoas que já concluíram o ensino básico para

perceber o quanto resta da história ensinada. “Nada mais do que fragmentos desconexos de

fatos, datas, nomes, muitas vezes sobrepostos aleatoriamente” (CAIMI, 2006, p.20).

Diversos são os motivos que tentam explicar e justificar a fragmentação do

conhecimento histórico dos/as alunos/as em idade escolar. Ao apresentar alguns desses

motivos, Lee (2006) aponta primeiramente que os alunos percebem o passado como

permanente, e desse modo, não procuram questionar as informações que lhes são passadas,

entendendo a História como algo pronto. Segundo ele, ainda, o conhecimento dos alunos

em idade escolar é adquirido na maioria das vezes de forma empírica, dessa forma, o

conhecimento de torna possível desde que os alunos possam ver ou experimentar as coisas.

Vemos assim, que o resultado da análise das narrativas contrasta com a quantidade

de acertos obtidos nas questões de ENEM e vestibular. Em outras palavras, as ideias

fragmentadas encontradas nas narrativas escritas, se opõem ao grande índice de acertos das

questões objetivas sobre conteúdos históricos.

Referencial metodológico e análise das narrativas

As narrativas dos estudantes foram analisadas com base no conceito de

competência narrativa de Jorn Rüsen, buscando realizar um mapeamento das ideias dos

alunos e alunas e de como estes significam o tempo.

Para analisar a estrutura das narrativas foi utilizada uma metodologia desenvolvida

por Sant; Blanch; Santistebaan; Gonzáles-Monfort e Freixa (2014). Esses autores são

integrantes do Grupo de Investigação em Didática das Ciências Sociais (GREDICS), e

atuam Universidade Autónoma de Barcelona. Esse grupo elaborou uma proposta para

analisar a competência narrativa dos estudantes, pois consideram esta um componente

chave para o pensamento histórico e social.

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Para estes intergrantes do GREDICS, trabalhos realizados por alguns autores acerca

da investigação da narrativa histórica, incluindo as contribuições de Jorn Rüsen, oferecem

uma orientação geral para tal tarefa, porém, são pouco específicos para analisar a estrutura

da narrativa histórica. Dessa forma, eles lançam a proposta de preencher esses vazios

deixados nesses trabalhos, ampliando os referenciais e integrando propostas existentes com

investigações que vem se desenvolvendo em outros campos das Ciências Sociais. Sendo

assim, estes autores propõem analisar o grau de competência narrativa dos alunos e alunas

a partir de uma bateria de perguntas. E como guia de análise das narrativas da presente

investigação, proponho utilizar algumas perguntas desenvolvidas neste trabalho, as quais

julgo mais relevantes.

Além deste referencial teórico, pretendo classificar as narrativas dos estudantes,

utilizando as tipologias de PROST (1996): narrativa relato, quadro e trama. Para Prost o

que caracteriza uma narrativa como um relato é a ênfase na cronologia, sendo necessários

pelo menos dois acontecimentos ou situações ordenadas no tempo de forma e estrutura

descritiva. A narrativa quadro se expressa na forma como a história é exposta, sendo que

deve haver unidade e coerência entre acontecimentos e situações, buscando respostas de

como aconteceram. E a trama constitui a narrativa histórica, e se caracteriza por buscar

respostas para os conflitos e não para os acontecimentos e situações do passado. A

narrativa histórica como trama deve conter ainda uma temática central, um recorte

cronológico, a eleição de atores e episódios.

Para os integrantes do GREDICS a primeira pergunta que devemos nos fazer ao

analisar uma narrativa histórica é se os estudantes estão realmente narrando a História.

Para isso, devemos levar em conta o conceito de narrativa histórica – uma sequência de

acontecimentos relacionados mediante uma trama ou argumento.

Ao analisar as narrativas pude perceber de acordo com os pressupostos

apresentados que alguns alunos e alunas não narram de fato a história.

Exemplos:

“Eu percebi que na maioria das imagens, as pessoas que mais sofrem preconceito

são os negros. E eles lutam para que o preconceito pare, para que eles vivam em uma

sociedade justa e digna para todos. Por que diante da lei todos somos iguais e isso é o que

é certo.” Aluno(a) A

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“As marcas e feridas do preconceito dos tempos antigos são marcadas até hoje na

nossa história e na nossa sociedade. Pessoas são como baldes vazios que se enchem da

influência de outras pessoas todo preconceito exercido pelas pessoas atualmente tem como

grande culpado o ódio impregnado dentro de alguns, os ensinamentos, os próprios pais.”

Aluno(a) B

Nas narrativas acima vemos que os estudantes analisaram as imagens muito

superficialmente, além disso, não conseguiram traçar uma temática coerente, pois as

imagens retratam a condição do negro na sociedade brasileira do período colonial aos dias

atuais, no entanto, nas narrativas, tanto o(a) aluno(a) A como o (a) aluno(a) B não utilizam

argumentos baseados em informações históricas para construir a narrativa, o que nos leva a

próxima pergunta elencada pelos integrantes do GREDICS, que se trata de perceber se o

estudante se utiliza ou não de informações históricas.

Outra pergunta para analisarmos se os alunos e alunas narram ou não a história é se

eles utilizam o tempo narrativo-subjetivo para além do tempo narrativo físico. Dificilmente

podemos escrever um texto histórico baseado exclusivamente no tempo físico-objetivo,

pois a seleção de fatos em si já implica em uma interpretação ou representação do tempo

físico. Entende-se então que uma narração histórica deve ir mais além da seleção de

acontecimentos históricos e sua ordenação cronológica.

Exemplos:

“onde a primeira imagem mostra os senhores comendo bastante e que as crianças estão passando

fome e eles só jogam migalhas, o navio negreiro onde eles ficavam em péssimas condições [...] a fazenda

mostra crianças bem vestidas, com brinquedos e sendo olhados por uma escrava e estavam trabalhando nas

sementes de café” Aluno(a) A

Neste exemplo, apesar de não necessariamente narrar fatos históricos de maneira

cronológica, o estudante se preocupa apenas em descrever superficialmente as imagens,

sem realizar uma interpretação própria, e sua experiência temporal para analisar as

imagens.

Além da importância da predominância do tempo-subjetivo, uma narrativa

competente deve estar contextualizada no tempo e no espaço.

“As imagens mostram sobre o preconceito que havia nos tempos antigos, mas permanecem, só que

existem leis que o proíbem, nas imagens iniciais mostram o início da escravidão, pessoas negras sendo

escravizadas e fazendo trabalhos sem proteções e sem seus direitos, as imagens finais atuais, retratam o

racismo com pessoas negras e dos trabalhadores com os trabalhos rebaixados” Aluno(a) A

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No texto acima vemos que o estudante, ao narrar, não delimita o tempo e o espaço,

elementos indispensáveis para constituir uma narrativa histórica, sendo que “todo objeto do

conhecimento histórico é delimitado em determinado tempo e em determinado espaço”

(BITTENCOURT, 2008, p.199). Nas narrativas analisadas, a maioria dos alunos e alunas

apresentam dificuldade na delimitação do espaço e principalmente do tempo histórico, o

que pode indicar um problema para a aprendizagem da História. Não reconhecer as

periodizações históricas, pode acarretar em obstáculos para a compreensão de mudanças,

transformações e permanências.

Rüsen destaca que uma das características peculiares da narrativa histórica, diz

respeito ao fato de que esta por estar relacionada ao ambiente da memória mobiliza a

experiência do passado de modo a tornar compreensível o presente e possível a expectativa

de futuro, ou seja, o estudante é competente narrativamente se ele interpreta o passado,

compreende o presente e se suas narrações lhe orientam para o futuro. Dessa forma,

entendo que também são elementos importantes para analisar a competência narrativa dos

estudantes, a relação com o presente e a expectativa de futuro expressos nas narrativas.

IExemplos:

“Nas sociedades existe um certo preconceito enraizado desde o período do Brasil Colônia quando

os negros eram vistos como amaldiçoados e assim como descrito nas imagens, os negros foram

escravizados, viviam em péssimas condições, inclusive crianças até os dias atuais perdura esse perfil sobre

os negros e eles vivem numa constante luta contra o preconceito” Aluno (A)

“As imagens abordadas tratam-se da escravidão negreira desde o início até os dias atuais. No

início os negros sofreram humilhações desumanas e tratamentos totalmente racistas e preconceituosos. O

que podemos perceber atualmente, é que essa condição dos negros africanos não obteve uma melhora ou

evolução significantes. A população negra continua, na maioria das vezes, com condições precárias de

sobrevivência, moradia inadequada em uma profissão que proporcione uma vida financeira estável.

Concluímos então que praticamente nada mudou desde o início da escravidão, até os dias atuais” Aluno(B)

Nas narrativas podemos perceber que os alunos e/ou alunas fazem relação com o

presente ao descreverem a situação da população negra na sociedade brasileira atual,

porém, noto que não distanciam o passado do presente, pois cogitam nas narrativas uma

continuação da escravidão. Além disso, as narrativas não trazem uma perspectiva de

futuro, ou seja, não possuem uma ideia de continuidade.

Ao analisar os tipos de narrativas com base nas categorias de Prost (1996), as que

mais se destacaram foram as narrativas quadro (58%), uma vez que, os alunos e alunas,

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como já evidenciado nos exemplos acima, intencionam estabelecer uma coerência entre os

acontecimentos históricos, ainda que apareçam ideias equivocadas. Houve uma

preocupação maior, por parte dos estudantes, em fazer uma narrativa descritiva que

abarcasse todas as imagens, ainda que não soubessem de qual episódio histórico se tratava,

acredito que por esse motivo, houve em segundo lugar, narrativas de tipo relato (28%).

Deste modo, poucas narrativas possuíam as características de uma narrativa histórica ou

trama (14%), apresentando uma temática definida, articulação entre atores históricos e

acontecimentos, contextualização espaço-temporal e uma interpretação própria e coerente.

Desta maneira, é com base nesses pressupostos que coloco em discussão a intenção

de pesquisa que tem como objeto de estudo investigar a competência narrativa dos

estudantes do Ensino Médio, buscando dessa forma apreender aspectos da aprendizagem

desses indivíduos.

Aprendizagens em História: um estudo sobre a competência narrativas dos

estudantes do Ensino Médio

A intenção de pesquisa que coloco aqui em discussão busca refletir sobre as

aprendizagens em História e tem como objetivo principal realizar uma investigação acerca

da Competência Narrativa dos alunos e alunas que cursam o terceiro ano do Ensino Médio,

– isto é, da capacidade que esses estudantes possuem de experienciar e interpretar o

passado de maneira que possam se orientar na sua vida prática.

Uma das questões que me levaram a este estudo exploratório, diz respeito ao fato

de que um dos objetivos de se estudar a História, é desenvolver a capacidade de atribuir

sentido às experiências do passado, e através delas nos orientarmos no tempo. Porém

muitas são as pesquisas que comprovam a dificuldade dos/as alunos/as na aprendizagem da

História, e até mesmo colocam essa aprendizagem em questão.

Esta pesquisa será construída tendo como base o campo de investigação da Didática

da História, que é segundo Rüsen (2011) uma teoria da aprendizagem histórica.

Entendendo que a Didática da História, de acordo com Saddi (2012), pode desenvolver sua

investigação em três áreas de atuação fundamentais: o ensino escolar da História; o uso

público da História; e a ciência histórica, aquela que mais se enquadra nesta pesquisa é o

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ensino escolar da História, sendo que nesta área a Didática da História atua como didática

do ensino de história.

A presente pesquisa está sendo desenvolvida também em um colégio público na

cidade de Feira de Santana, em duas turmas do 3º ano do Ensino Médio. Os procedimentos

metodológicos pensados para a construção da pesquisa foram: a aplicação de um simulado

com questões de ENEM e vestibular; a produção de narrativas, e a formação de um grupo

focal.

O simulado com as questões de ENEM e vestibular foram aplicados em duas

turmas de 3º ano do Ensino Médio, e teve como recorte temático, a condição do negro na

sociedade brasileira, o que explica a escolha pelas turmas de 3º ano, pois como esta é a

última série do ensino básico, presume-se que os estudantes já tenham os conhecimentos

necessários para trabalhar a temática escolhida.

O simulado aplicado continha quinze questões que abordavam a condição da

população negra no Brasil, desde o período colonial os dias atuais. A quantidade de

questões foi definida de maneira estratégica, com a intenção de estabelecer uma condição

semelhante a do ENEM. Tentei privilegiar as questões do Exame Nacional do Ensino

Médio, mas não foi possível encontrar questões acerca desta temática, em diferentes

temporalidades, por esse motivo, foram utilizadas também algumas questões de vestibular

para suprir os saltos temporais.

Devido a alguns atrasos e imprevistos, as duas turmas que participaram do

simulado não tiveram as mesmas condições para responder as questões, sendo que na

primeira turma o tempo foi mais curto que na segunda, o que pode acabar influenciando

nos resultados.

Ao analisar quantitativamente as respostas dos simulados, pude verificar que a

maioria dos alunos obteve uma média de acerto de oito das quinze questões, além disso, os

erros e acertos se concentraram nas mesmas questões.

O segundo instrumento metodológico utilizado foram as produções de narrativas.

Para isso, foram selecionadas sete imagens com o mesmo recorte histórico temporal das

questões aplicadas na intervenção anterior. Como essa atividade foi aplicada pelo professor

regente das turmas, não pude presenciar se as narrativas foram produzidas nas mesmas

condições de tempo.

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A análise das narrativas produzidas pelos estudantes ainda está em andamento, bem

como as outras etapas da pesquisa, contudo, posso adiantar algumas situações mais

recorrentes: algumas narrativas apresentam equívocos em relação aos acontecimentos

históricos retratados nas imagens, explicações baseadas apenas da descrição das imagens,

além disso, fazem explicações positivas acerca da condição da população negra na

sociedade brasileira atual.

Tenho como hipótese, com base na análise dos estudos exploratórios realizados,

que existe um contraste entre o resultado do simulado, que considero satisfatório, e das

narrativas produzidas pelos estudantes. Dessa forma, essas averiguações acabam por

colocar em questão a aprendizagem histórica dos (as) alunos (as), nos levando a suposição

de que estes não aprendem de fato História - visto que a narrativa histórica é uma condição

decisiva para a constituição da consciência histórica e, portanto do aprendizado histórico -

contudo, mobilizam saberes que os conduzem corretamente às respostas das questões

desses processos seletivos, já que o aprendizado histórico pode ser compreendido “como

um processo mental de construção de sentido do tempo através da narrativa histórica, na

qual as competências para tal narrativa surgem e se desenvolvem” (RÜSEN, 2011, p.43).

Conclusão

De acordo com o que foi exposto até aqui, podemos observar que a reflexão sobre a

aprendizagem histórica e a narrativa histórica produz questões relevantes a serem

consideradas no ensino de História. Jörn Rüsen (2011) afirma que a narrativa histórica é

uma condição para a aprendizagem histórica, pois é por meio da narrativa que os

estudantes expressam sua consciência histórica, ou seja, é a forma concreta de como

significam o passado.

A competência narrativa pode ser conceituada como a “habilidade da consciência

humana para levar a cabo procedimentos que dão sentido ao passado, fazendo efetiva uma

orientação temporal na vida prática presente por meio da recordação da realidade passada”

(RÜSEN, 2011, p.59). Dessa forma, entendemos que a narração é a forma linguística e

concreta com a qual a consciência histórica realiza sua função de orientação (RÜSEN,

2001, p.59), portanto estabelece uma relação estrita com a aprendizagem histórica, sendo

que esta pode ser entendida como um percurso da apreensão de experiências, que são

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absorvidas sob a forma de competências, paralelamente, a aprendizagem histórica é um

processo de assimilação de experiências do tempo em formas de competências narrativas

(RÜSEN, 2011, p.74)

Sendo assim, estudos que investiguem a competência narrativa dos alunos e alunas

do 3º ano do Ensino Médio, portanto a aprendizagem em História poderá contribuir para

que os mesmos problematizem as suas experiências do passado com a vida prática, sendo

que, sem esta relação o estudo da História perde o seu sentido. Além disso, esta pesquisa

poderá servir de auxílio para que esses estudantes deêm a História uma importância social,

e não a vejam apenas a partir de uma ótica utilitarista, em que esta disciplina serve apenas

de apoio para a admissão em cursos superiores através de vestibulares, e do Exame

Nacional do Ensino Médio. Penso ainda, que estudar a competência narrativa dos alunos

do Ensino Médio, pode ser proveitoso ao constatar aspectos e até mesmo necessidades

específicas desta modalidade de ensino.

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