apostila exegese nt hebreus

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Faculdade Adventista de Teologia Unasp-EC Exegese da Homilía aos Hebreus: O Cordeiro Sacrificado, Assentado no Trono Roberto Pereyra, Ph.D. Uso exclusivo para o Mestrado em Teologia (Tradução: Débora Gómez) Engenheiro Coelho, SP 2014

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Page 1: Apostila exegese Nt hebreus

Faculdade Adventista de Teologia

Unasp-EC

Exegese da Homilía aos Hebreus:

O Cordeiro Sacrificado,

Assentado no Trono

Roberto Pereyra, Ph.D.

Uso exclusivo para o Mestrado em Teologia (Tradução: Débora Gómez)

Engenheiro Coelho, SP

2014

Page 2: Apostila exegese Nt hebreus

ii

Sumário

Unidade 1: Aspectos de Introdução a Hebreus ........................................................... 1

Introdução .................................................................................................... 1

Propósito da homilia ..................................................................................... 1

Estrutura da homilia ...................................................................................... 3

Natureza da homilia ...................................................................................... 6

Contribuições de Hebreus ............................................................................ 8

Valor do sermão de Hebreus ........................................................................ 10

Unidade 2: Posição Suprema e Autoridade do Filho (Hb 1:1-2:18) ............................ 12

Introdução .................................................................................................... 12

Deus tem falado suas últimas palavras através de seu Filho (Hb 1:1-4):

Aspectos estruturais ............................................................................ 12

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 13

Superioridade do Filho sobre os anjos (Hb 1:5-14): Aspectos

estruturais............................................................................................ 17

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 17

Primeira exortação: O perigo de ignorar a palavra revelada

pelo Filho (Hb 2:1-4): Aspectos estruturais .......................................... 25

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 25

A humilhação e glória do Filho (Hb 2:5-9): Aspectos estruturais ................... 27

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 27

Solidariedade do Filho com a família humana (Hb 2:10-18):

Aspectos estruturais ............................................................................ 29

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 29

Unidade 3: Caráter Sumo Sacerdotal do Filho (Hb 3:1-5:10) ...................................... 34

Introdução .................................................................................................... 34

Um sumo sacerdote digno de nossa fé, porque é o filho de Deus

quem foi fiel (Hb 3:1-6): Aspectos estruturais ...................................... 34

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 35

Segunda exortação: O perigo de rejeitar a palavra viva

de Deus (Hb 3:7-19): Aspectos estruturais ................................................... 38

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 38

O repouso como futura celebração sabática do povo

Page 3: Apostila exegese Nt hebreus

iii

de Deus (Hb 4:1-14): Aspectos estruturais .......................................... 43

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 43

Um sumo sacerdote digno de nossa fé porque é o Filho de Deus

que é compassivo (Hb 4:15-5:10): Aspectos estruturais ...................... 51

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 52

Unidade 4: Posição Exaltada do Filho como Sumo Sacerdote (Hb 5:11-8:13) .......... 61

Introdução .................................................................................................... 61

Terceira exortação: O perigo da imaturidade espiritual (Hb 5:11-6:20):

Aspectos estruturais ............................................................................ 61

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 61

Jesus, sacerdote para sempre segundo a ordem de

Melquisedeque (Hb 7:1-28): Aspectos estruturais ............................... 72

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 73

Santuário e aliança (Hb 8:1-13): Aspectos estruturais .................................. 85

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 86

Unidade 5: Ministério Sumo Sacerdotal do Filho (Hb 9:1-10:39) ................................ 92

Introdução .................................................................................................... 92

Necessidade de uma nova ação cúltica (Hb 9:1-10): Aspectos

estruturais............................................................................................ 92

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 92

Purificação por meio do sangue de Cristo (Hb 9:11-28):

Aspectos estruturais ............................................................................ 99

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 100

Caráter final do sacrifício pessoal e único de Cristo pelos

pecados (Hb 10:1-18): Aspectos estruturais ........................................ 104

Análise exegética do texto em seu contexto ................................................. 106

Quarta exortação: O perigo da deslealdade a Cristo (Hb 10:19-39):

Aspectos estruturais ............................................................................ 116

Comentário exegético geral .......................................................................... 117

Bibliografia .................................................................................................................... 119

Plano de ensino ............................................................................................................ 123

Esboço padrão sermões .............................................................................................. 126

Page 4: Apostila exegese Nt hebreus

1

UNIDADE I

ASPECTOS DE INTRODUÇÃO A HEBREUS

Introdução

Embora não exista um consenso crítico quanto a sua origem, autor e público alvo

original, Hebreus é uma epístola-homilia distinta do Novo Testamento. Mas que epístola, é

um sermão, uma “palavra de exortação” (13:22).

Como complemento da leitura do texto de Frederick Fyvie Bruce1 designado para

esta primeira unidade, se faz referência à continuação ao propósito, estrutura e valor de

Hebreus para os leitores cristãos do presente.

Propósito da homilia

A homilia alterna exposições teológicas com aplicações práticas ou exortações. O

modelo é como segue: exposição (1:1-14); exortação (2:1-4); exposição (2:5-3:6a);

exortação (3:6b-4:16); exposição (5:1-10); exortação (5:11-6:20); exposição (7:1-10:18);

exortação (10:19-13:25).

Ao examinarem-se as exortações do autor na homilia, advertem-se os perigos

espirituais contra os quais se admoesta e parece claro o problema (dos leitores) que

pretende resolver.

A primeira exortação especifica o problema que enfrentam pelo uso do verbo

pararrein (“cair”, “deslizar”, “extraviar”) e av,melein (“descuidar”, ”abandonar”). Obviamente, o

problema que se tem de evitar não parece ser uma queda gradual, mas sim uma ação

deliberada que separa finalmente a comunidade da fé.

A segunda exortação (3:6b-4:16) enfatiza e modifica esta idéia. Por um lado, o

escritor repetidamente admoesta contra o perigo do sklhru,nein (“endurecer”, “secar”) o

coração através da avpa,th (“engano”; “fraude”; “armadilha”) do pecado. Tal coração infiel pode

avposth/nai (“separar”; “apartar”; “desunir”; “desertar”; “renunciar”) da comunidade cristã, tal

como ocorreu com a antiga geração do deserto. Por outro lado, apresenta um tipo mais ativo

de perigo com os verbos gregos peiqein (“ desobedecer”; “descrever”) e parepi,krainein (“exasperar”; “amargar”; “rebelar”; “irar”). O perigo que ameaça a comunidade é a perda da

herança prometida por um coração desobediente incrédulo, rebelde.

A terceira exortação (5:11-6:20) mantém esta distinção. Censura os leitores por não

ter escutado e os lembra que as bênçãos de Deus se transformam em maldições se não se

produzirem os frutos esperados. Ao mesmo tempo, se apresenta um quadro de aberta

censura aos valores religiosos da comunidade: os que “enfraquecem”, “esmorecem”,

1Frederick Fyvie Bruce. The Epistle to the Hebrews (Grand Rapids, MI: W. B. Eerdmans,

1990).

Page 5: Apostila exegese Nt hebreus

2

“renegam” ou “apostatam” (parapi,ptein) e “crucificam” (avnastauro,w) o Filho de Deus e o

expõem ao menosprezo.

A mesma sorte de divisão se encontra na exortação final (10:19–13:25). Por um lado,

espreita o perigo da hesitação, do abandono da congregação, do esquecimento dos

primeiros dias da vida cristã, de perder a confiança, (avpoba,llein), da falta de perseveransa,

de retroceder (u`poste,llein). Por outro lado, existe a possibilidade de que se peque

voluntáriamente, deliberadamente (evkousi,wj) quando blasfemam contra o Filho de Deus,

profanam o sangue da aliança e afrontam o Espírito Santo (10:19-39).

Nos capítulos finais (12, 13) novamente pode-se discernir a diferença entre a

infidelidade “gradual” e “radical”. Assim, se espreita os perigos que os cristãos se “cansem”

(ka,mnein) ou “desfaleçam” (evkluesqai); que apostatem diante do trabalho da vida cristã; que

não manifestem hospitalidade ou que se esqueçam de seus irmãos; que caiam na idolatria,

na imoralidade, na avareza, ou nas armadilhas dos falsos ensinos. Ao mesmo tempo,

introduz o exemplo “profano”, “infiel” e “ímpio” (be,βhloj) de Esaú (ao ponto de não encontrar

nenhum caminho para rtecuperar sua herança ou patrimônio). Da mesma forma, o perigo de

repelir ou repudiar (paraite,isqai) a Deus sempre é um possibilidade terrível para os cristãos.

Da evidência fornecida por estas passagens de exortação, pode-se notar o perfil

espiritual dos que receberam a carta. Não enfrentam o problema de falsos mestres que

estão se introduzindo para desviá-los da fé, como na Galácia; nem é um ardente entusiasmo

devido as manifestações do Espírito Santo, como em Corinto. Não é uma questão de falta de

fé dos judeus para receber o evangelho, como em Romanos.

O problema é a fadiga e aborrecimento cristão. Os leitores parecem (1) vacilar na

esperança do retorno do Senhor; (2) sentir preguiça em relação a sua identidade cristã; (3)

questionar o valor e a importância de sua experiência cristã; (4) especular sobre o futuro.

O apóstolo Paulo implica em sua mensagem que tal vacilação espiritual é perigosa, o

que poderia resultar em lametáveis resultados: ser negligente com seus privilégios se

tomarem levianamente o que é de supremo valor; ser desafiante se rejeitaram a fé cristã,

integrando-se à maioria que não confessa Jesus como Salvador e Senhor.

As observações realizadas a partir da evidência literária fornecidas pelas passagens

de exortação, parecem se confirmar quando se examina as “soluções” que o autor sugere

nas mesmas passagens.

A grande necessidade é “dispor atenção”, “dar atenção”, “estar alerta” (prose,cein

[2:1]); é “afirmar”, “reter”, “conservar” (kate,cein [3:6, 14; 10:23]); é “segurar”, “agarrar

fortemente”; “capturar”, “guardar”, “conservar em poder” (krate,in [4:14; 6:18]); é mostrar

“apressuramento”, “prontidão”, “zelo”, “diligência”; “trabalho”, “desejo” (spoudh , [6:11; 4:11]); é

“considerar”, “observar”, “refletir”, “saber” (katanoe,in [3:1]); é “exortar” (parakale,in [3:13;

Page 6: Apostila exegese Nt hebreus

3

10:25; 11:19, 22); é “recordar”, “refrescar a memória”, “pensar em” (avnamimnh,|skein [10:32]); é

correr com “paciência”, com “persistência”, com “resistência” (upomonh, [10:36; 12:1]).

A expressão que sobressai, contudo, é “fé”, “fidelidade” (pi,stij). “Fidelidade” foi o que

caracterizou a vida de Jesus, como a de Moisés (3:2). A falta de fé foi o defeito que não

permitiu que a geração do deserto entrasse no repouso de Deus (3:19; 4:2). O capítulo 11 é

construido a partir deste idéia: “pela fé os heróis da antiguidade superaram todo obstáculo e

venceram toda a tentação”.

Assim os leitores da epístola poderiam alcançara a meta. Ao invés de serem

“negligentes”, “indolentes”, “lentos” (nwqroi, [6:12]), devem buscar ser “imitadores daqueles

que pela fé e paciência, herdam as promesas” (6:12).

O propósito de Hebreus, nesse caso, é despertar os cristãos cansados e vacilantes

para os gloriosos privilégios que pertencem à comunidade dos fiés para que possam

perseverar na fidelidade com o propósito de alcançar a herança prometida. O escritor

estrutura seu livro de tal maneira que possa alcançar o alvo proposto.

Estrutura da homilia

Como foi mencionado anteriromente, a estrutura de Hebreus em seu nível rudimentar

consiste de um movimento alternativo entre exposições telógicas e aplicações práticas.

Nesta seção se dá atenção a cada um destes elementos.

Exposições teológicas

Não é totalmente justo sugerir que Hebreus combina teologia com exortação. Por um

lado, se observa material exortatório nas seções teológicas do texto, e por outro lado,

material teológico nas seções de exortação. Contudo, quatro enfases características podem

ser notados no material teológico:

1. Cristologia Sumo Sacerdotal. Hebreus é o único entre os escritos do Novo

Testamento a por esta enfâse particular. Encontram-se evidências desta realidade em

passagens tais como Romanos 8:34; 1 João 2:2; Apocalipse 1,4 e 5. Em Hebreus, porém, a

idéia de Jesus como Sumo Sacerdote é central.

Embora a expressão “Sumo Sacerdote” apareça pela primeira vez em 2:17, o

argumento vai se construindo progressivmente. Devido Cristo ser totalmente Deus

(argumentado em 1:5-14) e totalmente homem (argumentado 2:5-17), pode chegar a ser

sumo sacerdote. Passagens posteriores desenvolvem as duas características especificadas

em 2:17: Sua fidelidade (em 3:1-6a) e misericórdia (em 5:1- 10). Hebreus 7 mostra como

qualifica Jesus para ser um sumo sacerdote, um sumo sacerdote superior araônico. Dessa

forma se chega até a cima sumo sacerdotal de 8:1,2: “Ora, o essencial das coisas que temos

dito é que possuimos tal sumo sacerdote, que se assentou a destra do trono de Majestade

nos céus, como ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não

o homem.”

Page 7: Apostila exegese Nt hebreus

4

2. Terminologia cúltica. Em Hebreus, particularmente na passagens que se

descrevem como “exposição”, se encontram repetidas referências a “tabernáculo”,

“sacrifícios”, “sacerdotes”, “sangue” e “purificação”. Na realidade, a mesma argumentação

teológica repousa sobre um contexto cúltico que não se pode entender independentemente

deste.

Como poderá ser observado mais adiante, o “problema” e a “solução” da seção são

notavelmente diferentes das apresentações que se encontram sob as seções de exortação.

Se enfatisa como problema a resolver o fenômeno da “contaminação” mais que o da

“infidelidade” dos crentes. A obra de Cristo provee a purificação necessária mais que,

simplesmente, mostrar um modelo para o esforço perseverante na experiência cristã.

3. Uma apresentação sistemática do argumento teológico. Parece evidente que o

escritor pensou o que havia de escrever antes de fazê-lo. Se introduz cada idéia em seu

lugar exato e logo a desenvolve com precisão. Cada conceito participa do argumento da

carta para produzir uma composição clara, lógica e convincente.

Além de seu poder espiritual, o livro é uma peça chave de ordem e sistematização

dos conceitos. Por exemplo, se notam as seguintes idéias: Purificação: introduzida em 1:3 e

desenvolvida em 9:1–10:18; Sumo sacerdote: introduzida em 2:17,18; expandida em 4:4-16

e 5:1-10 e totalmente explicada em 7:1-10:18; Anjos: introduzida em 1:4; desenvolvida 1:5-

14; e terminada em 2:16; Aliança: introduzida em 7:22; desenvolvida em 8:6-13; 9:18 e

10:16-18; Fé: introduzida em 2:17; expandida em 3:1-6 e totalmente desenvolvida em 11:1-

39.

4. Clímax do argumento. A idéia teológica de Hebreus alcança seu desenvolvimento

em 7:1-10:18, sendo 9:1-10:18 seu clímax.

Hebreus 7 apresenta o sumo sacerdócio de Cristo segundo a ordem de

Melquisedeque – uma ordem superior à levítica. E não é só uma ordem superior, mas Cristo

mesmo supera a ordem levítica em virtude de seu caráter moral, sua eternidade, o juramento

de sua missão, e seu ministério sacerdotal, de modo que o tema deste capítulo é “um

sacerdote melhor, superior”.

Em Hebreus 8 o escritor declara que chegou ao “ponto principal” de seu argumento:

Cristo é o sumo sacerdote sobre um melhor santuário, o celestial. Ao mesmo tempo é o

mediador da melhor aliança – a aliança já descrita por Jeremias. Este capítulo desenvolve o

conceito de “um melhor satuário e melhor aliança”.

Hebreus 7-8 prepara a base para apresentação da obra de Cristo. Já 7:27 propõe

que Cristo se ofereceu a si mesmo de uma para sempre, o que explica em Hebreus 9-10.

O conceito “havendo feito a purificação dos pecados” (1:3b) é um anúncio explícito do

argumento que será apresentado nos capítulo 9 e 10. Em uma maneira similar, a

apresentação em 2:5-18 (o sacerdote de Jesus enraizado em sua humanidade), 4:14-5:10 (o

sacerdócio de Jesus em virtude de seu sofrimento e chamado divino), e em 6:19-20 (o

Page 8: Apostila exegese Nt hebreus

5

sacerdócio de Jesus como precursor) aponta para a mais extensa exposição em 7:1-10:18.

Com 10:18 se alcança o clímax. O restante do livro se entende a luz da conjunção grega ou=n

(“assim pois”, “assim como se havia dito”, “conseqüentemente”, “portanto”) de 10:19. Segue

a exortação para imitar a fidelidade dos heróis da antiguidade (11) e a aproximar-se da

presença divina através do sangue de Cristo (12:18-29).

Depois de 10:18, surpreende a enfâse que se coloca sobre a idéia do “sangue” de

Cristo. De fato, o termo “sangue” não se usa em seu sentido cúltico antes do capítulo 9.

Depois de 10:18, porém, o conceito é usado sete vezes: duas com referência aos rituais do

santuário (11:28; 13:11) e cinco com alusão ao “sangue” de Cristo (10:19,29; 12:24; 13:12,

20).

Exortações (aplicações práticas)

Embora já se tenha feito referência às passagens de exortação, deve-se acrescentar

dois comentarios adicionais.

Primeiro, as exortações não revelam um argumento encadeiado teologicamente, nem

tão pouco perseguem uma mesma meta ou propósito. Contudo se percebe certa direção na

apresentação das mesmas. Em geral, avançam do tema da indiferença acerca dos

privilégios cristãos as exortações contra o aberta rejeição de Cristo. Eventualmente,

focalizam sobre a fé como a característica destacável mais necessitadas pelos leitores da

carta.

Segundo, as exortações procedem das discussôes teológica e as aludem. Por

exemplo: A primeira exortação (2:1-4) é construída sobre o conceito da superioridade de

Cristo sobre os anjos (1:5-14) para argumentar que existe maior pecado ao rejeitar as boas

novas que chegam através de Jesus que rejeitar a Torah dada por intermédio do anjo no

Sinai. Se interrompe a exposição sobre Cristo como sacerdote segundo a ordem de

Melquisedeque em 5:10, quando o autor desaprova os leitores pela falta de crescimento em

sua vida critã, e pela manifeta incapacidade de entender o ponto teológico que esta

apresentado (5:11-6:20).

Embora se observe no livro uma relação alternada entre exposições teológicas e

aplicações práticas, o conceito de “peregrinação” produz a unidade teológica da epístola.

Se apresenta aos cristãos de Hebreus como uma “comunidade religiosa em

movimento”. Tanto a figura da comunidade cúltica ou religiosa como a da em movimento ou

peregrina resulta vital para a visão holística do documento.

Como comunidade cúltica ou religiosa, se enfatiza de forma destacada o conceito de

“separação”. Caracterizam-se os cristãos com termos cúlticos, tais como “santos” (3:1;

13:24); “santificados” (2:11; 9:13; 10:10, 14,29, 13:12); “aperfeiçoados” (5:14; 7:19; 9:9; 10:1,

14; 11:40; 12:23;7:11; 12:02); e “purificados” (1:3; 9:14,22,23; 10:2). Estes já são povo de

Deus. Por certo, além de tal visão resulta imcompreensivel as admoestações de 6:4-6;

10:26-31 e 12:15-17. Devido ao que constitui a comunidade religiosa, já são “limpos”, elhes

Page 9: Apostila exegese Nt hebreus

6

têm acesso a Deus, têm suas conciencias limpas e a Jesus como Sumo sacerdote. O

contexto temporal é pretérito/futuro. A obra de Jesus sobre a cruz (evento passado) facilitou

uma total comunhão com Deus (realidade presente).

Como comunidade peregrina, os cristãos de Hebreus se dirigem em direção a uma

meta definida. Embora já separada e consagrada, buscam a mesma presença de Deus. Por

um lado, o conceito de contaminação/purificação implica a separação passada do mundo e

enfatiza seu status presente perante Deus como comunidade cristã. Por outro, a seqüência

infidelidade/fidelidade mostra o futuro, com particular advertência dos perigos no presente

que podem provocar a perda final do alvo.

Da mesma forma se pode ver claramente como Cristo é tanto avrciereu,j (“sumo

Sacerdote”, “pontífice máximo”) e avrchgo,j (“pioneiro”, “condutor”, “guia”), e porque razão o

argumento cúltico destaca o “já e agora”, enquanto as exortações chamam a atenção ao

“ainda não” da experiência cristã.

Assim, o reconhecimento da noção de peregrinação sugere uma interpretação

holística da epístola de Hebreus: uma exegese que harmoniza a metáfora de culto e

peregrinação.

Natureza da homilia

Faz-se necessário realizar alguns comentários relativos à natureza do livro. A maioria

das cartas de Paulo segue um modelo estrutural similar. Começa com uma introdução,

segue o corpo da carta e o fechamento ou conclusão da mesma.

Introdução

Geralmente, expande o modelo helênico: “Saudações de A a B” (Rm 1:1-7; Gl 1:1-5;

1Ts 1:1; Tt 1:1-4). Freqüentemente aparece o propósito específico da carta. Paulo dá

informações adicionais dos que enviam a carta (Rm 1:1-16; Gl 1:1-2; 1Tm 1:1; 2Tm 1:1; Tt

1:1-3) ou destinatários da mesma (1Co 1:2; 2Co 1:1; Fm 2). Descreve os remetentes e os

destinatários em termos de sua relação com Deus em Cristo. Paulo identifica-se a si mesmo

com títulos tais como “apóstolo” e “servo”, enquanto os destinatários chama de “santos”,

“amados” ou “a igreja de Deus que está em…”. A saudação helênica habitual cai,rein

(saudação) é substituída por ca,rij kai. eivrh,nh (“graça e paz”), o que é tanto uma afirmação

relativa à graça e paz de Deus que os que recebem a carta já participam, e uma oração para

que apreciem e experimentem esta bênção mais real e completamente.

Paulo segue na saudação uma oração. As cartas mais familiares do período helênico

começam com uma forma de gratidão aos deuses pelos benefícios pessoais recebidos.

Paulo adapta este modelo epístolar, usando freqüentemente a forma euvcariste,w (“dou

graças”) no começo de suas cartas para expressar gratidão a Deus, o Pai de Jesus Cristo,

pelo que tem realizado na vida de seus leitores gentios (Rm 1:8; 1Co 1:4; Fp 1:3; Cl 1:3; 1Ts

1:2; 2Ts 1:3; 1Tm 1:12; 2Tm 1:3; Fm 4).

Page 10: Apostila exegese Nt hebreus

7

Se observam dois tipos de estruturas nas expressões de gratidão de Paulo: A que

começa com o verbo euvcariste,w e termina com a conjunção preposicional i[na (“para que”, “a

fim de que”) ou seu equivalente, indicando o conteúdo da intercessão do apóstolo pelos

leitores (Fp 1:3-11; Cl 1:3-14; 1Ts 1:2-3:13; 2Ts 1:2-12; 2:13-14; Fm 4-7; cf. Ef 1:15-19). A

segunda é mais simples em forma. A que começa com euvcariste,w e termina com a

conjunção o[ti (“que”, porque”), enfatizando a razão pela expressão de gratidão (1Co 1:4-9;

cf. Rm 1:8-10).

Enquanto a estrutura da gratidão paulina é de influência helênica, o conteúdo, além

de seus elementos especificamente cristãos, mostram a influência do pensamento do Antigo

Testamento e do judaísmo.

As formas de gratidão nas introduções epístolares de Paulo, têm funções didáticas

como as seguintes: (1) introduzir e apresentar o tema principal das cartas; (2) incluir

assuntos teológicos de importância para o apóstolo (Cl 1:9-14); (3) dar evididêcia do

profundo interesse pastoral do apóstolo por seus leitores; (4) informar os motivos de gratidão

e pedidos apostólicos aos leitores das cartas.

Paulo introduz duas de suas cartas usando uma típica forma de oração do Antigo

Testamento, denotando louvores, ao usar a forma famíliar de bênção judaica Euvloghto.j o qeo.j (“bendito seja Deus” [2Co 1:3, Ef 1:3; cf. 1Pe 1:3-5]. Compare as conclusões

doxológicas em Salmos 41:13; 72:19-20, etc). Enquanto sua gratidão está focalizada na obra

de Deus na vida dos outros, louva a Deus pelas bênçãos nas que Paulo mesmo participa.

O corpo da carta

O corpo das cartas paulinas mostram considerável variedade, refletindo precisamente

as diferentes situações epístolares.

Aparentemente, Paulo se inclinava mais a seguir seu próprio esquema que estruturas

epístolares conhecidas ou preestabelecidas. Tem havido alguma dificuldade em determinar

onde começa ou termina o corpo da carta paulina (por exemplo, em 1 e 2Ts). Contudo,

certas formas características de transição parecem introduzir o corpo da mesma. Estas

incluem expressões tais como: “Os exorto” (1Co 1:10; 1Ts 4:1; 1Tm 1:3; 2:1; Fm 9); “Rogo-

vos”(2Ts 2:1); “Não queremos que ignoreis” (2Co 1:8); “Quero certificar-vos” (Fp 1:12); “por

esta causa”, “pelo qual” (Ef 1:15; Cl 1:9; 2Tm 1:6; Tt 1:5).

Por outro lado, formas similares introduzem novos temas dentro da carta ou marcam

a transição de um pensamento para outro (Rm 11:36-12:1; 1Co 7:1; 8:1; 10:1; 12:1; 15:1;

16:1; Ef 3:21-4:1; 1Ts 3:11-4:1). O fechamento do corpo pode ser percebido ocasionalmente

por conclusões escatológicas (Rm 11:25-36; 1Ts 3:11-13).

Fechamento da carta

Paulo usa as palavras típicas de despedida das cartas helênicas para unir as

congregações com seu próprio ministério itinerante (Rm 16:3-16, 21-23; 2Co 13:12-13; Cl

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8

4:10-17). Contudo, não inclue os habituais desejos de saúde ou palavras gregas de

despedida. Em seu lugar, expressa um bênção (1Co 16:23; Gl 6:16, 18; Ef 6:23-24; 2Ts

3:16, 18) ou doxologia (Rm 16:25-27; Fp 4:20; cf. Hb 13:20-21).

A bênção final, que leva a carta a sua conclusão definitiva, freqüentemente expressa

um desejo praticular de Paulo (por exemplo, “que a graça do Senhor Jesus seja convosco”

1Co 16:23) e declara uma nota de confiança. Outra forma convencional que Paulo usa para

concluir suas cartas são referências autográficas (o que era um meio característico comum

de autenticação em cartas e documentos da antiguidade [1Co 16:21; Gl 6:11; Cl 4:18; 2Ts

3:17]), uso de secretário (Rm 16:22) e o ósculo santo (Rm 16:16).

A organização da estrutura de Hebreus, entretando, é diferente. Não se encontra

identificação do autor, não se menciona os destinatários, não tem saudação. O texto começa

diretamente com uma frase teológica: “Havendo Deus, outrora falado, muitas vezes e de

muitas maneiras(…)” (1:1). Enqunto não se observa o desenvolvimento de soluções e

problemas evidentes como se havia de supor em uma carta, o escritor segue

antecipadamente um argumento bem sistematizado.

O próprio autor da obra a concidera uma “palavra de exortação” (13:22). Embora

contenha teologia, Hebreus não é uma obra de teologia sistemática por si própria. Poderia

admitir-se que teologia e exortação se mesclam e harmonizam-se. O escritor antecipa

conceitos teológicos a serviço das exortações, enquanto estas se originam da teologia.

Hebreus, então, parece ser melhor descrito como um sermão. Ao contrário de uma

carta, que pode originar-se em uma profunda emoção e ser escrita em paz, o sermão é

planejado cuidadosamente. Não se escreve desconhecendo a realidade da vida. Tem em

mente os ouvintes e suas necessidades. Assim no sermão aos Hebreus, o raciocínio

teológico, por toda sua complexidade, serve para um propósito prático e específico na vida

de seus destinatários originais.

O tema do sermão é a grandeza do cristianismo, cujo Senhor é Jesus, o Cristo, nosso

Cordeiro e Sumo Sacerdote sentado no trono, que está preparando um lugar de repouso

eterno para os que vivem pela fé. É “ tão grande salvação” (2:3), absoluta confiança na

presença de Deus devido o acesso e purificação previstas por Jesus. Finalmente, eternidade

com ele.

Hebreus é abundante em superlativos. Sua palavra chave é “superior”. Lê-se de um

nome superior (1:4); uma esperança superior (7:19); uma aliança superior (7:22); de

promessas superiores (8:6); sacrifícios superiores (9:23); pátria superior (11:16); de

ressurreição superior (11:35); e de um sangue superior (12:24).

Contribuições de Hebreus

Muito da peculiar contribuição canônica de Hebreus se percebe em certas ênfases

distintivas do livro que motiva a atenção especial da erudição neotestamentária. Por

Page 12: Apostila exegese Nt hebreus

9

exemplo, a cristologia de Hebreus2. Por um lado, existe um vínculo evidente com João e

Paulo (especialmente no uso do conceito “Filho” e na distinta cristologia de Hebreus 1:1-3).

Por outro lado, a exposição a respeito da obra sacerdotal de Cristo, tanto em Seu ministério

terreno como celestial, é muito mais completa na epístola que em qualquer outra parte do

Novo Testamento. Além disso, Hebreus exibe interesse em um Jesus histórico.3

Tem-se dado uma considerável atenção ao que a epístola diz a respeito de

Melquisedeque em comparação com outras tradições judaicas a respeito do mesmo.4

Um fato que tem motivado muito interesse nos estudiosos é a dependência que

Hebreus revela ter do Antigo Testamento. Encontra-se cerca de 30 citações e mais 70

referências ao Antigo Testamento em Hebreus.5 No Novo Testamento, apenas Mateus se

compara a Hebreus em seu uso de textos veterotestamentários.

Vários temas têm cativado a permanente atenção, talvez por serem mais

desenvolvidos na carta que em qualquer outro livro do Novo Testamento, ou pelo tratamento

distinto do assunto na epístola. Por exemplo, especialmente, destaca-se o tema da

“perfeição”;6 do” repouso”; (Hb 4)7 e da fé (Hb 11).8

Hebreus enriquece grandemente a cristologia do Novo Testamento, particularmente

no que diz respeito ao propósito da encarnação de Cristo, a natureza de Sua origem, a

finalidade e importância de Seu auto-sacrifício expiatória pleno na cruz, Sua obra sacerdotal,

e Seu papel como avrchgo,j (“pioneiro”, “condutor”, “guia”).

2Ver Harold W. Attridge (The Epistle to the Hebrews, Hermeneia [Philadelphia: Fortress, 1989],

25, n. 197) e particularmente William R. G. Loader (Sohn und Hoberpriester: Eine traditionsgeschichtliche Untersuchung zur Christologie des Hebräerbriefes, WMANT 53 [Neukirchen-Vluyn: Neukirchener, 1981]).

3Ver especialmente a informação de Bertran L. Melbourne (“An Examination of the Historical-

Jesus Motif in the Epistle to the Hebrews,” Andrews University Seminary Studies 26 [1988]: 281-97).

4Ver, por exemplo, Fred L. Horton (The Melchizedek Tradicion: A Cristical Examination of the

Sources to the Fifth Century AD and in the Epistle to the Hebrews, SNTSMS 30 [Cambridge: Cambridge University Press, 1976]), y Paul J. Kobelski (Melchizedk and Melchireša´, CBQMS 10 [Washington, DC: Catholic Biblical Association, 1981]).

5Ver particularmente a Simon J. Kistemaker (The Psalm Citations in the Epistle to the Hebrews

[Amsterdan: Soest, 1961]), y a Friedrich Schröger (Der Verfasser des Hebräerbriefes als Schriftausleger, BU 4 [Regensburg: Pustet, 1968]).

6Ver David Peterson (Hebrews and Perfection: An Examination of the Concept of Perfection in

the "Epistle to the Hebrews," SNTSMS [Cambridge: Cambridge University Press, 1982]).

7Ver Otfried Hofius (Katapausis: Die Vorstellegung vom endzeitlichen Ruheort im Hebräerbrief,

WUNT 11 [Tbingen: Mohr, 1970)]; A. T. Lincoln ("Sabbath, Rest and Eschatology in the New Testament," in From Sabbath to Lord's Day: A Biblical, Historical, and Theological Investigation. Ed. D. A. Carson [Grand Rapids: Zondervan, 1982], 197-220).

8Ver Erich Grässer (Der Glaube im Hebräerbrief [Marburg: Elwert, 1965]).

Page 13: Apostila exegese Nt hebreus

10

Da mesma forma, pelo seu uso abundante de textos do Antigo Testamento, Hebreus

ajuda na exploração dos supostos hermenêuticos da igreja cristã primitiva e a ler

corretamente o Antigo Testamento.

O autor interpreta o Antigo Testamento com uma hermenêutica cristocêntrica. Ele diz

que Cristo é a chave do real significado do Antigo Testamento. Desse ponto de vista, todo o

Antigo Testamento aponta, direta ou indiretamente, para Cristo, que é por definição o alvo

dos propósitos de salvação de Deus.

Hebreus exemplifica (1) a natureza hermenêutica tipológica; (2) o entendimento da

profecia que é muito mais que uma mera predição verbal; e (3) a ação recíproca entre a

exegese específica dos textos e o chamado à história da salvação. Assim, então, a epístola

fornece muito dos elementos de trabalho necessários para o desenvolvimento de uma

teologia bíblica.

Hebreus se une a outros livros do Novo Testamento (Atos e Gálatas, por exemplo)

para fornecer um ponto de vista independente para entender a transferência dos privilégios

do povo de Israel (como centro do povo do concerto de Deus) a igreja (como comunidade

messiânica, convocada por Deus através da morte, ressurreição e mediação de Cristo

Jesus). Finalmente, Hebreus se vincula com outros livros do Novo Testamento (1Jo, para

citar algum) que se interessam pelo problema da perseverança dos cristãos e a natureza

perigosa da apostasia.

Pelo visto, Hebreus é relevante, altamente relevante, a todos os cristãos. Porém, para

os adventistas tem um significado especial.

Valor do sermão de Hebreus

Hebreus é de particular relevância aos adventistas porque:

1. Trata diretamente o problema da demora do retorno de Jesus. Exorta a não ser

“dos que retrocedem para a perdição; somos da fé, para a conservação da alma” (10:39).

Promete que "ainda dentro de um pouco mais de tempo, aquele que vem virá e não tardará”

(10:37). Baseia a esperança da segunda vinda de Cristo no fato de seu primeiro advento:

“assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de

muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que aguardam para a salvação” (9:28).

Estende uma ponte através dos anos, mostrando que Cristo ainda está atuando em favor do

pecador arrependido. Cristo ministra no santuário celestial os benefícios de seu auto-

sacrifício expiatório pleno e prontamente completará sua obra de mediação intercessora.

2. Fornece o fundamento bíblico para a doutrina do santuário celestial. A doutrina do

santuário é fundamentada em muitas fontes bíblicas. Contudo, quatro livros em particular

são básicos: Levítico-Hebreus e Daniel-Apocalipse. Considera-se que Hebreus é de vital

importância por suas afirmações específicas quanto o santuário celestial e o ministério sumo

sacerdotal de Cristo. Por outro lado, Hebreus é claro, pelos tipos do Antigo Testamento e os

símbolos do Novo Testamento (Apocalipse), que designa se a Cristo como sumo sacerdote.

Page 14: Apostila exegese Nt hebreus

11

3. Embora o livro de Hebreus não forneça uma exposição detalhada das cerimônias

israelitas (por seu interesse pastoral que o leva a outra direção), proporciona chaves

importantes para entender o significado do santuário. Por exemplo, Hebreus (1) indica que

existe uma relação de correspondência vertical entre o santuário terreno e o celestial.

Interpreta-se o terreno como a imagem do celestial e o designa “cópia” ou “sombra” da

realidade celestial; (2) descreve o santuário terreno com o termo grego παραβoλή

(“parábola”, figura” [9:9]). Como figura ou parábola, o santuário terreno serve para ilustrar

aspectos importantes do plano da salvação (4:1-2); (3) refere-se ao santuário terreno e suas

cerimônias com as expressões gregas τύπoς (“exemplo”, “cópia”, “figura”, “modelo”, “tipo”

[8:1-5]) e σκιά (“sombra” [10:1]). Uma “sombra”-“tipo” é uma espécie de anúncio profético

“das coisas por vir” (10:1). De modo que, segundo a interpretação tipológica de Hebreus, os

rituais do santuário terreno anunciam a morte e sacrifício expiatório de Cristo e seu ministério

sacerdotal no santuário celestial (8:1, 2; 9:11-14); (4) faz certas aplicações dos tipos do

santuário terreno para demonstrar a ineficácia do sangue dos animais e a incapacidade da

mediação humana para resolver o problema do pecado. Ao mesmo tempo, Hebreus procura

desviar a atenção de seus leitores do templo e de seus rituais como fins em si mesmo para

focalizar a atenção confiadamente na grande “Realidade” de todas as “sombras” – do tipo ao

antitipo – Jesus Cristo mesmo: em sua morte expiatória e ministério sacerdotal na mesma

presença de Deus (a favor dos mesmo leitores).

4. Exalta o calvário como a “consumação dos séculos” (9:26), o ponto decisivo na

história da salvação que apresenta a garantia necessária para a obra futura de purificação

por parte de Deus. Esta enfase é característica da proclamação adventista (que prega o

evangelho num contexto de “a hora” do juizo divino “é chegada” [Ap 1:7]).

5. Em Hebreus o evangelho vem como promessa. O povo de Deus, estrangeiro e

peregrino, caminha em direção da cidade celestial. De fato, suas bênçãos já são grandes e

numerosas, porém ainda não tem chegado ao objetivo. Por essa razão, em Hebreus como

em outros livros da Bíblia, palavras de ressonante segurança enfrentam admoestações de

rejeição. A proposta “uma vez salvos, para sempre salvos” não encontra base em suas

exortações.

O autor de Hebreus ainda fala, e se dirige especialmente aos adventistas. Como os

cristãos do primeiro século, assim a palavra deveria soar em seus ouvidos: “se ouvirdes a

sua voz, não endureçais o vosso coração” (3:7).

A mesma mensagem que o inspirado autor de Hebreus confiou a seus leitores do

primeiro século necessita-se novamente nos últimos dias da história da humanidade. Sua

mensagem ultrapassa sua própria situação histórica. Os cristãos do tempo do fim

perseguidos pela abundancia de um lado ou distraídos por inúmeros cuidados por outro,

estão em perigo de perder a fé enquanto esperam o retorno de seu Senhor. É necessário

“considerar” novamente “o Apóstolo e Sumo Sacerdote de nossa confissão, Cristo Jesus

(3:1) sentado “à destra do trono da Majestade nos céus, como ministro do Santuário e do

verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não o homem” (8:1-2).

Page 15: Apostila exegese Nt hebreus

12

UNIDADE II

POSIÇÃO SUPREMA E AUTORIDADE DO FILHO

(Hb 1:1-2:18)

Introdução

O assunto da primeira seção de Hebreus pode ser identificado como a revelação de

Deus através de seu Filho.

Paulo primeiro demonstra a relação do Filho com Deus, quem fala. A caracterização

de Deus como quem vem intervindo na história humana com suas palavras é o prelúdio a

introdução da caracterização do Filho através de quem Deus tem falado sua palavra final

(1:1-4). Isto expõe o perigo de ignorar a palavra de redenção dada pelo Filho (2:1-4).

Os textos veterotestamentários confirmam a transcendente dignidade do Filho (1:5-

14).

Paulo, então, exibe a solidariedade do Filho com estes a quem Deus fala (2:5-18).

Considera a humilhação e a glorificação do Filho (2:5-9) e afirma os elementos de sua

identificação com a humanidade oprimida pelo temor da morte (2:10-18).

A primeira divisão, então, serve como uma declaração inicial para o corpo do sermão

que segue o qual alcança seu clímax na exortação: “Tendes cuidado, não rejeiteis ao que

fala” (12:25).

Atentai ao fato da revelação de Deus através do Filho.

Deus tem falado suas últimas palavras através do Filho (Hb 1:1-4):

Aspectos estruturais

Hebreus 1:1-4 exibe o estilo de um erudito que se expressa em forma polida, com as

características de um orador que coloca tudo ao serviço da pregação. Parece seguir os

cânones da prosa retórica recomendada por Hipócrates.

Este inclui um sentido desenvolvido do ritmo, a variação de metro, e o cultivo dos

elementos de um etilo literário que chama a atenção do ouvido ao ler em voz alta. Aliteração

(cinco palavras que começam com a letra p [p], em 1:1: Polumerw/j, polutro,pwj, pa,lai,

patra,sin, profh,taij); variação da ordem de palavras (inserção do material entre o adjetivo e

substantivo, em 1:4: krei,ttwn geno,menoj tw/n avgge,lwn o[sw| diaforw,teron parV auvtou.j

keklhrono,mhken o;noma); paralelismo de som (1:3: th/j u`posta,sewj auvtou . . . th/j duna,mewj auvtou/); paralelismo de sentido (1:1: pa,lai o qeo.j lalh,saj toi/j patra,sin evn toi/j profh,taij ao qual corresponde evpV evsca,tou tw/n h`merw/n tou,twn evla,lhsen hmi/n evn ui`w /).

A estrutura literária da introdução mostra uma simetria concêntrica (ABC C‟B‟A‟); em

que a correspondência conceitual de 1:1 e 4 serve a estrutura de várias declarações

relativas ao Filho em 1:2 e 3. Veja o diagrama que segue:

Page 16: Apostila exegese Nt hebreus

13

A (1-2a) o qeo.j lalh,saj . . . evn toi/j profh,taij . . . evla,lhsen hmi/n evn uiw/ (“Deus,

havendo falado . . . através dos profetas . . . falou-nos pelo Filho”)

B (2b) o]n e;qhken klhrono,mon pa,ntwn (“A quem constituiu herdeiro de

tudo”)

C (2c) diV ou- kai. evpoi,hsen tou.j aivw/naj\ (“por quem também fez o

mundo”)

C‟ (3a-b) o]j w'n avpau,gasma . . . kai. carakth.r . . . fe,rwn te ta. pa,nta (“Quem, sendo o resplendor . . . e a exata representação . . .

sustenta todo”)

B‟ (3c) kaqarismo.n . . . poihsa,menoj evka,qisen evn dexia (“havendo feito a

purificação pelos pecados, se sentou a destra da Majestade nas

alturas”)

A‟ (4) tosou,tw| krei,ttwn geno,menoj tw/n avgge,lwn o[sw| diaforw,teron parV auvtou.j keklhrono,mhken o;noma (“chegando a ser superior aos anjos como

o nome que tem obtido o mais excelente que o deles”)

As declarações estruturais (AA‟) enunciam enfaticamente o tema da revelação

suprema através do Filho. O coração da introdução (BCC‟B‟) descreve Jesus magnífica e

admiravelmente. Introduz o tema da superioridade do Filho de Deus a todos os modelos

prévios da revelação. Sua revelação se contrasta com a dos homens e dos anjos. A

perspectiva de Paulo é teocêntrica. Enfrenta seus leitores com o Deus que interveio na

história humana com sua palavra soberana revelada a humanidade. Sua palavra final,

contudo, foi falada através de um que se distingue dos outros por sua particular relação com

Deus.

O coração do parágrafo, constituída por sete afirmações, explora o caráter do Filho

divino com termos dos Salmos 2 e 110. Como Filho e Sacerdote, participa dos atributos ou

características reais.

Análise exegética do texto em seu contexto

1:1 Havendo Deus, outrora falado. . . Esta afirmação inicial é vital para o argumento

da epístola.

Em realidade, Deus o tem feito “muitas vezes e de muitas maneiras” no passado e

através dos profetas (πolumerw/j kai. polutro,pwj). Se bem que a combinação alterativa das

palavras gregas πolu- era comum em introduções retóricas do tempo de Paulo, a frase

adverbial inicial em Hebreus é mais que uma convenção literária. Polumerw/j (“muitas vezes”)

expressa o caráter fragmentário das primeiras revelações. A revelação de Deus foi

Page 17: Apostila exegese Nt hebreus

14

essencialmente progressiva. Polutro,pwj (“muitas maneiras”) implica os diversos métodos de

revelação (sonhos, visões, etc).

Estas palavras compostas (com πolu) expressam a convicção do escritor

concernente ao alcance da revelação do AT. Investiga a revelação dada através dos profetas

em sua variedade e totalidade, e implica que até a vinda do Filho a revelação de Deus

permaneceu incompleta.

1:2 Nestes últimos dias. . . O contraste implicado pelas referencias ao passado em

1:1b (pa,lai) e ao presente em 1:2a, caracterizado pela expressão da palavra decisiva e

climática de Deus (evpV evsca,tou tw/n hmerw/n tou,twn, “no final destes dias”) expressa à

concepção cristã primitiva e judaica da sucessão das idades no curso da redenção humana.

A caracterização do tempo presente como “o fim” destes dias é qualitativa e indica a

orientação escatológica dominante no pensamento do apóstolo. Está convencido que certos

eventos decisivos já tenham ocorrido (marcando o cumprimento da promessa anunciada nas

escrituras do AT), e que outros acontecimentos ainda irão acontecer no futuro.

A expressão temporal evpV evsca,tou tw/n hmerw/n tou,twn (“neste últimos dias”), qualifica

a afirmação que Deus falou no passado. A idéia que Deus se relaciona com seu povo

através da palavra se desenvolve posteriormente como um conceito maior. Em 1:1, Paulo

concentra a atenção de seus leitores sobre a autoridade do Deus que fala. O resultado da

palavra falada foi a Sagrada Escritura. Paulo habitualmente introduz textos do AT como

mensagens diretas de Deus (1:5-13; 5:5-6; 7:17, 21).

A constante revelação de Deus encontra sua última expressão na revelação dada por

meio do Filho. A frase complementaria “Deus havendo falado” evn toi/j profh,taij . . . evn uiw

(“através dos profetas...pelo Filho”) estabelece que a revelação de Deus em Jesus Cristo

pode ser entendida somente no contexto da revelação de Deus a Israel. O testemunho do

AT realmente antecipa a revelação da palavra decisiva e climática de Deus. O caráter

variado e fragmentário da revelação de Deus no AT despertou nos pais uma expectativa que

Deus continuaria cultivando em seu povo. Da mesma maneira o compreende a Igreja cristã

primitiva, o que se implica claramente no texto em estudo. A igreja – herdeira dos privilégios

e expectativas dos pais – interpreta e entende que a palavra falada pelo Filho é continuação

e extensão da história específica, caracterizada pela revelação divina. O ministério dos

profetas marca a fase preparatória dessa história. Assim Deus se revelou em duas etapas:

(1) aos pais, e através dos profetas; (2) a seus herdeiros, por meio do Filho.

Dita continuidade se faz evidente na clausula o` qeo.j lalh,saj toi/j patra,sin . . . evla,lhsen hmi/n (“Deus, havendo falado de muitas maneiras aos pais... falou-nos”). A pré

existência eterna do Filho o qualificou para ser instrumento através do qual Deus revelou sua

palavra final ao mundo. Paulo usa o aoristo particípio lalh,saj para indicar antecedente

temporal, o que implica uma ação prévia a ação principal do verbo evla,lhsen, aoristo

indicativo. É dizer, “depois de haver falado” (lalh,saj) “falou” (evla,lhsen).

Page 18: Apostila exegese Nt hebreus

15

A antítese, nas fases da revelação, encontra se a diferença entre os profetas que

foram homens, e o Filho, que goza de uma relação única com Deus. Em 7:28 implica uma

distinção similar entre o sumo sacerdote de origem levitica e o Filho, “perfeito para sempre”.

O que Deus disse através do Filho tornou clara a intenção da palavra falada aos pais.

Desta perspectiva, a revelação do Filho é total, completa (ainda que a expressão grega

πλθρόω, “completar”, “acabar”) não seja usada em Hebreus.

A história da revelação divina é uma história de progresso. O progresso vai da

promessa ao cumprimento: “dos profetas ao Filho”.

1:2b-4 Paulo expõe sete fatos acerca da natureza do Filho de Deus. Estes revelam

sua grandeza e expõe a razão pela qual sua revelação é incomparavelmente superior.

Primeiro, Deus o constituiu “herdeiro de todas as coisas” (2b: o]n e;qhken klhrono,mon

pa,ntwnA expressão contem uma evidente referencia ao Salmo 2:8, onde se assegura ao

Filho do Rei que o Senhor lhe dará as nações como herança.

Dita herança não se limita a terra, extensão prometida a Abraão (11:9-10, 14-16).

Engloba o universo e o mundo vindouro (2:5-9).

Segundo, é o agente por quem Deus “também fez o mundo” (2c diV ou- kai. evpoi,hsen tou.j aivw/naj). A conjunção kai. une à segunda clausula relativa à primeira, possivelmente em

um sentido adversativo: o Filho foi constituído herdeiro, mesmo sendo o agente através do

qual Deus fez o mundo. Que o Filho fosse o agente por meio do qual Deus criara o mundo

harmoniza com as afirmações de João (Jo 1:3) e o mesmo Paulo (1Co 8:6; Cl 1:16).

Terceiro, o Filho é o resplendor da glória de Deus (3 a: o]j w'n avpau,gasma th/j do,xhj).

Em 1:3-4 se desenvolvem três afirmações introduzidas no final da primeira unidade (1:2): (1)

a revelação através do Filho (1:2a); (2) seu status como herdeiro (1:2b); e, (3) sua função

como agente da criação (1:2c). A ordem que estes elementos ocupam é o lógico do Filho

(1:3a), criação (1:3b), e herança (1:4).

O sujeito de 1:3-4 é “o Filho”, o que se indica pelo pronome relativo nominativo o]j (“o

qual”, “quem”). O termo “resplendor” (avpau,gasmaque se utiliza na epístola denota o

significado ativo que implica a idéia de emitir brilho, luz. A linguagem descreve o homem que

havia vivido e morreu e que, contudo, era o Filho eterno e a revelação suprema de Deus. A

combinação dos membros da clausula final num paralelo de sinônimos da primeira

declaração (1:3 a-b) parece ser intencional. Significam o mesmo.

Quarto, o Filho é a mesma imagem da essência de Deus, a reprodução exata de seu

Ser (3 a-b: o]j w'n avpau,gasma th/j do,xhj kai. carakth.r th/j uposta,sewj auvtou /). O termo

carakth.r, do verbo χαράςςω no sentido de “imprimir”, “estampar”, se usa especialmente na

impressão de selos e no processo de cunhar moedas. Assim como a imagem de uma

moeda corresponde exatamente ao padrão de sua matriz, assim o Filho de Deus é “a

Page 19: Apostila exegese Nt hebreus

16

imagem do que Deus é”. A palavra carakth.r (que aparece esta vez no NT) expressa ainda

mais enfaticamente este conceito de que o vocábulo eivkώn (“imagem”, “figura”, “retrato”,

“semelhança”, “representação”) denotam no NT (2Cr 4:4; Cl 1:15).

Assim como a glória está no resplendor, assim a essência de Deus está realmente

em Cristo, que é sua impressão e sua representação exata. O que Deus essencialmente é

se faz manifestar em Cristo. Não só Cristo é como o Pai, mas também o Pai é como Cristo.

Quinto, o Filho “sustenta todas as coisas pela palavra de seu poder” (3 b: fe,rwn te ta. pa,nta tw/| r`h,mati th/j duna,mewj auvtou/). Depois de descrever a pré-existência eterna do Filho,

Paulo refere a sua relação com o que foi criado. A construção da frase possivelmente seja

uma instancia do genitivo adjetivo hebreu: “a palavra de seu poder” pode significar “sua

palavra poderosa” ou “sua palavra capacitadora”. A voz criadora que fez o mundo existir

requer como complemento essa voz sustentadora por meio da qual “todas as coisas”

mantêm sua existência. Paulo escreve aos colossenses que Cristo “é antes de todas as

coisas. Nele tudo subsiste” (1:17).

Sexto, o Filho tem “feito a purificação dos pecados” (3c: kaqarismo.n tw/n a`martiw/n poihsa,menoj). O uso da voz media no aoristo particípio poihsa,menoj sugere o pensamento que

o Filho, em si mesmo, fez a purificação dos pecados.

Por um lado, a ação descrita pelo aoristo indica que a purificação foi um ato histórico

definido, realizado pelo Filho no passado. Por esse único ato, se fez a expiação ou

purificação para sempre. Assim o genitivo tw/n a`martiw/n poihsa,menoj se interpreta como

genitivo objetivo, implicando que os pecados foram retirados pela morte do Filho. Por outro,

o particípio temporal expressa uma ação realizada antes do verbo principal da sentença

evka,qisen É dizer, antes de sentar-se “a destra da Majestade nas alturas”, o Filho fez a

limpeza dos pecados. Depois de haver realizado seu sacrifício na terra, o Filho entra no

santuário celestial (10:12; 8:1-2). Ali, ministra os benefícios de seu sacrifício expiatório por

seu povo, em relação com a obra do sacerdote terreno no lugar Santo do santuário terreno

(2:17-18; 7:25).

É altamente significativo que se descreva o ministério do Filho desde o mesmo

começo com claras e específicas categorias cúlticas veterotetamentarias. Esta referencia

antecipa a discussão de seu sacerdócio e sacrifício que se desenvolverá em Hebreus 9-10.

O resultado da morte de Cristo é a purificação (kaqarismόn) da contaminação dos

pecados. Esta interpretação/aplicação tem seus antecedentes na LXX, onde κακαρίηειn se

relaciona com a eliminação da contaminação do pecado no altar (Êx 29:37; 30:10; Lv 16:19)

e no povo (Lv 16:30).

A impureza do povo de Israel se reconhece no altar diante da presença do Senhor, e

desta contaminação haveriam de ser purificados pelo sangue do sacrifício de um animal. O

sangue do animal encobriria e cancelaria os pecados sobre o altar (cf. Êx 30:10: kaqarismόj).

Page 20: Apostila exegese Nt hebreus

17

Similarmente, a purificação do povo se obteria pelo sangue de um animal em um ato de

expiação (cf. Lv 16:30).

Paulo pareceu implicar que a pureza é a condição essencial para participar nos

serviços do santuário. A contaminação do pecado trouxe uma separação na relação entre o

homem e Deus. O pecado, portanto, deve ser removido ou eliminado o que é somente

possível através da morte do Filho. Ao nos purificar do pecado, o Filho de Deus tem feito o

que nenhum outro poderia fazer. Esta realização tem como conseqüência o sétimo feito que

revela a grandeza inigualável do Filho de Deus: “assentou-se a destra da Majestade, nas

alturas”. Estes conceitos se expandem e se desenvolvem nos capítulos 8-10 de Hebreus,

onde as idéias de contaminação e pureza são centrais na argumentação. É significante que

Paulo utilize o verbo κακαρίηειn e seus paralelos, seis vezes neste capítulo (9:13, 14, 22, 13,

10:2, 22).

Embora em 1:3 não se designa “sacerdote” ao Filho, implica se que o Filho único de

Deus também é sacerdote.

Sétimo, o Filho “assentou-se a destra da Majestade nas alturas” (3c: evka,qisen evn

dexia/| th/j megalwsu,nhj evn uyhloi/j). Sintaticamente, cada um dos particípios de 1:3 (w'n,

fe,rwn, poihsa,menoj) depende do verbo principal da oração, evka,qisen, o que fornece

gramaticalmente a afirmação principal de 1:3-4. Isto é particularmente significativo no caso

das sentenças prévias, porque estabelece que os aspectos de purificação e de assentar-se

seguem uma seqüência temporal: “depois de haver feito a purificação, se assentou”. Por

outro lado, Paulo alude implicitamente outra seqüência relativa ao Filho: Sua preexistência,

encarnação e exaltação (vss. 2-3).

Estas afirmações antecipam os temas mais significativos da cristologia de Paulo em

Hebreus: sacrifício e exaltação. Denotam a exaltação e supremacia do Filho. Nenhuma outra

declaração nos parágrafos introdutórios recebera especial atenção, desenvolvimento e

argumentação posterior (cf. Ef 4:10; Fp 2:9).

Portanto a grandeza e superioridade do Filho se expressa claramente por sete feitos

que enfatizem as qualidades para ser o mediador entre Deus e os homens. È o profeta

através de quem Deus havia falado sua palavra final; é o sacerdote que ministra a

purificação dos pecados de seu povo com perfeição; é o Rei que se assenta no trono, ao

lado da Majestade nas alturas.

A mesma exaltação à destra de Deus o apresenta como superior aos anjos, uma

superioridade que se faz clara, além, do último título que ostenta.

Page 21: Apostila exegese Nt hebreus

18

A superioridade do Filho sobre os anjos (Hb 1:5-14):

Aspectos estruturais

A seqüência de passagens do AT demonstra a superioridade do filho sobre os anjos.

Desenvolve a declaração proposta em 1:4. Como resultado de sua exaltação, o Filho é

declarado superior aos anjos. Cada texto citado mostra uma referência cristológica.

As sete citações se encaixam em três grupos: O primeiro grupo (1:5-6) consiste de

três citações. As duas primeiras apontam para a evidência da filiação divina de Jesus (Sl 2:7;

2Sm 7:14), e a terceira (Dt 32:43) declara a superioridade de sua supremacia sobre os anjos.

Com o segundo grupo (1:7-12), Paulo passa da afirmação ao argumento. Cita um texto

relativo aos anjos (Sl 104:4) e dois para referir-se ao Filho (Sl 45:6-7; 102:25-27) como

superior aos mesmos. O grupo final consiste de uma citação do Salmo 110:1 (o texto aludido

em 1:3 para as reflexões sobre a exaltação do Filho) e um comentário exegético sobre o

status inferior dos anjos. E, põe o fundamento da solene exortação que se registra em 2:1-4.

Análise exegética do texto em seu contexto

1:5 A primeira citação (1:5) é de Salmo 2:7: “Tu és meu Filho, hoje eu te gerei”. O

texto se vincula com os parágrafos introdutórios pela expressão conectiva γάρ e a repetição

tw/n avgge,lwn de 1:4.

A pergunta retórica requer uma resposta negativa. As palavras do Salmo 2 se

cumprem solenemente no Filho que entrou em sua glória pela via do sacrifício. Nada igual se

pode afirmar dos anjos. Depois de declarar em 1:4 que o Filho exaltado recebeu o mais

excelente nome entre os anjos, Paulo identifica o nome como ui`o,j mou (“meu Filho”),

palavras que nunca foram dirigidas a nenhum anjo por parte de Deus. Paulo usa o Salmo 2:7

duas vezes mais no NT (5:5; At 13:33).

O Salmo 2 indica que as nações que rodeavam Israel (Síria ao Norte, Egito ao Sul e

os que estão além do Jordão, ao leste) conspiravam contra o ungido de Jeová. O Ungido de

Jeová é o rei. Provavelmente, Davi ou Salomão, em um período quando o rei era poderoso e

subjugava as nações vizinhas, quem queria libertar-se do tributo e influência do rei de Israel.

O que poderiam fazer estas nações? Salmo 2:4-6 mostra que Deus ri deles, pois foi Ele que

estabeleceu o rei sobre seu trono, “sobre Sião meu monte santo”. Nos versos 7-9, o Senhor

fala ao rei a fim de reanimá-lo: Quero te falar do meu decreto, o que eu fiz: “Tu és meu filho,

eu, hoje, te gerei. Pede-me e Eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra

por tua possessão. Com vara de ferro as regerá e as despedaçarás como um vaso de

oleiro.” Nos versos 10-12 Jeová diz aos reis que sejam prudentes; que não se rebelem

contra o filho de Deus, o ungido de Jeová; que sirvam a Jeová e honrem o Filho. Felizes são

os que se refugiam no Senhor.

A pergunta é: Por que Deus diz ao rei “tu és meu filho, eu, hoje te gerei”? Duas

respostas judaicas: Salomão Frechof, em seu comentário sobre o Salmo 2, sugere: Não

significa que o rei nascera nesse dia. Nesse dia ele estava sendo colocado como rei. Era o

Page 22: Apostila exegese Nt hebreus

19

dia da coroação e o rei estando no trono passava a ser filho de Deus. Não se tratava de uma

monarquia, mas sim uma teocracia onde o rei era o representante de Deus. Ele não podia

governar como os déspotas orientais, já que era o representante de Deus. Segundo Abrahan

Cohen, em seu livro The Psalms, 3-4, a expressão “eu te gerei hoje” deve ser entendida em

um sentido figurado. “O dia em que era coroado, o rei era engrandecido como servo de Deus

para guiar o destino de seu povo”.

A expressão é uma expansão de 2 Samuel 7:14: “Eu lhe serei por pai, e ele me será

por filho”. Os judeus cristãos usaram a frase no NT com este mesmo sentido. Entendem que

o Salmo 2 se aplica ao rei e que a expressão “eu te gerei hoje” se refere a sua entronização.

Paulo, que é o único que a usa no NT, a faz também no seu sentido judeu. Em sua formação

rabínica, cita a passagem com o significado que Cristo tem sido entronizado. Por isso, em

sentido figurado, foi gerado por Deus.

Se a expressão não se aplica a sua origem, quando se pode dizer de Cristo “te gerei

hoje”? Quando Cristo foi entronizado? Deve haver certo dia, já que a passagem diz “hoje”.

Existem diferentes opiniões entre os teólogos quanto a sua aplicação na vida de Jesus

Cristo: Em sua ressurreição e ascensão; em sua segunda vinda e em sua entronização (At

2:33).

Em Hebreus 5:5 se aplica a Cristo quando foi estabelecido como sumo sacerdote.

Atos 13:33 refere-se a uma profecia messiânica que alude a entronização do rei judeu,

porem, tem cumprimento em Jesus Cristo.

A segunda citação (1: 5) procede da revelação do profeta Natã ao rei Davi (2Sm 7:1-

19; 1Cr 17:1-27; Sl 89) registrada em 2 Samuel 7:14 (“eu lhe serei por pai, e ele me será por

filho”).

O oráculo de Natan a Davi foi considerado “a raiz da esperança messiânica”,9 “a base

do messianismo real”;10 a “carta magna da expectação messiânica”;11 “o oráculo de 2

Samuel 7 é a carta magna do messianismo real”;12 um dos “elementos chave da história

9John L. McKenzie, "Royal Messianism," Catholic Biblical Quarterly 19 [1957]: 27.

10Roland E. Murphy, “Notes on Old Testament Messianism and Apologetics,” Catholic Biblical

Quarterly 19 [1957]: 6.

11McKenzie, 31.

12Murphy, 7.

Page 23: Apostila exegese Nt hebreus

20

deuteronômica”;13 a “matriz das expectações messiânicas tardias”;14 “crucial nos estudos

pactuais”.15

Enfatizam-se quatro elementos no pacto Dravídico: (1) Jeová edificará uma casa para

Davi (2Sm 7:11, 27); (2) quando os dias de Davi chegassem ao fim, Jeová manteria sua

descendência, (3) A misericórdia de Deus não se afastará da descendência de Davi (7:15);

Deus manterá a dinastia e o reino de Davi. Seu trono será estável perpetuamente (7:12-13,

16, 25-26, 29).

É evidente que Davi não veria o cumprimento desta promessa em seus dias (7:12).

Embora a promessa de Deus tenha sido cumprida parcialmente através de Salomão (1Cr

28:3-7), Davi sabia que seu cumprimento final seria alcançado no futuro (7:19; 1Cr 17:17).

O pacto de Deus com Davi recebeu considerável atenção nas Escrituras (Am 9:7-11;

Os 3:4-5; Mq 5:1-2; Is 7:1-17; 9:2-7;16 11:1-16;17 55:3-6; Jr 23:5-6:8;18 30:9; 33:15-17; Ez

34:23-24; 37:15-28).

Os seguintes são elementos do pacto que enfatizam a parte religiosa do mesmo: A

promessa de um reino e dinastia eternos; um descendente de Davi cumpriria a promessa de

uma reunião salvadora programada por Jeová, o pastor, resultando no povo do concerto; um

descendente de Davi seria o mediador da relação pactual entre Deus e o homem; tal

descendente governaria Israel e as nações em paz, justiça e retidão; seu reino teria

prosperidade e proteção dos inimigos externos, o reino se estenderia até abranger o mundo

inteiro.

Na interpretação neotestamentária – o entendimento cristão das promessas

veterotestametárias, se reconhece a Jesus Cristo como o “Filho de Davi”, em quem as

promessas feitas ao rei Davi encontram completo cumprimento. O pacto dravídico é central

na história do nascimento de Jesus (Lc 1:27-35; 2:4, 9-11; Mt 1:20-23). A descendência

davídica é claramente admitida por Matheus e Lucas em suas genealogias (Mt 1:1, 6, 17; Lc

13

Dennis J. McCarthy, "II Samuel 7 and the Structure of the Deuteronomic History," Journal of

Biblical Literature 84 [1965]: 134.

14Arnold A. Anderson, 2 Samuel, Word Biblical Commentary, 11 (Dallas, TX: Word Books,

1989), 112, 123. 15

Lyle Eslinger, House of God or House of David: The Rhetoric of 2 Samuel 7 (Sheffield, England: JSOT Press, 1994), 1.

16Isaías esteve bem informado sobre a promessa de Deus a Davi de uma eterna dinastia e da

teologia dos Salmos reais-- nos quais o rei davídico tem a proteção de Jeová e participa do poder poderoso de Jeová (Sl 2, 18, 20, 21, 45, 72, 89, 101, 110, 132, 144).

17Ver, o estudo de Gerhard F. Hasel, The Remnant: The History and Theology of the Remnant

Idea from Genesis to Isaiah (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1972), 396-403.

18Jeová levantaria um rei similar ao indicado em Is 11:1-9, quem: Seria da família de David

(23:5); teria a mão de Jeová sobre si (23:5); governaria sabiamente, com justiça e retidão (23:5); livraria o povo (23:6); daria segurança durante seu governo (23:6); seria chamado “Jeová, justiça nossa”.

Page 24: Apostila exegese Nt hebreus

21

3:23, 32). João Batista anunciou a chegada do reino de Deus (Mt 3:2). O próprio Jesus – não

só previu a chegada do reino de Deus (Mt 4:23; Mr. 1:14-14; Lc. 4:43; 10:10), mas também

identificou se como filho de Davi e o reino de Deus (Mt 12:22-30; Lc 11:20; 17:20-21). Jesus

foi chamado “Filho de Davi” (Mt 9:27;15:22). João confirma uma disputa no templo sobre a

origem do Messias: Vem da casa e do Povo de Davi (Jo 7:40-44). Jesus foi recebido com

saudações davídicas na entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21:9-15). Os fariseus e escribas,

no ultimo debate de Jesus com Jerusalém, entenderam que o Messias é Filho de Davi (Mt

22:41-46).19

Pelo visto, o testemunho geral do NT mostra uma justificativa suficiente de 2 Samuel

7:14.

1:6 A terceira citação (1:6) consiste de palavras contidas somente na LXX (Dt 32:43):

“Adorai-o todos os anjos de Deus”. O mais significativo em Deuteronômio 32:43 é o fato de

que a quem se adora é ao Senhor, ou Yahweh (Jeová: o nome próprio, pessoal de Deus,

consistindo das consoantes YHWH). E, em Hebreus 1:6, Paulo identifica o Filho com

Yahweh do AT. A citação de Deuteronômio foi usada originalmente para se referir à

adoração dos anjos. Contudo, se a palavra dita a Yahweh, agora se referem ao Filho, então

implica sua divindade, e obviamente, sua superioridade sobre os anjos.

A forma introdutória da citação (“e novamente ao introduzir o Primogênito no

mundo”) requer algumas considerações exegéticas. A solução de certa ambigüidade

depende do significado que se atribui (1) ao advérbio πάλιn (“outra vez”, “de novo”, “de

novo”, “novamente”); (2) ao aoristo subjuntivo na frase o[tan de. pa,lin eivsaga,gh |e, (3) ao

substantivo oivkoume,nhn (“mundo”) em sua referencia imediata.

Certos tradutores conectam pa,lin com o verbo eivsaga,gh para implicar “outra”, ou uma

“segunda” entrada do Filho no oivkoume,nh, o mundo. É dizer, que a expressão se referiria a

sua segunda vinda. Porém, um fator mais decisivo sugere considerar o advérbio pa,lin como

uma simples partícula conectiva. Paulo cita vários textos veterotestamentários, introduzindo-

os com a formula pa,lin (1:5; 2:13a, b; 4:5; 10:30). Parece preferível, então, traduzir o

advérbio pa,lin como uma expressão conectiva. Neste caso, deveria ler-se: “E (Deus)

novamente, diz”, ou, adversativamente, “porém (Deus) disse”.

O significado do aoristo subjuntivo (“introduzir”, “conduzir”, “fazer vir”) não se pode

resolver somente sobre bases gramaticais ou sintáticas. É claro que a introdução do Filho no

oivkoume,nh (“mundo”) ocorre antes que se ordene os anjos a adorá-Lo. A referência temporal,

contudo é ambígua. O aoristo subjuntivo poderia indicar um evento no futuro ou no presente.

Ainda que a decisão de ler o advérbio pa,lin com le,gei (“ele disse”) em 1:6 mostra que o

aspecto temporal do verbo eivsaga,gh se refira ao presente, considerações de contexto

19

Outros autores do NT interpretam que Jesus é o Messias, o filho de David: Pedro (At 2:29-32); Tiago (At 15:16-18); Paulo (Hb 1:5 || 2Sm 7:14). Para João, Jesus é o príncipe dos reis da terra (Ap 1:5); quem tem a chave de Davi (3:7) como governador da sua casa. Ele é o “Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi” (5:5; 22:16).

Page 25: Apostila exegese Nt hebreus

22

somente podem lançar luz sobre o elemento temporal envolvido nesta frase. A expressão

chave para a determinação de seu significado se encontra nos termos prwto,tokoj

(primogênito) e oivkoume,nh.

Prwto,tokoj, o que significa “primogênito”, parece que foi sugerido pela dupla

referência a uio,j nos textos prévios. Recupera o pensamento da introdução sobre a

designação de Cristo como herdeiro (1:2 b). O autor pode ter aludido ao Salmo 89:27, onde

Deus disse a Davi: “Fá-lo-ei, por isso, meu primogênito, o mais elevado entre os reis da

terra”(LXX, 88:28). Neste contexto, “primogênito” é um titulo de honra que expressa

prioridade em categoria, hierarquia ou nível. A referência a designação pactual (Sl 89:27-28)

e o estabelecimento de um trono que inclui os céus (Sl 89:29) serviu para associar o Salmo

89 com o Salmo 2 e 2 Samuel 7, já citados em 1:5. Entretanto, não se necessita encontrar

uma alusão ao Salmo 89:27 em 1:6. Existe quem encontre uma similaridade verbal entre 1:6

e Deuteronômio 6:10; 11:29, onde se refere a entrada de Israel na terra prometida. Sugere-

se que a substituição do pronome ςε (“tu”) em Deuteronômio por πρωτότoκoσ (“primogênito”)

em Hebreus simplesmente reflete a tradução que Israel é o Filho primogênito de Jeová (Êx

4:22; cf. Nm 11:12; Os 2:1; 11:1, 3-4; Jr 31: 9).

Se a forma introdutora de 1:6 se lê no contexto destes antecedentes deuteronômicos,

Paulo deseja sugerir que como Deus introduz Israel na terra prometida de Canaã, da mesma

maneira introduz seu Filho primogênito no oivkoume,nh (“mundo”). De todas as maneiras,

qualquer que fosse o significado, o título πρωτότoκoσ é apropriado ao contexto que

desenvolve o conceito de Filho e herdeiro. Expressa muito bem a supremacia de Jesus

sobre os anjos.

O significado de oivkoume,nh também se põe em questão. Na LXX habitualmente

significa terra habitável, em contraste ao deserto árido e inabitado (Êx 16:35). Em um sentido

derivado significa o mundo habitado pelo homem. Conseqüentemente, a maioria dos

tradutores identifica a introdução do Filho dentro da oivkoume,nh com sua encarnação. O

contexto literário, contudo indica outra direção. Faz referência ao sacrifício do Filho seguido

por sua exaltação (1:3-4). 0ivkoume,nh, então, não aludiria nem a encarnação nem a sua

segunda vinda ou parusia, mas sim a entrada de Cristo ao “mundo” celestial depois da sua

morte expiatória. A entrada no mundo (eivj to.n ko,smon, 10:5) em sua encarnação implicou a

humilhação de ser feito “um pouco menor que os anjos” (2:7,9), porém, sua introdução a oivkoume,nh (1:6) significou sua entronização e exaltação sobre os anjos (1:3-6). Portanto, o

contexto requer que oivkoume,nh seja interpretado como “o mundo celestial” da salvação

escatológica o qual o Filho foi introduzido em sua ascensão. Tal interpretação se confirma

com 2:5, onde se define oivkoume,nh como “o mundo por vir” (th.n oivkoume,nhn th.n me,llousan),

texto que também se refere a sujeição por parte dos anjos ao Filho. Além disso, a frase peri. h-j lalou/men (“sobre o qual estamos falando”) em 2:5, une estas passagens com 1:6.

Concluindo então, a forma introdutória de 1:6 identifica a ocasião quando os anjos

receberam a ordem de render homenagens ao filho em sua exaltação, depois de haver se

oferecido como sacrifício expiatório pleno na cruz. Em seu contexto original (Dt 32:43, LXX)

Page 26: Apostila exegese Nt hebreus

23

o texto se refere adoração ou homenagem devidas a Deus. Contudo, Paulo interpreta o texto

como uma profecia relativa ao Filho em sua exaltação. Devido sua grandeza e superioridade,

os anjos recebem a ordem de adorá-lo e exaltá-lo.

1:7 A quarta referência, Salmo 104:4, se relaciona com o lugar dos anjos na

administração divina do universo, a fim de mostrar que, apesar da altura de sua situação,

esta é bastante inferior a posição de supremacia dada ao Filho.

A nova fórmula de introdução inicia a segunda série de declarações contrastantes

concernentes aos anjos e ao Filho. Esta se constrói por meio da frase “ainda, quanto aos

anjos, diz... mas acerca do Filho...” (1:7-8).

Do primeiro contraste distingue sua extensão (1:7-12) e pelas citações referentes ao

Filho. As duas linhas de citações que descrevem o status dos anjos lhe seguem treze

descritivas relativas ao Filho eterno. servem para enfatizar o caráter imutável e eterno do

Filho.

O texto usado é a Septuaginta e expressa uma ênfase diferente da intenção do texto

hebreu: “O que faz seus anjos espíritos, e a seus ministros chama de fogo”. No texto hebreu

os elementos naturais (vento e fogo) cumprem as comissões de Deus. O vento sopra em

suas direções e o fogo presta serviços (cf. Sl 148:8). Aqui, todavia, o significado é distinto.

Apresenta-se os anjos como executores dos mandados divinos com a rapidez do vento e a

força do fogo. Implica-se a natureza instável dos anjos que recebem de Deus a forma

devida, a hierarquia e a tarefa: “o que faz a seus anjos espíritos (ventos), e a seus ministros

chama de fogo”. Como pertencem a categoria das coisas criadas, os anjos estão sujeitos a

atividade criadora de Deus e podem ser transformados em força incipientes de vento e fogo.

Desta maneira Paulo compara a evanescência e mutabilidade dos anjos com a

eternidade e imutabilidade do Filho, os quais se enfatizam nas duas citações a seguir.

1:8-9 A quinta citação, Salmo 45:6-7, se encontra em contraste com a quarta. A

expressão adversativa δέ na introdução da primeira referencia sugere que Paulo busca

contrastar o Filho, cujo trono é eterno, com a existência efêmera dos anjos.

De forma evidente, o conceito do reino eterno no Salmo 45 se vincula a 2 Samuel

7:13, 16. È interessante a declaração inicial de 45:6 e 2 Samuel 7:13, 16. A aplicação do

Salmo 45:6-7 ao Filho é consistente com a indicação de que o Filho recebe homenagens dos

anjos em 1:6. Paulo não tem duvida em aplicar a Cristo, como o legítimo objeto de adoração,

uma passagem em que se o considera Deus. Porém, o interesse primário de Paulo em citar

o Salmo 45 não é enfatizar a deidade do Filho, mas sim a natureza eterna do mesmo. A

implicação que o Filho seja Deus enfatiza a referencia a seu governo eterno e imutável. Esta

ênfase sobre a eternidade do Filho é a primeira indicação de que a eternidade é para Paulo

uma categoria cristológica que alcançará sua importância posteriormente (cf. 5:6; 6:20; 7:3,

17, 21, 24, 28).

Page 27: Apostila exegese Nt hebreus

24

O ponto que Paulo quer destacar com a citação do Salmo 45:6-7, possivelmente,

aparece nas palavras finais do versículo: para. tou.j meto,couj (“como nenhum dos teus

companheiros”). A preposição παρά, traduzida no sentido comparativo (“como nenhum”,

“mais que”) reforça o contraste argumentado entre Cristo e os anjos.

Embora os anjos participem na instrumentação da vontade divina (1:7-14), e nesse

sentido sejam talvez (“participantes”, “cúmplices”, “companheiros”, “colegas” do Filho), Deus

lhes atribuiu ao Filho um ofício superior. O Filho governa, a função dos anjos é servir. Eles

mudam, o Filho é imutável. O governo do Filho reflete o compromisso com a justiça (cf. Is

9:7; 11:5; 32:1; Jr 23:5), o que explica por que Deus o coroou com alegria (cf. 12:2).

Portanto, ambos os versos expressam o contraste fundamental entre o Filho de Deus

e os anjos.

1:10-12 A sexta citação foi extraída de Salmo 102:25-27. A vinculação da segunda

referencia à primeira com a conjunção conclusiva καί (“e”) parece ser simplesmente um

recurso literário para unir dois textos do AT. Este verso, contudo, foi organizado

expressamente para começar e terminar enfatizando a eternidade do Filho: “O teu trono, ó

Deus é para todo sempre. Tu, porém, és o mesmo e teus anos jamais terão fim” (1:8-12).

Ambas as citações caem sobre a mesma expressão introdutória: “Porém do Filho (Deus)

disse” (1:8).

Até 1:5-9, as referências veterotestametarias têm fundamentado a confissão da igreja

que Jesus é o Filho de Deus, designado herdeiro de todas as coisas (1:2b). Agora, com a

citação do Salmo 102:25-27 se especifica a relação do Filho exaltado com a criação. A

passagem desenvolve a afirmação que o Filho é o agente criador (1:2c) e sustentador da

criação (1:3b). Introduz-se o argumento para sustentar a distinção entre a transitoriedade e

mutabilidade da criação e a natureza eterna e imutável do Filho de Deus. O argumento

fortalece o que já foi iniciado em 1:7-8.

1:13 Com a sétima referência, Salmo 110:1, Paulo volta ao recurso literário que

introduz a série de citações, a pergunta retórica concernente aos anjos (1:5).

A brevidade da terceira unidade de citações, uma referência e comentário exegético,

refletem a sensibilidade do apóstolo para balancear a composição literária. A expressão

de,vincula esta terceira unidade com o argumento precedente. O verso do Salmo 110:1

recapitula todos os argumentos prévios. O Filho é superior aos anjos. Estes nunca poderão

participar da sua posição de glória.

O NT interpreta o Salmo 110 como messiânico, e o aplica a Jesus. Jesus aplica a si

mesmo as palavras deste Salmo durante o juízo (Mc 14:62). Esta declaração, condenada

como blasfêmia pelo Sinédrio, foi sustentada, porém, pela pregação apostólica (cf. At 7:55-

56; Rm 8:34; Ef 1:20; Cl 3:1; 1Pe 3:22 e Ap 3:21).

Page 28: Apostila exegese Nt hebreus

25

Para Paulo no contexto de Hebreus, a aplicação do Salmo a Jesus teve implicações

maiores. Além de que ao tomar a declaração divina “Assenta-te a mina direita” (110:1),

também tomou a firmação divina do versículo 4: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a

ordem de Melquisedeque” (cf. 5:6, 10; 6:20; 7:1-3; 10:12-13).

A pergunta retórica de 1:14 comenta exegeticamente o Salmo 104: 4 citado em 1:7.

Chama os leitores a uma decisão. Com certeza, demanda uma resposta afirmativa. Devem

reconhecer que em contraste ao Filho, quem é o Deus eterno, os anjos são enviados como

servidores de quem se encontram a procura da salvação em meio de um mundo hostil.

O conjunto de citações veterotestametárias em 1:5-13, supostamente familiares aos

leitores da tradição, desenvolve a afirmação em 1:4 em virtude de sua exaltação, o Filho é

superior aos anjos. As sete citações se apresentam como uma sucessão de palavras ditas

por Deus, ao Filho, que fundamentam sua transcendente dignidade.

A preeminência do Filho sobre os anjos tem sido assegurada e confirmada pela

evidência e testemunho de AT. Algumas das passagens do AT que citam e aludem,

particularmente os Salmos 2 e 110, já se haviam estabelecido firmemente na igreja como

testemunhos messiânicos e haviam sido reconhecidos como cumpridos em Cristo. Na

Escritura Deus se dirige a Jesus em termos que vão além dos tributados aos anjos e

arcanjos poderosos, que são chamados a tributar homenagens como reconhecimento de sua

autoridade soberana sobre eles. E a autoridade do evangelho, que os leitores desta carta

haviam aceitado era a autoridade de Jesus, o Filho de Deus, exaltado supremamente por

seu Pai.

Primeira exortação: O perigo de ignorar a palavra revelada

pelo Filho (Hb 2:1-4): Aspectos estruturais

O escritor descreve sua obra como uma homilia prática, uma palavra de exortação

que deve ser recebida pela sua audiência (13:22). Esta seção é a primeira em uma

seqüência que confirmam esta descrição de Hebreus como um todo (cf. 3:6b-4: 16; 5:11-

6:20; 10:19-13:25).

Estruturalmente, esta primeira exortação consiste de uma declaração direta (2:1), a

que segue uma sentença explicadora expressando uma condição (2:2-4).

Análise exegética do texto em seu contexto

2:1 A expressão tou/to dei/ (“por tanto, é necessário”) expressa um imperativo lógico

(2:1). A razão essencial pela qual se tem enfatizado particularmente a superioridade do Filho

sobre os anjos começa a ser evidente. A revelação sinaítica foi comunicada por meio de

anjos, porém a revelação final de Deus vem através do Filho, e, portanto, demanda uma

correspondente e responsável atenção.

Paulo insiste que a aceitação da tradição cristã é o único que é necessário. No

contexto, a frase perissote,rwj prose,cein (“dar atenção com mais diligencia”, com extremo

Page 29: Apostila exegese Nt hebreus

26

cuidado) parece corresponder equivalentemente ao verbo κατζχειn (“segurar”, “agarrar

fortemente”, “agarrar”, “reter”, “conservar sob poder”) em 3:6,14,10:23, onde se exorta aos

leitores a reter com firmeza sua confissão de fé, sem a qual não se pode alcançar a

salvação. A linguagem sugere que a comunidade era vacilante em seu compromisso com

Cristo e duvidava da mensagem cristã.

Parece clara a conexão temática entre 1:1-4 e 2:1-4. No período final da história

Deus “nos” (hmi/n) tem falado sua última palavra através do Filho (1:2a), portanto, “nós” (hma/j)

devemos “dar atenção com mais diligencia “as coisas que tem sido ouvidas” (2:1).

O perigo que ameaça os ouvintes é o de pararrein (“cair”, “deslizar”, “extraviar”).

Usava-se este verbo para descrever um rio que corria fora de seu leito, talvez, ao lado de um

canal normal, no sentido de escapar do mesmo. Algumas vezes foi usado para referir ao

deslizamento do anel do dedo deslocamento ou de uma migalha por caminhos errados. A

voz passiva do aoristo subjuntivo denota o encontrar-se um mesmo em um estado de

deslocamento da causa normal em referencia a um objeto que requer diligente atenção.

2:2-4 Estes versos desenvolvem uma comparação designada a reforçar a

necessidade de unir-se definitivamente ao cristianismo.

Se esquecerem da lei mosaica foi castigado apropriadamente, a indiferença pelo

evangelho poderia levar a ser catastrófica (2:2). A característica mais marcante deste texto é

a acumulação de expressões jurídicas (“a palavra... foi valida” [firme], “toda transgressão e

desobediência”, “justa retribuição”), o que poderia sugerir que “a palavra dita por meio dos

anjos‟‟ aponta para a lei dada no Sinai. Embora não se registre a mediação angelical no

contexto de Êxodo 19-20 (o que mais se aproxima é a declaração de Dt 33:2), por um lado,

Estevão acusa a nação de Judá de haver recusado a lei apesar de haver recebido-a “por

meio dos anjos” (At 7:53); e, por outro lado, Paulo argumenta que a lei foi “promulgada por

meio de anjos” (Gl 3:19) para provar a inferioridade da lei diante da promessa feita por Deus

a Abraão sem mediador.

Em Hebreus, Paulo não conecta a discussão da lei (como no contexto aos Gálatas

[Gl 3:19]) com a tensão entre os anjos e a ordem de seu mundo por um lado, e Cristo e sua

salvação por outro lado. Em Hebreus, a lei não se opõe a graça manifestada na obra

redentora de Cristo. Mais bem, a lei é um esquema antecipador típico de sua obra salvadora.

A preocupação em Hebreus é pelo culto sacrifical, a lei cerimonial como meio de acesso a

Deus.

A urgente exortação em “dar atenção com mais diligencia” ao que tem sido escutado

(2:1), antecipa a advertência de que a mensagem da salvação ignorada poderia acarretar

catastróficas conseqüências.

A falta de interesse pela palavra de Deus expressada pelo verbo avμελειn (“descuidar”,

“abandonar”) traz “justa retribuição”. A experiência de Israel neste sentido (3:7-4:11) mostra

o modelo para os que se comportam de forma apática, descuidada e irresponsável diante da

Page 30: Apostila exegese Nt hebreus

27

revelação de Deus através de Seu Filho. O privilégio mais importante desfrutado pelo povo

de Deus, que encontra clara expressão na frase “tão grande salvação”, é enfrentar a maior

responsabilidade e o maior perigo. Paulo volta a este conceito novamente em 10:28-31 e

12:25. Conseqüentemente, a pergunta retórica registrada em 2:3 afirma que não haverá

nenhum escape possível.

O testemunho dos informantes do evangelho foi confirmado por sinais e maravilhas

que seguiam a proclamação da mensagem. Eram obras poderosas concedidas por Deus

para testemunhar a verdade que se proclamava (cf. At 2:22, 43; 5:12; Gl 3:5).

Sintetizando, então, Paulo se dirige da proclamação a exortação em 2:1-4. Relaciona

o significado inicial da homilia, com a situação imediata de seus leitores. O propósito da

argumentação da superioridade do Filho sobre os anjos, os mediadores celestiais da lei, foi

enfatizar a nova palavra revelada pelo Filho. A hipótese principal do argumento é que o

caráter do mensageiro fornece a evidência da importância e finalidade da sua mensagem. A

transcendente dignidade do Filho demonstra que a mensagem da salvação que se havia

alcançado pela proclamação, e confirmação dos que ouviram, merece a mais absoluta e

cuidadosa atenção.

A humilhação e glória do Filho (Hb 2:5-9): Aspectos estruturais

A introdução de um novo parágrafo é indicada pela troca do gênero. Da exortação

(2:1-4), Paulo volta à exposição (2:5-9). A exposição retorna a comparação entre o Filho e os

anjos, com o propósito de indicar que a humilhação do Filho ao ser feito “um pouco menor

que os anjos” (2:9) não afeta sua superioridade sobre os mesmos.

A exposição segue a forma de um midrash homilético, em que as frases chaves se

explicam e expõem aos leitores. O que domina no parágrafo é a citação e explicação de

Salmo 8.

Análise exegética do texto em seu contexto

2:5 A frase explicativa peri. h-j lalou/men (“sobre o que estamos falando”), destaca a

continuidade do pensamento entre 1:5-14 e o retorno a exposição neste ponto (2:5). Paulo

procura examinar outras passagens do AT que também descrevem o caráter e a dignidade

de Jesus.

Pois não foi aos anjos que sujeitou... Com a referência aos anjos, Paulo volta ao

argumento de 1:13-14. Embora Deus houvesse confiado a administração do mundo terreno

aos anjos, suas prerrogativas não se estenderam ao mundo celestial do por vir. De maneira

que aparece outra razão para enfatizar a superioridade de Cristo sobre os anjos. Aos anjos

foi confiado administrar o mundo presente, porém não o por vir.

. . . o mundo do por vir (th.n oivkoume,nhn th.n me,llousan). Paulo já havia identificado a

entrada do Filho em th.n oivkoume,nhn, a realidade do mundo celeste, em sua exaltação como

o momento em que os anjos de Deus receberam a ordem de adorá-lo (1:6). Agora retorna ao

Page 31: Apostila exegese Nt hebreus

28

pensamento e designa a nova criação inaugurada pela entronização do Filho na oivkoume,nhn

th.n me,llousan.

Esta distintiva designação, que encontra seus equivalentes em 6:5 e 13:14, reflete

uma classe de afirmações dos Salmos (93:1; 96:10) que proclama o estabelecimento do

reino escatológico de Deus. A explícita alusão a “um reino inabalável” em Hebreus 12:28,

poderia indicar que estas passagens haviam estado na mente de Paulo ao escrever 2:5.

Amplifica a frase “o mundo do por vir” como uma designação do reino escatológico da

salvação.

O verso 5 se une aos da serie das citações do AT. A primeira (1:5-13) desenvolve a

superioridade do Filho sobre os anjos em sua exaltação. A segunda (2:6-16) contesta as

objeções que poderiam levantar sobre a base da assumida humilhação do Filho (2:9).

2:6-8a Alguém, em certo lugar. . . Pelo fato de que Deus é o que fala no AT, a

identidade da pessoa que expressou as palavras não é importante. Uma vaga alusão é

suficiente. Desta maneira, Paulo introduz o Salmo 8:4-6 de acordo com a Septuaginta.

O salmista se surpreende ao pensar na glória e honra que Deus tem concedido a

humanidade, ao fazê-la um pouco menor que Ele mesmo e ao dar-lhe domínio sobre toda a

criação. A linguagem do Salmo se baseia em Gênesis 1:26. Paulo, entretanto, não aplica as

palavras a Adão, mas sim ao Filho, o segundo Adão, cabeça da nova criação e governador

do mundo por vir.

Paulo menciona sempre o Salmo 8 em associação com o Salmo 110:1 (1Co 15:25-

27; Ef 1:20-22; cf. Fp 3:21 [cf. 1Pe 3:22]), o que sugere uma tradição exegética comum. Em

Hebreus a citação do Salmo 8:4-6 é precedida pela citação do Salmo 110:1 (1:13), sem

nenhuma forma de citação. A citação é da Septuaginta, com a omissão da cláusula “deste-

lhe domínio sobre as obras da tua mão” (Sl 8:6a). Paulo encontra na segunda linha do verso

a referencia a Jesus como Filho do Homem ou o Segundo Adão, o que o motivou a

considerar o Salmo 8 em um sentido explicitamente cristológico.

Como representante verdadeiro da humanidade se vê a Cristo cumprido a linguagem

da passagem de Salmos e o propósito do Criador ao criar o homem. Como verdadeiro

representante da humanidade, deve compartilhar as condições do homem. Portanto, o que

havia sido representado como “superior aos anjos” teve que se fazer “um pouco menor que

os anjos”, por razões que Paulo passa a indicar.

Sob seus pés tudo puseste. As palavras do Salmista faziam referencia ao terrenal

concernente a Adão, porém o domínio de Cristo não conhece limitação alguma. Contudo,

“ainda não vemos que todas as coisas lhes sejam sujeitas”, expressão que constitui uma

cruz interpertum para os intérpretes tradutores. O advérbio temporal (“todavia”, “até”) indica

que Paulo encontrou na citação uma profecia que oportunamente alcançará cumprimento.

Paulo interpreta o Salmo 8:6b como um decreto legal, cumprimento ainda diferido. O

reconhecimento de assuntos não cumpridos o prepara para ver que a sujeição prometida

Page 32: Apostila exegese Nt hebreus

29

não é para humanidade em geral (2:8), mas sim a Jesus (2:9), a quem Deus designou

“herdeiro de tudo” (1:2).

Esta explicação se faz explicita em 2:9, onde é evidente que Paulo interpreta as duas

linhas de raciocínio do Salmo 8:5 sem referência aos paralelos sinônimos do texto hebreu.

Desde a perspectiva do salmista, ser feito “um pouco menor” que os anjos é ser “coroado de

glória e majestade”. Porém para Paulo os dois membros paralelos expressam duas fases

diferentes na vida do Senhor. A primeira tem a ver com sua humilhação temporal, enquanto

a segunda se refere a sua exaltação e glorificação.

Esta leitura cristológica do texto também explica a omissão da primeira parte do

seguinte paralelismo (Sl 8:7a). As três linhas de raciocínio produzidas por Paulo se

combinam para formar uma confissão de fé que celebra os três momentos sucessivos na

história da redenção: a encarnação (evento pertencente ao passado), a exaltação (evento

pertencente ao presente), e a vitória final de Jesus (eventos pertencentes ao futuro).

Solidariedade do Filho com a família humana (Hb 2:10-18):

Aspectos estruturais

Com esta seção Paulo conclui o primeiro segmento maior de sua apresentação e

prepara a nova unidade de pensamento que é desenvolvido em 3:1-5:10. A conexão com

2:5-9 se estabelece por uma série de correspondências entre os versos 9 e 10.

A expressão “a graça de Deus” em 2:9, corresponde a sentença “porque convinha

que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem” (2:10). A generalização

“todos” em 2:9 se faz mais precisa na frase “muitos filhos” (2:10). A frase “coroado de glória

e honra” (2:9) foi, possivelmente, sugerida pela referencia a “glória” no Salmo 8:6b.

Finalmente a menção “sofrimento e morte” (2:9) e “provasse a morte” (2:9) se repetem sob

outra forma de expressão “aperfeiçoasse, por meio de sofrimentos” (2:10).

Estas correspondências lingüísticas e conceituais antecipam que no parágrafo

seguinte Paulo tenta retomar e desenvolver os comentários sobre o Salmo 8. Como nas

declarações prévias, 2:10-18 segue a forma de um midrash homilético. A expressão volta à

citação e desenvolve os três textos veterotestamentários.

Análise exegética do texto em seu contexto

2:10 A expressão introdutora e;prepen ga.r auvtw /, “porque convinha (“apropriado”,

“oportuno”, “provável”) que aquele”, comenta o último argumento do verso 9, particularmente

a frase “pela graça de Deus” (2:9). É dizer, indica se que o sofrimento e a morte de Jesus

não foram acidentais, mas sim fazem parte do plano de Deus.

Tais procedimentos são consistentes com a intenção original celebrada no Salmo 8,

em que o Filho se identificaria com a condição humana e resgataria a humanidade através

de sua própria humilhação e morte. Os sofrimentos de Jesus foram convenientes (e;prepen para a meta a ser alcançada e foram experimentados em harmonia com a vontade e

Page 33: Apostila exegese Nt hebreus

30

propósitos de Deus. O circunlóquio para Deus como o que “por quem todas as coisas

existem” não se encontra no texto grego da Bíblia, porém é apropriado ao contexto. Deus,

que criou e preserva todas as coisas, é quem atua de tal maneira que os planos e propósitos

para o ser humano podem ser alcançados.

O propósito estabelecido expressa se de forma clara. É pollou.j uiou.j eivj do,xan avgago,nta (“levar muitos filhos a glória”). O uso de πoλλoί (“muitos”) é inclusivo. O adjetivo

alcança todos a quem a obra de Jesus se aplica. A expressão determina o alcance de upe.r panto.j (“por todos”) em 2:9. A glorificação futura de “muitos filhos” de Deus assegura se na

presente glorificação que o Filho goza em sua exaltação. O particípio avgago,nta (“levando”.,

“conduzindo”, “guiando”) pode se referir a Cristo, quem guia todos os filhos à glória, ou

podem se referir ao sujeito infinitivo teleiw/sai, Deus o Pai, que conduz seus filhos à glória.

Contudo, considerando que o particípio harmoniza com o seguinte substantivo (to.n avrchgo.n

[“o pioneiro”, “o campeão”, “o líder”]) no caso, gênero e número, é atribuída a Cristo a ação

de “levar muitos filhos a glória”.

A indicação de Jesus como to.n avrchgo.n th/j swthri,aj auvtw/n (“o autor da sua

salvação”) (cf. 12:2; Atos 3:15; 5:31) é intrigante e desperta curiosidade por seu uso e

significado. No grego secular, o vocábulo avrchgόσ, indica um herói, quem havia fundado uma

cidade, lhe havia dado seu nome e era seu guardião defensor; implicava a idéia de quem era

“cabeça” de uma família, ou “fundador” de uma escola filosófica; tinha uma particular

conotação militar, referindo-se ao comandante de um exército que ia adiante de seus

homens e lhes apontava o caminho.

Em Hebreus, a idéia que se expressa com o termo parece ser de um líder que faz

acessível um novo caminho.

dia. paqhma,twn teleiw/sai (“aperfeiçoasse, por meio do sofrimento”). A declaração

que Jesus foi “aperfeiçoado por meio do sofrimento” poderia ter seu antecedente numa

especial conotação do verbo teleiόw na Septuaginta.

Usa-se o verbo em textos cerimoniais do Pentateuco para demonstrar o ato de

consagrar um sacerdote para seu ofício como tal (Êx 29:9, 29, 33, 35; Lv 4:5; 8:33; 16:32;

21:10; Nm 3:3). A expressão idiomática normalmente implica “encher as mãos”, e em Êx

29:33 se explica esta expressão pelo verbo avγιάηειn, “consagrar, habilitar uma pessoa para o

serviço sacerdotal”. Que esta expressão idiomática semítica pode ter sido traduzida por

teleiόw se pode demonstrar pelo uso deste verbo em Lv 21:10, onde se registra que o

“sacerdote... foi consagrado para vestir veste sagradas”. Este sentindo cúltico do verbo deixa

claro o significado de teleiw/sai em 2:10 e explica a associação das idéias de perfeição e

consagração em 2:10, 11.

Gramaticalmente, o aoristo infinitivo teleiw/sai tem como objeto este avrchgόσ. É dizer,

este avrchgόσ foi treinado, aperfeiçoado e habilitado em sua missão de acessibilidade por

meio do paqhma,twn (“tudo o que se experimenta ou sente”, “prova”, “experiência”,

Page 34: Apostila exegese Nt hebreus

31

“sofrimento”, “desgraça”, “infortúnio”). Assim, a expressão “aperfeiçoasse, por meio do

sofrimento” antecipa o desenvolvimento completo do parágrafo que se baseia no conceito de

“líder” de 2: 10-16 a apresentação de Jesus como “sumo sacerdote” em 2:17-18.

2:11 Pois, tanto o que santifica como os que são santificados. O caráter cúltico de

teleiw/saiem 2:10 se confirma pela referência ao conceito santificação/consagração deste

versículo.

O vocabulário parece ser usado no significado veterotestamentário para indicar que

Israel era santificado ou consagrado a Deus e a seu serviço para ser admitido em sua

presença. A designação agia,zwn (“ele que santifica”) parece refletir o conceito de Deus no

Pentateuco, onde se indica a si mesmo com a forma “Eu sou o Senhor, que vos santifica”

(Êx 31:13; Lv 20:8; 21:15; 22:9, 16, 32; cf. Ez 20:12; 37:28). O texto de Hebreus, contudo, se

refere a Jesus que se descreve claramente como o que santifica “o povo pelo seu próprio

sangue” (13:12) ou por seu sacrifício (10:14).

A purificação da contaminação é o corolário necessário para o conceito de

santificação como consagração, e em Hebreus as referências à santificação se conectam

regularmente a uma declaração sobre a oferta de sangue de Jesus (cf. 9:13; 10:10, 14, 29;

13:12).

. . .todos vêm de um só. De “uma fonte”, a qual pode estar se referindo a Deus. O

santificador e o santificado têm a mesma origem. O que santifica é Cristo por meio de seu

sacrifício e os santificados são os filhos de Deus. Por essa razão, o Filho de Deus não se

envergonha em reconhecê-los como “irmãos”.

2:12-13 introduz três citações onde demonstram a solidariedade do Filho com seu

povo. A primeira delas (2:12) é extraído de Salmos 22:22, considerando um testemunho da

crucificação de Cristo. Seguindo a Septuaginta, Paulo utilizou a palavra evkklhsi,a para

traduzir o hebraico qã/hál: “assembléia”, “congregação". O uso desta palavra em paralelismo

com “irmãos” no contexto cristão sugere que aqueles a quem o Filho chama irmãos são

membros da Igreja. A declaração vem da parte do Salmos onde os lamentos se trocam por

uma expressão de gozoso agradecimento, o que é apropriado a uma experiência de

vindicação e exaltação depois do sofrimento e aflição. Paulo, então, refere aqui ao exaltado

Senhor quem encontra na reunião do povo de Deus (possivelmente na ocasião da Segunda

vinda de Cristo) uma circunstância propícia para a proclamação do nome de Deus.

A segunda citação (2:13 a) utiliza Isaías 8:17 e serve para enfatizar que Jesus confia

e depende de Deus no contexto de sua aflição e desamparo. O fato que a confiança de

Jesus fosse vindicada após suas aflições e sofrimento assegura aos leitores da carta que

eles também deveriam confiar em Deus em momentos de dificuldades.

A terceira (2:13 a) é extraída de Isaias 8:18 para afirmar a solidariedade de Cristo

com seus “irmãos” (2:11-12), a quem descreve como “filhos”. Jesus é a cabeça

Page 35: Apostila exegese Nt hebreus

32

representativa de uma nova humanidade que encaminha a glória de Deus através do

sofrimento (cf. Isa. 53:10).

2:14-15 As implicações da solidariedade afirmada em 2:11-13 se desenvolvem, em

2:14-15.

A expressão está vinculada a sua base bíblica pela repetição da expressão ta. paidi,a

(“os filhos”) presente na citação prévia. Desde que os “filhos” participaram de uma natureza

humana comum (ai[matoj kai. sarko,j, “sangue e carne”), foi necessário para o Filho

identificar-se com eles para tomar a mesma humanidade. Esta sentença alude a

encarnação, circunstancia em que o Filho aceita por decisão própria o modo de existência

comum a toda a humanidade. O propósito pelo qual o pré-existente Filho de Deus se

encarna na condição humana é indicada por uma estendida cláusula de propósito (i[na . . .

katargh,sh| kai. . . . avpalla,xh |, “para...destruir e . . . livrar”).

O propósito primário da encarnação foi a morte do Filho através da qual destruiu o

poder do inimigo para escravizar os Filhos de Deus, pelo temor da morte. A morte de Cristo

foi a conseqüência lógica de sua determinação ao se identificar tão completamente com

seus irmãos que não haveria aspectos de sua existência que ele não participaria. Sua morte,

contudo, não foi resultado de seu pecado e rebelião. Foi uma expressão de entrega e

consagração para fazer a vontade de Deus (10:5-7), o que produz a vitoria sobre satanás e

seu poder. A encarnação, então, foi o meio necessário e apropriado para libertar o povo de

Deus da tirania satânica e do temor da morte (cf. Is 49:24-26; Lc 11:21-22).

2:16 O Filho se fez homem para ajudar os homens, não os anjos (2:16).

Transformou-se em auxiliador e libertador de todos os filhos de Abraão, a família da fé, o que

se harmoniza com outra declaração paulina: “os da fé é que são filhos de Abraão” (Gl 3:7).

Em outras palavras, estes são os “muitos filhos” (2:10) a quem Deus conduz a glória através

do Filho. O fato de que o Cristo tenha deixado de lado os anjos para que os que sejam de

Abraão possam salvar-se, sugere outra razão do porque Paulo enfatiza tanto a inferioridade

dos anjos no primeiro capítulo. Os anjos estão a serviço dos que herdam a salvação.

2:17 Depois de haver enfatizado a solidariedade do Filho com seu irmãos, Paulo

introduz o aspecto particular da solidariedade do Filho que se interessa em expor: seu

ministério sumo sacerdotal em favor dos remidos.

A partícula inferencial o[qen (“por esta razão”, “pelo qual”) se refere ao argumento

desenvolvido em 2:10-16. Antes de anunciar o tema de 3:1-5:10, Paulo resume seu

argumento em uma sentença compacta: “devia ser em tudo semelhante a seus irmãos”. A

referência a “irmãos” recebe a expressão chave de 2:11-12, onde a solidariedade de Jesus

com a evkklhsi,a se expressa em termos de uma relação entre irmãos. Embora, em 2:17 esta

obrigação se põe sobre o Filho encarnado, para chegar a ser em tudo semelhante a seus

irmãos, se enfatiza mais a expressão “em tudo”. Neste contexto, então, a frase se refere

primeiramente a sua humilhação em sofrimento e morte (2:18), porém, também se estende a

Page 36: Apostila exegese Nt hebreus

33

cada experiência humana vivida por Jesus, o que demonstra que Ele participou de uma total

e verdadeira existência humana (2:14).

Para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus. Somente

por participar com outros em sua natureza, o Filho pode ser habilitado para intervir na vida

da evkklhsi,a como seu misericordioso e fiel sacerdote, o que é explicado na exposição que

segue (3:1-5:10). Esta é a primeira vez que se aplica o título de sumo sacerdote ao Filho na

homilia. Que seu ministério foi sacerdotal em natureza e caráter já foi demonstrado em 1:3 e

expandido em 2:9-11. De modo que, com a descrição de Jesus como sumo sacerdote, o que

já havia sido demonstrado chega a ser explícito em 2:17.

O propósito secundário da encarnação é uma extensão do primário. É através de sua

morte que o Filho pode “fazer a expiação dos pecados do povo”. Ê dizer, fazer realidade

efetiva o que o ritual sacrifical do AT só anunciava.

A descrição de quem recebe seu ministério como “povo”, tem antecedência na

Septuaginta. Ali a frase o` λαo.j tou/ κεou/ é uma expressão técnica para se referir a Israel em

seu caráter de nação escolhida, chamada e separada por Deus. Paulo não tem dúvida ao

transferir este titulo para a comunidade cristã, já que todo o AT é uma antecipação da futura

comunidade messiânica convocada e congregada por Deus em Cristo Jesus. Ainda que o

termo “povo” corresponda a “descendência de Abraão” em 2:16, a declaração geral que

Jesus intercede em favor do povo de Deus encontra uma medida maior de precisão na

referência à ação sumo sacerdotal de fazer a expiação pelos pecados.

2:18 A declaração final mostra as implicações do tema desenvolvido em 2:10-17 para

a evkklhsi,a. O sumo sacerdote é capaz de fortalecer a comunidade de fé, os “muitos filhos”

(2:10) em suas tentações e conflitos.

A encarnação expôs o Filho aos conflitos e tensões mais severas da vida humana, o

que culminou no sofrimento de sua morte como ato final de obediência a vontade de Deus

(cf. 4:15; 5:2,7-8). Foi neste ponto que sua fidelidade a Deus foi provada ao extremo, e deu

evidência de ser um fiel sumo sacerdote. Por não ter se isolado, mas sim enfrentou

confiadamente a experiência humana de conflitos e luta agonizante, agora é capaz de ajudar

a os que se encontram na mesma situação. Assim deu também evidência de ser compassivo

sumo sacerdote.

Deste modo, então, Paulo termina sua primeira grande seção expositiva-exortatória

da homilia com uma nota de incentivo e ânimo pastoral a sua audiência hebraica.

Page 37: Apostila exegese Nt hebreus

34

UNIDADE III

O CARÁTER SUMO SACERDOTAL DO FILHO

(Hb 3:1-5:10)

Introdução

A segunda grande divisão de Hebreus se estende de 3:1-5:10. O interesse específico

de Paulo é a ampliação do tema acerca do caráter sacerdotal do Filho, assunto que já foi

antecipado formalmente em 2:17. O apóstolo descreve em forma inversa os dois termos

chaves da passagem: “misericordioso e fiel” sumo sacerdote. Primeiramente se refere à

fidelidade de Jesus (3:1-6) e a necessidade urgente de que os leitores também sejam fiéis

(3:6b-4:14). Finalmente considera a compaixão de Jesus como misericordioso sumo

sacerdote ao serviço de Deus (4:15-5:10).

Embora esta nova seção comece com um verbo no imperativo (3:1), o parágrafo

inicial consiste de uma exposição teológica (3:1-6). Um câmbio repentino de gênero, de

exposição e exortação, serve para dividir a primeira seção e introduzir a admoestação aos

leitores em permanecer fiéis (3:6b-4:14). A segunda seção é indicada pelo retorno a

exposição (4:15-5:10).

Um sumo sacerdote digno de nossa fé, porque é o Filho de Deus

quem foi fiel (Hb 3:1-6): Aspectos estruturais

Hebreus 3:1-6 é uma unidade expositiva que encontra seu ponto de partida na

fidelidade de Jesus como sumo sacerdote ao serviço de Deus (2:17). O que marca o começo

da nova unidade é um câmbio no estilo literário. Em 2:5-18 o estilo é o apropriado de um

midrash homilético. Citam-se textos bíblicos e se estabelecem suas implicações através da

interpretação. Porém, em 3:1-2 a, Paulo emprega um discurso direto e uma oratória

imperativa para focalizar a atenção de seus leitores sobre seu tema: “Por isso, santos irmãos

. . . considerai atentamente que . . . Jesus . . . é fiel àquele que o constituiu”.

Embora a base bíblica seja importante, Paulo não a cita, mas sim, alude ao texto

veterotestamentário. Faz referência ao oráculo de Eli (1Sm 2:35) e ao de Natan (1Cr 17:14)

como a Números 12:7, textos que participam em comum as palavras “fiel” e “casa”. Paulo

edifica sobre o termo “casa”, um recurso literário para demonstrar que Jesus é superior a

Moisés.

É importante notar que o apóstolo coloca a comparação de Jesus com Moisés

estrategicamente dentro da homilia. A partícula {Oqen (“por esta razão”, “pelo qual”) em 3:1

dirige a atenção ao que foi dito em 1:1-2:18 sobre a transcendente dignidade e superioridade

do Filho, instrumento da palavra final de Deus. A argumentada superioridade do Filho sugere

a comparação com a autoridade única de Moisés, o homem com quem Deus falou mais

intima e diretamente que qualquer outro profeta na história da revelação (Nm 12:6-8). A

alusão a Números 12:7 em Hebreus 3:2, 5 sugere que a superioridade de Cristo sobre

Moisés já antecipa a sentença inicial da homilia.

Page 38: Apostila exegese Nt hebreus

35

Não se exagera a importância de Moisés no judaísmo heleno-palestino e a veneração

com a qual o consideravam. A tradição judaica testifica que Números 12:7 era usada para

provar que Moisés havia sido elevado a um grau superior aos anjos. De acordo com

Eusébio, citando textos do Judaísmo heleno,20 mostra Moisés em sonho quando Deus o

coloca em um trono celestial e lhe confere uma coroa e um cetro, símbolos de sua particular

autoridade.21 Embora se nomeie Moisés como sacerdote uma só vez no AT (Sl 99:6), sua

linhagem levítica (Êx 2:1-10), seu ministério da palavra e privilegiada visão de Deus (Êx

33:12-34:35; Nm 12:7-8), e seu serviço no altar (Êx 24:4-8), o associam a funções

sacerdotais.

Filo de Alexandria (20 AC-50 DC) pensador e exegeta judeu, não teve dúvidas ao

descrevê-lo como sumo sacerdote.22

Se estas interpretações podem ser pressupostas entre as comunidades judaicas da

Diáspora como na Palestina, deixa clara a estrutura de Hebreus onde o Filho é comparado

primeiro com os anjos (1:1-2:16) e então com Moisés (3:1-6). Paulo demonstra que tanto

Moisés como Jesus foram “fiéis”. Contudo, Jesus é superior a Moisés como Filho em

contraste ao status de Moisés como servo.

Análise exegética do texto em seu contexto

3:1-2a Paulo não se identifica a si mesmo com sua audiência como tem feito em 2:1-

4, mas sim, pela primeira vez, lhes dirige a palavra diretamente.

A conexão com a seção anterior é produzida pela partícula {Oqen (“por esta razão”,

“pela qual”) e pela nomeação avdelfoi. a[gioi (“irmãos santos”). Os irmãos são santos por que

tem sido consagrados ao serviço de Deus por Jesus em seu papel sacerdotal como

santificador do povo de Deus (2:11). O plural me,tocoi aparece em 3:14 (“participantes de

Cristo”) e em 6:4 (“participante do Espírito Santo”) como um termo técnico para os que têm

dado respostas ao chamado de Deus para a salvação. A comunidade cristã é descrita como

os chamados que gozam o privilégio de ter acesso a presença de Deus (3:1). Este

privilegiado status não se deve a Moisés nem a Arão, mas sim a Jesus como grande sumo

sacerdote da comunidade.

O imperativo καταvoέω (“considerar”, “observar”, “refletir”), expressa atenção,

permanente observação e consideração ao fato de que “Jesus foi fiel” como to.n avpo,stolon

kai. avrciere,a th/j o`mologi,ajhmw/n (“o apostolo e sumo sacerdote de nossa confissão”). Com

esta frase Paulo resume o que já havia dito sobre Jesus como Filho e o relaciona ao

compromisso expressado pelos seus leitores. O termo omologi,aj (“confissão”, “aprovação”,

20

O Êxodo de Ezequiel, o trágico.

21Eusébio, Preparation for the Gospel, 9.29.

22Life of Moses, 2, 66-186; Who Is the Heir? 182; On Rewards and Punishments 53, 56.

Page 39: Apostila exegese Nt hebreus

36

“pacto”, “acordo”) denota uma expressão consensuada de obrigação e compromisso, a

reposta de fé a ação de Deus.

Que Jesus seja fiel sumo sacerdote já se havia demonstrado em 2:5-18. A repetição

do tema aqui prepara para a comparação entre Jesus e Moisés, já que ambos foram fiéis a

Deus em seus respectivos ministérios.

3:2b w`j kai. Mwu?sh/j (“como também o era Moisés”). Se esta referência se

interpretasse como parêntesis, a ênfase do verso 2 cairia apropriadamente sobre o fato de

que Jesus “foi fiel ao que o constituiu”. Assim, este oráculo cristológico prove a base

estrutural da exposição (o testemunho de Moisés se encontra dentro do mesmo).

Implica uma alusão a Números 12:7 que permanece suspensa até o verso 5. A

intenção de Paulo é justapor dois textos que são quase idênticos em fraseologia: o oráculo

citado sobre a base de 1 Crônicas 17:14, 1 Samuel 2:35, com relação a Jesus, e o

testemunho de Moisés em Números 12:7, o que permite começar a comparação das

semelhanças (não tanto das diferenças) entre ambos. Ambos foram fiéis a Deus. De

passagem, se interpreta mal este ponto quando se considera o termo “fiel” como a base da

demonstração que Jesus é superior a Moisés.

3:3-4 Havendo enfatizado a continuidade entre Jesus e Moisés sobre o ponto da

fidelidade, Paulo declara a descontinuidade e a superioridade de Jesus sobre Moisés. A

base da comparação é a glória (não a fidelidade).

Embora Moisés tenha sido fiel “em toda a cada de Deus” (Israel), Jesus é superior

porque foi considerado digno de mais glória (3:3). A glória de Moisés é o tributo que recebeu

de Deus em Números 12:7. A glória de Jesus é o oráculo cristológico relativo à fidelidade do

sacerdote que encontra cumprimento em quem foi entronizado com glória, honra e

exaltação.

3:5-6a A função de 3:5-6 a é de estender a declaração (por analogia) da

superioridade de Jesus sobre Moisés do verso 3 e explicá-la sobre a base

veterotestametária. Moisés cumpriu o papel de servo na casa de Deus; Jesus foi apontado

para presidir como Filho sobre a sua casa. Assim, o argumento se edifica sobre a distinção

entre o termo qera,pwn (“servo”, “ministro”) e uiόσ (“filho”); e as preposições evn (“na” casa) evpί (“sobre” a casa).

A alusão a Números 12:7 em 3:5 prove um claro testemunho do caráter único da

autoridade profética de Moisés. A formulação é importante pela similaridade verbal com o

oráculo do sacerdócio citado em 3:2. Não só se repetem as palavras “fiel” e “casa”, mas sim

o significado dos termos que parecem ser similares. A palavra chave pistόσ denotaria o

significado duplo de “assinalado /fiel”. Moisés foi designado e foi fiel em seu ofício sem par

como profeta na casa de Deus. O título oficial qera,pwn (“servo”) que se usa somente aqui no

NT, é derivado da Septuaginta onde é utilizado para se referir a Moisés (Êx 4:10; 14:31; Nm

Page 40: Apostila exegese Nt hebreus

37

11:11; Dt 3:24; Js 1:2; 8:31, 33; 1Cr 16:40). No contexto enfatiza se a dignidade e honra.

Descreve uma relação de íntima confiança entre Moisés e Jeová.

Havendo confirmado a fidelidade de Moisés sobre base bíblica, Paulo determina o

grau de autoridade concedido a Moisés por declarar que seu serviço foi testificar sobre as

revelações do por vir (3:5b) o que reflete o ponto de vista da escatologia da igreja primitiva.

O particípio passivo futuro tw/n lalhqhsome,nwn (“haviam de ser anunciadas”) indica que a

função de Moisés era testificar de uma revelação superior no futuro. A profecia de Moisés

anteciparia a salvação que começaria a encontrar expressão na pregação de Jesus (2:3). Na

vindicação de Moisés, Deus assinalou que “boca a boca falo com ele” (Núm. 12:8). Ao

diferenciar Moisés desta maneira, Paulo indica que o status de Moisés como servo da

revelação corresponde a dos anjos, os quais são servos em favor dos herdeiros da salvação

(1:14).

Como já se havia sugerido, a superioridade de Jesus é indicada pela expressão uiόσ (“filho”) e a designação para exercer seu governo evpί (“sobre”) a casa de Deus. O que Paulo

entende por Filho foi explicado em 1:3-6, onde se refere a sua exaltação e dignidade em

termos de entronização, aclamação e adoração angelical. O mesmo status de exaltação se

aplica aqui com expressões contrastantes, como o servo na casa e o Filho quem preside

sobre sua administração. Moisés foi servo na casa, exaltado em virtude de sua notável

fidelidade e função de administrador principal na casa de Deus. Porém, Cristo é o Filho de

Deus, através do qual se fez o universo, é o fundador e herdeiro da casa. A confirmação da

dignidade do Filho em 3:6a antecipa a aclamação “e tendo grande sacerdote sobre a casa

de Deus” (10:21), o que se refere ao santuário celestial onde Jesus ministra sua posição

sacerdotal a destra da Majestade (7:26; 8:1-2; 9:11, 24; 10:19-21).

A audiência hebréia de Paulo, então, já não deveria considerar Moisés como

supremo exemplo de perfeição em seu serviço a Deus pelo louvor recebido (Núm. 12:7-8),

senão que Jesus, o Filho exaltado cuja glória é superior a da Moises, é digno de séria

considerarão.

Se a casa de Deus na qual Moisés havia servido fielmente foi o povo de Israel, a

casa de Deus hoje, sobre a qual governa o Filho exaltado, o constituem os “concidadãos dos

santos, e sois da família de Deus” (Ef 2:19).

Esta demonstração exegética e teológica da superioridade do Filho exaltado sobre o

servo Moisés constitui, possivelmente, uma resposta pastoral e apologética a uma

congregação vacilante. É o começo de um sustentado esforço para persuadir os leitores

hebreus a permanecerem fiéis a Cristo diante das pressões que os motivariam a abandonar

a fé cristã. Conseqüentemente, Hebreus 3:1-6 prove um veio importante para investigar um

dos principais propósitos da homilia.

Page 41: Apostila exegese Nt hebreus

38

Segunda exortação: O perigo de rejeitar a palavra viva de

Deus (Hb 3:7-19): Aspectos estruturais

Uma mudança em estilo, forma e gênero anuncia a introdução da unidade seguinte

de pensamento na homilia. Em 3:1-6 Paulo aludiu a textos veterotestamentários como base

para sua exposição a respeito da superioridade de Jesus sobre Moisés. Em 3:7-11 cita a

direção e extensão do AT no modelo de um midrash homilético. É dizer, cita, explica, repete

e aplica a situação específica a seus ouvintes.

Toda a unidade é um comentário do Salmo 95:7-11, no qual Paulo pressupõe uma

correspondência entre as gerações sucessivas do povo de Israel e a conduta consistente de

Deus. Seu interesse básico é que os destinatários mantenham sua integridade e continuem

sua experiência (cristã) no contexto das promessas divinas. As lembranças da incredulidade

de Israel, fundamentadas por o Salmo 95, provêem a base para a exortação aos que

rejeitam ouvir e obedecer a Deus. Isto afetaria tragicamente suas esperanças de herdar o

repouso prometido. Paulo introduz palavras e pensamentos importantes do texto e os

relaciona com a situação dos destinatários.

Paulo interpreta o texto sob a influência de Números 14.23 De acordo com Números

13-14, Israel havia acampado em Cades Barnéia no deserto de Param, limite com Canaã.

Entrar na terra prometida era o objetivo do Êxodo e o cumprimento das promessas. Contudo,

quando os espias voltaram com a informação pessimista, os israelitas se negaram a entrar.

Rejeitaram a promessa por incredulidade. O Salmo 95 lembra que esta decisão do povo

provocou a ira de Deus. Não lhes permitiu entrar por causa de sua rebelião. Os destinatários

da homilia poderiam encontrar-se em uma situação similar diante do cumprimento das

promessas de Deus. A lembrança da resposta divina à geração do deserto serviria para

exortar a comunidade cristã a não repetir a incredulidade de Israel em Cades Barnéia.

Análise exegética do texto em seu contexto

3:7a Paulo estabelece uma conexão intrínseca entre 3:6 e a exortação do Salmo 95.

A conjunção διό (“pela qual”, “por tanto”, “daqui que”) leva adiante o pensamento

expressado condicionalmente em 6b e o relaciona a exortação “não endureçais vosso

coração” (3:8). O tempo presente do verbo λζγει (“disse”) é importante. Através da citação

veterotestamentária o Espírito esta falando agora. (Conseqüentemente, se traz o testemunho

das escrituras do passado para a experiência dos leitores do presente).

3:7b-11 Paulo cita o Salmo 95:7-11. Textos dos Salmos foram usados liturgicamente

como preâmbulos aos serviços vespertinos de sexta feira e os matinais de sábado na

23Cf. Ellen G. de White, Patriarcas e Profetas (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,

1960), 406-413.

Page 42: Apostila exegese Nt hebreus

39

sinagoga. É provável que o Salmo 95 tenha sido muito conhecido pelos destinatários da

homilia.

Na primeira metade do salmo se convida a adorar e louvar a Deus (95:2,6). Na

segunda, se exorta a não imitar a rebelião do deserto em Meribá e Massá. Meribá

(“desordem”) é o nome do lugar em Refidim onde os israelitas murmuraram por falta de água

(Êx 17:1-7). Também se chamou Massá (“prova”) porque tentaram a Jeová. Meribá é o nome

dado a Cades Barnéia (Dt 32:51), onde os Israelitas murmuraram por falta de água (Nm

20:1-13). Nesta vez, Moisés e Arão se incluíram na rebeldia do povo. A memória deste

desafio catastrófico deixou uma marca indestrutível no registro bíblico (cf. Nm 32:7-13; Dt

1:19-35; Ne 9:15-17; Sl 106:24-27).

Cades chega a ser um símbolo da desobediência de Israel, o lugar onde a redenção

prometida por Deus foi esquecida e onde a promessa divina não motivou a obediência.

O aoristo subjuntivo ativo avkou,shte (“se ouvires”) é usado em um artigo condicional,

em resposta ao cargo divino de que “não obedeceram minha voz” (Nm 14:22), acusação que

se implica a posteriores referencias ao episódio de Cades (Dt 9:23b; Sl 106:25b). O estranho

termo parapikrasmw / traduz o nome hebreu Meribá que significa “rebelião” em Números

14:35. O “dia de prova no deserto” tem clara referencia a Números 14:11b, 21-22, onde os

Israelitas desafiaram a Deus em uma ofensa particular, embora houvessem experimentado a

milagrosa intervenção de Deus no Egito e no deserto.

A observação de que seus corações “não conheceram meus caminhos” (3:10b)

corresponde a Números 14:22b (“não obedecem a minha voz”). Indica que a ira de Deus não

se manifestou pelo fato de um simples incidente, mas sim por uma tendência persistente em

rejeitar suas orientações. Finalmente, o solene juramento (3:11) resume Números 14:21-23,

28-30, o que é uma recompensa justa e adequada ao trágico desafio de Israel.

3:12-13 A aplicação do Salmo 95 aos destinatários exibe um método exegético que

se denomina midrash pesher, onde o autor seleciona certas palavras e pensamentos da

citação que considera apropriada a seus leitores e as trabalha em sua instrução pastoral.

O primeiro imperativo presente ble,pete (“vede”), seguido pela partícula negativa

mh,pote (“que não”, “que nunca”) e o indicativo (“haja”) expressa uma exortação relativa a uma

realidade presente inevitável e indica que a admoestação deveria ser considerada

seriamente. Paulo teme que os destinatários vacilem em suas respostas a promessa de

Deus. Reconhecendo que são os indivíduos que se expõem ao perigo da apostasia, o

interesse do apostolo se estende a cada membro da congregação (cf. 3:13; 4:1, 11; 6:12;

12:15).

A referencia a “um coração mal e incrédulo” interpreta a expressão “sempre erram no

coração, eles também não conhecem os meus caminhos” (3:10), o que na linguagem do AT

é “separar-se do Deus vivo”. Foi “um coração mal e incrédulo” o que impediu a geração do

deserto, testemunhas do êxodo, gozar do repouso de Canaã.

Page 43: Apostila exegese Nt hebreus

40

Tem particular importância o termo avpisti,aj (“incredulidade”, “desobediência”,

“desconfiança”), um genitivo de qualidade indicando que “incredulidade” caracteriza o

coração como ponhrά (“difícil, “defeituoso”, “enfermo”, “mal”, “perverso”, “perigoso”).

Conceito que parece ser um reflexo de Números 14:27, 35. As referencias a Números 14 são

significantes porque indicam que a incredulidade não é uma carência de fé ou verdade. É a

disposição deliberada a não crer em Deus. É a condição rebelde de um coração difícil,

enfermo, e, perigoso.

Esta situação inevitável conduz à avposth/nai (“afastar”, “separar”, “apartar”, “destituir”,

“desertar”, “renunciar”, “apostatar”) do Deus vivo, o que é um ato deliberado de rebelião e

rejeição. O infinitivo avposth/nai com a preposição genitiva avpό (“de”) pareceria ser usada aqui

epexegéticamente indicando o conteúdo de um “coração mal”.

O imperativo pastoral em 3:12 toma a suplica de Josué e Calebe em Números 14:19:

“não sejais rebelde contra Jeová” (cf. Dt 1:28).

Evitar a apostasia não demanda simplesmente da vigilância individual, mas sim o

cuidado diário (diariamente) de cada um dos destinatários pelos outros (3:13). O pronome

reflexivo e`autou,σ (“vocês mesmos”), com o segundo imperativo presente parakalei/te (“exortai-vos”), se usa deliberadamente em lugar do pronome recíproco avllh,louj (“cada um”)

com o propósito de enfatizar a união dos destinatários na responsabilidade mutua de uns

pelos outros. A urgência pela exortação é que os destinatários se deixem endurecer pelo

engano do pecado, enquanto ainda haja oportunidade. A voz passiva sklhrunqh/| (“ser

endurecido”) indica que se concebe ao pecado como um agente que engana e conduz a

uma posição desesperançada. Neste contexto a`marti,a (“pecado”) é o pecado de rejeitar

obedecer a Deus e não atuar de acordo com suas promessas (Nm 14:19, 34).

A segurança de que os destinatários gozem de uma relação madura com Cristo é de

crucial importância em 3:12-15. È uma das declarações centrais na homilia que prevê uma

forte motivação quando esta requer que os leitores dêem evidência de fé genuína e

perseverante (cf. 3:6;4:14).

Os termos me,tocoi (geralmente levam o significado de “sócio”, “companheiro”,

“participador”), e bebai,an (“certeza”, “firmeza”, “estabilidade”) refletem uma terminologia

comercial de uso metafórico. Assim, é concebida a relação entre Cristo e a comunidade que

recebe a homilia em termos de uma relação ou sociedade comercial. Os recebedores podem

confiar na fidelidade de Cristo (cf. 3:1-2), porém também devem mostrar “boa fé”.

O cláusula condicional introduzida por eva,nper (“suponde que se”), recupera o eva,nper

de 3:6 e enfatiza o caráter provisório da relação. A exortação a “afirmar‟, “reter”, “conservar”

(kate,cein “até o fim” a “confiança que desde o princípio (3:14) tivemos” é uma antítese o

verbo avposth/nai do verso 12.

Page 44: Apostila exegese Nt hebreus

41

Possivelmente, a força emocional desta exortação se derive da decisão de Israel de

eleger um novo líder e voltar para o Egito (Nm 14:3-4), antes de atuar em harmonia com a

promessa de Deus. A palavra u`posta,ςισ que enfatiza o conceito de “base” ou “fundamento”,

significa “confiança”, “segurança”, “convicção” e se refere à realidade, essência, ou natureza

de alguma coisa, ou base da esperança. Dita esta expressão, Paulo parece relembrar os

leitores “participantes de Cristo” que se requer perseverança na “segurança e convicção” até

a realização da promessa no repouso escatológico preparado para o povo de Deus.

3:15 A nova citação do Salmo 95:7-8 em 3:15 não marca uma nova cena no

conteúdo, mas sim parece ser um sumário do argumento apresentado até aqui. O

pensamento desenvolvido em 3:12-15 se faz claro.

Paulo quis demonstrar a seus destinatários que o que havia sido escrito em Salmos

teria aplicação direta em suas vidas. Cada palavra e pensamento chave interpretado em

3:12-13 tem relevância imediata para eles. A resposta da geração do deserto em Cades

Barnéia pode esquecer-se enquanto ouçam a exortação do Espírito a responder a voz de

Deus sem obstinada rebelião.

3:16-18 O fato da rebelião e seus resultados catastróficos se apresentam em 3:16-18

em forma de questões retóricas. Colocam-se três questões paralelas, e a resposta as duas

primeiras se apresentam em forma interrogativa, e na terceira, na forma de uma cláusula

incorporada dentro da mesma questão. Tomam-se os termos do Salmo 95 nos versos 16a,

17a e 18a, enquanto as respostas se formulam sobre a base do relato de Israel em Cades

Barnéia em Número 14. O curso do argumento poderia ser esquematizado da seguinte

maneira:

Verso 16a (Sl 95:7-8) Verso 16b (Nm 41:13,19,22)

Verso 17a (Sl 95:10) Verso 17b (Nm 14:10,29,32)

Verso 18a (Sl 95:11) Verso 18b (Nm 14:30,33,43)

Enfatiza-se a resposta de Israel de uma maneira que exibe o clima de desafio e

incredulidade: o povo se rebelou (3:16); pecou (3:17) e desobedeceu a Deus (3:18). A ira de

Deus foi à resposta correta a essa incredulidade e rebelião.

Em 3:16 o verbo parepi,kranan (“azedar”, “exasperar”, “amargar”, “provocar”) implica

o pensamento de rebelião expressado pelo substantivo parepi,krasmo,j (“amargura”, “ira”) de

3:15, o que poderia se referir a numerosas provocações do povo em sua peregrinação no

deserto. O contexto, contudo, mostra a rebelião em Cades Barnéias. A resposta em 3:16b se

associa a Moisés, cuja fidelidade em sua liderança dos que participaram do êxodo foi

reconhecida em 3:2, 5. Enfatiza-se o fato de que “todos” os que saíram do Egito e ouviram a

voz de Deus se rebelaram.

A formulação de 3:17a reflete a pontuação do Salmo 95:10 do Texto Massorético e

da Septuaginta, porém se encontra em tensão com a citação registrada em 3:9-10.

Page 45: Apostila exegese Nt hebreus

42

Na citação, os “quarenta anos” se associam com a graça e bênçãos de Deus

manifestadas no juízo; em 17a, os “quarenta anos” são anos de ira. Tem-se proposto que

Paulo considera dois diferentes períodos de tempo. A diferenciação entre os dois períodos é

sugerida no AT. Por um lado, existem certos textos que fazem referencia aos quarenta anos

durante os quais Israel experimentou a provisão misericordiosa e graciosa de Deus (Êx

16:25; Dt 2:7; Ne 9:21). Por outro lado, existem passagens que se referem explicitamente

aos quarenta anos de ira (Nm 14:33-34; 32:13).

Parece que Paulo incorpora os dois significados da tradição em sua interpretação do

Salmo 95. Em 3:9 considera os quarenta anos como um tempo de salvação, enquanto que

em 3:17 fala de u tempo de perdição. Este câmbio de perspectiva serve para aplicar o Salmo

à experiência dos destinatários da homilia. Os quarenta anos de bondade e misericórdia

intensifica a culpabilidade do que apostataram, o que coloca a ira de Deus e seu juramento

dentro de sua própria perspectiva (3:17b). A conseqüência, de rejeitar reconhecer a

presença de Deus e o cumprimento de sua promessa, foi à radical disciplina da morte no

deserto.24

A questão retórica final (3:18) associa ao juramento de rejeição com o pecado da

desobediência. A formulação em 3:18b (“aqueles que desobedeceram”) reflete Números

14:43 da Septuaginta, onde se registra que Moisés disse “vos separaste de Jeová em

desobediência”. Um pouco antes foi descrito da geração do deserto como os que “me

puseram a prova dez vezes e não obedeceram a minha voz” (Nm 14:22, com referencia à Êx

5:21; 14:11; 15:24; 16:2; 17:2, 3; 32:1; Nm 11:1, 4; 12:1; 14:2). A conseqüência da

incredulidade foi o desafio aberto a Deus que culminou com o juramento “não entrarão em

meu descanso.

A conclusão de que a conseqüência da incredulidade foi à exclusão do repouso

prometido de Deus resulta naturalmente deste argumento. Ainda que não haja referência à

incredulidade em Salmo 95:7-11, se implica no uso do termo avpisti,a em Nm 14:11 e

complementa a referência ao mesmo vocábulo em 3:12. O novo elemento em 3:19 é a

alusão à conseqüência da decisão de desafiar a Deus em Cades. Exclui-se “a causa da sua

incredulidade”. Quando os Israelitas descobriram sua necessidade, buscaram o

arrependimento. Em sua presunção decidiram, apesar do juramento divino, entrar de todas

as maneiras em Canaã. Sua missão foi em vão. Foram vencidos (Nm 14:39-45; Dt 1:41-44).

O juramento de Deus foi final e decisivo. 3:19 introduz o conceito da impossibilidade do

segundo arrependimento depois da apostasia, uma antecipação do que mais adiante será

tratado com detalhes (6:4-8; 10:26-31; 12:16-17). Desta forma, os recebedores da homilia

poderiam ter ficado com a impressão de que incredulidade os exporia à mesma situação que

Israel em Cades Barnéia.

Paulo cita o Salmo 95 para apresentar a sua audiência um sério apelo a perseverar

no discipulado cristão. É imperativo que os participantes de Cristo sejam afirmados em sua

24A comunidade cristã, que também havia experimentado a graça divina, não deveria

perpetuar o pecado de Israel.

Page 46: Apostila exegese Nt hebreus

43

confissão batismal. A demanda de fidelidade e perseverança apóia-se na promessa do

repouso que ainda permanece para o povo de Deus.

Paulo compara a geração do deserto aos cristãos que receberiam a homilia em sua

própria situação a partir de uma legitima exegese tipológica. A hermenêutica tipológica não

se baseia em situações imaginárias, mas sim consiste na ação divina dentro do contexto

estabelecido pela revelação. Reconhece a realidade dos fatos do passado e pressupõe uma

genuína correspondência entre a atividade salvadora de Deus no passado e no presente.

Em Hb 3:7-19 a exegese tipológica perpetua a memória histórica para nutrir e formar a fé da

comunidade cristã. As alternativas contrárias de bênção e maldição experimentadas por

Israel em Cades Barnéia resultaram da fé (que aceita), ou da incredulidade (que rejeita) a

promessa. Em 3:7-19 se exorta ao publico paulino a reconhecer o perigo da incredulidade. A

condição para o cumprimento da promessa divina é permanecer com uma fé ativa,

expressada através da obediência em harmonia com a confissão cristã.

O repouso como futura celebração sabática do povo de

Deus (Hb 4:1-14): Aspectos estruturais

Nesta nova seção Paulo segue com sua interpretação do Salmo 95 na forma de um

midrash homilético. O interpreta através de Gênesis 2:2, com o propósito de deixar clara a

natureza do repouso do qual tem sido excluída a geração do deserto.

A idéia central que é enfatizada em 3:12-19 é a exclusão da geração do deserto

(incrédula e rebelde) da experiência do repouso prometido por Deus. Em 4:1-11 a ênfase de

Paulo é colocada sobre a comunidade cristã como herdeira da promessa de entrar no dito

repouso. Paulo apresenta claramente as alternativas do repouso e os perigos que enfrentaria

o novo povo de Deus.

Análise exegética do texto em seu contexto

4:1 Quando um escritor desejava motivar seus leitores a uma mudança de atitude ou

vida, usava habitualmente o subjuntivo exortatório. O uso enfático do aoristo subjuntivo

fobhqw/men (“temamos”) no começo do parágrafo demonstra que a atitude dos recebedores

diante da palavra de Deus (na Escritura) não era aceitável. A exortação, por uma atitude

mais sensível a revelação de Deus, é motivada pelo interesse pastoral de que cada um dos

membros da comunidade cristã experimente o repouso prometido (cf. 3:12, 13; 4:11). O fato

de que a promessa de entrar no repouso de Deus ainda permaneça aberta explica a

urgência expressada na exortação.

A palavra evpaggeli,a (“promessa”) é um termo significativo no vocabulário paulino.

Aparece aqui pela primeira vez na homilia. O apostolo entende que os cristãos possuíssem

as realidades as quais Deus tem antecipado em forma de promessa. Considera a

comunidade cristã como herdeira das promessas divinas (1:14; 6:12, 17; 9:15). Argumenta

que o que Deus tem prometido aos pais se repete no povo da nova aliança. Portanto, tal

Page 47: Apostila exegese Nt hebreus

44

povo da aliança deve encontrar no serviço sacerdotal de Jesus a garantia do cumprimento

final da promessa de Deus (cf. 8:6; 10:26; 11:39-40).

Que a promessa de entrar no repouso de Deus ainda permaneça valida é uma

dedução lógica das palavras introdutórias da citação, que diz: “se hoje ouvires a sua voz,

não endureçais o vosso coração” (Sl 95:7-8). No contexto do juramento de excluir os

rebeldes do repouso de Deus (Sl 95:11), o salmista implicou a possibilidade permanente

deste repouso para o que permaneceria fiel a palavra da promessa. A narrativa em Números

14, que influi na interpretação do Salmo 95:7-11 em 3:12-19, pareceria dar a Paulo a base

para interpretar que a promessa não havia sido revogada ainda. A proposta de 4:1 se

fundamenta em Números 14:31, onde a promessa rejeitada pelos pais se estende a seus

filhos. Deus lhes dará entrada e gozarão da terra. Assim, Números 14 parece prover a Paulo

o fundamento bíblico para o conceito da promessa renovada.

A noção de kata,pausiσ (“repouso”) no contexto da promessa à geração do Êxodo

teve a conotação local de entrar a Canaã, onde Israel experimentaria a liberação total de

seus inimigos (cf. Dt 12:9-10). Contudo, ao cabo de tempo um novo conceito escatológico do

repouso foi desenvolvido, possivelmente, pela influencia da sinagoga. Os rabinos judeus do

segundo século anterior a Cristo, discutiam sobre a base de Números 14:35 e Salmos 95:11,

se o juramento de Deus de excluir os pais do deserto da entrada a seu repouso implicava

sua definitiva exclusão da participação no século por vir na consumação ou redenção. Em

4:1 se pressupõe uma compreensão escatológica da expressão “meu repouso” em Salmo

95:11, o que é fundamental para a exortação de ser diligente para entrar no repouso de

Deus em 4:1-11. É possível que os ouvintes conhecessem estes conceitos por sua passada

associação com as sinagogas judaicas da diáspora. O principio de que a incredulidade foi à

causa da exclusão do repouso (3:19) permanece válido no presente e, tal compreensão é de

fundamental importância ao interpretar a permanência do repouso em sentido escatológico.

4:2 A conjunção ga,r (“porque”) estabelece a conexão com o material precedente.

Todavia existe o perigo da exclusão do repouso.

A afirmação kai. ga,r evsmen euvhggelisme,noi (“porque também a nós foram anunciadas

[as boas novas]”) reflete a formulação de 2:3-4, onde Paulo se identifica com seus ouvintes,

como os que haviam chegado à fé através da pregação das testemunhas que escutaram ao

Senhor e cujas mensagens foram confirmadas por manifestações carismáticas.

euvhggelisme,noi é um particípio perfeito passivo. Usa-se para construir o perfeito perifrástico

do indicativo. O perfeito enfatiza que a evangelização tem sido completa, total, sem deixar

possibilidade de alguma desculpa ou observação de que a evangelização tenha sido

inadequada ou deficiente. A mensagem de boas novas escutada pelas gerações do Êxodo

foi o anuncio de Josué e Calebe relativo à prosperidade da terra e suas posições (Nm 13:26-

29, 31-14:4,10). A alusão a Josué e Calebe prepara o contraste no verso 2b entre a resposta

negativa dos desesperançados e incrédulos (cf. Nm 13:26-29, 31-14:4, 10) e a resposta

positiva da fé em Cades Barnéia.

Page 48: Apostila exegese Nt hebreus

45

A geração passada recebeu a promessa em vão porque não creu na palavra ouvida

(Nm 14:11; cf. 3:12, 19). Não participaram da fé de Josué e Calebe os quais escutaram a

promessa de Deus e a consideraram como certa. Pi,stij (“fé”), em seu primeiro uso em

Hebreus, pareceria definir-se como “espera segura e expectante quanto ao futuro” (cf. 6:12;

10:38-39; 11:1). É uma resposta que se apropria da promessa divina e reconhece a

confiabilidade de Deus. Em 4:2, pi,stij é relacionada com o` lo,goj th/j avkoh/j (“ouvir a

palavra”) uma expressão que antecipa o uso de o lo,goj no verso 12 como a palavra

revelada a Deus.

A geração do deserto não confiou na palavra que havia ouvido, o que lhe

impossibilitou gozar o que se havia prometido. Para os ouvintes de Paulo, os que foram

chamados à fé sobre a base da palavra final de Deus dita através do Senhor (1:1-2 a; 2:3),

pi,stij é claramente uma fé escatológica, uma compreensão e aceitação presente de uma

realidade futura. Ouvir a mensagem de boas novas não é garantia de receber o que foi

prometido. A construção genitiva o` lo,goj th/j avkoh/j enfatiza que a palavra ou mensagem se

associa com o ouvir, o que aponta que a mensagem satisfaz uma necessidade do ouvinte e

que seu conteúdo deve ser proclamado. Somente a fé, atitude de espera segura e com

expectativa sobre o futuro que é antecipado por essa mensagem, pode assegurar a

realidade prometida.

4:3-5 Paulo demonstra exegeticamente em 4:3-5 que ainda permanece um repouso

para o presente povo de Deus. Define o termo kata,pausij na expressão “meu repouso” (Sal.

95:11) de tal maneira que fundamenta seu argumento principal. Paulo sustenta que a

exclusão da geração do Êxodo não anula a realidade e acessibilidade do repouso prometido.

Paulo pareceria seguir o principio exegético rabínico que considerava a presença de

um vocabulário semelhante em duas passagens das Escrituras como mutuamente

relacionados em seu significado. Sobre a base deste principio, então, a presença do aoristo

kate,pausen (“repousou”) em Gên.2:2 faria referencia ao repouso de Deus em Salmo 95:11.

Gênesis 2:2 indica que o repouso prometido por Deus já havia sido preparado desde o Éden.

Embora Paulo continue interpretando o Salmo 95 e aplicando suas declarações à

situação de seus ouvintes, seu método revela um câmbio tático. A exortação não aparece

em primeiro plano, senão o detalhe da declaração provê a base da esperança e motivação.

A incredulidade excluiu a geração do Êxodo do repouso de Deus, contudo, em resposta a fé,

existe a possibilidade ainda de entrar no mesmo. A sentença do verso 3a fornece uma

antítese ao verso 2: o que perderam os incrédulos chega a ser posse dos que crêem em

Deus (cf. Nm 14:24 [Calebe]). Ainda que o presente indicativo da voz média eivserco,meqa (“entramos”) poderia ser usado como um presente futuro, é melhor tomá-lo como a

expressão de um fato presente. Assim, poderia se expressar a idéia “já estamos em

processo de entrar”. A descrição da comunidade como oi pisteu,santej (“os que haviam

crido”) reflete o que já foi declarado sobre pi,stij e o lo,goj th/j avkoh/j no verso 2. Os que

haviam crido são os que têm respondido à mensagem com convicção os quais vivem no

presente à luz da promessa relativa ao futuro. A fé traz ao presente a realidade do que será

Page 49: Apostila exegese Nt hebreus

46

o futuro, o não visto, o celestial. Por tal razão, se pode dizer dos que creram que já entraram

no repouso do Senhor.

Conseqüentemente, a afirmação εivserco,meqa ga.r eivj Îth.nÐ kata,pausin (“porque nós,

os que temos crido, entramos no repouso”) implica mais que um gozo antecipado do que

Deus tem prometido. Como já foi mencionado, o tempo presente do verbo deve ser

considerado como uma verdade presente e não simplesmente como uma referência ao

futuro. A promessa de Deus pedisse uma realidade e os crentes já podem gozar do repouso

citado em Salmo 95:11.

A sentença final do verso 3 é de caráter concessivo e prepara a citação de Gênesis

2:2 no verso 4. “Ainda que” (kai,toi, usado com o particípio genhqe,ntwn [“completado”,

“terminado”]) a geração do deserto foi excluída do repouso de Deus, o mencionado repouso

estava disponível desde que Deus completou suas obras na criação. Assim a noção de

repouso escatológico chega a ser uma das realidades preparadas por Deus desde a

fundação do mundo.25

Como assunto de fato, Paulo segue cuidadosamente Gênesis 2:1-3 ao diferenciar o

repouso de Deus de suas obras. O repouso de Deus consiste na terminação de suas obras,

e conseqüentemente, seu repouso existe desde a fundação do mundo. A declaração final

enfatiza que o repouso prometido não se refere em primeira instancia a alguma realidade

futura preparada para a humanidade, mas sim tem referencia ao próprio repouso de Deus,

que procede desde o Éden. Uma compreensão adequada da relação entre as obras da

criação e o repouso prometido prepara um paralelo entre Deus e os crentes em 4:10.

Na liturgia da sinagoga no começo do sábado, a leitura do Salmo 95:1-11 era seguida

por Gênesis 2:1-3. A conexão e a ordem dos textos neste serviço de oração na sexta-feira à

tarde, que na Diáspora havia sido conduzido em grego, poderia haver sugerido o

procedimento hermenêutico seguido no verso 4. Paulo interpreta a personalizada expressão

kata,pausi,n mou( (“meu repouso”) em Salmo 95:11 (versos 3, 5) desde um ponto de vista

conveniente a Gên. 2:2 onde aparece um termo semelhante kate,pausen ([Deus]

“descansou”). A semelhança verbal permitiu-lhe inferir que o repouso inicial de Deus,

informado em Gênesis 2:2, é o arquétipo de todas as experiências de repouso posteriores, e

assim tipifica o repouso prometido ao povo de Deus. A repetição do Salmo 95:11b em 4:5

vincula o repouso da criação com a promessa do repouso que era o alvo da redenção.

Desse modo, Paulo define a natureza da promessa estendida aos filhos dos excluídos no

deserto para motivar a seus ouvintes. Por esta razão, talvez, a referencia ao juramento de

Deus em Salmo 95:11 é abandonado quando se cita Salmo 95:11 pela segunda vez.

25

Conceito que tem abundantes paralelos na literatura apocalíptica e rabínica dos dias de

Paulo. Porém, esta noção não deveria ser introduzida na interpretação do verso 3c. Seria apropriado só do repouso de Deus, uma das obras da criação.

Page 50: Apostila exegese Nt hebreus

47

4:6 O argumento apresentado se resume em 4:6 e se infere exegeticamente algo

mais do mesmo (4:7-8). A promessa divina do repouso indica que Deus proveu um descanso

não só para Ele mesmo, mas sim a seu povo.

O juramento de exclusão foi pronunciado somente contra alguns dos que acamparam

em Cades, os avpei,qeian (os “não persuadidos”, os “desobedientes”). Isto mostra que alguns

“outros” (tina,j) entrarão no repouso de Deus. A identificação do primeiro grupo como a

geração do Êxodo contemplada em Salmos 95:8-11 (cf. Nm 13:26-14:9), os que foram

separados do repouso divino por causa de sua desobediência (4:6; cf. 14:11-12, 21-23),

recapitulam o argumento desenvolvido em 3:16-18 e 4:2. Contudo, a promessa de Deus

permanece válida e se dirige a atenção ao grupo que poderia entrar neste repouso ainda

disponível. Este grupo aparece em Salmos 95:7b-8a e se constitui de todos os que ouvem a

admoestação proveniente do Espírito Santo (Hb 3:7a) e respondem a voz de Deus com fé e

obediência.

4:7b-8a A mudança do foco do Salmo 95:11, que foi citado em 4:3, 5, ao Salmo

95:7b-8a em 4:6-8 introduz outro fator que deve ser considerado pelos destinatários. Paulo

interpreta o termo sh,meron (“hoje”) como tendo fundamental importância para entender

corretamente o conceito de repouso. A admoestação a uma revisão da rebelião de Israel no

Salmo 95:7b-8a foi um anuncio profético de que Deus estava determinando uma data

posterior para fazer disponível seu repouso. Aproximadamente quatro séculos depois da

exclusão da geração do deserto de seu repouso, Deus anuncia profeticamente através do

salmista um novo dia de oportunidade, “hoje”, quando sua voz seria ouvida e a promessa de

entrar em seu descanso seria atualizada.

O anúncio implicava que nenhum havia entrado ao completo repouso de Deus até o

tempo do salmista. Se o houvessem feito sob a liderança de Josué e Calebe, o assunto não

haveria sido revisado posteriormente (Sal. 95). De acordo com 4:3-9, significava mais que

um descanso físico. Josué introduz a nação ao repouso (Dt 3:18-20; Js 2:11,12; 10:6; 2Rs

17:9-20; Jr 7:30; Ez 3:7; etc.), mas, devido a sua rebelião e apostasia, o povo não encontrou

em nenhum período o repouso planejado por Deus (4:8-9).

O Salmo 95 é o que sugere uma compreensão escatológica de kata,pausij (“repouso”). A admoestação no Salmo 95:7b-8a é tanto um convite urgente ao povo de Deus

como um anuncio do tempo escatológico da salvação. Esse tempo já é chegado. É o período

final da história da redenção que começou com a última mensagem de Deus através do Filho

(1:1-2a). É o tempo presente da salvação para a comunidade cristã, para quem ainda existe

a possibilidade de entrar no repouso de Deus.

No Hexateuco o conteúdo da promessa se associa a conquista de Canaã (cf. Dt 3:20;

12:9; 25:19; Js 1:13). Sugere que depois da conquista a promessa do repouso se havia

cumprido (Js 21:44; 22:4). Em 4:8, Paulo pareceria referir se a tensão entre esta tradição e a

perspectiva diferente expressada no Salmo 95. A conquista de Canaã não marca o

cumprimento da promessa divina. Refere-se à outra realidade fundamental. Se Josué

houvesse alcançado a promessa do repouso, não teria havido necessidade para a

Page 51: Apostila exegese Nt hebreus

48

renovação da mesma no Salmo 95. Portanto, como o descanso de Deus depois da criação

foi um arquétipo da experiência do repouso em Canaã, este foi só um tipo do símbolo de

aquele completo repouso que Deus desejava para seu povo fiel (já pré-figurado em Gênesis

2:2).

4:9 A argumentação apresentada até aqui, se resume na conclusão a qual Paulo

chega em 4:9. A declaração se estrutura em forma paralela ao verso 6:

Verso 6a: avpolei,petai tina.j eivselqei/n eivj auvth,n (= th.n kata,pausin) (“resta que

alguns entrem nele”) (= “o repouso”).

Verso 9: avpolei,petai sabbatismo.j tw/| law/| tou/ qeou / (“Portanto, resta ainda um

repouso para o povo de Deus”).

Assim, Paulo repete a conclusão de 4:6 em 4:9, substituindo o termo kata,pausij por

sabbatismo,j. Esse paralelismo sugere que a substituição intenta definir mais precisamente o

caráter do futuro repouso prometido ao povo de Deus. Se a intenção de Paulo houvesse sido

dizer somente: “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus” (como entenderam certas

versões em inglês [RSV, NEB, NIV]), poderia ter retido a palavra kata,pausij.

Em 4:4, Paulo conecta kata,pausij com o repouso de Deus no sétimo dia da criação,

o que sugere que o apostolo poderia ter conhecimento que esta palavra era a usada para o

repouso sabático na Septuaginta (Êx 35:2). A deliberada eleição do termo sabbatismo,j, que

encontra seu uso mais cedo na literatura grega existente, deve haver sido sugerida pelo fato

que esta implica um matiz de significado não existente em kata,pausij.

O termo sabbatismo,j parece originar-se do verbo sabbati,zein (“observar”/ “celebrar o

sábado”).

Em seu único uso na literatura não cristã significa “observância do sábado”.26 Em

quatro documentos do período patrístico independentes a Hebreus 4:9, o termo denota a

celebração e festividades do sábado.27 Ainda que se sugira que o término recebeu tal

significado na instrução sabática que se desenvolveu no judaísmo sobre a base do quarto

mandamento (Êx 20:8-10), onde se enfatiza que o repouso e o louvor vão juntos,

sabbatismo,j, enfatiza o aspecto especial da festividade e gozo, expressados na adoração e

louvores a Deus. De modo que em 4:9 este matiz pareceria definir a natureza do repouso

que espera ao povo de Deus.

4:10 A declaração em 4:10 permanece em uma relação causal com 4:9 e clarifica

porque razão no repouso escatológico será possível um sabbatismo,j. Qualquer que tenha

entrado no repouso experimentará o término de sua obra, como Deus fez depois da criação

26

Plutarco, Concernig Superstitions 3 (Moralia 166 A).

27Justino, Dialogue with Trypho 23.3; Epifanio, Against All Heresies 30.2.2; The Martyrdom of

Peter and Paul, capítulo 1; Apostolic Constitution 2.36.2 (apresentado por Hofius, Katapausis, 103-6).

Page 52: Apostila exegese Nt hebreus

49

da sua (4:3c-4), e se deleitará no repouso que é necessário para a festividade e louvor em

uma celebração sabática. Então, os versos 9-10 antecipariam o festival sabático do povo

sacerdotal de Deus no santuário celestial, celebrando na presença de Deus um eterno

sabbatismo, j com incessantes louvores e adoração.

4:11 O aoristo subjuntivo ςpouda,swmen (“apressar”, “aplicar-se a”, “ocupar-se

ativamente”, “atender devidamente”, “tratar de forma séria o assunto”) exorta a concentrar

todas as energias do ouvinte para alcançar o objetivo de entrar neste repouso, de modo que

ninguém experimente a semelhante destruição dos excluídos como conseqüência da

desobediência.

Esta exortação pressupõe o que foi dito em 4:3: Entram somente os que crêem.

Também leva em consideração a falha de Israel, sua incredulidade e desobediência (4:2, 6).

A dura admoestação em 11b recapitula o que foi dito sobre a geração dos que morreram no

deserto como conseqüência de sua desobediência (3:17-18; 4:6). O aspecto crucial da

admoestação de que algum membro da congregação destinatária não caia (i[na mh.| . . . tij . .

. pe,sh|, “para que ninguém caia”) se constrói em paralelo ao verso 1 e sugere o interesse de

Paulo por cada um dos membros dessa comunidade. A palavra u`podei,gmati (“exemplo”,

“modelo”) na construção i[na mh. evn tw/| auvtw/| tij upodei,gmati pe,sh | (para que ninguém caia no

mesmo exemplo”) não se refere a um modelo de desobediência, senão a um exemplo de

cair na destruição como resultado da desobediência.

Admoesta-se a comunidade a ser diligente e entrar no repouso de Deus através do

exercício da fé ao escutar a voz de Deus em sua última revelação, o Filho.

4:12-14 A unidade exortatória começada em 3:7 chega a uma breve e vigorosa

conclusão em 4:12-13, onde Paulo fornece a razão para a diligencia sugerida.

A palavra de Deus, cujas sansões foram impostas tão efetivamente sobre a geração

do Êxodo, é efetiva e confronta a comunidade cristã com a mesma alternativa de ira e

repouso. Aqueles que permanecem insensíveis a voz de Deus expressada nas Escrituras

poderiam descobrir que sua palavra também é um veneno mortal.

Quando a geração passada anulou a aliança por desobediência no processo da

conquista de Canaã, foram vencidos e caíram pela espada (ma,caira) dos amalequitas e

cananeus (Nm 14:35-45). A palavra de Deus julga de maneira mais penetrante que uma

espada de dois gumes porque expõe a intenção do coração e o rende indefeso diante do

olhar de Deus.

A concepção dinâmica da palavra de Deus é um corolário próprio da introdução dos

versos do Salmo 95:7b-11 em 3:7a como palavras “do Espírito Santo”. A descrição da

palavra de Deus como Zw/n ga.r o lo,goj tou/ qeou/ kai. evnergh.j (“porque a Palavra de Deus é

viva e eficaz” [“vivente e efetiva”]) significa que é ativa, e tem poder para produzir resultados,

o que é demonstrado com a referência à Salmo 95:7b-11 em 3:7-11. Os predicados

atribuídos a palavra de Deus com os termos knou,menoj . . . kai. kritikoj , (“penetrando...e

Page 53: Apostila exegese Nt hebreus

50

julgando”) introduz uma linguagem figurativa e popular que efetivamente implica a noção de

um poder extremo de penetração. A palavra de Deus é capaz de alcançar os aspectos mais

ocultos e inconfessáveis da personalidade humana (Sal. 95:10b). O discernimento ou juízo

dos pensamentos do coração e de suas intenções envolvem um processo de avaliação que

exibe a autoridade penetrante e revelador da palavra.

Em 4:13, as metáforas de total nudez e desamparo diante da presença de Deus

expressam vividamente a situação de todo o que crê que pode enganar seu Criador e Juiz.

No contexto, a passagem enfatiza que se expor a palavra de Deus é se expuser ao próprio

Deus.

Paulo equilibra a temerosa perspectiva do juízo apresentada aos ouvintes nos versos

11 e 12 com o verso 14, onde recorda do ministério sumo sacerdotal de Jesus no santuário

celestial. Com o termo me,gan, na descrição que se faz de Jesus como avrciere,a me,gan

(“grande Sumo Sacerdote”), se o qualifica em seu grão de excelência. Expressa se sua

grandeza em linguaje transcendente. O uso do tempo perfeito no particípio dielhluqo,ta

indica que Jesus transpassou o céu e que ainda permanece ali na presença de Deus (9:24).

A implicada referência ao santuário celestial fornece também outra dimensão à discussão do

repouso em 4:1-11. O ministério sumo sacerdotal de Jesus garante que o povo de Deus

finalmente celebrará o “sábado” (“repouso”) em Sua presença.

A motivação do ministério sumo sacerdotal de Jesus destaca a razão da exortação

para “reter” a “confissão” que se “professa” (4:14b). O uso do verbo kratei/n (“prender”,

“agarrar fortemente”, “capturar”, “reter”, “conservar em poder”) sugere a conclusão de que

o`mologi,a (“confissão”, “profissão”) tem referencia a formulação específica de fé que alguma

vez haviam sido aceitas e abertamente reconhecidas pelos membros da comunidade

destinatária da homilia. Neste contexto, a designação de Jesus como to.n uio.n tou/ qeou / (“o

Filho de Deus”) é quase certamente um eco da confissão. A designação de Jesus como avrciere,wj (“sumo sacerdote”) não se origina de uma mera confissão mas serve para

interpretá-lo (3:1). A exortação a reter a confissão tem a função de promover a fidelidade da

comunidade em tempos em que estava mostrando certa carência de interesse pela

integridade espiritual e perseverança (cf. 2:1; 3:6; 10:23).

Já em 3:12-19 uma interpretação tipológica do Salmo 95:7b-11 sugeriu que a

experiência de Israel em Cades Barnéia permanecia em relação com a comunidade cristã

como tipo a antítipo. O argumento em 4:1-11 parece seguir a mesma correspondência

tipológica.

A expressão “meu repouso” em Salmo 95:11 relembra o repouso original de Deus

anunciado em Gênesis 2:2. O estado de cumprimento, terminação e harmonia

experimentada por Deus depois de sua obra criativa é um arquétipo e alvo de toda

experiência posterior de repouso. O descanso planejado para o povo de Deus foi, então,

prefigurado no repouso sabático de Deus depois da criação. De modo que a teologia que

Paulo desenvolve em 4:1-11 considera o modelo arquétipo (descanso original de Deus,

Page 54: Apostila exegese Nt hebreus

51

verso 4), tipo (a conquista da terra sob comando de Josué, verso 8), e antítipo ( a celebração

sabática escatológica do povo de Deus, verso 9).

O anuncio profético de “outro dia” (em que a promessa de entrar no repouso de Deus

será renovada [Sal. 95:7b-8a]) (1) motivou a comunidade em sua situação; (2) confirmou a

interpretação escatológica do repouso de Deus; e, (3) antecipou a consumação quando a

terminação da obra e experiência do repouso proveria o contexto para a celebração sabática

marcada por festas e louvores (verso 9).

A responsabilidade da comunidade ouvinte da homilia é entrar nesse repouso através

da fé na promessa da palavra de Deus e por meio de uma resposta obediente a voz de Deus

nas Escrituras (versos 11-13). O ministério fiel e misericordioso de Jesus como sumo

sacerdote no santuário celestial garante que o povo celebrará o repouso em sua mesma

presença (verso 14).

Um sumo sacerdote digno de nossa fé porque é o Filho de Deus

que é compassivo (Hb 4:15-5:10): Aspectos estruturais

Como se recorda, Paulo anunciou que era necessário que Jesus fosse “como seus

irmãos” de modo que chegasse a ser misericordioso e fiel sumo sacerdote a serviço de Deus

(2:17). Em 3:1-4:14 Paulo desenvolve o segundo aspecto da sentença, o qual tem a ver com

a autoridade de Jesus como sumo sacerdote, sobre a base de sua fidelidade a Deus quem o

designou como tal. Em 4:15-5:10 Paulo apresenta o primeiro aspecto da declaração, Jesus

como “misericordioso” sumo sacerdote a serviço de Deus.

A estrutura literária de 4:15-5:10 fica clara quando se reconhece que 4:15-16 anuncia

o que se desenvolve em 5:10. Observa-se que uma simetria concêntrica governa toda a

exposição:

A. O antigo serviço do Sumo Sacerdote segundo a ordem levítica (5:1).

B. A solidariedade do sumo sacerdote levítico com o povo (5:2-3).

C. A humildade do sumo sacerdote levítico (5:4).

C‟. A humildade de Cristo (5:5-6).

B‟. A solidariedade de Cristo com o povo (5:7-8).

A‟. O novo serviço de sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (5:9-10).

A estrutura literária mencionada permite a Paulo enfatizar a similaridade essencial de

Jesus ao sumo sacerdote levita, ainda que o apóstolo conheça as profundas diferenças que

separam o particular sacerdócio de Cristo do sacerdócio levítico.

Como unidade, 4:15-5:10 dispõe o fundamento para a grande exposição central do

sacerdócio de Jesus em 7:1-10:18, onde se enfatiza as diferenças com o sacerdócio levítico.

Page 55: Apostila exegese Nt hebreus

52

O propósito de 4:15-5:10, então, é demonstrar que as condições requeridas de todo

sumo sacerdote foram satisfeitas por Cristo. Apresentam-se duas condições básicas em 5:1-

4: Cristo (1) deve ser capaz de ter empatia com a fraqueza/debilidade dos que serve (5:1-3);

e, (2) deve ser chamado por Deus (5:14). No segundo parágrafo, baseado em textos

veterotestamentários e na tradição do evangelho, Paulo mostra que se cumpriram as

condições estabelecidas previamente. Cristo (1) foi chamado por Deus (5:5-6); e (2) depois

de haver sido exposto às condições humanas, foi nomeado sumo sacerdote segundo a

ordem de Melquisedeque (5:7-10). Assim o pensamento flui naturalmente desde Aarão até

Cristo.

Ainda que não se saiba a ciência certa se o esquema proposto representa a intenção

original de Paulo, parece preferível reconhecer que a rápida revisão do sacerdócio levítico

em 5:1-4 permanece relacionado ou em correspondência com o ministério sacerdotal de

Jesus em 4:15-16. A ênfase sobre 5:1-3, então, mostra que a descrição do sacerdócio

levítico tem se conformado a representação de Cristo em 4:15 (cf. 7:3). Neste caso, a

direção do pensamento não flui de Aarão à Cristo, mas sim de Cristo a Aarão e seus

sucessores. Toda a seção (4:15-5:10) desenvolve a declaração de que Jesus é um

sacerdote misericordioso ao serviço de Deus (2:17).

Análise exegética do texto em seu contexto

4:15 antecipa a possível objeção de que a exaltação de Cristo como sumo sacerdote

nos céus implicava seu afastamento e indiferença dos desgastes e fraquezas da igreja no

mundo hostil. Paulo apresenta uma dupla negação: “não temos sumo sacerdote que não

possa compadecer-se das nossas fraquezas”.

A enfática negação dupla ouv . . . mh , (“não...não”) enfatiza que Jesus se identifica a si

mesmo como quem se sente indefeso na situação. Além disso, o aoristo passivo infinitivo

sumpaqh/sai (“compadecer-ser”, “participar da experiência de alguém”, “simpatizar com

alguém”) não se entende em um sentido psicológico, mas sim existencial. O exaltado e sumo

sacerdote sofre junto com as debilidades dos tentados. A capacidade empática do sumo

sacerdote celestial é derivada de sua total participação com/na humanidade (cf. 2:17-18). O

exercício de seu ministério no santuário celestial se baseia na realização de seu ministério

terreno. Paulo não reconhece nenhuma divisão entre o ministério que Cristo realiza no

estado de sua exaltada glória do que realizou em seu estado de humilhação. A experiência

de sofrimento e provas sofridas durante sua encarnação o equipou com a empatia de modo

que é capaz de acompanhar e sustentar o povo da aliança em seus sofrimentos e tentações.

A declaração enfática que foi “tentado” kata. pa,nta kaqV o`moio,thta (“em todas as

coisas à nossa semelhança”) implica que era suscetível a toda tentação ligada com a

debilidade inerente à fragilidade humana. Isto necessariamente foi à condição para sua

completa preparação para o ministério sacerdotal de ajuda.

Page 56: Apostila exegese Nt hebreus

53

Debate se a analogia entre a prova de Cristo e a dos ouvintes, pela frase cwri.j a`marti,aj (“sem pecado”). A analogia não limita a semelhança da prova, mas sim a relaciona

exclusivamente a seu êxito, porem, sim o resultado do pecado no caso de Cristo.

Alguns desafiam esta conclusão. Argumentam que isso não significa que Jesus

jamais tenha cometido alguma falta moral em sua vida, nem que tenha sido sem pecado em

sua existência terrena antes de sua crucificação. Se sustem que o autor, ao apresentar a

Jesus como sumo sacerdote, pode ter implicado que sua morte na cruz foi uma oferta de

expiação por seus próprios pecados como os do povo. O que seria consistente, se

argumenta, com 5:3. Pergunta-se como Jesus pode salvar os pecadores se não participou

da sua condição humana, incluindo a experiência do pecado? Sobre a base de 5:8, se

sustenta o fato que Jesus teve que aprender a obediência por vencer a desobediência, um

processo que não foi completo até o momento de sua morte como sacrifício na cruz.

Contudo, tais argumentos parecem desconhecer a evidência interna da homilia. A

expressão kaqV o`moio,thta (“da mesma maneira”) no verso 15 envolve tanto a similaridade

como distinção, excluindo identidade. Paulo sugere que Jesus chegou a ser idêntico a

humanidade caída pára redimi-la. Ainda que a expressão o`moio,thσ (“semelhança”, “parecer”)

expresse exata correspondência, não implica identidade. De fato, em 7:27, Paulo nega que

Jesus tenha oferecido sacrifício primeiro por seus próprios pecados, e logo pelos pecados da

humanidade. Quando se ofereceu a si mesmo, o fez uma vez para sempre. Em 9:14, se

afirma que Jesus “a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus”. Surpreende o fato de que

quando Paulo se refere as condições de Jesus para seu ministério sacerdotal em 7:26-28,

agregue expressamente de que era “sem mácula”, o que é um comentário relativo a

fidelidade de Jesus ao que o designou (3:2) e uma descrição de suas tentações.

O fato de que fosse “sem pecado” indica por que sua misericordiosa provisão

sacerdotal é poderosa e eficaz.

4:16 O incentivo oferecido no verso 15 se complementa com uma exortação à oração

persistente no verso 16.

A ênfase do tempo presente do subjuntivo prosercw,meqa (“ir até”, “aproximar-se”,

“avançar”) é “acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono de graça”. É que o

privilégio sempre esta disponível. O modo subjuntivo é o apropriado para a exortação.

Evidentemente a fonte da terminologia no texto é cúltica e veterotestamentária.

Chama atenção o fato de que Paulo use o mesmo verbo que a Septuaginta utiliza

para indicar a aproximação do sacerdote a Deus em seu serviço sacerdotal. O “trono de

graça” é o lugar da presença de Deus, de onde a graça emana para o povo.

Nos tempos do AT, o sumo sacerdote era o único que era permitido se aproximar ao

altar no lugar Santíssimo do santuário terreno no dia da expiação. Se seu ministério fosse

aceito, o altar chegava a ser o lugar onde a misericórdia de Deus era concedida ao povo (Lc

16:2-34; Hb 9:5). Usando esta linguagem, Paulo convida seus ouvistes a reconhecer que

Page 57: Apostila exegese Nt hebreus

54

através do ministério sacerdotal de Jesus se alcançou o que Israel nunca alcançou, o acesso

imediato a Deus e a liberdade de aproximar-se definitivamente dEle (7:19, 25; 9:8-12, 14;

10:1, 22).

De modo que, os destinatários da homilia podem se aproximar de Deus através da

oração com confiança que serão recebidos compassivamente. A instrução de orar com o

termo parrhsi,aj (“dizendo todas as coisas”, “com franqueza”, “confiança”) implica que os

ouvintes devem se aproximar ao trono da graça com coragem e franqueza. O direito de

aproximar-se Deus com a disposição de dizer todas as coisas com franqueza lhes foi dado

mediante o sacrifício de Cristo. Agora dispõem de um sumo sacerdote que é empático para

com eles. A promessa que receberão e;leoj (“misericórdia”), acompanhado pelo sustento da

ca,rij (“graça”), se refere a uma experiência de aproximação e a aspectos essenciais do

amor de Deus.

A consideração da solidariedade empática do exaltado sumo sacerdote celestial com

os débeis, enfatizado em 4:15-16, antecipa adequadamente a exposição de 5:1-3.

5:1 A conexão ao novo parágrafo (5:1) com os versos anteriores é estabelecida pela

conjunção ga,r (“porque”). O interesse básico é com o que é verdade quanto à pa/j avrciereu.j (“todo sumo sacerdote”).

Por um efetivo uso das frases preposicionais Paulo persiste em falar sobre a

solidariedade do sumo sacerdote levítico com aqueles a que Ele representa. Seleciona se evx avnqrw,pwn (“entre os homens”), e se designou u`pe.r avnqrw,pwn (“a favor dos homens”), a

quem representa diante de Deus. O verbo (presente indicativo) kaqi,statai (“construir”,

“indicar”, “designar”) em sua voz passiva implica que o sumo sacerdote não se designa a si

mesmo. O tempo presente se refere ao que sempre é verdade. Sendo assim, sempre é

eleito, designado. Basicamente, pareceria que Paulo tem em mente o ministério do sumo

sacerdote no dia da expiação quando ofereceu os sacrifícios pela purificação dos pecados

no lugar Santíssimo.

Paulo declara que se o designa i[na prosfe,rh| dw/ra, te kai. qusi,aj upe.r a`martiw/n

(“para oferecer tanto dons como sacrifícios pelos pecados”). O termo cúltico prosfe,rein (dons) se usa com o matiz de “cumprir o sacrifício”. Ainda que seja natural fazer diferença

entre dw/ra (ofertas de paz) e qusi,aj (sacrifícios de sangue pela transgressão e pecado), em

declarações tardias veterotestamentárias todos os sacrifícios procuravam a expiação e

perdão do pecado (Ez 45:15-17). Os dois termos fazem a descrição geral das ofertas ou

sacrifícios do sistema cerimonial. Contudo, daria a impressão que Paulo apresenta em

primeiro plano os sacrifícios do dia da expiação na discussão do ministério de sacrifício do

sumo sacerdote levítico (cf. 7:27; 10:4, 12, 26).

5:2 O pensamento que se expressa no verso 2 não tem paralelos nas fontes do

Judaísmo contemporâneo. Destaca-se o pensamento que o sumo sacerdote deveria mostrar

paciência (moderação) e debilidade.

Page 58: Apostila exegese Nt hebreus

55

O verbo infinitivo metriopaqei/n (“ser moderado”) é uma expressão usada na tradição

filosófica aristotélica no sentido de moderar os sentimentos ou paixões para evitar excessos

de entusiasmo. Por um lado, a palavra indica que o sumo sacerdote terreno não deveria

escusar o pecado do confessor sem considerar todos os aspectos pertinentes ao caso. Por

outro lado, não deveria irar-se contra o pecador. Deveria manifestar sentimento de simpatia.

Portanto, se esperava que o sumo sacerdote moderasse seus sentimentos e assim tratasse

de forma gentil e considerável a quem servia.

Esta é uma condição positiva no sumo sacerdote. O conhecimento de sua própria

debilidade e pecado o obriga a moderar seu desagrado e ira diante dos pecados do povo.

Sua compaixão, entretanto, se estende só aos que pecam por ignorância (cf. 9:7; Lv 4:2, 13,

22, 27; 5:2-4). Os pecadores intencionais certamente seriam excluídos da congregação de

Israel (cf. Nm 15:30-31).

5:3 Paulo enfatiza a extraordinária dignidade do serviço do sumo sacerdote. Declara

que a unidade do sumo sacerdote com as debilidades e necessidades dos outros se

conserva viva pela sua obrigação permanente de fazer expiação por si mesmo como pelo

outros em Israel (cf. 7:27; 9:7). Esta é uma interpretação distintiva das provisões que

governavam o serviço sumo sacerdotal no AT.

Embora a vida do sumo sacerdote devesse ser moralmente sem culpa e as regras

que legislavam sua vida eram muito mais estritas e severas que as de qualquer outro

sacerdote (cf. Lv 21), ele era falível e foram feitas provisões para um eventual pecado de sua

parte. Devia oferecer sacrifícios apropriados a sua situação (Lv 4:3-12; 9:7). Era uma

obrigação moral em virtude de sua natureza humana e ministério sacerdotal.

No dia da expiação, por exemplo, oferecia sacrifícios por si, por sua família imediata e

pela congregação de Israel (Lv 16:6, 11, 15-17).

5:4 A designação divina de Aarão e o caráter hereditário de seu serviço enfatizado

em 5:4, se afirma claramente no Pentateuco (Êx 28:1; Nm 3:10; 18:1).

Ao enfatizar que o sumo sacerdote não recebe seu serviço da parte de homens, mas

sim de Deus como foi o caso de Aarão, Paulo é consistente com o ponto de vista

apresentado em 5:1-3.

Com sua declaração não expressa a dignidade associada com o serviço do sumo

sacerdote ou a grandeza de seu chamado divino, mas sim a humildade requerida do mesmo

o qual dependia da designação divina para o exercício de sua missão sacerdotal. A

humildade do sumo sacerdote é consistente com sua solidariedade com o povo em sua

debilidade.28

28Paulo pode ter tido em mente a as famílias líderes do sistema sacerdotal de seus dias em

Jerusalém, os quais não foram descendentes de Aarão, senão designados pelos mesmos ao serviço

Page 59: Apostila exegese Nt hebreus

56

5:5-6 Paulo passa a comparar o serviço sumo sacerdotal de Cristo com o sistema

levítico em 5:5-6.

Em 3:1-6, o ponto de partida na comparação entre Jesus e Moisés é a semelhança

entre eles. Ambos foram fiéis a aquém os designou (3:1-2). Entretanto Jesus foi superior a

Moisés (3:3-6a).

Um modelo similar é evidente na comparação entre Aarão e o Cristo. Enfatiza-se

inicialmente a semelhança entre Jesus e Aarão no sentido de que ambos não se elegeram

para o serviço de sumo sacerdote, mas sim foram designados por Deus.

O paralelo é estabelecido por meio de uma cláusula comparativa consecutiva:

kaqw,sper kai. VAarwn, ou[twj kai. o` Cristo.j (“exatamente como Aarão assim também

Cristo”), o qual ouvc e`auto.n evdo,xasen (“não se glorificou a si mesmo”) genhqh/nai (“para fazer-

se” [passivo, infinitivo]) sacerdote. O infinitivo genhqh/nai pode ser epexégetico explicando o

verbo principal evdo,xasen, de tal maneira que Paulo quisesse enfatizar a idéia de que Cristo

não havia tomado sobre si mesmo a honra de chegar a ser sumo sacerdote.

Paulo, então, afirma explicitamente a continuidade e superioridade de Cristo sobre

Aarão com a citação do Salmo 110:4, que difere sua interpretação a 7:1-25. O significativo

fato de que Paulo use o titulo oficial com o artigo o` cristo,j (“o Cristo”, “o ungido”; [cf. 9:28]),

já sugere o fato da designação divina. A primeira evidência de que Jesus mostrou a

humildade requerida de seu serviço e não tomou por si mesmo a honra de ser sumo

sacerdote o fornece a mesma Escritura. Paulo interpreta corretamente o Salmo 2:7 como

uma declaração de designação, não de parentesco. Com autoridade havia citado o mesmo

texto para demonstrar que o fator decisivo na entronização e exaltação do Filho foi o próprio

testemunho de Deus (1:5). A citação se refere à investidura do Filho com poder e autoridade

real. Em 5:5 a mesma citação enfatiza a declaração de Deus.

A mesma ênfase se faz evidente na citação do Salmo 110:4. Ambos os textos

declaram o decreto em relação com o qual Jesus foi colocado em seu serviço investido com

poder. Parece evidente o interesse de Paulo de associar os titulo de “Filho” e “sacerdote” ao

ligar ambos os Salmos nos versos 5-6. Na introdução do sermão já se havia implicado uma

correlação entre filiação de Jesus e o sacerdócio, quando a função sacerdotal de fazer a

“purificação dos pecados” se atribuiu ao Filho (1:3), porém o declara explicitamente.

Assim, então, “Filho” e “sacerdote” constituem os primeiros modelos para a cristologia

de Paulo em sua homilia. Em 1:1-4:14 é predominante a representação de Jesus como o

“Filho” de Deus. Agora, em 4:15-10:22 o foco principal é o título de “sacerdote” ou “sumo

sacerdote”.

sacerdotal ou por Herodes, o Grande. Tais homens, ainda que aprovados pelo estado, não foram aprovados por Deus.

Page 60: Apostila exegese Nt hebreus

57

A função primária da citação de Sal. 110:4 no verso 6 é provar que Jesus não se

atribui o sacerdócio a si mesmo, mas sim foi chamado diretamente a tal serviço por Deus.

Jesus manifestou a humildade requerida dos sacerdotes levitas. Embora, uma função

secundária da citação, é introduzir o Salmo na discussão como um testemunho sobre Jesus.

Em Hebreus existem mais referencias ao Salmo 110:4 que a outros textos bíblicos

(adicionalmente a três citações da passagem [5:6; 7:17, 21], há 8 alusões nos capítulos 5, 6,

7; cada uma das quais é distintiva em forma e função).

A razão primária para a ênfase de tal Salmo em Hebreus é que este prove as bases

bíblicas para a cristologia sacerdotal de Paulo. O texto se introduz repetidamente para

fundamentar o argumento de que Jesus é um sumo sacerdote celestial.

5:7-10 Se consideram as declarações dos versos 7-10 como de caráter confessional.

Sugere-se que são adaptações de um hino ou crença do cristianismo primitivo, relacionando

a humilhação e exaltação de Cristo com o tema de sua designação como sumo sacerdote.

Contudo, tais declarações são formalmente consistentes com outras expressões do mesmo

texto na homilia (2:2-34; 3:12-15; 4:12-13; 5:1-3; 7:26-28), o que sugere que Paulo seja

responsável dos mesmos.

Em 5:7 se descreve a paixão de Jesus em sua totalidade como oração sacerdotal,

sobre a base, provavelmente do conhecimento de Paulo tinha de certos incidentes da vida

de Jesus quando oferecia “com forte clamor e lágrimas, orações e suplicas a quem o podia

livrar da morte”.

A decisão de relacionar a cláusula concessiva kai,per w'n uio,j (“ainda que sendo o

Filho”) ao que segue tem significativa importância na interpretação do verso 8. Indica que a

discussão da obediência de Cristo se qualifica pela afirmação que Jesus é inerente e

intrinsecamente o Filho de Deus, cuja filiação essencial é o fato totalmente a parte de sua

experiência de sofrimento. É instrutivo contrastar a declaração do verso 8 com 12:5, onde se

declara que os “filhos” são disciplinados precisamente porque são filhos. No verso 8 todas as

funções dos “filhos” são colocadas a parte pela conjunção kai,per e o reconhecimento de que

ui`o,j se usa concessivamente. Ainda que Jesus fosse o eterno Filho de Deus, entrou numa

nova dimensão na experiência da filiação na virtude de sua encarnação e morte sacrifical.

A frase e;maqen avfV w-n e;paqen (“aprendeu do que sofreu”) tem uma longa historia na

literatura grega. As duas raízes verbais maq-paq, do simples fato de sua similaridade fonética,

deram origem a uma variedade de combinações para efeitos retóricos. O jogo de palavras é

relativamente comum em Filo de Alexandria, o qual o aplica ao jovem e ao tolo, os quais

devem aprender do que sofrem. Deste contexto, a aplicação de tais provérbios a Jesus é

surpreendente.

Contudo, os paralelos na literatura grega não deveriam ser fatores decisivos na

interpretação do texto. A consideração crucial é que em Hebreus o verbo pa,scein (“sofrer”,

“padecer”) é usado somente para se referir à paixão de Cristo e significa morrer (2:9, 10;

9:26; 13:12). No texto o aoristo e;paqen (“sofreu”) se refere ao único sofrimento redentor do

Page 61: Apostila exegese Nt hebreus

58

Filho no cumprimento de seu serviço sacerdotal. Por sofrer a direta aceitação da vontade

divina como sendo a sua própria, Jesus honra a Deus como soberano e se entrega a si

mesmo a Ele, confiando que Deus lhe daria seu serviço e dignidade.

O termo e;maqen (“aprendeu”) mostra um matiz desenvolvido na Septuaginta, onde o

processo de aprendizagem se dá na recepção das Escrituras como palavra de Deus. Da

Escritura, e particularmente dos Salmos, Jesus aprendeu que sua paixão se baseava na

vontade salvadora de Deus e que esta não separar-se do seu chamado e missão. Portanto,

a declaração que Jesus “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”, o termo th.n

u`pakoh,n (“a obediência”) tem um significado muito específico: “obediência” ao chamado para

sofrer a morte em harmonia com a vontade revelada por Deus. Jesus aceitou livremente o

sofrimento da morte porque a Escritura, e através desta Deus, o comissionaram ao

mencionado sacrifício por motivo de seu serviço sacerdotal.

O novo elemento na aplicação deste jogo de palavras a Jesus não é o processo de

aprendizagem da obediência, mas sim, sua natureza e maneira de obter como aparece

expressado pela frase avfV w-n e;paqen (“do que sofreu”). A expressão avfV w-n é equivalente a

avpo. tou/ton a; (“destas coisas que”). O assento no proverbial dito cai sobre o vocábulo e;paqen

(“sofreu”). Conseqüentemente, a expressão introdutora kai,per w'n ui`o,j (“mesmo sendo o

Filho”) se entende a luz do paradoxo que o Filho existente foi comissionado a sofrer. Não se

resiste ao privilegiado status que sua particular filiação implica, mas que o recebe do Pai

apenas depois que sofreu a humilhação da morte sobre a cruz (cf. 12:2).

Em síntese, Jesus aprendeu experimentalmente que a obediência através da paixão

conduz a salvação e que o capacita para chegar a ser eterno sumo sacerdote (2:10; 5:9-10).

Em um estilo extremamente conciso, Paulo expressa o cumprimento da obra

redentora de Jesus e sua exaltação nos versos 9-10.

A cláusula temporal kai. teleiwqeίσ (“e tendo sido aperfeiçoado”) anunciava a

validação por Deus da obediência perfeita que Jesus rendeu como representante sacerdotal

do povo fiel. O particípio teleiwqeίσ poderia ser interpretado como temporal (“depois de haver

sido aperfeiçoado”) ou causal (“a causa de haver sido aperfeiçoado”). Sua perfeição

consistiu na retenção e confirmação de sua integridade. É dizer, o sofrimento foi o meio pelo

qual Jesus foi capacitado para a função sacerdotal conferida por Deus para Ele. Os

tradutores do Pentateuco na Septuaginta deram ao verbo teleio,w um especial sentido cúltico

de consagração ao serviço sacerdotal (cf. Êx 29:9 , 29, 33, 35; Lv 4:5; 8:33; 16:32; 21:10;

Nm 3:3). Esta concepção oficial parece permanecer atrás de teleiwqeίσ no verso 9, o que

significaria que Jesus tem sido totalmente equipado para apresentar-se diante de Deus em

sua ação sacerdotal. Através de seu sofrimento e o cumprimento de sua missão redentora,

Jesus tem sido aperfeiçoado por Deus como o sacerdote do seu povo e, logo, exaltado em

sua presença.

Page 62: Apostila exegese Nt hebreus

59

A aceitação do sacrifício de Jesus, declarado com o particípio eivsakousqeίσ (“foi

ouvido”) no verso 7, se implica novamente no verso 9 com o particípio teleiwqeίσ. Se

expressa o resultado desta ação com o verbo principal do verso 9. Jesus “chegou a

ser”evge,neto) fonte de vida eterna e salvação “para todos os que obedecem”. A descrição da

comunidade de fé como “todos os que obedecem” é apropriada na ênfase colocada sobre a

obediência radical de Jesus no verso 8. Como o que já experimentou o significado da

obediência no sofrimento da morte em resposta a vontade de Deus, Jesus reconhece a

obediência em seus seguidores a seu favor no ministério sumo sacerdotal que realiza pelos

obedientes. Esta afirmação repete o tema do “socorro oportuno” de 4:16 e o relaciona ao fato

do sacrifício realizado por Cristo. A salvação que prove é eterna não simplesmente porque a

estende mais além do tempo, mas sim porque este é um fato verdadeiro, celestial e não

humano.

A nomeação de Jesus por Deus como sumo sacerdote “segundo a ordem de

Melquisedeque” (5:10) pareceria ser simultânea com a aceitação de seu sacrifício. A

aclamação divina confirma as condições de Jesus para seu serviço sacerdotal. Assim, a

alusão primária ao Salmo 110:4 reafirma a nomeação divina de Jesus como sumo sacerdote

(versos 5-6), e serve para ligar o sacerdócio de Jesus como sua obra salvadora.

Paulo, então, em 4:15-5:10 desenvolve o conceito de que Jesus chegou a ser

misericordioso sumo sacerdote a serviço de Deus (2:17).

“Misericordioso” implica a capacidade de entender e ajudar aos que confiam em seu

ministério. Paulo relaciona isto com o cumprimento da obra redentora de Jesus em sua

encarnação. Enfatiza a humanidade e solidariedade de Jesus com aqueles expostos a

fraquezas, debilidades e tentações. Pelo fato de Jesus ter sido exposto à mesma prova que

eles enfrentam, sabe por experiência o que a humilhação significa.

A exposição paulina é sumamente prática. A solidariedade empática do sumo

sacerdote celestial com a comunidade fiel em suas debilidades prove uma forte motivação

para a oração. A exortação a aproximar-se a quem é familiar com a condição humana, quem

sofre suas próprias provas e quem é, além disso, qualificado para mediar renovada fortaleza

é um apelo a reconhecer a importância da oração na rotina da vida cristã. Paulo sabia que a

comunidade de fé que receberia a homilia poderia estar exposta as lembranças das

lealdades do passado e ao perigo de uma renovada contenda no contexto do proselitismo e

oposição judaica (cf. 10:32-34; 12:1-4). Para cumprir com sua vocação cristã, esta

comunidade necessitava cultivar sua confiança e segurança através da oração. A descrição

da oração como aproximação sacerdotal a presença de Deus sugere o conceito de que a

oração cria um santuário no tempo, quando não se encontra disponível no espaço. Assim,

expostos a prisão e paciência diante do conflito espiritual, a comunidade encontraria na

oração descanso que flui oportunamente da misericórdia invisível e da graça mantenedora

de Deus.

A intenção de Paulo (até esta seção de sua homilia em Hebreus) pareceria enfatizar

o fato de que a implicada ajuda oportuna é garantida e esta disponível pelo “misericordioso e

Page 63: Apostila exegese Nt hebreus

60

fiel sumo sacerdote”, o “poderoso para socorrer os que são tentados” (2:17-18), “o apostolo e

sumo sacerdote da nossa confissão” (3:1), o qual, em ultima instância, é “o Cristo” (5:5)

veterotestamentário.

Page 64: Apostila exegese Nt hebreus

61

UNIDADE IV

POSIÇÃO EXALTADA DO FILHO COMO SUMO SACERDOTE

(Hb 5:11-8:13)

Introdução

Na realidade, Paulo desenvolve o tema do serviço sumo sacerdotal de Cristo até

10:18, o que representa aproximadamente 2/5 do espaço da composição do sermão.

Paulo apresenta aspectos distintos do serviço sumo sacerdotal do Filho. Três

aspectos deste tema já foram anunciados tematicamente na descrição da exaltação de

Jesus em 5:9-10. O que foi antecipado na declaração que Jesus “se fez perfeito” ocupa o

lugar central na exposição e recebe o mais completo desenvolvimento (8:1-9:28). Este

desenvolvimento se encontra enquadrado entre todas as seções que expõe o significado da

nomeação de Jesus como “sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque” (7:1-28) e

como o “autor da eterna salvação” (10:1-18).

Paulo indica o começo de uma nova seção pela simples transição da exposição

(4:15-5:10) à terceira exortação (5:11-6:20).

Terceira exortação: O perigo da imaturidade espiritual

(Hb 5:11-6:20): Aspectos estruturais

Embora se tenha reconhecido que 5:11-6:20 formam uma unidade literária dentro das

estruturas de Hebreus, não tem havido acordo geral quanto a seu esquema lógico.

Existe quem considere esta seção como uma divagação parentética abrupta que

interrompe a exposição de Cristo como sumo sacerdote. Contudo parecia não ser assim.

5:9-10 introduzem o tema que será tratado na porção central do sermão. Portanto, é

preferível considerar esta unidade como uma exortação preliminar que prove um preâmbulo

apropriado a exposição central que segue em 7:1-10:18.

Análise exegética do texto em seu contexto

5:11 a esse respeito temos muitas coisas que dizer, e difíceis de explicar. Talvez com

o propósito de preparar os leitores para o desenvolvimento do tema anunciado nos versos 9-

10, Paulo declara formalmente sua intenção de considerá-lo num todo.

Na expressão peri. ou (“a respeito deste tema”) parecia preferível considerar o

pronome relativo ou- (“este”) como neutro, em referencia ao sacerdócio de Cristo em

totalidade, e não tanto como uma cláusula relativa masculina que tem por antecedente a

Melquisedeque no verso 10. Na realidade, se discute o tema do sacerdócio de Cristo, não

simplesmente ao de Melquisedeque.

O adjetivo dusermh,neutoj (“de difícil interpretação”) se usa somente aqui no texto

grego da Bíblia. Entre os escritores helênicos era habitual usá-lo para descrever dificuldades

Page 65: Apostila exegese Nt hebreus

62

intrínsecas e não intrínsecas ao material ou tema exposto. É dizer, dificuldades que se

derivam da complexidade do assunto mais que a carência de habilidade no escritor ou

publico, como poderia ser o caso dos sonhos, das cores da luz, dos sabores doces e

amargos, do curso das estrelas, da natureza da alma, da criação do mundo ou da

ressurreição. O importante e profundo, “de difícil interpretação”, é o tema anunciado nos

versos 9-10.

O “difícil de interpretar” é devido a os leitores quem chegarem a ser nwqroi. tai/j avkoai/j (“indolentes”, “negligente”, “lentos” para ouvir). O infinitivo le,gein (“dizer”) se usa

exegeticamente para explicar precisamente o adjetivo nwqro,j (“indolente”, “negligente”,

“lento”). Em outras palavras, “temos muito que dizer” a causa da “indolência”, “negligencia”

ou lentidão de vocês em ouvir. O perfeito ativo do indicativo gego,nate (“tem chegado a ser”)

sugere que eles não eram indolentes, negligentes ou lentos por natureza, mas sim que tem

chegado a ser por descuido ou negligencia. O uso do tempo perfeito sugere que o estado em

que se encontram os leitores não era a condição original dos mesmos.

É significativa a eleição dos termos no contexto do verso 9, onde nomeia a Jesus

“autor da eterna salvação para todos os que lhe obedecem”. A surdez ou passividade no

processo de receptividade é uma condição perigosa para os que têm sido chamados para

uma obediência radical. Enfatiza-se repetidamente no sermão a importância da diligencia e o

ouvir responsavelmente (2:1; 3:7-8, 15; 4:1-2, 7). O encargo de haver chegado à condição de

indolência espiritual no verso 11 resume o desafio já expressado nas seções exortatórias

previas e as faz mais explicitamente pessoal e relevante à comunidade destinatária. O que

implica é a carência de sensibilidade ao evangelho e uma rejeição a provar as implicações

mais profundas do compromisso cristão e a responder com fé e obediência (cf. 2:1-4; 4:1-2).

Se esta atitude apática não fosse observada, produziria finalmente uma inércia espiritual e

causaria erosão na fé e a esperança requerida dos ouvintes.

5:12-14 A chave da interpretação dos versos 12-14 é o reconhecimento do uso da

ironia. A reprovação do verso 12 pode se relacionar com a tendência de se retirar do contato

com outros e a perda da segurança que isto pressupõe.

Esta interpretação se baseia na declaração de que devem ser dida,skaloi (“mestres”),

o que implica especificamente a habilidade de comunicar a fé aos outros.

Com a sentença correlativa “ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais

são os princípios elementares das palavras de Deus” parece que Paulo desejava descrever

a condição atual dos recebedores.

A expressão “leite” e “alimento sólido” foram figuras usadas habitualmente para se

referir à assimilação da educação em contextos filosóficos helênicos populares. Era comum

referir-se aos que haviam alcançado um nível de educação elementar como crianças que

necessitam de leite comparado aos que haviam alcançado um nível avançado como adultos

que tem necessidades de alimentos sólidos.

Page 66: Apostila exegese Nt hebreus

63

A presença desta convenção retórica nos versos 12-14 tem sido interpretada como

um instrumento pedagógico com o que Paulo tenta convencer a seus leitores a alcançar

maiores progressos em entender a teologia bíblica a luz da realidade histórica de Cristo (cf.

1Co 3:1-2; Ef 4:14). Evidentemente Paulo usa termos do desenvolvimento humano para

descrever o desenvolvimento da fé dos leitores. Em contraste a expressão “criança” (verso

13), os “adultos” são os que estão preparados para o “alimento sólido” (verso 14). Neste

contexto, “alimento sólido” poderia fazer referencia a instrução sobre o serviço sumo

sacerdotal de Cristo que será exposto em 7:1-10:18.

A advertência expressada em 5:11-14 encontra uma continuação enfática em 6:1-12.

6:1 O significado da conjunção dio, (“portanto”, “pelo qual”, “pelo que”) em 6:1 implica

que Paulo não considera os membros da igreja recebedora como crianças necessitadas de

leite. Paulo sabia que podia motivá-los a ir “adiante, ao alvo da maturidade espiritual” já que

estavam preparados para receber alimento sólido, e para distinguir entre o que é bom e o

que não é.

O particípio avfe,ntej (“deixar”, “soltar”, “jogar fora”, “abandonar”) não sugere desprezar

ou abandonar as doutrinas elementares. Paulo parece enfatizar a idéia de que o começo não

é um lugar de parada estática, mas sim a porta do progresso para saltar, ir adiante com a

intenção de alcançar os objetivos.

Na expressão to.n . . . tou/ Cristou/ lo,gon (“a palavra de Cristo”), o genitivo “de Cristo”

poderia interpretar-se como genitivo objetivo (“a palavra inicial sobre Cristo”) ou como

genitivo subjuntivo (“a palavra inicial de Cristo”). No contexto a ênfase é dada pelo genitivo

objetivo. Paulo implica ir mais além do que já sabem sobre Cristo, até a maturidade (cf.

5:9,14).

Poderia existir alguma diferença entre “os elementos básicos da palavra de Deus” em

5:12 e “a palavra inicial” em 6:1. Por um lado, a instrução dada em 5:12 poderia fazer

referencia a um ensinamento veterotestametário preliminar insuficiente, sem específica

referencia a Cristo. Por outro lado, o ensinamento cristão inicial sobre Cristo em 6:1 se

descreve positivamente como um fundamento fixo da vida cristã. Tem-se observado esta

última sugestão sobre a base de que nenhum dos seis itens mencionados em 6:1-2 se refere

a alguma coisa especificamente cristã. Contudo cada um dos seis elementos se relaciona

com a cristologia sumo sacerdotal desenvolvida nos capítulos subseqüentes, o que torna

explicita a estrutura cristológica do ensinamento inicial. Por exemplo:

O chamado ao “arrependimento de obras mortas e fé em Deus” se revisa em 9:14 no

contexto do sacrifício expiatório pleno de Cristo na cruz, onde são definidas as “obras

mortas” como as regras externas associadas com o sacerdócio levítico no santuário terrestre

(9:10). A diferenciação entre lavamentos e purificações inúteis do Judaísmo por um lado e a

purificação pelo sangue de Cristo por outro (9:9-10, 19; 10:22), ou entre sacerdotes

nomeados por imposição de mãos de acordo com a lei, os que não podiam tornar o povo de

Deus perfeito por suas debilidade, e o sumo sacerdote escolhido pelo juramento de Deus e o

Page 67: Apostila exegese Nt hebreus

64

poder de uma vida indestrutível (8:1-6; 7:15-28) demonstra a relação entre o ensinamento

inicial e a instrução avançada fornecida em 7:1-10:18.

Evidentemente, a instrução relativa a vários rituais de purificação do Judaísmo, de

imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno se encontra em oposição

ao “fundamento” do arrependimento de obras mortas e fé em Deus. Isto significa que a

colocação do fundamento consistiu na provisão da palavra inicial sobre Cristo. Uma

implicação desta interpretação é que o arrependimento e a fé foram insinuadas, ao menos

em partes, na instrução que desenvolveu uma perspectiva particularmente cristã sobre os

artigos de fé relacionados no verso 2. Por tal razão, em 6:1-2 Paulo não pede a comunidade

para abandonar algum aspecto da instrução cristã por outro, senão a edificar sobre o

fundamento sólido já impostos pelos mesmos.

6:3 A declaração “isso faremos” (6:3) tem referencia especifica ao que foi indicado em

6:1. Ao mesmo tempo recapitula o anuncio feito em 5:11.

Paulo confia que os recebedores da mensagem de 5:11-6:12 reconheçam que sua

regressão e retirada é perigosa. A frase “se Deus o permitir” não é uma mera expressão de

piedade. O uso da partícula condicional enfatiza que a ação é apesar da oposição. É dizer,

“se apesar da oposição, Deus o permitir”; “se realmente...”; “se depois de tudo...”.

O desenvolvimento da estrutura cristológica dos artigos iniciais como o alcançar da

meta de maturidade espiritual coloca Paulo e a seu publico em dependência das benções de

Deus (6:1,7).

6:4-6 Chega a ser clara a resolução de Paulo registrada no verso 3. Com a conjunção

causal ga,r (“porque”, “pois”, “em efeito”), que segue a afirmação principal do verso 3, Paulo

conecta a reflexão dos versos 4-6.

A rica experiência dos recebedores fornece a base para que Paulo possa seguir

adiante com o desenvolvimento de sua exposição sobre o serviço sumo sacerdotal de Cristo.

Se lhes pode falar diretamente porque Deus já fez alguma coisa por eles. Com todo, o perigo

da apostasia não é meramente um assunto hipotético, mas sim uma evidente realidade. Isto

motiva a uma das mais severas advertências.

Paulo começa com uma lista de declarações positivas impressionantes. Coloca

enfaticamente no começo da sentença o vocábulo avdu,natoσ (“impossível”), o que se encontra

condicionado pelo evento e por feitos específicos. Uma forte e vital relação tem sido

estabelecida entre Deus e a comunidade recebedora. A relação dos feitos ocorridos com a

recepção do evangelho não descreve uma sucessão de eventos salvadores, mas sim o

evento da salvação que foi interpretado de diferentes aspectos e manifestações. Cada uma

das declarações positivas se encontram condicionadas pelo advérbio a[pax (“uma vez”, ”uma

só vez”), o que sugere a idéia de um acontecimento definido.

Page 68: Apostila exegese Nt hebreus

65

A experiência do poder do evangelho (cf. 2:3-4) resultou na iluminação salvadora de

suas mentes e corações (cf. 10:32). No NT o verbo fwti,zein (“iluminar”, “alumiar”, fig.

“infundir conhecimento sobrenatural”, “poder de manifestação”) é usado metaforicamente

para se referir à iluminação espiritual ou intelectual que remove a ignorância através da ação

de Deus ou da pregação do evangelho (cf. Jo 1:9; Cl 4:4; Ef 1:18; 2Tm 1:10; Ap 18:1). Paulo

não significa simplesmente instrução com salvação, mas sim a renovação na mente e a vida.

O que implica com a[pax fwtisqe,ntaj (“foram uma vez iluminados”) se descreve

claramente pela cláusula que segue. O verbo geu,εsqai (“provar”, “degustar”) se usa

apropriadamente para expressar uma experiência que é real e pessoal. As duas cláusulas

introduzidas com o repetido particípio geusame,nouj (“degustaram” [verso 4,5]) expõe aspectos

de uma conversão interna e externa. Os recebedores experimentaram o “dom celestial”,

frase que descreve a redenção como o dom gratuito de Deus, e a recepção do Espírito

Santo. As bondades da palavra de Deus e a dotação dos membros da comunidade com

dons carismáticos é o que ouviram e viram. As cláusulas juntas descrevem vividamente a

realidade da experiência pessoal da salvação experimentada pelos que receberam a homilia

de Paulo. O Espírito Santo não só havia originado a comunidade cristã destinatária, senão

que foi levando-a a um cumprimento escatológico. O tempo presente já estava permeado

pelo poder da era do por vir, que através de Cristo, havia feito um profundo impacto sobre a

comunidade.

Portanto, Paulo apresenta aos recebedores como evento visível da ação presente e

salvadora de Deus na história. São testemunhas inquestionáveis dessa realidade em suas

vidas.

Se os que gozarem de uma genuína e completa experiência cristã caírem, se faz

impossível “outra” renovação “para o arrependimento” (verso 6).

Estilisticamente, o aoristo ativo particípio parapeso,ntaj (“abjurar”, “apostatar”)

permanece em contraste aos quatro particípios prévios, que expressam o caráter positivo da

experiência da comunidade, como alguma coisa injustificada e trágica. O tempo do aoristo

indica um momento decisivo do compromisso com a apostasia. Parapi,ptw tem o sentido de

“ofender”, “cair”, “pecar” como na Septuaginta (cf. Ez 14:13; 15:8; 18:24; 20:27; 22:4).

Refere-se a uma atitude de total e deliberada renuncia de Deus (Ez 20:27; 22:4). Em vista da

familiaridade do autor da epístola com o uso da Septuaginta não é impossível que conheça a

correspondência entre o verbo hebraico mā/‟ál, “ser infiel” e parapi,ptw.

Em Hebreu é equivalente a expressão avposth/nai (“distanciar”, “separar”, “desertar”,

“renunciar”) que aparece em 3:12. Apostasia envolve rejeição decisiva dos dons de Deus,

similar a rejeição das promessas divinas por parte da geração do Êxodo em Cades Barnéia

(3:7-4:2).

Os termos característicos na epístola para o pecado que evidência desprezo diante

de Deus são expressões compostas que se constroem com a preposição para,, as quais se

usam somente nesta epístola: paradeigmati,zein, “infamar”, “expor a humilhação pública”

Page 69: Apostila exegese Nt hebreus

66

(6:6); parepi,krainein, “rebelar”, “provocar” (3:16); parapikrasmo,j, “acrimônia”, “amargura”,

“ira”, “rebelião” (3:8, 15); pararrein, “cair, “deslizar”, “extraviar”(2:1); parafe,rein, “levar”,

“mover até um lado”, “trocar”, “alterar” (13:9); pareime,noj, “cair”, “precipitar-se”, “estar

abatido”, “estar angustiado”(12:12).

O matiz do particípio parapeso,ntaj no verso 6 se manifesta em relação aos particípios

presentes avnastaurou/ntaj (“crucificando” novamente o Filho de Deus) e paradeigmati,zontaj (“o expondo a humilhação pública”), os quais expressam as conseqüências abomináveis da

decisão de menosprezar os dons de Deus. O particípio avnastaurou/ntaj (“crucificado”) é

causal e indica porque é impossível para tais indivíduos arrepender-se e conseguir um novo

começo em sua experiência cristã. Se os leitores retornaram novamente ao Judaísmo, não

haveria possibilidade para eles de começar uma nova vida espiritual. Isto requereria uma

recrucificação de Cristo expondo-o a vergonha pública. Por esta razão devem continuar até a

maturidade apesar das dificuldades, problemas e perseguições que encontrem no caminho.

Na perspectiva escatológica de Hebreus não existe outro arrependimento além do

provido por Deus através de Jesus Cristo. Não existe salvação além da purificação dos

pecados realizados pelo Filho no período final da atividade redentora de Deus (1:1-3). Assim

a expressão avdu,natoσ (“impossível”) no verso 4 expressa uma impossibilidade devido a

apostasia que rejeita a única base sobre a qual o arrependimento pode ser possível. Rejeitar

a Cristo é marchar em direção do “impossível”.

6:7-8 A presença do ga,r (“porque”, “pois”, “em efeito”), estabelece que os versos 7-8

são parte integral do argumento dos versos 4-6.

A força de ga,r pode ser causal ou explicativa. Se for causal, Paulo pode fazer a

declaração expressada nos versos 4-6 porque sabe que a terra, que foi bem umedecida pela

chuva freqüente e cultivada, enfrentará destruição se produzir somente espinhos e abrolhos

em lugar de sementes úteis. Se tivesse a função de uma explicação adicional, a ilustração

deixa clara a advertência dos versos 4-6. A lista de bênçãos experimentada pela

comunidade (versos 4-5) demonstra que têm recebido chuva freqüente e que são objetos do

cuidado de Deus (cf. Dt 11:11-12). Existe base firme para confiar que a comunidade

participara de bênçãos adicionais de Deus (Verso 7; cf. 13:7, 17). Porém se a comunidade

cristã chegar a apostasia seria como um campo úmido e cultivado produzindo somente

espinhos e abrolhos (verso 8).

Na metáfora o interesse se concentra na colheita, mais que nas etapas preliminares

do crescimento. O decisivo é o que se produz. O problema é utilidade ou inutilidade. As

bênçãos iniciais são as mesmas, contudo o resultado final é diferente.

A formulação do verso 8 faz clara alusão a Gênesis 3:17-18, onde o crescimento de

espinhos e abrolhos é a conseqüência da maldição invocada pela desobediência humana.

De acordo com o verso 8, a grave conseqüência da apostasia seria uma vida destinada a

produzir só espinhos e cardos, cujo fim é o fogo. A importância da ilustração é clara no

Page 70: Apostila exegese Nt hebreus

67

contexto de Hebreus, já que o fogo é associado com a severidade do juízo que consumirá os

adversários de Deus (10:27).

A idéia de bênção (verso7) e maldição (verso 8) colocada a discussão no contexto da

aliança. A obediência condiciona a promessa de bênção e a desobediência ou apostasia a

promessa de maldição (cf. Dt 11:26-28). É possível que nos versos 7-8 Paulo tivesse como

antecedente às cidades da campina do Jordão, as que eram “como o jardim do Senhor” (Gn

13:10), porém que foram posteriormente julgadas e destruídas por Deus (Gn 19:24). Estas

cidades foram destruídas para ilustrar ao povo o que espera a quem abandona a Deus e que

expressam menosprezo pela aliança (Dt 29:22-25). Os destinatários haviam experimentado

as bênçãos da salvação. Os que apostataram haveriam de receber a maldição sancionada

na aliança.

6:9 A visão otimista em relação a congregação expressada nos versos 1-3 se reitera

no verso 9. A base da confiança de Paulo é o fato de que Deus já esteve trabalhando em

eles. A severidade das advertências (versos 4-8) se suaviza quando Paulo se dirige aos

destinatários pela primeira e única vez como “amados”. Paulo esta seguro que “as coisas

que são melhores e pertencentes à salvação” já têm sido experimentadas pela congregação

destinatária.

A segurança de Paulo (verso 9) se baseia nas experiências da comunidade (verso

10; cf. 10:32-34). Quando o verso 10a é lido à luz de 10:32-34, a “obra” que Deus não pode

esquecer deve se referir aos sofrimentos provocados pela perseguição e ao serviço amante

em favor de diversos necessitados.

6:11-12 A admoestação dos versos 11-12 se dirige a cada pessoa (cf. 3:12, 13; 4:1,

11; 10:25; 12:15). Cada um deve mostrar o mesmo interesse até o fim. O verso 12 expressa

a motivação detrás de toda a exortação em 5:11-6:12: “para que não vos torneis indolentes,

mas imitadores” (cf. 5:11). Paulo não quer que continuem na condição descrita em 5:11. A

idéia de “imitar” aqueles que pela “fé e pela longanimidade herdam a promessa” prepara a

transição para 6:13-20.

6:13-15 Pela uma mudança no estilo se indicam a introdução de uma nova unidade

em 6:13. Paulo passa da exortação a uma exposição sobre a confiabilidade da promessa

divina estendida aos cristãos através do ministério sumo sacerdotal de Cristo. A transição é

produzida pela repetição de palavras introduzidas em 6:12. A sugestão de serem imitadores,

dos que tem alcançado as promessas de Deus através da fé e paciência em 6:12, se

desenvolve em 6:13-20 com referencia a Abraão, quem havia recebido a promessa e a

confirmação da aliança depois de haver triunfado na prova severa de sua fé (versos 13-15;

cf. Gn 22:1-18). Paulo apresenta nos versos 16-20 a relevância da fé, obediência e paciência

de Abraão para os que agora são herdeiros das promessas de Deus.

A referência a Abraão como protótipo de fidelidade em 13-15 dá conteúdo especifico

para a exortação apresentada no verso 12. A ocasião para a repetição e cumprimento da

promessa de Deus a Abraão (Gn 12:2-3; 15:5) foi à obediência do patriarca à aliança divina

Page 71: Apostila exegese Nt hebreus

68

de sacrificar seu filho Isaque (Gn 22:1-12). Em resposta Deus reafirmou seu compromisso de

abençoar Abraão por meio do juramento (Gn 22:16-17). A noção que Deus jura por si

mesmo (cf. Êx 32:13; Is 45:23; Jr 22:5) significa que Ele se compromete a cumprir sua

palavra. O juramento divino prove a garantia que exclui toda a dúvida e afirma a perpetuação

e validez da promessa.

Abraão recebeu a confirmação definitiva da promessa divina depois de haver sido

severamente provado na fé e paciência (verso 15; cf. Gn 22:1, 15-18). O cumprimento da

promessa dependia de Isaque (Gn 12:2; 15:5).

A confiança imutável na promessa da palavra de Deus que Abraão mostrava ao

oferecer Isaque (cf. 11:17-19) é precisamente o que os herdeiros atuais devem manifestar

diante da promessa divina.

Deste modo, Paulo fornece uma base bíblica para que o povo imite a fé e a

experiência de Abraão na segurança que receberá o que Deus tem prometido.

6:16 Paulo compara o juramento de Deus a Abraão com a prática humana de realizar

juramento para a confirmação final de uma aliança ou pacto.

Por definição, o juramento é uma confirmação definitiva da palavra dita e anula toda

contradição da declaração realizada. O AT prescreve que todo juramento devia ser feito em

nome de Jeová (Dt 6:13; 10:20). Mentir sob juramento era condenado como uma violação do

terceiro mandamento (Êx 20:7; Dt 5:11; Zc 5:3-4). Na prática, o juramento implicava a

invocação solene de Deus para ratificar a inequívoca exatidão do que se declarava ou

prometia. Paulo deve ter tido em mente o feito que Abraão mesmo jurou por Deus e

requereu que outros o fizeram também (Gn 14:22; 21:23-24; 24:3).

6:17 a declaração de que Deus “interpôs juramento” (verso 17) se refere a Gn 22:16-

17. Contudo o foco da exposição se traslada do patriarca aos cristãos, a quem se designa

“os que herdam a promessa” (cf. verso 12).

Os que têm herdado as promessas através de Cristo devem apreciar a relevância do

fundamento bíblico. O que está registrado na Escritura é para fortalecê-los na convicção de

que o propósito de Deus para com eles é inalterável. O propósito imutável de Deus deveria

prover uma poderosa razão para emular a experiência de Abraão.

A palavra avmeta,qetoσ (“imutável”, “não capaz de anular-se”, “inalterável”, “invariável”

pertence a terminologia legal da época em que Paulo escreve e significa sentença ou

decisão que é impossível mudar ou anular. Deste modo, Paulo indica a irrevogabilidade do

propósito de Deus expressado na promessa e confirmada pelo juramento.

6:18 Sobre “as duas coisas imutáveis” (verso 18) descansa a segurança de receber

as bênçãos que são o conteúdo da esperança cristã e que já estão preparadas para o povo

de Deus.

Page 72: Apostila exegese Nt hebreus

69

Ainda que não esteja especifico explicitamente no texto, os dois fatos certamente se

referem a promessa e ao juramento de Deus (versos 13,17). Considerando que Paulo tenha

trasladado o centro de atenção de Abraão à comunidade cristã nos versos 17-18, é sugerido

que seria apropriado interpretar a promessa dada a Abraão e confirmada com juramento

como tipo a da dada a comunidade da nova aliança em Cristo. Em seu estudo, B. Klappert

reconheceu o paralelo na formulação entre 6:13-20 e 7:19-21, o que indica que a promessa

de 6:16-20 é idêntica a esperança sumo sacerdotal introduzida com o juramento. É dizer,

Cristo mesmo é a palavra escatológica da promessa (1:2), e sua obra salvadora foi

confirmada com um juramento inalterável (Sl 110:4; cf. Hb 5:6, 10; 6:20; 7:17, 21, 28).

Destaca-se o conceito da irrevogabilidade da promessa e juramento de Deus pela

expressão “nas quais é impossível que Deus minta”. Ainda que não se derive de alguma

passagem específica, esta dedução se baseia no AT (cf. Nm 23:19; 1Sm 15:29; Sl 89:35; Is

31:2).

A qualificação da esperança como alguma coisa “posta diante de nós” define a

mesma como o dom objetivo que Deus estende a seu povo através de Cristo. Na carta, a

palavra esperança nunca descreve uma possessão objetiva (“nossa esperança”), senão que

sempre denota o conteúdo objetivo da esperança, a salvação presente e futura. Nos versos

18-20 se sugere que o povo considere a esperança como “promessa” e “realização” (cf.

verso 11), como “anuncio” e “cumprimento” (cf. 7:19). Paulo sugere que a esperança

redentora (escatológica) da comunidade cristã alcançou uma certeza dupla através da

promessa irrevogável de Deus e a realização de Cristo. Assim, então, Paulo oferece uma

poderosa razão para que os recebedores resistam toda tentação a perder sua confiança e

profissão inicial (6:11-12).

6:19-20 O uso literário da âncora (versos 19-20) como uma metáfora náutica foi

intensamente usada na antiguidade.

A fonte da metáfora foi a experiência comum do povoado marítimo do Mediterrâneo,

onde os firmes dentes da âncora sustinham um barco em segurança.

A metáfora se usava habitualmente na literatura grega para evocar a nação de

estabilidade provida pela aderência a virtude, e especialmente a esperança. A base da

comparação é a segurança que a ancoragem firme provia a embarcação.

Os sinônimos próximos avsfalh/ kai. bebai,an (“segura e firme”) se usavam para

descrever tudo o que tivesse suficiente estabilidade e firmeza (o estável) de modo que não

pudesse ser movido. Em Hebreus be,baioj (“sólido”, “firme”, “estável”) é um termo favorito

para se referir a idéias que tenham conotação com o conceito de segurança, firmeza,

veracidade, durabilidade e estabilidade (2:2; 3:6, 14; 6:19; 9:17). Os dois termos são

apropriados na metáfora e qualificam seu antecedente “esperança”. Como se sustem a

embarcação por meio da âncora firme, a vida do cristão se estabiliza e afirma pela

esperança que vincula esta vida a Cristo, quem entrou no santuário celestial.

Page 73: Apostila exegese Nt hebreus

70

A qualificação adicional da esperança como que “penetra além do véu” onde Cristo

entrou como sumo sacerdote dá ao conceito de esperança um matiz particularmente

escatológico. A proposta de que o particípio eivsercome,nhn (“penetra”) qualifica a “âncora”, de

modo que a âncora que penetra além do véu seja Jesus não parece ser a interpretação

correta.

Parece preferível reconhecer que o antecedente do verbo é o pronome relativo h]n

que se usa como complemento da palavra evlpi,doj (“esperança”) que lhe precede

imediatamente. Por tal razão, a esperança é o que penetra além do véu, interpretação que

se confirma quando Paulo refere posteriormente a “esperança superior, pela qual nos

chegamos a Deus” (7:19).

O conteúdo objetivo da esperança prometida é a segurança que com a redenção já

ocorrida a comunidade pode se aproximar a Deus em serviço sacerdotal. Na realidade, a

comunidade destinatária da homilia já foi motivada a aproximar-se através da oração (4:16).

Descreve-se a cortina com termos da Septuaginta, onde katape,tasma (“véu”) se usa

para descrever (1) o véu que separa o lugar santo do santíssimo, chamado parōket (Êx

26:31-35; 27:21; 30:6; 35:12; 37:3 [Mt 26:35]; 38:18; 39:4 [Mt 38:27]; 40:3, 21, 22, 26; Lv 4:6,

17; 16:2, 12, 15; 21:23; 24:3; Nm 4:5; 2Cr 3:14); (2) o véu na porta do santuário ao entrar no

lugar santo, chamado em hebraico māsāk (Êx 26:37; 37:5 [Mt 36:37]; 39:19 [Mt 39:40]; 40:5;

Nm 3:10), ou parōket (Lv 21:23; Nm 18:7); e (3) o véu da entrada ao pátio do tabernáculo (Êx

37:16 [Mt 38:18]; 39:19 [Mt 39:40]; Nm 3:26; 4:32).

Josefo emprega o vocábulo para o véu que dá ao pátio anterior (Ant VIII. 75.90; Bell

5.212) e para o lugar santo e santíssimo (Bell V.219; Ant VIII.75.90; XII.250). Filo usa o

termo para a cortina de entrada do lugar santo (Leg. I.171, 274) e ao santíssimo (Leg. I. 231;

Vis. Mos II.86). Com base nesta evidência filológica é irrelevante sugerir que katape,tasma

(“véu”) é uma palavra que só se refere ao véu que separa o lugar santo do santíssimo. A

evidência da Septuaginta e outros autores helenistas sugerem várias possibilidades.

O problema que se encontra no uso da expressão “dentro do katapeta,smatoj” em

6:19 não se dá necessariamente no uso atual da expressão, mas sim na interpretação

exclusiva feita do termo katapeta,smatoj como se referindo ao véu que separa o lugar santo

do santíssimo. Como o sacerdote adentrava o dito véu no dia da expiação (Lv 16:2), alguns

concluem que esse foi o véu transposto por Jesus imediatamente depois de sua assunção.

Contudo, a Septuaginta usa a palavra katape,tasma 42 vezes, das quais 34 se referem

a qualquer um dos três véus do santuário.

Em Números 18:7 se encontra a expressão “dentro do véu” com relação ao ministério

que deve ser realizado dentro de ambos os departamentos do tabernáculo terrestre (cf. um

exemplo similar em Lv 21:23). A Aarão e seus filhos estavam à responsabilidade do cuidado

do santuário (18:5), sendo a ultima declaração uma referencia aos dois departamentos

interiores do mesmo (18:7). Obviamente o AT mostra aqui uma perspectiva mais ampla, já

Page 74: Apostila exegese Nt hebreus

71

que usa a expressão véu para se referir ao ministério sacerdotal Aarônico, incluindo o

realizado dentro do segundo véu.

Hebreus apresenta uma evidência adicional, referida também ao ministério sacerdotal

total dentro do santuário. Hebreus 6:20 descreve que Jesus “como precursor, entrou por

nós”, declaração que se refere a totalidade de seu ministério no santuário celestial, no

“interior do véu” (6:19). Em outras palavras, Jesus penetrou além do véu, dentro dos lugares

santos do santuário celestial para dar começo a um ministério cuja missão específica era

“aniquilar o pecado, pelo sacrifício de si mesmo” (9:26). Dessa maneira, Jesus inaugurava

um “novo e vivo caminho” (10:20), pelo qual haveria de oficiar os benefícios de seu sacrifício

expiatório pleno ante o Pai, e que o crente haveria de seguir pela fé. De acordo com estas

passagens, então, sua entrada no santuário se referia ao começo de seu ministério e não a

sua fase final (cf. 9:23-28; Ap. 11:18-19). Contudo, as afirmações de Hebreus

(particularmente em 6:19-20; 9:23) não estabelecem o momento exato de cada fase de seu

ministério celestial. Simplesmente anuncia o serviço sacerdotal de Jesus como um todo

integral a ser realizado no santuário celestial.

De modo que o termo katapeta,smatoj não pode interpretar-se exclusivamente para

referir ao segundo véu que separava ambos os departamentos do santuário. Por tal razão,

Paulo identificam o segundo véu quando se refere ao do lugar santíssimo em 9:3.

Em 6:19, então, Paulo faz referência ao ministério que Jesus haveria de realizar

dentro do santuário, sem identificar alguma fase do mesmo.

A representação de Jesus como havendo entrado no santuário celestial “por nós” (lit.

“em nosso favor”, verso 20) pressupõe um antecedente veterotestametário. A expressão

u`pe.r h`mw/n (“em nosso favor”) introduz o conceito do auto-sacrifício expiatório do sumo

sacerdote Jesus como base da segurança (certeza) dos crentes: Jesus é o sumo sacerdote

eterno o qual tem possibilitado ao crente a “intrepidez para entrar no Santuário”, na real

presença de Deus (cf. 10:19-21). Sua presença detrás do véu é um firme sinal ao crente, o

qual agora poderá passar através do véu e entrar no santuário na presença de Deus (cf.

10:19, 22).

A palavra pro,dromoj (“um que corre adiante”, “corredor enviado adiante”, “precursor”)

é usada para se referir ao homem ou a tropa enviada para explorar o território antes do

avanço do exército. A designação de Jesus como tal é intrigante. A idéia que Paulo parecia

transmitir é a de “precedência” ou “antecedência”. Pro,dromoj é um vocábulo que implica

seqüência. Jesus é o Pro,dromoj do crente porque penetrou além do véu como seu

“precedente” ou “antecessor” em seu serviço sumo sacerdotal segundo a ordem de

Melquisedeque. De modo que, a segurança da promessa de Deus se confirma na vida,

morte, entrada e investidura sumo sacerdotal de Jesus.

De acordo com 5:7-10, Jesus foi confirmado em seu serviço sacerdotal depois de seu

período de ministério de sofrimento e obediência. É dizer, sua ascensão e sacerdócio vão

juntos. O mesmo se reflete em 6:20, o qual indica que Jesus entrou no santuário celestial

Page 75: Apostila exegese Nt hebreus

72

através de sua morte. Isto é o que assegura o crente à purificação que o capacita a

aproximar-se do trono de Deus “com sincero coração, em plena certeza de fé” (10:22). A

frase “sumo sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque” se liga à obra

salvadora de Jesus em 6:20, como em 5:10. Isto se surpreende precisamente porque no

capítulo 7 a frase se atribui ao serviço sacerdotal de Jesus porém não especificamente a sua

atividade redentora. Tal expressão retoma o tema de 5:10 e prepara o leitor para a

exposição do serviço sumo sacerdotal de Jesus em 7:1-28.

Em 6:13-20, Paulo apresenta Abraão como um paradigma de verdade e

perseverança. Contudo, sua intenção inclui algo mais. Desejava descrever a promessa de

Deus e apresenta a Abraão como tipo da maneira em que Deus atua com o crente.

A promessa de abençoar Abraão é uma pré-figuração da salvação que Deus deu aos

crentes através de Jesus. A experiência de Abraão com Deus foi, primeiro e sobretudo, uma

demonstração que Deus é fiel, que suas palavras são confiáveis, e que Ele garante o

cumprimento de suas promessas.

A prometida salvação assegurada através do ministério sumo sacerdotal de Jesus

também é segura e confiável porque Deus garante. O tempo presente é a ocasião para uma

esperança “segura e firme”, já que Jesus entrou na presença de Deus em favor do crente,

com o propósito de que cada um tenha “intrepidez para entrar no Santuário” (10:19), na

presença de Deus, “com sincero coração, em plena certeza de fé” (10:22).

Por esta razão, Paulo exortará a seu povo em manter “firme a confissão da

esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel” (10:23).

Jesus, sacerdote para sempre segundo a ordem de

Melquisedeque (Hb 7:1-28): Aspectos estruturais

Dentro da estrutura da homilia, 7:1-28 é definida claramente como uma unidade

literária. A referência ao “Filho de Deus” no verso 3 prepara a introdução e a conclusão do

verso 28 onde novamente aparece a expressão “Filho”. Todo o capítulo se interessa no Filho

como sumo sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque”, o qual é superior aos

sacerdotes levíticos. A apresentação de Jesus como sacerdote eterno segundo a ordem de

Melquisedeque, poderia dividir-se em duas seções.

Primeiro, Paulo apresenta Melquisedeque (7:1-10) através da forma de um Midrash

homiletico, em que a exposição da Escritura determina a estrutura do argumento. Esta

unidade exibe cinco características desta forma distintiva: o ponto de partida para a

interpretação é um texto do AT; a exposição é de caráter homilético; a análise dos detalhes

do texto é feita de forma cuidadosa; o texto do AT se faz relevante diante da situação

presente do povo através da interpretação; o ponto de interesse é o informe narrativo.

A base do midrash em 7:1-10 é o principio hermenêutico do gēzêrâ šāwâ. Isto é, se

duas passagens separadas da Escritura contem a mesma palavra, a analogia verbal prove

uma razão suficiente para explicar um texto à luz de outro (cf. 1:5; 3:7-4:11; 13:5-6). Gênesis

Page 76: Apostila exegese Nt hebreus

73

14:17-20 domina toda a exposição de 7:1-10, ainda que em todo o capítulo esta passagem

se subordina ao Salmo 110:4.

As palavras iniciais em 7:1 claramente se referem ao dito em 6:20 e serve para

introduzir a nova unidade. A estrutura do capítulo confirma o cuidadoso plano concebido por

Paulo: 7:1-10 interpreta Gênesis 14:17-20, e 7:11-28 dirige a atenção ao Salmo 110:4.

Segundo, Paulo apresenta em 7:11-28 o sacerdócio levítico como tipo do sacerdócio

de Cristo. A função de Melquisedeque em 7:1-10 parece ser essencialmente profética. De

maneira enigmática testifica da insuficiência do sacerdócio levita e antecipa a chegada de

um sacerdote eterno que seria como ele. Melquisedeque parece ilustrar a subordinação do

sacerdócio levita a um sacerdócio superior.

Contudo, em 7:11-28 Paulo introduz uma exegese tipológica do AT. Apresenta o

sacerdócio levítico como tipo do sacerdócio de Cristo. Em 7:11-28, interpretando Salmo

110:4, Paulo demonstra a incapacidade da instituição levitica para alcançar a meta da

perfeição e a correspondente aptidão de Cristo para alcançá-la. O fato que o Salmo 110:4

antecipe a designação de uma classe diferente do sacerdote implica a debilidade na ordem

existente. A troca projetada no sacerdócio também implica uma troca na lei que regulava a

dita instituição sacerdotal.

O contexto para a declaração categórica que o sistema levítico tem sido substituído

por uma melhor esperança é a demonstração que Cristo é um sacerdote de qualidade

superior, “segundo a ordem de Melquisedeque”, e que a exaltação inicia a inauguração do

melhor sacerdócio anunciado em Salmos (versos 16-19).

O argumento que a palavra do juramento veio posteriormente à promulgação da lei

(verso 28) preserva a perspectiva histórica da redenção, tão importante na exegese

tipológica.

Análise exegética do texto em seu contexto

7:1 O nome e títulos de Melquisedeque (7:1) são tomados diretamente de Gênesis

14:18. Muita discussão tem suscitado a identificação de Melquisedeque, o qual menciona

somente Gênesis 14:18, Salmo 110:4 e Hebreus (5:6; 6:20; 7:1, 10, 11, 15, 17, 21). Há os

que sustentam que foi Cristo; outros, o Espírito Santo; alguns, um ser sobrenatural. Na

tradição targumica o identificam como Sem, o filho de Noé.

Segundo a narrativa bíblica, Melquisedeque foi um contemporâneo de Abraão, “rei de

Salém . . . sacerdote do Deus Altíssimo” (Gên. 14:18). Interpreta-se o nome e os títulos na

mesma ordem que aparecem (7:1, 2). Diferentemente dos reis hebreus, Melquisedeque une

em sua pessoa as honras da realeza e sacerdócio. Na descrição de Gênesis 14:18, é

mencionado primeiro seu título como rei de Salém. Tradicionalmente se tem identificado

Salém como Jerusalém (Sl 76:2; Josefo, Ant. 1;180; 1QapGen XXII.13; Tg. Neof. Gênesis

14:18). A única ação sacerdotal registrada de Melquisedeque é sua bênção ao patriarca

Abraão em nome do Deus Altíssimo (Gn 14:19-20; Hb 7:1), o Deus de Abraão.

Page 77: Apostila exegese Nt hebreus

74

7:2 Em reconhecimento a seu sacerdócio, Abraão lhe dá “o dízimo de tudo” (7:2).

Ofertar a décima parte do saqueado aos deuses era um hábito na antiguidade.

7:2b-3 Explica a identidade de Melquisedeque em termos das designações

mencionadas no verso 1.

A interpretação do nome hebreu e os títulos de Melquisedeque é natural e

corresponde a uma explicação similar realizada independentemente por Filo (Allegorical

Interpretación 3.79) e Josefo (Ant. 1:180). Ainda que Paulo possa haver reconhecido no

caráter de Melquisedeque, como “ rei de justiça” e “rei de paz”, uma prefiguração do Messias

prometido, nada aponta expressamente estes conceitos.

Paulo se concentra em seu sacerdócio, o qual interpreta no verso 3, cujo correto

entendimento é essencial para uma valorização da singularidade de Melquisedeque e do

sacerdote “como ele”.

Na realidade, não existe evidência de que Paulo tenha considerado Melquisedeque

em termos mitológicos, onde as afirmações “sem pai, sem mãe...” implique em uma “figura

divina”, um ser celestial que não faz parte da realidade terrena. O verso 3 é um exemplo de

referencia condensada. Paulo assegura o significado maximo com uma estrita economia na

expressão. Apresenta um sumario conciso de pontos que não tem que ser estabelecidos

nem explicados. A formulação é mais ilustrativa que argumentativa.

O propósito da declaração não é estabelecer um fato verdadeiro, senão, mostrar a

diferença existente entre o sacerdócio de Melquisedeque e a linha genealógica do

sacerdócio levítico. Neste contexto, o silêncio da narrativa de Gênesis relativo aos pais de

Melquisedeque ou genealogia sacerdotal é significativa no contraste com o sacerdócio

levítico, onde é requerido o registro genealógico para assumir a função sacerdotal (Êx 28:1;

Lv 21:13-15; Nm 3:10; 18:1; Ed 2:61-63; Ne 7:63-65).

Paulo apresenta a Melquisedeque, o sacerdote do Deus Altíssimo, como um

personagem histórico. A primeira cláusula do texto consiste em uma tríade alfa, cuja chave

para sua interpretação é fornecida pelo terceiro termo avgenealo,ghtoj (“sem genealogia”, “sem

registro de descendentes”), o qual amplifica seu significado das duas primeiras expressões e

indica que o verso 3a interessa a habilitação sacerdotal e não a uma origem milagrosa de

Melquisedeque. As palavras avpa,twr (“sem pai”) e avmh,twr (“sem mãe”) indicam que seu pai e

mãe eram desconhecidos. Tais expressões, na literatura rabínica, poderiam significar que o

pai e a mãe já haviam morrido e que a criança era órfã. O termo avgenealo,ghtoj (“sem

genealogia”, “sem registro de descendentes”) indica que sua genealogia era desconhecida, o

que o havia desqualificado para o sacerdócio levítico.

O silêncio da Escritura sobre os progenitores e a família de Melquisedeque amplia o

conceito da singularidade de seu sacerdócio, e não tanto como prova de sua particularidade.

Isto implica que o sacerdócio de Melquisedeque não foi estabelecido sob circunstancia de

nascimento e descendência. Este se estabelece sobre a base do chamado de Deus e não

Page 78: Apostila exegese Nt hebreus

75

sobre o principio da herança pela qual o sacerdócio levítico tinha seu sustento (cf. 5:5-6:14).

Sem um registro sacerdotal genealógico, Melquisedeque não poderia ter sido instalado na

função sacerdotal. Contudo, foi “sacerdote do Deus Altíssimo”, e Abraão reconheceu sua

dignidade.

Talvez, explorando o silencio do relato de Gênesis quanto seu nascimento e morte,

Paulo declara na segunda cláusula do texto que o sacerdócio de Melquisedeque não “tem

principio de dias, nem fim de vida”. Obviamente, sem origem sacerdotal, não teve tampouco

limitação escriturística a sua vida e obra. Não foi requerido antecedente nem sucessão

sacerdotal para autorizar seu particular e eterno sacerdócio, o que mostra a qualidade

ilimitada de sua vida. Este rápido aparecimento e desaparecimento de Melquisedeque no

registro humano evocam a noção de eternidade, que se prefigura em Melquisedeque, porém

que é real em Cristo. Na seqüência, Melquisedeque anuncia a Cristo neste aspecto

fundamental, que ao mesmo tempo, se diferencia do sacerdócio levítico.

A transição de pensamentos negativos em 3a,b às declarações positivas em 3c, d é

realizada pela partícula adversativa de, (“porém”).

A terceira cláusula do verso 3 (feito semelhante ao Filho de Deus) revela que Paulo lê

os eventos de Gênesis 14:17-20 da perspectiva da realidade escatológica que eles

prefiguraram. A formulação parece assumir a subordinação de Melquisedeque ao eterno

Filho de Deus.

A cláusula final (“permanece sacerdote para sempre”) transcende os testemunhos

dos textos de Gênesis ao atribuir a Melquisedeque um sacerdócio perpetuo. Em estrito

sentido, a conclusão que Melquisedeque “permanece sacerdote para sempre” é uma

dedução lógica da declaração em 3c (“feito semelhante ao Filho de Deus”). A formulação de

3d demonstra o impacto do Salmo 110:4 sobre a interpretação de Gênesis 14:18-20. A

expressão eivj to. dihneke,j (“continuamente sem interrupção”) é um refinamento da frase eivj ton aiw/na (“para sempre”) no Sal. 110:4. Isto indica quão precisamente Paulo entendeu o

atributo de eternidade do sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque”. A fonte para esta

noção de perpetuação do sacerdócio de Melquisedeque no verso 3 parece ser a confiança

do escritor no sacerdócio eterno de Cristo.

É dizer, Paulo descobre que o caráter eterno do sacerdócio “segundo

Melquisedeque” já foi apontado em Gênesis 14, onde Melquisedeque não recebe seu serviço

sacerdotal de um precedente e permanece em seu serviço sacerdotal sem sucessor. O

silencio do registro veterotestametário confere a Melquisedeque um sacerdócio

intransmissível e continuo que antecipa o caráter eterno e final do sacerdócio de Cristo.

Assim, a característica que diferencia o serviço sacerdotal de Melquisedeque é a natureza

eterna de seu sacerdócio. É um elemento sobre todos os outros que interessa a Paulo para

começar a apresentar a Cristo como o sumo sacerdote “segundo Melquisedeque”.

7:4-10 Paulo apresenta evidências da superioridade do sacerdócio de Melquisedeque

sobre os sacerdotes levíticos.

Page 79: Apostila exegese Nt hebreus

76

O ponto crucial do argumento é (1) a entrega dos dízimos por parte de Abraão a

Melquisedeque (cf. 2a; Gên. 14:20); e (2) sua bênção “ao que possuía a promessa” (versos

6-7), o que fornece evidência histórica da grandeza de Melquisedeque. No curso do

argumento, Paulo desenvolve dois contrastes entre Melquisedeque e o sacerdócio levítico

que fez efetivo o uso da descrição de Melquisedeque em 3a e b.

Nos versos 5-6a Paulo desenvolve o primeiro contraste, com base no verso 3a. O

primeiro contraste entre Melquisedeque e o sacerdócio levita é indicado pela construção me.n

. . . de. (“certamente . . . porém”, “por um lado . . . porém por outro lado”). Paulo enfatiza o

status exaltado dos sacerdotes levitas no verso 5. Contudo, na comparação do verso 6,

Melquisedeque é superior. A evidência é ele ter recebido os dízimos, o qual recebe a bênção

outorgada a Abraão. A comparação focaliza, então, sobre a identidade dos dois sacerdotes e

a autoridade pela qual recebiam os dízimos.

Os versos 6b-7 intensificam a superioridade de Melquisedeque sobre Abraão e,

conseqüentemente, sobre o sacerdócio levítico. Os textos amplificam a declaração do verso

1b, Melquisedeque abençoou Abraão por identificar o patriarca como o que “possuía as

promessas”. É apontado um contraste no contexto imediato entre Abraão, o que recebeu a

promessa (verso 6b), e os sacerdotes levitas, os que possuíam a lei (verso 5). Por um lado,

o termo evpaggeli,a (“promessa”) na homilia tem a conotação de eficácia e certeza: o que

Deus prometeu, Ele cumprirá (6:13-18; 10:23). Por outro lado, a expressão no,moj (“lei”) tem

matiz de ineficácia (7:19a, 28a). Deste modo, também é enfatizado o contraste entre

Melquisedeque e os sacerdotes levitas. Por um lado, os sacerdotes recolhiam os dízimos de

acordo com a lei. Por outro lado, Melquisedeque abençoou Abraão, que havia recebido a

promessa divina que Deus seguramente o abençoaria (6:13-14).

O significado do ato sacerdotal de abençoar Abraão é explicado parenteticamente no

verso 7. A frase adverbial cwri.j de. pa,shj avntilogi,aj (“agora, inquestionavelmente”, “sem

contradição”, “sem oposição”, “sem discussão”) é habitual nos papiros quando o escritor

deseja enfatizar a certeza do que esta dizendo. Aqui, a frase qualifica a sentença de que “o

menor é abençoado pelo maior”. Paulo parece assumir que o problema de grandeza relativa

à Melquisedeque e Abraão se decide em Gênesis 14:18-20 em favor do “sacerdote do Deus

Altíssimo”.

O segundo contraste entre Melquisedeque e o sacerdócio levita é apresentado no

verso 8, embasado no verso 3b. A ênfase, contudo, trocou de questão de qualificação

(versos 3a ,5-6) ao de duração relativa de seus respectivos ministros.

As duas metades do texto são colocadas em contraste com a construção kai. w-de me.n

. . . evkei/ de. (“e certamente . . . porém ali”, “neste caso . . . porém no outro”). O particípio

avpoqnh,|skontej (“morrer”) se usa como atributo e enfatiza o caráter mortal dos sacerdotes

levitas que receberam os dízimos. Designados ao serviço sacerdotal pela lei, estão sujeitos a

morte e a uma série de sucessores.

Page 80: Apostila exegese Nt hebreus

77

Contudo, há um o[ti zh (“que vive”) a Melquisedeque. Em sua construção, a

expressão parecia enfatizar que Melquisedeque é um a quem foi dado o testemunho que

vive. O particípio passivo marturou,menoj (“testemunho é dado”) possivelmente se refere à

Escritura (7:14; 10:15). Neste contexto a declaração deve se referir ao verso 3, texto que

Paulo considera interpretar-se exegeticamente sobre a base do Salmo 110:4 e Gênesis

14:18-20. A Escritura anuncia Melquisedeque somente em sua vida e na administração de

um sacerdócio que é livre de limitação temporal.

A base da superioridade de Melquisedeque sobre o sacerdócio levítico neste

segundo contraste é a “eternidade” de Melquisedeque antecipada em 3b, que tem em vista a

perpetuação de seu serviço sacerdotal. A importância deste aspecto do argumento chegará

a ser clara nos versos 15-16, onde se aplica ao sacerdócio messiânico. O que é verdade de

Melquisedeque em um sentido literal é absolutamente certo de Quem serve seu povo como

sumo sacerdote na presença de Deus.

Paulo chega ao clímax do argumento no verso 9, o que explica o verso 10. A

superioridade de Melquisedeque sobre Levi tem sua base na história. Levi foi representado

na ação de Abraão. Portanto, o status de Levi relativo a Melquisedeque foi afetado na

relação de Abraão com este.

Em síntese, Paulo apresente Melquisedeque em 7:1-10 através de uma hermenêutica

cristológica. Aparentemente, em forma independente, Melquisedeque não tem relevância na

homilia. Introduz-se somente pelo uso do termo Filho no verso 3c. Sua função não é

soteriológico, mas sim profética. Ainda que Melquisedeque se encontre fora da principal linha

da historia da salvação, ilustra as profecias do AT que apontavam a deficiência da velha

ordem e a superioridade e eficiência de outra por vir. Melquisedeque deriva seu significado

do Filho. É somente na perspectiva do Filho eterno que o caráter de Melquisedeque e seu

sacerdócio se faz evidente. Ainda que Melquisedeque testifique o caráter eterno do Filho, é o

Filho quem transcende. Portanto, o fator determinante na interpretação de Melquisedeque

em Hb 7:1-10 é cristológico e não especulativo.

7:11 o apóstolo retoma o pensamento interrompido em 6:20. Paulo retorna ao Salmo

110:4 e ao conceito de Jesus como sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque”

A pergunta retórica do texto se deduz do Salmo 110:4: o sacerdócio levítico não deve

ter sido suficiente porque se anuncia um novo sacerdote “segundo a ordem de

Melquisedeque” e não “segundo a ordem de Aarão”.

Com o propósito de indicar mais particularmente a ineficácia do sacerdócio levítico,

Paulo usa o termo telei,wsij (“perfeição”; “alcançar a meta”). O termo ocorre somente no

texto da homilia e conota o conceito de perfeição como aplicado ao povo de Deus. Paulo

intenta contrastar a incapacidade do sacerdócio levítico, em produzir “perfeição” ao povo de

Deus com a capacidade de Jesus em alcançá-lo.

Page 81: Apostila exegese Nt hebreus

78

Estas considerações indicam que o matiz mais usual seria o de alcançar a meta de

“cumprimento”, do “término”, da “consumação”, do “fim” de alguma coisa. È dizer, Paulo

implicaria que o sistema levita não pode alcançar o alvo do perdão, da consumação

escatológica, da santidade que Deus requer do coração.

O sistema não pôde alcançá-lo porque essa não era sua função. Esta somente era de

prefiguração e antecipação da realidade. A realidade, longe de se opor ao símbolo é seu

cumprimento, isto é perfeição. O conceito de telei,wsij é, então, escatológico: o

cumprimento das promessas de uma nova aliança no ministério sacerdotal de Cristo faz

possível o acesso a Deus, o que não era possível diante da velha aliança.

A declaração que “o povo recebeu a lei sob o sacerdócio levítico” parece básico ao

argumento. Estabelece um contexto para aludir ao Salmo 110:4 no verso 11c e antecipar a

premissa expressada no verso 12, que uma troca de sacerdócio implica necessariamente

uma mudança da lei. O contexto imediato mostra que Paulo se refere à lei da descendência

sacerdotal (verso 13,16). O novo sacerdote não recebe sua função sacerdotal pela

designação das ordenanças levíticas relativo à descendência física de Aarão, senão,

“levantaria” se em harmonia com o oráculo proclamado: “outro sacerdote” (e[teroσ, “diferente

em classe”, “diferente em natureza”, “de outra classe”, “de outra natureza”) “segundo a

ordem de Melquisedeque”.

7:12 A conjunção ga,r (“porque”) explica o verso 11. Paulo expande seu conteúdo

fazendo uso do tempo presente na declaração geral. Sua dedução é pertinente ao

argumento geral, o que é claro quando explica nos versos 13-14 em que sentido o novo

sacerdote é “diferente em classe” e não “segundo a ordem de Aarão”.

7:13-17 Paulo expressa como o novo sacerdote anunciado em Salmo 110:4 é

diferente dos sacerdotes arónicos. Primeiro, desenvolve o lado negativo do argumento,

explicando como ele não é “segundo a ordem de Aarão” (versos 13-14), e, logo destaca o

aspecto positivo, a qualidade superior do novo sacerdote ao explicar que é “segundo a

ordem de Melquisedeque”.

Aspecto negativo do argumento (verso 13-14). “Pertence à outra tribo, da qual

ninguém prestou serviço ao altar”. O perfeito mete,schken (“participar”, “ter parte em”, “ter

participação em”, “fazer parte de”, “estar entre”, “pertencer à outra tribo”) expressa uma

condição histórica como fato oficial. Mais além de toda duvida, Paulo parece enfatizar a

absoluta incompatibilidade do Senhor para o sacerdócio em termos das condições

estabelecidas pela legislação veterotestametária. Pelo nascimento, “faz parte” de uma tribo

diferente, “da qual ninguém prestou serviço no altar”. Ainda que Paulo comente as palavras

do Salmo 110:4 no verso 13, é claro que pense que a profecia se cumpriu historicamente em

Jesus.

O verso 14 confirma as duas declarações do verso 13 e identifica Jesus como sobre

quem se formula o oráculo registrado em Salmo 110:4. Com a expressão pro,dhlon gάρ, um

adjetivo intensificado que significa “porque é perfeitamente obvio”, Paulo pressupõe a

Page 82: Apostila exegese Nt hebreus

79

verificação histórica da declaração realizada no verso 13a. É dizer, não se pode traçar a

descendência sacerdotal do sacerdote indicado no Sal. 110:4.

É da “tribo de Judá”. A alusão a tradição que Jesus pertence à tribo de Judá (cf. Mt

1:2-3; 2:6; Lc 3:3; At 2:29-36; 12:23; Rm 1:3; 2Tm 2:8; Ap 5:5; 22:16) reforça o fato que não

era da tribo de Levi. Portanto, o sacerdócio de Jesus não depende da lei da descendência

física, mas sim de uma nova e radical ordem. O uso habitual do termo avnate,talken (“fazer

que saia [o sol]”, “fazer brotar”, “sair [os astros]”, “proceder [de alguém]”) para indicar que

Jesus foi descendente de Judá poderia implicar uma referência a natureza messiânica real

de Jesus.

Usa-se o vocábulo para se referir ao levantamento do sol, a lua e as estrelas.

Também se usa para descrever o broto e crescimento das plantas, o cabelo, e a

enfermidade. A expressão também foi usada metaforicamente, para descrever o

levantamento ou crescimento dos corpos celestes, estrelas ou planetas com o propósito de

simbolizar o levantamento de certos sujeitos a funções proeminentes ou prosperas, que

cresceriam em preeminência.

Por tais usos, se argumenta que a palavra foi aplicada facilmente a um rei ou messias

esperado.

O argumento da segunda cláusula desenvolve o pensamento do verso 13b. A tribo de

Judá não foi destinada ao serviço sacerdotal.

Aspectos positivos do argumento (versos 15-17). Constituído “a semelhança de

Melquisedeque”. A palavra o`moio,thj significa “semelhança”, “imagem”, “igualdade”,

“parecido”. É dizer, o oráculo faz referência a um sacerdote cuja qualidade seria semelhante

à Melquisedeque como descrito em Gênesis 14:18-20 e Salmo 110:4. A promessa foi

cumprida em Cristo, o qual é o que Melquisedeque foi simbolicamente; um sacerdote eterno

que exercita suas funções sacerdotais em um serviço universal e não legal.

Constituído “segundo o poder de uma vida indestrutível”. Esta descrição positiva

define a expressão correspondente no verso 11: “segundo a ordem de Melquisedeque”. Em

contraste a no,moj (“lei”), du,namij (“poder”) em Hebreus conotam efetividade. Expressa a

atividade de Deus e a irrupção da realidade escatológica sobre o presente. A caracterização

de “poder” pelo genitivo qualitativo zwh/j avkatalu,tou (“de vida indestrutível”) define o

significado da frase eivj ton aiw/na (“para sempre”) do Salmo 110:4. A qual é citada no verso

17 para designar a eternidade do novo sacerdote da perspectiva de sua existência após a

ressurreição.

O termo avkatalu,tou (“indestrutível”, “indissolúvel”) parece ter sido cuidadosamente

escolhido. Embora tenha sido bem conhecido que a vida humana de Jesus foi exposta a

kata,lujij (“destruição”), através da crucificação, sua vida não foi destruída pela morte

sofrida na cruz. A frase du,namin zwh/j avkatalu,tou (“o poder de uma vida indestrutível”)

descreve a nova qualidade de vida com a que Jesus foi dotado em virtude de sua

Page 83: Apostila exegese Nt hebreus

80

ressurreição e exaltação ao mundo celestial, onde foi instalado formalmente como sumo

sacerdote. Paulo parecia se referir a um evento objetivo no qual Cristo participou, mais que

uma qualidade que lhe pertenceu de forma inerente. O poder da vida que a ressurreição lhe

conferiu mostra que seu sacerdócio não se limita ao temporal e transitório do antigo sistema

sacerdotal, com base na descendência física e limitado pela mortalidade e corrupção. Seu

sacerdócio vai mais além de tais realidades terrenas.

A frase “porque se dá testemunho dele” introduz a citação de Salmo 110:4 como base

da declaração que Jesus possui vida indestrutível. Por enfatizar o fato de que “se dá

testemunho”, Paulo indica que lê o texto a luz do cumprimento escatológico. O texto prova

porque a vida de Jesus o habilita como sumo sacerdote. Mostra que existe um sacerdócio

autentico independente do sistema levítico e que é caracterizado por sua eternidade. No

contexto da frase eivj ton aiw/na (“para sempre”) do Salmo 110:4, tem a conotação de

“inacabável”, “sem fim”, “eterno”.

7:18-19 Paulo conclui o argumento começado no verso 11 nos versos 18-19. Na

realidade, o verso 18 define a troca da maneira que Deus se relaciona com seu povo.

O termo avqe,thsij (“abolição”, ”extinção”, “desaprovação”, “rejeição”) é usado em

certos papiros para cancelar ou anular promulgações legais. O uso deste termo legal parece

apropriado ao argumento do contexto, onde desenvolve conceitos que têm a ver com a lei da

sucessão sacerdotal. A expressão “mandamento anterior” se refere ao regulamento

mencionado no verso 16 e não é incidental no argumento. Anula-se a luz do cumprimento

escatológico.

Com a promulgação do Salmo 110:4, Deus anuncia sua intenção de pôr de lado o

sistema levítico pela sua debilidade e ineficácia em justificar o pecador diante de Deus.

A ineficiente lei foi substituída “por uma melhor esperança”. A esperança estendida

ao povo é “melhor” em virtude da sua efetividade, a qual é garantida pela fidelidade de Deus

(6:18; 10:23). Através desta esperança, o povo tem acesso a Deus na forma e maneira que

não foi possível diante da expressão levítica. O acesso mencionado resulta da absoluta

efetividade do sumo sacerdócio de Cristo no santuário celestial.

7:20-25 Paulo menciona as explicações pastorais da conclusão alcançada nos versos

18-19. A unidade demonstra a superioridade do sacerdócio de Cristo em comparação ao

sacerdócio levita.

Jesus chega a ser o sumo sacerdote “não sem prestar juramento” (verso 20-21).

Paulo declara categoricamente que o novo sacerdócio é uma instituição divina

incondicionalmente convalidada pelo solene juramento de Deus. O juramento divino garante

a confiabilidade absoluta do sacerdócio de Cristo, sobre o qual a esperança do crente se

assegura (6:18-20). Agora, Paulo demonstra que a promessa estendida à comunidade cristã

em 6:16-20 é idêntica ao sacerdócio escatológico introduzido com o juramento, segundo

Salmo 110:4.

Page 84: Apostila exegese Nt hebreus

81

Jesus “fiador de superior aliança” (verso 22). A palavra e;gguoj (“garante”, “fiador”) era

usada nos papiros e documentos legais para significar “garante” ou “um que permanece

firme”. Devido a que o juramento de Deus permanece detrás da designação do sacerdote

escatológico, Jesus pode garantir que as metas anunciadas nos termos da nova aliança

serão alcançadas. Através de sua morte, exaltação e instalação como sumo sacerdote

celestial, Jesus mesmo é a segurança de que a nova e superior aliança não será anulada.

Jesus “tem sacerdócio permanente” (verso 24). O texto enfatiza o caráter temporal de

muitos e a permanência de um único sacerdote imutável. A diferença do sacerdote levítico,

cujos sacerdotes eram muitos pela sua natureza mortal, Jesus foi investido com um

sacerdócio eterno e final, sem limitação temporal. A declaração de que “permanece para

sempre” aponta para a participação de Cristo na vida de Deus.

Jesus “pode salvar perpetuamente” (verso 25). A partícula inferencial o[qen (“e assim”,

“pelo qual”, “de onde”) indica que a conclusão alcançada é lógica dedução do argumento

apresentado nos versos 23-24. Paulo usa freqüentemente este advérbio para indicar as

implicações práticas de suas reflexões cristológicas para a comunidade (cf. 2:17; 3:1; 8:3;

9:18). Sua intenção é fortalecer aos vacilantes crentes.

O alcance do ministério sumo sacerdotal de Cristo é sugerido pelos verbos infinitivos

sw,|zein (“salvar”) e evntugca,nein (“interceder”). Ainda que em Hebreus se apresente a

salvação como uma herança escatológica futura (1:14; 5:9; 9:28), existe um sentido definido

de que a comunidade já começou a participar da salvação como resultado da obediência e

sacrifício de Cristo e sua posterior exaltação (cf. 2:3-4; 6:4-5, 9). O tempo presente do

infinitivo sw,|zein reflete a experiência atual da comunidade e sugere que o ministério de

Jesus esta disponível em cada momento critico.

A frase “vivendo sempre para interceder por eles” pode ser entendida de duas

maneiras: como causal, se dá uma razão adicional para a ação do novo sacerdote para

salvar completamente; também, poderia indicar a maneira em que é capaz de salvar, pela

“interseção incessante”.

É indicada a forma de seu ministério ininterrupto na expressão “interceder por eles”.

Jesus é intercessor permanente em favor de seu povo.

7:26-28 Paulo conclui sua exposição com uma declaração majestosa sobre o caráter,

benefícios e status de Jesus como sumo sacerdote.

Paulo aplica o que disse a seus ouvintes em seu próprio contexto da situação: “nos

convinha um sumo sacerdote” (verso 26). O demonstrativo toiou/toj (“tal”, “de tal classe”, “de

tal valor”) se refere ao que precede, indicando quem é eterno e absoluto em poder (7:11-25;

cf. 11:14; 12:3; 13:6).

Contudo, quando o demonstrativo segue um correlativo, toiou/toj se refere ao que

segue (como 8:1). Ao demonstrativo do verso 26a segue a cláusula relativa o]j (“quem”) no

Page 85: Apostila exegese Nt hebreus

82

verso 27, que tem funções correlativas. Assim, a referência primária de 26a, parece ser a

que se segue: o sumo sacerdote apropriado à comunidade é precisamente quem se

ofereceu a si mesmo. De acordo com esta compreensão, a expressão toiou/toj controla o

que segue nos versos 26-27.

Os três adjetivos que seguem, “santo, inocente e sem mácula”, descrevem o caráter

pessoal do sumo sacerdote. Embora seja dificultoso diferenciar o matiz particular de cada

um dos termos, todos provavelmente devem se entender diante de uma perspectiva cúltica e

sacerdotal, e for interpretados em relação com a Septuaginta. O vocábulo o[sioj (“santo”,

“devoto”, “piedoso”) aparece na homilia só aqui. Na Septuaginta, descreve o que está

relacionado com Deus e são fiéis a aliança (Sl 12:1; 32:6; 79:1-2; 132:9, 16; 149:1-2). O

termo resume o conceito da relação permanente de Jesus com seu Pai, demonstrada

através da experiência de sua vida terrena (5:7-8). Como quem foi consagrado ao serviço de

Deus (10:5-10), foi qualificado religiosamente para ser verdadeiro sumo sacerdote. A palavra

a;kakoj (“bondoso”, “inocente”, “sem mácula”) descreve a ausência de tudo o que é perverso

e censurável. Na Septuaginta se usa o termo predominante com um significado passivo e

moral. É uma expressão apropriada para denotar a classificação moral de Jesus para ser

sumo sacerdote. Não significa somente que Jesus tenha sido sem malicia em sua relação

com os demais, senão, que não tenha sido afetado pelo mal. O termo avmi,antoj (“sem

mácula”, “incontáminavel”, “puro”) não implica meramente pureza ritual, mas sim

descendência ética real.

Interpretados juntos, os três adjetivos descrevem a impecabilidade do sumo

sacerdote. Em contraste ao sacerdote levítico, a quem é requerido manter-se puro (Lv 21:11)

e integro corporalmente (21:17), o sumo sacerdote da comunidade cristã foi qualificado por

sua perfeição moral e espiritual.

As duas frases com os particípios que seguem: “separados dos pecadores e feito

mais alto que os céus”, estão também em aposição ao vocábulo avrciereφσ (“sumo

sacerdote”) do mesmo versículo. A expressão “separados dos pecadores” não deveria se

entender em relação aos adjetivos prévios, como que se apontasse ao sumo sacerdote

separado dos que pecam por ter uma natureza diferente a dos mesmos.

A evidência sugere que o particípio perfeito passivo kecwrisme,noj (“separar”,

“apartar”. No passivo “estar separado”, “afastar-se”, “separar-se”) com a preposição avpό

(”de”) denota separação local e que o tempo perfeito expressa o estado de ter sido

separado. Nesse casso, a sentença poderia afirmar que a vida terrenal de Jesus entre os

pecadores terminou a partir de sua ascensão. Deixando a esfera caracterizada pelo

sofrimento, a hostilidade e a maldade da humanidade, tem sido exaltado à esfera do divino.

Ainda que sua separação assuma a perfeição moral de tal sumo sacerdote, Paulo enfatiza

sua entrada diante da presença divina, onde Cristo cumpre seu ministério intercessor. A

frase descreve a majestade do sumo sacerdote e introduz a seguinte expressão do texto.

Page 86: Apostila exegese Nt hebreus

83

Como a expressão anterior, a frase “feito mais alto do que os céus” focaliza sobre o

ministério sumo sacerdotal de Jesus. A expressão uyhlo,teroj (“mais alto [elevado,

magnífico] que os céus” se refere de forma especifica ao lugar do trono de Deus. Se

encontrou tal uso espacial em certas fontes apocalípticas (Asc, Isa. 7-8) para se referir as

viagens através dos céus para alcançar a presença de Deus nos “céus acima dos céus”.

É possível que Paulo tenha usado uma metáfora espacial para denotar o grau mais

alto de exaltação outorgado ao sumo sacerdote do qual tem falado. A frase sintetiza o

conceito de que Jesus, como sumo sacerdote, passou através dos céus para ter acesso à

presença de Deus, onde cumpre seu ministério sumo sacerdotal em favor do povo. Embora

a exaltação de Jesus à “destra do trono da Majestade nos céus” o “separa” espacialmente

dos membros da sua igreja, de maneira nenhuma implica que é indiferente à seus irmãos.

Intercede por eles.

7:27 Paulo estende a descrição do caráter pessoal e da esfera exaltada do ministério

sumo sacerdotal de Cristo, enfatizando muitas conquistas. A conexão entre os dois textos é

dada pela frase “não tem necessidade . . . de oferecer todos os dias sacrifícios”, que se

refere ao pronome correlativo toiou/toj (“tal” sumo sacerdote”) do verso 26.

Tal sumo sacerdote é apropriado porque a oferta de si mesmo põe fim a todo sistema

levítico de sacrifícios. Foi capaz de fazer o sacrifício definitivo porque foi o sumo sacerdote

“santo, inocente, sem mácula” (verso 26).

Como parece evidente até aqui, a comparação entre o sumo sacerdote escatológico

e o sistema sacerdotal levítico apresentado implicitamente no verso 26, chega a ser explicita

no verso 27. A medida da superioridade do novo sumo sacerdote é que Ele se ofereceu a si

mesmo como sacrifício final. Em 7:11-25 a demonstração da superioridade do novo

sacerdote sobre o sacerdócio legalmente estabelecido se baseia no Salmo 110:4 e na

promessa “segundo a ordem de Melquisedeque”. A formulação do verso 27 sugere quão

longe chegou Paulo na série de seus argumentos, já que, Melquisedeque não tem conexão

com sacrifício algum.

Paulo considera a entrega da vida de Cristo com sentido sacrifical: eauto.n avnene,gkaj (“se ofereceu a si mesmo”). O verbo avnafe,rein (“oferecer em sacrifico”, “sacrificar”) na

Septuaginta é um termo que significa “oferecer um sacrifício”, “fazer um sacrifício”.

Deste modo, Paulo apresenta Cristo como realizando uma função essencialmente

sumo sacerdotal quando ofereceu sua vida a Deus. A perfeição de seu sacrifício se

assemelha a sua perfeição moral e espiritual. Ofereceu-se simultaneamente sem culpa (cf.

9:14). Desde que ofereceu um sacrifício perfeito se exclui a necessidade como a

possibilidade de perpetuar um ministério de sacrifício, como outros sacerdotes o fizeram. O

fez de uma vez por todas. Esta classe de realização é a que contrasta com os muitos

sacrifícios dos sacerdotes levíticos. O fato que Cristo se ofereceu a si mesmo “uma vez por

todas”, implica que seu sacrifício foi completo, total e definitivo. O sacrifício de Cristo adquire

um significado, ainda mais destacado e especifico quando o compara com a expressão

Page 87: Apostila exegese Nt hebreus

84

temporal “diariamente”, o que qualifica o ministério de sacrifico dos sumos sacerdotes

levíticos e conota algo incompleto e ineficaz.

A base da comparação entre Cristo e os sumos sacerdotes levíticos é a prescrição

para o sacrifício no dia da expiação. Somente nessa ocasião foi indicado que o sumo

sacerdote faria primeiro a expiação por seus próprios pecados e em seguida pelos do povo

(Lv 16:6-10).

Paulo parece ter observado o sacrifício duplo do dia da expiação como decisivo para

a correspondência tipológica que vem se desenvolvendo (cf. 9:7). Contudo, a especificação

“diariamente”, “cada dia”, é problemática, já que os sacrifícios aludidos não se ofereciam

“diariamente”, mas sim uma vez ao ano (Êx 20:30; Lv 16:1-33). Por outro lado, Paulo dá

evidência de conhecer a diferença fundamental entre o serviço anual oferecido pelo sumo

sacerdote no dia da expiação (9:7, 25; 10:1,3) e o diário oferecido pelos sacerdotes (10:11).

Uma variedade de proposta foram oferecidos para resolver a dificuldade. É possível

que se tenha generalizado os procedimentos do dia da exposição, de modo que Paulo tenha

interpretado os sacrifícios diários a luz do ritual anual. Paulo poderia haver tido em mente o

serviço diário do sumo sacerdote no ritual de sacrifício do Judaísmo. Se a referência fosse

às ofertas que o sacerdote deveria apresentar quando cometia um pecado por ignorância,

não intencional (Lv 4:2-18). Ou a alguma outra oferta em que o sumo sacerdote estivesse

envolvido (Lv 6:12-23), não haveria dificuldade ao interpretar os sacrifícios diários a luz do

dia da expiação. Não se haveria feito referencia a lei como sendo prescrita no Pentateuco,

mas sim a tradição que Aarão havia oferecido sacrifício diário por si mesmo e pelo povo.

De todas as formas, a intenção de Paulo é mostrar a ineficácia do sacerdócio levítico.

Este tinha a obrigação permanente de oferecer uma oferta de expiação por si mesmo e pelo

povo. Paulo enfatiza o fato de que foi alcançada uma expiação total e perfeita somente

através do sacrifício definitivo quando o Filho de Deus se ofereceu a si mesmo, sem mácula,

pelos pecados do povo (conceito que o apóstolo desenvolve completamente em 9:11-14;

10:1-15).

7:28 Paulo detalha as profundas diferenças, entre ambos os sistemas sacerdotais,

num contraste final que resume o argumento de todo o capítulo. Apresenta três antíteses

que sintetizam os argumentos desenvolvidos com anterioridade.

Primeira antítese, a base do sistema levítico foi “a lei”, porém o do novo sacerdócio

foi “a palavra do juramento”, promulgada “posterior à lei”. A lei não foi efetiva em estabelecer

um sacerdócio que poderia alcançar a meta determinada por Deus para o povo (versos 11-

19). Como resultado, Deus jura estabelecer um sacerdócio radicalmente diferente que

substitua o levítico (versos 20-22). O oráculo do Sl 110:4 se cumpre quando o prometido

sumo sacerdote aparece e indica seu status sumo sacerdotal superior sobre a base de um

sacrifico completo, perfeito e final.

Segunda antítese, o antigo sacerdócio consistiu de “homens”, porem o novo do

“Filho”. Os sacerdotes levíticos se sucediam continuamente por causa de sua natureza

Page 88: Apostila exegese Nt hebreus

85

temporal e mortal, o novo continua “para sempre”. A mortalidade dos antigos contrasta

definitivamente com a eternidade e finalidade escatológica do novo sacerdote (verso 23-25).

Terceira antítese, os antigos sacerdotes foram afetados por sua “debilidade”, porém o

novo sacerdote “foi feito perfeito”. A lei designava o serviço sumo sacerdotal aos homens

que estavam limitados a natureza humana, sujeito às imperfeições e ao pecado. Esta

realidade os obrigava a oferecer permanentes sacrifícios por seus próprios pecados (5:3,

7:27; 9:7). A perfeição do novo sumo sacerdote é exibida e cumprida totalmente na oferta de

si mesmo uma vez para sempre, como o sacrifício suficiente para as transgressões de seu

povo. Sua própria impecabilidade (4:15; 7:26) não requereu oferta pelo pecado e assegurou

a eficácia plena de sua morte expiatória.

Em sua sentença final, Paulo enfatiza que “a palavra de juramento, que foi posterior a

lei, constituiu o Filho, perfeito para sempre”. A formulação dirige a atenção à vocação de

Jesus e anuncia a realização total e completa dos objetivos de seu serviço sumo sacerdotal.

A perfeição de Cristo como Filho assegura (1) a perfeição de sua qualidade como mediador

e (2) seu compromisso com o mandato divino de ministrar eternamente a interseção em

favor dos crentes no santuário celestial. Jesus autenticou o caráter sumo sacerdotal de sua

missão através de uma serie de eventos que culminaram na oferta de si mesmo como um

sacrifício sem mácula. Sua exaltação posterior não lhe impediu ter acesso presença de Deus

Deus, o que é uma condição fundamental para o exercício de um sacerdócio perpétuo.

Santuário e aliança (8:1-13): Aspectos estruturais

8:1-2 indicam claramente um novo cenário na argumentação. Paulo havia focalizado

sobre a designação de Jesus como sumo sacerdote e suas qualificações para o exercício de

um ministério totalmente efetivo (5:6-10; 6:20; 7:11-28). Havia enfatizado certas deficiências

do sistema levítico.

Agora a atenção é dirigida a Jesus como ministro sumo sacerdotal no santuário

celestial e enfatiza este significado com o termo κefa,laion (“principal”, “capital”, que

pertence a “cabeça”) em 8:1, o que introduz uma clara exposição teológica que se estende

até 9:28 e constitui a seção central dentro da composição do sermão.

Paulo dirige a atenção ao ministério de Jesus em 8:1-13, em contraste com a ordem

levitica diante da antiga aliança. O argumento procede por comparação. Com base na

evidência bíblica destaca debilidades adicionais do sistema levítico: Introduz o contraste

entre o santuário terreno e o celestial para completar a distinção entre o novo e o antigo. Os

sacerdotes levitas servem somente como uma referencia imperfeita ao santuário celestial no

qual Cristo cumpre seu ministério; Deus considera a antiga aliança, sob o qual o sistema

levítico foi estabelecido, obsoleto. A mediação da nova aliança demonstra a superioridade

escatológica do ministério de Cristo e a intenção divina de substituir o antigo com o que é

escatologicamente novo.

Page 89: Apostila exegese Nt hebreus

86

Tal argumentação e apresentação de Jesus estabelecem o contexto para a discussão

da adoração cúltica (9:1-10) e a aliança (9:11-28) respectivamente. Desta perspectiva, 8:1-

13 é uma passagem de transição à exposição que segue. A unidade da seção é exibida no

seguinte esboço: Ministério sacerdotal de Cristo (8:1-5), um novo ministério (8:1-2), o qual se

encontra em oposição ao antigo (8:3-5); Cristo, mediador da nova aliança (8:6b-13), o novo

ministério se associa a uma aliança superior (8:6), o qual se encontra em oposição ao antigo

(8:7-13).

Análise exegética do texto em seu contexto29

8:1-2 Havendo estabelecido a superioridade escatológica do sumo sacerdócio de

Cristo, Paulo começa a relacionar seu sacerdócio com os temas do santuário e aliança.

A expressão κefa,laion (“principal”, “capital”, que pertence a “cabeça”) pode aludir à

soma dos números agregados de cima a baixo da coluna, onde se coloca o resultado.

Assim, o vocábulo poderia significar “sumário”, “sinopse”, o que se limita aos pontos

principais. A palavra, contudo, poderia também significar “o ponto principal”, “o ponto

importante”. Com tal expressão, Paulo chama a atenção ao seguinte argumento. A

exposição (8:1-9:28) acrescenta considerações importantes aos capítulos prévios, e

κefa,laion parece antecipar o pensamento que segue. A declaração de Paulo em 8:1-2 é o

clímax, o auge de sua argumentação. A afirmação “principal” não é simplesmente que o

cristão tem um sumo sacerdote que esta assentado “a destra da Majestade nos céus”

(verso1), mas sim que ele é o sacerdote que ministra o santuário celestial (verso 2).

A declaração “temos um sumo sacerdote” destaca o que já foi dito na expressão

paralela (7:26-27). Contudo, na construção toiou/toj . . . o]j (“tal . . . quem”), o pronome

relativo (o]j ,, “quem”) tem força correlativa. De modo que toiou/toj (“tal”) se refere

primariamente ao que segue. Os cristãos têm como seu sumo sacerdote um que está

sentado a destra de Deus nos céus.

A frase que “se assentou a destra do trono da Majestade nos céus”, relembra a

formulação de 1:3, onde Paulo alude ao Salmo 110:1 para declarar a exaltação do Filho

encarnado a uma posição de suprema honra. Paulo não se refere ao serviço sacerdotal de

Jesus a destra do trono da Majestade nos céus para enfatizar sua dignidade transcendente,

mas sim a implicação que resulta do fato que exercite seu sacerdócio celestial. Mais que o

lugar de seu ministério, enfatiza o cargo e a função. O ato de assentar-se a destra da

Majestade nos céus não significa que esteja estático, imóvel, mas sim hierarquia, poder e

missão. O fato de assentar-se a destra de Deus sugere o serviço de um ministério total de

Cristo que será completo na dimensão temporal quando “seus inimigos sejam postos por

estrado de seus pés” (10:13; cf. 1Co 15:25). A expressão “destra” designa o cargo e honra

de Jesus (cf. 2:9) e sua superioridade sobre todos os poderes no universo (cf. 1:1-14).

29

Leia cuidadosamente Richard M. Davidson, “Tipologia no Livro de Hebreus,” em Frank B.

Holbrook, ed. A luz de Hebreus (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2008), 117-180.

Page 90: Apostila exegese Nt hebreus

87

Paulo poderia estar aludindo primariamente ao Salmo 110:1. Contudo, pode ter em

mente também, como alusão secundária Zc 6:13, onde o sacerdote Josué é o tipo ou figura

do Messias por vir.

Que Jesus ministra no santuário celestial é uma consideração vital no argumento de

Paulo para provar a superioridade de tal sacerdócio sobre os levíticos. A formulação no

verso 1 prova que Paulo baseou sua convicção sobre o Salmo 110:1. No verso 4 Paulo

reconhece que aparte da seção celestial declarada no Salmo 110:1, Jesus não poderia ser

sacerdote no serviço terreno. O Salmo 110:1 é básico na comparação de ambos os

santuários em 8:1-5.

Paulo identifica o sumo sacerdote como tw/n agi,wn leitourgόσ (“ministro dos santos”

[santuário]). O vocábulo leitourgόσ (“ministro”, “servidor”, “auxiliador”) em seu contexto é

virtualmente um sinônimo avrciereu,j (“sumo sacerdote”). Contudo, enfatiza mais o aspecto

cúltico que o sacrifício de Cristo em seu ministério. Implica atividade (cf. 7:25), e não

meramente status. A expressão tw/n a`gi,wn (“os santos”) se usa freqüentemente na

Septuaginta para se referir a todo o santuário (cf. 9:1), sem nenhuma referência a distinção

entre os departamentos.

A descrição do santuário como kai. th/j skhnh/j th/j avlhqinh/j (“e o verdadeiro

tabernáculo”), o qual “o Senhor erigiu e não o homem” antecipa o contraste do verso 5, onde

Moisés e não Deus, é quem edificou o tabernáculo terrestre. Paulo usa o adjetivo avlhqinh

(“verdadeiro”) com o significado “do que é verdadeiro” ou “o que é eterno”. Implica o

“genuíno”, de valor efetivo. A expressão “o verdadeiro tabernáculo” não se usa em contraste

com o que é falso, mas sim com o que é simbólico e imperfeito.

O fato que o santuário, no qual Cristo realiza sua obra de mediação e salvação, se

encontra no céu vincula o lugar de seu ministério com uma ordem transcendente, que deriva

imediatamente de Deus, sem nenhuma classe de intermediários terrenos.

Paulo usa a terminologia do santuário celeste e o verdadeiro tabernáculo como

expressões especiais para seu ministério a destra de Deus, em contraste com o santuário

terrestre. Esta linguagem não expressa conceitos metafísicos de origem Alexandrino (Filo de

Alexandria), como foi sugerido, mas sim é a maneira de apresentar a correspondência

tipológica entre ambas as alianças: o ministério no santuário celestial é a realidade

escatológica do que o ministério no santuário terreno só prefigurava. A relação entre ambos

os santuários é temporal. Paulo enfatiza no verso 2 que já não existe possibilidade de ter

acesso a Deus através da ordem levítica e terrena, devido a sua insuficiência intrínseca. O

acesso é possível somente através do ministério do sacerdote que serve a destra de Deus

no santuário celestial.

8:3-4 O conceito de sacerdócio, logicamente sugere a idéia de sacrifício (verso 3-4),

o que já foi antecipado em 5:1.

Page 91: Apostila exegese Nt hebreus

88

Ainda que a expressão “pelos pecados” não pareça no verso 3, Paulo considera todo

sacrifício em termos de expiação e perdão dos pecados (cf. 5:1; 9:9; 10:11). É possível que

se repita aqui o pensamento de 5:1 para especificar a necessidade de “que também este

(Cristo) tenha algo a oferecer”.

Enquanto Paulo poderia estar pensando na apresentação de Jesus como oferta pelo

pecado (7:27), define a natureza de tal oferenda só em 9:14. Na realidade, pela lei do

sistema de sacrifícios levítico, Jesus estava excluído do serviço sacerdotal terreno. Paulo

declara de maneira enfática que o sacerdócio de Jesus não é terreno, mas sim celestial.

Embora tenha sido qualificado pela sua vocação para o serviço sacerdotal terrestre, seu

ministério sacerdotal de sacrifício e intercessão se associa com sua entrada no domínio

transcendente do celestial.

8:5 Os sacerdotes levíticos cumpriam seus deveres ministeriais no santuário que foi

ordenado por Deus, porém só de forma imperfeita e incompleta reproduziam o que Moisés

havia visto (verso 5).

Embora tenha sido mostrado a Moisés um “modelo” a ser seguido, o tabernáculo

terreno era inferior ao santuário onde Cristo haveria de cumprir seu ministério (cf. 9:1). A

frase descritiva u`podei,gmati kai. skia (“cópia”, “modelo”, “figura” e “sombra”) indica que o

tabernáculo era uma lembrança aproximada para sugerir a idéia original e ensinar o povo de

Deus a valorizar eventualmente a realidade celestial em si mesma. O fato de que fosse

somente uma cópia da realidade celestial define o santuário como mutável e transitório, com

validade limitada por sua função meramente temporal.

Paulo usa sua argumentação no verso 5 com a citação de Êxodo 25:40 (cf. At 7:44),

o que implica que Moisés recebeu a revelação de algum “modelo” que pode reproduzir na

terra.

Na Septuaginta os termos tu,poj (“tipo”, “modelo”, “figura”, “cópia”, “imagem”,

“exemplo”) traduz o vocábulo hebreu tab/nīt (“forma”, “modelo”, “figura”, “molde”, “edifício”,

“construção”) e conota alguma coisa mais objetiva que instrução oral. A citação deriva da

Septuaginta em dois aspectos: Paulo acrescenta a palavra pa,nta (“todas as coisas”) e altera

o verbo particípio perfeito dedeigme,no,n ao aoristo deicqe,nta (“mostrou”). Com a adição de

pa,nta (“todas as coisas”), Paulo adapta Êxodo 25:40 a seu principio exegético, de acordo

com o qual todos os elementos do santuário chagam a ser chaves na liturgia celestial

cumprida por Cristo. O contexto de Êxodo 25 contem instrução relativa à construção do

tabernáculo, seus móveis, e a consagração de seus sacerdotes (Êx 25-31). Assim, Paulo

poderia ter elegido Êxodo 25:40 por influência da palavra tu,poj, qual prova o caráter

figurativo do santuário terrestre e seus serviços.

De acordo com certos tradutores, a distinção entre o mundo terrestre e o celestial e o

contraste entre sombra e realidade poderia implicar que o autor tenha sido influenciado pelo

clássico dualismo de Platão, através de Filo ou algum outro alexandrino. Estudos recentes,

contudo, tem demonstrado que a influencia poderia ser meramente verbal.

Page 92: Apostila exegese Nt hebreus

89

A consideração crucial é que Paulo apresenta Jesus como um ser que viveu uma

autentica e completa vida humana e que entrou no santuário celeste depois de haver

completado sua obra na terra. Esta perspectiva introduz uma dimensão temporal e histórica

no contraste do desenvolvimento em 8:1-5 que se opõe a metafísica não historicista de

Platão. O contraste desenvolvido não é simplesmente entre uma cópia terrena e um

arquétipo celestial, mas sim entre uma situação histórica no passado e uma que aconteceu

no tempo. Os argumentos e as descrições de Paulo se estruturam em uma seqüência

temporal-histórica de movimento. Paulo considera como conhecida a realidade histórica das

pessoas, eventos e instituições mencionadas na homilia. O mesmo é verdade relacionada

com suas partes neotestamentarias.

Durante a primeira situação, marcada pelo ministério dos sacerdotes levíticos, não

houve entrada no mundo da realidade, a presença de Deus. Tal privilégio foi possível

somente através da vida e obra realizada por Jesus. O santuário celestial chega a ser o

estrado de um sacerdócio efetivo só a partir do momento da exaltação de Cristo. Para Paulo,

o contraste temporal é decisivo: o ministério dos sacerdotes levíticos no tabernáculo foi

prévio ao ministério no santuário celestial. Este prefigurou a obra sacrifical definitiva de

Cristo que foi realizada séculos depois, “nestes últimos dias” (1:2). Implica se claramente as

categorias de tempo e história no verso 5, o que é incompatível com os princípios éticos e

metafísicos Platônicos de eternidade.

Em Hebreus se tem uma relação tipológica e não alegórica. Em Filo, é o contrario:

alegórica e não tipológica. Assim, a diferença entre o “terreno” e o “celestial” em 8:1-5 é mais

escatológica que filosófica.

O tabernáculo terrestre e seu ministério sacerdotal foram válidos e reais só a causa

da realidade do celestial ao qual corresponderam, participaram e se referiam.

O tabernáculo terrestre é uma “figura” e “sombra” das coisas celestiais (8:5). A dupla

idéia de “figura e sombra” é significativa. Evidentemente, a analogia original- cópia é

amplificada em 8:5. O esquema original-cópia sugere que o santuário terrestre de dois

compartimentos reflete o santuário original de dois compartimentos no céu.

8:6 A expressão nuni. de. (“porém de fato”, “agora”) no verso 6 introduz uma

declaração oposta à condição contrária ao fato desenvolvido no verso 4 (“ora, se ele

estivesse na terra, nem mesmo sacerdote seria”; a partícula me,n [“por um lado]” no verso 4

antecipa a partícula de , [“por outro lado”] no verso 6).

O fato que Jesus participe de um sacerdócio diferente e superior mostra a

impossibilidade da hipótese que Jesus não seja sacerdote. A verdade é que o ministério

sacrifical dos sacerdotes levíticos prefigurou só superficialmente o ministério sacerdotal

definitivo de Cristo em sua morte e entrada na presença de Deus. Na declaração

diaforwte,raj te,tucen leitourgi,aj (“ele alcançou um ministério superior”), o tempo perfeito

afirma que Jesus obteve e tem permanentemente um ministério superior que o dos sumos

sacerdotes levíticos.

Page 93: Apostila exegese Nt hebreus

90

A medida de superioridade expressa se com uma comparação baseada na entrada

do santuário celestial como mediador de uma aliança superior. Em Hebreus, a significativa

palavra mesi,thj (“mediador”, “fiador”) sempre é associada com a nova aliança (8:6; 9:15;

12:24; cf. 7:22). Este requer um novo mediador. Por sua vida de perfeita obediência e morte,

Jesus ratifica os termos da nova aliança de Jr 31:31-34. Sua entrada no santuário celestial

garante que Deus aceitou seu sacrifício e as provisões de uma nova e superior aliança por

meio dele. A nova aliança é superior porque se baseia em promessas superiores. Este

aspecto significativo se destaca pela repetição do adjetivo “superior” (krei,ttono,j, krei,ttosin),

em posição enfática em cada frase.

Embora a promessa da nova aliança não se expresse em termos cúlticos e nada

refiram sobre um novo sacerdócio e sacrifício, o desenvolvimento que segue mostra em que

ponto essas promessas tem influenciado na teologia de Paulo. Em 10:15-18, o apóstolo liga

os temas do sacerdócio e a promessa da aliança, onde a oferta de Cristo pelo pecado

constitui a base do perdão prometido na nova aliança.

8:7-12 Os versos 7-8a, 13, versos introdutórios e concluintes à citação de Jr 31:31-

34, enfatizam o caráter imperfeito e temporal da “primeira” aliança estabelecida no Sinai.

Paulo dirige a atenção do povo à repreensão contida dentro do oráculo em si (versos

8-9) e difere o tratamento das implicações positivas sobre as “promessas superiores” (verso

6) associada com a nova aliança (verso 10:15-18).

Neste contexto, a citação de Jr 31:31-34 serve fundamentalmente ao propósito

negativo de expor o caráter defeituoso da antiga aliança. Somente no verso 7 se descreve a

nova aliança como deute,raj (“segundo”), em relação à descrição da aliança sinaítica como

prw,th (“o primeiro”). O imperfeito evzhtei/to (“buscar”) se usa na segunda parte de uma

cláusula condicional contrária ao fato. O tipo de raciocínio seguido no verso 7 esta em

paralelo ao argumento relativo à ineficácia do sistema levítico em 7:11-19.

O tratamento das duas alianças nos versos 7-8a dá evidência da visão escatológica

de Paulo. Em nível de eventos históricos, a aliança mediada por Moisés tinha falhas com

base nas promessas humanas e foi necessário trocá-la por outra superior. É dizer, sua

substituição não foi devido somente à infidelidade do povo às estipulações da aliança. A

substituição ocorreu porque tomava lugar um novo desenvolvimento no propósito de

redenção de Deus, o qual requer uma nova ação de sua parte. O fato que Deus toma a

iniciativa de anunciar sua intenção de estabelecer uma nova aliança com Israel (verso 8a)

indica que a primeira era provisória e temporal.

Paulo cita a palavra profética de censura e promessa encontrada em Jr 31:31-34 em

harmonia com o texto da Septuaginta (verso 8b-12). Existe, contudo, variações do texto

estabelecido criticamente. Tem-se argumentado que o desvio do texto teria significação

interpretativa e estilística.

Page 94: Apostila exegese Nt hebreus

91

Jeremias 31:31-34 é a única passagem do AT que promete o estabelecimento futuro

de uma relação definitiva com Deus através do termo qualitativo “novo”. A afirmação central

da nova aliança é a promessa da presença da lei nos corações dos crentes como dom de

Deus (verso 10). Não é mencionada tal dádiva divina em nenhum outro lugar do AT (cf. um

paralelo próximo em Jr 24:7). A “qualidade de novo” intrínseca a nova aliança consiste na

nova maneira de apresentar a lei de Deus e não na novidade de conteúdo. Deus introduziria

a lei no coração do crente. Enfatiza-se a promessa de que Deus trabalharia no interior do

coração humano, capacitando-o não só em seu querer, mas sim em fazer os requerimentos

pactuais.

Assim, a nova aliança leva a sua consumação a relação entre Deus e seu povo, o

qual é o coração de toda a manifestação pactual de Abraão em diante (cf. verso 10c). A

relação entre Deus e seu povo, que foi a intenção não alcançada da aliança sinaítica pelas

falhas das promessas humanas (verso 9), se restaura através do novo sobre a base das

promessas divinas. Deus é o que produziria tanto o “querer” como o “efetuar” sua boa

vontade. A graça divina alcança seu Zênite na completa e final realização desta promessa

através de Cristo. A inauguração da nova aliança, na entrada do sumo sacerdote

escatológico no santuário celestial (verso 6), indica o privilegiado status da comunidade

cristã. No contexto imediato, possivelmente, Paulo tenha aplicado de forma direta a Jesus

Cristo a promessa de que não seria necessário instruir alguém, dizendo: “conhece ao

Senhor”, verso 11 (cf. 2:3; 7:14; 13:20, onde o vocábulo “senhor” designa Jesus).

É claro que Jr 31-34 foi vital para o entendimento teológico de Paulo. Cita a mesma

passagem ao concluir a exposição central da obra de Cristo em 10:16-17.

8:13 No verso 13 Paulo não mostra interesse nas promessas da nova aliança, mas

sim focaliza toda a atenção sobre as implicações da palavra chave do texto citado kainh,n

(“novo”, cf. verso 8).

O argumento que por designar uma “nova” aliança Deus tenha declarado “antiga”,

“obsoleta”, “antiquada” ao sinaítico implica que Deus mesmo decretou sua invalidez. O

perfeito passivo pepalai,wken (“chegou a ser velho [obsoleto]”) usa uma expressão que

aparece em um papiro para indicar a necessidade de reparação das paredes de um templo

“antigo” e “obsoleto”. Assim, Paulo implica que a antiga aliança já não tem uso e função no

contexto dos propósitos salvadores de Deus. Conseqüentemente, desaparecerá. O principio

de um novo ato de Deus faz o antigo obsoleto (cf. 7:11-28) reflete uma visão escatológica

que percebe a lei cerimonial como cumprida no sacrifico expiatório de Cristo.

A mediação da nova aliança, em contraste com a antiga, tem provido acesso ao

“santuário celestial”, ao “verdadeiro tabernáculo”, e ao “ministério sacerdotal superior”. Os

adjetivos “celestial”, “verdadeiro” e “superior” falam da perfeição da salvação mediada

através de Cristo.

Page 95: Apostila exegese Nt hebreus

92

UNIDADE V

MINISTÉRIO SUMO SACERDOTAL DO FILHO

(Hb 9:1-10:39)

Introdução

O tema desta unidade é uma continuação do que foi iniciado em 5:11 e que finaliza

em 10:39, sobre o serviço sumo sacerdotal do Filho.

A seção divide-se em quatro partes: (1) Necessidade para a nova ação cúltica (9:1-

10); (2) perdão através do sangue de Cristo (11-28); (3) caráter último do sacrifício pessoal e

único de Cristo pelos pecados (10:1-18); (4) quarta exortação: o perigo de deslealdade a

Cristo (10:19-39).

Necessidade de uma nova ação cúltica (Hb 9:1-10): Aspectos estruturais

Em 9:1-10, Paulo se concentra sobre a disposição do tabernáculo e suas provisões

para a adoração.

A comparação de Jesus como ministro e mediador da nova aliança com o sistema

levítico sob os termos da aliança sinaítica em 8:1-13 estabeleceu um contexto para a

declaração que prw,th (denotando “a primeira” aliança) havia sido considerada por Deus

como obsoleto (8:13). Com a sentença introdutora em 9:1Paulo anuncia a exposição de dois

temas: (1) as dikaiw,mata latrei,aj (“regras” ou “ordenanças” de culto); e, (2) to, a[gion kosmiko,n (“santuário terreno”), que desenvolve em ordem inversa. Primeiro trata da ordem do

santuário (9:2-5), e logo as regras de culto (9:6-10). O ponto de transição entre ambas as

seções se encontra na declaração sumária do verso 5 (“destas coisas todavia, não falaremos

agora”), o que prepara o leitor para o que segue nos versos 6-10.

Como unidade, 9:1-10 dispõe o cenário para a apresentação do ministério sacerdotal

de Cristo no santuário celestial em 9:11-10:18.

Análise exegética do texto em seu contexto

9:1 A primeira sentença desta unidade enfatiza que a primeira aliança (prw,th) teve

suas próprias regras relativas ao culto e que estas se relacionaram com o que sucedia

dentro do tabernáculo terreno.

O significado da expressão dikaiw,mata latrei,aj (“regulamentos de culto”) fica claro

nos versos 6-10, onde Paulo repete o termo latrei,aj (“culto”, “serviço religioso”) no verso 6 e

o termo dikaiw,mata (“regulamentos” ou “ordenanças”) no verso 10.

Paulo parece enfatizar a frase to, te a[gion kosmiko,n (“o santuário terrestre”). No

contexto da homilia, a construção singular neutra to, a[gion refere ao santuário em sua

totalidade. O predicado kosmiko,n qualifica o santuário como pertencente a terra, distinto ao

Page 96: Apostila exegese Nt hebreus

93

santuário celestial no qual o sumo sacerdote escatológico agora ministra. Em outras

palavras, o santuário pertencente ao mundo, o terreno, o material.

A descrição relembra o contraste desenvolvido entre o santuário “que erigiu o Senhor

e não o homem” (8:2) e o santuário construído por Moisés de acordo com as instruções

divinas (8:5). A expressão antecipa o termo pejorativo ceiropoi,hta (“feito de mãos”) em 9:24.

Além disso, por kosmiko,n não se implica o conceito filônico de que o tabernáculo era uma

reflexão simbólica do mundo. Paulo vê o santuário do AT como construído sobre a base de

seu protótipo celestial, não da criação (8:5). Como santuário terrenal, o tabernáculo não só é

transitório, do mesmo modo participa da imperfeição do mundo presente.

9:2-5 Paulo descreve detalhadamente a disposição de ambos os departamentos do

santuário. Tal distinção é fundamental para a interpretação de 9:1-10.

Ainda que nos versos 2-3 Paulo use a designação {Agia (“Santo”) e {Agia ~Agi,wn

(“Santo dos Santos”), através de toda a seção distingue ambos os compartimentos

especialmente pela expressão numérica prw,thn skhnh.n (“primeira tenda”, verso 2, 6), e

deute,ra (“segundo”, verso 7).

O vocábulo a[giona[gia (“santo”, “santos”) refere ao santuário ou a uma parte deste

em dez passagens de Hebreus (8:2; 9:1, 2, 3, 8, 12, 24, 25; 10:19; 13:11). Em 8:2, segundo

a maioria dos exegetas, descreve a Cristo como ministro “do santuário” (tw/n agi,wn) e do

verdadeiro “tabernáculo” (th/j skhnh/j), ambos os termos se referem ao santuário celestial. O

consenso é majoritário quanto a que em 9:1, a única vez que o singular to, a[gion aparece em

Hebreus, se refere ao santuário terreno em sua totalidade. Em 9:2, o anartro a[gia (único na

homilia, exceto 9:24), se refere, como indica o contexto, ao Lugar Santo do santuário

terrestre. Quando se mencionam os lugares (“santo” e “santíssimo” [9:2,3]) se usa o anartro

plural. Paulo usa o artigo com o plural em todos os demais casos na homilia, possivelmente

com a intenção de contrastar o emprego anartroso do plural em 9:2, 3, indicando que se

refere ao santuário em sua totalidade. Em 9:3 o plural neutro {Agia ~Agi,wn alude ao Lugar

Santíssimo do santuário veterotestamentário.

Em 9:8, prw,thj skhnh/j refere ao santuário terrestre da antiga aliança em sua

totalidade. A expressão tw/n agi,wn é uma referência ao santuário celestial. Em 9:12, 24-25

ta. a[gia faz referência ao santuário celestial. O mesmo tem sido sugerido para 10:19 e 13:11.

A formulação não habitual de prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”) nos versos 2, 6, 8 tem

levado a alguns tradutores a propor que tal expressão não aponta para dois compartimentos

de um só santuário edificado por Moisés, mas sim a duas tendas separadas, a primeira das

quais se refere à terra, e a segunda ao céu. Contudo, O. Hofius30 demonstrou que esta

30O. Hofius, “Das „erste‟ und das „zweite‟ Zelt. Ein Beitrag zur Auslegung von Heb. 9, 1-10,”

Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft 61 (1970): 271-277.

Page 97: Apostila exegese Nt hebreus

94

designação corresponde diretamente a Josefo, quem chamou todo o complexo do templo

como to. prw/ton iero,n31 e a segunda parte do templo to. deu,teron iero,n.32

Hofius conclui de forma convincente que o autor de Hebreus não fala de duas tendas

separadas por uma cortina, mas sim que tem em vista dois compartimentos de uma mesma

tenda.

Esta evidência filológica entra em contradição com a interpretação de que em 9:2-5 a

separação da “primeira tenda” e da “segunda tenda” implica uma separação do universo em

termos de terra (primeira tenda) e céu (a segunda tenda).

Do mobiliário do Lugar Santo, Paulo menciona o candelabro colocado ao sul do

recinto (Êx 26:35), e a mesa com os pães da preposição, localizada ao norte do

compartimento (Êx 25:23-30; 26:35; Lv 24:6).

Ao descrever o Lugar Santo, Paulo começa com uma enumeração dos móveis e

conclui com a qualificação de Santo (verso 2). Quando descreve o Lugar Santíssimo, nos

versos 3-5a, segue uma ordem inversa. Apresenta a qualificação de Santíssimo, e logo, se

refere aos móveis contidos. É dizer, segue uma disposição quiástica.

“Por traz do segundo véu”, a cortina interior que separava ambos os compartimentos

(Êx 26:31-33; Lv 16:2, 12; 21:23; 24:3), estava o {Agia ~Agi,wn (“Santo dos Santos”). A

expressão {Agia ~Agi,wn (“Santo dos Santos”) é superlativa e sugere a idéia de “o Lugar

mais Santo”. A designação “santíssimo” traduz a expressão alternativa to, a[gion tw/n agi,wn

(“o Santo dos Santos”, cf. Êx 26:33). A forma plural usada por Paulo no verso 3 também se

encontra na Septuaginta (1Rs 8:6; 2Cr 4:22; 5:7).

A localização do crusou/n. . . qumiath,rion (“incensário de ouro”) dentro do Lugar

Santíssimo é problemático porque este estava no Lugar Santo, justamente diante da cortina

(Êx 30:6; 40:26). O Códice B reconheceu a dificuldade e não menciona o incensário de ouro

no verso 4. A alteração foi claramente uma tentativa de remover a dificuldade relativa à

locação do altar de ouro no tabernáculo para que o texto se harmonizasse com o AT.33

Tem-se argumentado que a descrição do verso 4 corresponde a uma recessão do

Pentateuco Samaritano de Êxodo, no qual Êxodo 30:1-10 é inserido entre Êxodo 26:35 e 36,

o que foi usado como argumento para propor que o autor da homilia representava o

cristianismo samaritano.

A locação do altar de incenso no verso 4 deveria ser considerado como evidência de

uma variante textual disponível antes da normalização ou unificação do texto massorético.

31Bel, Jud., V. 195 (V. V. 2).

32Bel. Jud. V. 193, 194 (V. V. 2).

33Ver Bruce A. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament (New York: United Bible Societies, 1971), 666.

Page 98: Apostila exegese Nt hebreus

95

Ainda que não se tenha recuperado nenhum texto grego refletindo o primeiro texto

samaritano de Êxodo 26, é provável que Paulo tenha seguido a tradição textual.

A arca da aliança era o objeto mais importante localizado dentro do Lugar

Santíssimo. Era uma caixa feita de madeira de acácia coberta de ouro (cf. Êx 25:10-15; 37:1-

5). A tampa da caixa era o ponto central nos serviços do dia da expiação. Sobre ela se

aspergia o sangue da oferta (Lv 16:14-15). Desta tampa, chamada propiciatório, Deus

manifestava sua presença e se comunicava com seu povo (Êx 25:22). Estende-se a

descrição da arca ao mencionar uma urna de ouro que continha o maná (Êx 16:33); a vara

de Aarão que floresceu (Nm 17:8-10); e as tábuas da lei (Êx 25:16; Dt 10:3-5). Mencionam-

se os dois querubins de ouro sobre o propiciatório (Êx 25:18-20,22; 37:7-9).

Paulo termina abruptamente a discussão dos dois compartimentos e seus respectivos

móveis com a declaração: ”Dessas coisas, todavia, não falaremos, agora,

pormenorizadamente”. A declaração deixa claro que Paulo não tem interesse em considerar

o significado implicado nos compartimentos e nos móveis do santuário. Não faz nenhuma

exposição tipológica dos elementos de culto que brevemente enumerou.

Paulo trabalha somente com os aspectos do relato bíblico que importam a seu

propósito teológico. Nos versos 2-5 se concentra basicamente na divisão do santuário

mosaico em dois departamentos, o qual é enfatizado pela enumeração dos móveis. Também

se enfatiza tal divisão na aplicação que Paulo faz da disposição do santuário terrestre.

Distingue entre os sacerdotes, os que servem continuamente no Lugar Santo (verso 6), e o

sumo sacerdote, que entrava uma só vez ao ano no Lugar Santíssimo.

Em outras palavras, 9:2-5, discute os dois compartimentos do santuário terrestre com

a intenção de distinguir e expor o significado independente dos mesmos.

9:6-7 Havendo feito a distinção dos compartimentos, Paulo expõe o tema relativo às

ordenanças de culto antecipadas no verso 1.

A frase introdutória “Ora, depois de tudo isso” resume o dito nos versos 2-5, e

introduz uma série de contrastes entre as funções dos sacerdotes (verso 6) e do sumo

sacerdote (verso 7). Os sacerdotes entram “na primeira parte do tabernáculo”; o sumo

sacerdote na “segunda parte”. Os sacerdotes “entram continuamente para cumprir os

serviços de culto”. O sumo sacerdote entra “uma vez ao ano, não sem sangue, a qual

oferece por si mesmo e pelos pecados de ignorância do povo”.

Estes contrastes servem para enfatizar a distinção entre ambos os departamentos e

serviços sacerdotais. O serviço diário do sacerdote no Lugar Santo (verso 6), para (1) cuidar

do candelabro (Êx 27:20-21);(2) queimar incenso no altar de incenso (Êx 30:7-8); e (3) trocar

cada semana os pães da mesa da propiciação (Lv 24:9) se harmoniza com as instruções do

Pentateuco.

O mesmo ocorre com o ministério anual do sumo sacerdote dentro do Lugar

Santíssimo, o qual passava o véu no dia da expiação (Lv 16:32-33) levando o sangue por si

Page 99: Apostila exegese Nt hebreus

96

mesmo e pelo povo (Lv 16:2, 11, 15-17). A única condição que Paulo especifica é ouv cwri.j ai[matoj (“não sem sangue”), a qual o sumo sacerdote ofereceria por seus próprios pecados e

pelos pecados de ignorância do povo. Havia se indicado que o sumo sacerdote aspergia o

sangue de um bezerro sobre o propiciatório na arca da aliança por seus próprios pecados

(Lv 16:14) e que a mesma ação fosse repetida com o sangue de um bode pelos pecados do

povo (Lv 16:15-17). A declaração de Lv 16:16 é altamente significativa: “assim, fará expiação

pelo santuário por causa das impurezas dos filhos de Israel”. Em outras palavras, se

descreve o pecado como contaminação e especifica que o sangue pode atuar como

instrumento de purificação.

Os conceitos “contaminação” e “purificação” chegam a ser básicos no argumento

apresentado por Paulo em Hebreus 9-10. A referência a ai[ma (“sangue”), que Paulo usa pela

primeira vez com sentido sacrifical no verso 7, antecipa a menção repetida do vocábulo no

contexto cultural da homilia (9:12, 13, 14, 18, 20, 21, 22; 10:4, 19, 29; cf. 11:28; 12:24; 13:11,

12, 20). De acordo com o uso que Paulo faz do termo ai[ma (“sangue”) na homilia, fica claro

que quer enfatizar o fato transcendente de que o sangue é o meio de aproximação a Deus.

Fazendo referência a aplicação do sangue no Lugar Santíssimo no dia da expiação,

Paulo descreve a ação do sumo sacerdote com o verbo prosfe,rei (“oferecer”), o que implica

uma diferença com a linguagem da Septuaginta. Os tradutores da Septuaginta usaram o

verbo rαίvειn (“aspergir”, “borrifar”, “salpicar”) e evπιτικζnαι (“por ou colocar sobre”, “por em

cima”, “aplicar”) para denotar o ato da aspersão. Contudo, o uso posterior do verbo

prosfe,rei (“oferecer”) na homilia com referência a morte de Cristo (9:14, 25, 28; 10:12)

sugere que Paulo descreve o aspergimento anual sobre o propiciatório no Lugar Santíssimo

com tal verbo para que seu povo reconheça a correspondência tipológica entre o fato

importante do ritual da cerimônia de expiação sob a antiga aliança e o auto sacrifício

expiatório pleno de Cristo na cruz.

Esta inferência encontra apoio quando Paulo aplica o ritual do dia da expiação a

Cristo em 9:25-28. A entrada do sumo sacerdote no Lugar Santíssimo para a aspersão de

sangue encontra seu cumprimento escatológico na morte de Cristo (prosfora/j [“oferta”],

10:10, 14). De modo que o uso do mencionado verbo para descrever a cerimônia da

expiação no verso 7 indica que Paulo interpreta o ritual levítico através do evento de Cristo

ocorrido na cruz.

9:8-10 Paulo afirma que o Espírito Santo tem revelado o mais profundo significado

dos serviços do santuário revisados nos versos 6-7.

Começando com o verso 8, baseado em correspondências tipológicas, Paulo

relaciona o ministério do sacerdote celestial com a função do sumo sacerdotal de Cristo.

Ante tudo, deveria concentrar a atenção no termo prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”,

“primeiro tabernáculo”). O vocábulo skhnh/j (“tenda”, “tabernáculo”) é usado pela primeira vez

em 8:2 com referência ao tabernáculo levantado pelo Senhor. É dizer, se trata do

“verdadeiro” e “celestial” (8:1). O tabernáculo terrestre é uma “figura e sombra” das coisas

Page 100: Apostila exegese Nt hebreus

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celestiais (8:5). A idéia dupla de “figura e sombra” é muito significativa no contexto.

Evidentemente, Paulo aplica no texto a analogia original-cópia. Tal esquema sugere que o

santuário terrestre de dois compartimentos se refere ao santuário original de dois

compartimentos no céu. O termo skhnh/j (“tenda”, “tabernáculo”), então, alude ao santuário

com seus dois compartimentos.

Em 9:1-7 se encontra uma lingüística não habitual. É descrita a estrutura do to, a[gion kosmiko,n (“o santuário terrestre”, 9:1) como prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”,”primeiro

tabernáculo”) com referência ao lugar santo (9:2, 6); e o deute,ran (“segunda tenda”,

“segundo tabernáculo”) fazendo relação ao Lugar Santíssimo (9:7). Cabe destacar que

Josefo faz uso da mesma linguagem (Jewish Wars V: 184, 186, 193, 194, 195), não assim a

Septuaginta. Portanto, a referência prw,th/deute,ra (“primeiro/segundo”) é espacial (espaço:

santo, santíssimo) sem referência análoga na Septuaginta.

Em 9:8 volta a usar-se a expressão prw,thj skhnh/j. A última vez que Paulo usa a

frase é no verso 6 para se referir ao lugar santo. O que poderia sugerir que no verso 8

conota a mesma referência. Contudo, não é este o caso. O contexto em 9:8 indica que Paulo

se transfere da antiga aliança com o santuário de dois compartimentos à nova aliança com

seu tw/n agi,wn (“os santos”, “o santuário”), ao qual agora tem acesso. Em outras palavras,

nos versos 1-7 Paulo descreve o primeiro santuário da aliança sobre a terra, onde a

expressão prw,th (“primeiro”) em 9:8 tem um sentido temporal (elemento de tempo) não

espacial (divisão em “santo” e “santíssimo”), contrastando a antiga aliança com a nova

aliança. A antiga aliança tem um “primeiro” (prw,th) tabernáculo (verso 8). A expressão

prw,th aqui é temporal e se refere ao tabernáculo completo com dois compartimentos.

Assim, a expressão prw,thj skhnh/j (“primeira tenda”, “primeiro tabernáculo”) em

sentido temporal em 9:8 é uma designação ao santuário mosaico de dois compartimentos,

integral, inteiro, da antiga aliança (8:5; 9:11,21 e 13:10). É dizer, prw,th neste texto tem um

sentido temporal, não espacial.

O contexto mediato e imediato do texto fornece a chave para identificar na expressão

prw,thj skhnh/j do verso 8 o santuário terrenal. Os capítulos 8-9 da homilia contrastam com a

primeira (antiga) aliança com a nova. Cada aliança tem seu santuário, seu sacerdócio e seus

serviços para beneficio do crente. A estrutura poderia ser indicada como segue:

Antiga aliança Nova aliança

Santuário terrenal

Ministério sacerdotal e sumo

sacerdotal

Santuário celestial

Ministério sacerdotal e sumo

sacerdotal

Page 101: Apostila exegese Nt hebreus

98

Acesso limitado

Sangue de bezerros e bodes

Repetição de sacrifícios

Purificação da carne

Acesso ilimitado

Sangue de Cristo

Sacrifício feito de uma vez por

todas

Purificação da consciência

Sintetizando, então, em 9:1-7 a divisão do santuário terrestre e seus serviços no

primeiro compartimento (prw,thj skhnh/j, “primeira tenda [verso 2,6]) e segundo

compartimento (deute,ran, “segundo [verso 7]) foi a divisão espacial em “santo” e

“santíssimo”. No verso 8 Paulo retoma o que foi dito do santuário da antiga aliança (verso 1)

e o emprega como tipologia (verso 9) das novas realidades da salvação da nova aliança.

O Espírito Santo havia revelado a Paulo que o acesso ao tw/n agi,wn (“os santos”)

celestial não estava historicamente disponível “enquanto” o prw,thj skhnh/j, o santuário

terrestre da antiga aliança em sua totalidade, “estivesse em pé” e conservasse seu status

sob a antiga aliança. Assim, a partícula temporal e;ti (“enquanto”, “ainda”, “todavia”) introduz

uma matiz temporal significativa.

Não é difícil concluir do contexto que a expressão prw,thj skhnh/j (“primeiro

tabernáculo”) no verso 8 se refere ao santuário terrestre com seus dois compartimentos e

que a frase articular no plural tw/n a`gi,wn (“os santos”) refere ao santuário celestial com seus

dois compartimentos, também chamado “o maior e mais perfeito tabernáculo” (verso 11).

Nos versos 9-10 Paulo faz alusão ao significado histórico do santuário terrestre (verso

8b).

O presente indicativo passivo prosfe,rontai (“oferecer”) mostra que os serviços

cerimoniais do templo estavam ainda em vigência. Contudo, as ofertas e sacrifícios

oferecidos em tal santuário eram incapazes de fazer perfeitos os que praticavam tais

serviços religiosos.

O uso do termo te,leioj (“completo”, “terminado”, “desenvolvido”, “perfeito”) é

importante no contexto. Em 7:11-19, é apresentado o pensamento central da perfeição dos

crentes em termos de uma relação pessoal com Deus. Agora, Paulo especifica que essa

relação não pode ser aperfeiçoada até que a consciência seja purificada da contaminação do

pecado. É dizer, perfeição implica purificação. O fato de que a mais importante e solene

cerimônia pactual do dia da expiação se repetia anualmente (9:7, 25; 10:1-4) enfatiza a

incapacidade do sistema cerimonial veterotestamentário para conseguir uma efetiva

purificação e “tirar os pecados”. Isto é possível somente através “do sangue de Cristo” (9:14).

Page 102: Apostila exegese Nt hebreus

99

A incapacidade das cerimônias levíticas justifica colocá-las ao nível do que governa a

vida do povo: trata se somente “em comidas, e bebidas, e diversas abluções”.

Tal descrição esta associada com “ordenanças da carne”, impostas no Sinai e sem

valor sob a nova aliança. A perfeição da relação com Deus veio através da purificação da

consciência (9:11-14) e livre acesso ao santuário celestial (10:19-20) através do ministério de

Cristo, o qual reforma as coisas e estabelece uma nova ordem. Em outras palavras, todo

sistema cerimonial veterotestamentário era somente uma provisão temporal e imperfeita dos

propósitos divinos, tendo validade “até o tempo oportuno da reforma” ou correção. Com a

irrupção desse tempo, terminaram as função e significado de todos os regulamentos e

provisões cúlticas da antiga aliança. O ato súbito de rasgar o véu do templo de Jerusalém

por ocasião da morte de Cristo (Mt 27:51; Mc 15;38; Lc 23:45),deixando o lugar santíssimo

descoberto, simbolizava que os serviços do santuário terrestre haviam terminados com sua

função de prefiguração.

Tendo justificado a necessidade de uma nova maneira de culto (9:1-10), Paulo

apresenta a purificação através do exclusivo sangue de Cristo (9:11-28).

Purificação através do sangue de Cristo (Hb 9:11-28): Aspectos estruturais

Em 9:1-10 Paulo apresenta duas limitações do sistema cerimonial da aliança

sinaítica: (1) o acesso restringido à Deus (através do sumo sacerdote no dia da expiação)

indicava que o sistema era temporal (versos 7-8); e, (2) a incapacidade de obter purificação

através das ofertas e sacrifícios oferecidos indicava que o sistema era imperfeito (versos 9-

10).

Esta situação temporal era “até o tempo da reforma” (verso 10). A expressão

adversativa de, (“porém”, “mas”) do verso 11 anuncia uma mudança no argumento e introduz

uma nova seção. Em contraste com o sistema cerimonial, Paulo apresenta a liturgia sumo

sacerdotal de Cristo, centrando a exposição no tema do sacrifício e santuário. Cristo não

ingressa no santuário ante da presença de Deus através do sacrifício de bodes e bezerros

(cf. 9:7, 12, 25), mas sim por seu próprio sangue (9:12, 14, 26, 28). Conseqüentemente,

Cristo foi capaz de alcançar uma purificação definitiva (9:14, 22, 28). Seu ministério não é

realizado no santuário terrenal (9:1, 7), mas sim no celestial (9:11-12, 24), com o qual

fornece um acesso ilimitado a presença de Deus (9:14; cf. 10:19-20).

Com base no que foi dito, Paulo estrutura toda a seção tendo como embasamento os

versos 11-12. Em outras palavras, os versos 13-28 desenvolvem um tema exposto nas

passagens mencionadas. Os versos 13-14 expõem sobre a frase “por seu próprio sangue”

do verso 12; os versos 15-22 desenvolvem a expressão “sumo sacerdotes dos bens futuros”

do verso 11; e os versos 23-28 deixam clara a frase “entrou uma vez no santuário” do verso

12.

Page 103: Apostila exegese Nt hebreus

100

Análise exegética do texto em seu contexto

9:11 A apresentação do sistema cerimonial em 9:1-10 se resume na sentença de que

esse antigo sistema consistia de “ordenanças . . . até o tempo da reforma” (verso 10). A

transição anunciada no verso 11, através da partícula adversativa de , (“porém, veio Cristo

como sumo sacerdote”), indica que o “tempo oportuno da reforma” começou (cf. verso 26).

Em outras palavras, com a transição de 9:1-10 como segue, Paulo realiza um contraste

temporal entre períodos sucessivos na historia da salvação e suas respectivas provisões

para a redenção.

Cristo aparece como sacerdote “dos bens que já tem chegado”.34 É dizer, o que tem

sido prefigurado pelo sistema cerimonial já começou a ser uma realidade (por esta mesma

razão Paulo prepara sua homilia). A expressão “bens” se refere precisamente aos aspectos

da redenção que o sistema cerimonial não fornecia; a purificação dos pecados e um acesso

direto a Deus. Estas bênçãos refletem o caráter escatológico da redenção em Cristo.

Embora Paulo tenha feito referência a entrada de Cristo no santuário celestial (6:19-

20; 8:1-2), agora, a frase dependente “porém, vindo Cristo, o sumo sacerdote [...] entrou [...]

no santuário” (eivj ta. a[gia) enfatiza o grau de continuidade e descontinuidade entre a ação

de Cristo e a do sumo sacerdote levítico.

Existe continuidade em que Cristo, como o sumo sacerdote entrou no Santuário por

meio do sangue para completar sua obra de expiação. Contudo, a descontinuidade se dá no

que seu ministério não se realiza no santuário terrestre (9:1), mas sim no “maior e mais

perfeito tabernáculo” (9:11), “nos céus” (8:1). Além disso, não entrou na presença de Deus

por meio do sangue de animais, mas sim “pelo seu próprio sangue” (9:12). Por último, o

resultado de seu serviço sacrifical não esteve limitado, nem foi recorrente (9:9), mas sim

tendo “obtido eterna redenção” (9:12).

9:12 Os exegetas, geralmente, interpretam que a menção de bodes e bezerros no

verso 12 se refere aos procedimentos do dia da expiação. Contudo, a Septuaginta não

emprega a mesma linguagem para ambos os sacrifícios em Levítico 16. No lugar de tra,goj

(“bode”) emprega o vocábulo cima,ra (cabrito) e nunca o termo tau/roj (“touro”). Das três

expressões, a Septuaginta usa somente mo,scoj (“bezerro”, “terneiro”). Esta realidade

filológica, poderia sugerir que o verso 12 não é uma alusão ao dia da expiação.

Por outro lado, a expressão “sangue de bodes e de bezerros” é usada na

inauguração do ministério do sumo sacerdócio araônico, no começo dos serviços do

santuário terrenal. Levítico 9:8, 15 e 22 registram que o sumo sacerdote sacrificava um

bezerro em oferenda pelo seu próprio pecado e um bode pelos pecados do povo.

De acordo com este antecedente veterotestamentário, alguns interpretam

corretamente que este fato é um tipo da inauguração antitípica de Cristo ao iniciar o

34Ver Metzger, Textual Commentary, 668.

Page 104: Apostila exegese Nt hebreus

101

ministério no santuário celestial. A proposta mencionada afirma que 9:12 toma o tema da

dedicação do santuário do AT e o aplica ao ministério de Cristo no santuário celestial. É

dizer, em vez de referir-se ao dia da expiação que vem no final do serviço litúrgico, 9:12

parece aludir a dedicação e inauguração do santuário que se deu no começo do ministério

de Cristo no santuário celestial.

Esta interpretação harmoniza com o tema da nova aliança nos capítulos 8-9 da

homilia. A nova aliança tem um santuário celestial que se dedica a seu ministério e é

inaugurado pelo sangue de Cristo (9:12). Isto é de fato “de uma vez por todas” por meio de

Cristo, em contraste com o santuário terrestre. Seu sacrifício é superior ao “sangue de bodes

e bezerros” (9:12) porque consiste na oferta de sua vida a Deus (9:14, 25, 26).

9:13-14 Paulo apresenta uma prova da eficácia do sacrifício de Cristo por médio de

um argumento a fortiori.

Paulo formula seu argumento em antítese aos versos 9-10, onde julga a oferta

indicada sob a antiga aliança como insuficiente para a purificação dos pecados. A

pressuposição é que o sangue é o instrumento ou meio de purificação.

A suposição de que o sangue purifica da contaminação sob a antiga aliança fornece a

base para o argumento rabínico po,sw| ma/llon (“quanto mais”) no verso 14.

Paulo contrasta retoricamente a eficácia limitada do “sangue de bezerros e bodes”

com a eficácia do “sangue de Cristo”.

A cláusula relativa “vendo que ele se ofereceu a si mesmo com um sacrifício sem

mácula a Deus”, o qual é usado em sentido causal (o uso do pronome relativo o]j num

sentido causal poderia significar “a causa que ele” ou “vendo que ele”, indica o que faz o

sacrifício de Cristo absoluto e final.

A palavra a;mwmon (“irrepreensível”, “sem defeito”) tem uma conotação sacrifical. Essa

expressão era usada para indicar a ausência de defeitos em um animal levado ao sacrifício

(cf. Nm 6:14; 19:2). Paulo usa o termo para enfatizar a perfeição do sacrifício de Cristo. O

sumo sacerdote sem pecado (4:15; 7:26) foi também uma vitima sem mácula. Seu auto-

sacrifício expiatório a Deus foi a culminação de uma vida de perfeita obediência (cf. 5:8-9;

10:5-10). A principal sentença do verso 14 resume os benefícios experimentados pelos

cristãos como resultado da oferta sumo sacerdotal de Cristo. Em contraste com a efetividade

limitada das cerimônias levíticas (verso 13), o sangue de Cristo purificará a consciência dos

atos que conduzem à morte.

9:15-22 O contexto para a discussão dos versos 15-22, que expõem a declaração

“sumo sacerdote dos bens já realizados” do verso 11, já foi colocado em 8:6-13, onde Paulo

apresenta a Cristo como mediador de uma aliança superior.

O sangue de Cristo alcança o que tem sido prometido em Jr 31:31-34 e demonstra

que Jesus é o “mediador de uma nova aliança”. A ênfase neste ponto, contudo, se transfere

Page 105: Apostila exegese Nt hebreus

102

aos benefícios conferidos pelo sangue de Cristo a morte de Cristo, a que foi requerida para a

ratificação da nova aliança.

A expressão introdutória kai. dia. tou/to (“e por esta razão”) estabelece uma relação

causal entre os versos 11-14 e o resultado declarado no verso 15. Em razão de que Jesus

se ofereceu a si mesmo em obediência a Deus, chega a ser mediador sacerdotal da nova

aliança (cf. 8:6). Sua entrada no santuário celestial confirma que Deus aceitou seu sacrifício

e a ratificação da aliança que media ou instrumenta. Seu serviço de mediação é

conseqüência da eficácia de sua morte em substituição de cada um dos crentes.

Em particular construção sintática, Paulo expressa o propósito pelo qual Cristo é

mediador sacerdotal da nova aliança e deixa claro o que se requer dele. O propósito é que

“os escolhidos recebem a promessa da herança eterna” (cf. 1:14; 3:1; 5:9; 10:36), o gozo

eterno da salvação.

Paulo introduz a longa unidade que segue (verso 16-22) para explicar a necessidade

da morte de Cristo, a quem foi feito referência no verso 15b. Esta seção esta vinculada aos

versos prévios pelo uso explicador de ga,r (“porque”) no verso 16 e pela partícula inferencial

o[qen (“pelo qual”, “de onde”, “isto é porque”) no verso 18. Ao fluir o argumento Paulo primeiro

enuncia um princípio geral baseado sobre o procedimento para a ratificação da aliança

(verso 16-17), e em seguida mostra que este proceder foi ilustrado no caso da aliança

sinaítica mediada por Moisés (versos 18-22).

9:23-28 Nos parágrafos finais, Paulo expande a declaração “entrou uma vez no

santuário” do verso 12.

A declaração que o protótipo celestial do tabernáculo terreno requereu purificação

“com sacrifícios melhores do que estes” (verso 23) implica claramente que o santuário

celestial também havia sido contaminado pelo pecado do povo.

O completo, perfeito e suficiente sacrifício de Cristo purificaram o santuário celestial

da contaminação resultante do pecado do povo. A frase krei,ttosin qusi,aij para. tau,taj (“com sacrifícios melhores do que estes”) tem referência a morte de Cristo na cruz. O plural

qusi,aij (“sacrifícios”) é explicado pela atração da forma plural do dativo instrumental tou,toij (“estas coisas”: o destacado desde 9:19-22) com o qual este se contrasta. O sangue

sacrifical com o qual a primeira aliança havia sido ratificada e com o qual o tabernáculo

terrestre havia sido dedicado era insuficiente para purificar “as próprias coisas celestiais”. O

sacrifício requerido foi obtido pela entrega de Cristo.

Paulo especifica a purificação “das coisas que estão no céu” por referência a

ascensão de Cristo e sua entrada na presença de Deus “nos céus”, para “comparecer,

agora, por nós” (verso 24).

O contraste desenvolvido nos versos 24-26 deixa clara a base do sacrifício superior

de Cristo pelo qual o santuário celestial foi purificado. Paulo estabelece dois contrastes.

Page 106: Apostila exegese Nt hebreus

103

Primeiro contraste, o santuário que Cristo entrou não foi o terreno, o que somente era

uma representação do modelo mostrado a Moisés sobre o Sinai, mas sim o que estava no

céu mesmo (verso 24). Torna-se seguro o contraste através da expressão (1) “feito de

mãos”, e, (2) a frase adjetival “figura do verdadeiro” [“do real”], a qual define o santuário

terrestre. Só o santuário celestial é o verdadeiro, genuíno e legitimo.

Tais frases descritivas mostram que a antiga aliança esta sendo avaliada em seu

sistema cerimonial e que se considera valiosa somente à luz da realidade escatológica

associada com o sacrifício e a exaltação de Cristo. Cristo entrou to.n ouvrano,n (“no céu”) na

presença dinâmica de Deus. Embora em Hebreus Paulo use habitualmente a forma plural

toi.j ouvranoi (“céus”), neste versículo faz uso do singular to.n ouvrano,n para denotar o mais

alto céu onde está o verdadeiro santuário de Deus. A mediação de Cristo diante de Deus

upe.r h`mw/n (“em nosso favor”) garante a segurança que sua ação salvadora possui validade

eterna e assegura ao povo acesso ilimitado a Deus.

Segundo contraste, a diferença da ação do sumo sacerdote terrestre que entrava ano

após ano no santuário com o sangue de animais e a oferta de Cristo feita de “uma vez por

todas” (verso 25-26). O contrate entre o sumo sacerdote terrestre e o sumo sacerdote

celestial se mostra na seqüência de ações projetada como em sua freqüência.

A entrada permanente no santuário terrestre, seguido pela manipulação de sangue

dentro do mesmo substitui-se pelo único, completo e exclusivo auto-sacrifício de Cristo na

cruz, seguida por sua entrada definitiva no santuário celestial. Esta ação sumo sacerdotal de

Cristo inaugurou a nova aliança e introduziu a nova era de cumprimento.

Paulo indica o propósito do sacrifício de Cristo na cruz através de uma metáfora legal:

se apresentou eivj avqe,thsin th/j a`marti,aj (“para anular o pecado”). No contexto, o

cancelamento do pecado tem referência à purificação das “coisas que estão no céu” (verso

23). Esta interpretação é consistente com a ênfase de Paulo sobre o cumprimento objetivo

do sacrifício de Cristo. Os benefícios subjetivos para o povo pareciam não estar em foco

aqui. Sobre a base desta interpretação, então, os versos 23-26 estão estreitamente

vinculados. O contraste desenvolvido nos versos 24-26 mostram que tanto a antiga como a

nova liturgia cerimonial permanecem sob o princípio articulado no verso 22, porém o

sacrifício superior de Cristo alcançou a meta que era impossível diante da antiga aliança.

Sobre a base da singularidade do sacrifício de Cristo como uma ação que não tem

repetição “uma vez por todas”, os versos 27-28 sugerem um argumento adicional.

O fato que na experiência humana a morte ocorre a[pax (“uma só vez”) provê uma

analogia para compreender o significado salvador da ação sacerdotal de Cristo. Ele foi

oferecido a[pax (“uma só vez”) para “levar os pecados de muitos”, com a conseqüência que

“aparecerá pela segunda vez . . . para salvar aqueles que o esperam”. A repetição do termo

a[pax (“uma só vez”) vincula os versos 27-28 ao verso 26b destacando a perfeição do

sacrifício de Cristo. Por sua única morte resolveu o problema do pecado e assegurou a

salvação final ao crente.

Page 107: Apostila exegese Nt hebreus

104

A parousia é um evento que não acrescentará nada ao ofício sacrifical que Cristo já

completou. O poder do pecado já foi debilitado e vencido através de sua morte. Portanto,

voltará cwri.j a`marti,aj (“sem pecado”). Seu retorno confirmará que seu sacrifício expiatório

pleno foi aceito e que garantiu a salvação aos que o esperam.

Concluindo, o tema dominante em 9:11-28 é o sangue como meio de purificação e

vida. Todo o argumento se constrói sobre a base do poder do sangue para a purificação. A

compreensão de Paulo sobre o sangue se expressa mais claramente quando contrasta ao

sangue sacrifical de animais com o sangue de Cristo.

A base da comparação é que o sangue de Cristo sobre a cruz é o sacrifício da nova

aliança correspondente aos sacrifícios de animais prescritos sob a antiga aliança.

O sangue sacrifical de animais purifica a carne e não facilita um livre e total acesso a

Deus. O sangue de Cristo é o meio supremo de purificação. Por seu auto-sacrifício expiatório

alcançou a purificação da consciência, pré-requisito para a verdadeira adoração a Deus

(9:13-14).

Conseqüentemente, o antigo modelo entre contaminação e purificação foi substituído

por outro novo e superior.

Caráter final do sacrifício pessoal e único de Cristo

pelos pecados (10:1-18): Considerações estruturais

É fundamental situar 10:1-18 em seu contexto dentro da homilia. Paulo dedica 7:1-

10:18 a uma exposição das características distintivas do ofício sumo sacerdotal do Filho.

Três aspectos deste tema foram anunciados tematicamente em 5:9-10, e cada um foi

desenvolvido. O interesse de 7:1-25 é deixar claro o porquê que Jesus foi nomeado como

sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.

Em 8:1-10:18 Paulo desenvolve o aspecto sacrifical da obra de Cristo como sumo

sacerdote, onde se aclaram temas como a aliança, o sacrifício, e o ministério. A qualificação

essencial de Jesus como sumo sacerdote no santuário celestial é demonstrado em termos

de sua morte e exaltação (8:1-9:28).

Paulo, então, trata o significado da designação de Jesus como “Autor da salvação

eterna para todos os que lhe obedecem” (5:9b) em 10:1-18. Esta unidade final, a qual conclui

a exposição introduzida com a declaração de 8:1-2, fornece um clímax apropriado ao

argumento cristológico em Hebreus. A troca que ocorre de exposição à exortação em 10:19-

25 tem em conta a perspectiva desenvolvida em 8:1-10:18 e deixa claro sua relevância para

a fé e a vida da comunidade destinatária.

A relação existente entre 10:1-18 e 8:1-9:28 é estabelecida claramente quando certos

temas já considerados se recapitulam na seção final da exposição. Particularmente o tema

da exaltação “a destra de Deus”, que introduz 8:1, em alusão ao Salmo 110:1, é retirada em

10:12-13 quando Paulo apela ao mesmo Salmo referente à função presente como sumo

Page 108: Apostila exegese Nt hebreus

105

sacerdote do santuário celestial. Além disso, a citação completa de Jr 31:31-34 em 8:8-12 é

evocada em 10:16-17. De maneira que a discussão da eficácia do particular ministério sumo

sacerdotal de Cristo é estruturado por alusões ao Salmo 110:1 e as citações de Jr 31:31-34.

Existe também um grau de correspondência entre as idéias apresentadas em 9:1-28

e 10:1-18. Em correspondência a exposição das provisões de culto da aliança sinaítica em

9:1-10 se apresenta a ineficácia dos sacrifícios em 10:1-4. A superioridade de Cristo

apresentada em 9:11-14 é considerada em seus aspectos proféticos e históricos em 10:5-10.

A apresentação da morte de Cristo como o sacrifício inaugural da nova aliança encontra seu

complemento em 10:11-18.

Ainda que estas considerações deixem evidente a unidade literária e temática em

8:1-10:18, existe uma troca de perspectivas em 10:1-18. Em 9:11-28 Paulo considera os

benefícios objetivos da oferta sacrifical de Cristo. Focaliza a entrada de Cristo no santuário

celestial por meio da sua morte, em cumprimento do plano eterno da salvação. Porém em

10:1-18, Paulo apresenta os efeitos subjetivos da oferta sacrifical de Cristo para a

comunidade que goza das bênçãos da nova aliança. Considera-se a morte de Cristo desde a

primeira perspectiva de sua eficácia para os crentes.

Em termos de uma estrutura lógica, 9:15-28 deixa claro o caráter da salvação objetiva

resumida em 9:11-12. A função de 10:1-18 é deixar claro os benefícios subjetivos da

salvação revisados em 9:13-14, onde Paulo se refere especificamente à purificação da

consciência do adorador.

A referência de 9:28b a salvação provida pelo sumo sacerdote escatológico anuncia

o tema que irá se desenvolver em 10:1-18. Um simples contraste marca a transição para a

nova unidade. Paulo justapõe o sacrifício único de Cristo (9:28) ao continuo sacrifício

prescrito pela lei (10:1). Entre a declaração inicial em 10:1 e a final da seção em 10:18 existe

uma correspondência pela oposição: Sob a lei “os mesmos sacrifícios que continuamente se

oferecem cada ano” (verso 1); por contraste, como resultado do único sacrifício oferecido por

Cristo “não há mais oferta pelo pecado” (verso 18).

O argumento em 10:1-18 se desenvolve progressivamente em quatro parágrafos

arrumados em simetria concêntrica:

A A incapacidade das provisões da lei pela repetição dos sacrifícios (10:1-14).

B Os sacrifícios cerimoniais têm sido superados pelo sacrifício único de Cristo em

conformidade com a vontade de Deus (10:5-10).

B‟ Os sacerdotes levíticos foram superados por um sacerdote exaltado a destra de

Deus (10:11-14).

A‟ A capacidade das provisões da nova aliança, a qual apresenta um só Sacrifício pelos

pecados (10:15-18).

Page 109: Apostila exegese Nt hebreus

106

Análise exegética do texto em seu contexto

10:1 Paulo argumenta sobre a incapacidade dos sacrifícios cerimoniais para

promover acesso a Deus. Estes são oferecidos continuamente, ano após ano.

Pela expressão ga,r (“porque”) parece evidente que Paulo está recapitulando um

tema previamente apresentado (8:3-5; 9:23-26). O apostolo já havia caracterizado os

sacerdotes levitas como servindo um santuário que era upodei,gmati kai. skia (“cópia”,

“modelo”, “figura” e “sombra”) do santuário celestial (8:5).

Agora a lei é descrita como skia (“sombra”) “dos bens futuros”. O vocábulo skia se

refere ao contorno, perfil ou sombra arrojada pelo objeto que é real. O termo não se refere a

algo irreal, ilusório ou imaginário como o platonismo, senão a bem mais algo imperfeito ou

incompleto. Seu uso sugere que a função da lei era assinalar o que realmente era perfeito e

completo. O termo não reflete nenhum idealismo platônico, senão uma visão escatológica do

cristianismo primitivo. É implicado um contraste de caráter temporal e escatológico; a lei é

um testemunho passado de uma realidade futura. Ela meramente prefigurava a salvação que

antecipava.

O particípio tw/n mello,ntwn avgaqw/n (“os bens futuros”) expressa o contraste entre o

caráter preliminar e incompleto da lei e a salvação completa que foi antecipada por suas

provisões cerimoniais.

A construção da sentença requer uma clara distinção entre os vocábulos skia

(“sombra”) e eivkw,n (“imagem”, “a forma real” que arroja a sombra). A presença do pronome

auvtιn (“a mesma”) como determinação do termo eivkw,n (“imagem”) confiam esta

interpretação.

A lei prefigura, antecipa a realidade futura, porém ouvk auvth.n th.n eivko,na (“não a forma

atual”) destas realidades. Neste contraste, eivkw,n tem o significado de “personificação” ou

“presença atual” e tem como sua referência transcendente a realidade. A maneira mais

natural de ler a sentença é interpretar tw/n mello,ntwn avgaqw/n (“os bens futuros”) e tw/n pragma,twn (“as coisas”, “o objeto real”) como expressões equivalentes que se referem às

bênçãos da nova era, as quais são vistas aqui diante da perspectiva da lei. A formulação do

verso 1 recorda 9:11, onde se descreve a Cristo como “o sumo sacerdote dos bens futuros”.

A realidade, só prefigurada ou antecipada na lei, já é posição atual do povo de Deus através

da nova aliança.

A conclusão de que o sistema cerimonial sancionado pela lei era incapaz de alcançar

a purificação dos adoradores repetem o argumento em 7:11,19.

10:2-3 Paulo apela para a experiência com o propósito de esclarecer a implicação da

obrigação de repetir a mesma classe de sacrifícios ano após ano.

Page 110: Apostila exegese Nt hebreus

107

Debaixo da antiga aliança os adoradores nunca experimentaram uma limpeza

definitiva. A expressão a[pax (“uma vez”) modifica o particípio perfeito kekaqarisme,nouj (“tem

sido limpos”) para distinguir uma purificação final, terminal de uma experiência de purificação

que deveria ser repetida (cf. 9:13). Ainda depois das experiências associadas com o dia da

expiação, os adoradores permaneciam sob a “consciência do pecado”. Esta expressão

implica o sentido hebreu de um coração carregado e aflito, o qual chegava a ser mais

pronunciado no dia da expiação quando deveria enfrentar a santidade de Deus. Enquanto

este sentido de pecado e transgressão permanecesse, o serviço a Deus não seria efetivo.

Uma purificação efetiva da consciência era uma condição de acesso a Deus (10:22), e esta

foi alcançada somente através do sacrifício de Cristo (9:14).

O dia da expiação era um dia de jejum (Lv 23:26-32) e confissão dos pecados (Lv

16:20-22). A cerimônia tinha como objetivo enfatizar a consciência do pecado. A entrada do

sumo sacerdote no Lugar Santíssimo dramatizava o fato que o pecado separa a

congregação de Deus.

Desta perspectiva, o sacrifício realmente provia avna,mnhsij amartiw/n (“memória dos

pecados”), os quais traziam à consciência do adorador a realidade seus pecados como um

obstáculo para a comunhão com Deus. Esta evolução da função negativa do ritual do dia da

expiação permanece em claro contraste com uma antiga formulação judaica desde o tempo

dos Macabeus: “Está escrito e ordenado que ele mostre misericórdia a todo que se lembra

de suas culpas uma vez por ano” (Jub. 5:18). Possivelmente o que impressionou Paulo foi

que a memória dos pecados, o qual constituía uma barreira para adorar, era confirmado e

renovado katV evniauto,n (“cada ano”) pela cerimônia anual do dia da expiação.

10:4 Paulo apresenta a razão pela qual a lei é incapaz de promover a purificação a

quem se aproxima de Deus através dos sacrifícios cerimoniais (verso 1).

Os versos 1 e 4 se conectam pela cláusula explicativa avdu,naton ga,r (“porque é

impossível”) o que recupera o ouvde,pote du,nantai (“nunca pode”) do verso 1, e pela

expressão ai-ma tau,rwn kai. tra,gwn (“o sangue dos bodes e dos bezerros”) o que

corresponde à tai/j auvtai/j qusi,aij (“pelos mesmos sacrifícios”) do verso 1.

O argumento pressupõe o poder do sangue para garantir a purificação da

contaminação reconhecida em 9:22: o sangue de animais não pode realizar uma eliminação

definitiva do pecado. O problema não é se o sangue dos touros e dos bodes sacrificados

durante a observância anual do dia da expiação (Lv 16:3, 6, 11, 14-16, 18-19) tem algum

poder para efetuar a purificação, mas sim se tem a capacidade de produzir uma purificação

definitiva e concreta do crente. Estes sacrifícios poderiam promover somente uma limpeza

formal. A observância anual da solene cerimônia destacava a necessidade de uma remoção

final dos pecados como condição para uma santificação completa do povo de Deus. Esta

necessidade foi satisfeita através da eficácia do sacrifício pessoal de Cristo em cumprimento

da vocação humana declarada em Salmo 40:6-8.

Page 111: Apostila exegese Nt hebreus

108

O axioma do verso 4 repousa sobre a construção eiv ga.r . . . po,sw| ma/llon (“portanto

se . . . muito mais”) em 9:13-14.

Paulo enfatiza a capacidade do sangue de Cristo para efetuar a purificação efetiva da

consciência, fazendo possível a total adoração a Deus. Acentua-se a incapacidade do

sangue dos sacrifícios de animais para eliminar a contaminação dos pecados que constituem

uma barreira para a adoração.

10:5-10 O apóstolo argumenta que os sacrifícios ineficazes prescritos pela lei

cerimonial foram superados pelo eficiente sacrifício de Cristo. Ao se desenvolver este ponto,

Paulo faz uso do midrash homilético, citando o Salmo 40:6-8. Ele demonstra que foi

profetizado na Escritura que Deus daria um status superior ao corpo humano que

instrumentasse sua vontade segundo a oferta sacrifical prescrita pela lei. O texto da profecia

implicava a descontinuidade da antiga cerimônia por sobre a nova.

Paulo coloca as palavras do Salmo na boca de Cristo. A declaração VIdou. h[kw (“eis

aqui venho”, verso 7) estabelece a base para atribuir estes versos do salmo a Jesus no

momento de entrar no mundo. A expressão temporal eivserco,menoj eivj to.n ko,smon (“entrando

no mundo”, verso 5) é profética, descrevendo antecipadamente o pensamento de Cristo em

relação aos sacrifícios do AT e sua própria missão. A declaração é uma referência alusiva a

encarnação.

A frase “me preparaste um corpo” foi tomado diretamente da Septuaginta e é uma

paráfrase interpretativa do texto hebreu. O detalhe que Deus preparou um corpo para o que

fala, para o que entraria no mundo para fazer a vontade de Deus, explica a seleção que

Paulo faz desta citação. O texto não só indicava que a encarnação e a obediência ativa de

Cristo haviam sido profetizadas nas Escrituras, mas sim que este outorgava a base bíblica

para o argumento posterior, que a oferta do corpo de Jesus Cristo era qualitativamente

superior às ofertas prescritas pela lei (versos 8-10). Paulo se apodera do termo ςw/μα

(“corpo”) o qual é vital para sua interpretação do Salmo. Habitualmente usa a palavra sa,rx (“carne”) para fazer referência a humanidade de Jesus (2:14; 5:7). Contudo, o uso do

vocábulo equivalente ςw/μα (“corpo”) no verso 10 para designar o corpo humano de Jesus

parece ser uma alusão deliberada ao texto do Salmo citado no verso 5.

Paulo difere da formulação da Septuaginta na linha final da citação no verso 7d.35 Ele

omite o pronome pessoal mou (“meu”), troca de lugar o Qeo,j (“oh Deus”) e elimina o verbo

final evboulh,qhn (“eu quis”).

A frase resultante das trocas depende da expressão precedente ge,graptai (“está

escrito”, verso 7), e não tanto o verbo evboulh,qhn (“eu quis”) como na Septuaginta.

35LXX: tou/ poih/sai to. qe,lhma, sou o qeo,j mou evboulh,qhn (“Eu quis fazer a tua vontade, Oh

Deus meu!”). Verso 7d: tou/ poih/sai o` qeo.j to. qe,lhma, sou (“fazer a tua vontade, Oh Deus”).

Page 112: Apostila exegese Nt hebreus

109

O efeito destas modificações sintáticas é fazer o texto mais diretamente aplicado ao

Filho de Deus, que veio ao mundo em cumprimento das Escrituras proféticas para fazer a

vontade de Deus. Em outras palavras, as alterações parecem terem sido feitas por motivo de

ênfase. É provável que Paulo tenha sido o responsável da adaptação do texto à luz de sua

aplicação a Jesus.

A insatisfação de Deus com a oferta convencional de um povo desobediente é um

conceito recorrente nas Escrituras (cf. 1Sm 15:22; Sl 40:6; 50:8-10; 51:16-17; Is 1:10-13;

66:2-4; Jr 7:21-24; Os 6:6; Am 5:21-27). A oferta que Deus encontra aceitável representa a

devoção do coração.

Em 10:1-4 Paulo se referiu ao sacrifício de animais como um meio de purificação. A

citação do Salmo 40:6-8 nos versos 5-7 indica, contudo, que o foco do interesse mudou. O

ponto em discussão agora é o valor relativo dos sacrifícios prescritos como meio de

consagração ao serviço de Deus. A citação prova que os sacrifícios em si mesmos não têm

poder para agradar a Deus ou garantir uma relação própria entre Deus e seu povo. O Salmo

refere a Alguém que reconhece seu corpo como a dádiva que Deus preparou para ser o

meio pelo qual a vontade divina possa ser alcançada. Por trás desta referência, Paulo

reconhece a figura transcendente do Filho de Deus, que se tornou carne para cumprir o

propósito divino para a família humana (2:10, 14, 17). Assim, Paulo interpreta que a

passagem citada é uma palavra dirigida pelo Filho ao Pai na ocasião de sua encarnação, o

que o salmista, de alguma maneira, já havia antecipado.

A transição à explicação da citação se introduz pela expressão exegética comum

avnw,teron le,gwnto,te ei;rhken (“depois de dizer . . . então, disse”, verso 8-9).

A repetição de frases e cláusulas da citação indica os pontos que Paulo quer

enfatizar na leitura do texto bíblico. Com poderosa concentração divide suas observações

sobre a passagem em duas partes.

Em primeiro lugar destaca a rejeição divina dos sacrifícios convencionais. Por unir as

duas linhas paralelas da citação que refere aos vários tipos de ofertas, surge um contraste

enfático no lugar das duas implicações no Salmo. Esta importante modificação ajuda a Paulo

distinguir entre “o primeiro” e “o segundo” no verso 9b. A construção das quatro diferentes

palavras para sacrifício no verso 8 (“sacrifício, oferta, holocaustos e expiações”) e as duas

expressões verbais de desaprovação (“não quiseste, nem te agradaram”) intensificam a

impressão do desagrado divino pela provisões cerimoniais da antiga aliança. Os quatro

termos para sacrifício no Salmo parecem incluir os principais tipos de ofertas prescritas em

código cerimonial levítico do AT.

A modificação do singular na expressão Qusi,an kai. prosfoράn (“sacrifício e oferta”)

no verso 5 para a forma plural quando se alude ao texto do Salmo no verso 8 indica que não

se tem em vista todos os sacrifícios senão uma multiplicidade de sacrifícios legais. A

multiplicidade e repetição dos sacrifícios legais dão evidência de sua fundamental

incapacidade.

Page 113: Apostila exegese Nt hebreus

110

Além das duas trocas já indicadas, Paulo limita sua interpretação da passagem a

uma observação parentética: os sacrifícios rejeitados são precisamente os prescritos pela lei

(verso 8). Este comentário faz explicita a relação entre a repetição dos sacrifícios e a lei (cf.

verso 1) e separa os sacrifícios do cerimonial veterotestamentário ao período quando a

aliança de Deus com seu povo era regulada pela lei.

Paulo dirige a atenção para a parte final da citação no verso 7. Reduz o texto para

assegurar a formulação “eis aqui venho para fazer, ó Deus, a tua vontade” (verso 9). Este

declaração parece representar a expressão essencial do Salmo sobre Cristo. Une a missão

com a vontade de Deus e prepara para a significativa conclusão de que a oferta de Cristo é o

sacrifício que Deus desejava que fosse feito. A importância do anuncio de Cristo relativo a

historia da salvação se faz evidente na formulação do verso 9: “tira o primeiro, para

estabelecer o segundo”. Esta declaração afirma a criação de um novo fundamento para a

santificação dos crentes ao serviço de Deus.

O contraste entre a antiga e a nova ordem se enfatiza pela construção quiástica do

verso 9b:

Anairei/n to. prw/ton i[na to. deu,teron sth,sh|

A B B‟ A‟

O vocábulo anairei/n (“suprimir”, “abolir”, “anular”) e ivsta,nai (“estabelecer”, “confirmar

como válido”) dá a sentença um forte sentido judicial. Ainda que o verbo anairei/n seja usado

somente em Hebreus com os sentidos indicados, é amplamente documentado no grego

clássico e helênico, onde se usa como termo técnico em esfera jurídica, para se referir a

instituições públicas, regimes políticos, contratos comerciais, etc. Implica mudança de

estruturas.

O valor semântico de sth,sh| reflete o uso da Septuaginta, onde o verbo ivsta,nai implica um aspecto judicial característico. É a palavra preferida na Septuaginta para

expressar a atividade criadora de Deus no estabelecimento de uma aliança ou ao conceder

uma promessa incondicional (cf. Nm 30:5, 6, 8, 12, 15). Veja particularmente Números

30:12-13, onde os verbos paralelos ivsta,nai e periairei/n (“invalidar”, “anular”) oferece um

paralelo próximo a formulação de Hebreus 10:9b.

O conteúdo de to. prw/ton (“o primeiro”) é definido pela conexão estrutural entre a lei

e os sacrifícios cerimoniais estabelecidos no verso 8b. O cerimonial, e a lei sobre a qual se

baseava, foi descartado sobre o fundamento de um evento através do qual se encontrou

toda a eficácia de uma vida totalmente submetida à vontade de Deus: Cristo.

O conteúdo de to. deu,teron (“o segundo”), o que é posto em antítese a “o primeiro”,

define se pela vontade de Deus como realizado através de Jesus. O verso 10 especifica o

modo desta realização: “a oferta do corpo de Jesus Cristo feita uma vez por todas”.

Page 114: Apostila exegese Nt hebreus

111

De modo que, a segunda cláusula do verso 9b contém uma referência condensada

da eficácia total da ação salvadora de Cristo em conformidade com a vontade de Deus.

De acordo com esta leitura do texto, o que Deus rejeita são a continuidade dos

sacrifícios e a lei que os tem regidos. O que havia sido confirmado como válido é a vontade

da Deus e o sacrifício efetivo de Cristo. O cumprimento do Salmo 40:6-8 inaugura uma nova

ordem. A citação do Salmo e a presença real de Cristo confirmam que a antiga ordem

cerimonial foi abolida definitivamente. No plano de Deus, os dois sistemas são

irreconciliáveis. São mutuamente exclusivos. A supressão do primeiro acontece para que

(i[na) a validez do segundo possa confirmar-se (cf. 8:7,13). Jesus Cristo e a palavra da

Escritura são agentes de mudança que introduz uma situação radicalmente nova para a

comunidade do povo de Deus.

Em sua aplicação ao Salmo, Paulo enfatiza a experiência eclesial de santificação no

verso 10. Os sacrifícios cerimoniais foram deficientes porque não asseguravam o processo

de santificação do que os oferecia.

A mudança da terceira pessoa singular (verso 9) a primeira no plural (verso 10)

concede a formulação de verso 10 um sentido confessional. Paulo define o único meio e

fonte de santificação do crente. A base imediata da santificação é a “oferta do corpo de

Jesus Cristo” como ato inaugural da nova aliança. A fonte é a vontade de Deus.

Três expressões do verso 10, de forma evidente, provêem da citação do salmo: A

frase evn w-| qelh,mati (“na qual vontade”) interpreta a expressão tou/ poih/sai to. qe,lhma, sou

(“fazer a tua vontade”), citada nos versos 7 e 9a. A vontade de Deus que Cristo veio cumprir

é a vontade pela qual os crentes são transformados e santificados. O uso instrumental da

preposição evn (“em”, “por”) pode também ter sentido causal. A palavra prosfora/j (“oferta”) é

usada na Septuaginta (e em certos escritos influenciados pela mesma) com o sentido de

sacrifício. Evidentemente, seu emprego para se referir ao sacrifício de Cristo nos versos 10 e

14 reflete este desenvolvimento e fazem explicita a intenção do aoristo infinitivo poih/sai (“fazer”) no verso 7 e 9. Assim, a vontade de Deus implicava a “oferta” feita por Cristo. A

referência ao sw,matoj (“corpo”) de Jesus Cristo parece ser uma clara alusão a linguagem do

verso 5, “um corpo me formaste”. O corpo de Jesus foi o instrumento de sua solidariedade

com a raça humana (cf. 2:14). Entrou no mundo para fazer a vontade de Deus; nele, se

integram perfeitamente a intenção e o compromisso do corpo. O termo “corpo” mostra que o

contraste que Paulo deseja estabelecer não é entre o sacrifício de animais e o sacrifício de

obediência de Cristo, mas sim entre o sacrifício ineficaz de animais e a oferenda pessoal do

próprio corpo de Cristo como um sacrifício completo e efetivo.

Os termos restantes do verso 10 são expressões preferidas de Paulo. O verbo

perifrástico (“santificar”) denota uma santificação definitiva expressada objetivamente na

sincera de coração a Deus.

Page 115: Apostila exegese Nt hebreus

112

O particípio perifrástico h`giasme,noi evμζn (“estão sendo santificados”) enfatiza o

estado ou condição de santo dos crentes e antecipa a descrição do povo de Deus do verso

14 tou.j agiazome,nouj (“os santificados”, cf. 2:11).

O uso do vocábulo evfa,pax (“uma vez por todas”, “num tempo”), que qualifica a

referência da oferta do corpo de Cristo, evoca a crucificação como o clímax de uma vida de

ministério que perfeitamente mostrou submissão a vontade de Deus (cf. 7:27; 13:12). No

sacrifício de seu corpo sobre a cruz, Cristo faz sua própria, livre e totalmente a vontade de

Deus. Conseqüentemente este sacrifício não requer repetição. Esta classe de sacrifício

incluiu a totalidade da obediência e erradicou a desigualdade entre a obediência proposta no

Salmo 40:6-8. O auto- sacrifício expiatório pleno de Cristo cumpriu a vocação humana

anunciada no Salmo. Em virtude do que foi feito por Jesus Cristo em sua condição

autenticamente humana e em solidariedade com a família humana, o povo de Deus tem sido

radicalmente transformado e santificado a seu serviço.

Sintetizando, então, em sua interpretação do salmo, Paulo enfatiza dois aspectos

importantes: Primeiro, a multiplicidade de sacrifícios cerimoniais do AT são os prescritos por

lei; segundo, a oferta sacrifical de Cristo em sua morte faz explicito o conteúdo da vontade

de Deus.

São transcendentes as conexões paulinas entre os sacrifícios e a lei, e entre a oferta

de Cristo e a vontade de Deus. Isto define o caráter temporal da lei cerimonial e antecipa sua

anulação sobre a base de uma vida entregue incondicionalmente a vontade de Deus (10:9).

O princípio escatológico fundamental definido por Paulo no verso 9 não é um fenômeno

isolado na homilia. Sintetiza declarações anteriores nas quais enfatiza a natureza provisória

do sistema cerimonial veterotestamentário (cf. 8:5; 9:9; 10:1).

Paulo apresenta a importância desta interpretação no verso 10. Os fatores essenciais

na salvação cristã são revisados diante de uma perspectiva comunitária. A causa última da

salvação é a vontade de Deus. Seu evento determinante foi à oferta do corpo de Jesus

Cristo como sacrifício. O resultado foi à santificação definitiva da comunidade remida. A

oferta pessoal do corpo de Cristo sobre a cruz revela a natureza do sacrifício que ratificou a

nova aliança. O sacrifício suficiente, completo e expiatório de Cristo, em conformidade com a

vontade de Deus, facilitou uma nova situação para o crente: cada obstáculo que impossibilita

a comunhão com Deus foi removido efetivamente.

10:11 Paulo continua apresentando o contraste entre o sistema ineficaz do

sacerdócio levítico (verso 11) e o serviço sacerdotal eficaz de Cristo (versos 12-14), o que já

foi enfatizado previamente. O serviço diário do sacerdócio levítico é descrito de uma maneira

similar ao verso 1:

10:1 10:11

katV evniautόn kaqV h`me,ran

Page 116: Apostila exegese Nt hebreus

113

(“cada ano”) (“dia após dia”)

auvtai/j qusi,aij auvta.j κυςίασ

(“os mesmos sacrifícios”) (“os mesmos sacrifícios”)

ouvde,pote du,nantai ouvde,pote du,nantai

teleiw/sai perielei/n

(“nunca pode tornar perfeito”) (“nunca pode remover

pecados”)

A missão dos sacerdotes na realização de suas funções foi decretada por mandato

divino: os sacerdotes foram estabelecidos para administrar sacrifícios (Dt 18:5). Este fato é

enfatizado no verso 11: cada sacerdote permanece diligente em seus deveres sacerdotais

devido ao fato que sua obra nunca se completa. Administra “dia após dia”, cumprindo o ciclo

anual de sacrifícios diários. Oferece “os mesmos sacrifícios” repetidamente, os quais “nunca

podem remover pecados”. Estas frases parecem enfatizar a futilidade que caracteriza o

ministério do sacerdócio levítico. Apesar de todos os esforços e a quantidade de ofertas, o

velho sacerdote foi incapaz de “remover os pecados”.

10:12-14 Paulo apresenta um contraste preciso entre os sacerdotes levíticos do

santuário terrestre e o sacerdote do santuário celestial. Cristo ofereceu somente um

sacrifício pelos pecados (mi,an upe.r a`martiw/n κυςίαn).

Paulo contrasta a frase correspondente no verso 11: Os sacerdotes levíticos

oferecem muitas vezes os mesmos sacrifícios. Contudo, Cristo ofereceu “um único

sacrifício”. O tempo passado do verbo indica aqui que a ação é passada e completa. A

efetividade de seu único sacrifício se estende eivj to. dihnekζσ (“para sempre”). Todavia sua

exaltada posição declara uma diferença particular entre Cristo e os sacerdotes levíticos. O

particípio prosene,gkaj (“oferecer”) é temporal. Em outras palavras, “depois de ter feito a

purificação dos pecados assentou-se a destra da majestade” (1:3).

A alusão ao Salmo 110:1 retoma a tese de 8:1-2 e fortalece a imagem de Cristo como

exaltado sacerdote. O conceito da exaltação de Cristo como ministro à destra de Deus já foi

introduzido em 1:3, contudo, agora parece claro sua importância no argumento de Paulo.

Jesus se assenta a destra de Deus porque seu sacrifício não requer repetição. Seu serviço

celestial dá evidência que os benefícios de sua morte sacrifical permanecem “para sempre”.

Assim, a fase sacrifical de seu ministério foi completada.

O fato de que Jesus espere “até que seus inimigos sejam posto por estrado dos seus

pés” (verso 13) não quer dizer que se encontre inativo e imóvel. Anteriormente (7:25) Paulo

associava o serviço sacerdotal celestial de Cristo com seu ministério de intercessão a favor

dos que se aproximam de Deus. O serviço ministerial de Cristo a destra da majestade no céu

Page 117: Apostila exegese Nt hebreus

114

o coloca em uma posição na que pode fornecer assistência a seu povo sem ter que oferecer

mais sacrifícios. A alusão ao Salmo 110:1 nos versos 12-13 parece insistir no rol mediador de

Cristo no santuário celestial. Quanto ao futuro, somente espera pela completa sujeição de

todo poder que resiste os propósitos salvadores de Deus. Ainda que nenhum sacerdote da

linhagem araônica tenha se assentado a destra de Deus no santuário terrestre, Cristo o fez no

santuário celestial (8:1-2). Ante a mesma presença de Deus no céu, exerce o ministério da

nova aliança. Esta é à base de segurança que se estende aos crentes que possuem acesso

livre e completo a Deus (10:19-22).

O verso 14 enfatiza o caráter decisivo da obra completada por Cristo. A conjunção ga,r

(“porque”), em função explicativa, conecta a sentença do texto com o argumento precedente.

O meio pelo qual o crente tem experimentado a purificação de seus pecados é a morte

sacrifical de Cristo.

O dativo instrumental mia/| . . . prosfora (“por uma única oferta”) se refere a “oferta do

corpo de Jesus Cristo” no verso 10 e a “um único sacrifício pelos pecados” do verso 12.

A ênfase do verso 14, contudo, recai sobre a expressão “aperfeiçoou”, onde o tempo

perfeito do verbo tetelei,wken, em combinação com a expressão temporal eivj to. dihnekζσ

(“para sempre”), enfatiza o resultado permanente da oferta de Cristo.

Assim, Paulo coloca a purificação dos crentes no evento passado da cruz com respeito

a seu alcance e no presente quanto a sua realidade experimental. A perfeição dos crentes, a

qual não pode ser possível sob a base do sacerdócio levítico (7:11), a lei e seus sacrifícios

(7:19; 9:9; 10:1), anuncia se nos versos 12-14 como uma realidade através da oferta única de

Cristo.

Se o particípio presente tou.j agiazome,nouj (“os santificados”) fosse uma designação

eterna dos crentes, descreveria o resultado do sacrifício de Cristo, o qual confere a seu povo

uma santidade definitiva, sem a qual ninguém poderia ver ao Senhor. Conseqüentemente,

Cristo é o santificador (cf. 2:11) por excelência em virtude de sua morte expiatória.

Em síntese: a comparação entre o serviço sacerdotal levítico e o sacerdotal celestial

de Cristo enfatiza que a fase sacrifical de seu ministério foi completada. A ação salvadora de

Jesus, o Cristo, obviamente foi realizada na história. É um feito histórico que, contudo, possui

uma validade que transcende a história. Foi exaltado e entronizado na presença de Deus, o

que promove a segurança de que é capaz de exercer o ministério da nova aliança em favor

dos quais se aproximam agora a Deus.

10:15 Paulo encontra confirmação para sua argumentação no testemunho do Espírito

Santo, segundo está registrado nas Escrituras.

É significativo o tempo presente do verbo na formula de introdução marturei/ to. Pneu/ma to. {Agion (“nos dá testemunho também o Espírito Santo”). Isto indica que através da

Page 118: Apostila exegese Nt hebreus

115

citação bíblica o Espírito está falando no presente. O Espírito Santo traz o significado do texto

passado para o presente e o faz contemporâneo com a experiência do povo da homilia.

As promessas dadas no momento que Deus anunciou a intenção de estabelecer uma

nova aliança com seu povo têm relevância imediata para o povo crente.

A citação de Jeremias 31:31-34 em 8:7-12 serviu para situar o argumento cultual de

8:1-10:18 no contexto de uma discussão pactual. A perspectiva neste ponto era o tempo de

Jeremias: a referência a uma nova aliança implicava que a antiga era antiquada e logo

desapareceria (8:13). A perspectiva em 10:15-18 é diferente. O que era uma expectação

futura no tempo de Jeremias já havia chegado a ser realidade como resultado da morte de

Cristo na cruz. Conseqüentemente, Paulo tem em vista a comunidade cristã.

10:16-17 Ao dirigir a atenção de seu público mais uma vez ao anuncio profético da

nova aliança de forma abreviada nos versos 16-17, Paulo deixa claro que a discussão

precedente sobre o sacrifício e sacerdócio está relacionada à profecia da nova aliança.

Paulo interpreta o texto em termos sacerdotais e sacrificais porque considera a antiga

aliança nestes termos. Reconhece que a obra completada por Cristo no calvário foi à

realização atual da intenção divina que destacava a lei cerimonial e a profecia

veterotestamentária. O fato de que os sacrifícios levíticos haviam sido superados pela oferta

eficaz de Cristo implicava que a antiga aliança fosse “envelhecida” (8:13) e substituída pela

nova aliança prometida.

De Jeremias 31:33-34, Paulo selecionou só alguns pensamentos em harmonia com

seus propósitos imediatos. Em seu uso livre do oráculo, enfatiza duas bênçãos da nova

aliança: (1) Deus escreverá suas leis no coração e na mente de seu povo; e (2) nunca mais se

recordará dos seus pecados e transgressões. Estes versos desenvolvem o caráter profético

da “promessa” oferecida através da nova aliança, já enfatizada em 8:6.

A primeira promessa poderia sugerir o fato que o povo de Deus nunca mais seria

confrontado por uma lei exterior. Poderia também sugerir que a palavra de Deus nunca mais

seria levada em filactérios na testa e mãos (Êx 13:16; Dt 6:8; Mt 23:5) precisamente porque

deveria estar localizado no coração. A segunda promessa é a resposta misericordiosa de

Deus à condição de Israel sob a antiga aliança, quando a observância do dia da expiação

trazia a memória os pecados cometidos. A confiança de que Deus certamente não recordaria

os pecados e as transgressões de seu povo sob a nova aliança, pressupõe a provisão de uma

oferta definitiva pelos pecados.

10:18 A conclusão ao argumento iniciado em 9:1 expressa se através de um axioma:

não existe necessidade de ofertas pelos pecados que já foram perdoados.

À luz do argumento precedente, o cumprimento do oráculo de Jeremias vincula se

diretamente a nova situação introduzida pela morte sacrifical de Jesus. A base da discussão

sobre o perdão dos pecados é a eficácia do sacrifício oferecido por Cristo na cruz. Sob as

condições da nova aliança, os pecados nunca serão um obstáculo para a relação pactual

Page 119: Apostila exegese Nt hebreus

116

entre Deus e seu povo. O crente goza de um acesso livre a Deus em adoração (10:19-22). O

único sacrifício requerido dos crentes é o “sacrifício de louvor” (13:15).

Conclusão: Através do curso do argumento desenvolvido em 8:1-10:18, foram

integrados os temas da aliança, sacerdócio e sacrifício. Paulo interpretou a antiga aliança em

termos sacerdotais e sacrificais. Esta hermenêutica explica a maneira distinta em que

relaciona a exposição do sacrifício único de Cristo ao oráculo de Jeremias relativo à nova

aliança em 10:15-18. Embora a promessa da nova aliança não tenha sido expressada em

termos cerimoniais e não faz referência a um novo sacerdócio e sacrifício, a promessa que

Deus certamente não se lembrará dos pecados e transgressões, pressupõe uma remoção

definitiva dos pecados.

O fato de que Cristo tenha vindo ao mundo para fazer a vontade de Deus sugere que

Ele seja a pessoa em quem a intenção da nova aliança se realiza completamente. Sua

submissão a vontade de Deus, mesmo em sua morte, indica que Deus escreveu suas leis

sobre o coração humano.

A morte expiatória de Cristo forneceu o meio para o perdão definitivo pelos pecados, o

que é à base da nova aliança antecipada por Jeremias. Devido seu único sacrifício ter limpado

a consciência dos crentes, Cristo santificou a comunidade da nova aliança e facilitou uma

nova relação com Deus. A morte de Cristo foi à oferta efetiva pelo pecado, que removeu todo

obstáculo ao serviço de Deus.

É responsabilidade da comunidade messiânica e pactual apropriar-se desta verdade e

atuar em correspondência e obediência a vontade de Deus.

Quarta exortação: O perigo da deslealdade a Cristo (Hb 10:19-39):

Aspectos gerais

Uma avaliação do gênero indica claramente que 10:19-39 constitui um segmento

distinto dentro do formato estrutural de Hebreus. È anunciado o começo de uma nova seção

por dirigir-se diretamente ao público em 10:19 e pela transição da exposição (7:1-10:18) à

exortação (10:19-39). Paulo resume em 10:19-21 o argumento que desenvolveu em 8:1-10:18.

Logo fornece uma base cristológica para a série de admoestações que seguem a esta seção.

Com 11:1 troca o gênero. Não é uma exortação, mas sim uma exposição sobre as

características da fé.

Com 10:19-39 conclui a divisão central da homilia (5:11-10:39). Visto diante da

perspectiva da estrutura homilética e literária de Hebreus, esta exortação final é simétrica com

a exortação preliminar encontrada em 5:11-6:20.

A exortação presente joga uma lista central com as outras seções exortatórias em

Hebreus. Contem ecos facilmente reconhecíveis de unidades parentéticas prévias em sua

argumentação (cf. 2:1-4/10:28-31; 6:4-8/10:26-31) e na repetição de expressões

características (cf. 3:6b/10:23; 3:17/10:26).

Page 120: Apostila exegese Nt hebreus

117

Por outro lado, a tríade de qualidades cristãs ao qual Paulo alude em 10:22-25

antecipa o desenvolvimento do resto do sermão: A fé de 10:22 é expandida em 11:1-40; a

esperança de 10:23 expressa se através da perseverança em 12:1-3; o amor de 10:24-25

prove a chave para a conclusão do sermão em 12:14-13:21.

Assim, então, como sumário das seções exortatórias previas e do anuncio das que

seguem, 10:19-39 marca um ponto decisivo na estrutura do sermão. Parece ser o clímax das

seções parentéticas de toda a homilia.

Comentário exegético geral

Esta seção da homilia é uma mensagem sobressalente de Paulo a seus amigos

ouvintes. É uma passagem exortatória climática que resume a exposição de Cristo como

sacerdote e sacrifício, através do qual, o autor apela para que o público aplique diariamente as

bênçãos do ministério sacerdotal de Cristo em suas vidas.

Na realidade, a discussão prévia cristológica motiva este poderoso chamado à

confiança e estabilidade que deve caracterizar a presença cristã no mundo. Uma resposta leal

a Cristo é a correspondência lógica ao auto- sacrifício expiatório pleno feito por Ele.

A seção consiste em quatro parágrafos, cada um dos quais possui características

próprias.

O primeiro parágrafo (versos 19-25) é construído como se fosse uma sentença

conclusiva. Depois de definir as bases da exortação nos versos 19-21, a exortação é

organizada em torno de três imperativos: (1) “aproximemo-nos...” (verso 22); (2) “guardemos

firme...” (verso 23); e (3) “consideremo-nos também uns aos outros...” (verso 24). Cada um

destes verbos são modificados referentes às três virtudes cristãs: (1) “em plena certeza de fé”

(verso 22); (2) “a confissão de nossa esperança” (verso 23); e, (3) “estimularmos ao amor”

(verso 24). A possibilidade de um acesso livre a Deus no santuário celestial é derivado do

sacrifício de Cristo (10:19-20). O conhecimento que na pessoa de Cristo os cristãos possuem

um grande sumo sacerdote (10:21) demonstra a relação privilegiada que a comunidade da

nova aliança já goza com Deus. A advertência para ser fiel enquanto o dia do Senhor “se

aproxima” prove uma transição ao pensamento do parágrafo seguinte.

A elaboração da exortação explica a mudança severa na forma do segundo parágrafo

(versos 26-31). Os limites do parágrafo são indicados pela repetição verbal dos termos chave

fobera,/fobero,n no verso 27 e o 31, os quais modificam a expectativa do juízo pelos que

desprezam a nova aliança.

O retorno a tom pastoral caracteriza o terceiro parágrafo (verso 32-35), onde Paulo

recorda a fidelidade dos ouvintes. Esta lembrança promove um poderoso incentivo para que o

público renovasse sua aliança de fidelidade presente e futura.

Page 121: Apostila exegese Nt hebreus

118

O parágrafo final (versos 36-39) conclui a exortação ao introduzir os termos chave que

serão desenvolvidos na seção seguinte, a maior do sermão: “paciência” (verso 36) e “fé”

(verso 39).

Finalmente pode se observar certa semelhança na formulação da declaração inicial da

exortação (10:19-20) com a sentença final da exortação preliminar (6:19-20).

Embora o vocabulário e os conceitos sejam similares, existe um grau maior de

precisão cristológica em 10:19-20, o que reflete a essência da exposição em 8:1-10:18. A

observação que o conteúdo de 6:19-20 se reformula em 10:19-20 indica o propósito de Paulo

em 10:19-39. Reitera poderosamente seu apelo por ousadia, valor e arrojo cristão expressado

através da lealdade incondicional a Cristo e a assistência às reuniões da congregação.

Page 122: Apostila exegese Nt hebreus

119

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