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CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 211-231, Maio/Ago. 2012 211 Carlos R. S. Milani APRENDENDO COM A HISTÓRIA: críticas à experiência da Cooperação Norte-Sul e atuais desafios à Cooperação Sul-Sul Carlos R. S. Milani * DOSSIÊ A cooperação internacional para o desen- volvimento (CID) pode ser definida como um sis- tema que articula a política dos Estados e atores não governamentais, um conjunto de normas di- fundidas (ou, em alguns casos, prescritas) por or- ganizações internacionais e a crença de que a pro- moção do desenvolvimento em bases solidárias seria uma solução desejável para as contradições e as desigualdades geradas pelo capitalismo no pla- no internacional. Em se tratando de um sistema bastante institucionalizado e complexo na cons- trução de discursos e visões de mundo, a CID en- volve inúmeros atores, tanto do lado dos chama- dos países doadores (tradicionais ou emergentes), quanto no campo dos beneficiários (normalmente países de renda baixa ou, em alguns raros casos, países de renda média). Cada ator apresenta iden- tidade, preferências, interesses e objetivos própri- os, podendo agir com base em motivações políti- cas, de segurança nacional, por razões humanitá- rias ou morais, mas também por motivos econô- micos e ambientais. No entanto, não devemos esquecer que o conjunto das relações entre os dois tipos de atores (doadores e beneficiários) também é reflexo da eco- nomia política internacional, ou seja, das assimetrias e hierarquias existentes entre o centro e a periferia, entre o Norte e o Sul do sistema inter- nacional. Além disso, entre doadores (tradicionais e novos) e beneficiários situam-se “atores-media- dores”, que desempenham papel relevante na di- fusão das agendas, na legitimação dos ideários e, menos frequentemente, na organização de protes- tos e na definição de mecanismos de monitoramento e controle. Agem nesse sentido muitas organiza- ções não governamentais, movimentos sociais, re- des de ativismo político, a mídia internacional e alguns centros de pesquisa. Embora não haja um único arquiteto res- ponsável pela fundação, manutenção e evolução da CID, o atual sistema da cooperação tem suas origens, majoritariamente, nas iniciativas norte- americanas logo após a segunda grande guerra. Foi O principal objetivo deste artigo é, com base nas limitações críticas apontadas à experiência histórica da Cooperação Norte-Sul (CNS), analisar alguns dos dilemas com que se confrontam as atuais estratégias de Cooperação Sul-Sul (CSS), concebidas e desenvolvidas por países como Brasil, México, Índia, China, Turquia ou África do Sul. O autor defende a hipótese de que a diferenciação entre CNS e CSS é fundamentalmente empírica, devendo, porém, também ser pensada à luz do legado do ativismo multilateral de alguns desses países e do novo papel econômico e político que desempenham no cenário internacional. O argumento é construído no sentido de que, por terem sido (e ainda serem) beneficiários da CNS, tais países deveriam atentar para os riscos de reprodução de um modelo de cooperação que eles próprios criticaram no passado recente. O que haveria de singular e distintivo nas práticas de CSS desses países? Quais seriam os riscos de que suas práticas de CSS sejam menos solidárias do que as promessas anunciadas por seus dirigentes e representantes políticos? PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento internacional, Cooperação Norte-Sul, Cooperação Sul-Sul, África do Sul, Brasil, China, Índia, México e Turquia. *Doutor em Estudos do Desenvolvimento. Professor do Ins- tituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universi- dade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador visitante do IPEA. Rua da Matriz, 82 – Botafogo. Cep: 22260-100 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil. [email protected]

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Carlos R. S. Milani

APRENDENDO COM A HISTÓRIA:críticas à experiência da Cooperação Norte-Sul e atuais

desafios à Cooperação Sul-Sul

Carlos R. S. Milani*

DO

SS

A cooperação internacional para o desen-volvimento (CID) pode ser definida como um sis-tema que articula a política dos Estados e atoresnão governamentais, um conjunto de normas di-fundidas (ou, em alguns casos, prescritas) por or-ganizações internacionais e a crença de que a pro-moção do desenvolvimento em bases solidáriasseria uma solução desejável para as contradições eas desigualdades geradas pelo capitalismo no pla-no internacional. Em se tratando de um sistemabastante institucionalizado e complexo na cons-trução de discursos e visões de mundo, a CID en-volve inúmeros atores, tanto do lado dos chama-dos países doadores (tradicionais ou emergentes),quanto no campo dos beneficiários (normalmentepaíses de renda baixa ou, em alguns raros casos,países de renda média). Cada ator apresenta iden-tidade, preferências, interesses e objetivos própri-os, podendo agir com base em motivações políti-

cas, de segurança nacional, por razões humanitá-rias ou morais, mas também por motivos econô-micos e ambientais.

No entanto, não devemos esquecer que oconjunto das relações entre os dois tipos de atores(doadores e beneficiários) também é reflexo da eco-nomia política internacional, ou seja, dasassimetrias e hierarquias existentes entre o centroe a periferia, entre o Norte e o Sul do sistema inter-nacional. Além disso, entre doadores (tradicionaise novos) e beneficiários situam-se “atores-media-dores”, que desempenham papel relevante na di-fusão das agendas, na legitimação dos ideários e,menos frequentemente, na organização de protes-tos e na definição de mecanismos de monitoramentoe controle. Agem nesse sentido muitas organiza-ções não governamentais, movimentos sociais, re-des de ativismo político, a mídia internacional ealguns centros de pesquisa.

Embora não haja um único arquiteto res-ponsável pela fundação, manutenção e evoluçãoda CID, o atual sistema da cooperação tem suasorigens, majoritariamente, nas iniciativas norte-americanas logo após a segunda grande guerra. Foi

O principal objetivo deste artigo é, com base nas limitações críticas apontadas à experiênciahistórica da Cooperação Norte-Sul (CNS), analisar alguns dos dilemas com que se confrontamas atuais estratégias de Cooperação Sul-Sul (CSS), concebidas e desenvolvidas por países comoBrasil, México, Índia, China, Turquia ou África do Sul. O autor defende a hipótese de que adiferenciação entre CNS e CSS é fundamentalmente empírica, devendo, porém, também serpensada à luz do legado do ativismo multilateral de alguns desses países e do novo papeleconômico e político que desempenham no cenário internacional. O argumento é construídono sentido de que, por terem sido (e ainda serem) beneficiários da CNS, tais países deveriamatentar para os riscos de reprodução de um modelo de cooperação que eles próprios criticaramno passado recente. O que haveria de singular e distintivo nas práticas de CSS desses países?Quais seriam os riscos de que suas práticas de CSS sejam menos solidárias do que as promessasanunciadas por seus dirigentes e representantes políticos?PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento internacional, Cooperação Norte-Sul, Cooperação Sul-Sul,África do Sul, Brasil, China, Índia, México e Turquia.

*Doutor em Estudos do Desenvolvimento. Professor do Ins-tituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universi-dade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadorvisitante do IPEA.Rua da Matriz, 82 – Botafogo. Cep: 22260-100 – Rio deJaneiro, RJ – Brasil. [email protected]

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nesse momento histórico que se abandonou umalógica de ajuda pontual a nações em situação deemergência em prol de uma dinâmica cada vez maispermanente e institucionalizada de cooperação paraa transformação das estruturas produtivas, admi-nistrativas, sociais e culturais das sociedadesbeneficiárias dos financiamentos e dos projetos deassistência técnica. O que, no século XIX e mea-dos do século XX,1 fora iniciado enquanto ajudaalimentar de urgência e como expediente diplo-mático de natureza temporária passou a se consti-tuir em padrão normativo nas relações entre Esta-dos, agências internacionais e organizações não go-vernamentais. Dito de outra forma, com a guerrafria se institucionalizou e se legitimou omultilateralismo da cooperação para o desenvolvi-mento.2 Carol Lancaster afirma que “ao final daSegunda Guerra Mundial, a ajuda internacional,tal como a conhecemos nos dias de hoje, não exis-tia (...). Se não tivéssemos vivido as ameaças daguerra fria, os Estados Unidos nunca teriam inici-ado seus programas de ajuda internacional”(Lancaster, 2007, p.1-3, tradução nossa). A políti-ca de competição entre a URSS e os EUA e a ame-aça comunista foram, desse modo, fatores decisi-vos para o processo de institucionalização da CID.

Os antecedentes da CID relacionados à em-

presa colonial, à emancipação política africana easiática, bem como à disputa ideológica Leste-Oes-te confirmam que as noções de “cooperação inter-nacional” e “desenvolvimento” acompanham aprópria história do sistema econômico capitalista,do projeto universalizante de modernização dassociedades e do liberalismo multilateral nas rela-ções internacionais. Ambas as noções de “coope-ração internacional” e “desenvolvimento” encon-tram suas fundações no ideal de progresso econô-mico e solidariedade social, bem como na necessi-dade de construção de amplos consensos políti-cos entre as nações. Gilberto Dupas lembra que abusca do progresso justificou ações políticas combase em um atestado de que nos estaríamos tor-nando uma sociedade melhor, mais justa e, porque não dizer, mais “civilizada”. No entanto, oprogresso se tornou um mito ao apontar a marchaà frente, uma movimentação com direção definida,um desenvolvimento da ordem e a realização deum mundo cada vez mais próximo da perfeição,porém sem dizer o sentido desse movimento ouexplicitar a perspectiva daqueles que o comandame a dos que são comandados (Dupas, 2006). Emnome da cooperação internacional e da promoçãodo desenvolvimento têm sido difundidas visõespolíticas, por vezes redutoras das contradições edas assimetrias entre as classes sociais, as socie-dades, as nações e a economia internacional, mastambém têm sido perpetradas ingerências de natu-reza cultural, social, econômica e política.

Neste artigo, pretendemos discutir as limi-tações críticas apontadas à experiência histórica eàs agendas mais recentes da Cooperação Norte-Sul(CNS), a fim de lançarmos questionamentos acer-ca dos dilemas que poderão cruzar (ou que, talvez,já estejam cruzando...) as estratégias de Coopera-ção Sul-Sul (CSS) concebidas e desenvolvidas porpaíses como o Brasil, México, Índia, China, Tur-quia ou África do Sul.3 Defendemos aqui a hipóte-se de que a diferenciação entre CNS e CSS é fun-

1 Não foram poucas as iniciativas de cooperação internaci-onal que se viram diretamente influenciadas pelo contex-to político da colonização e pela tentativa de, em nome dodesenvolvimento, transferir modelos econômicos,institucionais ou até mesmo culturais das metrópolespara as colônias. Em 1940, o British Colonial Developmentand Welfare Act permitiu o financiamento de projetos dedesenvolvimento social e acentuou a intervenção diretada Coroa britânica nos programas locais de educação. Issose deu, principalmente, graças à crença de que tais tiposde investimentos, de natureza sociocultural, ajudariam apreparar uma elite entre os colonizados (principalmenteafricanos) que seria posteriormente chamada a integraros aparelhos administrativos na gestão das colônias. Ini-cialmente, nos anos 1920, haviam sido investidos valo-res estimados em um milhão de libras anuais, que chega-ram a aproximadamente cinco milhões no ano de 1940 e120 milhões em 1945. Em 1947, a lei conhecida comoOverseas Development Act criou uma instituição, a Co-lonial Development Corporation, cuja função era coorde-nar tais projetos nas colônias britânicas, além da OverseasDevelopment Corporation, a fim de promover a coopera-ção para o desenvolvimento em outros Estados sobera-nos (Olutayo et al, 2008).

2 Houve cooperação entre o bloco soviético e países emdesenvolvimento (nos casos do Egito, da Índia, por exem-plo), porém a institucionalização foi mais avançada eorganizada no campo liberal ocidental; é dela que fala-mos ao tratar da CID no momento pós-segunda guerra.

3 Uma descrição mais detalhada do nosso atual projeto depesquisa, “Cooperação Sul-Sul e Agendas de PolíticaExterna em Perspectiva Comparada: África do Sul, Bra-sil, China, Índia, México e Turquia”, com apoio do IPEA,pode ser encontrada em www.labmundo.org.

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damentalmente empírica. É evidente que a CSSdeve ser pensada à luz do legado histórico doativismo multilateral dos países em desenvolvimen-to (G-77, nova ordem econômica internacional, nãoalinhamento), dos processos de transformação dosistema internacional desde os anos 1990, masigualmente em função das necessidades de ajustepor que passa o capitalismo (com as crises de me-ados dos anos 1990, na periferia do sistema, e apartir de 2007, no seu centro). No entanto, dife-renciar CSS de CNS implica, metodologicamente,ir além da análise das promessas e dos discursosdos governos dos países em desenvolvimento, dasdenúncias e propostas de parcerias dos atores nãogovernamentais. Implica conhecer a realidade dospaíses em que os projetos de CSS estejam em cur-so, pensar seus impactos também na perspectivado “outro” que é beneficiário da cooperação pres-tada, ou seja, do moçambicano, do angolano, dohaitiano, etc. Defendemos o argumento de que, porserem países que também se beneficiaram (e aindase beneficiam) da CNS, África do Sul, Brasil e Ín-dia, entre outros, deveriam atentar para os riscosde reprodução de um tipo de experiência (a coo-peração “top-down”, “colonizadora”, nãoparticipativa, etc.) que eles próprios criticaram nopassado recente. De países beneficiários a doado-res cada vez mais relevantes (doadores “emergen-tes”, segundo a OCDE4), o que países de rendamédia ou “novas potências” (Narlikar, 2010) comoBrasil, Índia ou China propõem de distintivo emsuas práticas de CSS? Quais seriam os riscos deque suas políticas de CSS sejam menos solidáriasdo que as promessas anunciadas e que venham a

seguir primordialmente estratégias comerciais e deinvestimento, com base principalmente em interes-ses econômicos nacionais e na tentativa de obten-ção de recursos minerais ou de acesso a mercadospara suas “commodities” e bens manufaturados?

OS ANOS 1990: tendências recentes daagenda de negociações da CNS

Os anos 1990, marcados pelo fim da ordembipolar, pela aceleração dos processos de globalizaçãoe democratização das relações Estado-sociedade emvários contextos nacionais, prometiam um mundomais pacífico em que a cooperação para o desenvol-vimento seria prioritária. Pelo menos retoricamente,era nesse sentido que convergiam dois dos princi-pais relatórios produzidos pelo então Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali: aAgenda para a Paz (de 1992) e a Agenda para oDesenvolvimento (de 1994).5 Nesse contexto, osseguintes aspectos passaram a receber maior aten-ção na agenda da CID: combate contra a dissemina-ção de pandemias (ébola, SARS, gripe aviária), pro-teção da biodiversidade e fenômeno das mudançasclimáticas, descentralização e desenvolvimento lo-cal, parcerias entre os setores público e privado (in-cluindo a atuação do chamado Terceiro Setor), pro-gramas de minoração da pobreza e difusão dasmicrofinanças.6

Não menos relevantes foram os programasrelativos à gestão da interdependência no mundoglobalizado, tais como a aceleração das políticasde convergência econômica entre países em de-senvolvimento e industrializados, políticas de “boagovernança”, de equilíbrio macroeconômico e deredução da dívida externa. Os países da OCDEpassaram a redirecionar seus fundos, de forma

4 De fato, a OCDE foi ator-chave no processo deinstitucionalização histórica da CID, uma vez que logroumobilizar distintos países doadores e organizações multi-laterais em torno da necessidade de harmonização dosconceitos e de coordenação das políticas. Um dos primei-ros passos do CAD foi a formulação de um conceito deAOD, proposto nos seguintes termos: a ajuda oficial parao desenvolvimento constitui-se de fluxos financeiros re-metidos aos países e territórios que constam da lista debeneficiários do CAD da OCDE e às instituições multila-terais de desenvolvimento (Grupo Banco Mundial, PNUD,UNICEF, bancos regionais, etc.), desde que sejam oficiais(ou seja, prestados por governos, centrais ou locais, e poragências públicas), destinados à promoção do desenvol-vimento econômico e do bem-estar das sociedades dospaíses em desenvolvimento, e concedidos a fundo perdi-do (sem gerar a obrigação de reembolso) em pelo menos25% do total enviado. Fonte: www.oecd.org.

5 Conferir Nações Unidas, Assembleia Geral, “An agendafor development”, documento A/48/935, 6 maio 1994.Ver também: http://www.undemocracy.com/A-49-665.pdf

6 Sobre a disseminação das agendas relativas aomicrocrédito, conferir: KRAYCHETE, Elsa Sousa. Ban-co Mundial e o Desenvolvimento das Microfinanças emPaíses da Periferia Capitalista. Salvador, Universidade Fe-deral da Bahia, Tese de Doutorado, 2005 (disponível emwww.adm.ufba.br).

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prioritária, para a Europa oriental e as chamadas“economias em transição”. Como resultado dasprioridades então definidas pelos principais doa-dores bilaterais e multilaterais, reduziram-se osprojetos de ajuda alimentar e reforçaram-se os fi-nanciamentos setoriais e programáticos. Passou-se a dar maior ênfase aos diálogos sobre políticaspúblicas (“policy dialogues”), ao critério daseletividade (com foco nas políticas econômicas) ea programas de formação (“capacity-building”). Éevidente que a ideologia dos mercados livres e doEstado mínimo serviu de tela de fundo para essanova agenda da cooperação.

Portanto, a agenda da CID encontrava-se cla-ramente ampliada: de projetos e intervenções pon-tuais os principais doadores passaram a privilegi-ar programas (com metas e estratégias) e políticas,aumentando significativamente a envergaduratemática e o raio de ação da cooperação para o de-senvolvimento. Da “ajuda internacional” passou-se à lógica de cooperação e parcerias (Degnbol-Martinussen; Engberg-Pedersen, 2008). Enquantoo espectro da agenda foi sendo ampliado, avan-çando para questões relativas à reforma do Estado,a orientação estratégica foi de “focar” os projetosem grupos de beneficiários (os mais vulneráveis,os mais pobres, etc.), como sintetiza o Quadro 1.

Além disso, poderíamos dizer que três te-mas principais estiveram no centro das atenções daCID. Em primeiro lugar, após décadas de suprema-

cia da renda per capita como indicador exclusivodo desenvolvimento (medindo, de fato, o cresci-mento econômico), o PNUD lança o indicador dodesenvolvimento humano (IDH) como o novoparâmetro integrador das dimensões da saúde e daeducação com a lógica do crescimento (PNUD, 1990).Foram considerados fundamentais na construçãodo IDH: a expectativa de vida longa e com saúde, aalfabetização e o acesso aos diversos níveis de edu-cação formal, bem como a disponibilidade de re-cursos econômicos (renda) para ter-se uma vidahumanamente digna. Pode-se afirmar que, apesarde suas limitações (ao desconsiderar, entre outrosaspectos, a problemática ecológico-ambiental) e dasdistorções produzidas (por exemplo, a concorrên-cia desenfreada entre Estados por melhores classifi-cações no ranking mundial do IDH), o desenvolvi-mento humano inaugurou uma tendência de fun-do que nos parece crucial nas agendas da coopera-ção, porquanto contribuiu sobremaneira parainstitucionalizar discursos multidimensionais e dis-seminar visões mais abrangentes sobre o desenvol-vimento. É bem verdade que, ao mesmo tempo,corroborou uma noção mais nacionalizada e indivi-dual (sedimentada nas capacidades de cada pes-soa) do desenvolvimento, colocando para escanteioo debate estrutural e político sobre as desigualda-des entre países ou regiões e as diferenças de clas-ses sociais na ordem internacional.

Em segundo lugar, poderíamos lembrar os

Tipos deintervenção

Nível social privilegiadoAnos1960

Anos1970

Anos1980

Anos1990

Políticas

Nível político do Estado: reformado poder judiciário, sistema político departidos, parlamentos, programas de governança públicaAdministração pública central: ministérios econômicos e relacionadoscom o planejamento e finanças

Programas

Economia nacional: política macroeconômica, privatização, reformaseconômicas e apoio ao setor privado

Economia nacional: desenvolvimento agrícola, pesquisa sobre tecnologiasvoltadas para a modernização do campo e setor informal

Projetos

Organizações da sociedade civil, associações nacionais, cooperativasregionais e nacionais

Grupos individuais, grupos comunitários, domicílios, associações debairro

Administração pública: ministérios não econômicos,conselhos nacionais e empresas estatais

Administrações locais: conselhos de gestão, descentralizaçãoda administração pública nacional

Quadro 1: Expansão do escopo da CID (tipo e nível das intervenções)

Fonte: Adaptado a partir de Degnbol-Martinussen; Engberg-Pedersen (2008, p. 40).

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temas globais como tendência importante dos anos1990/2000. As diferentes conferências da ONUcolocaram em evidência a educação (Jomtien em1990), a proteção ambiental (Rio de Janeiro em1992), os direitos humanos (Viena em 1993), osdireitos reprodutivos e a demografia (Cairo em1994), os direitos da mulher e a problemática dogênero (Beijing em 1995), o desenvolvimento soci-al (Copenhague, 1995), a gestão urbana e ainternacionalização das cidades (Istambul em 1996),bem como a discriminação racial (Durban, 2001).Permitiram o debate sobre um mosaico de posi-ções e realidades do Norte, do Sul, do Ocidente edo Oriente, entre mundos culturais e religiososdiversos, além de difundirem essas agendas emdiferentes geografias do planeta. Apesar de muitoamplas e frequentemente presas à necessidade deproduzir consensos excessivamente abrangentessobre temas delicados e profundos do ponto devista cultural, filosófico e político, as conferênciasda ONU contribuíram para expandir as estratégiasde monitoramento, ensejando a criação de redestransnacionais, envolvendo inclusive movimentossociais e organizações não governamentais, quepassaram a funcionar como verdadeiros radaresda cooperação para o desenvolvimento.

Um terceiro aspecto que poderíamos desta-car nas agendas da CID nos anos 1990/2000 dizrespeito aos Objetivos do Milênio, popularmenteconhecidos como ODM. Conjunto de metas acom-panhadas de indicadores de monitoramento e ava-liação, os ODM passaram a ocupar o centro dasatenções de governos, organizações internacionaise não governamentais, entidades filantrópicas e,inclusive, de personalidades do mundo midiático,a exemplo de Bono Vox, Brad Pitt ou AngelinaJolie7. Ademais de toda a busca de midiatizaçãoque chegou inclusive a levar os ODM a shoppingcenters, foram legitimados por conferências da pró-pria ONU, a exemplo da que foi realizada emMonterrey, no México, em 2002, quando gover-nos do Norte e do Sul reconheceram que os mon-

tantes destinados à CID ainda se situavam em pata-mares muito aquém do necessário para que as ma-zelas do subdesenvolvimento pudessem ser supe-radas. Também foram reforçados a partir do lança-mento do “Global Compact”, programa de parceri-as entre Estados, organizações intergovernamentais(ONU) e empresas transnacionais. Aspecto crucialdos ODM, e que se relaciona estreitamente com oconceito de desenvolvimento humano apresentadoanteriormente, a agenda de cooperação por eles de-fendida visa a melhorar principalmente as condi-ções de desenvolvimento do indivíduo. O foco, umavez mais, deixa de ser o âmbito nacional, estruturale coletivo, direcionando-se para o bem-estar indivi-dual, em pleno acordo com o ideário liberal.

Após os atentados de 11 de setembro de2001, ocorreram algumas importantes inflexões napolítica vigente em matéria de CID: muitos gover-nos e agências, a reboque das decisões e necessi-dades do governo norte-americano, passaram apriorizar as estratégias de segurança e o combatecontra as diferentes manifestações de terrorismotransnacional. A política da segurança ganhou ter-reno diante de ideia de cooperação técnica, econô-mica, intelectual e cultural, ameaçando o próprioideal do multilateralismo. Com a implementaçãode uma agenda mais repressiva e de controle, al-gumas questões correlatas à CID, por exemplo comrespeito às remessas de migrantes a suas comuni-dades de origem, passaram a ser interpretadas ereguladas não sob a ótica da cooperação e do de-senvolvimento, mas na perspectiva bastante rea-lista da segurança das fronteiras nacionais. Issotudo apesar da importância dos montantes envol-vidos: somente os migrantes trabalhando na Euro-pa enviam para a região da África do Norte cercade 10 bilhões de euros por ano (Severino; Ray,2009, p.14). Estima-se que o total das remessas demigrantes para os países em desenvolvimento te-nha passado de 74 bilhões de dólares US em 2000para cerca de 200 bilhões em 2007, salientando-seo caso de países tais como o México, Filipinas,Índia, Egito, Turquia e Bangladesh. Em 2010, so-mente no caso dos países em desenvolvimento,chegaram a 325 bilhões, devendo atingir a cifra de

7 Uma apresentação institucional dos ODM pode ser en-contrada em http://www.pnud.org.br/odm, bem comoem http://www.objetivosdomilenio.org.br.

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aproximadamente 404 bilhões em 2013, segundoas previsões do Banco Mundial.8

Em paralelo à securitização das agendas, aqualidade e a eficácia da ajuda internacional pas-saram a ser objeto de crescente preocupação dosdoadores. Duas declarações (Paris em 2005 e Acraem 2008) enfatizaram a noção de eficácia da ajudainternacional para o desenvolvimento, buscandoanalisar seu impacto em relação ao que seconvencionou chamar de ajuda fantasma. Para quea CID seja eficaz, deve dar prioridade ao desenvol-vimento de capacidades nacionais, garantir a apro-priação pelos países em desenvolvimento(“ownership”), coordenar os programas e projetosdos diversos doadores bilaterais e multilaterais comos objetivos das políticas públicas dos paísesbeneficiários (“alignment”), reforçar a responsabili-dade mútua, implementar ferramentas de gestão porresultados e, finalmente, harmonizar as práticas eestratégias dos Estados-doadores (“harmonization”).Isso foi o que afirmaram, em linhas gerais, ambasas declarações.

Com relação ao surgimento dos chamados“novos atores”, rompeu-se definitivamente o mo-nopólio dos Estados na CID. Klein e Harford (2005)referem-se a um verdadeiro “mercado para a aju-da” (2005), uma vez que atores e mecanismos pri-vados trazem a tradição, a ética e as práticas domercado para o mundo da cooperação. É evidenteque atores não-governamentais (as fundações nor-te-americanas, as agências europeias como a NOVIBou a OXFAM) atuavam na CID desde, pelo menos,os anos 1950. No entanto, ao final dos anos 1980,parece mudar o lugar do não-governamental nosesquemas da cooperação internacional; paradoxal-mente, ganham maior visibilidade e aumentam emnúmero, muito embora também passem a aderirmais diretamente às agendas governamentais e aosinteresses do mercado. Mais visíveis, porém commenos liberdade para experimentos locais e naci-onais; mais financiadas nos anos 1980 e 1990,

porém com menos autonomia política e maior de-pendência de recursos governamentais.

No caso das fundações oriundas das gran-des corporações, devemos salientar o papel daFundação Bill e Melinda Gates, que tem um capi-tal de 70 bilhões com um orçamento anual plane-jado de 6 bilhões de dólares, tendo-se tornado ator-chave na governança dos problemas de saúde glo-bal (vacinas, por exemplo). Ademais, novos fun-dos e mecanismos têm sido desenvolvidos: GAVI(Global Fund against AIDS), UNITAID (criado em2006, para combater a disseminação do HIV/AIDS,da malária e da tuberculose), Mecanismo de De-senvolvimento Limpo (no âmbito do Protocolo deKyoto), GEF (Global Environmental Facility, cria-do no bojo da Rio-92), entre outros. Também hádoadores estatais emergentes, com discursos e pro-jetos de CSS que pretendem ser distintos em suaspráticas da experiência da CNS.

Ou seja, o cenário da cooperação é bastantemais complexo e multifacetado. Tornam-se cadavez mais porosas as fronteiras entre a solidarieda-de pública e privada. Países beneficiários passamtambém a definir suas agendas enquanto paísesdoadores, tal como tem ocorrido no caso do Bra-sil, da África do Sul, da Índia, do México, da Tur-quia ou ainda da China. A fragmentação tambémfaz parte das críticas possíveis: 80 mil novos pro-jetos a cada ano, financiados por pelo menos 42países doadores por meio de 197 agências bilate-rais e 263 organizações multilaterais (Kharas, 2010,p.4). Também resulta desse cenário a necessidadeainda maior de coerência e coordenação: somenteo Camboja teria recebido cerca de 400 missões dedoadores por ano, em média, ao passo que a Nica-rágua teria recebido 289 missões e o Bangladesh,250 (Severino; Ray, 2009, p.6). Não menos rele-vante é a crítica feita por Kharas (2010) no sentidode que as boas experiências no nível de projetosnão repercutem, automática e necessariamente, noplano macroeconômico. Outro problema destaca-do na agenda atual: a AOD e as políticas de comér-cio, de investimento e migrações geraminterdependências que ainda são pouco analisa-das nos estudos acadêmicos e no debate político.

8 Dados a partir do Banco Mundial (Outlook for RemittanceFlows 2011-2013), publicados em maio de 2011 pelaMigration and Remittances Unit (Migration andDevelopment Brief 16). Conferir também os dados dis-poníveis em www.migrationinformation.org.

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É nesse contexto crítico da CNS (e do capitalismo)que se evidencia, cada vez mais, a relevância apon-tada da CSS no sistema da cooperação internacio-nal para o desenvolvimento.

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA ODESENVOLVIMENTO: interpretações eleituras críticas

As perspectivas sobre a cooperação para odesenvolvimento não são consensuais. Existemvisões favoráveis e outras mais críticas quanto àsua natureza, seus objetivos e resultados, ou ain-da quanto aos efeitos econômicos, tecnológicos,sociais, culturais, ambientais e políticos por elaengendrados. Ambos os tipos de visões comparti-lham da ideia de que a força do discurso sobre odesenvolvimento é proporcional à sedução por eleexercida, sedução no sentido de “agradar, fasci-

nar, iludir, mas também abusar, desviar da realida-de, enganar” (Rist, 1996, p. 9). Samuel Huntington(1970, p.186) afirmou que seriam quatro as fontesintelectuais da crítica à CID: o nacionalismo (a CIDcomo ingerência), o socialismo (a CID como ex-pressão hegemônica do capitalismo), otradicionalismo (a defesa das tradições contra amodernização desenvolvimentista) e o anti-ocidentalismo (o embate contra o etnocentrismoda cooperação). O Quadro 2, a seguir, esquematizaessas posições, sobretudo a partir das RelaçõesInternacionais.

A posição do liberalismo pode ser conside-rada ambivalente. Por um lado, adotando a pre-missa de que os agentes (indivíduos, Estados) sãoracionais e, portanto, capazes de cooperar, algunsliberais adotariam a noção de regime para interpre-tar a CID,9 apresentando como seu princípio mai-or a prática da cooperação econômica como umapolítica racional. Com base no dever moral de aju-

Quadro 2 - Visões sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento

Perspectivas Visões céticas e criticasVisões pró-cooperação

Promove o crescimento e o desenvolvimentodos países beneficiários (visão liberal em suavertente mais idealista).

Promove a integração (comercial, econômica),paz e prosperidade nas relações entre paísesdoadores e beneficiários (visão liberalinstitucionalista). Os países mais ricos têm odever moral e humanitário de ajudar osmenos desenvolvidos (visão liberal idealista).Contribui para a construção e difusão devalores e normas (direitos humanos, proteçãoambiental, democracia, equidade de gênero,etc.) e a socialização dos Estados nesseâmbito (visão construtivista)

CID como interferência dos Estados e governos nomundo dos mercados, dos investimentos, docomércio, que seriam os fundamentos reais dodesenvolvimento das nações (visão ultraliberal). CIDcomo expressão mais ou menos sutil dasdesigualdades do sistema interestatal capitalista e doimperialismo, sustentando relações assimétricas entrepaíses desenvolvidos e em desenvolvimento (visãomarxista). Cooperação bilateral como expressão dosinteresses da política externa do país doador, podendoconfigurar uma política estratégica de dominação,alinhamento, soft power ou neocolonialista (visãorealista).

O crescimento e o desenvolvimento resultam deesforços endógenos, a partir das capacidades, recursose atores que podem ser encontrados nos próprioscontextos locais de cada nação (teoria dadependência).

Micro:- implicaçõespara os paísesdoadores e osbeneficiários

Macro:- implicaçõespara a políticainternacional

Fonte: A partir de Pankaj (2005, p. 105)

9 Lembramos aqui o conceito de regime proposto porStephen Krasner, segundo o qual o regime é uma formade construção da ordem internacional que se inicia quan-do seus membros respeitam ou se referem a seus aspec-tos principais, suas normas e princípios. Os regimes sãovariáveis intermediárias e externas (intervening variables)entre fatores de causalidade primária (poder, interesse es-tratégico) e elementos relativos a resultados e comporta-mentos dos atores internacionais. O regime é, assim, maisque um conjunto de regras, pressupondo um nível eleva-do de institucionalização; ele é integrado por quatro ele-

mentos principais: princípios (como o mundo deve fun-cionar), normas (para orientar os comportamentos, defi-nir direitos e deveres), regras (ferramentas de resoluçãodos conflitos, têm caráter mais instrumental) e procedi-mentos de tomada de decisão (sistema de votação, porexemplo). Vide: KRASNER, Stephen D. Structural cau-ses and regime consequences: regimes as interveningvariables. International organization, v.36, n.2, 1982;LITTLE, Richard. International Regimes, BAYLIS, John;SMITH, Steve (Org.) The globalization of world politics.Oxford: Oxford University Press, 2001. p.299-316.

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dar os países menos desenvolvidos, a cooperaçãoseria portadora de um ideal de justiça social e deabertura para o “outro”, estando fundamentada emuma verdadeira ética do desenvolvimento(Gottsbacher; Lucatello, 2008). A cooperação parao desenvolvimento resultaria da crescente neces-sidade, para os Estados, de responderem aos pro-blemas gerados pela “interdependência complexa”(Keohane; Nye, 2000) e, nesse sentido, de produ-zirem bens públicos globais ou regionais (Kaul etal, 1999, 2003). A CID seria uma forma de gestãodos riscos sociais, agora cada vez mais globais e pro-duziria alguns benefícios que, segundo oneoinstitucionalismo liberal, seriam notáveis: (i) re-dução dos custos de transação para negociar e man-ter acordos; (ii) estabelecimento do ideal da recipro-cidade e do princípio da previsibilidade; (iii) circula-ção de informação para tornar as preferências maistransparentes; (iv) definição de padrões de compor-tamento e institucionalização de mecanismos de san-ção, além da obtenção de vantagens coletivas.

Outros analistas e pensadores ultraliberais(Friedrich Von Hayek, Milton Friedman, Peter Bauer,Frances Moore Lappé) sustentariam a hipótese deque a ajuda internacional deveria ser consideradacomo um obstáculo que retarda o desenvolvimentodas nações e a auto-organização dos mercados. Se-ria uma prática de intervenção estatal que tem tor-nado os pobres ainda mais pobres, beneficiado de-terminadas elites governantes dos países recepto-res da ajuda e reduzido o ritmo de crescimento desuas economias. A afirmação de que a ajuda inter-nacional poderia remediar a pobreza, segundo aeconomista africana Dambisa Moyo, não passariade um mito: haveria, ao contrário, uma relação decausa e efeito entre a ajuda internacional e as maze-las do desenvolvimento africano, muito embora aautora deixe de articular a CID com as variáveis re-lativas ao capitalismo, à colonização e suas heran-ças. Em seu livro, a autora sustenta seu argumentocom base no modelo chinês de investimentos nocontinente africano, criticando as visões excessiva-mente românticas sobre os benefícios da CID,construídas por pessoas ou instituições mais com

base na emoção do que na razão (Moyo, 2010).10

Os construtivistas tenderiam a enfatizar quea CID seria, ela própria, um padrão resultante dasrelações de socialização entre os Estados. Por meioda interação cooperativa gera-se conhecimento com-partilhado e criam-se instituições e regrasfacilitadoras da prática e da aprendizagem da coo-peração para o desenvolvimento. David HalloranLumsdaine, um dos mais destacados teóricos des-sa corrente, assinala que a teoria realista do podere os argumentos fundados nos interesses econô-micos e políticos seriam incapazes de abarcar asconvicções humanitárias e de explicar por que osgovernos cooperam e prestam ajuda internacionalna promoção do desenvolvimento (Lumsdaine,1993). Muitos estudos sobre as práticas da coope-ração dos países nórdicos empregaram essas lentesteóricas a fim de interpretar a influência dos valoresda tradição social-democrata na política de ajudainternacional por eles desenvolvida. Olav Stokkeempregou a expressão “humane internationalism”para referir-se aos determinantes da política de aju-da internacional da Dinamarca, Canadá, Países Bai-xos, Noruega e Suécia (Stokke, 1989).

Contraponto do internacionalismo liberal econstrutivista, a visão realista da CID tenderia aressaltar que nem todas as formas de cooperaçãosão inerente e necessariamente benignas, razão pelaqual é importante distinguir entre cooperação comouma forma particular de interação instrumental eos fins perseguidos pela interação cooperativa.11

10 Em 2000, a China anulou uma dívida de 1,5 bilhão dediferentes países africanos; em 2003, anulou mais 750milhões. Em 2006, assinou acordos comerciais no valorde 60 bilhões. Entre 2000 e 2005, os fluxos de investi-mentos diretos chineses dirigidos à África totalizaram30 bilhões, em setores como cobre e cobalto (RepúblicaDemocrática do Congo e Zâmbia), ferro e platina (Áfricado Sul) e madeira (Gabão, Camarões e Congo-Brazaville).Mas a maioria dos investimentos chineses foi para aNigéria e o Sudão (petróleo, construção do oleoduto).Angola é o principal fornecedor de petróleo para a China(20%, em 2006, do total importado pela China). Em2006, 64% das exportações de petróleo do Sudão forampara a China. Dados a partir de Moyo (2010).

11 Como lembra James Robinson, a cooperação é um tipoparticular de interação que não é nem conflitiva, nemharmoniosa. Trata-se, sociologicamente, de uma das for-mas mais freqüentes de interação, porém seu grau decomplexidade merece análise aprofundada. Na teoriapolítica, a saída encontrada para o dilema de cooperar ounão diante da diferença de interesses produziu pensa-mentos e tradições distintas, de Maquiavel, Grotius,Hobbes, Locke a Kant (Robinson, 2008, p.71-82).

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Quando cooperam, os Estados são racionais, opor-tunistas e estratégicos a fim de melhorarem a suaprópria condição; agir de modo diferente seria nãoapenas ingênuo, mas perigoso para a sua sobrevi-vência e bem-estar (Nelson, 1968). Ademais, asregras da CID não definem, de forma clara e obri-gatória, as sanções para os agentes impunes; osganhos efetivos com a cooperação promovida po-dem ser até mesmo superiores ao que se mantémcom a opção de não cooperar (ênfase nos ganhosabsolutos), porém a distribuição desses ganhos édesigual (ênfase realista nos ganhos relativos).

Como sublinharia Huntington (1970,p.175), a obrigação moral diz respeito a ajudar ospobres dos países menos desenvolvidos e não osseus governos, o que faz com que muitos dos pro-gramas da cooperação canalizados por meio deorganizações privadas possam, na concepção doautor, cumprir mais eficazmente esse dever moralem comparação com estruturas burocráticas pú-blicas, que tenderiam a ser movidas por interessesde política externa. Entre os tipos de benefíciosque projetos e financiamentos trariam para o paísdoador, poderíamos lembrar o acesso a insumosestratégicos (minério, produtos agrícolas, etc.), aobtenção de votos favoráveis no sistema multilate-ral, a contenção de inimigos ideológicos (a exemplodo comunismo durante a Guerra Fria), a promoçãode interesses ligados ao comércio exterior e investi-mentos, a venda de excedentes de commodities, bemcomo a imposição de modelos de políticas públi-cas (ajuste econômico, liberalização do comércioexterior, etc.).

Nesse mesmo sentido da interpretação rea-lista, Hans Morgenthau afirmou que as visões so-bre a ajuda externa variam em um amplo espectropolítico desde a concepção de que a cooperação se-ria um fim em si mesma, justificável do ponto devista da moral e, portanto, de forma independenteda política externa dos Estados, até, no outro extre-mo, seus opositores ferrenhos, segundo os quaisela não seria passível de justificação política, hajavista que não serviria nem aos interesses do Esta-do-doador, nem aos dos países beneficiários. Re-conhecendo a diversidade das políticas existen-

tes, o autor identifica seis tipos de ajuda externa,sendo que todas dizem respeito à transferência defundos financeiros, bens e serviços de uma naçãopara outra: (i) ajuda humanitária; (ii) ajuda para asubsistência; (iii) ajuda militar; (iv) ajuda-suborno(“bribery”); (v) ajuda para obter prestígio; (vi) aju-da externa para o desenvolvimento econômico(Morgenthau, 1962, p.301).

Outro contraponto, a nosso ver não menosrelevante, à interpretação liberal sobre o papel daCID nas relações internacionais origina-se da cor-rente marxista, de alguns teóricos da dependênciae de defensores da teoria crítica (Amin, 1976;Halliday, 2007; Hayter, 1971; Molnar, 1975;Kubalkova; Cruickshank, 1989). Tais autores lem-brariam que a CID pode ser explicada à luz domaterialismo histórico enquanto tentativa de pre-servação do capitalismo, servindo como ferramen-ta de manutenção e legitimação da hegemonia dospaíses centrais do sistema internacional. Antigascolônias, agora emancipadas, poderiam sermantidas em relações de dependência e de garan-tia do funcionamento da economia internacional.A ajuda prestada seria condicionada ao respeitode uma gramática mais ampla do capitalismo: nãonacionalizar empresas estrangeiras sem que se defi-nam medidas de compensação, não estabelecer re-gras rígidas acerca da repatriação dos lucros dasmultinacionais, implementar políticas de ajustamen-to estrutural, seguir padrões internacionais de esta-bilidade macroeconômica, assegurar o respeito aosdireitos de propriedade (material e imaterial), etc.

Além disso, alguns fatores determinantesdo desenvolvimento poderiam não ser afetadosfavoravelmente pelo influxo de fundos da CID, aexemplo das atitudes econômicas, valores sociaise políticos, bem como objetivos e princípios quali-tativos do desenvolvimento (Pankaj, 2005, p.114).A CID também poderia minorar qualitativamenteos processos de aprendizagem: quando os recur-sos são produzidos endogenamente, o país emquestão tem a oportunidade de desenvolver osprocessos de produção, novas habilidades etecnologias, porém sempre que forem simplesmen-te importados por meio da ajuda externa, os pro-

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cessos de aprendizado e de desenvolvimento dascapacidades locais ficam prejudicados. Cria-se,assim, uma dependência a partir do momento emque o planejamento nos países beneficiários tendea considerar, com segurança, a entrada dos insumosexternos, sem a preocupação de produzi-los, pormeio de mecanismos de inovação, no plano do-méstico. No entanto, como afirma Pankaj (2005, p.116, tradução nossa), “o desenvolvimento não podeser logrado sem que, domesticamente, sejam fei-tos investimentos e avanços em capital humano,progresso científico e tecnológico, construção deinfraestruturas básicas e alguma forma de organi-zação industrial”.

Percebemos, diante do exposto, que cadauma das correntes teóricas do campo das RelaçõesInternacionais ilumina, com base em premissasfilosóficas e pressupostos políticos distintos, algunsdos aspectos da CID em suas articulações com o ca-pitalismo e a política internacional. Cabe a cada ana-lista fazer as suas escolhas, do ponto de vistaontológico e epistemológico. Chamamos a atençãodo leitor, porém, para um aspecto que nos parecefundamental: a compreensão profunda das dinâmi-cas da CID implica não negligenciar, além dos aspec-tos mencionados acima, os fatores e os atores do-mésticos dos respectivos países (doadores ebeneficiários), que tendem quase sempre a seremdeixados de lado pelas correntes teóricas das Rela-ções Internacionais. Por que e como o contexto do-méstico conta na compreensão das dinâmicas da CID?

Fundamentalmente porque a política exter-na e suas agendas de cooperação para o desenvol-vimento estão cada vez mais conectadas às demaispolíticas públicas (domésticas). No Brasil e nomundo, a política externa tem sido, em temposmais recentes, entendida e analisada à luz das pre-ferências e interesses de uma pluralidade de ato-res. Diplomatas e militares passaram a ter de seacostumar com a companhia, embora por vezestímida e nem sempre assídua, de burocratas dosetor da saúde (ou da cultura, da educação, dodesenvolvimento agrário, etc.), de deputados esenadores (e seus assessores legislativos), prefei-tos e governadores, operadores econômicos, líde-

res de ONG, movimentos sociais, organismos damídia e personalidades da academia. Atores tradi-cionalmente invisibilizados da cooperação inter-nacional passam a ganhar voz no cenário interna-cional e doméstico, fazendo com que o aumentode interesse e o debate público tendam a conduziro campo da política externa a um processo lento egradual de abertura e conflitualidade política (Pi-nheiro; Milani, 2012). Tal processo depende maisdiretamente da existência de impactos distributivosinternos que ocorrem quando os resultados da açãoexterna deixam de ser simétricos para os diversossegmentos sociais, como no caso de decisões so-bre a importação de bens, da negociação de acor-dos comerciais bilaterais ou multilaterais ou aindada adesão a regimes internacionais. Como afirmaMaria Regina Soares de Lima (2000), a políticaexterna reflete não apenas os constrangimentossistêmicos, provenientes da própria estrutura daordem internacional, mas também, e principalmen-te, as estratégias estabelecidas pelos atores domés-ticos no contexto da distribuição de interesses epreferências no interior do Estado.

Desse modo, opinião pública, disputas elei-torais, instituições domésticas, entre outras variá-veis, são relevantes na compreensão das decisõesdos Estados em matéria de CID. Esse sempre foium fenômeno patente nas decisões do governonorte-americano e da USAID, da mesma maneiraque a República Federal da Alemanha, ao se tor-nar um importante doador a partir dos anos 1960,passou a exigir contrapartidas relativas à sua segu-rança nacional. Com base na doutrina Hallstein, ogoverno federal alemão demandava (e isso perdu-rou até os anos 1980) que os países beneficiáriosde sua ajuda não reconhecessem a República De-mocrática Alemã. Taiwan também fez esse mesmojogo diplomático em relação à China, embora suaestratégia tenha se tornado muito menos eficientedepois da visita de Nixon a Pequim e diante dosmontantes investidos pelo governo chinês a partirdos anos 1990 no campo da cooperação para odesenvolvimento.

Desde os anos 1990, outras críticas têm sidoformuladas fora do campo das Relações Internaci-

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onais. Embora não pretendamos, neste capítulo,abarcá-lo em toda a sua abrangência, o debate so-bre o desenvolvimento tem sido retomado no con-texto dos precários resultados sociais dos proces-sos de globalização e dos impasses que surgem emtodas as perspectivas (econômica, social, cultural,política e ambiental), o que coloca em xeque ospressupostos e os instrumentos que vêm dandosuporte à compreensão e à intervenção sobre a re-alidade do desenvolvimento (Dupas, 2006;Chesnais, 1994; Moraes, 2006; Sachs, 2005). O“desenvolvimento” e o “progresso” prometidospelos discursos da CID mostraram-se limitados,excludentes e perversos, tal como o ilustra o au-mento das desigualdades sócio-econômicas e daexclusão social no plano mundial. Esse contextoexpressa uma crise que resulta da inserção desi-gual dos indivíduos, classes e grupos na socieda-de nacional e das nações no sistema internacional,bem como do não cumprimento das promessasdo desenvolvimento.

Das diversas abordagens contemporâneas dacrise do desenvolvimento, quatro se destacam. Aprimeira interpretação da crise do desenvolvimen-to emana daqueles que a associam ao modo capita-lista de produção e à sua lógica de acumulação.Portanto, sua superação passa, necessariamente,pela superação desse modo de produzir, distribuire se apropriar tanto dos resultados da produçãoquanto do próprio espaço social. Segundo DavidHarvey (2005), as dimensões geográficas relativasà acumulação do capital e à luta de classes desem-penham um papel fundamental na perpetuação dopoder burguês e na supressão dos direitos e aspi-rações do trabalhador, não apenas em lugares especí-ficos, mas também globalmente. Uma segunda abor-dagem, a crítica antropológica, revela o papel doetnocentrismo e do eurocentrismo na definição dosvalores e normas do desenvolvimento enquanto pro-messa ocidental, ressaltando a natureza histórica epretensamente universalizante da modernidade. Paraessa corrente, os princípios do progresso e da civili-zação impuseram lógicas e racionalidades como me-didas universais para realidades sócio-culturais econtextos históricos muito diversos. Apontam para

a necessidade de diálogo com e entre os diferentespovos e o respeito a suas formas de racionalidade(Rist, 1996; Said, 2007).

Uma terceira visão, de linhagem crítica pós-moderna, adverte para a impossibilidade do cará-ter universal do desenvolvimento, fruto de umautopia iluminista que acabou favorecendo os inte-resses das classes dominantes. Nesse sentido, exis-te hoje um movimento ascendente na Europa daescola pós-desenvolvimentista, segundo a qual,assim como o progresso, o desenvolvimento podetrazer consequências sobre a vida e a liberdade doshomens, camuflando os interesses de diversos gru-pos de poder que se beneficiam desse mesmo pro-cesso. Defendem o pós-desenvolvimento e a pes-quisa sobre modos de satisfação (épanouissement) efelicidade coletivas que não busquem apenas o bem-estar material, responsável pela desestruturação domeio ambiente e de uma boa parte das relaçõessociais. Ressaltam assim, a natureza essencialmenteplural do desenvolvimento que se desenharia deforma sensivelmente diferente no Norte e no Sul(Latouche, 2004; Escobar, 1994; Rist, 1996). Fi-nalmente, uma quarta abordagem diz respeito àcorrente crítica contra-hegemônica que assume osdesafios da construção dos valores universais emnovas bases. A falta de respostas às questões rela-cionadas com as desigualdades sociais e a conti-nuidade do tratamento das questões do desenvol-vimento, fundamentalmente, na perspectiva eco-nômica, deverão ser a tônica das reivindicaçõesdos movimentos alternativos expressos principal-mente no âmbito do Fórum Social Mundial. Ostrabalhos oriundos desse debate sinalizam a natu-reza polissêmica e multidimensional do desenvol-vimento. Essa corrente recoloca o debate sobre opapel da economia no desenvolvimento, sobre qualglobalização se quer construir e os caminhos pos-síveis a serem trilhados (Escobar, 1994; Sousa San-tos; Meneses, 2010; Santos, 2001). O economistasueco Gunnar Myrdal foi um dos primeiros pen-sadores a apresentar uma teoria abrangente em queargumentava que o capital seria apenas um dosmuitos fatores determinantes do aumento da pro-dução e da renda de uma nação (Myrdal, 1968).

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É evidente que muitos dos pontos explora-dos por essas abordagens se entrecruzam, como aquestão ambiental e a retomada do debate sobre asdimensões e as especificidades dos territórios. Se-gundo Cássio Hissa, embora a questão ambientaladquira perfil importante nos meios de comunica-ção em geral, as abordagens dessa temática aindatendem a privilegiar o paradigma disciplinar, im-pedindo ou, às vezes, dificultando a expressão das“vozes do mundo”, bem como de suas diversida-des epistemológicas e ontológicas, desconsiderando,enfim, a diversidade de saberes onde a vida sedesenvolve (Hissa, 2008). Acrescenta-se a este olhara análise da ecologia política que combina umacrítica ao desenvolvimento ambientalmente insus-tentável com a necessidade de retomar o debatesobre os conflitos distributivos (Martinez-Allier,2007). A ecologia política parte do princípio deque os problemas ambientais não afetam a todosos indivíduos e grupos sociais uniformemente eafirma que a concentração de riqueza é também oresultado do controle sobre determinados recur-sos ambientais (Milani, 2008b).

Ainda deveríamos lembrar críticas de outranatureza, desta vez apontadas por vários pesqui-sadores e intelectuais a partir de um olhar sobreos procedimentos, as regras estabelecidas e a pró-pria realidade do “jogo interno” da cooperação parao desenvolvimento. Segundo Easterly e Pfutze(2008), os dados estatísticos sobre as despesas decada agência (bilateral e multilateral) são poucotransparentes, principalmente quanto aos custosadministrativos (dos doadores e dos beneficiários)e sobre como os fundos são gastos. Além disso,há uma fragmentação dos esforços de cooperaçãointernacional para o desenvolvimento: muitas pe-quenas agências, alta setorialização nas dimensõesenfocadas e nos setores do desenvolvimento e, porvia de consequência, falta de coordenação. Um ter-ceiro aspecto analisado pelos autores diz respeitoao direcionamento dos fundos para governos cor-ruptos e por meio de canais institucionais poucoefetivos. Com base nessas críticas, os autores pro-põem uma classificação de agências e práticas,buscando expressar o que entendem por

efetividade, transparência e seletividade, revelan-do, assim, três tipos de ajuda internacional que,segundo eles, poderiam ser consideradas menosefetivas: a ajuda ligada (“tied aid”), segundo a qualo beneficiário deve comprar bens ou serviços dopaís doador; a ajuda alimentar, pelos efeitos desubstituição que provoca no setor produtivo local;a assistência técnica, que pode acabar por engor-dar as contas bancárias dos consultores seleciona-dos em detrimento das reais necessidades nacio-nais de desenvolvimento. Outro aspecto impor-tante por eles mencionado é a ausência de reação eavaliação dos beneficiários às agências bilaterais emultilaterais sobre os resultados e os impactos daspráticas. As agências bilaterais mais transparen-tes, segundo os autores, seriam as do Reino Uni-do, Suécia e Estados Unidos, enquanto as menostransparentes seriam as do Luxemburgo, NovaZelândia e Finlândia. Quanto às multilaterais maistransparentes, ressaltam a AID (do Grupo BancoMundial) e os três bancos regionais de desenvol-vimento para Ásia (BAfD), África (BAsD) e Améri-ca Latina (BID). As multilaterais menos transpa-rentes seriam o UNFPA, o GEF, o BERD, a Comis-são Europeia e o Nordic Development Fund (p.35).Também revelam que os dez principais doadores(EUA, Japão, AID, Comissão Europeia, França,Reino Unido, Alemanha, Holanda, Suécia e Cana-dá) representam cerca de 79% do total da ajuda,ao passo que as 20 menores agências correspondema 6,5%. Ademais, alguns países têm duas agênci-as responsáveis pela ajuda, a exemplo dos EUA edo Japão.12 No caso particular dos EUA, a frag-mentação é estimulada pela presença de mais de50 agências burocráticas diferentes. No caso deLuxemburgo (dados de 2004), o orçamento era de141 milhões de dólares repartidos entre 87 países

12 No estudo realizado pelos autores, as agências que me-lhor bem se classificaram no quesito financiamento apaíses de renda baixa foram o Nordic Development Funde o BAfD (constrangimento geográfico), e entre as bila-terais se sobressaíram Luxemburgo e Reino Unido. Asque se saíram pior nesse quesito foram os EUA e a Grécia.No que diz respeito à ajuda ligada, à ajuda alimentar e àassistência técnica, entre as agências bilaterais, Irlanda,Noruega, Reino Unido, Portugal e Suíça se saíram muitobem, mas EUA, Grécia e Itália são os países que maisusam esses tipos de ajuda internacional, consideradaspouco efetivas pelos autores.

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e 30 setores temáticos distintos, donde resultouque 67 países e 15 setores receberam menos de1% do total da ajuda (Brainard, 2007, p.40). Umdos resultados desse processo de fragmentação éo excessivo número de missões de diagnóstico,monitoramento e avaliação realizadas pelas agên-cias financiadoras: os 31 governos dos países maispobres (principalmente africanos) teriam recebido10.837 missões de assistência técnica no ano de2005 (Etienne, 2007, p.897).

Outro aspecto mencionado na literatura é aheterogeneidade dos fluxos financeiros da CID, quedificulta a avaliação de sua efetividade. Tipos dife-rentes de ajuda externa têm, de maneira muitoimprovável, efeitos econômicos semelhantes. Acomparação entre países-doadores torna-se difícilpelo fato de que os montantes não são desagrega-dos (por setores, por países), ou o são muito rara-mente: por exemplo, a luta contra a expansão doHIV/AIDS influenciou diretamente a alocação derecursos, mas o mesmo não ocorreu com a educa-ção primária. Isso significa que não basta fazer pro-messas e assumir compromissos de aumentos daajuda externa, haja vista que o fundamental seriadefinir focos em setores e regiões (Mavrotas;Nunnenkamp, 2007, p.591). Focar em educaçãoprimária faz sentido para países de renda baixa,mas não parece constituir prioridade parabeneficiários de renda média e em estágio maisavançado de desenvolvimento humano. Da mes-ma forma, a Iniciativa Multilateral de Redução daDívida, proclamada no G-8 de Gleneagles (no Rei-no Unido, em 2005), não produziu os mesmosefeitos fiscais em todos os países em desenvolvi-mento. Projetos elaborados por consultores exter-nos, despesas operacionais excessivas, enfraque-cimento de capacidades nos países em desenvol-vimento por subtração ou cooptação de peritos,descontinuidade, desconsideração do contextolocal, entre outros, são aspectos apontados comoproblemáticos na concepção e execução de proje-tos da CID (Correa, 2010, p.212-221).

Do ponto de vista imaterial, a CID pode pro-duzir verdadeiro efeito de “conversão” dos paísesbeneficiários à boa governança, à democracia, ao

desenvolvimento das comunidades locais e à lutacontra a pobreza, esquecendo o fato de que a pro-moção da democracia de fora para dentro raramenteproduz resultados conclusivos. Nesse sentido, al-guns autores apontam que aspectos imateriais esociopolíticos do desenvolvimento têm sido ex-cessivamente privilegiados pelos financiamentosem detrimento de aspectos materiais e produtivos(Etienne, 2007). Por exemplo, a AOD destinada àagricultura foi reduzida em 50% entre 1986 e 1991,e em 30% entre 1996 e 2001 (p.899). Sob a presi-dência de James Wolfensohn, o Banco Mundialteve de ceder às pressões de diferentes ONGambientalistas e cessou de financiar projetos degrandes barragens, usinas hidrelétricas e projetosde irrigação (p.900).

Não menos importante é o fato de que osEstados doadores podem não cumprir suas obri-gações, sem que isso implique quaisquer sanções:não atingem a meta dos 0,7% do PIB destinados àCID, podem promover a redução dos montantesalocados, realizar mudanças em termos de priori-dades, etc. Como lembra Dominguez (2011), osEstados doadores não respeitam seus compromis-sos, apesar das penalidades defendidas pela Co-missão Brandt, em 1980; persistem em associarinteresses políticos e comerciais à ajuda prestada(por exemplo, cerca de 30% da CID, descontada acooperação técnica, permanece “ligada” à comprade bens e serviços dos Estados doadores), e issoapesar do que fora defendido pela Comissão Pearsonem 1969; e proliferam seus programas de coopera-ção, corroborando a lógica de fragmentação da CID,independentemente do que havia afirmado HarryTruman, no Ponto 4, sobre o desenvolvimentoenquanto empresa cooperativa e conjunta dos Es-tados, da ONU e suas agências especializadas.

Por conseguinte, apesar das recomendaçõese das críticas construídas ao longo da história daCID, duas “verdades ou mitos” ainda parecempersistir: a primeira, a ideia do desenvolvimentocomo um caminho linear a ser perseguido a partirde experiências dos países desenvolvidos, e a se-gunda, a crença de que a aplicação dos conheci-mentos disponíveis podem ser transferidos e apli-

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cados de maneira universal. Esses dois princípiospartem do pressuposto de neutralidade do desen-volvimento e da ciência e de que o avançotecnológico traria necessariamente o progresso paratodos. A “crença” na neutralidade da ciência e na“universalidade” dos indicadores de desenvolvi-mento continua a orientar a elaboração de políti-cas de desenvolvimento tanto no Norte como noSul. Desconsidera-se a existência de valores soci-ais e interesses econômicos implícitos na produ-ção do conhecimento científico e tecnológico, bemcomo, as consequências de sua aplicação em con-textos histórico-culturais específicos. Deixa-se delado, entretanto, a contribuição dos estudos soci-ais da ciência na definição de estratégias de desen-volvimento (Latour, 2004). Permeia essa visão aconcepção de que a produção “científica” do co-nhecimento leva sempre à eficiência e nega a im-portância de outras formas de conhecimento e sa-beres construídos ao longo da história, por dife-rentes sociedades.

A partir de reflexões críticas acerca desses“mitos universais”, alguns estudiosos avançam naconstrução de novos princípios e conceitos quediscutem e desconstroem antigas verdades cientí-ficas, baseadas no modelo cartesiano-newtoniano,e buscam dar conta da intrínseca interconectividadedas relações da sociedade com a natureza e da com-plexidade dos processos de desenvolvimento(Hissa, 2008; Nicolescu, 2001; Morin, 1999). Es-ses autores realizam um esforço de críticaepistemológica e buscam construir novas bases doconhecimento que valorizam o diálogo entre asdiversas áreas do, visando a integrar o que foi frag-mentado e a tornar complexo o que foi simplifica-do, entre outros, pela retórica da CID.

Muitas dessas interpretações e leituras crí-ticas foram construídas com base nos efeitos e naspromessas não cumpridas da experiência históri-ca da CNS, inclusive por intelectuais e pesquisa-dores oriundos dos próprios países em desenvol-vimento – os quais têm apontado que desenvolvi-mento e subdesenvolvimento seriam, de fato, asduas faces de um mesmo processo global e histó-rico de desenvolvimento do capitalismo. Agora,

com as mudanças na ordem internacional e a “emer-gência” de novos Estados promotores da bandeirada CSS, parece impor-se um olhar mais cuidado-so, analítico e empírico sobre essa realidade dacooperação. O que mudaria com a Cooperação Sul-Sul nas relações econômicas, políticas e culturaisentre Estados e sociedades em desenvolvimento?Quais seriam as tendências atuais dessa agendaSul-Sul de cooperação para o desenvolvimento nocaso dos seis países selecionados?

COOPERAÇÃO SUL-SUL E POLÍTICA EXTER-NA EM PERSPECTIVA COMPARADA: propos-ta de uma agenda de pesquisas

As agendas de política externa de váriospaíses em desenvolvimento integram, hoje, estra-tégias de cooperação sul-sul (CSS) por intermédiode alianças forjadas no seio de organizações mul-tilaterais (comerciais, financeiras, de segurança), deespaços regionais de integração, mas igualmente pormeio de projetos de financiamento e cooperação téc-nica em áreas desde a saúde pública, educação fun-damental e não formal, intercâmbio universitário,meio ambiente, desenvolvimento agrícola, coopera-ção tecnológica e desenvolvimento científico, ges-tão pública, até projetos de desenvolvimento pro-dutivo, industrial e de infraestruturas. Tais paísessão considerados potências emergentes (África doSul, Brasil, China, Índia, México ou Turquia), mastambém são chamados “new powers” (Narlikar,2010), “grandes países periféricos” (Dupas, 1998)ou “rising states” (Alexandroff; Cooper, 2010). To-dos são países de renda média que começam atornar qualitativamente mais densa a sua partici-pação no sistema de cooperação internacional parao desenvolvimento, não mais apenas enquantobeneficiários, mas também como doadores (Hirst,2009). Atuam em parceria com outros países emdesenvolvimento de diferentes regiões do mundo,podendo agir por meio da cooperação bilateral (oque os torna mais diretamente capazes de contro-lar a agenda) ou da cooperação multilateral (juntoa bancos de desenvolvimento ou fundos criados

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para esse fim), como esquematiza o Quadro 3. Se-gundo dados de 2011, a cooperação desenvolvidapor países não membros da OCDE ainda é peque-na relativamente aos principais doadores (EstadosUnidos, Japão, Alemanha, França), porém repre-sentou cerca de 9,3 bilhões de dólares (US) em2009, ou seja, 6,4% do total dos fluxos de coope-ração pública, sendo que alguns deles, a exemploda Arábia Saudita (3,2 bilhões de USD) e da China(1,9 bilhões de USD), superaram doadores tradici-onais que são membros do Comitê de Ajuda parao Desenvolvimento (OCDE, 2011).

Além disso, a relevância adquirida pela CSSnas políticas externas desses países é concomitanteao papel que passam a desempenhar na agendapolítica e econômica internacional, particularmentenos processos de reforma da governança global (Ban-co Mundial, FMI, OMC, G-20 financeiro) e dereconfiguração de alianças regionais e coalizões inter-regionais (SADC/Southern African Development

Community, UNASUL/União das nações sul-ame-ricanas, Fórum IBAS, grupo BRICS, ShanghaiCooperation Organization, G-20). É evidente queos países selecionados apresentam diferenças emtermos de desenho institucional de suas políticasde CSS, de comportamento multilateral, tamanhode suas respectivas economias, inserção regional,modelo produtivo e de desenvolvimento, assimcomo de suas respectivas políticas domésticas, emalguns casos mais pluralistas do que em outros.Por conseguinte, torna-se cada vez mais relevantepensar em perspectiva comparada, tanto teóricaquanto empiricamente, essa realidade da políticaexterna de algumas potências emergentes, e issoem função (i) da dupla inserção que possuem nasagendas de cooperação para o desenvolvimentoenquanto beneficiários e doadores; (ii) da constru-ção (ou relevância maior atribuída a essa agenda)de uma diplomacia da cooperação sul-sul, por meiode discursos, instituições, projetos, montantes a

Quadro 3: Síntese das políticas de CSS (países selecionados)

Fontes: Compilação a partir de dados de AMEXID (www.amexcid.gob.mx); Ayala e Perez (2009); GHSi (2012); IPEA/ABC (2010); Latt(2011); OCDE (www.oecd.org/dac); German Development Institute website; TIKA website.* Dados disponíveis somente para cooperação técnica.

Temas!

Países

Va lorestimado (US)

Agência responsável e datade criação

Foco geográfico Temas prioritários Ênfase:Multilateral

Bilateral

África doSul

143 mi. (2010) South African Development

Partnership Agency (2012),sob o Ministério de RelaçõesInternacionais e Cooperação.

África. M>B

Brasil Entre 400 mi.e 1,2 bi(2010)

Agência Brasileira deCooperação (ABC, 1987),

sob o MRE/Itamaraty.

América Latina,África e CPLP.

M>B (masB" )

China 3,9 bi.(2010)

Não. Agenda conduzidamajoritariamente pelo

Ministério do Comércio.

África e Ásia. B>M

Índia 680 mi.(2010)

Vários anúncios (desde 2007)de criação de uma agência,mas a cooperação ainda écoordenada pelo Min. das

Finanças e MRE.

Países vizinhos(Afeganistão,

Butão, Nepal) eÁfrica.

B>M

México 16 mi.* (2009) Agencia mexicana de

cooperación internacionalpara el desarrollo

(AMEXCID, 2011), junto àSRE.

América Central(Costa Rica, El

Salvador,Guatemala) e

Caribe.

B>M

Turquia 780 mi. (2008) Turkish International

Cooperation and

Development Agency(TIKA,1992), diretamente sob o

gabinete do PrimeiroMinistro. Conta com uma

rede de escritórios nacionais.

Ásia (Afeganistão,Paquistão,

Cazaquistão,Quirguistão),

Oriente Médio,Europa dos Bálcãs

e África.

M>B

Processos de paz econstrução da

democracia

Saúde, agricultura,educação, gestão

pública

Infraestrutura, produção derecursos energéticos,

desenvolvimento industrial

Infraestrutura, irrigação,tecnologia de informação,

formação

Cooperação técnica,cientifica e

educativa, gestão desituações deemergência

Desenvolvimento social,serviços e infraestruturaeconômica, cooperação

educativa e cultural (pormeio de ONGs turcas)

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partir dos anos 1990/2000; (iii) da relevância es-tratégica desses países na geopolítica regional e glo-bal; (iv) do legado histórico em termos de participa-ção, entre os anos 1950 e 1970, nos debates sobre asrelações centro-periferia, não alinhamento, terceiromundo e nova ordem econômica internacional; e (v)das semelhanças e diferenças que apresentam parafins de uma démarche comparativa (Beasley et al,2002), conforme esboçamos no Quadro 3.

É importante ressaltar que pensar a CSS noâmbito das respectivas políticas externas dessespaíses já aponta para uma segunda opção de natu-reza teórica e metodológica: as estratégias de CSSnão são dissociadas das decisões relativas à inser-ção internacional desses Estados (projeção de po-der político) e à internacionalização de seus res-pectivos capitalismos no cenário geopolítico e eco-nômico (projeção de poder econômico regional eglobal). No caso da África do Sul, por exemplo, acooperação bilateral é canalizada principalmentepelo Fundo African Renassaince (cerca de 40 mi-lhões de USD em 2008) e aproximadamente 70%se destina aos países da SADC. No caso da China,sua política de CSS incluiu, em 2009, doações (cer-ca de 41%), empréstimos sem juros (30% do total)e empréstimos subsidiados (29%), sendo que 63%de sua cooperação se dirigiu a países de baixa ren-da localizados majoritariamente na África (45,7%dos financiamentos), Ásia (32,8%) e América Lati-na (12,7%), de acordo com as prioridades chine-sas em matéria energética e alimentar. A coopera-ção econômica indiana, coordenada pelo Departa-mento de Assuntos Econômicos do Ministério dasFinanças, é primordialmente canalizada a paísesde seu entorno regional e, em segundo lugar, àÁfrica. A cooperação técnica indiana, coordenadapela Divisão de Cooperação Técnica e Econômicado MRE, segue o mesmo padrão em termos deorientação geográfica (Zimmermann; Smith, 2011).

Existem, portanto, fatores sistêmicos globaise regionais (geopolíticos, econômicos, relativos àexperiência multilateral de cada um desses países)que explicam as prioridades das agendas de CSSdos países mencionados, mas há igualmente umadimensão doméstica a ser lembrada. Ao inserir o

debate sobre a CSS nas agendas da política exter-na, reafirma-se a noção de que as decisões sobreconcepção e implementação das políticas são obje-to da barganha entre atores institucionais e nãogovernamentais no plano doméstico. A políticaburocrática (Allison, 1971) e a legitimação das agen-das e atores da CSS (Pinheiro; Milani, 2012) sãomodelos analíticos que permitem entender, no pla-no doméstico, como e por que são tomadas deci-sões sobre CSS. Finalmente, ao analisar a CSSdesses países à luz de seus respectivos interessesde política externa, afastamos pressupostos maisidealistas sobre as motivações dos agentes, o quenão significa, evidentemente, que suas estratégiasde cooperação não possam adotar e desenvolvercritérios, normas ou, inclusive, responder a de-mandas de controles democráticos (prestação decontas, transparência) quanto a seus modos defuncionamento, sempre dependendo, no entanto,da trajetória das relações entre Estado e sociedadeem cada contexto analisado.

Historicamente, não seria tarefa simples es-tabelecer com precisão as origens da CSS, haja vistaa variedade de projetos, modalidades de ação eênfases de cada país. De todas as formas, acredita-mos que qualquer esforço nesse sentido deve apon-tar para os anos 1950, mais concretamente em 1955com a realização da I Conferência de Países da Ásiae da África em Bandung (Indonésia), como pontocentral e marco histórico relevante para o desen-volvimento posterior dessa forma de cooperaçãoentre países em desenvolvimento. A questão cen-tral discutida em Bandung visava a influenciar asmentalidades das elites dirigentes nos países doTerceiro Mundo, muitos deles recentemente eman-cipados, no sentido de deixar de lado suas dife-renças em prol de uma plataforma comum de de-núncia das calamidades do colonialismo. São osprimeiros passos da cooperação política entre pa-íses com características semelhantes, inseridos naperiferia do sistema internacional. Além disso, tam-bém decorreram desses primeiros passos algumasposturas diplomáticas e geopolíticas de distânciaequilibrada em relação às duas superpotências. A“inspiração” para o movimento dos não alinhados

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surgiu em Bandung, sendo que a fundação do MNAse deu somente em 1961, durante a Conferênciade Belgrado.

Haveria, evidentemente, alguns eventosimportantes que poderiam ser lembrados comomarcos relevantes na história da CSS, por exem-plo: a Primeira Conferência das Nações Unidassobre Comércio e Desenvolvimento (1964); a cria-ção do G-77 nas Nações Unidas e a Nova OrdemEconômica Internacional; a Conferência de BuenosAires e seu Plano de Ação sobre Cooperação Téc-nica entre Países em Desenvolvimento (1978); ainstalaçao, em 1992, da agência turca de coopera-ção e desenvolvimento (TIKA); o reestabelecimento,com a mudança terminológica, da Unidade deCooperação Sul-Sul no âmbito do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento (1996); acelebração do Primeiro Fórum de Cooperação Chi-na-África em Beijing (2000); o Fórum Índia-Brasil-África do Sul (IBAS) em 2003; a celebração do anoda África para a cooperação turca em 2005; o lan-çamento pelo Brasil de seu primeiro relatório, pre-parado pelo Instituto de Pesquisas EconômicasAplicadas (IPEA) e pela Agência Brasileira de Co-operação (ABC), sobre cooperação para o desen-volvimento (2010); a fundação da Agência Mexi-cana de Desenvolvimento e Cooperação (AMEXID)em 2011; o lançamento, em 2012, do Programa deCooperação Técnica Descentralizada Sul-Sul dogoverno brasileiro, com edital com valor global de2 milhões de USD para projetos concebidos pormunicípios e estados (2012); o debate entre osBRICS sobre a criação de um banco de desenvol-vimento, a partir da iniciativa indiana em 2012,entre outros.

De fato, no contexto da globalização desdeos anos 1990, particularmente com a crise econô-mico-financeira que assola o centro e a periferia dosistema internacional, mas também no âmbito dosdebates sobre o futuro das relações Norte-Sul e dacooperação internacional, as políticas de CSS res-surgem de modo claramente associado ao papelrenovado de alguns países em desenvolvimento,os mais poderosos global e regionalmente, visan-do principalmente a alicerçar a ideia de que os

países do Sul podem (e devem, vão afirmar algunsdiscursos de política externa) cooperar com ou-tros países do Sul.13 A CSS afirma e busca intro-duzir uma nova visão do desenvolvimento econô-mico dos países em desenvolvimento (quanto aopapel do Estado, em matéria de alianças entre pa-íses do Sul, quanto ao principio da não interven-ção, à defesa da horizontalidade dos programas decooperação, etc.) e garantir uma inserção interna-cional diferenciada de alguns países do Sul nodiálogo com os países desenvolvidos (Chisholm,L.; Steiner-Khamsi, 2009). Boa parte do argumen-to político que sustenta a CSS se fundamenta nopressuposto de que países em desenvolvimentopodem e devem cooperar a fim de resolver os seuspróprios problemas políticos, econômicos e soci-ais com base em identidades compartilhadas (ex-colônias, status econômico, experiência histórica,etc.), esforços comuns, interdependência e reci-procidade. Como argumenta Bruno Ayllón Pino(2011, p.274), a CSS destaca-se como fenômenointernacional que atua em duas dimensões,

uma dimensão política que contempla uma mo-dalidade de cooperação entre países que que-rem reforçar suas relações bilaterais e coligar-semultilateralmente para ganhar poder negocia-dor nos temas e agenda global. A outra dimensãomais técnica em que dois ou mais países adqui-rem capacidades individuais e coletivas atravésde intercâmbios cooperativos em conhecimen-tos tecnologia e know how.

Foi nesse contexto que o discurso oficial eas práticas brasileiras de CSS buscaram, princi-palmente a partir dos anos 2000, distinguir a coo-peração para o desenvolvimento tradicional daque-la iniciada e cada vez mais frequentemente realiza-da pelo Brasil. A Agência Brasileira de Coopera-ção (ABC), ligada diretamente ao Itamaraty, define

13 Na nossa concepção, o “Sul”, que nos remete às rela-ções Norte-Sul, seria o que corresponde, no discursopolítico-diplomático, à periferia e à semiperiferia dos de-bates sociológicos, estruturalistas e cepalinos. É bemverdade que a noção de “Sul Global”, presente em mui-tos discursos atuais, tende a minorar o lugar político doNorte e do Centro, além de negligenciar asheterogeneidades entre distintas sociedades e economi-as dos países em desenvolvimento; portanto, preferi-mos evitá-la em nosso texto. Uma discussão rica e inte-ressante sobre as epistemologias do Sul pode ser encon-trada em Souza Santos e Meneses (2010).

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a cooperação técnica como aquela que “constituiimportante instrumento de desenvolvimento, au-xiliando um país a promover mudanças estrutu-rais nos seus sistemas produtivos, como forma desuperar restrições que tolhem seu natural cresci-mento. Os programas implementados sob sua égidepermitem transferir conhecimentos, experiênciasde sucesso e sofisticados equipamentos, contribu-indo assim para capacitar recursos humanos e for-talecer instituições do país receptor, para possibi-litar-lhe salto qualitativo de caráter duradouro”.14

Segundo o IPEA (2010, p.17), a cooperação inter-nacional para o desenvolvimento seria

a totalidade de recursos investidos pelo governofederal brasileiro, totalmente a fundo perdido,no governo de outros países, em nacionais deoutros países em território brasileiro, ou em or-ganizações internacionais com o propósito de con-tribuir para o desenvolvimento internacional, en-tendido como o fortalecimento das capacidadesde organizações internacionais e de grupos oupopulações de outros países para a melhoria desuas condições socioeconômicas.

Ambas as agências ressaltam a importânciaestratégica que a CSS tem assumido nas agendas dapolítica externa brasileira, e se distanciam do con-

ceito de ajuda oficial para o desenvolvimento (AOD)da OCDE, uma vez que salientam poderem ser cha-madas de cooperação somente as atividades cujosrecursos são investidos a fundo perdido e não com,pelo menos, 25% de concessão (sem necessidadede retorno), como define o CAD da OCDE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como os seis países selecionados concebeme implementam suas políticas externas de CSS?Por meio dessas políticas, assumem liderança re-gional e os eventuais custos dessa liderança? Com-partilham poder decisório com outros países emdesenvolvimento no seio de estruturas multilate-rais? O que aprenderam a partir das práticas maistradicionais da CNS? Qual é a experiência acumu-lada no campo da CSS nos seis países seleciona-dos? Com base em que desenhos institucionaisconcebem e implementam essa agenda? Quais se-riam as áreas temáticas (cooperação técnica, saú-de, educação, segurança pública, meio ambiente)e regiões prioritárias (África, América Latina)?Quais seriam as contradições entre interesses pú-

14 Disponível em http://www.abc.gov.br/ct/introducao.asp.Acesso em 08 de janeiro de 2012.

Quadro 4 - Quadro de análise da CSS em perspectiva comparada

Fonte: elaboração própria.

Questões Variável dependente Variáveis independentes e dimensões

Perfil da política externade CSS dos seis paísesselecionados na ordempós-1989: África do Sul,Brasil, China, Índia,México e Turquia

Natureza da cooperação:doação, empréstimo,cooperação técnica;montantes investidos;setores e políticaspúblicas; ênfase emcooperação multilateralou bilateral

Normas da cooperação:padrões, valores econceitos propostos pelapolítica de CSS; estudode projetosemblemáticos

Dimensão histórica (variável contextual e formativa): como asestratégias de CSS foram integradas às agendas de política externa?Qual é a experiência de cada país em termos de CNS?(história diplomática e história da política externa, autonomia políticae construção de coalizões, experiência multilateral).

Dimensão geopolítica (variável contextual e constitutiva): quais são asmotivações econômicas e os fundamentos geopolíticos para as políticasde CSS?(relação com a segurança coletiva regional e global, relação comprocessos de integração regional, com o comércio, acesso a mercados eos investimentos públicos, relação com a internacionalização dasempresas de cada país selecionado)

Dimensão institucional (variável independente): existe uma agênciaresponsável pela cooperação sul-sul?(aparato institucional, processo decisório, política burocrática,ministérios e agências, entidades subnacionais, aspectos da liderança)

Dimensão da política doméstica (variável independente): quais são osprincipais atores e agendas das políticas de CSS?(legitimação social, atores não institucionais, opinião pública)

Como os paísesselecionados concebeme implementam suaspolíticas externas deCSS?

Por meio de suaspolíticas de CSS,assumem liderançaregional, aceitam pagarcustos dessa liderança ecompartilham decisãocom outros países emdesenvolvimento?

Desafiam ou colocam emxeque o sistematradicional da CNS?

O que aprenderam apartir das práticas maistradicionais da CNS?

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blicos e provados, geradas pelos processosconcomitantes de internacionalização das empre-sas dos respectivos países e suas agendas de CSS?Tais questionamentos integram a nossa atual agen-da de pesquisa, por meio da qual visamos a pro-duzir resultados que nos permitam um conheci-mento mais aprofundado e comparativo da reali-dade da CSS (vide Quadro 4).

(Recebido para publicação em 07 de abril de 2012)(Aceito em 09 de julho de 2012)

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Carlos R. S. Milani

LEARNING WITH HISTORY: critique to theexperience of the North-South Cooperation and

present challenges to the South-SouthCooperation

Carlos R. S. Milani

Based on the critical limitations that werepinpointed regarding the historical experienceof the North-South Cooperation, (NSC), the mainobjective of this paper is to analyze some of thedilemmas that the current strategies of South-South Cooperation (SSC) have to face, whichwere conceived and developed in countries suchas Brazil, Mexico, India, China, Turkey or SouthAfrica. The author defends the hypothesis thatthe differentiation between NSC and CSS isbasically empiric, but that it can also beconsidered in the view of the multilateral legacyof activism in some of these countries and thenew economic and political role they play in theinternational scenario. The argument is basedon the fact that since they were and still areNSC beneficiaries, the aforementioned countriesshould be aware of the risks of reproducing acooperation model that they have recentlycriticized. What is unique and special in thepractices of the SSC in these countries? Whatare the risks that the SSC practices would showless solidarity than the promises announced bytheir leaders and political representatives?

KEY WORDS: International development, North-South Cooperation, South-South Cooperation,South Africa, Brazil, China, India, Mexico andTurkey.

L’HISTOIRE NOUS ENSEIGNE: les critiquesde l’experience de cooperation Nord-Sud et les

defis actuels de la cooperation Sud-Sud

Carlos R.S. Milani

L’objectif principal de cet article, en tenantcompte des limitations critiques de l’expériencehistorique de la Coopération Nord-Sud (CNS), estd’analyser quelques dilemmes auxquels les stratégiesactuelles de Coopération Sud-Sud sont confrontéesalors qu’elles sont conçues et développées par despays tels que le Brésil, le Mexique, l’Inde, la Chine,la Turquie ou l’Afrique du Sud. L’auteur part del’hypothèse que la différenciation entre CNS et CSSest fondamen-talement empirique mais doitcependant être pensée à la lumière de l’héritage d’unactivisme multilatéral de certains pays et du nouveaurôle économique et politique qu’ils jouent sur lascène internationale. L’argument se base sur leprincipe que, du fait d’avoir été (et d’être encore)bénéficiaires de la CNS, ces pays devraient resterattentifs au risque de reproduction d’un modèle decoopération qu’eux-mêmes critiquèrent dans unpassé récent. Qu’y aurait-il de singulier et de différentdans les pratiques de la CSS de ces pays? Quelsseraient les risques de voir leurs pratiques de CSSmoins solidaires que les promesses annoncées parleurs dirigeants et représentants politiques?

MOTS-CLÉS: Développement international,Coopération Nord-Sud, Coopération Sud-Sud,Afrique du Sud, Brésil, Chine, Inde, Mexique etTurquie.

Carlos R. S. Milani - Doutor em Estudos do Desenvolvimento. Professor do Instituto de Estudos Sociais ePolíticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordena o Núcleo de Pesquisa Laboratóriode Análise Política Mundial – LABMUNDO/Antena Rio, desenvolvendo pesquisas na área de política externabrasileira, cooperação Sul-Sul e política externa comparada. Suas mais recentes publicações, são: Políticaexterna brasileira: as práticas da política e a política das práticas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2012;Atores não estatais e trade policy-making no Brasil: análise dos interesses e das estratégias da CEB e da REBRIP.Dados, Rio de Janeiro, v. 55, 2012; International relations and the paradiplomacy of brazilian cities: crafting theconcept of local international management. BAR. Brazilian Administration Review, v. 8, 2011.

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