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Tese apresentada em 2014 no PPGECM/REAMEC que versa sobre a formação inicial de professores participantes do PIBID

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  • Programa de Ps-Graduao em Educao em Cincias e Matemtica - PPGECEM

    Rede Amaznica de Educao em Cincias e Matemticas - REAMEC

    Curso de Doutorado Turma 2010

    EMERSON BATISTA GOMES

    APRENDIZAGEM DOCENTE E DESENVOLVIMENTO

    PROFISSIONAL DE PROFESSORES DE MATEMTICA INVESTIGAO DE EXPERINCIAS COLABORATIVAS NO CONTEXTO DA

    AMAZNIA PARAENSE

    BELM-PA

    2014

  • ~ 2 ~

  • ~ 3 ~

    Programa de Ps-Graduao em Educao em Cincias e Matemtica - PPGECEM

    Rede Amaznica de Educao em Cincias e Matemticas - REAMEC

    Curso de Doutorado Turma 2010

    EMERSON BATISTA GOMES

    APRENDIZAGEM DOCENTE E DESENVOLVIMENTO

    PROFISSIONAL DE PROFESSORES DE MATEMTICA INVESTIGAO DE EXPERINCIAS COLABORATIVAS NO CONTEXTO DA

    AMAZNIA PARAENSE

    Tese apresentada como exigncia parcial para obteno do ttulo

    de Doutor em Educao em Cincias e Matemticas banca

    examinadora da REAMEC-UFMT/UFPA/UEA, sob orientao

    do Professor Doutor Dario Fiorentini.

    Banca Examinadora:

    ______________________________________________________

    Orientador: Prof. Dr. Dario Fiorentini

    ______________________________________________________

    Co-Orientador: Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonalves

    ______________________________________________________

    Examinador Externo: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes

    ______________________________________________________

    Examinador Externo: Prof. Dr. Jos Messildo Viana Nunes

    ______________________________________________________

    Examinador Interno: Prof. Dr. Renato Borges Guerra

    ______________________________________________________

    Examinadora Interna: Profa. Dra. Roslia Maria Ribeiro de Arago

  • ~ 4 ~

  • ~ 5 ~

    DEDICATRIA

    mulher da minha vida Marcela e s minhas filhas Emily, Milene e

    Elen pelo apoio incondicional em todos os momentos e pela pacincia

    em razo de minhas ausncias e temperamento inconstante.

    Sem vocs nenhuma conquista valeria a pena.

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  • ~ 7 ~

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todos que colaboraram com a produo desta tese, em

    especial ao meu Ilustre Orientador Prof. Dr. Dario Fiorentini que

    pacientemente teceu suas consideraes sobre este trabalho e

    contribuiu imensamente com minha formao profissional, ao meu Co-

    Orientador Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonalves, que nunca mediu

    esforos no sentido de viabilizar minha produo e construo de

    minha autonomia como pesquisador, Profa. Dra. Roslia Arago,

    que me acolheu como uma me em seu lar para que eu pudesse estudar

    e cumprir com minhas obrigaes doutorais, Profa. Dra. Isabel

    Lucena que deu seu voto de confiana para que eu percebesse os

    recursos financeiros necessrios viabilizao deste instrumento

    acadmico e Profa. Terezinha Valim por sua incansvel luta na

    criao de oportunidades para que pessoas como eu acesse seus sonhos

    intelectuais e profissionais. Este agradecimento no estaria completo

    sem um especialssimo agradecimento aos meus colaboradores do

    Grupo Colaborativo de Educao Matemtica CGEM, professores

    supervisores e professores em formao inicial que tornaram possvel

    a reificao que ora fao, por seu tempo, crticas, participao,

    dilogo, produo, discusso e carinho.

    Agradeo tambm s instituies e programas que diretamente ou

    indiretamente financiaram esta produo, CAPES, UEPA, UFPA,

    UFMT, UEA, SEDUC-PA, SEMED Igarap-Au, Campus X e Escolas

    parceiras.

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  • ~ 9 ~

    EPGRAFE

    Nunca ensino meus discpulos; apenas tento dar a eles as condies

    necessrias para que possam aprender.

    - Albert Einstein

  • ~ 10 ~

  • ~ 11 ~

    RESUMO

    Este estudo tem por objetivo identificar, descrever e analisar evidncias e processos de

    aprendizagem e desenvolvimento profissional docente de professores de matemtica situados

    em contornos de experincias colaborativas na interface entre a Universidade e a Escola. A

    experincia colaborativa situada nessa interface, e que foi tomada como campo emprico desta

    pesquisa, foi desenvolvida no interior do Estado do Par, envolvendo licenciandos em

    matemtica, professores de matemtica da rede pblica e formador da universidade, que

    participaram de um projeto de iniciao docncia (PIBID). O foco de anlise da aprendizagem

    e do desenvolvimento profissional dos participantes dessa experincia colaborativa incidiu

    exclusivamente sobre seis professores em processo de formao inicial. Para descrever e

    compreender esses processos de aprendizagem e de desenvolvimento profissional do professor

    de matemtica, foi desenvolvido um modelo analtico-descritivo, o qual consistiu, de um lado,

    em tecer relaes conceituais e tericas entre experincia, aprendizagem, socializao e a teoria

    das catstrofes e, de outro, identificar e explorar indcios de aprendizagem situada em

    experincias significativas de prtica da docncia dos licenciandos em matemtica, ao longo do

    perodo de investigao, em um percurso de formao e desenvolvimento profissional, no qual

    foi possvel mapear relaes entre a formao em disciplinas especficas, disciplinas didtico-

    pedaggicas e as atividades extracurriculares. Este percurso de formao pde ser apreendido

    pelos depoimentos e registros de atividades dos professores tomados por sujeitos, como

    relatrios de pesquisa, dirios reflexivos e entrevistas. A pesquisa contou com duas fases: a

    primeira denominada pesquisa de primeira ordem em que se desenvolveram as experincias de

    docncia e estudos em grupo; e a segunda, dita pesquisa de segunda ordem ou meta-anlise,

    desenvolvida exclusivamente pelo autor desta tese, momento em que foram tecidas anlises e

    interpretaes sobre o ocorrido na pesquisa de primeira ordem. Este processo de investigao

    configura, portanto, uma pesquisa de natureza qualitativa e interpretativa em que foram feitas

    anlises textuais discursivas sobre informaes individuais e coletivas de seis sujeitos

    principais, selecionados pelos critrios de participao ativa e qualidade de suas reificaes

    sobre a prxis docente. Como um dos subprodutos dessa pesquisa de segunda ordem, foi

    produzido um modelo analtico para a interpretao do desenvolvimento profissional docente

    em uma perspectiva catastrfica (DPDPC). Este modelo auxiliou descrever e compreender a

    aprendizagem e o desenvolvimento profissional docente dos professores em formao inicial,

    a partir de experincias de formao e de docncia nas quais ocorrem momentos de converso

    catastrfica com potencial de promover mudanas de atitudes e de relao com o saber escolar

    e tambm uma progressiva socializao e identificao dos licenciandos com outras formas de

    ser e fazer docente em uma comunidade profissional. Este trabalho apresenta tambm, como

    subproduto, o mapeamento de um processo de formao e aprendizagem em que foi possvel

    identificar tipologias de aprendizagem da docncia, tais como reflexividade crtica sobre a

    realidade, curiosidade epistemolgica do contedo e do sujeito, dialogicidade da comunicao

    e da atuao docente, instrumentalidade tecnolgica e estratgica do ensino, inacabamento e

    conscincia social da profisso, sensibilidade ecolgica, domnio didtico-pedaggico do

    currculo e do ensino e assuno da autoridade docente.

    Palavras-chave: Formao de Professores de Matemtica, Experincia, Pesquisa-ao

    Colaborativa, Aprendizagem e Desenvolvimento Profissional Docente, Catstrofe.

  • ~ 12 ~

  • ~ 13 ~

    RESUMEN

    Este estudio tiene como objetivo identificar, describir y analizar los procesos de pruebas y de

    aprendizaje y desarrollo profesional docente de los profesores de matemticas ubicados en

    experiencias colaborativas en los contornos de la interfaz entre la Universidad y la Escuela. La

    experiencia de colaboracin situado en esta interfaz, y se tom como campo emprico de esta

    investigacin fue desarrollada en el Estado de Par, con la participacin de pregrado en

    matemticas, profesores de matemticas de la escuela pblica y entrenador de la Universidad,

    que participaron en un proyecto para la iniciacin de la enseanza (PIBID). El foco de anlisis

    del aprendizaje y el desarrollo profesional de los participantes en esta experiencia de

    colaboracin slo examin seis profesores en formacin inicial. Para describir y comprender

    estos procesos de aprendizaje y desarrollo profesional de los profesores de matemticas, hemos

    desarrollado un modelo analtico-descriptivo, que consista en un mano a tejer relaciones

    conceptuales y tericas entre la experiencia, el aprendizaje, la socializacin y la teora de las

    catstrofes y por otro, identificar y aprovechar las experiencias de aprendizaje significativas de

    pruebas que se encuentren en la prctica de la enseanza de los estudiantes en matemticas,

    durante el perodo de investigacin, en un curso de formacin y desarrollo profesional, en la

    que era posible mapear las relaciones entre la formacin disciplinas especficas, cursos

    didcticos y pedaggicos y actividades extracurriculares. Esta trayectoria educativa podra ser

    aprovechada por las actividades testimonios y registros de maestros tomadas por temas, tales

    como informes de investigacin, de reflexin diaria y entrevistas. En la investigacin

    participaron dos fases: primero se llama la primera orden de bsqueda en el que se desarrollaron

    las experiencias de enseanza y el estudio en grupo; y la segunda, dijo investigacin de segundo

    orden o meta-anlisis, desarrollado en exclusiva por el autor de esta tesis, en el que se analizan

    y se hicieron interpretaciones sobre lo que ocurri en la investigacin de primer orden. Por

    tanto, este proceso de investigacin establece una investigacin cualitativa e interpretativa en

    la que se hicieron anlisis textual discursiva de la informacin individual y colectiva de los seis

    grandes temas seleccionados por los criterios de la participacin activa y la calidad de su

    reificacin de la prctica docente. Como un subproducto de esta pesquisa de la segunda orden,

    se produjo un modelo analtico para la interpretacin del desarrollo profesional de docentes en

    una perspectiva catastrfica (DPDPC). Este modelo ayud a describir y comprender el

    aprendizaje y desarrollo profesional docente de los profesores en formacin inicial, a partir de

    experiencias de capacitacin y enseanza en el que se producen momentos de conversin

    catastrfica con potencial para promover cambios en las actitudes y relaciones con el

    conocimiento escolar y tambin una socializacin progresiva y la identificacin de los

    estudiantes con otras formas de ser y de hacer la enseanza en una comunidad profesional. Este

    trabajo presenta tambin, como un subproducto, la asignacin de un proceso de formacin y el

    aprendizaje que era posible identificar tipologas de enseanza y aprendizaje, como reflexin

    crtica sobre la realidad, la curiosidad epistemolgica del contenido y el tema de la

    comunicacin y el dilogo de la actuacin la enseanza, la tecnologa y la instrumentalidad

    estratgica de la educacin, la conciencia sin terminar y social de la profesin, la sensibilidad

    ecolgica, didctico y pedaggico rea del plan de estudios y la enseanza y la asuncin de la

    autoridad docente.

    Palabras clave: Educacin del Profesor de Matemticas, Experiencia, Accin de Investigacin

    en Colaboracin, Aprendizaje y Desarrollo Profesional de los Maestros, Catstrofes.

  • ~ 14 ~

  • ~ 15 ~

    ABSTRACT

    This study aims to identify, describe and analyze evidence and learning processes and teacher

    professional development of mathematics teachers located in collaborative experiences

    contours at the interface between the University and the School. The collaborative experience

    situated in this interface, and it was taken as empirical field of this research was developed

    within the State of Par, involving undergraduates in mathematics, mathematics public school

    teachers and trainer University, who participated in a project initiation to teaching (PIBID). The

    focus of analysis of learning and professional development of participants in this collaborative

    experience only examined six teachers in initial training. To describe and understand these

    processes of learning and professional development of mathematics teachers, we developed an

    analytical-descriptive model, which consisted of a hand at weaving conceptual and theoretical

    relationships between experience, learning, socialization and catastrophe theory and on the

    other, identify and exploit significant learning experiences of evidence located in the practice

    of teaching of undergraduates in mathematics, during the investigation period, in a course of

    training and professional development, in which it was possible to map relationships between

    training specific disciplines, didactic and pedagogical courses and extracurricular activities.

    This educational path could be seized by the testimony and records activities of teachers taken

    by subjects, such as research reports, daily reflective and interviews. The research involved two

    phases: first is called the first search order in which they developed the teaching experiences

    and group study; and the second, said second rate research or meta-analysis, developed

    exclusively by the author of this thesis, at which analyzes and interpretations were made about

    what happened in first-order research. This process of research sets therefore a qualitative and

    interpretative research in which they were made discursive textual analysis of individual and

    collective information of six major subjects selected by the criteria of active participation and

    quality of its reification of the teaching practice. As a byproduct of this research of second

    order, was produced an analytical model for the interpretation of teacher professional

    development in a catastrophic perspective (DPDPC). This model helped describe and

    understand learning and teacher professional development of teachers in initial training, from

    training and teaching experiences in which occur moments of catastrophic conversion with

    potential to promote changes in attitudes and relationship with the school knowledge and also

    a progressive socialization and identification of undergraduates with other ways of being and

    doing teaching in a professional community. This paper presents also, as a byproduct, the

    mapping of a process of training and learning it was possible to identify teaching learning

    typologies, such as critical reflexivity about reality, epistemological curiosity of the content and

    subject of the communication dialog and the performance teaching, technology and strategic

    instrumentality of education, unfinished and social awareness of the profession, ecological

    sensitivity, didactic and pedagogical area of the curriculum and teaching and assumption of

    teaching authority.

    Keywords: Math Teacher Training, Experience, Collaborative Learning, Action Research and

    Teacher Professional Development, Catastrophe.

  • ~ 16 ~

  • ~ 17 ~

    NDICE DE FIGURAS

    Fig. 01 Singularidade Cspide de Whitney ...............................................................63

    Fig. 02 Modelo Cspide da Aprendizagem da Docncia ...................................................64

    Fig. 03 A espiral de ciclos auto-reflexivos na pesquisa-ao .......................................74

    Fig. 04 Sntese dos mltiplos sentidos e modalidades de trabalho coletivo e suas relaes com a pesquisa ...............................................................75

    Fig. 05 Eixos de Trabalho/Pesquisa do GCEM ...............................................................87

    Fig. 06 Percurso de Formao do PIBID ...........................................................................95

    Fig. 07 Contorno Experienciais da Formao Inicial ..................................................111

    Fig. 08 Tipologias de Aprendizagem da Docncia ..................................................122

    Fig. 09 Pgina do livro Exame de Artilheiro de 1744 ..................................................125

    Fig. 10 Macro-contornos da formao docente ..............................................................137

    Fig. 11 - Experincia e Sujeitos Principais (Sp) e Sujeitos Secundrios (Ss) ...............161

    Fig. 12 Desenvolvimento Natural Esperado de Grupos ..................................................164

    Fig. 13 Esquema de (co)determinao didtico (CHEVALLARD, 2009) ...............224

    Fig. 14 Representao da dialtica do desenvolvimento ecolgico por nveis de co-determinao e sucesso de formas ..............................................................225

    Fig. 15 Grfico de DPC G1 ......................................................................................230

  • ~ 18 ~

  • ~ 19 ~

    SUMRIO

    INTRODUO ....................................................................................................................................................21

    COMPOSIO I

    CONTORNOS TERICO-EPISTEMOLGICOS DA PESQUISA .............................................................36

    Contornos e tessituras da experincia ........................................................................................................ 37

    Tecendo relaes entre Experincia e Aprendizagem Profissional Situada em Comunidades de Prtica

    (CoP) ............................................................................................................................................................ 45

    Identidade e Desenvolvimento Profissional Docente (DPD) ...................................................................... 49

    (Re)construindo significados a partir da experincia ............................................................................49

    Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrfica (DPDPC) ............................... 56

    A Pesquisa-Ao Colaborativa (PAC) ........................................................................................................ 66

    Aspectos constitutivos da pesquisa-ao colaborativa ...........................................................................72

    Convergncias e projees da Composio I .............................................................................................. 76

    COMPOSIO II

    CONTORNOS METODOLGICOS DA PESQUISA ....................................................................................83

    Contornos institucionais e empricos da pesquisa de primeira ordem: a constituio do grupo e a

    Pesquisa-Ao Colaborativa (PAC) ............................................................................................................ 83

    Colaboradores da pesquisa .......................................................................................................................90

    Contornos didtico-pedaggicos e formativos da PAC .............................................................................93

    Contornos metodolgicos do processo de meta-anlise da pesquisa de segunda ordem .......................... 96

    Os instrumentos da metanlise ...............................................................................................................98

    Construo das categorias de aprendizagem docente .............................................................................. 104

    COMPOSIO III

    CONTORNOS META-ANALTICOS DA PESQUISA .................................................................................109

    Marcos conceituais das tipologias de aprendizagem da docncia ........................................................... 112

    1) Reflexividade crtica sobre a realidade............................................................................................... 113

    2) Curiosidade epistemolgica do contedo e do sujeito ........................................................................ 113

    3) Dialogicidade da comunicao e da atuao docente ........................................................................ 115

    4) Instrumentalidade tecnolgica e estratgica do ensino ...................................................................... 116

    5) Inacabamento e conscincia social da profisso ................................................................................ 117

    6) Sensibilidade ecolgica ...................................................................................................................... 118

    7) Domnio didtico-pedaggico do currculo e do ensino da matemtica ............................................. 119

    8) Assuno da autoridade docente ........................................................................................................ 120

    A Formao Especfica e a articulao entre as disciplinas especficas e didtico-pedaggicas ............. 122

  • ~ 20 ~

    A formao didtico-pedaggica e a articulao entre teoria e prtica.................................................... 131

    Os contornos das atividades extracurriculares .......................................................................................... 134

    O percurso de formao ....................................................................................................................... 137

    Anlises do Percurso Formativo no PIBID de Matemtica ..................................................................... 138

    Experincias de preparao para o ingresso em sala de aula.............................................................. 138

    A produo do glossrio bsico de educao ....................................................................................... 139

    A produo de resenhas ........................................................................................................................ 142

    A produo dos dirios reflexivos ........................................................................................................ 145

    A passagem atravs do espelho e instalao da dualidade ....................................................................... 149

    Experincias de incurso em sala de aula ............................................................................................ 149

    Experincias de participao do grupo em eventos cientficos ............................................................ 154

    Experincias de elaborao de Sequncias Didticas .......................................................................... 159

    Situaes de elaborao dos Trabalhos de Concluso de Curso ......................................................... 197

    Convergncias e projees da Composio III ......................................................................................... 211

    COMPOSIO IV

    CONTORNOS DE CONVERGNCIAS DA PESQUISA

    Um modelo analtico-descritivo do Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrfica

    (DPDPC) ..............................................................................................................................................................217

    Princpios relativos ao professor, sua aprendizagem e seu desenvolvimento profissional ..................... 218

    A ecologia das prticas e dos processos de mudana no DPDPC ............................................................ 223

    A condio atropolgica e a representao topolgica do Modelo de DPDPC ....................................... 228

    O Percurso de um Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrfica ............... 230

    A trajetria escolar e seu impacto no DPDPC de Sena ....................................................................... 231

    A trajetria formativa durante a Licenciatura em Matemtica e seu impacto no DPDPC de Sena e

    Queiroz: a passagem pelo espelho e escolha da carreira ...................................................................... 234

    A entrada em sala como professor e o princpio da dualidade ............................................................... 240

    A dualidade operante no estudo em grupo e construo de sequncias didticas .................................. 242

    A dualidade operante nas regncias de classe e nos projetos de pesquisa sobre a prtica docente ........ 244

    A converso catastrfica enquanto consolidao provisria do processo de sujeio ............................ 246

    CONTORNOS CONCLUSIVOS ......................................................................................................................255

    REFERNCIAS .................................................................................................................................................261

    APNDICE .279

  • ~ 21 ~

    INTRODUO

    As altercaes a respeito dos processos de aprendizagem e do desenvolvimento

    profissional do professor h muito tm circunscrito as pesquisas acerca da problemtica da

    formao docente. Longe de figurarem como o nico foco de perscrutao e anlise das

    investigaes que visam a melhoria da qualidade da Educao em nosso pas, ou de

    engendrarem solues definitivas problemtica assinalada, compem, entretanto, aspectos

    importantes do matiz deste sistema complexo. Isto porque se elegeu historicamente entre os

    elementos constitutivos da Educao a formao docente como um dos seus pilares de

    sustentao.

    Mudam-se, no entanto, as polticas e com elas as perspectivas conceituais sobre a

    formao de professores. O advento do sculo XXI, com suas dinmicas aceleradas e complexo

    sistema tecnolgico, expressa uma realidade diferente daquela que se apresentava no incio do

    sculo XX. Em cada tempo as caractersticas sociais e econmicas tm dado suportes

    diferenciados formao docente. Com efeito, o paradigma de cincia moderna, em que a

    realidade era vista como existindo em si mesma, separada do sujeito do conhecimento

    (MIZUKAMI et al., 2002), sendo que este pretendia descrev-la por meio de leis e agir sobre

    ela por meio de tcnicas (CHAU, 1997) gerou, at o final da dcada de 1970, uma formao

    docente cuja preocupao central era modelar o comportamento do professor, trein-lo em

    tarefas especficas produzidas por estudos experimentais quantitativos realizados em grandes

    centros de formao (FERREIRA, 2003).

    A partir dos anos 70, sob o paradigma do processo-produto, os pesquisadores

    procuravam descobrir comportamentos genricos dos professores que estivessem relacionados

    com a aprendizagem dos estudantes quando medidos por testes estandardizados. Nesta

    perspectiva, a formao, embora buscasse uma compreenso sobre o comportamento do

    professor, suas metodologias e disposio fsica em sala de aula, focava a construo de

    modelos eficientes que, pressupunha-se, influenciariam no processo ensino-aprendizagem nas

    escolas (FERREIRA, 2003).

  • ~ 22 ~

    Na dcada de 80, com a ampliao das questes referentes educao escolar, passou a

    predominar a formao cujo ponto importante era o desenvolvimento cognitivo e moral dos

    professores. Diante do que podemos chamar de paradigma naturalista-interpretativo, a

    formao de professores se mantinha pouco reconhecida e se orientou principalmente para a

    atualizao do conhecimento especfico do professor. A partir da dcada de 80, inmeros

    trabalhos foram desenvolvidos acerca do que pensa o professor suas crenas, suas concepes,

    seus valores, por exemplo -, como numa tentativa de superar o modelo at ento vigente, em

    que o professor no era percebido como um profissional com uma histria de vida, crenas,

    experincias, valores e saberes prprios (FERREIRA, 2003).

    Nesse novo contexto, surgem perspectivas de formao que percebem o professor como

    um agente cognoscente e problematizam como os professores se comportam e como eles fazem

    (em lugar de o que fazem), como eles do sentido ao seu mundo e que significados eles atribuem

    s suas experincias (COONEY, 1994). Subjaz a esse processo o paradigma comunicativo-

    dialgico, que tem como base a racionalidade comunicativa, em que o ensino se faz pela

    construo e reconstruo da identidade pessoal e profissional dos sujeitos que interagem em

    determinados ambientes de aprendizagem (FELDMANN, 2009).

    Por este breve retrospecto, possvel perceber uma ntida passagem de uma concepo

    de formao docente em que o professor objeto passivo para uma formao em que este

    comea a ser considerado como sujeito com participao ativa e, em alguns casos,

    colaborativa. Nessa trajetria se modifica tambm o lcus dessa formao, deslocando-se das

    Universidades e centros de pesquisa e formao superior para o cho da Escola, depois desta

    para ambientes de interface entre as duas instituies, pressupondo uma relao harmnica e

    produtiva formao docente. Articulam-se nesse processo a formao inicial1 de professores

    - por meio de estgios, prticas de ensino e projetos de iniciao docncia -, bem como a

    chamada formao continuada2. Contudo, essa transio, como quase tudo relacionado

    educao, no tem se dado de forma to simples. Isto porque a relao Universidade-Escola

    tem apresentado aspectos polticos e culturais que obstaculizam tal articulao.

    1 A Formao Inicial de Professores compreende a graduao em licenciatura em determinada rea ou campo

    cientfico de atuao, constituindo uma habilitao profissional relativa prtica docente. 2 Atualmente a Formao Continuada tem valorizado uma modalidade de formao do docente centrada nas

    prticas de ensino e na problemtica do professor no exerccio da profisso. Possui respaldo pela Lei de Diretrizes

    e Bases da Educao Nacional (LDB/Lei N 9.394/96) em seu Artigo 87, pargrafo 3, inciso III, que determina ser

    dever de cada municpio, e supletivamente ao Estado e Unio, realizar programas de capacitao para todos os

    professores em exerccio, utilizando tambm, para isto, os recursos da educao a distncia.

  • ~ 23 ~

    Configurada a necessidade de perscrutar os complexos processos da formao docente,

    em especial dos professores de matemtica, em meio a articulao entre estas instituies

    potencialmente formadoras (Universidade e Escola), percebo o imperativo de tomar como

    referncia as pesquisas que visam encontrar caminhos viveis melhoria da aprendizagem dos

    alunos nas escolas. Estes estudos tm dado especial ateno constituio identitria do

    professor e seu consequente desenvolvimento profissional. Destaco a especificidade da questo,

    uma vez que a categoria de docentes de matemtica h muito tem sofrido com a indefinio

    identitria da profisso, visto que os currculos da formao no tm acompanhado de perto as

    mudanas e transformaes que tm marcado a vida social nas ltimas dcadas. O

    desenvolvimento das tecnologias da informao, a globalizao da comunicao e a

    mundializao da economia tm contribudo para o acelerado progresso das descobertas

    cientficas e padronizao da produo e relaes sociais. Vivemos hoje em uma sociedade de

    mudanas aceleradas, caracterizada pela incerteza e provisoriedade. O que implica a

    constituio de um quadro que torna mais complexo e difcil a tarefa do estabelecimento de

    padres de referncia para a vida social e, em especfico, para a vida profissional do professor

    de matemtica.

    A sociedade tem elaborado demandas - como o letramento matemtico, capaz de situar

    os cidados em sua realidade por meio da interpretao de dados e resoluo de problemas

    provenientes de seu contexto social, ou da Etnomatemtica, que postula um sujeito capaz de

    articular a sensibilidade antropolgico-cultural, de resgate e respeito dos saberes locais, aos

    processos formativos globais -, que quase nunca so atendidas pelos profissionais de ensino da

    matemtica. Essa defasagem tem contribudo para o estabelecimento de altos ndices de

    reprovao, baixos nveis de motivao dos alunos e uma sria depreciao da carreira do

    professor de matemtica.

    Para amenizar os problemas causados por esta insuficincia das prticas formativas, se

    tem buscado por estratgias que promovam uma melhor preparao deste profissional, seja no

    nvel de sua formao inicial seja na formao continuada. Diante dessa perspectiva, nos

    ltimos trinta anos, percebemos se acentuar o nmero de trabalhos narrando experincias de

    formao docente que privilegiam as dinmicas colaborativas, indicando uma forte transio

    do tipo de pesquisa tcnica para o da pesquisa-ao emancipatria3. Tais publicaes

    3 A Pesquisa-Ao Colaborativa ser objeto de discusso em tpico especfico neste trabalho.

  • ~ 24 ~

    destacam o reconhecimento de iniciativas de professores do Ensino Bsico que assumem o

    papel de reflexivos sobre suas prticas, isto , em que os professores tomam maior conscincia

    de seus prprios atos, interpretam a reflexo como conhecimento do conhecimento (LIBANEO,

    2006), pensam sobre suas ideias, examinando-as, modificando-as, formando teorias que

    orientam suas prticas (ZEICHNER, 1993).

    No obstante, longe de ser uma realidade geral, a emancipao do professor da educao

    bsica ainda algo distante para muitos grupos de professores, sobretudo daqueles residentes

    nas periferias e localidades afastadas dos grandes centros intelectuais. Assim, ainda

    hegemnico nesses locais que a iniciativa ao debate sobre as perspectivas tericas da educao

    se deem a partir das instituies de ensino superior (GOMES, 2012). neste contexto, de

    emergncia de estratgias formativas com vistas a preparao de profissionais docentes situados

    s demandas do sculo XXI, que destaco o caso da formao do Grupo Colaborativo de

    Educao Matemtica (GCEM)4, sitiado no municpio de Igarap-Au, Nordeste da

    Amaznia Paraense.

    A complexidade do enfrentamento da realidade que despontava me levou a propor uma

    adequao do projeto institucional do grupo para o curso de doutoramento do Programa de Ps-

    Graduao em Educao em Cincias e Matemtica (PPGECEM) da Rede Amaznica de

    Educao em Cincias e Matemtica (REAMEC). Essa estratgia se mostrou eficiente, pois

    com a publicao de um edital pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel

    Superior (CAPES), pudemos apresentar uma variao do projeto doutoral aos critrios do

    Projeto Institucional - Universidade e Escola: desafios e caminhos para a form(ao) de

    professores no contexto amaznico -, para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciao

    Docncia (PIBID), a partir do qual conseguimos a institucionalizao do Subprojeto de rea

    Formao de Multiplicadores em Educao Matemtica Colaborativa o Ldico em Questo5.

    4 Este grupo surge em resposta demanda da comunidade igarapeauense por ocasio do planejamento estratgico

    (2010) do Campus X da Universidade do Estado do Par (UEPA), quando identificamos a necessidade de aes

    que promovessem uma maior articulao entre a Universidade e as Escolas Pblicas do municpio, bem como do

    aumento do nmero de projetos formativos que problematizassem a inter-relao entre pesquisa, ensino e extenso

    no Campus. 5 Este projeto visa atender a iniciao docncia dos professores em formao inicial da licenciatura em

    matemtica da UEPA de Igarap-Au e promover aes afirmativas nas escolas conveniadas. O projeto conta com

    financiamento pela Coordenao de Apoio ao Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e formalizou convnio de

    cooperao entre a UEPA e as secretarias Municipal de Educao do Municpio de Igarap-Au (SEMED-IA) e

    de Estado de Educao do Par (SEDUC-PA). Rene uma equipe composta por 1 (um) coordenador de rea,

    docente da UEPA, 20 (vinte) estudantes da licenciatura em matemtica e 4 (quatro) professores da rede pblica de

    Ensino Bsico de Igarap-Au.

  • ~ 25 ~

    Particularmente, depois desta formalizao, tornou-me evidente que dispnhamos de

    dois direcionamentos a seguir: o primeiro direcionamento dizia respeito ao poltica de

    gesto e de formao docente em que nos predispnhamos - eu, os professores escolares e os

    acadmicos - a discutir o ensino da matemtica por meio de atividades de pesquisa, ensino e

    extenso, mediatizadas por dinmicas colaborativas em ambientes de interface entre a

    Universidade e as Escolas; e um segundo direcionamento, que passei a definir como meta-

    analtico, em que ponho em suspenso o primeiro direcionamento e reflito sobre os registros

    fornecidos pelas dinmicas colaborativas supracitadas, com fins compreenso dos processos

    de aprendizagem e desenvolvimento profissional desses docentes, estabelecendo, assim, o

    objeto e foco do presente trabalho.

    Ao institucionalizarmos o GCEM junto ao PIBID, assumimos o pressuposto de que o

    professor de matemtica pode se propor de forma competente a desenvolver pesquisa baseada

    em sua experincia, levantando e respondendo questes relevantes sobre os problemas do

    ensino da matemtica, refletindo e produzindo aes em colaborao com acadmicos e

    professores em exerccio, bem como contribuindo para a (re)formulao de teorias e prticas

    que propiciem a melhoria das condies de trabalho e ensino nas escolas pblicas de Igarap-

    Au/PA (GOMES, 2012). Essas atividades tm sido desenvolvidas, desde ento, mediante a

    proposio de projetos elaborados em ambientes de discusso e pela problematizao de temas

    levantados a partir de dinmicas colaborativas de investigao e processos reflexivos na ao,

    sobre a ao e para a ao (SCHN, 2000), realizados a partir/nas/para as prticas educativas

    acadmicas e escolares (COCHRAN-SMIT & LYTLE, 1999).

    Comprometido com as atividades do GCEM, que impunham um olhar mais especfico

    formao inicial dos professores de matemtica e por meio das leituras aprofundadas pela

    participao no curso de formao doutoral, evidenciei que a dificuldade de articulao entre

    Universidade e Escola se apresenta acompanhada de outros processos dissociativos como os

    intervenientes na articulao entre teoria e prtica, e entre as disciplinas especficas e didtico-

    pedaggicas. Percebi, ainda, que essas caractersticas esto presentes tanto na Universidade

    como na Escola, logo, tendem a impregnar a relao entre ambas, e isso tem implicado na

    formao dos professores, produzindo o que Veenman (1984) chama de choque de realidade,

    situao em que o professor iniciante defronta-se com a diferena entre o idealizado nos cursos

    de formao e o encontrado na realidade das escolas.

  • ~ 26 ~

    Em contraposio a este choque de realidade, a promoo de atividades

    extracurriculares como as que promovemos no GCEM, por exemplo, tendem a favorecer a

    construo de caminhos e sentidos para articulao entre Universidade e Escola, teoria e prtica

    e entre disciplinas especficas e didtico-pedaggicas, visto que tanto as experincias em

    contextos de pesquisa colaborativa quanto a problematizao das prticas de ensino nos

    ambientes de interface entre a Universidade e a Escola, vivenciadas pelos professores de

    matemtica em formao inicial, desencadeiam processos de aprendizagem docente que criam

    condies para o desenvolvimento profissional desses professores. Constitui funo deste

    trabalho lanar luz a essa assertiva. Mas, parece-me plausvel afirmar que as estratgias

    formativas planeadas e desenvolvidas pelo grupo tornam-se imprescindveis para a superao

    de uma viso de valncia negativa6 assinalada acerca das atividades docentes do professor de

    matemtica, alm de propiciarem um prolfero campo para debates sobre a constituio

    identitria e desenvolvimento profissional dos professores envolvidos.

    Assumindo estes aspectos, acessveis pela elucubrao das prxis7, experienciadas neste

    projeto, sou levado a interpretar a aprendizagem docente sob a perspectiva conceitual da

    categoria experincia de Dewey (2011) definida pelos princpios de interao e continuidade8,

    e as dinmicas de socializao e desenvolvimento profissional como resultado de um processo

    identitrio, de assimilao das prticas de uma comunidade (DUBAR, 1997; FIORENTINI,

    2006, 2009, 2013b), bem como a formular a tese de que a aprendizagem docente, pode ser

    interpretada como o resultado da interao de um sujeito com prticas situadas em uma

    experincia educativa significativa, capaz de ressignificar posturas, redirecionar atitudes e

    impulsionar o desejo de continuar aprendendo. Sendo, nestes termos, o desenvolvimento

    profissional docente um processo de converso catastrfica - de identificao dos sujeitos a

    um corpo de conhecimentos, valores, teorias, saberes e prticas de um grupo tomado por

    referncia -, resultante, pois, da aprendizagem docente frente a situaes de prticas

    6 Este termo empregado por Kurt Lewin (1973) para designar experincias em que h perdas nas relaes

    estabelecidas entre um dado sujeito e seu contexto experiencial. 7 Assumida aqui indistintamente como experincia prtica, prtica da experincia ou simplesmente prtica, desde

    que levada em conta seu sentido ampliado de indissociabilidade com a teoria. 8 Aprofundarei os conceitos de interao e continuidade mais frente. Por ora assumo a noo de interao e

    continuidade como princpios indissociveis da teoria da experincia de Dewey, sendo que a interao respeita

    as condies objetivas (mundo exterior) e condies internas (psicolgicas). J o princpio da continuidade,

    quando aplicada Educao, significa que o futuro tem de ser considerado em cada estgio do processo educativo

    (DEWEY, 2011).

  • ~ 27 ~

    colaborativas com intencionalidade de mudana, tanto pelo sujeito quanto pelo grupo

    institucional de referncia.

    Diante deste contexto, assumo a hiptese de que o professor aprende e se desenvolve

    profissionalmente a partir do momento em que ele compartilha uma relao positiva para com

    as regras objetivas (prxis docentes) e subjetivas (valores e crenas) de uma comunidade de

    prticas9 docentes. Vale assinalar que interpreto experincia educativa como toda espcie de

    relao do sujeito docente com o contexto educacional, seja em um ambiente proporcionado

    por uma comunidade de prticas, por grupos de investigao, por processos de ensino em classe

    ou mesmo pela leitura de livros, pelos debates despretensiosos sobre a educao, pela

    participao em eventos e cursos, pela manipulao de instrumentos de ensino e pela

    investigao colaborativa. E por significativo, me refiro aos significados atribudos pelos

    sujeitos durante uma experincia, dos quais me interessam aqueles que so potencialmente

    mobilizadores de novas prticas e de identificao com o grupo de referncia.

    Investigo, neste contexto de experincias, as evidncias de aprendizagem situadas ao

    longo do processo interativo dos sujeitos no grupo e compreendo o desenvolvimento

    profissional dos professores como resultado do envolvimento ativo destes sujeitos nos

    processos de formulao colaborativa dos objetivos partilhados e na construo de prticas

    investigativas e reflexivas da/sobre/na ao docente, assumindo, invariavelmente, o GCEM

    como a principal instituio de referncia. Produzindo assim um desenvolvimento profissional

    com caractersticas bot-top-up10, cuja centralidade dos atores nos seus processos de

    aprendizagem premissa fundante e vlida (FORMOSINHO J., 2009).

    Esta noo de aprendizagem apresenta afinidades com a Teoria Social da

    Aprendizagem de Lave & Wenger (1991), em que toda aprendizagem situada em uma prtica

    social que acontece mediante participao ativa em prticas de comunidades sociais e

    construo de identidades com essas comunidades. De acordo com Fiorentini (2013b) os

    saberes em uma comunidade de prticas (CoP) so produzidos e evidenciados atravs de

    9 A expresso comunidade de prticas (CoP) foi cunhada por Lave & Wenger (1991, p. 99) para designar a prtica

    social de um coletivo de pessoas que comungam um sistema de atividades no qual compartilham compreenses

    sobre aquilo que fazem e o que isso significa em suas vidas e comunidades (FIORENTINI, 2009). 10 Termo cunhado por mim em oposio formao top-down (de cima para baixo) empregado em Zeichner (1993)

    e que quer dizer de baixo para cima, isto , a partir das decises e necessidades do grupo em formao.

  • ~ 28 ~

    formas compartilhadas de fazer e entender dentro da comunidade, as quais resultam de

    dinmicas de negociao, envolvendo participao11 plena e reificao12 na/pela comunidade.

    Com base no material reunido, na tese formulada e nas referncias assumidas, elaborei

    as seguintes questes de pesquisa:

    Que evidncias de aprendizagem ocorrem e que processos as produzem nas

    experincias colaborativas de professores de matemtica em ambientes de interface entre a

    Universidade e Escola?

    Em que sentido as manifestaes de aprendizagem docente de professores de

    matemtica situadas nas experincias colaborativas em ambientes de interface entre a

    Universidade e a Escola promovem o desenvolvimento profissional do professor de

    matemtica?

    Visando levar a termo meu trabalho de pesquisa qualitativa e de natureza interpretativa,

    busquei definir meu objeto de investigao implicando a concepo da pesquisa-ao

    colaborativa, na formao do professor reflexivo e na concepo de aprendizagem

    profissional pela experincia da docncia em ambientes de interface entre a Universidade e a

    Escola. Nesta perspectiva, delimitei meu foco de anlise na formao inicial de professores de

    matemtica e procurei construir os seguintes objetivos como subsdios para a elucidao das

    questes de pesquisa supracitadas:

    Objetivo Geral:

    Identificar, descrever e analisar as evidncias de aprendizagem, os processos de

    aprendizagem e o desenvolvimento profissional docente de professores de matemtica situados

    nos contornos das experincias colaborativas em ambientes de interface entre a Universidade

    e a Escola.

    11 Participar significa engajar-se na atividade prpria da comunidade, apropriar-se da prtica, dos saberes e dos

    valores da mesma e tambm contribuir para o desenvolvimento da prpria comunidade, sobretudo de seus

    membros e de seu repertrio de saberes (FIORENTINI, 2009). 12 Reificar significa tornar coisa. No se refere apenas a objetos materiais ou concretos (textos, tarefas, materiais

    manipulativos), mas tambm conceitos, ideias, rotinas, registros escritos e teorias que do sentido s prticas da

    comunidade (WENGER, 2001).

  • ~ 29 ~

    Objetivos Especficos:

    Identificar e analisar os contornos das experincias colaborativas em que se evidenciam

    processos de aprendizagem que criam condies para a problematizao e desnaturalizao

    da prtica docente;

    Caracterizar/explicitar um modelo heurstico pelo qual se avalie em que termos as

    evidncias de aprendizagem docente, dinamicamente, promovem o desenvolvimento

    profissional do professor de matemtica.

    Os resultados da pesquisa, que tratarei oportunamente, sero abordados sob a

    perspectiva dos objetivos traados manifestando a pertinncia da ao, pois como sugere Tardif

    (2007) preciso rever a viso de que a prtica dos professores somente um espao para

    aplicao de saberes provenientes da teoria, mas tambm um espao de produo de saberes

    especficos oriundos dessa mesma prtica.

    Ao perceber a dinmica imbricada do trabalho a ser delineado, considerei imperativa a

    construo de uma trama igualmente complexa para o tratamento e compreenso das

    experincias do grupo. Essa tarefa me fez refletir sobre a adoo de uma perspectiva

    multirreferencial para que eu pudesse produzir um novo olhar sobre o professor de matemtica

    em formao inicial, sob uma perspectiva humana plural, a partir da conjugao de vrias

    correntes tericas no conflitantes. Nesses termos, tenho em vista a florescncia de uma

    epistemologia coerente de construo do conhecimento sobre os fenmenos da experincia e

    aprendizagem docentes, produzindo, assim, um modelo heurstico plausvel e dialgico que

    verse sobre o desenvolvimento profissional desses sujeitos.

    Para explicitar os meios pelos quais justifico, conduzo e analiso as evidncias de

    aprendizagem in procesu, os processos de aprendizagem e o desenvolvimento profissional dos

    professores de matemtica situados em contextos de experincias colaborativas, pretendo, neste

    relatrio final de pesquisa, apresentar os argumentos elucidativos sobre as questes de pesquisa

    e avaliao de minha tese, circunscrevendo-os pela seguinte configurao:

  • ~ 30 ~

    Na primeira composio13, intitulada Contornos14 Terico-epistemolgicos da

    Pesquisa15, busco realizar um aprofundamento terico multirreferencial sobre as temticas:

    formao de professores, aprendizagem docente e desenvolvimento profissional. Defino a

    experincia como unidade fundamental de estudos sobre a aprendizagem docente situada e o

    desenvolvimento profissional enquanto identificao com um grupo de prticas por meio da

    participao ativa e reificao dos processos interativos dos sujeitos no ambiente social. Com

    o objetivo de substanciar teoricamente os argumentos reflexivos sobre os fenmenos formativos

    e desenvolvimento profissional docente, resgato as teorias sobre a experincia e o contnuo

    experiencial (DEWEY, 1979, 2011), a investigao reflexiva e a pesquisa-ao-colaborativa

    (LEWIN, 1973; ZEICHNER, 1993; PIMENTA, 2005b; FIORENTINI & LORENZATO, 2006;

    IBIAPINA, 2008) e o desenvolvimento profissional como um processo de socializao e

    constituio identitria (DUBAR, 1997), bem como os conceitos de sujeitamento e

    conformidade institucional (CHEVALLARD, 1991) na ocorrncia da aprendizagem situada

    (LAVE & WENGER, 1991; FIORENTINI, 2006, 2009, 2010, 2013a). Introduzo tambm as

    noes de catstrofe e desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva catastrfica16

    com base em Thom (1977, 1995). Saliento que os referencias tericos desta composio sero

    assumidos por mim como principais por apresentarem carter longitudinal obra, enquanto os

    demais sero considerados como secundrios ou auxiliares, uma vez que daro suporte a

    composies especficas.

    Na segunda composio, denominada Contornos Metodolgicos da Pesquisa,

    apresentarei, inicialmente, os pressupostos metodolgicos da ao formativa do GCEM e

    estabelecerei os parmetros metodolgicos da pesquisa de primeira e de segunda ordem, em

    que apresento os critrios de escolha dos sujeitos principais17, o tipo de pesquisa adotada, os

    13 O termo composio utilizado no lugar de captulo para caracterizar seu sentido de inacabamento, de parte que

    somente assume sentido completo em conjunto com as demais partes do trabalho. Conceituao que est presente

    na Teoria Gestalt de Wertheimer, Wolfgang e Khler (apud MARX & HILLIX, 2008), nos princpios de Psicologia

    Topolgica de Kurt Lewin (1973) e na Teoria das Catstrofes de Ren Thom (1977, 1995), referncias estas que

    atribuem grande sentido s anlises do presente trabalho. 14 O termo contorno assume neste trabalho o sentido de fora estrutural, isto , de fora de organizao da forma

    que tende a se dirigir ao observador tanto quanto permitem as condies dadas no sentido da clareza, da unidade

    e do equilbrio do observado, sendo grande o valor da experincia no fenmeno da percepo (GOMES FILHO,

    2009). 15 Saliento que outros referenciais sero introduzidos se demandados no decorrer deste trabalho de pesquisa,

    perspectivando tratamentos mais pormenorizados dos assuntos e adequada conformao de cada composio. 16 Temas estes que tero continuidade e aprofundamento na Composio IV. 17 Os demais sujeitos, em condio de interao com os sujeitos principais da pesquisa, sero denominados sujeitos

    secundrios ou perifricos.

  • ~ 31 ~

    instrumentos de coleta de informaes, o gnero discursivo e as tcnicas e instrumentos de

    anlise. Apresentarei ainda a caracterizao do lcus da investigao, em que situo os diferentes

    ambientes de integrao dos sujeitos investigados discriminando os microssistemas,

    mesossistemas e macrossistemas18 que definem as relaes ecolgicas institucionais em que os

    indivduos do grupo experienciam a docncia e se desenvolvem profissionalmente (macro-

    percurso de formao e instncias formativas); Exporei as motivaes legais que regem

    institucionalmente as aes do GCEM no Projeto de rea Matemtica do PIBID/UEPA e o

    perfil dos seus integrantes colaboradores; e finalizo com uma descrio da dinmica de trabalho

    dos projetos e aes desenvolvidas pelo grupo, ampliando o olhar sobre os principais destaques

    que tomarei em considerao como objetos de perscrutao da pesquisa, como os indicativos

    das tipologias de aprendizagem emergentes dos processos de formao/prtica reflexiva

    docente.

    Reservo a terceira composio, que chamo de Contornos Meta-analticos da Pesquisa,

    para tecer um dilogo terico analtico em que me valho de entrevistas, dirios de atividade,

    gravaes, filmagens, relatrios e outras produes escritas , para estabelecer relaes entre

    as percepes significativas dos sujeitos sobre suas experincias em contextos de prtica

    colaborativa e o referencial terico proposto na Composio I, que do suporte caracterizao

    dos processos de aprendizagem e identificao de tipos de aprendizagem nestes contextos de

    experincia. Apresento, nesta composio, um quadro conceitual sobre as tipologias de

    aprendizagem e um percurso longitudinal, no qual destaco as evidncias de aprendizagem

    relativas s experincias de: entrada em sala de aula e anlise da prxis docente; participao

    em eventos como estratgia formativa; atividades em grupo de estudo para a identificao de

    organizaes matemticas e construo de sequncias didticas com base na Teoria

    Antropolgica do Didtico (TAD); de incurses em sala de aula e proposio de projetos de

    interveno e investigao da prpria prtica; e da percepo pessoal dos sujeitos investigados

    sobre sua aprendizagem da docncia e seu desenvolvimento profissional, por meio de

    entrevistas realizadas ao trmino de sua formao inicial.

    Na quarta composio, denominada de Contornos de Convergncias da Pesquisa

    apresento a construo de um modelo heurstico de anlise do desenvolvimento profissional

    docente a partir de uma compreenso dos processos desencadeados pelas experincias dos

    18 Esses termos so objeto de considerao especifica na Psicologia Topolgica de Kurt Lewin (1973), que define

    as relaes dos indivduos com o ambiente em que esto inseridos.

  • ~ 32 ~

    professores investigados, valendo-me, para tal, de uma metfora do modelo acspico da Teoria

    das Catstrofes (THOM, 1977, 1995; ARNOUD, 1989) para explicitar o processo de

    identificao dos professores em formao inicial com as perspectivas profissionais da

    docncia. Este projeto tem por ambio tornar inteligveis os contornos das formas e contedo

    das prxis docentes inerentes s experincias colaborativas definidoras do percurso de

    identificao com a docncia, ou seja, visa identificar os tipos de aprendizagem e processos de

    aprendizagem que do sentido constituio identitria e desenvolvimento profissional docente

    dos integrantes de um grupo de professores de matemtica em formao inicial.

    Na quinta e ltima composio, de Contornos Contributivos Finais, estabeleo o que

    considero uma sntese possvel dos principais resultados da pesquisa, em que procuro elucidar,

    a partir dos referenciais assumidos, os elementos que justificam as questes e objetivos da

    investigao para com as situaes de aprendizagem e processos formativos experienciados,

    bem como teo consideraes sobre os resultados alcanados acerca das evidncias de

    aprendizagem docente e subjacente desenvolvimento profissional, procurando, assim, construir

    argumentos plausveis sustentao da tese que assumo neste trabalho.

  • ~ 33 ~

  • ~ 34 ~

    COMPOSIO I

    Nesta composio realizo um aprofundamento terico multirreferencial

    sobre as temticas: formao de professores, aprendizagem docente e

    desenvolvimento profissional docente (DPD). Para isso introduzo o

    conceito de Experincia como unidade fundamental de estudos sobre a

    qual se revela a aprendizagem docente resultante da reflexo,

    investigao e reificao dos processos interativos e de socializao

    dos sujeitos em comunidades de prtica e/ou grupos colaborativos.

    Conceituo o desenvolvimento profissional como um processo de socializao e constituio identitria que ocorre por meio da

    (re)estruturao de formas definidas pela aprendizagem por converso

    catastrfica, originando o que chamo de Desenvolvimento Profissional

    em uma Perspectiva Catastrfica (DPDPC). Discuto ainda a

    construo conceitual da Pesquisa-Ao Colaborativa (PAC) que

    assumo como suporte terico da ao mobilizada na pesquisa de

    primeira ordem, em anlise neste relatrio. Figuram como principais

    referncias desta composio Dewey (1979, 2011), Lewin (1973),

    Zeichner (1993, 2003), Barbier (2007), Ponte (1998), Fiorentini &

    Lorenzato (2006), Lave & Wenger (1991), Fiorentini (2006, 2010,

    2013b), Ibiapina (2008), Formosinho J. (2009), Chevallard (1991,

    1992, 1996, 2009), Dubar (1997), Ren Thom (1977, 1995) e Arnoud

    (1989).

  • ~ 35 ~

  • ~ 36 ~

    COMPOSIO I

    CONTORNOS TERICO-EPISTEMOLGICOS

    DA PESQUISA

    Estar na vida como um ser pensante significa um contnuo querer saber, que no

    diferente de um contnuo pesquisar. Para nos situarmos na vida e construirmos nossa

    ideia da realidade, precisamos: observar, explorar, experimentar, deduzir, concluir. A

    vida toda uma grande pesquisa. Pesquisar um processo apaixonante, apesar da

    frustao que pode gerar caso no se encontrem respostas completas e

    tranquilizadoras. Pesquisar estar vivo, ser sujeito.

    (MATALOBOS, 2005)

    Refletindo sobre o que expressa a epgrafe acima, fico convicto de que partilhamos de

    uma mesma utopia sobre a pesquisa, qual seja, a de que somos todos capazes de pesquisar, isto

    por ser a pesquisa uma ao inerentemente humana. Partindo desse pressuposto me parece

    plausvel afirmar que pesquisar sistematicamente a prpria prtica no mbito da docncia,

    embora no se constitua um hbito comungado por todos os professores, algo perfeitamente

    exequvel.

    Parto dessas consideraes para situar uma ferramenta que considero imprescindvel

    para a construo de um instrumental terico, metodolgico e analtico, de abordagem das

    evidncias de aprendizagem e do desenvolvimento profissional de professores de matemtica

    associados aos contextos de experincias colaborativas. Com este intuito, nesta primeira

    composio, reno referenciais que me auxiliam na construo desta trama reflexiva e

    argumentativa que tece uma compreenso sobre a educao como vida e a aprendizagem como

    reflexo das experincias (DEWEY, 2011; LARROSA, 1995; COCHRAM-SMITH, 1999;

    JOSSO, 2010); busco as bases para a definio dos contornos ontolgicos dos fluxos das

    experincias perceptuais dos sujeitos que aprendem (PERLS, 1977) e se desenvolvem a partir

    de prticas de investigao-ao dos processos de experimentao criativa de suas realidades

    concretas (HARGREAVES & FULLAN, 1992; WENGER, 1998).

    Oriento-me nessa perspectiva pelas definies da teoria do contnuo experiencial de

    Dewey (2011) que me conduzem compreenso dos campos de motivao, descritos pelos

    contornos do comportamento humano dentro de uma totalidade de contexto social e fsico,

  • ~ 37 ~

    portanto institucional, que manifestam evidncias de aprendizagem da docncia por parte dos

    sujeitos tomados para observao, que por sua vez refletem sobre suas aes e se do conta das

    potencialidades da investigao em ao solitria ou em grupo (FORMOSINHO J., 2009)

    como forma de interveno em problemticas sugeridas pela interpretao de dados da prtica,

    desencadeando processos de mudana e avaliao de todo o percurso de experincias (LEWIN,

    1973; ZEICHNER, 2003; LISONDO, 2011).

    Contornos e tessituras da experincia

    Situando-me quanto trajetria descrita pela formao docente em seu movimento de

    passagem do sculo XX para o sculo XXI percebi, nas pesquisas desenvolvidas a esse respeito,

    algumas idiossincrasias ou peculiaridades expressas por antagonismos tais como: educao

    tradicional e educao progressista, marginalizao e profissionalismo, formao academicista

    e formao profissional, desenvolvimento profissional training19 e desenvolvimento

    profissional ecology20. Longe de pretender esgotar tais questes, reservo-me tarefa no menos

    simples de construir e expressar uma reflexo crtica que aponte para ruptura com o que tenho

    considerado uma viso de precedentes dissociativos, que adotam posturas dualsticas e

    maniquestas de bem e mal, do certo e errado, mente e corpo, para em seu lugar, tratar de

    uma percepo holstica perspectivando uma compreenso de totalidade da ao do professor

    que lhe propicie aprendizagem significativa21 baseada em suas experincias e lhe oriente a um

    desenvolvimento profissional condizente com as necessidades da atualidade.

    Para cumprir essa meta, assumo neste trabalho a categoria experincia como uma

    unidade fundamental de estudo. Tomando-a como categoria de pesquisa, procuro estabelecer

    os critrios conceituais que me possibilitam definir em que sentido os tipos de aprendizagem

    docente em contexto de experincias colaborativas contribuem para o desenvolvimento

    profissional dos professores de matemtica. A noo de experincia permeia tanto a pesquisa

    de primeira ordem (emprica) dando-lhe suporte ao -, quanto a pesquisa de segunda

    19 Desenvolvimento profissional concebido por meio de cursos. 20 Desenvolvimento profissional associado s relaes do homem e seu ambiente. 21 Por ora me refiro por aprendizagem significativa apreenso advinda de sentidos atribudos pelos sujeitos a

    uma dada experincia, que so potencialmente mobilizadores de novas prticas e de identificao com o grupo de

    referncia.

    .

  • ~ 38 ~

    ordem (meta-anlise) auxiliando-me na evidenciao dos tipos de aprendizagem, na

    identificao dos processos de aprendizagem e, ainda, no delineamento dos processos de

    desenvolvimento profissional dos sujeitos tomados para observao e anlise. Lamentvel,

    porm, foi constatar em minhas apreciaes sobre a formao docente os distanciamentos, em

    termos semnticos, promovidos por publicaes22 pouco comprometidas com a construo

    epistemolgica do conceito de experincia.

    O termo experincia quando caracterizado somente por seu contedo emocional, o

    reduz a um nvel naturalista e imediatista, eliminando o sujeito ativo do processo. De outro

    modo, abordagens baseadas em pressupostos positivistas empregam uma conceituao que se

    limita ao experimentalismo, considerando por experincia apenas o que passvel de

    comprovao emprica, eliminando valores ou relacionamentos pessoais, considerando-a

    apenas enquanto representao ou reao. Considero que essas redues trazem srias

    consequncias Educao, visto que o distanciamento da inteligibilidade da complexidade

    desse termo impossibilita compreender o fenmeno humano em sua unidade e totalidade,

    fragmentando o real e impondo um mtodo inadequado ao objeto em questo.

    De modo a reconduzir a categoria experincia sua epistemologia da prxis23, inicio

    minhas arguies por uma das primeiras e mais notrias discusses sobre a questo da

    experincia com repercusso na Educao e Formao de Professores, realizada pelo filsofo,

    educador e psiclogo John Dewey (1859-1952). Este importante pesquisador nasceu em

    Brurlington, Vermont nos Estados Unidos, e sua vivncia em uma comunidade formada por

    pequenas propriedades rurais protestantes em que prevalecia o esprito de igualdade e autntica

    democracia religiosa foi, certamente, uma das grandes influncias de sua constituio

    identitria e produo com perfil pragmtico de preocupaes democrticas sobre a educao.

    Em Dewey temos que o educador o responsvel por desenvolver, mediante o ato

    pedaggico24, a capacidade de reflexo. Entendendo por reflexo a melhor maneira de se

    22 Refiro-me ao contingente de publicaes comumente encontradas na rede mundial de comunicao e informao

    que se valem da experincia em seu sentido de senso comum. 23 A epistemologia da prxis surge em contraposio a uma epistemologia da prtica profissional, segundo a qual

    o universo da prtica social se restringe prtica profissional em seus aspectos puramente empricos, tcnicos e

    utilitrios, merc das demandas do mercado e em detrimento das ilimitadas possibilidades de desenvolvimento

    que o existir humano potencialmente provoca (SCALCON, 2007). Busca-se na epistemologia da prxis uma

    unidade terico-prtica para os processos de produo e reproduo do conhecimento e uma consequente

    compreenso da estrutura objetiva da realidade que reconhea o significado do valor terico da prtica alianado

    ao valor prtico da teoria (SCALCON, 2008). Deste modo, neste trabalho, o termo prtica ser usado

    perspectivando o sentido de prxis. 24 A prtica docente relacionada ao ensino e afazeres do professor.

  • ~ 39 ~

    pensar, ou seja, a espcie de pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e

    dar-lhe considerao sria e consecutiva (DEWEY, 1979, p.13). Dewey asseverava que o

    pensamento reflexivo visa uma concluso, orienta-se a algum lugar e nos impele indagao.

    O ato de pensar reflexivo seria intelectual, pois se diferencia da forma de pensar rotineira por

    abranger um estado de dvida e um estado de pesquisa, uma vez que envolve a necessidade de

    encontrar uma forma de resolver a dvida.

    A noo de ato reflexivo de Dewey sofreu sria influncia da concepo de crena de

    Charles Pierce que atribua o significado de crena para a ao de pensar, incitada por uma

    dvida que nos lana busca de sua cessao. A esse processo transcorrido na relao entre a

    dvida e a crena chamou de inqurito ou investigao (WESTBOOK & TEIXEIRA, 2010).

    Dewey (1979, p. 16) explica que,

    Uma crena refere-se a algo alm de si prpria, por onde se aquilata o seu valor: faz

    uma afirmao sobre algum fato, algum princpio ou lei. Significa que determinado

    fato ou lei aceito ou rejeitado, que algo que prprio a se afirmar ou, pelo menos,

    aquiescer.

    Essas conceituaes de Dewey e Pierce sobre a crena foram revolucionrias em seu

    tempo, pois colocavam como hiptese e passvel de alterao conceitos antes tidos como coisas

    bem definidas, estveis, imutveis e tradicionalmente assumidas como pertencente a uma

    instncia situada acima da ao humana, resultante de processos de ao prprios da vida que

    vivemos neste mundo, um mundo de transitoriedade.

    Dewey, utilizando-se da noo de crena e de transitoriedade, interpretou a experincia

    como atitude emprica ou atitude experimental da mente e, como tal, no poderia ser algo rgido

    e acabado, mas algo vital e, por isso, em permanente desenvolvimento (DEWEY, 1979).

    Expressou que a experincia, quando dominada pelo passado, pelo costume ou pela rotina,

    muitas vezes se ope ao racional, ao reflexivo. Contudo, asseverou que a experincia tambm

    inclui a reflexo que nos libera da influencia limitadora dos sentidos, do desejo e da tradio.

    Essa interpretao assegura que a mente humana, pela experincia, pode acomodar e assimilar

    tudo o que descobre o pensamento preciso e penetrante. Na realidade, segundo Dewey, poder-

    se-ia definir a tarefa da educao como emancipao e ampliao da experincia.

    Dewey ocupou boa parte de seu tempo em trabalhos sobre educao que tinham por

    finalidade estudar as consequncias de seu instrumentalismo para a Pedagogia e comprovar sua

    validade mediante a experincia.

  • ~ 40 ~

    Dewey estava convencido de que [somos] seres ativos que aprendem mediante o

    enfrentamento de situaes problemticas que surgem no curso das atividades que

    merecem seu interesse. O pensamento constitui, para todos, instrumento destinado a

    resolver os problemas da experincia e o conhecimento a acumulao de sabedoria

    que gera a resoluo desses problemas. (WESTBOOK & TEIXEIRA, 2010, p.15,

    adequao minha)

    H de se compreender, porm, que nem todas as experincias so verdadeiramente ou

    igualmente educativas. Algumas experincias so deseducativas, isto , qualquer experincia

    que tenha o efeito de impedir ou distorcer o amadurecimento do sujeito para futuras

    experincias deseducativa.

    Uma experincia pode ser de tal natureza que produza indiferena, insensibilidade e

    incapacidade de reao, limitando, assim, as possibilidades de experincias mais ricas

    no futuro. Uma outra experincia pode aumentar a destreza de uma habilidade

    automtica, de forma que a pessoa se habitue a certos tipos de rotina, limitando-lhe,

    igualmente, as possibilidades de novas experincias. Uma experincia pode ser

    imediatamente prazerosa e, mesmo assim, contribuir para a formao de uma atitude

    negligente e preguiosa que, desse modo, atua modificando a qualidade das

    experincias subsequentes, impedindo a pessoa de extrair dessas experincias tudo o

    que elas podem proporcionar. (DEWEY, 2011, p. 27)

    Podem ocorrer ainda experincias desconectadas umas das outras, que, apesar de

    agradveis e at excitantes, no se articulam cumulativamente. Dewey dizia que neste caso a

    energia se dissiparia e a pessoa se tornaria dispersa. Considero importante esse aspecto, pois a

    falta de conexo entre as experincias pode gerar hbitos dispersivos, desintegrados.

    Experincias de gnero dispersivo so a tnica da educao tradicional, que privilegia o ensino

    pontual25. Por isso pertinente aprofundar a questo da necessidade de continuidade das

    experincias.

    Para Dewey a educao depende da qualidade das experincias, para as quais atribuiu

    dois aspectos: o aspecto imediato de ser agradvel ou desagradvel e o segundo aspecto que diz

    respeito a sua influncia sobre experincias posteriores. O primeiro aspecto me parece bvio

    julgar, por estar intimamente associado ao carter motivador26 da experincia, enquanto o

    25 O ensino pontual, segundo minha acepo, aquele cujos procedimentos de ensino esto centrados na

    metodologia e negligenciam a construo histrica e epistemolgica do objeto de ensino, bem como suas

    manifestaes passadas e futuras no horizonte curricular. 26 Reporto-me motivao em seu sentido etimolgico que vem do verbo latino movere e que se relaciona ao

    substantivo motivum, logo motivao aquilo que move uma pessoa ou que a pe em ao ou a faz mudar de curso (BZUNECK, 2004, p. 9).

  • ~ 41 ~

    segundo associa-se a tarefa de proporcionar situaes e atividades mais do que imediatamente

    agradveis, mas que estimulem e preparem os sujeitos para experincias futuras27.

    Assim como nenhum homem vive e morre para si mesmo, nenhuma experincia vive

    e morre para si mesma. Totalmente independente do desejo ou da inteno, toda

    experincia vive e se perpetua nas experincias que a sucedem. Portanto, o problema

    central de uma educao baseada na experincia selecionar o tipo de experincias

    presentes que continuem a viver frutfera e criativamente nas experincias

    subsequentes. (DEWEY, 2011, p. 29)

    Dewey define assim um princpio da continuidade da experincia ou o que podemos

    chamar de contnuo experiencial. Com esta proposio atribui a suas ideias o status de uma

    teoria da experincia, para a qual estabelece critrios que auxiliam em seu direcionamento e

    aplicao, os quais elenco na seguinte ordem:

    Categoria da continuidade - esse princpio atua como um critrio de discriminao na

    seleo de experincias com perspectivas humansticas e democrticas, isto , est envolvido

    em toda tentativa de discriminar as experincias de valor educativo das que no possuem tal

    valor;

    Hbito28 - sua caracterstica bsica a de que toda ao praticada ou sofrida em uma

    experincia modifica quem a pratica e quem a sofre. Significa tambm que toda experincia

    tanto toma algo das experincias passadas quanto modifica de algum modo a qualidade das

    experincias que viro;

    Crescimento como educao e educao como crescimento o crescimento no apenas

    fsico, mas de desenvolvimento intelectual e moral dos sujeitos. Por esse ponto de vista se

    avalia se o crescimento em determinada direo promove ou atrasa o crescimento geral, se

    cria condies para crescimentos subsequentes ou estabelece condies que impedem a

    pessoa que cresceu nessa direo especfica de ter acesso a situaes, estmulos e

    oportunidades para continuar crescendo em outras direes.

    Os princpios tericos do contnuo experiencial explicitados por Dewey demandam

    algumas consideraes complementares e nos alertam sobre certas consequncias. Por

    exemplo, quando avalio que toda experincia exerce, em algum grau, influncia sobre as

    condies objetivas sob as quais novas experincias ocorrem, devo ter conscincia das

    27 Esse princpio remonta s discusses sobre a crtica ao ensino pontual pelos investigadores da didtica francesa. 28 A concepo ampla de hbito envolve a formao de atitudes emocionais e intelectuais; envolve nossas

    sensibilidades bsicas e nossos modos de receber e responder a todas as condies com as quais nos deparamos na

    vida (DEWEY, 2011, p. 36).

  • ~ 42 ~

    consequncias de certas escolhas que realizo, a saber, se decido ser professor de matemtica,

    ao pr em prtica essa inteno, essa escolha, de certa forma, necessariamente limita o ambiente

    em que irei atuar no futuro. Isto , a pessoa se torna mais sensvel e responsiva a certas

    condies, e relativamente imune a coisas que lhe poderiam ser estimulantes se ela tivesse

    feito outra escolha (DEWEY, 2011, p. 38).

    Outra advertncia de Dewey diz respeito ao que chamou de excesso de indulgncia.

    Neste caso o processo contnuo decorrente de excesso de indulgncia cria no sujeito uma atitude

    que opera como um mecanismo automtico que exige que as pessoas e objetos atendam a seus

    desejos e caprichos no futuro. Caso no tenha limites, o sujeito buscar por tipos de situao

    que lhe possibilitem fazer o que gostaria e no o que deve fazer no momento, mostrando-se

    adversa a situaes que requeiram esforo e perseverana para superar obstculos, tornando-a,

    assim, incapaz de enfrentar tais situaes. Nestes termos, o princpio da continuidade da

    experincia opera isolando a pessoa em um baixo nvel de desenvolvimento, de forma a limitar

    posteriormente sua capacidade de crescimento.

    Ao evocar o princpio do continuo experiencial e associ-lo ao campo da Educao,

    percebi que o professor tem a grande responsabilidade em acompanhar a direo do crescimento

    dos sujeitos com os quais se dispe trabalhar. Isto se d pela proposio de situaes e

    atividades que lhes proporcionem o despertar da curiosidade e o fortalecimento de iniciativas

    que deem origem a desejos suficientemente intensos que levem as pessoas, no futuro, a lugares

    alm de seus limites. Concordo, nestes termos, com Dewey (2011, p. 38) quando afirma que

    toda experincia uma fora em movimento, competindo a ns, professores, acompanhar

    responsavelmente as direes para as quais caminham as experincias de nossos estudantes.

    Outro aspecto sobre a experincia, relevante segundo Dewey, o das condies

    objetivas29 em que essa experincia se processa. Tais condies implicam a compreenso de

    que a experincia no ocorre apenas no interior da pessoa, onde se processam os desejos,

    atitudes e propsitos, mas fortemente influenciada pelas condies externas, ambientais que

    lhe conferem condies de desenvolvimento.

    29 Considero oportuno situar que repercusses de tais consideraes em minha atuao como educador implicaram

    tanto em estar atento ao princpio geral de que as condies ambientais modelavam minhas experincias presentes,

    quanto exigiam que eu reconhecesse, concretamente, que as circunstncias ambientais conduziam as experincias

    que levavam meus interlocutores e a mim ao crescimento. Essa compreenso me responsabilizava como formador,

    saber como utilizar as circunstncias fsicas e sociais existentes, delas extraindo tudo o que pudesse contribuir para

    a construo de experincias vlidas pelo grupo de professores com o qual trabalhava.

  • ~ 43 ~

    Vivemos do nascimento morte em um mundo de pessoas e coisas, em grande

    medida, o que por causa do que vem sendo feito e transferido a partir de atividades

    humanas anteriores. Quando esse fato ignorado, a experincia tratada como algo

    que passa exclusivamente dentro do corpo e da mente de um indivduo. No deveria

    ser necessrio dizer que a experincia no ocorre no vcuo. H elementos fora do

    indivduo que do origem s experincias que so constantemente alimentadas por

    esses elementos. (DEWEY, 2011, 40)

    A este princpio que atribui direitos iguais a ambos os fatores da experincia condies

    objetivas e condies internas chama-se interao (DEWEY, 2011, p. 43). Qualquer

    experincia se d por intercmbio entre esses dois grupos de condies. Quando consideradas

    em conjunto, isto , em interao, as condies objetivas e internas formam o que chamamos

    situao30.

    A afirmao de que os indivduos vivem em um mundo significa, concretamente, que

    eles vivem em uma srie de situaes. E quando dizemos que eles vivem em uma srie

    de situaes, o significado da palavra em diferente do seu significado quando

    dizemos que as moedas esto em um bolso ou que a tinta est em uma lata. Isso significa, mais uma vez, que est ocorrendo interao entre um indivduo, objetos e

    outras pessoas. (DEWEY, 2011, p.44)

    Neste sentido, interao e situao so inseparveis, isto , minha experincia sempre

    o que por conta de uma ntima relao entre o que acontece interiormente comigo e o que,

    no momento, constitui o ambiente em que estou. Integram este ambiente, portanto, as pessoas

    com quem estou conversando, o assunto da conversa, o livro que estou lendo, o material com o

    qual realizo um experimento, ou seja, o ambiente quaisquer condies em interao com

    minhas necessidades pessoais, desejos, propsitos e capacidades de criar a experincia pela qual

    estou passando.

    Os princpios de continuidade e interao tambm so indissociveis. Constituem, pois,

    os aspectos longitudinal e lateral da experincia. Estes aspectos conferem dinmica a sucesso

    das situaes, sendo que por conta da continuidade, algo levado de uma situao anterior para

    outra posterior. Assim, o que aprendo no processo de aquisio de um conhecimento ou

    habilidade em uma determinada situao, torna-se instrumento para que eu possa lidar com uma

    situao posterior.

    Para Dewey a unio ativa entre continuidade e interao o que d a medida do valor

    da experincia e cabe ao educador regular, ao nvel de suas possibilidades, as condies

    objetivas da experincia. Dentre estas se inclui o que feito e como feito pelo educador, como:

    30 Apresento um breve estudo sobre as situaes de ordem didtica na Composio III deste trabalho.

  • ~ 44 ~

    as palavras faladas e o tom de voz em que so faladas; os equipamentos, livros, aparelhos,

    brinquedos e jogos; materiais com os quais os sujeitos interagem e, acima de tudo, a ampla

    organizao social e cultural na qual uma pessoa est envolvida.

    Em relao teoria do contnuo experiencial de Dewey h muito que explorar.

    Entretanto, reservo-me, por ora, a tratar de concluses decorrentes dos princpios da

    continuidade e interao, para assentar que toda experincia presente deve preparar o aprendiz

    para uma experincia futura, isto quer dizer que o futuro deve ser considerado em cada estgio

    do processo educativo, tomando-se cuidado, porm, com certos aspectos traioeiros desta

    preparao. Por exemplo, um equvoco supor que a simples aquisio de certa quantidade de

    conhecimento, deva ser ensinada e estudada porque pode ser til em algum momento no futuro,

    assim como tambm um equvoco supor que a aquisio de certas habilidades constituir

    automaticamente a preparao para seu uso futuro. Isto porque as condies futuras podem ser

    bem diferentes daquelas em que os conhecimentos ou habilidades foram adquiridos.

    A questo da preparao dos sujeitos para as condies futuras merece sria ateno,

    importante termos em mente que sempre vivemos o tempo em que estamos e no outro tempo,

    e s extraindo de cada tempo presente o sentido completo de cada experincia presente que

    estaremos preparados para fazer o mesmo no futuro (DEWEY, 2011, p. 50-51). Carecemos,

    portanto, de parmetros a nossa ao educativa, ao que Dewey estabelece como os elementos

    que nos auxiliam na conduo das experincias e atribuio de significados a aprendizagem,

    mantendo sob superviso os impulsos e desejos dos sujeitos at que possam sobre eles operar a

    observao e o julgamento, a esta operao chamou de atividade inteligente.

    Os procedimentos de uma atividade inteligente envolvem, segundo Dewey (2011, p.

    70), o seguinte:

    1) Observao das condies que a cercam31;

    2) O conhecimento do que aconteceu em situaes similares no passado, um conhecimento

    obtido parcialmente pela recordao, como tambm pelas informaes, conselhos e

    advertncia por parte daqueles que j possuam uma maior experincia e;

    3) Pelo julgamento que nos permite juntar o que observamos com o que recordamos para

    compreender o que significa toda a situao.

    31 Convm salientar que nem sempre tais condies so perceptveis ou esto claras.

  • ~ 45 ~

    Uma preocupao que considero pertinente sobre esta conduo das experincias, se

    relaciona com o fato de, apesar de sempre planejar as atividades julgando-as inteligentes e, por

    isso, pensava atender s expectativas da maioria dos os integrantes do grupo, percebi, porm,

    que nem sempre obtinha o retorno esperado, em termos de aprendizagem, de boa parte dos

    envolvidos. Questionava-me sobre o que faz com que os professores atribuam significado a

    certas situaes e outras no?

    Parece-me adequado concluir, com base no contnuo experiencial, que cada um dos

    sujeitos passa por um processo distinto, atribuindo significados diferentes ao contexto

    experienciado por compreend-lo como uma situao diferente, sob condies diferentes,

    mesmo que compartilhem um mesmo ambiente. Torna-se de fundamental importncia que os

    professores em formao tenham disposio uma preparao a mais rica possvel de situaes

    que suscitem a integrao entre a dimenso objetiva e subjetiva de cada sujeito em prol de

    significaes propcias ao desenvolvimento da aprendizagem da docncia.

    Tecendo relaes entre Experincia e Aprendizagem Profissional Situada em

    Comunidades de Prtica (CoP)

    Em sua obra - Como Pensamos Dewey (1979) nos possibilita compreender com mais

    propriedade o significado que ele atribua experincia. O termo experincia, segundo o autor,

    pode ser interpretado como a atitude emprica ou experimental da mente. A experincia no

    seria algo rgido e fechado, mas sim algo vital e, portanto, em movimento e em

    desenvolvimento. Quando esta experincia est dominada por um passado, pelo costume e pela

    rotina, invariavelmente se ope ao racional e reflexo. Contudo, a experincia tambm pode

    incluir a reflexo que nos libera da influncia limitadora do sentido, do desejo e da tradio.

    Neste sentido, poder-se-ia definir a tarefa da educao como emancipao e ampliao da

    experincia e o seu trabalho exerceria a funo social de proporcionar ao jovem a oportunidade

    de julgar a partir de seu ponto de vista o planejamento e construo de sua realidade, de forma

    criativa e reflexiva, sem por isso cortar as relaes emocionais com sua histria.

    Mais uma vez evidenciamos a funo reflexiva como relao entre condies internas

    (subjetividade do sujeito) e condies objetivas (ambiente) da experincia, formando uma

    situao ou srie de situaes. A experincia de um sujeito o que por causa de uma transao

    que acontece entre este sujeito e o que, no momento, constitui seu ambiente. Vivemos, portanto,

  • ~ 46 ~

    em uma srie de situaes e em contnua interao com o meio (DEWEY, 2011). Condies

    internas e objetivas constituem, pois, princpios inseparveis na noo de experincia que

    resgato para fundamentar alguns pressupostos sobre a aprendizagem neste trabalho,

    estabelecendo interlocuo com as quatro premissas32 de Jean Lave (2001) sobre o

    conhecimento e a aprendizagem situados em uma comunidade de prticas (CoP) (WENGER,

    2001).

    Neste sentido, uma vez que a experincia constituda de condies internas (1) A

    aquisio de conhecimento no uma simples questo de absorver conhecimento. Contudo, a

    experincia no se processa simplesmente no interior da pessoa. Embora seja certo que l se

    processa, pois influencia a formao de valores, de atitudes e desejos, alm de que toda

    experincia genuna muda as condies objetivas em que se passam as experincias, isto ,

    experincias prvias mudam as condies objetivas em que se passam as experincias

    subsequentes (DEWEY, 2011, p. 40), ou seja, (2) o c