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1 Aprendizagem Individual de Expatriados: uma perspectiva de brasileiros na Índia Autoria: Laura Alves Scherer, Tarízi Cioccari Gomes, Isabel Bohrer Scherer, Jucelaine Arend Birrer Resumo: Com o objetivo de compreender o processo de aprendizagem individual na experiência de expatriados, este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória e descritiva. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com brasileiros expatriados na Índia, que foram analisadas sob a luz da técnica de análise de conteúdo. As categorias de análise definidas a priori tiveram como referência o modelo de aprendizagem vivencial de Kolb (1997) e o embasamento teórico deste estudo referente à expatriação e aprendizagem individual. Como resultado destaca-se que os expatriados entrevistados passaram por um processo de aprendizagem efetivo, conforme proposto por Kolb (1997).

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Aprendizagem Individual de Expatriados: uma perspectiva de brasileiros na Índia

Autoria: Laura Alves Scherer, Tarízi Cioccari Gomes, Isabel Bohrer Scherer, Jucelaine Arend Birrer

Resumo: Com o objetivo de compreender o processo de aprendizagem individual na experiência de expatriados, este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória e descritiva. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com brasileiros expatriados na Índia, que foram analisadas sob a luz da técnica de análise de conteúdo. As categorias de análise definidas a priori tiveram como referência o modelo de aprendizagem vivencial de Kolb (1997) e o embasamento teórico deste estudo referente à expatriação e aprendizagem individual. Como resultado destaca-se que os expatriados entrevistados passaram por um processo de aprendizagem efetivo, conforme proposto por Kolb (1997).

 

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INTRODUÇÃO Nos últimos anos, a globalização tem intensificado as pressões para integração econômica entre países. Por outro lado, as distâncias econômicas, jurídicas, geográficas e culturais persistem entre eles. Em virtude disso, as empresas que estão se inserindo no mercado internacional precisam cada vez mais de pessoas globais, capazes de lidar com essas diferenças e de gerar resultados em ambientes externos. Esses indivíduos enviados para o exterior pela empresa são denominados expatriados (FROESE e PELTOKORPI, 2011); e para se adaptar a esse contexto, é importante possuir a “mente aberta” para lidar com diferenças culturais e flexibilidade para operar em ambientes díspares e complexos (SARFATI, 2011). Nesse sentido, Streufert e Nogami (1989, apud HAYES e ALLINSON, 1998) afirmam que a capacidade de se adaptar a uma circunstância de mudança varia de um indivíduo para outro, pois as pessoas diferem em sua capacidade de reconhecer novos tipos de respostas requeridas em situações novas ou de mudança. A esse respeito, a expatriação pode ser vista como um treinamento do indivíduo para mudança, em que ele deve estar disposto a aprender a se adaptar com novos padrões culturais, novos jogos de poder, construção de novas alianças políticas e novas formas identitárias (NUNES, VASCONCELOS e JAUSSAUD, 2008). Seguindo esta linha de raciocínio, a aprendizagem parece ser uma consequência quase que inevitável para o profissional que vivencia a experiência de expatriação, pois ele precisa da capacidade de aprender para se adaptar e compreender um ambiente distinto do seu país de origem. Nesse sentido, salienta-se ainda que aprender implica o desenvolvimento de uma nova compreensão resultante de um processo de mudança de mapas cognitivos, interpretações de novos conhecimentos ou construções sociais da realidade que, por sua vez, afeta o comportamento do indivíduo (PROBST E BÜCHEL, 1997), neste caso, do expatriado. Complementando essa concepção, Kolb (1997) defende a ideia de que, para o aprendizado efetivo, é necessário passar pelo ciclo vivencial. Este ciclo inicia-se pelo envolvimento em uma experiência concreta, como é o caso da expatriação, da qual emergem observações e reflexões, que culminam na criação de conceitos próprios. O ciclo encerra-se com a experimentação ativa, ou seja, usar essas teorias em uma nova realidade. Neste estudo, este ciclo é analisado sob o foco do profissional expatriado que vive e trabalha em um país diferente do seu. A partir desta perspectiva, justifica-se o estudo do tema aprendizagem individual de expatriados, por se tratar de profissionais que, além dos desafios organizacionais em nível global aos quais são submetidos, estão à frente de novas ou de diferentes vivências que estarão presentes também na sua vida pessoal que podem lhes proporcionar aprendizagem. Frente ao exposto, este estudo tem como objetivo geral compreender o processo de aprendizagem individual na experiência de expatriados. Salienta-se ainda o fato de esta pesquisa ter como foco a experiência de expatriados brasileiros na Índia, que embora seja um país distante geográfica e culturalmente em relação ao Brasil, vem realizando acordos e parcerias bilaterais em diversos segmentos, o que proporciona o intercâmbio de pessoas de um país para o outro. A partir deste enfoque foram definidos os seguintes objetivos específicos: (a) identificar se os expatriados passaram pelas fases do modelo de aprendizagem vivencial de Kolb (1997); (b) identificar em cada fase situações que tenham contribuído para o aprendizado dos expatriados; (c) analisar cada uma das fases sob o olhar da literatura de aprendizagem. A estruturação deste estudo está segmentada no referencial teórico que contempla o profissional expatriado e a aprendizagem individual, seguido do método de pesquisa, da apresentação e análise dos resultados e por fim, as considerações finais.

 

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2. EXPATRIADO Os estudos sobre internacionalização de empresas tem como referência a pesquisa da Escola de Uppsala, a qual destaca o processo em que as empresas aumentam gradualmente a sua participação internacional e estabelecimentos sucessivos de operações em novos países (JOHANSON E VALHNE, 1977, 2009). Cabe salientar que no modelo desenvolvido por Johanson e Valhne (1977, 2009), um dos constructos propostos é a distância psíquica, que é definida como os fatores que impedem ou perturbam os fluxos de informação entre a empresa e o mercado, como o idioma, hábitos, sistema político, geração de renda, nível educacional de mercado, entre outros, que acabam interferindo na escolha do destino dos investimentos. Nesse sentido, o grau de internacionalização de uma empresa vai avançando, ao passo que já houve aprendizado sobre os fatores necessários para a empresa atuar naquele país, para então ser possível transpor de nível, como por exemplo, de exportadora passar a ter uma subsidiária em outro país. Da mesma forma que as organizações precisam aprender para aumentar o seu grau de internacionalização (JOHANSON E VALHNE, 1977, 2009), acabam necessitando de profissionais dispostos a aprender para representá-las nos países em que estão em atividade. Para que ocorra essa aprendizagem, de acordo com Nunes, Vasconcelos e Jaussaud (2008), o contexto da globalização, demanda profissionais que tenham as características e competências do chamado executivo global: capacidade de mudança e transformação, capacidade política de reciclagem, negociação e gerenciamento de polos global e local. Outra competência do profissional global, que cabe salientar, é a inteligência cultural, destacada por Sarfati (2011), que se trata de uma característica pessoal que é traço da personalidade e produto da educação do indivíduo e, ao mesmo tempo, uma competência passível de ser desenvolvida. Uma das possibilidades de desenvolvimento destas características e competências consiste na experiência bem sucedida de expatriação. Nesse sentido, o profissional que deve possuir tais capacidades é denominado expatriado e tem por definição aquele profissional enviado por uma empresa para uma unidade relacionada em um país estrangeiro para realizar um trabalho específico ou cumprir um objetivo relacionado à organização. Esta atividade está, geralmente, designada dentro de um período de tempo que varia de seis meses a cinco anos (GIALAIN, 2009; FROESE e PELTOKORPI, 2011). O trabalho a ser desenvolvido por estes profissionais pode variar dependendo do objetivo da organização. Gialain (2009) cita o estudo de Hays (1974, p. 29) que identificou junto a empresas norte-americanas os principais tipos de expatriação, destacados a seguir.

Figura 1. Tipos de expatriados Reprodutor da

estrutura Construir na subsidiária do exterior, uma estrutura similar à existente no país de origem.

Solucionador de Problemas

Analisar e resolver um problema operacional específico.

Posição Operacional

Desempenhar uma posição como ativo elemento numa estrutura operacional já existente.

Diretor Executivo Supervisionar e dirigir totalmente uma operação no estrangeiro.

Fonte: Adaptado de Hays (1974 apud GIALAIN, 2010). Os quatro tipos de expatriados designados por Hays têm um compromisso em comum: transferir o conhecimento da empresa matriz para a subsidiária. Wang et al. (2009), tratando de temática semelhante, concluiu que a utilização de expatriados como recurso estratégico facilita a transferência do conhecimento, de matriz para subsidiária e melhora a performance da empresa no país de destino. Os resultados baseados em empresas multinacionais com subsidiárias na China mostraram que expatriados com motivação e capacidade de adaptação

 

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para transferência do conhecimento melhoraram diretamente a performance da subsidiária e que suas habilidades técnicas influenciam apenas indiretamente. Os três atributos, estudados por Wang et al. (2009), que diferenciam os expatriados na transmissão desse conhecimento a fim de que as empresas multinacionais desenvolvam vantagem competitiva, são designados como: Habilidades técnicas - “Um estoque valioso de conhecimento”, considerado por Wang et al. (2009), como expatriados com habilidades técnicas superiores. Como forma de avaliação dessas habilidades, elas foram divididas em conhecimentos tecnológicos e conhecimentos administrativos. Motivação para transferência de conhecimento - Para que o conhecimento da matriz seja transferido para sua subsidiária é crucial que o expatriado esteja motivado para que esta transferência ocorra com êxito. Para avaliar a extensão do fator motivação consideraram-se os esforços para desenvolver sucessores e a delegação de tarefas importantes para os empregados. Adaptabilidade para transferência do conhecimento - O terceiro atributo é a capacidade de adaptação na transmissão do conhecimento de modo que seja aceitável e compreensível para os empregados locais. O profissional capaz de se adaptar é um recurso valioso para se usar em subsidiárias, onde as culturas, valores e normas de negócio podem ser diferentes do país de origem (WANG et al. 2009). A avaliação de adaptabilidade foi estabelecida pela habilidade de ensinar os conhecimentos para os empregados e pela adaptação/flexibilidade no modo de transferi-lo para se aproximar mais ao local do país. Para que o expatriado possa cumprir com seus objetivos, tais como transferir conhecimentos para a empresa, a pesquisa de Froese e Peltokorpi (2011) revela que os expatriados podem ter algumas dificuldades de adaptação por causa da distância cultural, que pode prejudicar a satisfação no trabalho. Como forma de minimizar este fator, é sugerida a realização de treinamentos e informações sobre os aspectos culturais e características de personalidade tanto para o expatriado, como para os funcionários da unidade local, a fim de garantir que os expatriados tenham o conhecimento necessário, habilidades e capacidades para realizar as suas atribuições de forma eficiente. Uma maior consciência das diferenças culturais nas interações de trabalho e estilos de liderança diminui mal-entendidos e estereótipos negativos (FROESE e PELTOKORPI, 2011). Outro estudo que enfatiza as diferenças culturais entre expatriados foi o de Beck e Silva (2009), que comparou a percepção de gerentes brasileiros e indianos em uma empresa no Brasil. A prática gerencial entre os indivíduos das duas nacionalidades apresentou uma incompatibilidade, pois havia inflexibilidade em aceitar o estilo gerencial de cada um, falta de integração e de visão compartilhada, dentre outras barreiras consideradas culturais que refletiram no comportamento resistente. Frente ao exposto, um dos fatores que pode auxiliar na adaptação do profissional expatriado à nova cultura, a fim de que ele possa transferir o conhecimento para a organização é o uso de suas características e competências de profissional global (SARFATI, 2011; NUNES, VASCONCELOS E JAUSSAUD, 2008). Assim, com o intuito de compartilhar conhecimento, o expatriado estará passando por um processo que está atrelado à aprendizagem individual. A aprendizagem, segundo Fleury e Fleury (1997) é resultante da prática ou experiência, que pode manifestar ou não, mudança de comportamento. 3. APRENDIZAGEM INDIVIDUAL Uma das tarefas do expatriado, de acordo com Wang et al. (2009), é transferir conhecimento da matriz para a subsidiária. Essa ideia vai ao encontro da percepção de Probst e Büchel (1997) que consideram a experiência transmitida como forma de aprendizagem.

 

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Assim como está em consonância com a análise de Kim (1993), que sustenta que as organizações aprendem por meio de seus membros individuais. Desse modo, as teorias da aprendizagem individual são essenciais para a compreensão da aprendizagem a nível organizacional. Esta visão coaduna com os resultados do estudo de Estivalete, Karawejczyk e Begnis (2005), que alegam que as práticas de aprendizagem em uma organização refletem em uma facilidade nos gerentes em adquirir novas competências, saberes e aprendizados individuais. Ao que se refere ao nível do indivíduo, psicólogos estudaram aprendizagem individual por décadas, mas eles ainda não conseguem compreender totalmente o funcionamento da mente humana (KIM, 1993). Probst e Büchel (1997) abordam a respeito da teoria da aprendizagem, com foco nos processos mentais e cognitivos e interações do indivíduo com o ambiente. Dentro da abordagem desses autores, os indivíduos criam sua própria representação de ambiente, com base na experiência, expectativas, crenças e padrões cognitivos. Se a abordagem cognitiva é adotada a nível individual, o potencial de aprendizagem é uma função da percepção de uma pessoa, habilidades cognitivas, inteligência e experiência. Experiências são moldadas por fatores como competências socialmente transmitidas, história de motivação, interesses e juízos de valor. Para Probst e Büchel (1997), o aprendizado é, portanto, uma função de quatro fatores: estruturas cognitivas, que influenciam a maneira que o conhecimento é recebido; inteligência; a experiência, no sentido de conhecimento socialmente transmitido e competências adquiridas; e situações prévias desenvolvidas por necessidades e motivos específicos. Esses fatores exercem uma forte influência sobre a capacidade de aprendizagem de uma pessoa e, juntamente com a dificuldade de material a ser aprendido, eles determinam o progresso na aprendizagem. Esta linha de pensamento auxilia na caracterização do conceito de aprendizagem individual de Probst e Büchel (1997) – Figura 2.

Figura 2. Aprendizagem Individual

Fonte: Adaptado de Probst e Büchel (1997).

Diante disso, os autores colocam que aprender implica no desenvolvimento de uma nova compreensão. Isto resulta do processo de mudança de mapas cognitivos ou construções sociais da realidade. A aquisição e interpretação de novos conhecimentos trazem mudanças em mapas cognitivos, o que por sua vez, afeta a variedade de comportamentos em potencial (PROBST E BÜCHEL, 1997). Tratando dessa temática, Kim (1993) desenvolveu um modelo que vincula a aprendizagem individual e organizacional, tendo como base estudos sobre modelo mental. O modelo mental está relacionado à imagem a qual o indivíduo enxerga o mundo, que tem o

 

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poder de influenciar o que os outros fazem, pois também afeta o que os outros veem. Kim (1993) complementa ainda que o modelo mental representa a visão do mundo de uma pessoa, incluindo o entendimento implícito e explícito. Nesse sentido, para o autor, a aprendizagem envolve dois significados: a aquisição de know-how e de know-why. O primeiro abrange as habilidades do indivíduo que implica a capacidade física para produzir alguma ação, ou seja, no que as pessoas aprendem; e o segundo implica a capacidade de articular uma compreensão conceitual de uma experiência, ou seja, como os indivíduos aplicam esse aprendizado. Kim (1993) apresenta o seu modelo de aprendizagem individual por meio de um ciclo de aprendizagem conceitual e operacional que informa e é informado por modelos mentais.

Figura 3. Modelo de Aprendizagem Individual e Ciclo do Modelo Mental

Fonte: Adaptado de Kim (1993).

A partir dessa figura pode-se perceber que o modelo mental fornece o contexto em que o indivíduo vê e interpreta o novo e determina o quão relevante é aquela informação para a situação (KIM, 1993). A aprendizagem operacional representa a aprendizagem a nível processual onde se aprende os passos para completar uma tarefa, revisar ou produzir novas rotinas. Já a aprendizagem conceitual questiona-se por que as coisas são feitas daquela maneira, muitas vezes questionando a natureza e as concepções das coisas, repercutindo em uma mudança de visão (KIM, 1993). A mudança de visão pode ocorrer quando o indivíduo se depara com eventos não rotineiros, imprevisíveis que moderam sua tomada de decisão e serão reflexos da cultura, pressupostos enraizados, artefatos e ostensivas regras de comportamento. Este entendimento pode ser exemplificado por profissionais em uma empresa, objeto de estudo de Kolb (1997) no que se refere à aprendizagem. Para este autor, o profissional não se distingue pelo seu conhecimento ou habilidades, mas sim pela sua capacidade de mudança de visão, “de se adaptar e fazer frente às exigências dinâmicas de seu trabalho e carreira profissional – enfim, pela capacidade de aprender” (KOLB,1997, p. 321). Kolb (1997) identificou que cada indivíduo desenvolve um estilo pessoal de aprendizagem, com seus pontos fracos e fortes, que são influenciados pela sua hereditariedade, experiência de vida e exigências do ambiente em que está inserido. Nesse sentido, Kolb criou o Inventário de Estilos de Aprendizagem que identifica quatro tipos dominantes, são eles: convergentes (raciocínio hipotético-dedutivo, prefere lidar com coisas a lidar com pessoas), divergentes (capacidade de imaginação), assimilador (capacidade de criar modelos teóricos), e acomodador (executar planos e experimentos). A partir do pressuposto que cada indivíduo possui seu estilo de aprendizagem, Lawrence e Lorsch (1967 apud KOLB, 1997) explicam que os gerentes em uma empresa atuam de forma distinta por apresentarem diferença na sua orientação cognitiva emocional.

 

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Assim as unidades frente aos desafios oriundos do ambiente possuem um estilo de aprendizagem característico à sua forma de adaptação, repercutindo em sua maneira particular de tomar decisões e solucionar problemas. Frente ao exposto, evidencia-se que as concepções de aprendizagem apresentadas denotam perspectivas semelhantes. Cabe salientar que Kolb (1997), seguindo esta linha de pensamento, tem grande contribuição para essa área, por conseguir sistematizar o processo de aprendizagem efetiva em um modelo de aprendizagem empírico, baseado no ciclo quadrifásico de aprendizagem de Kurt Lewin. Este modelo aborda que, para o aprendizado efetivo, os aprendizes precisam, primeiramente, vivenciar uma experiência concreta, para poder fazer suas observações e reflexões a respeito do que vivenciaram; e com isso, poderão formar seus próprios conceitos que serão testados em novas situações, conforme a Figura 4.

Figura 4. Modelo de Aprendizagem Vivencial

Fonte: Adaptado de Kolb (1997).

Kolb (1997) explica este modelo denominando quatro tipos diferentes de habilidades para o aprendizado efetivo do indivíduo: EC – Experiência concreta, ou seja, se envolver como um todo em novas experiências, OR – Observação reflexiva, ou seja, refletir sobre essas experiências e observá-las a partir de diversas perspectivas, CA – Conceituação abstrata, ou seja, criar conceitos que integrem suas observações em teorias sólidas e EA – Experimentação ativa, ou seja, usar essas teorias para tomar decisões e decidir problemas. Dessa forma, a abordagem referida do modelo vivencial de aprendizagem de Kolb (1997) pode estar atrelada à experiência de expatriação, pois o expatriado ao vivenciar esta experiência de forma concreta, parte-se do pressuposto que ele está iniciando este ciclo, podendo ou não dar continuidade a ele conforme as habilidades propostas pelo autor. 4. MÉTODO DE PESQUISA Com o intuito de compreender o processo de aprendizagem individual na experiência de expatriados, este estudo se caracteriza como exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa. Segundo Sampieri, Collado e Lucio (2006), os estudos exploratórios buscam discutir e avançar no conhecimento sobre temas ainda pouco pesquisados e/ou ainda ampliar estudos já existentes a partir de novas perspectivas. Já a pesquisa descritiva, segundo Cooper e Schindler (2003), busca descobrir quem, o que, onde, quando ou quanto, isto é, descrever fenômenos ou características associadas com a população-alvo. A abordagem qualitativa foi adotada para o presente trabalho no intuito de compreender o fenômeno em questão. Para Godoy (1995) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental. O ambiente e as

 

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pessoas nele inseridos devem ser observados como um todo, holisticamente, para compreender o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida. Para a coleta de dados, utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada com seis brasileiros expatriados na Índia, país distante geográfica e culturalmente em relação ao Brasil, porém com relações bilaterais em crescimento no âmbito da economia, educação, turismo, ciência e tecnologia, entre outros (BRASIL, 2012). Os entrevistados são naturais de regiões diversificadas do Brasil e trabalham para diferentes empresas na Índia, o que permite identificar diferentes realidades e contextos. A definição de unidades de análise ao invés de amostra foi em função da não pretensão da generalização dos resultados e sim da profundidade na análise das situações de aprendizagem dos referidos expatriados diante do processo de expatriação. O perfil dos entrevistados pode ser visualizado na Figura 5.

Figura 5. Perfil dos Entrevistados Entrevis

-tado Gênero Idade

Natura-lidade

Formação Segmento da

empresa Cargo/ função

Duração

E1 M 27 RS Psicologia Tecnologia de

informaçãoTradutor 1 ano e 2 meses

E2 F 28 RJ Física Tecnologia de

informaçãoAnalista de Sistemas

11meses e meio

E3 M 26 ES Sistemas de Informação

Tecnologia de informação

Analista de Sistemas

9 meses

E4 F 25 RS Moda Educação Professora de Inglês

1 ano

E5 F 26 MG Psicologia Tecnologia de

informação Assistente

de RH 1 ano

E6 F 22 SP Moda Têxtil Trainee 8 meses Fonte: Elaborado pelos autores.

Em relação ao roteiro de entrevista, foi elaborado um instrumento que aborda: a história de vida do entrevistado no Brasil, a sua experiência de trabalho no Brasil, a sua vida na Índia, a sua experiência na empresa da Índia e o processo de aprendizagem. Para Queiroz (1988), a entrevista semiestruturada é uma técnica de coleta de dados que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e deve ser dirigida de acordo com seus objetivos. As entrevistas foram realizadas e gravadas via skipe, um sistema de comunicação de áudio e vídeo pela internet, com duração aproximada de uma hora. Posteriormente foram transcritas e analisadas sob a luz da técnica de Análise de Conteúdo, especificamente a análise categorial. De acordo com Bardin (2011, p. 48) a análise de conteúdo é:

“um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens”.

A definição das categorias teve como referência o Modelo de Aprendizagem Vivencial de Kolb (1997) - Figura 4, assim como o embasamento teórico deste estudo referente à Expatriação e Aprendizagem Individual. A partir dessa perspectiva foi elaborada a Figura 6 com as seguintes categorias de análise: a experiência da expatriação, observações e reflexões do expatriado, a visão do expatriado e o impacto da experiência de expatriação.

 

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Figura 6. Categorias de análise

Fonte: Elaborado pelos autores.

A partir do exposto, definiram-se os passos de análise adotados para esta pesquisa:

Apresentação do perfil dos entrevistados (Figura 5). Apresentação das categorias de análise definidas a priori (Figura 6). Análise das categorias no intuito de alcançar os objetivos específicos: (a) identificar se

os expatriados passaram pelas fases do modelo de aprendizagem vivencial de Kolb (1997); (b) identificar em cada fase situações que tenham contribuído para o aprendizado dos expatriados; (c) analisar cada uma das fases sob o olhar da literatura de aprendizagem. 5. ANÁLISE DOS RESULTADOS A seguir, apresenta-se a análise das categorias definidas para este estudo. A experiência de expatriação De acordo com Kolb (1997) para se aprender de maneira efetiva, os aprendizes precisam, primeiramente, vivenciar uma experiência concreta. Esta experiência concreta significa que a pessoa deve se envolver como um todo em novas experiências, e é a primeira das quatro habilidades que formam o ciclo de aprendizagem vivencial proposta por este autor. A experiência de expatriação parece estar de acordo com a descrição de Kolb, pois, por meio dela, o indivíduo expatriado se envolve por completo em novas experiências, que dizem respeito ao seu trabalho e também ao seu modo de vida em um país diferente do seu. A expatriação é um processo que se inicia ainda no país de origem e parte de uma decisão do próprio indivíduo de trabalhar no estrangeiro(SUUTARI E BREWSTER, 2000; FROESE E PELTOKORPI, 2011), como é o caso de E5; ou então, ele é enviado ao exterior para cumprir com uma exigência da organização em que atua (CALIGIURI, 2000a; GRINSTEIN E WATHIEU, 2008; FROESE E PELTOKORPI, 2011), como é o caso de E2. Nesse momento já se iniciam as expectativas em relação à experiência, conforme os trechos dos relatos dos entrevistados mencionados.

E2 - Me convidaram pra fazer parte da equipe aqui na Índia, e eu fiquei com medo de ir. Olha... Nossa! Índia! Tudo o que eu sei sobre a Índia tá na novela. Então, não conhecia muita coisa da Índia tal, fiquei um pouco assustada, mas como eu tenho um espirito meio desbravador da vida, eu meio que aceitei de cara a oportunidade, tipo, eu pedi pra pensar e no mesmo dia, eu falei: Sim eu aceito. Ahaha foi assim de cara. E5 - Foi um grande desafio pra mim aliado ao meu momento de vida. Eu queria ter uma experiência profissional, que poderia contar para o meu currículo, que eu tinha acabado de me formar e também por ser um país em desenvolvimento, um país que

 

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tá no BRIC e na Ásia, seria, Rússia, China e Índia, a Índia me chamava mais atenção e é um país que tinha muitas oportunidades na época e ainda tem. Então foi um conjunto de fatores que me fizeram decidir pela Índia.

Uma formação adequada antes da viagem pode auxiliar positivamente nas expectativas dos expatriados em relação à cultura e ao ambiente dos negócios, no intuito de minimizar as dúvidas referentes ao ajustamento cultural (TANURE et al., 2007). Para E1, essa preparação teve enfoque na aprendizagem do idioma da Índia, o inglês, e para E2, a preparação foi mais psicológica, como pode ser visto nas falas dos entrevistados.

E1 - Conheci pessoas que fizeram já intercambio pra Índia aqui e também vi outras experiências, elas me disseram o que que eu tinha que melhorar, por exemplo, o inglês, né, na época, e daí eu comecei a fazer cursinho desesperadamente, eu já tava fazendo, mas eu queria melhorar mais. E2 - Minha preparação foi só psicológica, na realidade, só o mais importante. Tipo de início, eu até aceitei, mas fiquei um pouquinho cabreira pensando, poxa, vô, não vô. Só que aí minha mãe chegou e falou: pô vai ser uma ótima oportunidade profissional pra você, vou sim! O psicológico foi mais adaptação mesmo, sozinha e com relação à comida. As únicas coisas que eu me preocupava como eu vou me virar sozinha e como eu vou comer hahaha.

Nesse sentido, o treinamento é importante para minimizar o choque que as diferenças culturais podem provocar logo no início da experiência (FROESE e PELTOKORPI, 2011). Visto que, ao se deparar com um padrão de comportamento diferente do seu, podem emergir sentimentos de angústia, impotência e hostilidade nos indivíduos, face ao novo ambiente (HOFSTEDE, 1991). Pode-se perceber que, imediatamente à chegada na Índia, os expatriados sentiram o quanto essa experiência seria impactante nas suas vidas, conforme relata E2.

E2 - Meu primeiro dia na Índia foi horroroso, foi a pior experiência da minha vida. Pensei em voltá na hora pro Brasil, porque aã eu saí do Brasil, já sabendo que eu ia fica num guesthouse da própria empresa. Foi horrível meu primeiro dia!Cheguei lá, não tinha ninguém pra me atender, eu fiquei gritando loucamente, era já 1 hora da manhã, não 3 da madrugada e do nada resolveu aparecer um morador da guesthouse, só de toalha. Eu não sabia que isso aqui era costume daqui, eu pensei, meu Deus do céu, um homem só de toalha me recebendo, carregando minhas malas, o que tá acontecendo?

A experiência pessoal, neste caso a expatriação, pode provocar sentimentos de apego, que segundo Probst e Büchel (1997) caracteriza a aprendizagem individual. Este fato se evidencia na fala dos expatriados entrevistados, pois embora a primeira impressão possa ter assustado, ao falarem da experiência em si, a descrevem de uma maneira positiva, como relata E1.

E1 - É uma experiência maravilhosa, você vai ter sentimentos, vai conhecer pessoas, sentimento que você nunca teve, pessoas que você nunca viu, cultura que você nunca viu, comida que você nunca provou, que você tem que estar naquele lugar pra provar, não adianta me dizê ah vou num restaurante indiano no Brasil que não é a mesma coisa. É, isso assim, vale muito, muito a pena, eu aconselho muito todo mundo. Acho isso maravilhoso, assim, to crescendo, cresci, e to crescendo ainda.

Estas situações vivenciadas pelos expatriados vão ao encontro do pensamento de Probst e Büchel (1997) que remete a ideia que os indivíduos criam sua própria representação de ambiente, com base na experiência, expectativas, crenças, e padrões cognitivos. Se a abordagem cognitiva é adotada a nível individual, o potencial de aprendizagem é uma função da percepção da pessoa, habilidades cognitivas, inteligência e experiência.

 

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Observações e reflexões do expatriado Segundo Kolb (1997) ao se vivenciar uma experiência concreta é possível se fazer observações e reflexões sob diversas perspectivas. Esta observação reflexiva consiste na segunda habilidade do modelo do ciclo de aprendizagem vivencial proposto pelo autor. Ao passar pela experiência da expatriação o indivíduo vai se deparar com oportunidades em que irá observar e refletir a respeito do que está acontecendo ao seu redor, pois está vivenciando situações distintas das quais estava habituado e, estando em um ambiente diferente, seu pensamento pode abranger diferentes perspectivas. Nesse sentido, Hofstede (1991) afirma que o estrangeiro ao vivenciar o contato intercultural sofre certo número de processos psicológicos e sociais típicos, podendo passar por um choque cultural. Segundo o autor, este choque significa a percepção da vida real, é como se a pessoa regredisse a idade mental de uma criança e tivesse que aprender de novo as coisas mais simples. Estar em um país como a Índia evidencia esse tipo de situação, conforme os trechos dos relatos de E1e E5.

E1 - Eu não tinha ideia de sentimentos que se poderia ter num outro país. Não tinha ideia de como ia ser, de como era ficar sozinho, nossa, você cresce demais, não tem, você quer comer uma coisa e não tem aquela coisa, não adianta você procurá em lugar nenhum que nunca vai ter, sabe? Desejos que você quer fazer, você quer, sei lá, tomá chimarrão com seus amigos, com seus pais, isso nunca vai, não tem como; éé, o que mata muito a minha saudade é o Skype, a internet, graças a Deus.

E5 - Olha eu acho que o mais marcante foi morar na Índia em si, pela diferença, pela cultura, pelo choque que é e, pelo fato de tá constantemente lidando com os seus limites e cada dia você tem uma surpresa diferente e a cultura deles é muito rica também, acho que foi a experiência mais marcante da minha vida.

Ao observar e refletir sobre a experiência, o expatriado percebe que as mudanças já estão ocorrendo em sua vida. No entanto, a capacidade de se adaptar a uma circunstância de mudança varia de um indivíduo para outro, pois as pessoas diferem em sua capacidade de reconhecer novos tipos de resposta requerida em situações novas ou em mudança (STREUFERT e NOGAMI, 1989 apud HAYES e ALLINSON, 1998). Esta ideia pode ser observada em E3 e E4.

E3 - É muito diferente sim. Aqui a gente vive em função do trabalho, Não que no Brasil a gente não vivesse, mas no Brasil acho que como a gente tem, já tem mais amigos, até pela língua mesmo, você trabalhava, às vezes, saia do trabalho, saía com uma galera, ia fazê um happy hour, ia fazê alguma coisa, assim, a minha vida social aqui, ela é bem menor aqui do que, é muito menor que no Brasil. E4 - Eu não vivia o presente, e lá eu aprendi assim que tipo, intensidade, sabe, eu não acho, eu não era uma pessoa feliz de verdade, eu tava sempre na frente e eu não aproveitava o agora, eu acho, eu acho que se eu tivesse que resumi toda a experiência em uma palavra, eu diria que é intensidade. Que assim, pela, não sei, pela experiência impactante, pela comida diferente, assim tudo a flor da pele, eu assim uma coisa assim que meio que me acordou pra vida de agora.

Viver como um expatriado remete a ideia de Kim (1993), que permite ao indivíduo ver e interpretar o novo, determinando a relevância das informações para cada situação. Isto resulta do processo de mudança de mapas cognitivos ou construções sociais da realidade, implicando no desenvolvimento de uma nova compreensão (PROBST E BÜCHEL, 1997). A visão do expatriado Para Kolb (1997), ao se envolver em uma experiência como um todo, é possível observar e refletir a respeito do que se está vivenciando e a partir disso o indivíduo é capaz de

 

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formar seus próprios conceitos e generalizações. Esta é a conceituação abstrata, a terceira habilidade do modelo do ciclo de aprendizagem vivencial do autor e significa que o indivíduo é capaz de criar conceitos que integrem suas observações em teorias sólidas. No caso da expatriação, isto significa que o expatriado vai começar a formar seus próprios conceitos com base no que ele enxerga ao seu redor. Ele vai observar o país e muitas vezes até compará-lo com o seu país de origem. Para Trompenaars (1994) pode-se dizer que existem culturas diferentes, porém, muitas vezes, as pessoas comparam a sua cultura com outra e a consideram errada por ser diferente da sua. Esta ideia fica clara ao se observar as falas de E1 e E2.

E1 - Eles são, eles são um pouco intrometidos, digamos assim, só que pra eles não é visto como ruim, eles não sabem o limite de onde até eles podem perguntá ou alguma coisa assim, ou que eles podem falá, mas isso é cultura deles.Tipo eles querem saber demais, o que você vai fazer amanhã? que horas você acorda? o que você come? E às vezes, você não tá afim de falá. Eu não tô pelo menos, e hoje eles já sabem como eu funciono, mas no começo era assim, então eu tive que pedi: por gentileza, pára, que isso não é da tua conta. Eles não sabem até onde eles podem ir. E2 - Povo doido, povo doido, povo doido, entendeu? Sacanagem né, eu falo assim brincando. Respeito muito a cultura, tá, mas é um povo que ainda tem que abri muito a mente pro novo, a mente pra realidade o que acontece fora, porque graças a Deus, nós brasileiros, a gente não estuda só a cultura de dentro do nosso país, a gente estuda a cultura mundial, né, a gente se abre pra conhecê. Vamos supor, as pessoas aqui, muitas pessoas, eu acho que pelo menos 80% , as pessoas não saem daqui pra vê o mundo lá fora, não sai daqui pra conhece outro país, entendeu? Aaaa, Na televisão, você tem uma tv a cabo que tem 180 canais e apenas 5 são canais estrangeiros. Então eles são bem bitolados a cultura e com isso eles não conseguem, eu acho que crescer psicologicamente, é, pessoalmente e acaba ficando, assim, um povo prá trás, em relação a vida pessoal e até mesmo a vida profissional, porque tem muita gente aqui que é muito bem especializada, quase qualificada poderia estar ganhando rios de dinheiro lá fora, até mesmo no Brasil, mas não sai daqui, porque tem medo, por conta da cultura, por conta da família e assim vai, entendeu?

Situações assim também podem ocorrer no ambiente de trabalho, pois o expatriado tem bastante contato e interação com os nativos. Froese e Peltokorpi (2011) afirmam que os expatriados podem ter algumas dificuldades na adaptação por causa da distância cultural, o que pode prejudicar a sua satisfação no trabalho. Mais uma vez as diferenças culturais influenciam na forma como os estrangeiros veem os nativos. Isso pode ser observado nas falas de E1, E5 e E6.

E1- Eles são muito vagarosos, são muito vagarosos, tem muita gente pra fazer o que poucas pessoas fazem no Brasil, é, eles sabem, eles tem conhecimento, só que eles param, digamos assim, eles param duas, três horas pra toma chai, daí eles ficam conversando, eles saem mais uma hora, mais 2 horas pra jantá, então, tipo eu acho que poderia ser bem mais rápido, eles poderiam trabalhar mais. E5 - Eu comecei a me adaptar ao ritmo indiano de trabalho que também foi uma diferença, porque é bem, eles são bem menos agitados que a gente. A empresa que eu trabalhava, era a maior empresa de tecnologia da informação da Ásia, mas eles tem o ritmo bem diferente e a forma de lidar com a consequência dos seus atos é bem diferente também. A adaptação maior é na parte de relacionamento com as pessoas, com os colegas e a forma de trabalhar com a cultura tradicional do indiano e da empresa especificamente, como eu falei o ritmo é bem diferente, o jeito eles lidam com a responsabilidade é diferente, as coisas acontecem, eles são responsáveis, mas a forma de lidar é muito diferente. Eles eram bem mais lentos. E6 - Eu apresentava sei lá um desenho pra eles, e dizia vamos fazer assim, fazer uma estampa assado, e eles, ah tá espera só um pouquinho a gente vai ver isso, sei lá, amanhã e nunca via. O que eu senti assim dos funcionários em geral, é que eles

 

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enrolam muito mais que brasileiro, eu não achei que isso fosse possível, mas pela minha experiência nas duas empresas que eu trabalhei os funcionários assim, sei lá no mesmo nível hierárquico que eu, eles enrolam muito mais. Eu achei o pessoal assim mais calmo mais tranqüilo, mais é... de bem com a vida, mais no ritmo deles.

Para Nunes, Vasconcelos e Jaussaud (2008) a expatriação pode ser vista como um

treinamento do indivíduo onde irá aprender a se adaptar com novos padrões culturais, novos jogos de poder, construção de novas alianças políticas e novas formas identitárias. Esta visão de mundo abrange entendimentos explícitos e implícitos, e representam o modelo mental de um indivíduo (Kim, 1993). Este modelo mental, portanto, é o que define a forma como o expatriado enxerga o mundo. O impacto da experiência de expatriação Kolb (1997) se refere ao ciclo de aprendizagem vivencial afirmando que, para o aprendizado efetivo, os aprendizes precisam, primeiramente, vivenciar uma experiência concreta, para poder fazer suas observações e reflexões a respeito do que vivenciaram; assim poderão formar seus próprios conceitos e generalizações que serão testadas em novas situações. O teste das implicações dos conceitos em novas situações se refere à quarta habilidade - experimentação ativa – que fecha o ciclo de Kolb. Quando o indivíduo consegue atingir esta última habilidade, significa então que ele conseguiu usar suas teorias para tomar decisões e decidir problemas em novas situações. O expatriado quando consegue tomar decisões e resolver problemas levando em consideração as peculiaridades culturais do país onde está, presume-se que ele foi capaz de observar e refletir como as pessoas vivem e se comportam. Por meio disso, conseguiu formar na sua mente a melhor forma de se trabalhar e viver nesse país, entender como as coisas funcionam naquele ambiente, o que caracteriza que o expatriado aprendeu com a experiência.

Um exemplo disso é o avanço ao conseguir entender um idioma e aprender e transmitir conhecimento de novos módulos de tecnologia de informação e testar esses conhecimentos em novas situações. Esse tipo de aprendizagem está atrelada ao que Kim (1993) denomina know-how, que seria a aprendizagem operacional. Os trechos dos relatos de E3 e E6 exemplificam essa ideia.

E3 – Saber que a gente foi selecionado pra vir pra cá pra fazê uma passagem de conhecimento pra pessoas que sabem muito mais desse sistema do que você, entendeu, mas você chegá nessa pessoa e explicá e a pessoa aceitá e entende que você sabe aquilo ali, foi um fator bem estimulante pra tá vindo prá cá, e essa oportunidade assim, como eu já conhecia o pessoal da área de finanças lá no Brasil, alguns consultores, essa oportunidade de ta mudando pra outros módulos assim, é uma coisa também que está sendo, assim, estimulante. E6 - Ah no comecinho foi bem difícil eu entender o inglês deles, mas eu acabei acostumando, hoje eu digo que falo inglês, falo não, eu entendendo inglês indiano perfeitamente. E no profissional também, eu aprendi muita informação técnica. Agora eu trabalho com importadora, quando eu vou lidar com os caras exportadores da China, mais que eu lido, mas as vezes com indiano eu sei lidar muito melhor, sei quais são os problemas, eu sei pelo o que eles passam, como são as pessoas, quanto tempo demora pra fazer isso ou aquilo e também até estilo de negociação também.

É possível perceber o quanto essa experiência mexe com as emoções e a vida do expatriado como um todo. Ao passar por essa experiência, o expatriado se pergunta por que as coisas são feitas daquela maneira, muitas vezes questionando a natureza e as concepções das coisas, o que repercute em uma mudança de visão, o que está em consonância com a abordagem de Kim (1993) sobre a aprendizagem conceitual. A mudança de visão pode ocorrer quando o indivíduo se depara com eventos não rotineiros, imprevisíveis que moderam

 

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a sua tomada de decisão, que serão reflexos de sua cultura, pressupostos enraizados, artefatos e ostensivas regras de comportamento (KIM, 1993). Essa ideia pode ser vista nos trechos dos relatos de E2, E4, E5 e E6.

E2 - Eu sou muito aberta pra, pra, pro novo e por mais, por mais que eu tenha encontrado algumas dificuldades no início, isso foi só pra crescimento pessoal mesmo, eu vim pra cá, justamente prá isso, pensando no meu crescimento, é, é, meu crescimento não só profissional, Acho que foi, tá sendo uma das melhores experiências da minha vida, por conta dessa discrepância, entendeu? dessa diferença toda cultural. Eu, eu, eu mudei muito assim, eu já era uma pessoa calma e paciente, mas aqui eu descobri o meu ômega. É o final, o fim de tudo. O limite da paciência está dentro de mim agora. Eu acho que eu pude encontrar o meu eu paciente, no limite, ãã eu sou menos fresca, eu sou mais, ã respeito, agora, mais a cultura, eu era um pouco preconceituosa, né por conta de alguns fatores, né, fatores escrotos, ridículos, mas, eu, eu, eu, hoje, consigo entende a cultura e respeitá bastante. E4 - Eu acho que dá pra dividir a minha vida, assim, em antes e depois da Índia, tanto pela, por essa questão de eu ter que me virar sozinha, quanto pelas coisas que eu aprendi... quando a gente tá num lugar assim, onde tanta coisa não faz sentido a gente começa a se questionar ponto a ponto e eu acho que eu conheci muito mais de mim...Eu acho que pesa a experiência internacional, porque isso é um sinal que eu consigo me adaptar a situações diferentes, e de fato eu consigo, mas essa mudança interna, eu acho que pesa muito mais no pessoal, porque é a forma como eu encaro a vida é a forma como eu reajo aos fatos e assim, eu vejo, assim, que eu mudei muito. E5 - Eu tinha que ter muita paciência e muita abertura e eu acho que é essencial pra você gostar da Índia, pra você conseguir enxergar além do que você está vendo ali de concreto, você tem que enxergar além do lixo, além da pobreza, além da poeira, porque tem coisas muito bonita ali, coisas muito diferentes. Acho que o maior impacto foi a questão de abrir a cabeça pra coisas diferentes, você vê que, formas diferentes de pensar, de desenvolver economia, formas diferentes de fazer coisas pequenas no dia a dia. Então isso muda a sua forma de ver o mundo e rever meus valores e rever como eu penso sobre o mundo, enfim e isso reflete nas minhas atitudes hoje em dia, tanto como profissional, tanto como pessoa. E6 - Você ir pra um lugar, você começar a questionar como você vive sabe, o jeito que você escolhe seu parceiro é certo será que eu to respeitando os meus pais o suficiente pior que lá eles respeitam tanto e nossa eu voltei muito mais amiga dos meus pais isso sem dúvida. Quando eu falo que fui pra Índia, assim já me destaca de um monte de gente né, fora os conhecimentos que tive. Mas eu acho que o principal ficou assim pra vida sabe, tipo eu tirar um pouco os olhos do umbigo e falar ai eu, o choque cultural foi não falar alemão, sabe eu acho que você tem que ir pra um país que os ônibus não chegam na hora sabe que mal tem ônibus, isso é eu acho que é importante você ir pra um país que você enfrente mais dificuldade do que no Brasil, dificuldades diferentes né, dificuldades que você nunca ia imaginar que ia ter.

A aprendizagem operacional e conceitual exemplificadas são referidas no modelo de aprendizagem individual e Ciclo de Modelo Mental de Kim (1993). Ao visualizar que os expatriados passaram por esse processo e puderam aplicar esse conhecimento em novas situações, pode-se perceber o impacto da experiência de expatriação na vida pessoal e profissional desses indivíduos. É possível perceber ainda a mudança de modelo mental ao passar por essa experiência, que culmina no processo de aprendizagem. O cerne do processo de aprendizagem está na capacidade de mudança que gera transformação (CROZIER e FRIEDBERG, 1977 apud NUNES, VASCONCELOS e JAUSSAUD, 2008). A aprendizagem individual é um processo de mudança, que resulta da prática ou experiência já vivenciada, que pode ou não, ser percebida como uma mudança de comportamento (FLEURY e FLEURY, 1997), fato este que pode ser evidenciado neste estudo.

 

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando-se em consideração os desafios no âmbito organizacional e pessoal que a experiência de expatriação pode proporcionar ao profissional expatriado e o fato desta experiência poder lhes proporcionar aprendizagem, estabeleceu-se como objetivo deste estudo: compreender o processo de aprendizagem individual na experiência de expatriados.

Os resultados mostram que a partir da experiência concreta da expatriação, os expatriados puderam refletir e observar sobre o que estava ocorrendo em suas vidas e formar sua própria visão sobre a experiência. A partir disso, estes indivíduos puderam experimentar em novas situações o que eles aprenderam. Este ciclo representa o Modelo de Aprendizagem Vivencial de Kolb (1997) e por isso, pode-se afirmar que os expatriados entrevistados passaram por um processo de aprendizagem individual efetiva.

De modo mais específico, salienta-se que na categoria “a experiência de expatriação”, as situações que mais exemplificaram essa vivência foram aquelas relacionadas à decisão de ser expatriado, ao tipo de preparação para a mudança de país, às primeiras impressões e à síntese da experiência em si. Já na categoria “observações e reflexões do expatriado”, as situações destacadas estavam atreladas aos aspectos psicológicos e sociais, ao choque cultural, e as mudanças que já começavam a ocorrer na vida dos entrevistados. Quanto à categoria “a visão do expatriado” salientaram-se os relatos referentes ao país de destino, a Índia, o povo indiano e a sua forma de trabalhar. Na última categoria “o impacto da experiência de expatriação” evidenciou-se que os expatriados passaram por um processo de aprendizagem operacional e conceitual, o que provocou uma mudança de modelo mental que se reflete na sua forma de pensar e de se comportar em novas experiências.

Como limitações, considera-se o fato de que esta pesquisa foi realizada somente com expatriados brasileiros na Índia, o que não permite a generalização dos dados, mas reflete a possibilidade de sua ampliação sobre a aprendizagem de expatriados em outros países.

Por fim, considera-se que os objetivos propostos pela presente pesquisa foram alcançados, uma vez que foi possível compreender o processo de aprendizagem individual vivenciada pelos expatriados, identificando as situações em cada fase do modelo de Kolb (1997) e sustentando com a referida literatura sobre aprendizagem. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BECK, C. G.; SILVA, A. B. Brasil e Índia. Culturas Transnacionais e Aprendizagem Gerencial. In: XXXIII Encontro da ANPAD, 2009, São Paulo. Anais do XXXIII Encontro da ANPAD, EnANPAD, 2009. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Comunicado Conjunto Brasil-Índia sobre a Visita de Estado da Presidenta da República Federativa do Brasil à Índia. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/comunicado-conjunto-brasil-india-sobre-a-visita-de-estado-da-presidenta-da-republica-federativa-do-brasil-a-india-nova-delhi-30-de-marco-de-2012. Acesso em: 24/04/2012. CALIGIURI, P. M. Selecting expatriates for personality characteristics: a moderating effect of personality on the relationship between host national contact and cross-cultural adjustment.Management International Review, Vol. 40, N1, p. 61-80, 2000/a. COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Métodos de Pesquisa em Administração. 7ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. ESTIVALETE, V. F. B.; KARAWEJCZYK, T. C.; BEGNIS, H. S. M. O Desenvolvimento dos Gestores e os Estilos de Aprendizagem em uma Perspectiva de Aprendizagem Organizacional. In: XXIX Encontro da ANPAD, 2005, Brasília. Anais do XXIX Encontro da ANPAD, EnANPAD, 2005.

 

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