apostila unicamp - magnetos moleculares

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  1  Magnetos moleculares Monografia F023/F024 – Introdução ao magnetismo Rodrigo Gonçalves Pereira RA 982071 16/01/2001 Introdução A importância dos materiais magnéticos para o desenvolvimento da tecnologia atual é algo inquestionável. Desde o século XVI, os fenômenos magnéticos têm despertado o inte- resse dos pesquisadores e servido às mais diversas aplicações, de uma simples bússola até os modernos dispositivos de gravação magnética. Dado o impacto dos materiais magnéticos na economia, é natural que se busquem no- vos materiais com propriedades magnéticas interessantes e diferentes dos tradicionalmente empregados, como os metais e óxidos de metais. Uma alternativa que tem sido investigada recenteme nte – em especial a partir da década de 90 – e que tem alcançado avanços rápidos e promissores é o desenvolvimento de materiais magnéticos orgânicos ou moleculares. Durante muito tempo, o estudo dos magnetos moleculares esbarrou na dificuldade de  projetar e si ntetizar as co mplexas estrutu ras das moléc ulas orgâ nicas que po diam aprese ntar  propriedad es magnéticas expres sivas. Essas propriedad es dependem princip almente do me- canismo de acoplamento entre spins de elétrons que podem estar localizados tanto na parte orgânica quanto em átomos metálicos. É até possível combinar propriedades de materias orgânicos com ino rgânicos – que é caso dos magnet os híbridos orgânic os/inorgânicos. Os  progressos recentes da química molecular tornaram possível a intensa atividade que se ob- serva atualmente nesse ramo de pesquisa, evidenciado pelo surgimento contínuo de materi- ais cada vez mais surpreendentes.  Neste trabalho, pretendemo s dar uma visão geral das descobertas no campo de novos materiais magnéticos moleculares. Descrevemos as propriedades de destaque desses mate- riais e sua classificação pelo orbital do elétron envolvido e pela dimensão da estrutura. Explicitamo s também a origem das propriedades nos vários tipos de interação. Finalmente, comentamos algumas perspectivas de aplicações de magnetos moleculares.

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Magnetos molecularesMonografia F023/F024 Introduo ao magnetismo Rodrigo Gonalves Pereira RA 982071 16/01/2001

Introduo A importncia dos materiais magnticos para o desenvolvimento da tecnologia atual algo inquestionvel. Desde o sculo XVI, os fenmenos magnticos tm despertado o interesse dos pesquisadores e servido s mais diversas aplicaes, de uma simples bssola at os modernos dispositivos de gravao magntica. Dado o impacto dos materiais magnticos na economia, natural que se busquem novos materiais com propriedades magnticas interessantes e diferentes dos tradicionalmente empregados, como os metais e xidos de metais. Uma alternativa que tem sido investigada recentemente em especial a partir da dcada de 90 e que tem alcanado avanos rpidos e promissores o desenvolvimento de materiais magnticos orgnicos ou moleculares. Durante muito tempo, o estudo dos magnetos moleculares esbarrou na dificuldade de projetar e sintetizar as complexas estruturas das molculas orgnicas que podiam apresentar propriedades magnticas expressivas. Essas propriedades dependem principalmente do mecanismo de acoplamento entre spins de eltrons que podem estar localizados tanto na parte orgnica quanto em tomos metlicos. at possvel combinar propriedades de materias orgnicos com inorgnicos que caso dos magnetos hbridos orgnicos/inorgnicos. Os progressos recentes da qumica molecular tornaram possvel a intensa atividade que se observa atualmente nesse ramo de pesquisa, evidenciado pelo surgimento contnuo de materiais cada vez mais surpreendentes. Neste trabalho, pretendemos dar uma viso geral das descobertas no campo de novos materiais magnticos moleculares. Descrevemos as propriedades de destaque desses materiais e sua classificao pelo orbital do eltron envolvido e pela dimenso da estrutura. Explicitamos tambm a origem das propriedades nos vrios tipos de interao. Finalmente, comentamos algumas perspectivas de aplicaes de magnetos moleculares.

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Propriedades dos magnetos moleculares Os magnetos moleculares podem apresentar propriedades muito semelhantes s dos materiais magnticos convencionais e ainda outras no encontradas nestes. A tabela I resume alguns atributos significativos desses novos materiais. Futuras aplicaes devem basearse nessas propriedades, como veremos mais adiante.

Tabela I: Atributos representativos de magnetos moleculares Baixa densidade Flexibilidade mecnica Podem ser produzidos a baixa temperatura Possibilidade de ajustar as propriedades por meio de tcnicas de qumica orgnica Solubilidade Baixa contaminao do ambiente Compatibilidade com polmeros para formar compostos Biocompatibilidade Alta susceptibilidade magntica Alta magnetizao Alta remanncia Baixa anisotropia Transparncia Isolantes eltricosTabela 1

Interaes magnticas A origem dos fenmenos magnticos est na interao entre eltrons, ou mais exatamente, entre os spins de eltrons. A forma como os spins interagem determina o comportamento magntico do material. Quando os spins so no interagentes, o material paramagntico: na ausncia de campo externo, a orientao dos spins desordenada e no h magnetizao expontnea. A resposta a um campo H aplicado tal que a magnetizao M(H) dada por uma funo de Brillouin. A susceptibilidade depende da temperatura pela lei de Curie 1/T. No caso de spins interagentes, o tipo de interao pode favorecer vrias formas de alinhamento entre os spins. Em campo zero, a interao entre spins pode ser descrita por um Hamiltoniano da forma H = 2 J ij S i S j onde Jij representa um parmetro conhecido como integral de troca entre os vetores de spin adjacentes Si e Sj. Quando Jij = J , o Hamiltoniano depende apenas da orientao relativa entre os spins (Hamiltoniano de Heisenberg) e descreve bem materiais isotrpicos (sem direes preferenciais). Se Jij > 0, a configurao de energia mnima a de spins alinhados paralelamente. Isso d origem a um acoplamento ferromagntico. Num material ferromagntico, os spins

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esto completamente alinhados dentro de pequenas regies conhecidas como domnios. Aplicando-se um campo externo, os momentos magnticos dos diversos domnios podem ser alinhados, produzindo um momento magntico total significativo. Esse fato confere uma importncia tecnolgica para os materiais ferromagnticos. Se Jij 350 K. A confirmao das propriedades magnticas dos magnetos moleculares pode ser feita com medidas como a do calor especfico em funo da temperatura, em que observa um pico em forma de na temperatura crtica, indicando uma transio de ferromagntico para paramagntico. Pode-se tambm medir as curvas de histerese abaixo da temperatura crtica e propriedades como a magnetizao de saturao e campo coercivo (campo contrrio que deve ser aplicado para anular a magnetizao). Os radicais orgnicos (formados por cadeias carbnicas e tomos leves como H, O, N, S, etc) so bem descritos pelo Hamiltoniano de Heisenberg, o que significa que eles se comportam de maneira aproximadamente isotrpica. Por essa razo, a maioria dos ferromagnetos orgnicos so materiais "moles", isto , com baixa coercividade. Esse fato alterado quando alguma fonte de anisotropia est presente no material, como acoplamento spin-rbita ou interaes dipolares, mas estas so em geral bem fracas nos compostos orgnicos. Mecanismos de acoplamento entre spins O acoplamento pode ocorrer entre spins localizados dentro de uma mesma molcula (intramolecular) ou entre molculas adjacentes na estrutura (intermolecular). A interao intermolecular, quando presente, fortalece o ordenamento magntico no material. Uma forma de produzir acoplamento ferromagntico baseia-se na interao entre orbitais ortogonais (que no se sobrepem) localizados na mesma regio. Essa uma interao intramolecular. Um exemplo desse tipo de interao o radical difenilcarbeno, onde h um acoplamento ferromagntico entre orbitais e . Figura 1: Acoplamento ferromagntico intramolecular no radical difenilcarbeno.

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Quando os spins esto mais afastados, o acoplamento pode se dar por meio de interaes de configurao ou CIs (configuration interactions), em que toda a funo de onda do sistema deve ser levada em conta. Outro mecanismo de acoplamento possvel a longo alcance a interao dipolar entre os spins. Essas interaes podem produzir acoplamento ferro, antiferro ou ferrimagntico, mas s aparecem em magnetos moleculares a temperaturas muito baixas. O tipo de acoplamento magntico depende no s da molcula envolvida, mas tambm do arranjo dessas molculas. Por exemplo, o radical benzil pode apresentar acoplamento ferro ou antiferro, de acordo com a orientao relativa das molculas. Esse radical possui um nmero um nmero mpar de orbitais, todos eles preenchidos. Como os spins de tomos adjacentes numa molcula tendem a ficar antiparalelos, a molcula possui um momento magntico total igual ao de um nico spin. Se colocarmos um radical sobre o outro, os spins do radical de baixo se alinham antiparalelos aos do radical de cima. Dependendo da orientao dos radicais, o spin resultante de um radical benzil pode ficar paralelo ou antiparalelo ao do outro (ver figura). Para a orientao das figuras a e c, o acoplamento ferromagntico; para a da figura b, antiferromagntico.

Figura 2: Vrias formas de acoplamento no radical benzil, em funo da orientao da molcula. Tipos de estrutura de magnetos moleculares O tipo de comportamento magntico de um magneto molecular depende dos radicais que contm os spins e dos mecanismos de acoplamento entre eles. Por isso, esses aspectos so importantes para a compreenso das propriedades de um material. Em metais, o spin importante para o propriedades magnticas originrio de orbitais do tipo d ou f e o acoplamento sempre tridimensional. Em magnetos moleculares, os spins podem estar localizados tambm em orbitais p. E, alm disso, podem estar localizados na estrutura orgnica ou, como em muitos casos, em ons metlicos contidos nessa estrutura. Neste ltimo caso, a funo da parte orgnica posicionar os ons metlicos de forma a favorecer o acoplamento entre os spins. Os magnetos moleculares podem apresentar-se como uma molcula isolada (0D) ou formar estruturas com vrias molculas como cadeias (1D), superfcies (2D) ou redes tridimensionais (3D). Assim, uma classificao possvel para os magnetos moleculares segundo o orbital do spin e a dimenso da estrutura.4

Os materiais abaixo apresentam orbitais isolados, sem ligao covalente entre spins adjacentes. So isolantes e transparentes numa grande faixa de freqncias e solveis em solventes orgnicos. magnetos com spins somente em orbitais p : inclui os primeiros compostos ferromagnticos estudados e os mais bem caracterizados, o 4-nitrofenil nitronil nitrxido (NPNN), com Tc = 0.6 K, e o (TDAE)(C60) (o radical TDAE tetrakis(dimetilamino)etileno), com Tc = 16.1 K. magnetos com spins em orbitais p e d: [M(C5Me5)2][TCNZ], onde M = Cr, Mn, Fe e Z = E, Q (TCNE tetracianoetileno e TCNQ tetraciano-p-quinodimetano), todos ferromagnticos abaixo de 8.8 K. magnetos com spins em orbitais d: [CrIII(NH3)6]3+[FeIIICl6]3- (ferrimagntico abaixo de 0.66 K) e [CrIII(NH3)6]3+[CrIII(CN)6]3- (ferrimagntico abaixo de 2.85 K). Os magnetos a seguir apresentam spins em orbitais p e d e ligao covalente entre as molculas, formando estruturas 1D, 2D ou 3D. O spin no orbital p se alinha antiparalelo aos spin no orbital d e, por isso, os compostos so ferrimagnticos. estrutura 1D: [MnIIITPP]+[TCNE]- (ferromagntico com Tc ~15 K). estrutura 2D: composto de MnII(hfac)2 (hfac hexafluoracetilacetonato) e radicais nitrxido , com Tc = 3.4 K. estrutura 3D: MnII(hfac)2-nitrxido, M(TCNE)x yS (M = V, Mn, Fe, Co, Ni; S = solvente). O tipo mais recente de magnetos moleculares o que contm spins apenas em orbitais d (em ons metlicos) ligados por ligao covalente. estrutura 1D: MnIICuII(pbaOH)3H2O (pbaOH 2-hidroxi-1,2propanodiilibis(oxamato)), que forma cadeias com spins em tomos de MnII e CuII, alternadamente, e ferrimagntico abaixo de 4.6 K. estrutura 2D: A2[CrCl4], onde A = Rb+, [RNH3]+ (R = Me, Et, PhCH2, etc), ferromagntico abaixo de 55 K. A temperatura crtica desses materiais independente da separao entre as camadas. estrutura 3D: (FeIII4[FeIII(CN)6]3) ("Prussian blue"). Molculas e arranjos moleculares O desenvolvimento de magnetos moleculares exige ao mesmo tempo a determinao de radicais orgnicos portadores de spins e a identificao dos arranjos estruturais que do origem a interaes ferro e antiferromagnticas. Em princpio, magnetos moleculares podem ser projetados de maneira a produzir as propriedades desejadas. Entretanto, um primeiro problema que surge na sntese de compostos orgnicos que muitos dos radicais so bastante instveis: reagem uns com os outros ou com outros molculas presentes na vizinhana. A estabilidade do composto aumenta quando se adicionam tomos pesados ou grandes grupos orgnicos molcula, pois isso diminui a chance de ocorrer uma reao. Entretanto, o grupo orgnico no pode ser muito grande porque molculas grandes diminuem a capacidade do spin de interagir com os spins adjacentes. Outra soluo adicionar heterotomos com carga negativa, de modo que os radicais do mesmo tipo se repelem, mantendo-se afastados o suficiente para que no reajam.

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Alm disso, h o problema de prever o arranjo das molculas no cristal. Quando as molculas se unem para formar um cristal, a disposio tal que a energia do cristal mnima. As primeiras ligaes que se formam so sempre as mais fortes (inicas, ligaes de hidrognio, etc). A seguir, completa-se a estrutura cristalina usando tipos de ligao mais fracas (van der Waals, por exemplo). Os primeiros padres formados (cadeias, planos, "clusters", etc) so chamados de estrutura primria. A estrutura primria facilmente prevista no desenvolvimento de um magneto molecular e espera-se que exiba distncias intermoleculares pequenas atravs das quais possam ocorrer as interaes magnticas intermoleculares. As caractersticas mais especficas da estrutura cristalina dependem das formaes posteriores, que, segundo o grau de complexidade, so chamadas de estrutura secundria, terciria ou quaternria (como numa protena). Essas estruturas so tambm importantes para as propriedades magnticas do material, mas, devido a sua complexidade, so deixadas por conta do acaso. comum que para uma mesma molcula constituinte existam vrios arranjos, alguns com comportamento ferromagntico e outros sem propriedades magnticas expressivas. Por esse motivo, o projeto completo de um magneto orgnico est, por enquanto, espera de maiores avanos na rea de qumica supramolecular. Um esforo destinado a controlar a formao dos cristais substituir alguns radicais por grupos OH, onde se sabe que sero estabelecidas ligaes de hidrognio. A estrutura do 4-hidroxifenil nitronil aminoxil um exemplo: a estrutura primria (cadeia) formada por ligaes de H fortes entre grupos NO e OH e a estrutura secundria (plana) formada por ligaes de hidrognio fracas entre NO e CH3.

Figura 3: Estruturas primria (cadeias) e secundria (planos) do 4hidroxifenil nitronil aminoxil.

Deve-se fazer uma distino entre a dimenso da estrutura cristalina e a dimenso magntica. Esta ltima depende do nmero de direes em que ocorre um acoplamento forte entre spins. Em termos das integrais de troca Ji, onde o ndice i refere-se a uma dire6

o, a interao 3D se J1 J2 J3, 2D se J1 J2 >> J3, 1D se J1 >> J2 J3 ou ainda 0D se a interao ocorre apenas entre dois spins vizinhos (J1 >> J2 J3 J4). Por exemplo, a estrutura do 4-hidroxifenil nitronil aminoxil apresenta acoplamento ferromagntico de dimenso 2D. Em geral, procura-se por materiais em que a interao ferromagntica intermolecular seja bastante forte porque isso possibilita temperaturas crticas mais elevadas. Se a dimenso da interao pequena e a interao fraca, o alinhamento dos spins torna-se aleatrio (comportamento paramagntico) em temperaturas muito baixas. Alternativamente, projetam-se radicais com formas que favorecem a interao com as unidades vizinhas como o caso de radicais esfricos (o [C60TDAE], por exemplo], que o ferromagneto orgnico com a mais alta Tc conhecido at agora 16.1 K). Recentemente, descobriu-se que a interao de troca pode ser intensificada usando radicais orgnicos com elementos mais pesados, como P, S e Se, com orbitais radialmente mais difusos.

Figura 4: [C60TDAE]

Um grupo de magnetos moleculares cujas propriedades podem ser previstas com boa preciso so as estruturas do tipo M'y[M(CN)6], como o FeIII4[FeII(CN)6]3 ("Prussian blue"). Esses compostos formam cristais de estrutura cbica em que o on metlico M est sempre ligado a um tomo de C e M' est ligado a um tomo de N. O papel do radical CN favorecer a interao entre os spins nos orbitais dos ons metlicos de maneira semelhante ao que acontece nos xidos metlicos como a magnetita (Fe3O4), em que o mesmo efeito produzido pelo oxignio. As imperfeies na estrutura (falta de tomos por clula unitria) e os canais presentes so preenchidas por molculas de gua. O on metlico, seu estado de oxidao e o nmero de spins pode ser alterado com relativa facilidade e isso ocasiona diferentes propriedades magnticas: o material pode ter comportamento ferro ou ferrimagntico. O "Prussian blue", por exemplo, torna-se ferromagntico abaixo de 5.6 K, devido ao acoplamento entre os spins nos orbitais d5 dos ons FeIII. J se conhecem compostos ferrimagnticos com essa estrutura e com Tc acima da temperatura ambiente, como o VII III III 0.42 V 0.58[Cr (CN)6]0.862.8H2O, que possui Tc = 315 K. As propriedades magnticas podem ser melhor controladas usando-se solues slidas de magnetos com essa estrutura. Por exemplo, a soluo MnII3-xNiIIx[CrIII(CN)6]2 yH2O pode ser ferromagntica (x < 0.5) ou ferrimagntica (x > 0.5) e caractersticas como magnetizao de saturao e coercividade variam de acordo com o valor de x. Muito ainda precisa ser conhecido sobre a formao dos magnetos moleculares. Por exemplo, at hoje no se registrou nenhum composto inteiramente orgnico ferrimagntico com interao 3D, embora o princpio de seu funcionamento seja bastante simples: bastaria combinar uma molcula e um radical livre com spins de magnitudes diferentes.

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Novos fenmenos O estudo dos magnetos moleculares trouxe tona um conjunto de novos fenmenos magnticos que desafiam os conceitos estabelecidos e prometem dar origem a tecnologias revolucionrias. Magnetos hbridos orgnicos/inorgnicos O desenvolvimento dos magnetos moleculares torna possvel a criao de materiais com propriedades mais complexas a partir da combinao de componentes orgnicos e inorgnicos os chamados magnetos hbridos. Nessa combinao, ambas as partes contribuem com propriedades fsicas para o slido formado. Essa tcnica pode dar origem a materiais que exibam propriedades diferentes numa mesma estrutura cristalina, ou propriedades aperfeioadas em relao s dos componentes individuais ou mesmo a propriedades totalmente novas que surgem da interao entre as duas partes do material. Pode-se imaginar, por exemplo, a combinao de propriedades de semicondutores com magnetismo ou de ptica no linear com magnetismo. Exemplos de magnetos hbridos so aqueles formados por camadas inorgnicas separadas por camadas orgnicas cuja espessura pode ser controlada em nvel molecular. Por exemplo, a srie de compostos de hidrxido M2(OH)3XzH2O (MII = Fe, Co, Ni, Cu) formada por camadas de carga positiva intermediadas por nions X-, que podem ser inorgnicos (Cl-, NO3-) ou orgnicos (n-alquil sulfato ou n-alquil carboxilato). interessante que as propriedades magnticas da fase inorgnica dependem fortemente da separao entre as camadas e essa separao pode ser controlada escolhendo o tamanho e a estrutura da camada orgnica. O grfico T versus temperatura para os compostos Cu2(OH)3(n-CmH2m+1COO) ilustra como as propriedades magnticas dos magnetos hbridos depende da natureza da camada orgnica.

Figura 5: Grfico T versus temperatura para o Cu2(OH)3(n-CmH2m+1COO) com m=1em=7

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Outro caso interessante o dos magnetos hbridos de hidrxido de cobalto com radicais orgnicos de para- ou meta-imino nitrxido benzoato (p-INB e m-INB, respectivamente) que se ligam aos metais das camadas inorgnicas. Os dois compostos tem comportamento ferromagntico com temperaturas crticas de 6.0 K e 7.2 K. Essa diferena no pode ser explicada pela interao dipolar entre as camadas consecutivas, porque a separao entre elas a mesma nos dois casos. Isso sugere que h alguma interao entre o metal e o radical orgnico, que afeta o acoplamento entre os spins entre camadas diferentes. Esse um fenmeno novo porque, nos compostos de multicamadas tradicionais, camadas orgnicas e inorgnicas no costumam interagir. Magnetos formados por uma nica molcula Para o ramo de dispositivos de gravao magntica, importante encontrar mecanismos que funcionem como elementos de memria de tamanho cada vez mais reduzido, a fim de que a informao possa ser armazenada em espaos menores. A reduo dos elementos de memria atuais esbarra no limite superparamagntico, em que a energia de anisotropia da amostra superada pela energia trmica, de modo que a direo da magnetizao flutua aleatoriamente e no h como gravar informaes. temperatura ambiente, este limite est na faixa de 10-100 nm. A descoberta de molculas que contm vrios ons de metais de transio e possuem propriedades de nanomagnetos surge como uma alternativa promissora para a construo de unidades menores de gravao magntica. O primeiro magneto de uma nica molcula ou SMM (single-molecule magnet), descoberto em 1993, foi o composto [Mn12O12(O2CCH3)16(H2O)4]4H2O2CH3COOH. Esse composto apresenta acoplamento antiferromagntico entre os quatro ons MnIV (de spin 3/2) e os oito ons MnIII (de spin 2), o que d origem a estado fundamental de nmero quntico de spin ms = 10. Os ons MnIII so a fonte da anisotropia da molcula, que bem maior do que a anisotropia resultante da interao dipolar. O grfico abaixo mostra que existem 21 nveis de energia para a molcula e que as duas direes de magnetizao so separadas por uma barreira potencial. Se uma molcula for magnetizada numa direo e o campo for em seguida retirado, a molcula pode ultrapassar a barreira e inverter a direo da magnetizao atravs de saltos termicamente ativados. Entretanto, se a temperatura for suficientemente baixa, o tempo necessrio para a ocorrncia desses saltos pode ser muito longo. Quando T = 1.5 K, por exemplo, esse tempo longo demais para ser medido e podemos dizer que a molcula preserva sua direo de magnetizao. Esse mecanismo obviamente conseqncia das propriedades de uma molcula e no de sua interao com outras molculas. Tem-se, assim, pelo menos em princpio, uma forma eficiente de gravar informao atravs da direo (ou sinal) da magnetizao de uma nica molcula. Outra possibilidade de inverter o sinal da magnetizao o tunelamento quntico, em que a molcula atravessa a barreira a potencial mesmo tendo energia menor que a da barreira. Esse fenmeno tem sido muito estudado recentemente pelo especial interesse terico e pelas possveis aplicaes prticas em computao quntica. Os principais desafios no desenvolvimento de SMMs so encontrar molculas com maior nmero quntico de spin no estado fundamental e com temperaturas de bloqueio (a temperatura acima da qual o material torna-se paramagntico) mais acessveis, de preferncia acima de 77 K (temperatura do nitrognio lquido).

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Magnetizao negativa Alguns materiais magnticos apresentam a peculiar propriedade de que, sob certas condies, a magnetizao apresenta sinal contrrio ao do campo aplicado. Essa propriedade chamada de magnetizao negativa foi observada em alguns magnetos moleculares, como o [TCNE]. Filmes finos de CrIII[CrIII(CN)6] (estrutura tipo "Prussian blue") depositados eletroquimicamente tambm apresentam magnetizao negativa. A estrutura desses filmes pode ser cristalina ou amorfa, dependendo do preparo. As curvas ZFC (zero field cooling) e FC (field cooling) de amostras desse material mostra o fenmeno de magnetizao negativa. Quando a amostra resfriada sob campo negativo (-5 Oe ou 10 Oe), induzindo uma magnetizao na direo do campo aplicado, e depois aquecida sob campo positivo (+5 Oe ou +10 Oe), a magnetizao permanece oposta ao campo durante o aquecimento at a temperatura crtica, que a mesma para todas as curvas. Esse fato indica que h fortes barreiras para a rotao da magnetizao, em conseqncia da combinao da anisotropia com defeitos na estrutura.

Figura 6: Curvas ZFC (+) e FC (sl)

Magnetismo foto-induzido Outro fenmeno que tem despertado muito interesse o controle das propriedades magnticas por exposio luz, chamado de magnetismo foto-induzido (photoinduced magnetism PIM). Esse fenmeno tem sido observado em magnetos moleculares e em outras estruturas compostas. Nos magnetos com estrutura tipo "Prussian blue" com ons de Fe e Co, por exemplo, observam-se alteraes na magnetizao de saturao, na temperatura crtica na remanncia e na coercividade aps a iluminao com luz vermelha. O estado foto-induzido meta-estvel e pode persistir por vrios dias em baixas temperaturas. A alterao desaparece quando o material aquecido at ~150 K.

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Observa-se tambm compostos que so paramagnticos a certa temperatura (como o K0.4Co1.3[Fe(CN)6]5H2O), adquirem um estado magntico ordenado aps a iluminao com infravermelho. Tambm possvel inverter o sinal da magnetizao do FeII III III 1.20Mn 1.80[Cr (CN)6]2 15H2O usando luz, o que til em memrias magneto-pticas. Uma sugesto de explicao para esse fenmeno que a luz provoca a transferncia de eltrons para estados mais altos de spin e que a maior concentrao de spin responsvel pelas propriedades observadas. Aplicaes e desafios Existem muitas perspectivas de aplicaes para os magnetos moleculares devido s suas propriedades especiais. Obviamente, a viabilidade desses materiais depende de encontrar temperaturas crticas mais altas e muitos j foram encontrados com temperatura acima da temperatura ambiente. A baixa densidade em comparao com os metais faz com que magnetos moleculares no sejam uma boa alternativa quando se desejam momentos magnticos elevados. Materiais com baixa coercividade podem ser usados em transformadores e motores ac mais econmicos e como instrumento de blindagem magntica. Os que apresentam coercividade alta podem servir para gravao magntica. O magnetismo foto-induzido possui inmeras aplicaes na rea de magneto-ptica, como a possibilidade de construir dispositivos que respondem luz. H tambm esperanas de que se descubram materiais magnticos lquidos e novas disperses de materiais fortemente magnticos (ferrofluidos). J possvel fabricar filmes finos de materiais magnticos moleculares com propriedades controladas. A descoberta de materiais biocompatveis servir, por exemplo, para construir transdutores para implantes mdicos e obteno de imagens magnticas. Muitas outras possibilidades surgiro quando se conseguir projetar a formao das estruturas orgnicas de forma que os materiais apresentem combinao de vrias propriedades interessantes para a tecnologia. Referncias 1. J. S. Miller, A. J. Epstein, J. Veciana, H. Iwamura, K. Awaga, E. Coronado, M. Drillon, G. Christou, D. Gatteschi, D. Hendrickson e R. Sessoli. MRS Bulletin, 11 (2000).

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