03 cerri - o que é a consciencia histórica

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Copyright O Luis Fernando cerri 14 edição 20ÌÌ Impresso no Brasil Printed in Brazìl Todos os direitos reservados à EDITORA !'GV A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei no 9.610/98). Os conceitos emìtidos neste litro são de ìnteìrq resPonsabilìdade da autor. Este livro Íoi editado segundo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aProva- do pelo Decreto Legisìativo ns 54, de Ì8 de abril de 1995, e promuÌgado Pelo Decreto nq 6.581, de 29 de setembro de 2008. COORDËNADORES DA COLEçÃO: Marieta de Moraes Ferreira e Renato Franco PREPARAçÀO DE ORIGINAIS: Sandfa FTanK REVISÃo: Fatima Caroni, Marco Antônio Corrêa e Adriana AÌves DIAGRAMAçÃO, PROJETO GRÁFlCO E CAPA: dUdCSigN Ficha catalográflca elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Cerri, Luis Fernando Ensino de história e consciência histórica / Luís Fernando Cerri. Rio de Janeiro : Editora FGV 201 I I 18 p. (Coleção FGV de bolso. Serie História) Inclui bibliograÍia. ISBN: 978-85-225-0882-2 l. História Estudo e ensino. 2. Didática. l. lio VaÌgas. II. Título. IÌL Serie. Editora FGV Rua JornaÌista orlando Dantas, l7 222t1-olo I Rio de Janeiro, RJ ] Brasil Teìs.: OSOO-021 7177 1 2r-3799-4427 Fax: 2l-t799-4430 [email protected] I pedidoseditora@)fgvbr www.fgv br/editora lntrodução Capítulo 1 O que é a consciência histórica t onsciência histórica, fenômeno humano ( ,ìpturando a consciência histórica I )idática da história, uma disciplina de investigação do uso .,ocÌal da história Capítulo 2 Conscientização histórica? l't'nsar historicamente  consciência histórica é histórica... e múltipla capítulo 3 Consequências para a prática do profissional de história I nsinar história para quê, afinal? ( onsciência histórica e o problema dos conteúdos Sumário 47 57 59 B3 19 27 41 Historiografra. I. Ëundação Cetu- CDD - 907 105 108 124

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  • Copyright O Luis Fernando cerri

    14 edio 20

    Impresso no Brasil Printed in Brazl

    Todos os direitos reservados EDITORA !'GV A reproduo no autorizada desta publicao,no todo ou em parte, constitui violao do copyright (Lei no 9.610/98).

    Os conceitos emtidos neste litro so de nterq resPonsabildade da autor.

    Este livro oi editado segundo as normas do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa, aProva-do pelo Decreto Legisativo ns 54, de 8 de abril de 1995, e promugado Pelo Decreto nq 6.581,de 29 de setembro de 2008.

    COORDNADORES DA COLEO: Marieta de Moraes Ferreira e Renato FrancoPREPARAO DE ORIGINAIS: Sandfa FTanKREVISo: Fatima Caroni, Marco Antnio Corra e Adriana AvesDIAGRAMAO, PROJETO GRFlCO E CAPA: dUdCSigN

    Ficha catalogrflca elaboradapela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

    Cerri, Luis FernandoEnsino de histria e conscincia histrica / Lus Fernando Cerri. Rio de

    Janeiro : Editora FGV 201 II 18 p. (Coleo FGV de bolso. Serie Histria)Inclui bibliograia.ISBN: 978-85-225-0882-2l. Histria Estudo e ensino. 2. Didtica. l.

    lio Vagas. II. Ttulo. IL Serie.

    Editora FGVRua Jornaista orlando Dantas, l7

    222t1-olo I Rio de Janeiro, RJ ] BrasilTes.: OSOO-021 7177 1 2r-3799-4427

    Fax: [email protected] I pedidoseditora@)fgvbr

    www.fgv br/editora

    lntroduo

    Captulo 1O que a conscincia histricat onscincia histrica, fenmeno humano( ,pturando a conscincia histricaI )idtica da histria, uma disciplina de investigao do uso.,ocal da histria

    Captulo 2Conscientizao histrica?l't'nsar historicamente conscincia histrica histrica... e mltipla

    captulo 3Consequncias para a prtica do profissional de histriaI nsinar histria para qu, afinal?( onscincia histrica e o problema dos contedos

    Sumrio

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    5759B3

    192741

    Historiografra. I. undao Cetu-

    CDD - 907

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    do romantismo, do racionalismo, da perspectiva do progress(,(ainda que em ltima instncia), imponha a ns, profesores,uma concepo de tempo, de identidade e de humanidadcque no se encaixa nas vises das novas geraes, marcadaspor perspectivas de futuro (e, portanto, de tempo, de iden-tidade e de humanidade) distintas. pode ser que venha da adificuldade de diaogar com a vivncia dos indivduosjovensem convivncia com suas comunidades concretas.

    O conceito de conscincia histrica ligado, ainda segundoRsen, mudana de paradigma da didtica da histria nosanos I960, de acordo com a qual o foco da disciplina passa d

  • FGV de Bolso

    que viria a ser o progresso. Marx tornou_se um clssico, nosentido de um autor cujas contribuies guardam o poten_c,ia de utrapassar sua prpria poca, aind que no ns sejadado ignorar a sua historiiidad. Imaginar, descrever, estu_dar a sociedade que viria a ser um excicio constante de es_quadrinhar o futuro

    - fazem parte das caractersticas de sua

    obra, mas nem por isso ee p.idl, de vista o peso do passado,dos condicionamentos e deierminaes sobre a ao histricacriativa. Por isso que afirma, em uma frase to citada de Odezoito brumrio de Luis Bonaparte, que

    os homens fazem a sua prpria histria, mas no a azem comoquerem; no a fazem sob circunstncias de sua escolha e simsob aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e trans_mitidas pelo passado. A tradio de todas as geraes mortasoprime como um pesadeo o crebro dos vivos.

    (Marx, 196:99)E, no momento mesmo de criar algo totamente novo, socor_

    remo-nos das imagens e falas do passado.Nesta formulao de Marx esto contidos, de forma did_

    tica, alguns pressupostos que ultrapassam a obra marxiana ea tradio marxista, e inscrevem_se entre as bases da cinciahistrica em construo no sculo XIX, seja inaugurando,corroborando, seja apenas participando da elimito des_se campo do saber. Temos a a histria como obra humana,entendida aicamente, em vez da histria como cumprimen_to de desgnios sobrenaturais de uma ou mais divindades.Mesmo entendida como realizao humana, a histria apa_rece a como movimento cuja sntese escapa ao controle dosseus agentes, mesmo que coetivamente organizados, mesmoos dotados de enorme poder sobre os outrs homens. Mas o

    Ensino de histria e conscincia histrica

    pressuposto que nos interessa mais diretamente nesse mo-rncnto o de que, no agir sobre o mundo e ser sujeito dalristria, o passado e suas projees de futuro so tudo o quet'st disposio do homem, como matria-prima para a suat riao. A criao e mesmo a reproduo so possveis comorccriao do que j existiu: o totalmente novo, o que se livratle todas as amarras do tempo permanece como especulaoinatingvel.

    Talvez essa perspectiva no tenha sido suficientementecclnsiderada nas sociedades contemporneas que tentaramser outra coisa que no capitalistas, e que foram classificadaslrelo polissmico nome de "socialismo real" (o meio-irmo do"capitalismo real", que necessita ciclicamente da intervenodo Estado). Mas certamente foi essa a perspectiva que impul-sionou uma grande parte dos estudos de histria e possibili-tou um grande desenvolvimento da disciplina.

    Quanto haver, ento, de passado em nosso presente e emrrosso futuro? Em que medida o futuro j est comprometi-do pelas condies dadas pelo passado e peas soues quedemos no presente? O passado (ou a nossa imagem de passa-do) estvel ou modifi.ca-se conforme a ut1\zao que faze-mos dele? Que fundo de verdade haver na anedota de que opassado mais imprevisvel do que o futuro? Qual a relaocntre o tempo e a imagem que temos de ns mesmos? Quan-do se mexe no passado, mexe-se tambm na identidade cole-tiva? Essas questes sempre se colocam para quem atua naproduo e divugao do conhecimento histrico, mas noscampos da teoria da histria e de sua didtica que se coocamcom maior premncia, pois as respostas pem na berinda oprprio significado de produzir histria e ensin-la: por que,para quem, desde quando, respondendo a que necessidades.

  • FGV de Bolso Ensino de histria e conscincia histrica

    ( ()num a todos os que se utiizam da expresso. Pelo contr-rio, s vezes ela relacionada a reaidades muito diferentes( )u mesmo excludentes entre si. em busca dessas diferenas,r'specificidades, mas tambm semelhanas, que nos propomos.r criar um dilogo com diferentes autores que tomam em con-t.r o problema ou utilizam-se da expresso ou da noo.

    Na conferncia 'A noo de sentido da histria", de 1957,l(aymond Aron aponta que toda sociedade seria portadora derrrna conscincia histrica em sentido amplo, mas apenas asociedade europeia teria uma conscincia propriamente his-Iririca, apesar de seus pro'olemas:

    Esta conscincia de Europa .- com seu aspecto tripo, iberda-de na histria, reconstruo cientfica do passado, significaoessencialmente humana do devir

    - ainda que esteja em vias de

    se converter em conscincia histrica da humanidade no s-culo XX, se v simultaneamente afetada por contradies: nonterior de cada um de seus elementos e entre esses eementos.

    (Aron, I984:105)

    Aron toma a conscincia histrica predominantementecomo uma espcie de conscincia poltica, traando um pai-ne de como diferentes historiadores, cientistas sociais, fi-sofos e tendncias das cincias humanas buscam a lgica daevoluo histrica. compondo um ensaio sobre como diferen-tes sentidos (no sentido "vetorlial" do termo) so atribudosao processo histrico. Pelo contrrio, estamos buscando pen-sar, juntamente com os autores com os quais dialogaremos,uma perspectiva de compreenso do fenmeno da conscin-cia histrica, entendida como uma das expresses principaisda existncia humana. que no necessariamente mediadapor uma preparao intelectual especfica, por uma filosofia

    conta o qu^e ou quem, ao lado de quem o fazemos? eual osentido, enfim. do no desprezve investimento ,o.iu qrr"existe hoje em torno da hislrla? para que a mobiizao de11 ::-pt"*o empresarial de distribuio do conhecimentonrstorlco, que vai de editoras de livros acadmicos a livros dedivulgao para o grarde pbico, am de contedos digitaisnas mais diversas mdias? Sobretudo, como explic". qrJ.rr.movimento social do conhecimento histrico no faia contada estrutura tradicional

    .que, imaginamos, vai da produode_ textos especializados iua divu"lgao no sistema escolar?Inegavemente, a histria -

    ou a rIaao com o passado, ou,ainda, com o tempo -

    tem um papel muito imporiante ,r pu_norama.das coisas que chamam ,rorru ateno e mobilizamnosso dinheiro na sociedade moderna. Embora agum tipo depreocupao com a representao da coletivid"d ,ro t;-p;seja constante em todas ,, ,o.i.dud"s, em nossos tempos aproduo, a distribuio e o consumo de histria se eevarama nveis industriais.

    Nas ltimas dcadas possvel perceber um esforo assis_temtico, descontnuo e geograficmente descentralizado de:"{.":t".r e.ssas questes porLeio do instrumento conceituaintituado "conscincia histrica,,. O objetivo deste captulon9 _

    - nem poderia ser

    - esgotar o tema ou .ornecer umpainel representativo ou exaustivo, mas recompor e procu_rar alinhavar a contribuio de diferentes autores, originriosde diferentes ugares, tanto fisicos quanto epistemolgicos,

    visando uma maior sistematizao sobre a ,,conscincia his_tr},c1".e suas impticaes sobr o fazer atual da histria nosmltipos espaos que ela ocupa.o primeiro possvel .rrgurro desfazer que o conceito deconscincia histrica que estamos tentando .o_po. aqui seja

  • FGV de Bolso

    ou teoria da histria complexamente elaborada e sistematica_mente aprendida.

    Um primeiro aspecto a considerar se a conscincia his_trica um fenmeno inerente existncia humana ou se uma caracterstica especfica de uma parcela da humanidade,uma meta ou estado a ser alcanado. Ou, em outros termos,se estamos tratando de um componente da prpria conscin_cia, no sentido geral de autoconscincia, de saber_se estandono mundo, e nesse caso ago inerente ao existir pensando esabendo, ou se estamos tratando de um nvel especfico desaber que no imediatamente caracterstico de toa a huma_nidade, e, portanto, uma forma de conhecer qual precisochegar, no sentido de tomada de conscincia. Nsse sgundocaso haveria, em contraposio conscincia histrica, umainconscincia ou uma alienao histrica. Outra forma depensar esse tema e perguntar se os homens so dotados de al_guma forma de conscincia histrica desde que se organizamem grupos, ou se apenas recentemente a acanaram.

    A segunda opinio considerada pelo filsofo Hans-GeorgGadamer no desenvolvimento de sua conferncia ,,problemaiepistemolgicos das cincias humanas". para ele,

    o aparecimento de uma tomada de conscincia histrica cons_titui provavemente a mais importante revoluo pela qualpassamos desde o incio da poca modernu. [...] A conscinciahistrica que caracteriza o homem contemporneo um privi_gio, tavez mesmo um fardo que jamais se imps a nenhumagerao anterior. [...] Entendemos por conscincia histrica oprivilgio do homem moderno de tcr pena conscincia da his_toricidade de todo o presente e da reatividade de toda opinio.

    (Gadamer, 1998:17)

    Ensino de histria e conscincia histrica

    Ocorre que o personagem que Gadamer chama ora de ho-rnem contemporneo, ora de homem moderno, um homem.rdjetivado, e no se refere ao homem em geral. A circunscrioque o adjetivo estabelece exclui todos aqueles que no tenhampassado pelo processo histrico chamado de modernizao, ouque tenham permanecido refratrios a ele, mesmo dentro desociedades modernas, que so, por definio, heterogneas.Portanto, o que o fisofo chama de conscincia histrica algorestrito, e o atributo que ele confere a ela mais adiante ("umaposio reflexiva com relao a tudo o que transmitido pelatradio") assevera sua condio de estgio atingido por al-guns seres ou subgrupos humanos (Gadamer, 1998:8). Assim,no desprezveis camadas sociais dos pases centrais e imensasmassas nos pases perifricos vegetariam num estado de mise-rvel inconscincia da histria, sendo ignorantes da historici-dade do presente e submetidas ao dogma das opinies culturale tradicionalmente consideradas corretas.

    Desse modo, essa parte da humanidade est alijada das"subverses espirituais da nossa poca" e amarrada tradi-o, sem a possibilidade de uma postura reflexiva sobre o queea transmite. Essa perspectiva permite, inclusive, pensarum papel vanguardista para o conhecimento histrico e seuprocesso de distribuio pelos setores no acadmicos dassociedades

    - inclusive o ensino

    -, numa obra de "conscienti-zao" histrica. inevitve que se lembrem os conceitos de"cultura" e de "civilizao" , tambm equacionados como ca-ractersticas restritas a uma parcela da populao mundial, auma parte de suas organizaes polticas

    - quej foram sufi-

    cientemente questionadas pelas cincias sociais -

    como arma-dilhas do pensamento que acabam por justificar uma posturade superioridade de algumas sociedades sobre outras.

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    FGV de Bolso

    Por outro lado, para que no sobrecarreguemos um s as-pecto, Gadamer tambm talha a noo de "senso histrico",ou seja, "a disponibilidade e o talento do historiador paracompreender o passado. talvez mesmo 'extico' , a partir doprprio contexto em que ele emerge". De posse do sensohistrico possvel ao indivduo considerar o passado semjulgo, tendo a nossa vida atual como parmetro. Mas des-taque-se que, nesse ponto, o autor passa a tratar da especia-lidade acadmica, e no mais do "homem moderno" ou dassubverses espirituais de sua poca.

    Em suma, assumindo o modelo de Gadamer, a permeabili-dade entre o conhecimento especializado (ou acadmico, oucientfico, ou erudito) e o conhecimento das massas sobre ahistria dada por um sistema de sentido nico, no qual osaber qualitativamente superior flui das instituies socia-mente destinadas produo do conhecimento histrico(universidades, institutos etc.) para instituies de divulga-o ou de ensino que atingem a populao no especiaistae permitem-he alcanar

    - pelo menos de forma razovel , o

    nvel de saber e de estruturas de pensamento que detidopelos especialistas, ou pelas classes sociais ou mesmo naes"modernizadas". Trata-se do modelo educacional e maispropriamente do modelo didtico

    - cssico, em que o ato de

    ensinar se resume a um sujeito " cheio" que preenche com seuconhecimento um sujeito "vazio", o aprendiz que reproduzo saber do mestre. No por acaso esse modelo se aproximatambm do que Habermas chama de razo tcnica, cuja prin-cipal caracterstica a relao impositiva entre o saber e ono saber.

    Tambm Phillipe Aris fala em tomada de conscincia dahistria no texto 'A histria marxista e a histria conserva-

    Ensino de histria e conscincia histrica

    dora (Aris, 1989). Essa tomada de conscincia histrica cntendida no sentido de que o indivduo passa a aperceber-seda sua condio de determinado pela histria, e no ape-nas de agente dela, relativizando a ideia de liberdade indi-vidual e, ao mesmo tempo, possibilitando o surgimento deuma "curiosidade da histria como de um prolongamentode si mesmo, de uma parte de seu ser" (Aris, 1989:50). Naopinio do autor, o que desencadeia esse novo estgio apercepo de que a histria das pequenas comunidades que"protegiam" o indivduo, fornecendo-lhe o aconchego iden-titrio, deixa de significar um referencial seguro. por contado processo de modernizao, os indivduos so desterra-dos, movem-se de seus lugares fsicos, sociais e culturais ori-ginais para uma nova situao, na qual as referncias soescassas ou inexistentes. Por outros caminhos, Aris chegaa um ponto parecido com o de Gadamer, que a ideia deque a conscincia histrica um estgio ao qual se chegaprincipalmente por conta de um processo de modernizaode todos os mbitos da vida humana, mas principalmenteo mbito cultural, o mbito do pensamento, atravs de umrompimento com a dimenso tradicional.

    Conscincia histrica, fenmeno humano

    Outra vertente pode ser encontrada nas teorias da histriade dois pensadores razoavelmente distantes em termos de for-mao e espao de exerccio da atividade intelectual: AgnesHeller e Jrn Rsen. Para ambos a conscincia histrica no meta, mas uma das condies da existncia do pensamento:no est restrita a um perodo da histria, a regies do plane-ta, a classes sociais ou a indivduos mais ou menos prepara-

  • dos para a reflexo histrica ou social geral. para isso, ,,his_tria" no entendida como disciplina ou rea especializadado conhecimento, mas como toda produo de conhecimentoque envova indivduos e coletividades em funo do tem-po. Nesse sentido a conscincia histrica pode ser entendidacomo uma caracterstica constante dos grupos humanos, pormaiores que sejam as suas diferenas culturais. expressivo ottuo do terceiro captulo do livro de Heler (1993) que esta_mos utilizando neste texto: 'A conscincia histrica cotidianacomo fundamento da historiografia e da filosofra da histria,,.

    Para esta avtoa, a conscincia histrica inerente ao estarno mundo (desde a percepo da historicidade de si mesmo,que se enraiza na ideia de que algum estava aqui e no estmais, e de que eu estou aqui, mas no estarei mais um dia) e composta de diversos estgios, que indicam a insero da cons-cincia em diferentes contextos da trajetria da humanidade.

    Mobilizar a prpria conscincia histrica no uma opo,mas uma necessidade de atribuio de significado a um fluxosobre o qua no tenho controle: a transformao, atravs dopresente, do que est por vir no que j foi vivido, continua_mente. Embora seja teoricamente imaginvel estar na corren-te tempora sem atribuir sentido a ela, no possvel agir nomundo sem essa atribuio de sentido, j que deixar d agirrevea igualmente uma interpretao. Na prtica tambm noh opo de atribuir ou no significado ao tempo que passa-mos ou que passa por ns.

    Para Rsen, o homem tem que agir intencionalmente, e spode agir no mundo se o interpretar e interpretar a si mesmode acordo com as intenes de sua ao e de sua paixo. Agir(incuindo deixar-se estar e ser objeto da ao de outrem)s ocorre com a existncia de objetivos e intenes, para os

    Ensino de histria e conscincia histrica

    cluais e necessria a interpretao: h um "supervit de in-tcncionaidade" com o qual o homem se coloca para alm doque ele e o seu grupo so no presente imediato. Agir, enfim, um processo em que continuamente o passado interpretado; luz do presente e na expectativa do futuro, seja ele distanteou imediato. Assim, a diferena entre tempo como inteno etempo como experincia compe uma tenso dinmica que,por sua vez, movimenta o grupo.

    Neste ponto, tanto Heller quanto Rsen advogam que opensar historicamente um fenmeno, antes de qualquer coi-sa, cotidiano e inerente condio humana. Com isso pode-seinferir que o pensamento histrico vinculado a uma prticadisciplinar no mbito do conhecimento acadmico no umaforma qualitativamente diferente de enfocar a humanidadeno tempo, mas sim uma perspectiva mais complexa e especia-lizada de uma atitude que, na origem, cotidiana e insepara-velmente ligada ao fato de estar no mundo. A base do pensa-mento histrico, portanto, antes de ser cultural ou opcional, natural: nascimento, vida, morte, juventude, velhice soas balizas que oferecem aos seres humanos a noo do tempoe de sua passagem. Essa base compartilhada pelo reitor daUniversidade de Berlim e pela criana aborgine na Austrlia.Segundo Rsen (2OOIa:7 8),

    a conscincia histrica no e algo que os homens podem ter ouno

    - ela algo universamente humano, dada necessariamente

    junto com a intencionalidade da vida prtica dos homens. Aconscincia histrica enraiza-se, pois, na historicidade intrn-seca prpria vida humana prtica. Essa historicidade consis-te no fato de que os homens, no dilogo com a natureza, comos demais homens e consigo mesmos, acerca do que sejam elesprprios e seu mundo, tm metas que vo alm do que o caso.

    FGV de Bolso T

  • FGV de Bolso

    O mundo histrico porque queremos ir am do que temose somos. Durante a Revoluo Industria ir alm significavasuperar a escassez de bens e capita, dominando a natureza.Na atualidade, pensando em termos do Protocolo de Kyoto,ir alm evitar que o desenvolvimento econmico ilimitado,tornado modo de vida de classes sociais e pases inteiros, de-sequilibre o ambiente e inviabilize a vida humana na Terra.Antes de ser algo ensinado ou pesquisado, a historicidade aprpria condio da existncia humana, ago que nos cons-titui enquanto espcie. O que varia so as formas de apreen-so dessa historicidade, ou, nos termos de Rsen, as pers-pectivas de atribuio de sentido experincia temporal. Nadefinio desse autor, a conscincia histrica um fenmenodo mundo vital, imediatamente ligada com a prtica, e podeser entendida como

    [...] a suma das operaes mentais com as quais os homens in-terpretam sua experincia da evoluo temporal de seu mundoe de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intenciona-mente, sua vida prtica no tempo.

    (Rsen, 2}0la57)Dessa forma, a operao mental constituinte da conscin-

    cia histrica o estabelecimento do sentido da experinciano tempo, ou seja, o conjunto dos pontos de vista que estona base das decises sobre os objetivos. Para am disso, aconscincia histrica precisar, tambm, dar respostas aos fe-nmenos que no so intencionais, que no so subjetivos,mas que so naturais e, portanto, sofridos, sendo a morte oexemplo mais significativo.

    A conscincia histrica pressupe o indivduo existindo emgrupo, tomando-se em referncia aos demais, de modo que a

    Ensino de histria e conscincia histrica

    pcrcepo e a significao do tempo s podem ser coetivas.I lcller, para quem a coletividade que possibiita o surgimen-to da ideia de passagem do tempo e de finitude do indivduotli.rnte da continuidade do grupo, traduz esse princpio com,rs seguintes palavras: 'A historicidade de um nico homemirrrplica a historicidade de todo o gnero humano. O plural ,rrrlerior ao singular [...]" (Heller, 1993:15).

    I'lm comunidade, os homens precisam estabelecer a ligao(uc os define como um grupo, cultivar esse fator de modo,r permitir uma coeso suflciente para que os conflitos nolcsultem num enfraquecimento do grupo e cooquem a suasobrevivncia em risco. Uma verso, ou um significado cons-trudo sobre a existncia do grupo no tempo, integrando asrlimenses do passado (de onde viemos), do presente (o quesomos), e do futuro (para onde vamos) o elemento principalrla ligao que se estabelece entre os indivduos. A essa liga-o temos chamado identidade, e podemos defini-la como oconjunto de ideias [ que a biologia, e mais especificamente,r gentica, juntamente com a antropologia tm mostrado queno existe fundamento para pensar uma identidade "sangu-nea" entre as pessoas que formam um grupo, seja ele uma pe-quena comunidade ou uma nao) que tornam possve umaclelimitao bsica para o pensamento humano ns e eles

    -,

    pertencente ou no pertencente ao grupo.Para Heller, a pergunta identitria no muda, e o que deno-

    ta o movimento da histria da identidade a variao da res-posta a ela. Do mito, metafsico ou transcendente conscin-cia da historicidade de todos os elementos da vida humana,ao desencantamento na interpretao da histria, ou, enfim, ideia de responsabilidade pelo planeta todo, as diferentesrespostas mostram diversas situaes (Heler chama de est-

  • FGV de Boso

    gios) em que se encontram os fundamentos da identidadc clt,cada grupo. primirivame"r. (. ;;;;.iro r.p.rtdamenrc) r resrabeecime"ro o1]o:l,nd,d. J;;;;;rpo purru peras ima.

    5i l;"'irltj,;:::, v1 -ore s q u e o s p "-"r ip " ": i;;' ; ;"n ome), u._ .o_o ffi , $, ;:rr.: r.j:,#como o legirimador.^da existnii, d" ;;. (e, na maior parlcdos casos, de suas relaes hi".;.quiluriProduzir a identida.

    .of.tiur,,.r." dela uma cons_cincia histrica especfica . ,irrtriruu

    .o_ .lu um dacroessencja a qualquer grupo humano que pretenda sua conti-nuidade. Decorr duniversa,,,,b._;':J#'.',1il:;A;:iJ,r::*plid"r s condies do grupo qrre tehamos em teta. As_sm, se para a comu"-lL"O. pii_itirr" , *, p..p.ruao estavaf"Sdl principamenre na narrativa ao ,irito fundador e namemria de seus bretambm r.r-, obr.illl:lti"t-ttida pela tradio ora (mas... :l: ",, .,r ;,1 ; ; pl :,., ij:;:T; i,",T #r j : :;tareta passa a ser exercida por.instltuiO"r-ro.iut_ente

    orga_nizadas para esse fim. Ligadias a ,rr. . ._ entar aidentida_de -

    am de seus fins especifico, _ . qr" ,o estabeecidas as

    ,iill;': ria s, igreja s, oi urio,..,i, ;;*,,, u ni versi da des,Mais compexos sr

    cincia:,;;;;;;:::i,::,1""?','_,J::::nff ";rr:escrever, interpretar upri"d;;;";";;r",::::3'#:l_o'i,u^..,r"

    de gestos riruais, e assimpor diante, #J#"art::r."em particuar. Mas outro efeito d., ;r;;;;;;s que rornam osgrupos de pertencimento mais extensos . _r, compexos a

    Ensino de histria e conscincia histrica

    crise de sua homogeneidade: os Estados-nao, por exemplo,geralmente surgem a partir da incorporao (consenrua oupela fora) de grupos diferentes. Com isso, o trabalho de con-tnua formao para uma identidade histrica geralmente seestabelece em torno da educao para generalizat as formasdominantes de conscincia histrica (sejam elas resutado deuma sntese harmnica entre os grupos, sejam resultado deum projeto de dominao mais ou menos explcito ou cons-cienie) dc tentativas de sobrevivncia de outras articulaesde respostas s perguntas identitrias. Desse modo, a articu-lao

  • FGV de Bolso Ensino de histria e conscincia histrica

    ..,,, it'clade em outra condio que meramente o saber sobre ol,.r\s.do: mais que isso, um elemento ativo e bastante din-ur( () na definio de papis e posies sociais, ordens, discur-.,,'.;, justificativas e assim por diante. Acompanhando Johanlltrrt.inga, autor de Homo ludens

    - uma das mais importantes

    ,,1r1.15 n2 filosofia da histria em nosso sculo , Bann afrrma, ;rrt' histria o modo pelo qual a cultura lida com o seu pr-1,r io passado. Assim, em vez de separar a narrativa histrica,lrslrrrcida pararetifr.c-la e substitu-la pela narcativa corre-t,r, o papel do historiador deve ser o de compreender que,r 1rrpria retido de uma narrativa, chancelada pelo Estado,,rr pela cincia, tambm uma inveno retorica, e inveno,lt' histrias aparte mais importante da autocompreenso e,r rrtocriao humanas.

    'fanto a contribuio de Hobsbawm na "Introduo" de.\ inveno das tradies quanto os posicionamentos crticostlt' Bann trazem vrios elementos para pensarmos o conceito,lc' conscincia histrica. 'Ialvez o mais expressivo em Hobs-lr.rwm seja dimensionar a importncia das relaes de poder(principalmente poltico e social, com bases econmicas) nol)rocesso de criao de referenciais histricos de identificaorlt' grupos nacionais ou regionais.

    Um exemplo extremamente eloquente pela acumulao denrlerenciais histricos reproduzido a seguir: o depoimentotlc Charlotte, uma eleitora de Jean-Marie Le Pen por ocasiorlo segundo turno das eeies presidenciais francesas de2OO2.

    Folha: Por que a senhora apoia Le Pen?Charlotte: Porque eu sou francesa. Am disso, sou de origemcelta. Aps milhares de anos, ns somos celtas e franceses. Osceltas eram um grande povo que vivia aqui antes da invasoromana. Queremos permanecer celtas.

    peos seus formuladores (Hobsbawm e Ranger, 20Og:9). Omecanismo da tradio inventada recurso e manuteoou disputa por bens, direitos, vantagens por parte de gruposdominantes, submetidos o, .-..g"ites i est sustentado natransformao de algo que reativamente novo em ago queteria uma existncia imemoria, ou que, no mnimo, ,. rr_caixa com uma tal antiguidade. Ela tmbm dotada de umcarter simbico e ritual, com gestos e objetos que no tmfuno prtica, mas sim ideolgca. Essa riiualizao natura_liza e facilita a incorporao d novas prticas, que so umaconstante em sociedades que se moderniz"-, po, exempo,em funo da Revoluo Industria ou do xodo rura e ur_banizao.

    A crtica que Bann faz do ivro organizado por Hobsbawme Ranger precisa ser reconhecida. O autor deitaca que a tra_dio inventada (ou seja, mexida por interesses datdos quea constroem como se ela fosse mais antiga do que realmn_te ) acaba por ser entendida .o-o ,- fasa conscincia,em que a histria poderia discernir o certo e o errado. Defato, o termo "inveno" pressupe uma criao a partir donada, e corre-se o risco de imagnar o papel do historiadorcrtico como o de simplesmente desmasiuu,

    ^ inveno por

    trs da mscara da tradio, mas esses riscos e implciios naopodem ser eencados o prprio Bann o afirma _ para ous_car o brilho e o carter semina da coletnea. .hntretanto, suaorientao vai no sentido da busca do uso que os indivduosfazem de discursos ou representaes sobre a histria, nonecessariamente em busca da verdade do que ocorreu, masna busca de como as pessoas lograram o preenchimento desuas necessidades contemporneas e de piojetos de futuro.Evidentemente, isso cooca o conhecimento"histrico numa

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    .llx'nas aquela mesma, inconsciente de sua propfia histria,,rrrrpliando o abismo entre a reflexo historiogrfica e o ensino,lt'histria. Citron fala em conscincia histrica e conscincialr istoriogrfica para afirmar a ausncia patente, na Frana, darroo de que a histria tem uma histria, e que os avanos,l,r historiografia no campo da autoconscincia das narrativasrr,rtr chegam para a conscincia histrica da maior parte dos.rnceses, formados num ensino de histria fundado no scu-lo XIX, resultado do casamento entre cientificismo e naciona-lismo. Sua obra procura desmitificar as ideias de uma Franarrrra e indivisvel, doadora dos direitos do homem ao mundo,plcexistente ao seu espao geopoltico, o imaginrio arcaico(lue quase chega s nostalgias de uma religio da Frana, quelcva tambm ideia de uma raa francesa homognea descen-tlcnte dos ancestrais gauleses, que acabar sendo incorporadar'omo forma de legitimao, por exemplo, das propostas polilicas de restrio da imigrao e dos direitos dos imigrantes.l'ortanto, as questes polticas atuais no podem ser pena-rente respondidas sem essa relao crtica com o passado.

    De volta ao tema da inveno das tradies, podemos con-siderar a contribuio de Hobsbawm alm do aspecto da in-luncia das relaes de poder na contnua reelaborao daconscincia histrica, para pensarmos a noo de tradiodentro dela. Para Rsen a tradio seria uma espcie de pr-histria da conscincia histrica, ou seja, um fato elementar

    c genrico da conscincia, anterior distino entre experin-cia e interpretao. Isso corresponderia aos primeiros estgiosda conscincia histrica, segundo Agnes Heler. Para ela, aperspectiva de desenvolvimento da conscincia histrica aoongo do tempo pode ser descrita, entre outras formas, comoum processo de ampiao do tempo que se pode conceber, e

    Folha: Como a senhora descreveria Le pen?Charlotte: Ele o nico que reamente defende o povo francshoje. Tambm fala exceente francs, tem uma tima oratria.[...] Le Pen Vercingentorix [...] Ee o nico capaz d,e dar umacontribuio. Do contrrio, ser o caos na Frana. absurdo oque acontece hoje. Ningum controa mais nada, estamos entrebrbaros.

    (Folha de S.Paulo,5 maio 2OO2, p. A 23)Charotte escolhe uma seleo

    - do seu prprio passado e

    do passado francs -

    dotada de um significado eipecfico,e a coloca em sua fala para sustentar uma escoha polticaque pretende responder a problemas do presente, tais comoidentificados pela entrevistada. No se trata de uma operaofalsa ou verdadeira, autntica ou abusiva, mas principalmen-te de uma ligao passado-presente-futuro que conitruda,mas que no se assume como tal.

    A entrevistada no representa um caso isolado. SegundoCitron (1987), na Frana a histria nacional est sempre naordem do dia, e isso no se deve apenas ao fato de qe, na-quele momento, estavam muito prximos da comemoraodo bicentenrio da Revouo Francesa. Os eventos pblicosque envolvem o tema da nao e da identidade francesa fo_ram bastante comuns desde fins do sculo XVIII e incio dosculo XIX, sempre refletindo, mais que o passado, as deman-das e disputas de cada um dos momentos presentes. SuzanneCitron sustenta que o estatuto da histria na Frana oscilaentre a lenda, as mitologias nacionais consagradas pela es-coa e as novas perspectivas de pesquisa historiogrfica, quese chocam com a primeira perspectiva e no se inscrevemnela. O silncio dos historiadores sobre essa discrepncia atento deixava entender que a histria possvel na escoa seria

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    cuja representao interfere nas formas da organizao social:nos primeiros grupos humanos, a amplitude do tempo tocompacta que se vive imediatamente o tempo que decorre daorigem, da cosmogonia. Votaremos a esse ponto mais adiante.

    Ao agir, o ser humano j se pauta por um passado que seoferece a ser lembrado e considerado sem mediao da narra-tiva, antes do trabalho interpretativo da conscincia histri-ca; um conjunto de elementos em que "o passado no cons-ciente como passado, mas vae como presente puro e simples.na atemporalidade do bvio" (Rsen, 2OOla:77). As institui-es seriam exemplos de tradio nesse sentido de elementosque se impem para o presente por serem a sedimentao demuitas aes passadas, e que aparecem como dados, mesmoque a inteno do agir seja super-los.

    A relao interessante a traar com o texto de Hobsbawm a ideia de que mesmo esse elemento "pr-histrico" no esta salvo da interpretao e da inveno intencionadas: a dife-rena que muitos desses elementos oferecem-se como tradi-o, como elementos anteriores narrativa, como portadoresda fora da obviedade. nesta chave de compreenso que seapresentam os objetos de referncia identidade escocesa ouos rituais da monarquia inglesa, analisados por outros auto-res na coletnea de Hobsbawm e Ranger. Diante dessa consi-derao possivel pensar que fica invalidada a construo deRsen. E mesmo atradio, que se oferece como antecedendoe transcendendo a interpretao pela conscincia histrica, apenas falsamente um dado e , na verdade, outro componen-te do processo de significao do tempo por parte do grupo.Ou ento se pode pensar que de fato existe um elemento tra-dicional e "pr-histrico" na conscincia histrica, o que dfora redobrada s invenes interpretativas do passado que

    Ensino de histria e conscincia histrica

    ( ( )rscguem passar-se por tradio. Se considerarmos essa pos-,,ilrilidade, decorrer da um campo de estudos caracterizado1't'l.r diferenciao entre o que autenticamente tradio e o(lilc se apresenta falsamente como se o fosse, campo esse que, r'cjeitado por Stephen Bann. No nossa inteno resolver,'ssc impasse, mas to somente marcar a sua relevncia e pro-r, uidade, sem deixar de lembrar a necessidade de superar artlcia de mera indicao de falsidade ou verdade nos estudos,;rrc abordam os processos de consoidao de conjuntos dergens e ideias legitimadoras. Trata-se, na verdade, daqui-lo clue era chamado, antes da dcada de 1990 (com relativatr,rnquilidade), de anlise das ideoogias, que tem estudosl,rstante interessantes. Tais estudos superam a perspectiva,lit'otmica entre conscincia e alsa conscincia ao imaginar.r ideologia como processo de organizao e hierarquizao dertlcias dentro do ampo universo no qual elas esto dispon-r,

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    4T

    relatos de sua origem no conduz a que todos esses relatossejam essenciamente iguais ou sejam usados da mesma ma_neira em todas as sociedades. pelo contrrio, os relatos de ori_gem podem ser narrativas mticas (Ado e Eva no den, porexemplo), constructos de memria histrica (a origem do tira_sil devido ao seu descobrimento pea frota do rei d. Manuecapitaneada por Cabral) ou teorias cientf,cas (o Big Bang). possve mesmo a inexistncia de uma narrativa dr o.igerrccomo as anteriores, em sociedades que no tomam o tempo deforma linear e sim cclica. Nesse caso, em vez d.e rr-u orig.-,aparece uma lgica que define o funcionamento dos clilos.Mas o que ocorre que todas essas narrativas ou represen-taes do uma dimenso do tempo e de seus efeitos iobre avida, e cada uma delas ter um uso distinto em sua sociedadee na estruturao dos diversos papis sociais e condutas pes_soais. Quando se afirma que apenas a conscincia histricamoderna pode ser realmente definida como conscincia his_trica porque suas caractersticas internas a diferenciam detoda forma anterior de representao do tempo e orientaotempora, ficamos com a impresso de que j vimos isso antes,nos conceitos de civilizao e de cultura do sculo XIX, quan_do esses eram atributos somente do povo europeu.

    O que parece mais importante nas sociedades modernas no o pretenso fato de que elas sejam caracterizadas pela pre_dominncia da conscincia histrica moderna, mas sim o fatode serem profundamente heterogneas e marcadas pea con_vivncia de muitos modos de produo de sentido histricoconcomitantemente: do modo "racional,, e,,cientfico',, queautoriza a pesquisa com clulas-tronco, ao modo tradicional,que aprova a "guerra contra o terror" (na verdade contra po-vos inteiros) por questes mais emocionais e preconceituosas

    Ensino de histria e conscincia histrica

    (luc racionais. no se trata apenas de uma mesma socieda-tlt'ocidental, mas, muitas vezes, dos mesmos indivduos nos( | uais essas perspectivas convivem.

    Capturando a conscincia histrica

    O espao que a conscincia histrica ocupa nas relaes hu-r;nas pode ser percebido por diversos elementos, mas o prin_, ipal (e provavelmente aquele do qua os demais derivam) aitlcntidade coletiva, ou seja, tudo aquilo que possibitita quetligamos ns (e eles). Dessa conscincia fazem parte as ima-gcns, ideias, objetos, valores que os participantes julgam ser()s seus atributos especficos (sendo que o primeiro deles onome), bem como um (ou mais) mito de origem, que funciona('omo o egitimador da existncia do grupo (Heller, 1993:i6)c, na maior parte dos casos, de suas reaes hierrquicas. Emsuma, a conscincia histrica constitui a parte preponderanteda resposta pergunta: quem somos ns?

    Nas reaes humanas, a conscincia histrica ocupa umlugar especfico, e este pode ser percebido indiretamente pe-los resutados da identidade coetiva, pois dela deriva umasrie de outros acontecimentos no campo do pensamento. Emoutras palavras, tudo o que permite que digamos ns e elescompe a identidade coetiva ou social, e essa identidade composta da conscincia de diversos elementos: familiarida-des e estranhamentos, ideias, objetos e vaores que um grupoacredita fazerem parte de seus atributos exclusivos e excu-dentes. O primeiro de todos esses elementos o nome da co-etividade. Por isso, um dos primeiros atos na conquista deum povo darlhe um nome que no seja aquee pelo qualos indivduos se conhecem, como, por exemplo, "negros,,ou

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    ,rlrrrros responderam assinaando um dos itens de uma escala,ll vaorao que ia de "concordo totalmente" a "discordot,,t,rImente", passando por "concordo", "indeciso" e "discor-rlo", o eue, em estatstica, denominado "escala de atitudes",,rr "cscala de Likert". Os alunos, am de fornecer informa-,,()('s para contextualizar cada indivduo, responderam sobre,r ( ()ncepo que tm da histria e de sua importncia, cre-,libilidade em fontes de conhecimento histrico, descrio e.rl)r'oveitamento das aulas de histria assistidas, concepes,lt uturo, conhecimentos cronolgicos, interesse por pero-,l,rs da histria e assuntos ou temas histricos, conhecimento, .rvaliao de fatores de mudanas histricas atuais e futuras,.rvaliao e imagens atribudas aos perodos e personagens dalristria. Responderam tambm sobre causas das mudanasrro Leste europeu, expectativas de futuro pessoal e de futu-r o cla Europa (um dos motivos principais da pesquisa foi aproduo de conhecimento til para sobre o processo de uni-icao da Europa) e motivos da diviso das sociedades em, lasses. Havia, ainda, perguntas acerca de reaes pessoais aosimular situaes do passado (como casamentos fbrados, porcxcmplo), fatores de composio da nacionalidade e da sobe-rania sobre um territrio, preservao de patrimnio hist-rico, conceitos de nao, posicionamentos polticos contro-versos quanto a questes prementes nos pases ou na Europacm geral.

    Os professores responderam a questes de contextualizaodo indivduo nos pases, questes relativas formao aca-cmica, experincia docente em anos, particularidades cur-riculares no ensino da histria, avaliao da capacidade inte-lectual dos alunos, signicado de religio e de poltica paraa vida cotidiana do professor, scu posicionamento poltico,

    "ndios". Da mesma forma, a construo da autodetermina_o passa obrigatoriamente peo estabeecimento ou restabe_ecimento de um nome prpiio, definido de modo autnomo.Um mito de origem (no sentido de um evento naturafizad.ocomo rea e no questionado socialmente que define a iden_tidade e legitima a forma de vida do grupo no presente),seja ele "primitivo" ou "moderno,', oitro componente didentidade social, que depende de uma operao istrica daconscincia.

    _

    De quaquer modo, o desafio que se coloca : se a conscinciahistrica existe, preciso que ea seja captve por instrumentosde pesquisa, e essa captao deve sr possve m diversos uga_res, com identidades sociais e fundamentos culturais diferens.Um dos exemplos mais interessantes de pesquisa sobreconscincia histrica

    - embora esse no fosie su objetivo

    nico ou principal -

    foi o projeto youth and History, .rri" "*-tensa pesquisa no formato de suruey, organizad,ainicialmente

    por pesquisadores que atuam na interface de preocupaesentre a histria e a educao da Aemanha e Noruega. fl pes_quisa teve por base o conceito de conscincia hirica ide_finida sumariamente como ,,o grau de conscincia da reaaoentre_o passado, o presente e o futuro,,) e procurou identificare avaliar sua aplicao nas opinies emitias por jovens de l5anos e seus professores em 25 pases europeus. mais Israe ePalestina, num tota de 32 mi entrevistos. Constituiu_seda elaborao, aplicao e tabuao de um questionrio paraalunos e outro para professores, definido aps vrias reuniesentre as dezenas de pesquisadores de tod a Europa, idera_dos por Magne Angvik e Bodo von Borries.

    O questionrio organizou vrios temas que se desdobra_ram em perguntas apresentadas como afirmaes s quais os

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    perodos da histria enfatizados, conceitos mais importantesensinados, mtodos de ensino aprendizagem, objetivos doensino da histria, interesse dos alunos, principais problemasdo ensino de histria no pas segundo a viso do professor,fatores de mudana histrica que considera mais relevantese projeo de futuro quanto a fatores de mudana histrica.

    Os resultados da pesquisa foram dispostos em dois voumesde planilhas de dados. O trabalho de anlise desses resultadosconfirmou algumas hipteses e caractersticas, at certo pon-to previsveis, do ensino de histria. por outro lado, trouxedados significativos para a reflexo sobre educao, ensinode histria e conscincia histrica. O primeiro dado que ainfluncia do professor de histria sobre as opinies histri-cas do aluno , no mnimo, limitada, como tambm limitadaa influncia dos currculos oficiais de histria sobre o traba-lho do professor e seu resultado. A pesquisa permite concluirque os elementos narrativos constantes dos currculos oficiaisou da formao que os professores recebem no se reprodu-zem necessariamente na aprendizagem dos alunos. Assim, comum encontrarmos opinies divergentes sobre a histriano mbito oficia, incluindo a a escola e os alunos que serelacionam com essas esferas, o que nos conduz concusode que a formao histrica dos alunos depende apenas emparte da escola, e precisamos considerar com interesse cadavez maior o papel dos meios de comunicao de massa, dafamlia e do meio imediato em que o auno vive se quisermosalcanar a relao entre a histria ensinada e a conscinciahistrica dos alunos.

    Outro aspecto considervel refere-se "modernizao" dosprocessos de ensino e aprendizagem em histria, que so mui-to mais restritos do que poderamos supor diante do investi-

    Ensino de histria e conscincia histrica

    rr('rto em formao de professores a partir de novas conceP-r,rrt's, contdos e tcnicas, o mesmo valendo para o esforo,lt'cspecialistas em educao instalados na burocracia estata. st'us projetos de mudana de rumo do ensino em geral, e em1',rrticular do ensino da histria. Uma hiptese considervel, rrr relao a esse tpico a de que a funo social do ensino,l,r histria transcende os projetos contemporneos e liga-se arrrna necessidade de perpetuao do grupo (Estado nacional)sobre a qual a capacidade de influncia do debate contempo-r.rneo restrita.

    l)esde 2006, uma equipe de pesquisadores brasieiros, ar-gcntinos e uruguaios, da qual fao parte, vem procurando,rdaptar o questionrio europeu s realidades sul-americanast' aplicar esse questionrio em algumas amostras, como umprojeto piloto. Essa investigao foi inicialmente intitulada".lovens brasileiros e argentinos diante da histria"; poste-liormente incluiu o Uruguai e passou-se a chamar o projetornais simplesmente de "Jovens e a histria". No instrumento.rdaptado concentramos as categorias de questes que se re-rem a componentes da conscincia histrica, sem esquecerque o questionrio destinado aos aunos envolve tambm umasrie de perguntas para identificao social e cultural do res-pondente, bem como vrias outras sobre a realidade do ensi-rro e da aprendizagem de histria na escola.

    Embora no focado no conceito de conscincia histrica,Carretero (2007) confirma algumas das hipteses e cons-tataes que esses estudos puderam esboar. Um dos itensprincipais a distncia entre a histrla ensinada na escola, ahistria oficial, e a histria vivida e relembrada pela comuni-dade e transmitida entre geraes dentro das famlias. Essadistncia chega s raias da esquizofrenia quando falamos de

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    rlrrs textos iniciais. A situao proposta para o trabaho dos,rlrrrros foi rica pela capacidade de mobilizar tanto elemen-t,,s histricos (a escravido e o racismo) quanto elementosrrr,ris imediatos de identidade nacional (porque o acusado de,liscriminao participava, no momento, de um time de fute-lrol argentino jogando contra um time brasileiro) e ainda um,,r1r".to de juigamento moral, um dos resultados tpicos dolrrncionamento da conscincia histrica. Aps uma primei-r,r cscrita, a dinmica da pesquisa proporcionou a ampliao,l,r reflexo lingustica e histrica, dialogando com os alunos,rul.ores, aportando novos elementos (como textos e informa-t,tics atinentes ao tema) e possibilitando a reescrita do texto'Ncssa reescrita foi possve perceber as formas pelas quais,,s alunos reestruturam seus textos iniciais, tanto no que selt'lere a estrategias de comunicao quanto de decodificao(' regociao de informaes e ideias novas. O estudo dos tex-tos produzidos por alunos foi feito com base em um quadrotlc categorias organizadas nos trs eixos temporais (passado,presente e futuro) e nos modos de dizer e de produzir senti-clo usados pelos sujeitos. Foi a anise dessas estratgias quemais de perto permitiu a anlise dos elementos e dos desloca-mentos da conscincia histrica dos alunos. Ao exercitar suacompetncia narrativa, cada aluno revelava suas formas deconceber e se relacionar com o tempo.

    Didtica da histria: uma disciplina de investigao do usosocial da histria

    Rsen argumenta que o desafio metodolgico da pesquisada conscincia histrica comea a ser enfrentado com a ela-borao de modelos tericos. Afinal, a boa pesquisa come-

    grupos sociais ou pases inteiros dominados por outros, como o caso da Estnia. De um modo geral, Carretero aponta quea histria marxista pr-sovitica ensinada nas scolas'depases do Leste europeu entre o ps-guerra e a queda do murode Berlim acaba por desvanecer-se rpidamente aps o fim dodomnio sovitico, o que demonstrara que ea p.r.o se afer_rou conscincia e identidade das pessoas. por outro ado,o estudo de Carretero est onge de apontar que a histriaensinada

    - oficia ou "domstica,,

    - seja irrelevante. Anali_

    sando os casos dos Estados Unidos e do Mxico, por exemplo,mostra como esse assunto tem sido decisivo no contexto derealinhamento das identidades nos processos de transforma-o ligados globalizao intensificada dos anos 1990.

    Outra frente significativa no estudo da conscincia his_trica tem sido a dos estudos quaitativos baseados em umgrup^o menor de sujeitos participantes, que so capazes deaprofundar noes importantes de como o fenmeno operaem detalhes.

    Um exemplo das reflexes em torno do conceito de cons_c_incia histrica a percepo das suas ligaes com o temada linguagem, tanto nos processos de sua constituio quan_to na possibilidade de estud-la. Esses dad

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    Ir,rl, cssa estrutura, segundo Rsen, "narrativa". No toda'

    (lu.lquer narratva, mas especificamente a que orienta ou,lrrt'r rrrientar elementos e momentos da vida prtica. Narrati-\',r (' orientao so os termos contguos quando entramos nal,rrsca de evidncias empricas da conscincia histrica.

    lrmbora se trate de apenas uma das formas de representa-(,.f () histrica, a narrativa oferece uma sada, em termos der('(()rte emprico, para a pesquisa da conscincia histrica,l'()r'que um dos produtos que resultam de sua produo de',t'ntido. As narrativas no so apenas verbalizadas, mas tam-l,t'rn condensadas em imagens (o prncipe d. Pedro a cava'l,r levantando uma espada), palavras (Bastilha, Auschwitz) e.,irnbolos (cruz, foice e martelo, sustica), que so abreviaesrr.rrrativas. As formas pelas quais as narrativas so usadas (err.io apenas feitas) vo demonstrar a incorporao de deter-rrrinados padres normativos da conscincia histrica. E nosc trata de uma narrativa quaquer, mas de narrativas quest: refiram a processos reais (e no fictcios), que tenham porobjetivo e terminalidade o estabelecimento de uma "moral dahistria", uma concluso necessria (mesmo que subjacente)tlue oriente/justifique a ao dos sujeitos, tanto na histrianarrada quanto na histria vivida no Presente. Para essesenmenos construiu-se o conceito de cultura histrica, quedelineia "um conjunto de fenmenos histrico-culturais re-presentativos do modo como uma sociedade ou determinadosgrupos lidam com a temporalidade (passado-presente-futuro)ou promovem usos do passado" (Abreu, Soihet e Gontijo'2O07:15). Para Flores (2OO7), a expresso cultura histrica tra-duz a perspectiva de articulao entre os processos histricosem si e os processos de produo, transmisso e recepo doconhecimento histrico.

    a pea boa pergunta, que traz implicita uma teoria sobre aqua importa ter conscincia. O objeto de uma pesquisa so_bre a conscincia historica pressupOe refletir so^b.e'o que e como se atinge o objeto, j que estamos falando de faioresmentais, dificeis de investigar porque no so reconhecveisobviamente como fatos. frta_ie, po.turrto, de demarcar umterritrio emprico. S a definio terica do objeto no nospermite investig-lo. No se trata de modeos 'que criamospara encaixar os dados empricos a contragosto estes, masde autoconscincia, como jiafirmamos, da teoria que articulaa pergunta da pesquisa.

    Falar em conscincia histrica impica uma definio propo_sitadamente muito ampla de histr, como tempo significdo(ou, dizendo um modo um pouco diferente, experincia dotempo que passou p?r 1- processo de significao). Tempono quer dizer passado. Conscincia histrca no memria,mas a envolve: o tempo significado a experincia pensadaem funo do tempo como expectativa e -perspectiva, com_pondo um sistema dinmico. A conscincia histrica no definida aqui como conquista particuar, mas como aquisiocutura eementar e geral, na qua os sujeitos azem suas sn_teses entre objetivo e subjetivo, emprico e normativo.

    Para encontrar o objeto, enfocarnos suas manifestaes. Aconscincia histrica est baseada em padres comunicativos,de acordo com a natureza do tempo experienciado. Registre_-se a dificuldade de istar evidncias tpicas e no amguasde manifestaes da conscincia histrica. Exercendo a fun-o de m;mria, de percepo das diferenciaes temporais,a conscincia histrica produz uma estrutura unificada depensamento num modo de conscincia que adequado aoreacionamento dos sujeitos com a histr. O t.._o tcnico

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    r, or i.r da histria como disciplina especializada. Finalidades,I,rrlcs de informao, procedimentos de trabaho e resultados,lr.,t intos so motivos suficientes para considerar a distino' ntlL esses saberes histricos, como j vem sendo feito h

    rn,ris de uma dcada por estudiosos do ensino da histria aor, tlor do mundo, principalmente porque o conceito de cons-'

    r('rcia histrica ajuda a perceber a presena de muitos outros,.,rlrcres histricos alm destes dois.

    Novamente citando Rsen, pode-se dizer que, entre outrosrrrol ivos, por causa da diferena qualitativa entre a histria( r('rcia e a histria escolar, e necessria "[...] uma discipina, it'ntfica especfica que se ocupe do ensino e da aprendiza-r,,'rn da histria [...]: a didtica da histria" (Rsen, 2001a:5I).( ) .onjunto dessas consideraes cristaliza-se na ideia de dis-trrro em essncia entre a histria da escola e a histria aca-,lt'rnica. Essa ideia desenvolve-se em diversos pases e a partir,lt'diferentes lugares no campo das cincias da histria e da, rlucao e, ao desenvolver-se, viabliza ao mesmo tempo,1trc viabili zada por

    - uma mudana de paradigma na did-

    t it.r da histria, que at ento vinha sendo entendida como or'onjunto dos estudos que permitiriam aprimorar as formas det rrsinar histria, para garantir maior aprendizagem por par-It' clos alunos. Tacitamente, compreendia-se a aprendizagem( ()mo um elemento dependente do ensino formal da discipli-rra. Ao compreender que, nesse sentido, a aprendizagem no(' um processo dominado pelo ensino escolar, mas ocorre emrclao dialtica com ele, ensino e aptendizagem passam a sercntendidos como processos significativamente autnomos, erue no so compreendidos somente um em funo do outro.

    Diante disso, a didtica da histria tambem se distinguerle uma disciplina cientfica do ensino (cujo resultado um

    A discusso terica sobre a conscincia histrica e as brevespinceladas sobre alguns resultados de projetos como o youthand History cooca elementos importantes para pensarmos aagenda educativa e de pesquisa sobre o ensino da histria,pois, ao buscar recolher empiricamente dados da conscinciahistrica, trouxeram uma srie de dados que tanto confirma-ram a viabilidade do conceito para expicar os acontecimen_tos, quanto impuseram novos problemas para as reflexesdidticas da histria. Em primeiro lugar, a ideia de conscin-cia histrica refora a tese de que a histria na escola umtipo de conhecimento histrico qualitativamente diferentedaquele conhecimento produzido pelos especialistas acad-micos, e, mais que isso, so ambos apenas parcelas do grandemovimento social que pensar historicamente, e no a formade fazlo.

    Consequentemente ganha fora a recusa de um modelo emque o conhecimento histrico produzido academicamentetem na escola e nos meios de divugao cientfica uma cor-reia de transmisso e simplificao de seus enunciados. Apsdois sculos de "combates pela histria", o conhecimentohistrico acadmico logrou tornar-se a principal refernciapara o pensar historicamente da sociedade, mas o momentoexige que se reconhea que no o nico, sob pena de limi_tar a percepo dos fenmenos que envolvem o surgimento,a circulao e o uso dos significados atribudos ao grupo notempo. Isso coloca questes referentes ao mtodo, seleo decontedos e os fundamentos da histria ensinada na escoa.Para Rsen, entre o ensinar e o aprender histria na univer_sidade e na escola h uma diferena qualitativa, que logo seevdencia quando se promove a reflexo sobre os fundamen-tos do ensino escolar de maneira anloga que se faz com a

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    conjunto de mtodos e tcnicas que permitem transmitirum dado conhecimento de quem o tem para quem priva_do dele), e passa cada vez mais a caractrizar_r.

    "o- .r-udisciplina que estuda a aprendizapem histrica. Como essaaprendizagem ultrapassa em muito a sala de aula de hist_ria.e mesmo a escoa, a didtica da histria acaba assumindoa produo, circulao e utilizao socia de conhecimentoshistricos como seu objeto de estudo, e ao ser realizado porhistoriadores esse estudo no se encaixa em nenhum oscampos da historiografia (porque no , por exemplo, histriada educao, embora dialogue com ela), mas sim no campo dateoria da histria. Nesse espao epistemolgico tem cndi_es de permitir que todos os estudos histris, e no apenasaquees p_ensados para e a partir da escola, sejam submtidosa uma reflexo didtica, ou seja, a uma reflexo sobre o que ensinado (estudando currculos, programas e manuais, mastambm sries de televiso, filmes, revistas de histrias emquadrinhos etc.), sobre as gicas internas, condies, inte_resses e necessidades sociais quanto ao ensino e aprendi_zagem de conhecimentos histricos que ocorre na atualidadee, por fim, sobre o que deveria ser ensinado (em funo dasnecessidades e caractersticas mnimas de cada sociedade, esuas formas autnomas de gerao de sentido histrico).A discusso sobre conscincia histrica coloca_noi ain_da diante da necessidade de dar continuao proposiode Klaus Bergmann e de Jorn Rsen, entre outros autores,de uma didtica da histria, que seria uma disciplina interna cincia da histria, tendo uma srie de metal que podemser sintetizadas na indagao "sobre o carter efetivo, poss!vel e necessrio de processos de ensino e aprendizage e deprocessos formativos da histria. Nesse sentido [a ditica da

    Ensino de histria e conscincia histrica

    lristtirial se preocupa com a formao, o contedo e os efeitosrl,r conscincia histrica (Bergmann, l99O:.29).

    (l

  • FGV de Bolso Ensino de histria e conscincia histrica

    ,lr.rrrlc dela com serenidade, frrmeza e clareza, e no com a,.r'ns.ro de insegurana perante uma realidade que lhe tira,,,1ro, ou com o desalento de um Joo Batista que clama no( l{ s('rto.

    os aspectos que potencializam os avanos do conhecimento,mas tambm no se pode imaginar que uma atividade susten_tada pela sociedade no atenda s necessidades de conheci_mento dela.

    Na proposio de BergmatTn, a metodoogia do ensino dahistria torna-se apenas uma das preocupaes da didtica dahistria. A pesquisa "youth and Historyi .r- exemplo dessaampliao do campo de atuao, cujos resultados reforam,inclusive, a necessidade de pensar L pesquisar os conheci_mentos histricos em todo o tecido social, i as inter_relaesque promovem entre si e com o conhecimento erudito ou oescoar. Para a prpria metodologia do ensino saudve essaperspectiva, de modo a compreender a educao histricacomo um processo que no pode ser encarado como dentr