aprender a aprender: um percurso de construção dos saberes...

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41 ESCOLA MODERNA Nº 33•5ª série•2009 Introdução P rocurar-se-á, no decorrer deste artigo, re- flectir sobre o conceito de aprendizagem, segundo uma concepção socioconstrutivista do conhecimento, para nele se situar a descri- ção de um percurso de trabalho com uma turma de 6.º ano de escolaridade, na disciplina de História e Geografia de Portugal, percurso este que teve como referência o modelo peda- gógico do Movimento da Escola Moderna. De seguida, reflectir-se-á brevemente sobre as prá- ticas descritas e apresentar-se-ão os principais avanços na reflexão pedagógica por elas pro- porcionadas. Por último, concluir-se-á com o sentido encontrado e a relevância da reflexão desenvolvida na formação de professores. Sendo este o primeiro ano em que me en- contro a leccionar a disciplina de História e Geografia de Portugal, inevitavelmente ques- tionei-me acerca do que consiste o currículo desta disciplina e de como levar os alunos a apropriarem-se dos saberes e das competên- cias nele enunciados. Enquanto professora de língua materna e de língua estrangeira, habituei-me a reflectir sobre o currículo das disciplinas a meu cargo com particular atenção no trabalho do desenvolvi- mento das competências linguísticas. Ao tra- balhar pela primeira vez com um programa que assenta na enunciação de conteúdos e sa- beres que os alunos deverão demonstrar e mo- bilizar, percebi que precisava de reflectir sobre a forma como os alunos aprendem e o que sig- nifica realmente aprender. Por outro lado, ao ter sido convocada este ano para a realização da profissionalização em serviço numa Escola Superior de Educação, tive a oportunidade de frequentar cadeiras de formação pedagógica inicial, nomeadamente Didáctica Específica da História e Geografia de Portugal. Contudo, as reflexões aí levadas a cabo estão muito longe dos princípios que pro- curo aprofundar no Movimento da Escola Mo- derna e do conhecimento que, com outros pro- fessores, vou construindo em auto-formação cooperada. Deparei-me com uma grande superficiali- dade no tratamento das questões pedagógicas e verifiquei a necessidade, por parte dos for- madores e de alguns dos professores forman- dos, de se fixarem em procedimentos execu- tados pelos professores, entendidos como es- tratégias para ensinar. Continua ainda, nas universidades e escolas superiores de educa- ção, a entender-se o processo de ensino-apren- dizagem como um conjunto de acções planifi- cadas pelo professor, que detém o papel cen- tral desse processo, defendendo-se, deste modo, um modelo magistercêntrico, repleto de contradições e alheio aos avanços que as teorias sócio-construtivistas têm vindo a per- mitir no âmbito da Educação e do desenvolvi- mento humano. Aprender a Aprender: Um percurso de construção dos saberes nas aulas de História e Geografia de Portugal Elsa Marques* * 2.º Ciclo do Ensino Básico. REVISTA N.º 33 09/07/09 19:12 Page 41

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Introdução

Procurar-se-á, no decorrer deste artigo, re-flectir sobre o conceito de aprendizagem,

segundo uma concepção socioconstrutivistado conhecimento, para nele se situar a descri-ção de um percurso de trabalho com umaturma de 6.º ano de escolaridade, na disciplinade História e Geografia de Portugal, percursoeste que teve como referência o modelo peda-gógico do Movimento da Escola Moderna. Deseguida, reflectir-se-á brevemente sobre as prá-ticas descritas e apresentar-se-ão os principaisavanços na reflexão pedagógica por elas pro-porcionadas. Por último, concluir-se-á com osentido encontrado e a relevância da reflexãodesenvolvida na formação de professores.

Sendo este o primeiro ano em que me en-contro a leccionar a disciplina de História eGeografia de Portugal, inevitavelmente ques-tionei-me acerca do que consiste o currículodesta disciplina e de como levar os alunos aapropriarem-se dos saberes e das competên-cias nele enunciados.

Enquanto professora de língua materna e delíngua estrangeira, habituei-me a reflectir sobreo currículo das disciplinas a meu cargo comparticular atenção no trabalho do desenvolvi-mento das competências linguísticas. Ao tra-balhar pela primeira vez com um programa

que assenta na enunciação de conteúdos e sa-beres que os alunos deverão demonstrar e mo-bilizar, percebi que precisava de reflectir sobrea forma como os alunos aprendem e o que sig-nifica realmente aprender.

Por outro lado, ao ter sido convocada esteano para a realização da profissionalização emserviço numa Escola Superior de Educação,tive a oportunidade de frequentar cadeiras deformação pedagógica inicial, nomeadamenteDidáctica Específica da História e Geografia dePortugal. Contudo, as reflexões aí levadas acabo estão muito longe dos princípios que pro-curo aprofundar no Movimento da Escola Mo-derna e do conhecimento que, com outros pro-fessores, vou construindo em auto-formaçãocooperada.

Deparei-me com uma grande superficiali-dade no tratamento das questões pedagógicase verifiquei a necessidade, por parte dos for-madores e de alguns dos professores forman-dos, de se fixarem em procedimentos execu-tados pelos professores, entendidos como es-tratégias para ensinar. Continua ainda, nasuniversidades e escolas superiores de educa-ção, a entender-se o processo de ensino-apren-dizagem como um conjunto de acções planifi-cadas pelo professor, que detém o papel cen-tral desse processo, defendendo-se, destemodo, um modelo magistercêntrico, repletode contradições e alheio aos avanços que asteorias sócio-construtivistas têm vindo a per-mitir no âmbito da Educação e do desenvolvi-mento humano.

Aprender a Aprender: Um percurso de construção dos saberes nas aulas de História e Geografia de Portugal

Elsa Marques*

* 2.º Ciclo do Ensino Básico.

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O conhecimento enquanto construção

No meu percurso enquanto aluna, recordo--me das aulas de História e de Geografia. O ma-nual detinha um papel central ao longo dasmesmas: seguíamos os textos e os documen-tos que nele constavam e as leituras eraminterrompidas por algumas explicações ouquestões colocadas pelos professores. Não merecordo de nenhuma aula diferente desta fór-mula. Não me recordo de ver filmes ou docu-mentários nas aulas, nem de ler outros livrospara além do manual. Recordo-me, sim, queestudava para os testes, muitas vezes de vés-pera, e que até tinha notas razoáveis. Porém,o que sabia na altura dos testes rapidamenteesquecia e não posso, por isso, dizer que tenharealmente aprendido os conteúdos ou de teralargado os meus conhecimentos.

Ouvimos dizer frequentemente que os alu-nos saem da escola sem saber nada, que nãodetêm conhecimentos e que as poucas coisasque aprenderam a fazer na escola são questio-náveis quanto à sua real utilidade fora dela.Desta forma, os saberes encontram-se escolari-zados e fora do espaço escolar não têm qual-quer sentido, tratando-se apenas de «coisas daescola». A ruptura entre a vida social e culturalfora da escola com as actividades que decor-rem dentro dela tornou-se, há muito, evidente.

Porém, os indivíduos só são capazes de sedesenvolver em sociedade, se conseguiremapropriar-se dos códigos e dos conhecimentosculturais que nela são importantes, sendo en-tão este o verdadeiro papel da escola. Assim,

Os conteúdos escolares são seleccionados aten-dendo não apenas ao seu carácter científico (pró-prio das diferentes disciplinas), mas também à suadimensão sociocultural, de produtos representati-vos da cultura numa sociedade concreta (apren-dem-se os considerados relevantes para conseguirque o aluno se integre no grupo social). (Mauri,2007, p. 88)

Segundo o Currículo Nacional do Ensino Bá-

sico (CNEB), «[a] presença da História no currí-

culo do ensino básico encontra a sua justifica-ção maior e no sentido de que é através delaque o aluno constrói uma visão global e orga-nizada de uma sociedade complexa, plural eem permanente mudança» (p. 82).

Contudo, colocar no centro da aprendiza-gem desta disciplina apenas os conteúdos es-pecíficos, que o programa descreve em grelhase tabelas ao longo de mais de trinta páginas,seria reduzir o papel de formação socioculturalda escola e o desenvolvimento integral dos in-divíduos à exclusiva transmissão e reproduçãodos saberes escolares.

O que têm então os alunos de aprenderrealmente nas várias disciplinas que compõemo currículo? E em que consiste esse processode aprendizagem? Segundo Mauri (2007), asrespostas que os professores têm para estasperguntas são determinantes na acção educa-tiva, porque as concepções que cada professortem acerca da aprendizagem e do ensino esco-lar estão profundamente implicadas nas suaspráticas pedagógicas. Significa que a maneiracomo cada professor encara o modo como osseus alunos aprendem é determinante para opróprio processo educativo.

Segundo a concepção sócioconstrutivistado conhecimento e da aprendizagem, «apren-der algo equivale a elaborar uma representação

pessoal do conteúdo objecto de aprendizagem»(Mauri, 2007, p. 82). Esta noção de representa-

ção pessoal está muito longe de ser um acto dememorização de conteúdos, pois ela implica aexistência de sujeitos activos e vinculados nes-sas mesmas representações. Deste modo, aconstrução de representações pessoais, omesmo é dizer a aprendizagem, surge indisso-ciada de uma «sequência de actividades doprocesso de trabalho e de conhecimento hu-mano» (Niza, 2005, p. 3).

Assim, os nossos alunos são «construtoresactivos» do seu próprio conhecimento e cabe--nos a nós, professores, preocupar-nos «real-mente, em ensinar-lhes a construir conhecimen-tos» (Mauri, 2007, p. 82).

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Segundo o CNEB (2001), no que concerne adisciplina de História,

[o] saber constrói-se a partir das vivências den-tro e fora da escola: o meio familiar e os media for-necem aos alunos ideias mais ou menos adequadas,mais ou menos fragmentadas, sobre a História.Compete à escola explorar estas ideias tácitas e aju-dar o aluno a desenvolvê-las numa perspectiva deconhecimento histórico (p. 87).

Está implícita a ideia de que os alunos nãosão páginas em branco onde os professoresinscrevem os saberes. Cada um deles traz con-sigo as suas perspectivas, experiências, repre-sentações pessoais, ou seja, saberes anterior-mente construídos.

Parte-se, então, da activação de conheci-mentos anteriores para o alargamento e apro-fundamento dos mesmos. Contudo, segundoMauri (2007), este processo de activação e alar-gamento dos conhecimentos «não é automá-tico, mas o resultado de um processo activo doaluno […] que tornará possível, se surgir aoportunidade, reorganizar o próprio conheci-mento e enriquecê-lo.» Ainda segundo esta au-tora, o professor é um agente, um participanteactivo no processo de construção do conheci-mento «que tem como centro já não a matéria,mas o aluno e a aluna que actuam sobre o con-teúdo a aprender» (p. 82).

Insiste-se, assim, que no centro da aprendi-zagem deverão estar, inevitavelmente, os mo-dos de aprender, ou seja, os modos de como osalunos, os indivíduos, os seres humanos cons-troem o conhecimento.

Podemos, portanto, falar de duas dimen-sões do conhecimento. A primeira é de queeste é um produto e, como tal, cumpre umafunção sociocultural na sociedade onde se ins-creve. A segunda é que o conhecimento é, deigual modo, um processo de construção. Nestaúltima dimensão, inscreve-se a noção de que oconhecimento, enquanto processo, implica umpercurso que os indivíduos elaboram pessoal eactivamente e no qual constroem os seus co-nhecimentos. Assim, é fundamental para os in-

divíduos apropriarem o modo como vão cons-truindo os saberes, pois isso não só constituium produto de aprendizagem por si, como irápermitir uma mais eficiente progressão nos di-ferentes percursos do desenvolvimento socio-cultural de cada indivíduo ao longo da suavida.

Na sala de aula, cada aluno é o centro desseprocesso. Contudo, não está sozinho. Toda acomunidade de aprendizes partilha, entre todosos seus elementos este percurso de construçãodos saberes. Os nossos alunos, enquanto ele-mentos de uma comunidade de aprendizagem– a turma, no sentido mais restrito, e a socie-dade onde estão inseridos, num sentido maisalargado – partilham este mesmo processopessoal e activo e, em conjunto, cooperando,alargam os seus saberes e dão conta de como ovão fazendo.

Deste modo, para além dos conteúdos es-colares, reforça-se a ideia de que o que está nocentro da acção educativa são as oportunida-des de aprendizagem real suscitadas pelos pro-cessos do trabalho de aprendizagem dos con-teúdos.

Se, por um lado, aprender significa que osnossos alunos alargam a quantidade de infor-mação acerca de um determinado assunto, poroutro lado, aprender provoca simultanea-mente mudanças ao nível das competências.Assim, os alunos conseguem progressiva-mente pensar sobre o que realizam e o que sãocapazes de compreender.

Segundo Mauri (2007), «[n]esta perspectiva,torna-se clara a importância de ensinar o aluno aaprender a aprender, e de o ajudar a compreenderque, ao aprender, deve ter em conta não apenas oconteúdo objecto de aprendizagem mas tambéma forma como se organiza e actua para aprender»(pp. 83-84).

No trabalho de aprendizagem, o professorprecisa de reflectir com os alunos os modos deorganização desse mesmo trabalho e a formade actuação de cada um. Este é um processo deintervenção democrática de todos os que nele

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participam. A aprendizagem é, deste modo,um processo socialmente mediado, uma vezque é partilhada por todos os aprendizes e oconhecimento vai sendo construído com aparticipação de todos. Trata-se também, poroutro lado, de uma «construção mediada dacultura» (Niza, 2005, p. 3), porque os sentidosdesse trabalho são os produtos culturais queem cooperação se vão construindo para aapropriação do saber e desenvolvimento decompetências.

Não faz então sentido continuar a concebero ensino-aprendizagem como um elenco de es-tratégias à disposição do professor, cuja princi-pal tarefa é planificar as várias actividades deaprendizagem que os alunos deverão cumprir,uma vez que estes não constroem os saberesatravés de exercícios desenraizados da culturae do conhecimento, já que estes são, destemodo, da exclusividade da escola.

Um percurso de construção de saberes nas aulas de História e Geografia de Portugal

O relato que se segue procura descrever otrabalho com uma turma do 6.º ano de escola-ridade, na disciplina de História e Geografia dePortugal, iniciado a partir do segundo períododo presente ano lectivo.

No início do período, começámos por verquais os conteúdos curriculares que todos te-riam de aprender. No total eram 10 temas dife-rentes que deveriam ser trabalhados por gruposconstituídos por 2 ou 3 alunos, no máximo. Deseguida, formámos os grupos de trabalho ecada um deles inscreveu-se num dos temas. Foinecessária alguma negociação nesta distribui-ção, uma vez que havia grupos que queriamtrabalhar os mesmos conteúdos. (Fig. 1)

Os objectivos de cada elemento do grupoeram, numa primeira fase, investigar o temaescolhido para apropriação desses conheci-mentos, para, numa segunda fase, os gruposprepararem-se para ensinar os restantes cole-gas da turma e levá-los a aprender.

Deste modo, cada aluno assume um papelde responsabilidade pessoal na sua aprendiza-gem e é co-responsável pela aprendizagem doscolegas. A interiorização desta noção de co--responsabilização varia de aluno para aluno edemora algum tempo para se desenvolver econstruir dentro deles.

Nesta turma de 6.º ano, esta consciencializa-ção foi visível logo neste primeiro momento,especialmente em dois alunos, o Carlos e o Joa-quim. Após a formação dos grupos de trabalhoe a inscrição nos temas, alguns alunos questio-naram até que ponto os colegas iriam ser bemsucedidos neste desafio e receavam que certostemas não ficassem «bem aprendidos». Esta-vam a referir-se ao facto do Carlos e do Joaquimterem ficado no mesmo grupo. Reflectimos to-dos sobre a ideia de que o sucesso da turma de-pende do sucesso de todos e de cada um dosseus elementos. Deste modo, pela frente teriam

Fig. 1 – Grelha de inscrição nos temas

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um trabalho de cooperação, do qual nenhumaluno poderia ficar de fora, pois todos são im-portantes para que os colegas da turma consi-gam aprender. Após alguns minutos, o Carlospediu a palavra e comprometeu-se perante to-dos que não iria «conversar» com o Joaquim.Ambos se comprometeram em «trabalharmuito» para que a turma soubesse tudo sobre oEstado Novo, o tema por eles escolhido.

Ficou por mim determinado que os produ-tos culturais a criar pelos grupos seria uma co-municação oral apoiada em vários documen-tos de estudo que cada grupo teria de elaborar:um resumo ou guia de estudo do tema, umacronologia e um breve glossário. Para alémdestes recursos, deveriam ainda elaborar umteste para aplicar à turma, para verificarem seos colegas realmente tinham aprendido com assuas comunicações e com os materiais de es-tudo elaborados pelos grupos.

A partir do planeamento inicial, os gruposiniciaram o trabalho de pesquisa. Consultaramo manual e registaram no caderno diário os nú-meros das páginas correspondentes aos temasque iriam estudar. Para o desenvolvimento dotrabalho, cada grupo tinha um guião, com adiscriminação das etapas e das tarefas que to-dos tinham de desenvolver. Fui acompa-nhando os vários grupos ao longo das aulas etambém através de alguns comentários que fuifazendo nos guiões de trabalho. (Fig. 2)

Um aluno tinha como tarefa alertar a turmapara o final da aula 15 minutos antes do toquepara a saída, tempo suficiente para registaremnos guiões de trabalho o que cada aluno fezem cada aula e para, na última aula de cada se-mana, fazerem a auto-avaliação do trabalhodesenvolvido ao longo dela. Estes 15 minutospermitiam ainda a recolha dos guiões, tarefa a

Fig. 2 – Guião de trabalho de grupo

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cargo de outro aluno da turma, permitiam ar-rumar a sala e, por fim, lermos e comentarmosbrevemente as entradas no Diário de Turma.

Para além de um responsável pela distribui-ção e recolha dos guiões de trabalho e do«alerta de tempo» (como decidimos chamar aoaluno que informava o tempo que restava parao final das aulas), dois alunos eram responsá-veis pela verificação dos materiais de trabalhoda biblioteca de turma e outros dois ficaramresponsáveis pela verificação da limpeza e ar-rumação da sala, no final de cada aula. Estas ta-refas de apoio ao funcionamento do trabalho edas aulas tinham uma rotatividade mensal, oque permitia a todos os alunos assumir e parti-lhar estas responsabilidades com a turma aolongo do ano. No início do período, preenche-mos uma grelha de distribuição de tarefas,onde os alunos se inscreveram, que foi depoisafixada na sala.

A pesquisa que os alunos levaram a caboera suportada pelo manual adoptado pela es-cola, mas também pelos materiais da biblio-teca de turma, que, neste caso, consistia numsaco onde os alunos tinham à sua disposiçãooutros manuais de História e Geografia de Por-tugal do 6.º ano e um dicionário para consulta.Houve alunos de vários grupos que trouxeramoutros livros e mais dicionários para as aulas eque os colocaram à disposição da turma.

No final de cada aula, líamos e comentáva-mos algumas entradas no Diário de Turma. Esteconsistia numa folha datada, em formato A4,com 2 colunas: Acho Bem e Acho Mal. Aqui ex-primiam as suas opiniões, preocupações e agra-dos para depois retirarmos algumas conclusõesacerca do funcionamento das aulas ou para,mais tarde, em Conselho de Cooperação Edu-cativa, tratarmos dos problemas persistentescom que nos deparámos no decorrer do traba-lho e tomarmos decisões em conjunto. (Fig. 3)

Após o trabalho de pesquisa, os grupos pas-saram ao planeamento das comunicações e àorganização dos materiais de apoio ao estudodos colegas. No guião do trabalho de grupo

constava uma ficha para preparação da comu-nicação oral. As várias etapas da comunicaçãoforam antecipadas e preparadas: quem falariaprimeiro, o que iria dizer e que recursos preci-sariam para transmitir eficazmente a sua men-sagem e levassem os colegas a aprender. (Fig. 4)

Fig. 3 – Diário de Turma

Fig. 4 – Ficha de preparação

da comunicação à turma

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Em Conselho de Cooperação Educativa,marcámos as datas das primeiras comunica-ções a ser realizadas ainda no segundo pe-ríodo. Decidimos quais as aulas de Estudo Au-tónomo, onde os alunos poderiam trabalhar noPlano Individual de Trabalho, estudando os te-mas apresentados, com a ajuda dos colegas edos produtos culturais por eles elaborados.(Fig. 5)

Após as comunicações à turma, momentosde apresentação das produções de cada grupo,reflectimos sobre os seus efeitos na apropriaçãodos saberes. Assim, logo após a conclusão deuma comunicação, os vários grupos avaliavama apresentação a que assistiram. Para isso, cadagrupo preencheu um questionário de hetero--avaliação com algumas orientações para essareflexão. (Fig. 6)

Fig. 5 – Exemplos de produtos culturais criados pelos

alunos: guia de estudo, cronologia e glossário

Fig. 6 – Fichas de hetero-avaliação

das comunicações à turma

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Este momento de hetero-avaliação foi con-siderado por todos como «muito importante»,pois ajudou-os a «perceber o que é que a turmavai avaliar» e que, para além do objectivo defazer com que os colegas aprendam os seus te-mas, «ajuda os alunos a aprender como se fazuma boa comunicação» e a «ter mais atençãoao falar de forma correcta e que se percebabem». Por outro lado, houve alunos que acha-ram que «é importante ter cuidado com o quese escreve para os colegas lerem e estudarem,pois não conseguem aprender com erros».Desta forma, os alunos têm uma oportunidadede reflectir criticamente sobre o que aprendeme de como aprendem.

Finda a comunicação e respectiva hetero--avaliação, nas aulas de Estudo Autónomo, osalunos estudavam os conteúdos, trabalhando a

partir dos produtos culturais criados, ou seja,os documentos de estudo elaborados pelos co-legas desse grupo. Desta forma, preparavam--se para o teste de avaliação dos conhecimen-tos também por eles elaborado. (Fig. 7)

A elaboração de testes ou instrumentos deaferição das aprendizagens dos conteúdos le-vada a cabo pelos alunos permite-lhes passarpor um processo de desconstrução destes ins-trumentos que, tradicionalmente, são da res-ponsabilidade dos professores. Este percursode desconstrução permite, deste modo, fazercom que os alunos aprendam não só algumasestratégias de resolução dos mesmos, masajuda-os a organizar a informação e a estrutu-rar melhor o pensamento, desenvolvendo,também, uma série de competências funda-

Fig. 7 – Teste elaborado por alunos da turma

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mentais para a vida escolar que, muitas vezes,não são contempladas nas aulas.

Reflexão final e avanços

No decorrer do trabalho com a turma e,principalmente, no decurso deste Programa,fui-me apercebendo de alguns avanços aindapor realizar, principalmente no que diz res-peito ao desenvolvimento do trabalho deaprendizagem por projectos cooperativos, umdos módulos de actividades curriculares de di-ferenciação pedagógica do modelo do MEMonde se procurou enquadrar as práticas peda-gógicas anteriormente descritas.

Segundo Niza (2005), «[o] trabalho hu-mano caracteriza-se pelo facto do trabalhadorprojectar a sua construção no cérebro antes deo ter executado» (p. 3). Os produtos finais ela-borados pelos alunos devem, assim, ser o re-sultado de um processo intelectual que teminício numa concepção mental prévia sobre oque vai ser construído, isto é, que surge a par-tir de «uma existência idealizada» pelo seucriador.

Ao ser o professor a estipular quais os pro-dutos finais esperados que terão como objec-tivo a construção do conhecimento dos alunose ao ser ele a decidir quais as etapas que estesdeverão seguir, através de guiões fechados, ouseja, de roteiros direccionados, em cuja elabo-ração os alunos não participam, estar-se-á aimpedir que eles avancem na reflexão sobre omodo de construção do conhecimento e dacultura. Neste aspecto, o professor tem um pa-pel fundamental de mediação que deverá assu-mir sem a tentação de manipular os produtosfinais esperados do trabalho, nem de esparti-lhar o processo de criação desses produtos, oque lhes desvirtua, em larga escala, do seu sen-tido social.

Sendo «o produto do trabalho, a obra, (…) oregisto objectivado da projecção mental que seantecipara à planificação e execução do traba-lho» (Niza, 2005, p. 3), é fundamental que se-

jam os alunos a decidir que obras fazem sen-tido serem concretizadas por eles e que irãofazer avançar os colegas na construção do co-nhecimento, pois nelas estão igualmente im-plícitas as suas próprias aprendizagens e pro-cessos de construção desse conhecimento.

O trabalho de projecto exige, pois, uma se-quência de actividades que vai desde a imagemmental do produto a criar, incluindo a signifi-cação social do produto final, e que passa pelasua criação até à circulação dentro da comuni-

dade de aprendizes e ao efectivo cumprimentodo significado social a que se propõe. Assim,esta

representação mental de um objectivo e a (…)elucidação sobre a utilidade e o significado que tempara o próprio e para os outros a obra em que se vaicomprometer, requerem um trabalho relevante dediálogo para clarificação dinamizado pelo profes-sor. (Niza, 2005, pp. 3-4)

Conclusão

Na minha formação pedagógica fora doMovimento da Escola Moderna, no âmbito daprofissionalização em serviço, as questõesabordadas pela Didáctica excluem por com-pleto os modos de como os alunos se organi-zam para aprender, colocando a tónica nosconteúdos programáticos e na planificação dasactividades e respectivos objectivos a cumprir,sem equacionar a participação dos alunosneste processo regulador do trabalho dasaprendizagens curriculares.

Ao retirarmos (do nosso paradigma) os ver-dadeiros agentes da aprendizagem e constru-tores do conhecimento, isto é, ao alienarmosos alunos de parte substancial do próprio pro-cesso de aprendizagem, estamos a negar o pa-pel dos professores enquanto mediadores cul-turais do conhecimento e a centrar a acçãoeducativa nos modos de transmissão de con-teúdos, reduzindo, assim, a aprendizagem a«uma viagem incerta de duvidosas consequên-cias» (Mauri, 2007, p. 119).

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