apostila escatologia - pe. luiz eustáquio dos santos nogueira

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INSTITUTO DOM JOÃO RESENDE COSTA ESCATOLOGIA CRISTÃ Pe. Luiz Eustáquio dos Santos Nogueira AD MMI

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INSTITUTO DOM JOÃO RESENDE COSTA

ESCATOLOGIA CRISTÃ

Pe. Luiz Eustáquio dos Santos Nogueira

AD MMI

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P R O G R A M A D E C U R S O

I. QUESTÕES PRELIMINARES

1.1. A pergunta pelo sentido da vida presente e futura numa humanidade em crisea) Três perguntas têm acompanhado a humanidade desde os seus primórdiosb) Vida ou morte? Ser ou nada? Sentido ou absurdo?c) Como legitimar a esperança cristã, como testemunhar a emergência do homem novo e definitivo

diante de uma humanidade confusa em suas direções, cética e vazia de esperanças?d) A situação é complexa e desafia a Igreja em sua missão evangelizadora

1.2. O conceito “escatologia”a) Reflexão sobre o último e definitivob) Relação entre profetismo, escatologia e apocalíptica

1.3. Texto complementar* O discurso escatológico de Mc 13,1-37 (R. Fabris)

II. A ESCATOLOGIA E SEU NÚCLEO FUNDAMENTAL

2.1. A escatologia do cotidiano em meios populares

2.2. A escatologia do cotidiano em meios letrados

2.3. A esperança do Reino de Deus em Israel

2.4. Jesus e a vinda do Reinoa) O “último” para Jesusb) A visão profética do Reinoc) A práxis libertadora de Jesus: a misericórdia aos pobres

2.5. Proximidade de Deus e liberdade humana

III. MORTE E PÓS-MORTE EM DIFERENTES CULTURAS E TRADIÇÕES RELIGIOSAS

3.1. Morte e renascimento nas religiões orientaisa) A visão hinduístab) A visão budista

3.2. A reencarnação no mundo ocidentala) A transmigração das almas no mundo antigob) A crença reencarnacionista entre os povos africanosc) A “New Age” e suas pretensõesd) A reencarnação no contexto do Espiritismo

3.3. O Cristianismo perante a reencarnação

3.4. As principais soteriologias da atualidade

3.5. Textos complementares* O Buddhismo, o Christianismo e a Reencarnação (A. Shaker)* Cristianismo e Nova Era (A. Fossion)

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IV. A BOA NOVA DA RESSURREIÇÃO E SEU SIGNIFICADO PARA O MUNDO

4.1. A crença no pós-morte em Israel

4.2. A criativa soberania do Deus da Vida

4.3. Os dados imprescindíveis da revelação cristã sobre a ressurreição dos mortosa) Dados dogmáticos fundamentaisb) Minimum antropológico

4.4. O esquema tradicional da alma separada e da ressurreição finala) A narrativa tradicionalb) Considerações históricas sobre o tema da imortalidade da almac) Avaliação crítica

4.5. O esquema moderno da ressurreição na mortea) Pressupostosb) A ressurreição dos corpos

4.6. Textos complementares* A esperança cristã - 1Co 15 (G. Barbaglio)* O ser humano enquanto carne, na história e na teologia (H. Ribeiro)

V. A EXPERIÊNCIA DE ENCONTRO NA MORTE COM O DEUS MISERICÓRDIA

5.1. Abordagem fenomenológica da mortea) Enfoque psicossocialb) Enfoque sócio-históricoc) Enfoque clínicod) Enfoque psicológicoe) Enfoque filosófico

5.2. A morte como entrega confiante a Deusa) Encarar a morte como transformaçãob) A morte empenha a totalidade da pessoa

5.3. A morte como experiência de encontro com a misericórdia do Paia) Apesar de nossas fraquezas, prevalece o amor de Deusb) A justiça divinac) Que dizer do purgatório?

5.4. Texto complementar* O juízo de Deus e a purificação para o encontro com Deus (J. B. Libânio)

VI. A GLORIFICAÇÃO DA HUMANIDADE E DO COSMO EM DEUS

6.1. A dimensão comunitária e cósmica da Ressurreição

6.2. O começo da eternidade no aqui e agora

6.3. O Espírito Santo e a comunhão dos santos (L. C. Susin)

6.4. A vida eterna que vem: novos céus e nova terra (L. C. Susin)

6.5. Notas teológicas sobre o “inferno”

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6.6. Texto complementar* O que se revela em definitivo sobre o inferno e o que é possível conjeturar (A. T. Queiruga)

6.7. Conclusão: Visão panorâmica da escatologia individual e coletiva

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BLANK, R. J. A morte em questão. Ed. Loyola, 1998.___________. Nossa vida tem futuro. Paulinas, 1991.___________. Nosso mundo tem futuro. Paulinas, 1993._________________. Reencarnação ou ressurreição: uma decisão de fé. Paulus, 1995.BOFF, L. A Ressurreição de Cristo, a nossa ressurreição na morte. 7.ed. Vozes, 1986._______. Vida para além da morte. 10 ed. Vozes, 1986.BOLLINI, C. Céu e inferno: o que significam hoje? Paulinas, 1996.CATECISMO UNIVERSAL DA IGREJA CATÓLICA. Art. 11 e 12. 4.ed., 1993. pp.238-254.COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. A esperança cristã na ressurreição; algumas questões atuais

de escatologia. Vozes, 1994.CONIO, C. Verbete "Budismo", in: FIORES, S. & GOFF, T. Dicionário de Espiritualidade. Paulinas, 1989.

pp.70-77.__________. Verbete "Hinduísmo", in: FIORES, S. & GOFF, T. Op.cit. p.483-489.DALEY, B. Origens da escatologia cristã; a esperança da Igreja primitiva. Paulus, 1994.DALLEGRAVE, G. E. Reencarnação. 7 ed. Loyola, s/d. DONIGER, W. Reencarnação no Hinduísmo, in: Concilium 249 (1993) 8-22.GIRA, D. Budismo; história e doutrina. Vozes, 1992.HEIJKE, J. Crença reencarnacionista na África, in: Concilium 249 (1993) 59-67.LIBÂNIO, J. B. & BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã. Vozes, 1985.LIBÂNIO, J. B. & OLIVEIRA, P. R. A vida e a morte; desafios e mistérios. Paulinas, 1993.LÖNING, K. Reencarnação ou ressurreição? Ressurreição e apocalíptica bíblica, in: Concilium 249 (1993) 81-90.PIERIS, A. A reencarnação no Budismo: uma avaliação do pto. de vista cristão, in: Concilium 249 (1993) 23-30.POLITI, S. História e esperança; A escatologia cristã. Paulinas, 1996.QUEIRUGA, A. T. O que queremos dizer quando dizemos “inferno”? Paulus, 1997.RAEMDONCK, A. Pourquoi le Nouvel Âge fascine-t-il? in: Lumen Vitae (1993) 247-255.RAHNER, K. A escatologia, in: Curso Fundamental da Fé. Paulinas, 1989. pp.498-516.ROBILLARD, R. Reencarnação: sonho ou realidade? Paulinas, 1984.ROSSUM, R. Reencarnação dentro do contexto de espiritismo e umbanda, in: Concilium 249 (1993) 68-80.SACHS, J. R. Ressurreição ou reencarnação? A doutrina cristã do purgatório, in: Concilium 249 (1993) 99-106.SHAKER, A. Buddhismo e Christianismo: esteios e caminhos. Vozes, 1999.NOCKE, F.-J. Escatologia, in: SCHNEIDER, T. (org.) Manual de Dogmática II, Vozes, 2001, pp. 339-426.SUSIN, L. C. Assim na terra como no céu; Brevilóquio sobre escatologia e criação. Vozes, 1995.TOOLAN, D. Reencarnação e gnose moderna, in: Concilium 249 (1993) 42-58.WALDENFELS, H. Verbete "Budismo-cristianismo", in: EICHER, P. (org.) Dicionário de conceitos

fundamentais de Teologia. Paulinas, 1993. pp.55-60.

I . QUESTÕES PRELIMINARES

1.I. A pergunta pelo sentido da vida presente e futura numa humanidade em crise

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a) Três perguntas têm acompanhado a humanidade desde os seus primórdios:

* De onde viemos?

* Em que ponto estamos?

* Para onde vamos?

- Subjacente a estas três indagações fundamentais, impõe-se uma outra mais globalizadora e crucial: qual o sentido da vida humana? Terá ela uma razão de ser ou não será ela absurda, uma completa ilusão?

- No mesmo contexto, novos questionamentos:. haverá vida após a morte?. passando a figura deste mundo, que se sucederá, quer no plano da existência individual, quer no plano

da totalidade cósmica?

- Um círculo vicioso emerge disso tudo: perguntando pelo sentido da vida presente, o homem acaba se ocupando com a questão de sua permanência e destinação futura nos pós-morte; perguntando pelo "além" (vida futura), o homem logo se percebe diretamente referido ao "aquém" (vida presente).

b) Vida ou morte? Ser ou nada? Sentido ou absurdo?

- O temor da morte, segundo Freud, perpassa o âmago de todo ser humano. Será a morte o fim implacável do viver? Nosso único destino se resume, nas palavras de Kierkegaard, em nos tornar "comida para os vermes"? A grande ansiedade humana frente à morte já é um argumento favorável à vida e à superação da morte. Não seria expressão de um desejo, mais do que isso, evidência de uma transcendência mesma latente no ser humano?...

- Afirmar ou negar um "sentido absoluto" para a vida: um ato de coragem e liberdade, um ato de fé. Homem de fé é aquele que decifra um sentido dentro da vida, um valor decisivo para sua existência. As religiões surgem, neste contexto, com o intuito de servir ao homem de fé. Visam conferir, historica e culturalmente, um sentido vital para os agrupamentos humanos.

- No Cristianismo, a proclamação de um "sentido absoluto" para a existência do homem e do mundo apresenta-se como imperativa, determinante e irrecusável. A Ressurreição de Jesus Cristo é a fonte permanente deste sentido. Do futuro de um homem, da consumação de uma vida histórica advém o sentido do presente de todos os homens e de toda a história!

- Alguns pressupostos antropológicos, válidos para cristãos e não-cristãos, esclarecem o advento desse futuro:. o homem é projeto, nele há ser e poder ser;. o homem concreto percebe-se incompleto; é abertura para um "mais"; está a espera de sua identidade

plena;. como "ex-sistência", descobre o núcleo de sua vida fora de si mesmo, numa transcendência;. ser peregrino, o homem é movido por um "princípio esperança"; no âmago do humano, o desejo

latente de crescente renovação, regeneração e aperfeiçoamento;. almejando a própria realização num futuro em aberto, o homem se abre à utopia de uma realização

radical e definitiva, que põe um término à provisioriedade histórica.

- Eis a Boa-Nova do Cristianismo: a utopia (sem lugar) se fez topia (lugar) em Jesus Cristo, o Ressuscitado. "Nele os anseios de plenitude, de patência total do ser e de reconciliação global com Deus, com os outros e com o mundo se tornaram realidade concreta. O homo absconditus se revelou plenamente e saiu completamente de sua latência. Surgiu um sol que não tramonta mais. Por isso ele está em nosso meio. Os olhos fenomenais não o vêem, mas os olhos da fé o enxergam plenificando toda

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a realidade. Em razão disso o Cristianismo se apresenta como a religião da jovialidade divina e humana" (L. Boff. A Ressurreição de Cristo, p.15).

Ressurreição da carne: o futuro fermentando o presente!

Dadivosa saída para o drama da vida,

pondo fim à tragédia e "comédia humana"!

c) Como legitimar a esperança cristã, como testemunhar a emergência do homem novo e definitivo diante de uma humanidade confusa em suas direções, cétil e vazia de esperanças?

- Uma constatação histórica: a humanidade atual, juntamente com todas as suas instituições, padece, a nível global, uma profunda crise de sentido. Alguns falam em crise global da civilização moderna. E a nova civilização? Já se encontra a caminho? Quais são as suas bases?

- O horizonte não é tão claro e promissor como imaginam, por exemplo", os "aquarianos da Nova Era". Como apregoar a harmonia individual e cósmica num planeta onde os conflitos sociais e a depredação ecológica campeam a olhos vistos? Como pensar a globalização dos povos e das culturas sem a primazia da ética e da justiça nas relações inter-governamentais? Uma simples mudança de consciência individual (descrita, por vezes, como ampliação ou pacificação da mesma) é suficiente para transmutar o atual quadro mundial?

- Outras ambigüidades e paradoxos: muito embora a pergunta pelo sentido radical da vida e pelo futuro de sua existência esteja latente em todo ser humano, ela se explicita muito parcamente na sociedade moderna, inclusive entre os que se confessam "crentes. Uma pesquisa realizada na Áustria (onde 95% da população se declara católica!), revelou um grande desinteresse das pessoas pelos temas escatológicos...

Q u e s t õ e s 1 9 7 0 1 9 8 0

Ocupou-se com a questão da vida-além-da-morte

SIM: 56%

NÃO: 34%

SIM: 49%

Vida-além-da-morte tem significado para minha vida

SIM: 57% SIM: 54%

NÃO: 27%

Indecisos: 19%

Com a morte acaba tudo SIM: 27% SIM: 30%

- Para muitos, a explicação disso se deve ao avanço do secularismo, particularmente nos países do hemisfério norte, o qual consistiria "numa visão autonomista do homem e do mundo, que prescinde da dimensão do mistério, a negligencia e mesmo a nega" (CIT. A esperança cristã na ressurreição, p.8).

- A situação no Brasil, por sua vez, não é bem diferente. Eis o que revelou uma pesquisa do Instituto Gallup realizada no país em 1990:

Você acredita em: Total Católicos com

freqüência semanal

Sem religião

Vida depois da morte 61% 64% 50,6%

Céu 74% 80,5% 55,9%

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Inferno 49,6% 55,6% 44,1%

Reencarnação 45,4% 45,9% 39,9%

- Mais outra estatística: o Projeto Pastoral Construir a Esperança da Arquidiocese de Belo Horizonte, numa entrevista recente feita junto às comunidades católicas constatou o seguinte:

72% acreditam na eternidade da alma

59% acreditam na vida depois da morte

54% acreditam na reencarnação

- O que se percebe nestas pesquisas é que, além de um ceticismo crescente com relação à vida futura - que, segundo a nossa argumentação, reflete um forte ceticismo ou crise de sentido face ao significado da vida presente -, há uma grande confusão de idéias a respeito da mesma, particularmente entre os católicos. A insegurança dos fiéis em relação às verdades da fé é muito expressiva, predispondo-os facilmente ao sincretismo religioso. Acresce-se a tudo isso outro fato de relevante importância. Se até recentemente o catolicismo detinha uma tranqüila hegemonia na América Latina no tocante ao campo religioso, a situação hoje é bem diferente. França Miranda brinda-nos como uma lúcida análise da mesma:

"O pluralismo religioso atinge (hoje) fortemente a consciência do católico. Pois gradativamente os fatores responsáveis pelo advento da modernidade no Primeiro Mundo vão conseguindo desenvolver suas virtualidades também entre nós, constituindo a atual sociedade pluralista com a conseqüente secularização da cultura, e independizando o Estado, de fato, de uma legitimação religiosa. Estes dois acontecimentos causam um sério abalo na hegemonia católica deste subcontinente, naturalmente em graus diferentes conforme as regiões. Deles decorrem outros fatores como o fim da repressão a outros credos e cultos, a invasão das seitas de origem norte-americana e a difusão de crenças orientais.

Esta coexistência de instituições religiosas lado a lado não poderia deixar de afetá-las. Já tendo de competir, numa sociedade pluralista, com outras fontes seculares de sentido, elas se apresentam como concorrentes entree si, numa situação agravada pelo proselitismo fanático e interesseiro de algumas seitas. Já se escreveu que esta situação é a de um supermercado religioso, onde a necessidade de conquistar seus adeptos pode levar as instituições religiosas a transformarem e mesmo sacrificarem seus conteúdos salvíficos, condicionando-os às necessidades mais urgentes do homem contemporâneo.

Com a chamada volta do sagrado, torna-se o atual contexto religioso ainda mais complexo. Pois sob este termo agrupam-se não só manifestações de cunho religioso, mas ainda paracientíficas, disfarçadas em embalagens religiosas, todas elas oferecendo ao homem um conhecimento e um controle (poder) sobre o seu campo vital, inacessível à racionalidade funcional ou por ela ignorado, como o futuro, o além e o próprio homem, seja em sua vida afetiva, seja na relação de seu corpo com a totalidade do cosmo. Teosofia, meditação transcendental, técnicas adivinhatórias, horóscopo, magia, seitas autoritárias, cultos afros, são alguns exemplos para a complexidade deste emergir do sagrado" ( A salvação cristã na modernidade, p.25-26).

d) A situação é complexa e desafia a Igreja em sua missão evangelizadora.

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- Há de se evitar, quer a permissividade laxista, quer o autoritarismo moralista. Através de um diálogo construtivo, como legitimar a esperança cristã para homens e mulheres fragilizados pelas dificuldades do tempo presente, repletos de ansiedades, dispersos numa sociedade e cultura pluralistas onde as propostas de sentido, por serem múltiplas e diversificadas, angustiam as escolhas?... Terá o cristianismo ou o catolicismo "convencional" (melhor que tradicional) perdido a sua capacidade de sedução? Não terá se silenciado ou se mostrado pouco atraente em suas respostas face aos grandes interrogantes existenciais do homem de hoje?

- Pouco convictos e mal trabalhados em sua própria fé, não são poucos os católicos que se ligam ao Orientalismo, ao Espiritismo ou mais recentemente à corrente da Nova Era (com suas diversas ramificações esotéricas), na expectativa de ali encontrarem melhores respostas para as velhas questões relacionadas à origem e destinação da vida humana, à existência do mal e do sofrimento no mundo etc. A teoria da reencarnação ganha, nesse âmbito, particular interesse, sendo uma crença comum a todos estes. Não obstante o visível contraste entre a visão ocidental e oriental da reencarnação - esta mais pessimista, por conceber o ciclo das vidas sucessivas como um castigo ou prisão a se libertar, aquela mais otimista, por tratá-lo como um caminho sempre evolutivo de aperfeiçoamento pessoal -, urge fazer imperar, no universo católico e cristão, o "princípio ressurreição". Uma nova abordagem e compreensão da fé cristã, mais condizente com a linguagem do homem de hoje, mas solidamente alicerçada na Escritura e na grande tradição da Igreja, nos permitirá reafirmar o dogma da ressurreição, com todas as suas conseqüências teórico-salvíficas para a existência cristã.

- Iniciaremos este percurso abordando, primeiramente, de modo bem suscinto, a concepção de vida-após-a-morte e de salvação/libertação humana vigentes no Hinduísmo, no Budismo, na Nova Era, na cultura africana, no Espiritismo (Kardecismo, Umbanda), com especial destaque à temática da reencarnação. Num segundo momento, apresentaremos os fundamentos e as características do pensamento escatológico cristão, centrado no evento decisivo da Ressurreição de Cristo.

******"Sei que sou porque já fui quando for no que serei. O futuro se urde em mim

agora (quando? passou) no centro fugaz da frágua do presente, cujo fogose acende nas brasas - que nunca se apagam - e nas cinzas invisíveis - que nunca se esfriam -

de tudo que já passou. Sei que sou porque já fui quando for no que serei".

(Thiago de Mello)

1. 2. O conceito “escatologia”

a) Reflexão sobre o último e definitivo

- Escatologia não é o estudo das últimas coisas temporais, e sim, uma reflexão sobre o último e definitivo de todas as coisas, inclusive das "coisas últimas". Todas as realidades percebem uma dimensão escatológica.

- Exploração semântica: . Tò éschaton (neutro singular) - o último de cada coisa; . Tà éschata (neutro plural) - as coisas últimas; . Hò Éschatos (masculino singular) - o Último, Deus mesmo.

- A Escatologia diz respeito ao último absoluto e transcendente. Concerne ao futuro absoluto como ao último absoluto da realidade. Enquanto momento da história, o último supera o tempo dos astros. Como grandeza definitiva, supera a imanência e a criaturidade. Independentemente do instante em que acontece, o escatológico ultrapassa a história. Na qualidade de fim último, tudo abarca e completa,

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conferindo sentido a tudo, inclusive ao que parece não ter sentido. Ao que se desenvolveu de modo fragmentário, leva ao cumprimento.

- A Escatologia, pois, intenciona falar de uma ordem definitiva, mas que se experimenta nos eventos históricos provisórios. Embora insista na condição última e definitiva da humanidade e do cosmo, deita sua raiz na experiência religiosa histórica. O último e definitivo encontra-se entrelaçado - mas não identificado/reduzido - ao temporal histórico, à vida cotidiana. No cotidiano transitório havemos de encontrar o definitivo último. Na sucessão quantitativa do Krónos, desponta-se o kairós qualitativo do eterno.

A eternidade não vem depois do tempo: ela já é!

- Tudo que é definitivo e último é escatológico. E se Deus, personificando o Último, é o Amor por antonomásia (cf. 1Jo 4,8), podemos dizer com Ratzinger que, na existência humana agraciada,

"O amor quer eternidade,o amor faz eternidadeo amor é eternidade".

b) Relação entre profetismo, escatologia e apocalíptica

- O profetismo intenta não vaticinar sobre o futuro irremediável e inevitável, mas confrontar os homens com a possibilidade de uma decisão frente a um futuro não determinado. Na existência factual histórica, o homem livre se depara com um Deus que o interpela e convoca à ação transformante. Falam os profetas da ordem escatológica ou transcendente baseando-se em termos e fatos históricos. A partir da realidade concreta, captam e expressam a instauração da ordem definitiva.

- Na apocalíptica, os anjos revelam os mistérios do céu e anunciam o novo eón iminente. Tudo já se encontra pré-determinado. Ao homem cabe a submissão ou a rebelião. Não há nada mais a mudar, nada de história, pois é o fim de tudo que se aproxima, trazendo Deus uma ordem extraordiariamente nova e radical ao mundo. Numa linguagem de cunho catastrófico, evocando o último intemporal desde um esquema imaginativo temporalista, o discurso apocalíptico, se ajuda a perseverar em momentos de grande crise, não é capaz de criar, tendendo, portanto, a ser paralisante e historicamente evasivo e mesmo conservador.

- A escatologia, por sua vez, perpassa o profetismo e a apocalíptica distintamente, suprassumindo-os. Biblicamente falando, puntualiza o caráter meta-histórico do princípio e do fim. Em relação ao profetismo, atende ao último presente na chance que chega qual interpelação de Deus. Em relação à apocalíptica, resgata e dinamiza o último aí presente enquanto horizonte aberto e transcendente. A escatologia, por conseguinte, é bem mais ampla que a apocalíptica. Enquanto esta visa somente um futuro decidido, um resultado, aquela, em sua índole profética, acompanha toda a trama da história com a marca incitante e criativa do absoluto permanentemente presente.

- Nota: a propósito das imagens escriturísticas sobre o fim dos tempos. Tratar as realidades últimas como se fossem informações reveladas por Deus é algo discutível tanto pela crítica extra-teológica quanto pela teologia mesma. A exegese histórico-crítica tem mostrado que houve má interpretação da linguagem simbólica dos enunciados bíblicos. Como vemos na elaboração tradicional dos novíssimos, as realidades últimas foram objetivadas em realidades físicas. Na verdade, o imaginário bíblico é símbolo de esperança e promessa. O relatos apocalípticos do NT aludem às realidades últimas similarmente ao modo como o livro do Gênesis narra as origens da vida. O teor de suas asserções não é de ordem fenomológica, mas simbólico-ontológico. Visam as imagens bíblicas não antecipar descritivamente os fatos futuros, mas, auto-implicativamente, expressar a absoluta dependência do homem com respeito a Deus e a dignidade responsável de nossa liberdade perante seu projeto salvífico, que inclui o abraçamento definitivo não só da vida humana mas de toda a realidade criada.

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1. 3. Texto complementar

* “O discurso escatológico de Mc 13,1-37”, in: BARBAGLIO, G., FABRIS, R. & MAGGIONI, B. Os Evangelhos I. São Paulo, Loyola, 1990. pp.571-581.

II . A ESCATOLOGIA E SEU NÚCLEO FUNDAMENTAL

2.1. A escatologia do cotidiano em meios populares

- A experiência da proximidade de Deus se faz sentir, antes de tudo, no espaço sagrado. Por um lado, esta experiência é acolhida como uma realidade salvadora atraente e fascinante, do Deus que salva, acolhe e perdoa. De outro lado, existe o temor e o medo da perda da salvação. O povo sente-se ameaçado por um Deus justiceiro que castiga, que tarda mas não falha. Mediante procissões, devoções, bênçãos, promessas e ritos vários, no espaço sagrado o povo entra em intimidade com o Transcendente.

- Também na luta diária, celebrando suas vitórias e derrotas, em suas disposições internas de coragem, serviço e solidariedade, a proximidade de Deus é sentida junto do povo. Quando a organização popular acontece como que transcendendo o interesse particular, algo de maior se manifesta. Nas canções populares descortinam-se muitos elementos escatológicos.

2.2. A escatologia do cotidiano em meios letrados

- No cotidiano dos ambientes secularizados, muito embora a experiência religiosa ganhe novo vigor em tempos mais recentes, prevalecem as perguntas em detrimento das respostas. Há, muitas vezes, um silêncio com relação à Transcendência objetiva. O risco da subjetivação religiosa é bem grande. Em situações-limite, no entanto, brotam cruciantes perguntas em torno do sentido radical. A tensão escatológica da vida faz-se, então, experimentar na espera anelante e dolorosa por uma resposta sempre distante, no impacto de uma solidão que alarga o coração, na esperança que ultrapassa as constantes frustrações e fracassos, no desejo tremendo de ser desejado, na esfera da convivialidade.

- Nos movimentos alternativos (ecológico, pacifista, feminista, regionalista) algo também de definitivo parece ser divisado, como que em resistência à fugacidade da natureza destruída, da guerra assassina, do machismo inconsistente e da cultura espoliada.

2.3. A esperança do Reino de Deus em Israel

- Israel expressa a proximidade absoluta de Deus mediante a categoria Reino. O Reino de Deus alude à soberania concreta e atuante de Deus, incorrendo em salvação definitiva a Israel e em juízo aos ímpios. Em seu aspecto dinâmico e processual, aponta para uma realidade futura desde a tensão entre o já presente e atuante de Deus e o estado definitivo de salvação ainda a vir.

- Conforme a narrativa profética, a esperança da vinda do Reino de Deus significa o sonho realizado de uma terra inteiramente transformada, segundo os parâmetros da justiça e da paz. Se se fala de um Reino realizado definitivamente no além celestial, igualmente se proclama um Reino de Deus instaurado aqui em baixo numa terra reconstruída radicalmente.

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- No tempo de Jesus, a experiência da vinda do Reino é vivida de formas bem variadas. Tanto os movimentos apocalípticos batistas assideus quanto os essênios fogem para o deserto, aguardando por meio de oração e penitência a intervenção judicatória de Javé. A observância da Torah é a forma como que os fariseus e os movimentos assideus (pietistas) da época procuram acelerar a chegada do Reino. Através das armas, os zelotas reivindicam a restauração do Reino davídico, ofuscado pelo jugo dominador romano. Interessa salientar que há uma tendência do judaísmo contemporâneo a Jesus a pensar a realidade de forma dualista e sectária: dividem-se os homens em filhos da luz e filhos das trevas, os mais puros distanciam-se do povo comum, e o amor é devotado aos escolhidos de Deus, enquanto o ódio castiga os que lhe são desprezíveis.

2.4. Jesus e a vinda do Reino

a) O "último" para Jesus

- Jesus não é o "último" (razão existencial) para si mesmo. Relendo os Evangelhos, descobre-se que Jesus não pregou a si mesmo, senão o Reino de Deus. Jesus só se compreende e é compreendido com referência a Alguém maior do que ele; sua consciência é toda ela relativa a um Outro que o definitiza.

- O "último" para Jesus não é simplesmente Deus. Jesus pregou a respeito de Deus e do Reino. Aquilo que é determinante para ele é Deus em sua relação com a história dos homens. Jesus baseia-se na tradição bíblica de seu povo, na qual Deus é apresentado como um Deus-de ou um Deus-para, nunca como um Deus-em-si.

- O "último" para Jesus é, portanto, o REINO DE DEUS, como realidade provinda e mantida por Deus, como "a vontade realizada do Pai". A grande reivindicação de Jesus é que o mundo, já neste eon, se permita transfigurar em Deus, deixando "Deus ser Deus" no meio dele.

b) A visão profética do Reino

- Proclamando a Boa Nova do Reino vindouro (cf. Mc 1,15), Jesus não diz algo inteiramente novo. Recolhe as expectativas das melhores tradições de seu povo, condensando-as sobre si mesmo. Jesus se apropria sobretudo da visão dos profetas, que enfatiza o reinado de Deus como sendo a implantação da justiça e do direito aos pobres (cf. Sl 96,13). Para os profetas, Deus é definitivamente um Deus amoroso e misericordioso, cujo amor se faz eficaz e operante na história. Falam de um Reino que chegará como reconciliação do mundo, que não experimentará mais a opressão (cf. Is 11,6; 65,21s) e que, portanto, poderá prestar um autêntico culto a Deus, porque baseado na misericórdia e no direito (e não no sacrifício, de pessoas!). Na visão profética, o Reino chega como "esperança histórica" de todo um povo e para todo um povo, "esperança ativa e lutadora contra o anti-reino".

c) A práxis libertadora de Jesus: a misericórdia aos pobres

- Na experiência de Jesus, a soberania de Deus na história se radicaliza na misericórdia universal e no amor particular aos pobres.

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- Na consciência do Mestre subjaz a tensão constante entre Reino projeto/realidade futura e Reino atuante/realidade presente. Se por um lado o Reino é missão histórica a se realizar (Lc 11,2; Mc 1,15; 9,1), por outro irrompe no mundo com a presença mesma de Jesus (Lc 11,20; 17,21; Mt 11,2-6). A chegada do Reino é simultânea à chegada de Jesus, germinalmente fecunda (cf. parábolas do grão de mostarda, da semente e do fermento, respectivamente, Mc 4,30ss; Mc 4,3-8; Mt 13,33s). Jesus é o próprio Reino em atos. Através de sua pessoa, de sua práxis, mostram-nos os Evangelhos, Deus "reina" no mundo como aquele que dá a vida.

- O Reino aparece em Jesus pelo avesso, contrariando as expectativas nacionalistas e legalistas de Israel. Jesus o introduz por caminhos não imaginados. É sensível e livre o bastante para romper com todo preconceito. Com Jesus, o Reino se aproxima dos pobres como sua utopia absoluta (Lc 4,18; Mt 11,15).

"Jesus oferece o amor de Deus a todos, mas não da mesma maneira. Jesus não tem certamente a mentalidade sectária de sua época, como se só os que pertencem a um grupo (fariseus, essênios, zelotas ou seus equivalentes...) conseguirão salvação, nem a mentalidade primariamente antagonizante. Ele aparece diretamente como evangelizador positivo, interessado na salvação de todos e desejando que o Reino de Deus se torne de todos. (...) Mas isso não impede que Jesus tivesse em mente um destinatário específico quando anunciava o Reino de Deus" (Jesus, o libertador, p.123-124).

- Jesus acolhe, ama, perdoa, liberta, impulsiona as pessoas à vida e vida solidária ("é preciso perder-se para se ganhar"). Liberta os pobres de sua miséria real através de curas e exorcismos (se os "milagres" são sinais libertadores ou clamores do Reino iminente, os exorcismos representam o começo da aniquilação do Maligno que violenta multiformemente a criação). Jesus não é portador de uma salvação meramente espiritualista. Ele salva curando, exorcizando, perdoando, "por meio de ações que afetam o corpo e a vida" (B. Lauret). Situando-se entre os pequenos, Jesus desmascara todos os responsáveis por aquela situação de morte que os faz agonizar (cf. os anátemas de Jesus contra os escribas, fariseus, ricos e governantes - Mt 23,13-36; 20,25ss).

- O lugar do pobre é um lugar privilegiado para se perceber a gratuidade do Reino de Deus e sua concretude salvífica. O Reino é dom de Deus, não pode ser forçado pela ação dos homens. Deus vem gratuitamente por amor. Jesus vive com radicalidade a lei da vida pelo amor misericordioso, tendo os necessitados como primeiros destinatários do amor. Assim sendo, revela a dinâmica do amor verdadeiro, medida pela objetividade do que se faz e não apenas pela intenção ou qualificação a priori de quem o faz.

"A misericórdia de Jesus não é um mero sentimento, mas é uma reação - ação, portanto - diante da dor alheia motivada pelo simples fato de essa dor estar diante dele. Misericórida não é, portanto, uma virtude a mais, mas atitude e prática fundamentais de Jesus. É isso o que os evangelhos sublinham e Jesus acentua, conforme o evangelho de Lucas, ao definir o homem cabal a partir da misericórdia: o samaritano «movido pela misericórdia» (Lc 10,33), e a definir o próprio Deus a partir da misericórdia: o Pai do filho pródigo «movido pela misericórdia» (Lc 15,20). E é isso que Jesus exige de todos: «sede misericordiosos como o Pai é misericordioso» (Lc 6,36)" (Ibidem, p.141).

- No evento Jesus, a bondade radical de Deus irrompe na história de modo escatológico. O Reino de Deus se aproxima da humanidade como realidade última, intimando a história a seu fim. Diante de Cristo, todo homem se coloca na perspectiva de uma decisão radical que encerra uma dimensão final.

2.5. Proximidade de Deus e l iberdade humana (baseado em notas de J. B. Libânio)

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- A liberdade humana, em contato ou proximidade com Deus - sempre último e definitivo -, não tem como se esquivar de sua verdade última e definitiva. Esta radical proximidade de Deus se estabelece:

a. Pelo ato criativo (protologia) em que Deus constitui o homem como ser liberdade e consciência, chamando-o à existencia dialogal com Ele. A liberdade insinua a dimensão escatológica da vida humana. A primeira palavra de Deus sobre o homem e o mundo já anuncia o que será a última palavra, a qual vem explicitar, iluminar e mesmo plenificar a primeira.

b. Pelo chamamento do homem a ser liberdade, anterior à própria liberdade individual. Em cada ato pelo qual o homem se constitui humanidade, vivencia ele esta proximidade (escatológica) de Deus. Por outro lado, em cada ato pelo qual o homem nega ser humanidade, também é último e definitivo na sua negatividade.

c. Pelo ato criativo em Cristo, em que somos chamados à comunhão trinitária. Desde o enfoque paulino da primazia de Cristo em toda a ordem da salvação e criação, em virtude da universalidade cósmica de sua ressurreição, qualquer encontro do homem com a criatura é uma experiência de encontro com o último e definitivo da presença de Cristo nela. Toda ação humana em relação às criaturas encerra, por conseguinte, um sentido crístico, último e definitivo.

d. Por experiências de conflito. Se por um lado experimentamos o chamado (graça), vivenciamos também a resistência ao chamado (pecado). A conversão, como regresso ao chamado na graça, não acontece de forma linear ou sucessiva, mas se delineia em meio ao conflito e a situações bastante confusas.

e. Pelas mediações da história. Nas relações com as outras liberdades, através de suas mediações positivas e/ou negativas, dá-se o amadurecimento para a eternidade. Já na história se tece o definitivo, porque se faz frente a Deus e pela força desse Deus. Na morte tal definitivo se glorifica. O que não se constrói na história não amadurece para o tempo glorificado. O que amadurece, por sua vez, não depende exclusivamente de minha intenção: depende da objetividade positiva da mediação histórica. Esta glorificação do definitivo e último da história só é possível porque participa, mediante a ação glorificadora do Espírito, da ressurreição de Cristo. O fim do mundo, pois, não equivale à sua destruição, mas à sua glorificação por Deus, que resgata-o do tempo astral e do espaço circunscrito para o tempo e para o espaço pan-cósmicos.

III . MORTE E PÓS-MORTE EM DIFERENTES CULTURAS E TRADIÇÕES RELIGIOSAS

3.I. Morte e renascimento nas religiões orientais

a) A visão hinduísta

- A morte e o renascimento são tratados de maneiras bem diversas no Hinduísmo, cabendo-nos atentar ao itinerário histórico das tradições.

α. A morte no Rig Veda

- O Rig Veda, texto conhecido mais antigo do Hinduísmo, escrito aproximadamente em 1000 a.C, apresenta a morte como parte inevitável do caos. Contudo, conclama o homem a evitá-la dentro do possível. A imortalidade, diz o texto, deve ser sempre desejada.

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- O destino dos mortos é concebido sob distintas hipóteses, a sugerir uma espécie de graduação: "o morto pode de certa forma unir-se a um corpo glorioso, presumivelmente (mas não necessariamente) no céu; seu corpo mortal pode ser, de certa forma, purificado e restaurado pelo fogo e unido aos antepassados (de novo, presumivelmente no céu); as partes do corpo podem ser dispersadas para os elementos do cosmo; ou poderá voltar ao aconchegante seio da mãe-terra. Mas em nenhum lugar se diz explicitamente que deva renascer na terra sob qualquer forma" (W. Doniger, Reencarnação no Hinduísmo, p.10).

β. O temor da re-morte na tradição brahmana

- Para os textos Brahmanas, escritos por volta do ano 900 a.C, a morte é bem mais explicitamente temida como também transcendida. Embora má e opressora do homem, a morte pode ser superada através dos ritos sacrificiais, cujas fórmulas sagradas são de propriedade exclusiva dos sacerdotes Brahmanes.

- A grande aspiração dos Brahmanas é a libertação total do ciclo de renascimento e re-morte ou do escoamento em círculos (samsara) - onde a pessoa renasce, ora como um deus ou como um homem, ora como um animal ou como um espírito maligno, numa extensão de vida em cada estado sempre limitada, que leva-a, cedo ou mais tarde, a renascer novamente em outras circunstâncias. A pespectiva do samsara para os Brahmanes se lhes revela terrificante. Se já é angustiante ficar velho e morrer, dizem eles, quanto mais passar por isso reiteradamente.

γ. O renascimento nos Upanixades

- Os Upanixades (700 a.C) invertem o Rig Veda: a vida se torna equivalente ao caos, à desordem total; a morte, ou o total libertar-se da vida (moksha), ao contrário, ilustra a ordem, qual "sonho sem sonhos". Os textos admitem tanto a possibilidade da transmigração do atman (realidade interior que faz do homem um ser vivente) após a morte como a total libertação desta vida.

- Distinguem-se dois caminhos: o dos deuses e o dos pais.

* O primeiro é seguido pelos ascetas das florestas, os quais, mediante a prática das virtudes e o conhecimento do verdadeiro saber (ou seja, a consciência da identidade entre atman e Brahman, o absoluto impessoal unificador de todas as coisas), alcançam a realidade suprema, livrando-se do renascimento. Abrem-se, pois, a uma imortalidade metacósmica. A prática da ioga, nesse contexto, é muito valorizada, enquanto meio de libertação do mundo exterior pela evasão no sono letárgico. Pela inação, busca-se evitar todo ato capaz de produzir algum fruto, seja ele bom ou mal, até que o fruto do Karma se esgote por completo.

* O segundo caminho é trilhado pelos que seguem a antiga tradição comum da família, destinados, assim, à transmigração. A imortalidade aqui se baseia no repetido renascimento que faz perpetuar a prole. Mas, se para os bons a transmigração acontece ascendentemente, até a conquista da plena libertação, bem outra é a sorte dos maus: retornam constantemente ao caos da vida. A idéia da retribuição se une aqui à teoria do Karma, se modelando em parâmetro explicativo da variabilidade dos destinos individuais.

- Na tradição dos Upanixades, assiste-se também à progressiva passagem, especialmente no círculo dos intelectuais, da concepção védica de um Deus transcendente e pessoal para a concepção de um Deus impessoal, pura energia cósmica, de onde tudo procede e para onde tudo retorna.

δ. A "roda do destino" segundo os Puranas

- No período medieval surgem os textos Puranas (500-1000 d.C). Engordam as narrativas e os mitos relativos à reencarnação. A teoria do Karma (=ação) é sancionada com todas as suas implicações. Segundo ela, as ações boas ou más praticadas pelo indivíduo ao longo da vida deixam-lhe marcas profundas, as quais condicionarão a forma de seu renascimento. Por trás dessa teoria, uma questão de

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teodicéia: como isentar Deus do mal? Como princípio cósmico, o Karma é apresentado com as seguintes características:

. não pode passar de uma pessoa para outra;

. os próprios deuses estão submetidos a ela;

. nunca é destruído, não podendo o homem evadir-se da roda do destino;

. não há juízo nem perdão - somente o ato com suas conseqüências.

- O anseio de libertação da roda do renascimento, contudo, é veemente. Alguns textos descrevem a auto-abominação do atman que se reencarna: "Nunca mais farei isso de novo, ao sair deste útero. Farei todo o possível para não me tornar embrião novamente". O nome de Siva é correntemente invocado, como o deus libertador da re-morte.

- Curiosamente, os Puranas postulam, de modo categórico, a existência do inferno. Seus mitos descrevem muitos céus e muitos infernos. Os observadores ocidentais, partidários da reencarnação, nem sempre recebem essas assertivas com agrado...

b) A visão budista

α. A origem do Budismo

- O Budismo surgiu na Índia em meados do século VI a.C, tendo como fonte inspiradora as tradições védicas e brahmanas, particularmente os textos Upanixades, cujo pensamento aprofunda e retoca em vários aspectos. Nasce num contexto de crise, quando a antiga ordem rural é substituída, não sem tensões, por um nova ordem urbana.

- O movimento budista iniciou-se com Siddhartha Gautama, nascido em 563 a.C, no reino de Kosala (fronteira meridional do atual Nepal). Descendente de uma família nobre, Siddhartha, o Buda, depois de desfrutar uma vida principesca na juventude, abandona a tudo e a todos e parte em busca da verdade que o libertaria do sofrimento do mundo do samsara. Insatisfeito com as respostas dadas por famosos mestres do Brahmamismo de sua época, aos quais havia primeiramente procurado, passou a praticar a meditação sob a orientação dos mestres de Yoga. Também decepcionou-se com os resultados obtidos. Até que, sentado sozinho sob a sombra de uma árvore, ocorreu-lhe o "Despertar", em que passou a compreender todo o mistério da morte e do renascimento, como também o da extirpação do sofrimento advindo do samsara. A partir daí, Buda (= o Acordado) saiu em pregação por mais de quarenta anos, fazendo inúmeros discípulos. Morreu em 480 a.C (aprox.), com a idade de 80 anos.

β. O Budismo Primitivo e sua doutrina

- Também cognominado "Budismo Hinayana" ("Pequeno Veículo"), atualmente representada pela escola Theravada (= Escola Antiga), o Budismo Primitivo se estendeu da morte de Buda em 480 ao ano de 340 a.C. Sua doutrina é a que está contida no cânon de Pali, fixada no concílio de Pataluputra sob a proteção do rei Asoka (274-237 a.C).

- Uma observação preliminar. Buda enfrentou a questão do sofrimento humano numa atitude nem otimista, tampouco pessimista. Deu-lhe um tratamento realista e pragmático, sem se preocupar com interpelações metafísicas. Contentou-se apenas em constatar o sofrimento presente e garantir-lhe uma solução.

* As Quatro Nobres Verdades (constitutivas da experiência do "Despertar"):

1. A vida é sofrimento.São três as características da existência, do samsara: a impermanência (anitya), a dor (o sofrimento, duhkha), a natureza não-substancial de todas as coisas (anatman).

2. Existe uma causa para esse sofrimento: o desejo.

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São três os tipos de desejo ou sede: sede de novos prazeres sensuais, sede de uma existência interminável, sede do aniqüilamento (recusa profunda à lei kármica). O perigo de todas elas está em fomentar no homem a expansão ilusória de um "eu" que, na verdade, é inexistente.

Nota: para o Budismo, o homem constitui-se não num "eu" (como pensam os ocidentais), e sim, numa combinação de energias físicas (ou agregados) mescladas em contínuo estado de mudança. Os agregados são em ordem de cinco: corporeidade (matéria), sensações (físicas ou mentais advindas do contato com objetos), percepções (noções de cor, som, odor, imagens...), compostos psíquicos (atos voluntários, impulsos, tendências...) e consciência (conhecimento).

3. Existe um meio para suprimir esse desejo e, por conseguinte, o sofrimento.A supressão do sofrimento retrata o Nirvana (=extinção). Extinção não do "eu", já que é inexistente, mas dos desejos e sedes que acarretam em ilusão e ignorância. À medida em que a pessoa vai despojando-se dos desejos egoístas, capazes de gerar atos maus, acarreta em diminuição da força vital do Karma, até que a cesse completamente. Caso isso não ocorra numa vida determinada, a pessoa volta a renascer, havendo a continuidade não do "eu", mas da mesma combinação de agregados, os quais, pela natureza dos atos anteriormente feitos, tendem a se reunir sempre de novo.

Já neste mundo, o arhat, isto é, o "homem santo", em virtude de sua vida ascética vigorosa, goza de um estado de Nirvana incompleto. Mas, em que consiste realmente o Nirvana? Não sendo composto nem condicionado, mostra-se ilimitado. Assemelhar-se-ia, todavia, ao "nada"? Embora Buda houvesse se servido de enunciados racionais de cunho mais negativo para explicar o Nirvana, jamais negou-lhe a possibilidade de vir a ser compreendido mais positivamente, enquanto horizonte de sentido ou absoluto da existência. Buda quis apenas indicar o caminho para a libertação. Quanto ao resto, silencia-se, acometido da percepção de sua indigência intelectual para alcançar o além.

4. Esse meio é o "Nobre Caminho Óctuplo".α} Conduta ética (respeito pelo "outro" que não é outro, compaixão):

(1) palavra reta --- (2) ação reta --- (3) reto meio de existênciaβ} Disciplina mental (tomada de consciência da vacuidade do eu - sunya):

(4) esforço reto --- (5) atenção reta --- (6) concentração retaγ} Sabedoria (olhar penetrante, visão analítica que leva ao "Despertar"):

(7) reta compreensão --- (8) reto pensamento

"A dor existe, mas ninguém está aflito.Não existe agente, mas é um fato a atividade.O nirvana é, porém, não há sujeito nirvanado.

Existe o caminho, mas ninguém envereda por ele."(Visuddhimagga)

* O decálogo da comunidade búdica (com vistas à extinção do fogo das paixões):

1. Abster-se de destruir a vida.2. Abster-se de furtar - ou mais exatamente, abster-se de tomar alguma coisa que não foi dada.3. Abster-se de fornicação e toda forma de impureza.4. Abster-se de mentir.5. Abster-se de licor fermentado, de álcool e de toda bebida forte.6. Abster-se de comer em horário proibido (à tarde).7. Abster-se de dançar, cantar e qualquer espetáculo.8. Abster-se de enfeitar e embelezar o corpo.9. Abster-se de usar um leito ou poltrona muito alta e espaçosa.

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10. Abster-se de receber ouro e prata.

γ. O Budismo Mahayana

- O Budismo do "Grande Veículo" surgiu no século I de nossa era, na época do forte surto missionário do Budismo na China e no Sudeste Asiástico. Com aparências de um movimento radicalmente novo no mundo búdico, o Mahayana pretendeu abrir para o grande público o conhecimento da sabedoria búdica, até então bastante restrita aos guetos monacais. Eis suas principais inovações doutrinais:

* Quanto à natureza de Buda

- Se no Budismo Primitivo a imagem de Buda era bastante sóbria, frizando-se sua estatura eminentemente humana e "histórica", o Mahayana insiste na transcendentalidade de Buda, distinguindo-lhe "três corpos", a saber: o corpo de essência (a natureza perfeita, ilimitada, inefável, transcendente e incondicionada de Buda), o corpo de metamorfose (o "corpo de essência" assim como se manifesta aos homens, tratando-se, pois, de uma existência condicionada) e o corpo glorioso ou de retribuição (espécie de corpo luminoso, bastante retratado na iconografia búdica, o qual, através de vários sinais, exprime o fruto dos atos meritórios de um Buda, realizado no decorrer de suas existências anteriores). No Mahayana, todos estes corpos são venerados pela totalidade de seus fiéis.

* Quanto à qualidade do "Despertar"

- Os mahayanistas distiguem três caminhos que conduzem ao "Despertar": o Buda-para- si (retrata a pessoa que chega por si mesma ao "Despertar" e que não se interessa pela salvação dos outros), o Ouvinte (= caminho do arhat primitivo; de quem se despertou ouvindo os ensinamentos de Buda) e o Bodhisattva ( caminho de quem aspira o "supremo Despertar", ou seja, a totalidade do conhecimento de Buda, que é oferecido ao homem extraordinariamente; todos, mais cedo ou mais tarde, estarão neste caminho, porquanto a "natureza de Buda", isto é, a "essência da budidade" seja constitutiva do ser de cada um).

- O "supremo Despertar" compreende também um novo conceito de "vacuidade". Se o "Pequeno Veículo" restringe a abordagem da "vacuidade" ao eu inexistente, o "Grande Veículo" concebe-a como característica de todas as coisas. Só há uma realidade, a "vacuidade", essência unificadora de tudo, que faz extinguir toda e qualquer dualidade. Não obstante a ilusória aparência de multiplicidade, o todo permanece sempre uno. Tal "vacuidade" ou esse "todo" é o que propriamente significa o "corpo de essência do Buda".

* Quanto ao Nirvana

- Acento negativo: desaparecem as contingências da personalidade; acento positivo: persistem os elementos sublimes do corpo "sobre-humano" de Buda.

δ. As formas do Budismo hoje

* Budismo Hinayana

-- Escola Theravada (no sudeste asiático: Sri Lanka, Birmânia, Tailândia, Camboja, Laos).

* Budismo Mahayana

-- 1) Tendência sapiencial (desde o século III): maior ênfase à meditação sobre a vacuidade de todas as coisas; busca fundamental: a sabedoria.a. Escola do Madhyamaka (Caminho do Meio) - na Índia;b. Escola do Vignanavada (Consciência Pura) - na Índia;c. Escola Zen - no Japão, especialmente.

- Aspectos principais: Satori (experiência intuitiva e direta da verdade última); Método: Zazen (meditação sentada), silêncio e koans (enigmas para implodir a razão).

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-- 2) Budismo da fé (desde o século VI): preocupação com a salvação de todos os seres vivos; busca fundamental: a compaixão.a. Amidismo - na China e no Japão (quem recorre ao Amitabha, o Buda da luz, será salvo).

-- 3) Tendência tântrica (desde o século VII): Budismo do Vajrayana (Veículo do Diamante): associa a sabedoria com ritos e práticas místico-mágicas, valorizando as representações simbólicas, particularmente de cunho sexual (enquanto o masculino representa o fenomenal, o feminino, a deusa, personifica a vacuidade, a unidade fundamental).

a. Escola Tibetana - no Nepal, na França e alhures. b. Escola Shingon no Japão

3.2. A reencarnação no mundo ocidental

a) A transmigração das almas no mundo antigo

- Conspecto geral: na Grécia clássica, a doutrina da transmigração das almas (ou metempsicose) era crida por todos. Pitágoras (século VI a.C), influenciado pelo Orfismo hindu, fez dela o dogma principal de sua escola. Dizia abertamente que apenas uma vida pura e sem máculas conduziria à libertação da "roda do destino", ou seja, do ciclo dos renascimentos.

- Platão (séc. IV a.C), por sua vez, apoiou também esta doutrina, mas encontrou na temática da "imortalidade da alma" o princípio condutor de sua filosofia. Para Platão, conhecedor dos textos Upanixades, a suprema sabedoria estaria no conhecimento ideal do eu e de Deus, interligados pelo atributo divino da imortalidade, que permitiria aos sábios vencerem a precariedade efêmera do mundo das aparências nesta abertura ao mundo transcendente e verdadeiro.

b) A crença reencarnacionista entre os povos africanos

- A idéia de reencarnação, em seu sentido clássico, é bem pouco expressiva no mundo africano. O que prevalece mesmo é a veneração generalizada dos antepassados.

- O africano concebe o homem como um ser composto, não possuidor de si mesmo. Não lhe é muito clara a distinção entre o "si próprio" e o "outro". Há um segmento da pessoa que vem de alhures. O eu africano é, em primeira instância, um eu social. O individual está em segundo plano. Como parte integrante da identidade pessoal, perfilam as gerações que a precedem.

- Na filosofia africana, o homem é, fundamentalmente, aquilo que recebe dos outros. Cabe-lhe, porém, dar continuidade ao fluxo vital iniciado com seus antepassados. Isso acontece mediante a procriação, cuja importância é preponderante para a manutenção da pessoa e do clã. Quem se subtrai à mesma, acaba excluindo-se da sociedade.

- A fragilidade do eu é evidente para o africano, já que pode ser possuído e controlado. Os sonhos noturnos servem-lhe de prova. Contudo, subsiste também no ser humano um componente invulnerável e imortal, o sibbe, "princípio vital". Recebido dos predecessores, manifesta-se sempre de novo em cada descendente, sucessivamente. Para a família não existe, pois, a morte. Esta só acontece para o indivíduo.

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- Na África, portanto, a reencarnação se restringe ao âmbito da comunidade familiar; não é automática em toda morte. Só há reencarnação entre familiares. Quem não teve filhos não se reencarna. Os pais, via de regra, não se encarnam nos filhos, e sim, nos netos. Caso a procriação não seja constante na família, corre-se o risco de haver um interrompimento no ciclo reencarnatório.

- Quanto ao número de reencarnações, fala-se de no máximo 4 vezes para os homens e, conforme alguns grupos, de no máximo três para as mulheres. Entre os Kikuyu, tribo queniana, existe a crença de uma reencarnação parcial da alma, então bipartida em dois componentes: enquanto a "alma coletiva" prolonga-se nos descendentes, a outra alma retorna aos antepassados.

- A reencarnação entre os africanos detém uma função de coabitação protetora provisória, desconhecida em outros sistemas reencarnacionistas. A presença do antepassado numa nova encarnação equivale a uma entidade protetora durante o período vulnerável da criança, quando o índice de mortalidade é muito alto. Passada a primeira infância, o "odor corporal" do antepassado tende ao desaparecimento, abrindo caminho para uma personalidade inteiramente nova. Na cultura africana, "o componente atribuído ao antepassado é um fator de continuidade, supondo-se que conduzirá o recém-nascido são e salvo através da primeira fase de ameaças à vida. O antepassado ajuda, por assim dizer, a criança nessa travessia" (J. Heijke, Crença reencarnacionista na África, p.66).

- Na convicção da maioria dos africanos, todo indivíduo é, em certo sentido, um reencarnado, por conceber a própria origem num outro. Os laços com aqueles que preparam-lhes o mundo é tão forte que os levaram a institucionalizar sua convicção no "culto aos antepassados".

- Duas observações finais: 1a - Vale salientar mais uma vez o fato de que muitos grupos africanos reconhecem, em meio à sucessão das gerações, um componente transcendental estabelecido por Deus

em cada indivíduo, como um bem próprio e inalienável. 2a - Alguns estudiosos pensam que a crença na reencarnação na África é diretamente proporcional ao índice de mortalidade infantil ali vigente. Isso nos leva a crer que, decrescendo este último, a tendência é de que também aquela diminua.

c) A "New Age" e suas pretensões

- Com mais de 30 mil adeptos oficiais nos EUA, a New Age representa uma corrente de pensamento cuja influência se alastra por vários países do mundo ocidental. Tem como contexto de origem os anos traumáticos da década de 60 e 70, quando os norte-americanos viram-se afligidos por sérios conflitos civis e assassinatos políticos e pelo desastre do Vietnã, detonadores de um grande vácuo espiritual em toda a nação. Reagindo a toda ordem institucionalizada, a New Age surgiu como uma corrente sincrética, romântica, otimista e espiritualista, mesclando e aglomerando em torno de si elementos dispersos oriundos do cristianismo, das religiões orientais, do tarô, do cabalismo, do xamamismo, da magia, do milenarismo, da teosofia etc.

- Segundo alguns teóricos, o espírito da New Age remonta a Ralph Emerson (1803-1882) e à corrente do "Novo Pensamento" (New Thought) emergida na virada do século. Crítico ardoroso das igrejas calvinistas nas Américas - segundo ele "corruptas" por anunciarem um Jesus sofredor e crucificado, ao invés de um Jesus simplesmente ressuscitado - Emerson defendia uma "auto-confiança" brotada do abismo secreto da interioridade humana, capaz de transcender inteiramente o mundo criado e decaído. Seu intento foi o de democratizar a mística da "conexão cósmica" (que remonta a Plotino, Mestre Eckhart, Jacob Boeme e outros) até então pouco acessível ao grande público.

- No New Thought, o transcendentalismo de Emerson deslocou-se para outras mãos menos puras, por um preço muito baixo. O que chamava de "auto-confiança" (ou seja, confiança em Deus em todos os sentidos) deu lugar ao que Sidney Ahlstrom intitula tradição harmonial, ou seja, a direta correlação entre serenidade espiritual - saúde física - bem estar econômico e relacionalidade da pessoa com o cosmo. "Deus se transformou no 'suprimento divino', um inesgotável posto de gasolina para

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empresários apressados. (O hinduísmo da Califórnia, da atriz Shirley MacLaine, teve muitos precedentes)" (D. Toolan, Reencarnação e gnose moderna, p.47).

- Embora os seus adeptos não o reconheçam, anti-intelectualistas e pragmáticos contumazes que são, o pensamento harmonial é que sustenta a New Age. Segundo Toolan, o reflexo das falhas daquele é fragrante nesta: utilitarismo religioso ("negócio" da transmissão psíquica ou da mediunidade), misticismo do isolamento social (os adeptos da New Age são, em geral, maus cidadãos), anti-intelectualismo, escapismo da história (retórica ascensional ultra-sobrenaturalista e triunfalista, acobertando uma visão implicitamente catastrófica da criação), "holismo" a-ético (discurso da globalização mundial alheio à questão da da injustiça social) etc.

- A tese da reencarnação, muito aceita no círculo da Nova Era, se reveste de uma feição otimista, evolutiva e magnânime jamais encontrada nas grandes tradições. A "mediunidade", convertida em indústria, patrocina a idéia comum de uma vida sem dor, bem sucedida, feliz e narcísica. Cada um pode se "autodeterminar" ou criar sua própria realidade. Toda intranqüilidade presente, se não curada pela força positiva da mente, pode ser minorada e dissolvida pela transposição a vidas passadas [ Obs: o proveito da "terapia de vidas passadas", segundo alguns autores, sem entrar no mérito da questão reencarnacionista, estaria no distanciamento psicológico estimulado via hipnose/transe, capaz de aliviar sintomas dolorosos e comportamentos nocivos, cujas raízes extrapolam a infância e o nascimento, além de servir de força de alavanca para que o paciente prossiga no caminho da vida, com maior liberdade de decisão].

E a lei do Karma? Sua embalagem na New Age é decididamente problemática. Jack Pursel, intermediário psíquico do espírito "Lazaris", a quem muitos astros de Hollywood e outras pessoas de renome acorrem em busca de aconselhamento, considera a riqueza e a abundância dos ricos do Primeiro Mundo como marcos de sua superioridade moral, em contraposição aos miseráveis do Terceiro Mundo, caracterizados por ele como contestadores espirituais. "Os infelizes só têm que se culpar a si mesmos", diz. Como enquadrar, nesse contexto, a mística do desapego e da compaixão, apresentadas pelos sábios orientais como único acesso à verdadeira felicidade?...

- Alguns adeptos ou mesmo simpatizantes da New Age defendem uma "espiritualidade" depurada destas motivações e/ou tendências não pouco honrosas. Mesmo assim, os riscos e ambigüidades da "ideologia aquariana" permanecem insuperados (cf. texto em anexo: "Cristianismo e Nova Era").

d) A reencarnação no contexto do Espiritismo

α. As fontes do Espiritismo

- O berço do Espiritismo se encontra na doutrina do pedagogo francês Hipolyte Léon Dénizard Rivail, o Allan Kardec (1804-1869), somada aos ensinamentos do movimento teosófico e antroposófico europeu do século passado.

- Allan Kardec, pseudônimo de Hipolyte Rivail, descendente de uma família católica parisiense, estudou, quando jovem, numa escola protestante da Suiça. Ali sentiu os dolorosos efeitos da intolerância religiosa, predipondo-se, desde então, ao ideal de "reformar a religião". Em 1853, influenciado pelo Mesmerismo (movimento de curas que preconizava o combate à doença, ié, a perturbação psico-física, mediante a recuperação da harmonia perdida com a natureza), envereda-se pelo caminho da parapsicologia, assumindo prontamente o imaginário da reencarnação como referencial teórico para suas pesquisas empíricas junto a fenômenos espíritas (mesas giratórias, escritas mediúnicas etc). Da teoria evolutiva de Darwin, muito em volga nos círculos acadêmicos daquela época, Kardec extraiu a noção de progresso, conjugando-a com a tese da reencarnação. Compreendida agora como uma

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escalada processual de perfeição, a reencarnação adquire no Kardecismo uma nuance tipicamente moderno-ocidental, bem estranha à sensibilidade oriental.

- Allan Kardec deixou vasta obra literária. O básico de sua doutrina está contido em três livros de sua autoria, os quais, aliás, compendiam o canôn do Espiritismo brasileiro. São eles:. O livro dos espíritos (1857 - espécie de catequese espírita);. O livro dos médiuns (1861 - aborda o Espiritismo experimental);. O Evangelho segundo o Espiritismo (1864 - interpretação espírita dos quatro Evangelhos).

β. A doutrina básica do Espiritismo

- Em O livro dos espíritos Kardec escreve: "Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, onijusto e oniválido. Ele criou o universo que abrange todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais. Os seres materiais constituem o mundo visível, o mundo corpóreo; os seres imateriais formam o mundo invisível, o mundo dos espíritos. O mundo espiritual é o mundo normal, primitivo e eterno, que existia antes de todo ser físico e que sobreviverá a tudo que é material. O mundo corpóreo é secundário. Poderia deixar de existir e jamais precisava ter existido, sem que se alterasse a essência do mundo espírita".

- São três os princípios de tudo quanto existe: Deus, espírito e matéria. Os dois últimos compõem o mundo criado, havendo, no entanto, a supremacia do espiritual (a verdadeira realidade) sobre o material. O mundo criado se divide em duas esferas: uma micromaterial e outra macromaterial. A primeira, também chamada de "mundo etéreo" ou "espírita", é a pátria dos espíritos. Embora imperceptíveis aos sentidos exteriores humanos, são bastante reais, podendo influenciar os homens na terra, quer para o bem, quer para o mal.

"O Espiritismo moderno gosta de fazer uso das descobertas e dos conceitos da física atômica. Segundo ela, existe sob a capa da realidade visível um mundo invisível das partículas e energias. Já não se concebe mais a matéria como algo 'sólido'. Os átomos podem ser considerados partículas como também ondas; a matéria pode ser compreendida também como energia. Segundo a compreensão de muitos físicos atômicos, espírito e matéria já não se excluem mais. Eles supõem que, atrás do mundo das partículas, opera um princípio espírita.

A teoria da relatividade de Einstein e os resultados da física das partículas tornam imagináveis mundos fora de nossas relações de espaço, tempo, massa e causalidade. De acordo com a física moderna, o universo é complexo e multidimensional, e acessível a nossos sentidos apenas em pequena parte. A partir dessa visão resulta a possibilidade de fenômenos parapsicológicos e de mundos 'supra-sensoriais'.

O Espiritismo se apropriou de tudo isso. Interpreta a substância dos mundos materiais como radiações de energia de condensação variada, ou também como ondas de diferentes freqüências. A esfera micromaterial, os mundos etéreos ou astrais, estão menos condensados ou têm altas freqüências; o mundo macromaterial é radiação condensada, de freqüências vagarosas e baixas. Quanto mais altas as freqüências, tanto mais espíritas e perfeitas as esferas. Assim, os mundos astrais, as esferas espíritas, podem abranger o mundo material e perpassá-lo.(...)

Tudo isso são especulações bastante vagas. Mas justamente pela adoção de teorias físicas modernas e de termos científicos recebem certa plausibilidade para muitos" (W. Jansen, Ocultismo, p.89-90).

- A antropologia espírita compreende o homem como dotado de corpo, alma e perispírito. De natureza semi-material, o perispírito corresponde a um corpo etéreo, invisível aos sentidos comuns, mas visível

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na comunicação dos espíritos. Através dele é possível empreender viagens astrais, como assinalam, por exemplo, os sonhos.

- Sobre o significado da existência humana nesta vida, Kardec escreve: "Os espíritos não pertencem eternamente à mesma ordem. Paulatinamente, eles se elevam e sobem na escala do progresso. Esta melhora se verifica pelas encarnações como homem, que também podem ser impostas a nós como expiação ou como missão. A vida material é uma provação que os espíritos devem passar repetidamente até atingirem certo grau de perfeição" (O livro dos espíritos).

- No início, todos os espíritos foram criados iguais por Deus. Na terra, eles assumem temporariamente o "casulo material" , evoluindo, cada um em seu próprio ritmo, para a perfeição final. Primeiramente, a evolução segue o preceito da "lex divina", ou seja, a lei espiritual de causa e efeito. Quanto mais alta for a qualificação moral alcançada na vida terrena, tanto mais elevado será o grau do além no qual se introduz. Em segundo lugar, a lei do progresso estabelece que o espírito sempre avança na perfeição, não regredindo jamais. Estando, pois, no estágio humano, um espírito nunca haverá de se encarnar num animal irracional.

"No Espiritismo existem dois conceitos antagônicos a respeito do caminho pelo qual ocorre o desenvolvimento do homem. A maioria dos espíritas compartilham com Kardec a idéia de que o homem tem que se purificar por diversas reencarnações (teoria da reencarnação). Outros são de opinião de que purificação e progresso acontecem no além. Inclusive espíritos superiores divergem a respeito do que é certo (o que não abona muito sua credibilidade). Kardec e o Espiritismo posterior destacam a idéia da ascensão do homem e da humanidade. Neste ponto o Espiritismo adota a crença no progresso do iluminismo do século XIX. (...) Retoma a teoria da evolução à sua maneira. Ela é transferida para a formação moral-espírita do homem e prolongada para o além" (W. Jansen, Op. cit., p.91-92).

- A lei de causa e efeito é entendida pelo Espiritismo como uma lei impreterível da retribuição de atos bons e maus. Cada homem terá que responder sozinho pelas conseqüências de seus atos. Todo pecado, por conseguinte, constitui uma dívida a ser paga irrevogavelmente. "Nem o sangue de um Deus pode redimir os pecados!" Deus não pode conceber favores imerecidos, prescrevem os espíritas. Caso contrário, seria um Deus injusto. Não pode perdoar sem a reparação dos pecados.

- O Kardecismo autocompreende-se, após as revelações de Moisés e de Jesus, como a "terceira revelação" da lei divina. Tal lei - muitas vezes conhecida por "lei natural"- se resume na moral de Jesus, ou seja, o mandamento da caridade. "Praticar a caridade é praticar a única religião válida", diz Kardec. "Sem caridade não há salvação!"

- A lei natural, segundo Kardec, não é patrimônio exclusivo do povo bíblico. Foi e está sendo revelada em todos as partes do mundo pelos espíritos, canalizados por pessoas espíritas filiadas aos vários credos religiosos de todos os tempos. Destarte, o Kardecismo como "terceira revelação" se autoconceberia como a "síntese científica" de todas as revelações anteriores.

- A pretensão do Kardecismo é de estabelecer-se como uma religião universal sem dogmas [e o que pensar dos "dogmas" da reencarnação, da lei de causa e efeito, da progressão moral, sempre descritas como impreteríveis?!...], sem liturgia, símbolos, sacerdócio organizado etc, reduzida apenas a uma moral: a do mestre Jesus. Por se falar no mestre, que imagem tem dele o Kardecismo? Rogier van Rossum escreve: "Jesus é visto como um dos muitos 'profetas' e 'mestres' divinos enviados à terra. Do relato de sua vida desaparecem completamente a morte e a ressurreição, porquanto não se enquadram na idéia de evolução, que se fundamenta no karma. Nem tampouco cabem no quadro a graça, a reconciliação e a cruz. Um homem salva-se a si mesmo. Das Escrituras ficam apenas o Decálogo e a moral de Jesus" (Reencarnação dentro de contexto de Espiritismo e umbanda, p.76).

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γ. Sobre os fenômenos mediúnicos

- O Espiritismo se autoconcebe como um sistema cientificamente válido, dotado de provas irrefutáveis para a hipótese espírita ou animista. Baseia estas provas na identificação de fenômenos vários, como aparições, (pretensas) manifestações de mortos através de médiuns, experiências de cunho "extra-corpóreo", psicografia, vidências, transposição de objetos etc.

- "A pesquisa parapsicológica constatou que os fenômenos mencionados ocorrem realmente. Embora sempre aconteçam auto-ilusões e hétero-ilusões nesta área, existem para todos esses fenômenos casos bem documentados que abonam sua facticidade. Com isso, todavia, não está comprovada a veracidade da hipótese espírita. Todos esses fenômenos e experiências podem ser explicados como processos psíquicos. Os seres transcendentes que aparecem nesses casos podem ser entendidos como 'projeção' de conteúdos psíquicos de fora. As capacidades paranormais podem ser atribuídas a poderes psíquicos (percepção extra-sensorial e psicocinese)" (Anot. na orelha do livro de W. Jansen, Ocultismo).

- Inspirações, alucinações, produções criativas, costumeiramente interpretadas como manifestações mediúnicas, evocam, no horizonte específico da pesquisa parapsicológica e da psicologia do profundo, a brecha aberta no consciente para conteúdos reprimidos no inconsciente.

"Os fenômenos que ocorrem com os médiuns - os assim chamados fenômenos mediúnicos - são explicados pela parapsicologia como 'esquizofrenia' (dissociações). Explica seu caráter assombroso e estranho (aparência de presença de inteligências estranhas) com uma 'tendência de personificação do inconsciente'. Observações e experiências da área da 'psicologia cotidiana', abonam a derivação dos fenômenos mediúnicos da psique.

'Quando estamos esperando, impacientes, por um telefonema ou estamos escutando uma palestra enfadonha, pode acontecer que rabiscamos nomes ou números, ou fazemos desenhos sem que o percebamos no momento de os rabiscarmos ou desenharmos. Posteriormente, lemos esses rabiscos como mensagens de mão estranha e talvez constatamos que o referido nome nos ocupa de forma especial' (H. Bender, Parapsychologie).

Aqui se revela uma tendência do inconsciente que, em geral, permanece oculta ao estado de consciência: o inconsciente é capaz de produção inteligente.

'Na escrita automática essa dissociação da atenção consciente continua: o médium escrevente pode produzir extensas informações, em certos casos, inclusive, romances inteiros, sem que a escrita fosse controlada pelo consciente ou até mesmo tome conhecimento dela'.

Práticas espíritas como o pêndulo, escrita automática, mesa girante, copo falante etc, baseiam-se nesses processos de pensar inconscientes e tornados independentes, e funcionam como 'tubos de aspiração do subconsciente'. A parapsicologia resume esses fenômenos sob a designação de 'automatismos psicomotores'. Visto que esses inconscientes processos inteligentes não são lembrados por nosso eu consciente, eles se nos afiguram mensagens do mundo do além. Associados a produções paranormais, provocam no desinformado participante de uma sessão espírita uma 'comoção afetiva' que, dado o caso, oferece solo fértil à interpretação espírita" (Op. cit., p.106-107).

- Os fenômenos mediúnicos acontecem, preferentemente, sob estado de transe hipnótico. Segundo os estudiosos, o estado hipnótico compõem-se das seguintes características:

. hipermnesia (capacidades supranormais de memória);

. percepção extra-sensorial (telepatia, precognição, contágio psíquico - assim compreende-se, por ex., o conhecimento adquirido por um médium sobre uma pessoa falecida, anteriormente

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desconhecida por ele. Adquire tal conhecimento através de contato telepático com pessoas vivas - próximas e distantes - que sabem algo ou bastante a respeito daquela);

. fenômenos eidéticos (tendência ao pensamento figurativo e a alucinações oníricas).

- Uma observação mais rigorosa nos indica como a estrutura psíquica do médium sofre grande influência do meio ambiente em que se encontra. A variedade das interpretações animistas dependem, diretamente, do horizonte sócio-cultural no qual estão inseridos os fenômenos. Em contextos culturais onde a crença no diabo, por ex., é bem marcante, os fenômenos mediúnicos não raro são aparentados a casos de possessão por espíritos infernais. Por sua vez, na extinta República Soviética, onde o dogma materialista era preponderante, algumas experiências artificiais de reencarnação (mediante hipnose) jamais foram concebidas como instâncias de prova científica a favor do renascimento...

- Em suma, há muito mais na psique humana do que costumeiramente sabemos. Ao invés de recorrermos sem mais à hipótese espírita, convém, primeiramente, nos acercarmos da investigação da psique e nos indagar pelos "motivos anímicos" subjacentes. Quanto ao trabalho de aconselhamento junto a pessoas oneradas com práticas e capacidades ocultas, Jansen sugere: "É importante descobrir os motivos que se escondem atrás de atividades ocultas. É preciso associar novamente com a pessoa envolvida os fenômenos 'alienantes' (por ex., 'mensagens' mediúnicas), associá-los com sua biografia, seus conflitos, seu mundo. Deve-se perguntar: que sentido têm as mensagens e os fenômenos para a pessoa envolvida? Que expressa ela com isso a respeito de si própria e de sua situação? Quer-se conseguir que a pessoa envolvida assuma a responsabilidade consciente por si mesma, sua vida, pelas capacidades e produtos de seu inconsciente. Pode ser necessário buscar outras possibilidades de solução que não sejam as oferecidas pelas atividades, grupos e doutrinas ocultas. Este também é o lugar para respostas da fé e ofertas da Igreja" (Op.cit., p.111).

δ. A reencarnação e a Bíblia: uma consideração crítica

- No livro O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec escreveu: "Não há dúvida de que, sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação era ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e os profetas confirmaram; donde se segue que negar a reencarnação é negar as palavras de Cristo". Tal afirmação, para qualquer estudioso sério das Escrituras, é de todo injustificada. Uma rápida leitura da Bíblia nos apresenta uma boa coletânea de textos explicitamente contrários à idéia da reencarnação. Eis alguns deles:

. "Está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo" (Hb 9,27); . "Em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo no paraíso" (Lc 23,43); . "Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo

que vive e crê em mim jamais morrerá" (Jo 11,25); . "Se o espírito daquele que ressuscitou Jesus dos mortos habita em vós, também dará a vida a

vossos corpos mortais, pelo Espírito Santo que habita em vós" (Rm 8,10-11).

- Os textos bíblicos corriqueiramente citados pelos espíritas para "provar" a reencarnação são, de maneira geral, tomados fora de contexto. Quando Jesus diz a Nicodemos em Jo 3,3 que era preciso ele "nascer de novo", não se refere à reencarnação, mas a um "renascimento espiritual" (nascer do alto). Quando Herodes, ao ouvir falar das maravilhas operadas por Jesus, exclamou: "É João que ressurgiu dos mortos; eis por que este poder opera nele"(Mt 14,1-2), é impossível pensar ali em reencarnação, pois João foi morto quando Jesus já era adulto. Segundo um famoso exegeta, o significado deste texto é servir apenas de introdução para a narrativa do martírio do Batista (cf. Mt 14, 3-12), cujo "interesse versa sobre a relação que une João ao Messias. A morte e a suposta ressurreição do Batista é o prelúdio da morte e da verdadeira ressurreição de Jesus" (G. Barbaglio et alli. Os Evangelhos I. Loyola, 1990. p.233). Alhures, quando Jesus fala que João Batista é o "Elias que há de vir" (Mt 11,14), não está se referindo à reencarnação. "Dizer que João Batista era reencarnação de Elias, explica Larson, é ignorar sua própria resposta àqueles que levantavam esta possibilidade: 'Não sou', declarou João

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enfaticamente (Jo 1,21). Lucas registrou claramente que foi no espírito e poder, no estilo do ministério de Elias, que João veio" (R. Rath, Nova Era, p.58).

- Um texto expressivo do Evangelho de São João, não raro olvidado pelos reencarnacionistas, põe em xeque a lei espírita de causa e efeito, cujo principal intento consiste em explicar, à custa de vidas pregressas, o porquê dos sofrimentos e retaliações da vida presente: "Ao passar, Jesus viu um homem de nascença. Seus discípulos indagaram: 'Rabi, quem pecou, eles ou seus pais, para que nascesse cego?' Jesus respondeu: 'Nem ele nem seus pais, mas para que nele se manifestem as obras de Deus" (Jo 9,1-3).

ε. O Espiritismo Umbandista

- O credo umbandista no Brasil, caso típico do sincretismo religioso em nosso país, associa a tradição religiosa africana ao Kardecismo e a alguns aspectos do Catolicismo. A lei da caridade é central na Umbanda, se mostrando como o único caminho para a salvação. Seres e espíritos divinos oferecem aos homens assistência no seguimento do caminho. Assim se exprime o credo umbandista: "Creio em Deus, o todo-poderoso e altíssimo, nos Orixás e espíritos divinos que nos trouxeram a vida conforme a vontade de Deus; creio na reencarnação da alma e na justiça divina conforme a lei do regresso; creio na comunicação com os líderes que no caminho da caridade nos precedem na prática do bem; creio na invocação e na súplica e nas oferendas tanto quanto nos exercícios da fé; creio na Umbanda como religião de redenção, capaz de nos conduzir consigo no caminho da evolução até ao Pai Orixá".

- A Umbanda assimila em seus cultos a invocação de alguns santos católicos, classificados como orixás. Todavia, a abordagem feita destes difere bastante da maneira como o Candomblé e a religiosidade genuinamente africana se referem aos mesmos. Para os umbandistas, os orixás são seres supremos, e cada ser humano possui um como seu dirigente pessoal. Através do culto, o orixá pode incorporar-se na pessoa e usá-la independentemente de sua vontade. O orixá mais alto, "Oxalá" está associado a Jesus, indicado como o líder supremo do Espiritismo Umbandista. A seu serviço se colocam os espíritos mais evoluídos, tais como os Caboclos e Pretos Velhos.

- A reencarnação, à semelhança do Espiritismo, é tida pela Umbanda como necessária para a expiação das faltas cometidas nas encarnações anteriores. Proporciona progresso individual às pessoas mediante o sofrimento e a prática da caridade. Mesmo para espíritos mais adiantados, a reencarnação pode também servir para a execução de algumas "missões" importantes.

Em resumo: A filosofia da Umbanda e do Kardecismo "consiste no constante reconhecimento do ser humano como partícula divina que, clara e límpida, flui do divino e, ao final do necessário ciclo evolutivo, é reassumida naquele mesmo estado de santidade e pureza, que é conseguido por empenho e vontade próprios" (V. Fisher).

3.3. O Cristianismo perante a reencarnaçãoTradução do artigo "Reincarnation... or Resurrection", cuja autoria é de Walter Kasper,

publicado na edição inglesa de L`Osservatore Romano de 16 de abril de 1990. Tradutor: Luiz Eustáquio dos Santos Nogueira.

“Embora muitos hoje aleguem o contrário, a Bíblia não faz menção alguma à reencarnação, tampouco o faz a Igreja primitiva. Inclusive, não são raras as passagens bíblicas que fazem explícita oposição a ela (por exemplo: 2Sm 12,23; 14,14; Sl 78,39; Lc 23,43; 2Co 5,1-8; 6,2; Fp 1,23 etc). Os antigos Padres da Igreja se intrometeram em polêmicas, por vezes bastante violentas, contra a doutrina

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da reencarnação, considerando-a ridícula e absurda. Eles firmemente negaram a possibilidade de haver, após a morte, uma última chance de conversão na base do mérito ou da culpa. Pois, o que a Igreja Católica ensina é a possibilidade de uma purificação passiva depois da morte, através do "fogo renovador" do amor de Deus que chega até nós (purgatório).

A resposta cristã para as questões da vida após a morte e da justiça divina não está determinada por uma reflexão limitada às coordenadas deste mundo, tal como ocorre com o ensinamento da reencarnação, mas pela esperança da ressurreição corporal futura e do julgamento final da história. O Cristianismo não se sintoniza com a mensagem de um renascer dentro de um mundo velho, mas faz referência a um novo nascimento, a partir "do alto", pela força do Espírito (cf. Jo 3,3ss): uma nova vida em um novo mundo, ou seja, uma vida em Deus e com Deus. As teorias reencarnacionistas oriundas deste mundo são, a partir de seu próprio fundamento, completamente irreconciliáveis com a esperança cristã.

A teoria da reencarnação, pois, não é demonstrável cientificamente; trata-se de uma crença indemonstrável, largamente difundida nos tempos atuais. Além disso, também não é certo de que as hodiernas teorias da reencarnação tenham restabelecido contato com a antiga sabedoria da espiritualidade ocidental, no sentido de se enriquecer com ela. Ao contrário, [como vimos nas reflexões precedentes], há uma diferença fundamental entre as teorias reencarnacionistas orientais (hindu e budista) e as modernas teorias ocidentais. Nas religiões orientais, o ciclo do renascimento é tido como coisa atemorizante, algo do qual as pessoas desejam se ver logo libertadas; a idéia do retorno para um novo corpo se mostra inseparável das idéias de culpa e expiação, purificação e catarse; o renascimento compreende a punição e o castigo; evoca pânico e horror.

Bem diferente é o enfoque dado à reencarnação no Ocidente. A chance de se reencarnar significa uma nova e positiva oportunidade para o indivíduo. Segundo esse modo de pensar, uma existência apenas é demasiado breve para realizar todas as possibilidades humanas e para reabilitar uma vida fracassada ou mal vivida. Aqui, reencarnação não retrata um pesado fardo, e sim um consolo: novas oportunidades são abertas! Ela não leva as características de uma libertação das carências da existência, mas muito mais aquelas de uma auto-satisfação (auto-realização) na existência.

De fato, essa visão faz parte do típico otimismo ocidental acerca do progresso, segundo o qual uma pessoa, face às suas necessidades vitais, deve encará-las com vistas à ampliação espiritual de sua consciência, como manifestação crescente da luz divina no mundo e na pessoa humana.

O que nós cristãos devemos dizer a respeito dessa nova visão do mundo e da vida? O julgamento dos teólogos católicos é absolutamente claro: as teorias modernas da reencarnação são irreconciliáveis com a esperança cristã na vida nova e eterna. Elas contradizem não apenas algumas passagens da Escritura ou pronunciamentos dogmáticos da Igreja: vão contra os conceitos básicos cristãos, como também se opõem ao conjunto mesmo da fé cristã.

Um primeiro ponto de discussão deriva da visão bíblica do tempo e da história. Enquanto quase todas as outras religiões vêem o tempo e a história mediante a imagem do eterno retorno, e consideram todos os eventos com uma cíclica repetição de um evento primordial, a Bíblia enfatiza a singularidade e a irrepetibilidade da ação de Deus na história. A vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo sinalizam algo acontecido uma vez para sempre.

Essa categoria básica da Bíblia do uma vez para sempre é valida também, de forma análoga, para a vida humana. A cada pessoa humana é dado um único período de tempo. Sábia, então, será a pessoa que conte os seus dias (cf. Sl 90,12) e se sirva plenamente de seu tempo (cf. Ef 5,16; Cl 4,5). É por essa razão que na Carta aos Hebreus se diz: "Encorajai-vos uns aos outros a cada dia, enquanto houver ainda o tempo presente". Se diz ainda com muita clareza: assim como Jesus Cristo se ofereceu a si mesmo uma vez somente, do mesmo modo "é um fato que os homens morrem uma só vez, depois do qual vem o julgamento" (Hb 9,27s).

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Somente essa unicidade da vida e da morte confere intensidade e seriedade à existência humana. A vida não é um "passatempo" qualquer; nela são tomadas decisões de modo definitivo. Cada momento é algo que jamais voltará de novo, por ser um fato único.

Um segundo ponto se refere ao conceito de unidade entre alma e corpo. Conforme essa visão, a alma e o corpo não se equivalem a duas realidades justapostas uma a outra. A alma é a forma substancial do corpo; o corpo é a expressão e o símbolo real da alma. Destarte, a esperança cristã concebe após a morte não a mera imortalidade da alma, mas da pessoa toda, como se expressa a nossa fé na ressurreição da carne, isto é, do corpo.

Comparadas a essa concepção unitária da pessoa humana, as idéias reencarnacionistas manifestam um extremo dualismo, diante do qual devemos levantar uma dupla questão: pode a identidade da alma, ou melhor, da pessoa, continuar se mantendo, se a pessoa se manifesta, sucessivamente, sob diferentes formas corporais? Não significa isso uma total desvalorização do corpo, tomado isoladamente como uma espécie de vestimenta exterior que, no final, será simplesmente lançada fora?

Um terceiro e último ponto encontra sua raiz no coração mesmo da fé cristã. A mensagem central do Evangelho concerne ao fato de que a realização da vida humana não é obra nossa, nem é o resultado de nossos próprios esforços, mas se trata de um dom proveniente da Graça de Deus. Divergindo da doutrina do karma, a doutrina cristã não concede nenhum crédito a lei do serviço e da recompensa, mas somente ao princípio dinâmico da Graça.

Tudo isso está bem representado na parábola dos trabalhadores da vinha. Por ser o dono da vinha uma boa pessoa, mesmo aqueles que trabalharam por apenas uma hora receberam a recompensa devida a um dia inteiro de trabalho, exatamente como aqueles que tiveram que enfrentar o calor e o fardo de uma jornada inteira (cf. Mt 20,1-16).

São Paulo, de modo especial, afirma com freqüente insistência que somos justificados não por nossas obras e ações, mas por meio da fé na graça de Deus em Jesus Cristo (cf. Rm 3,20-28; Gl 2,16). "Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se encha de orgulho" (Ef 2,8s).

A doutrina da reencarnação, por outro lado, reflete uma doutrina de auto-redenção e de auto-realização. O Cristianismo afirma, enfaticamente, que a última perfeição do ser humano está em Deus somente. A comunhão com Deus e a vida em Deus jamais será, em seu sentido próprio, ação do ser humano, mas exclusivamente dom gratuito de Deus. Por conseguinte, nem uma vida e muito menos várias vidas serão suficientes para levar à perfeição. A linha básica consiste em que tudo é graça.*

Qual será, portanto, a resposta cristã à questão aberta inicialmente sobre o significado da vida e da morte? Qual é a alternativa cristã para a teoria da reencarnação?

A resposta dos Evangelhos é reverberante: Deus ama a cada pessoa em sua individualidade desde toda a eternidade. Ele diz o seu Sim a cada pessoa em Jesus Cristo. O que conta agora é viver ao máximo essa vida oriunda do Sim de Deus e fazê-la totalmente nossa. Consequentemente, nada poderá nos separar do amor de Deus, nem a morte nem a vida (cf. Rm 8,38): quer vivamos, quer morramos, somos de Jesus Cristo (cf. Rm 14,8).

O amor de Deus se tornou visível em Jesus Cristo e é irrevogável. Ele não tem limite algum, mesmo quando se depara com a morte. Neste amor, também nós estamos envolvidos, seja na morte, seja além da morte”.

[* Nota pessoal: Grande ilusão é pensar que múltiplas reencarnações favoreceriam necessariamente o progresso moral da humanidade. Mirem para os nossos reincidentes: a humanidade melhorou? Como corrigir as faltas ou emendá-las se não são conhecidas? Como um ser que se experimenta finito ou imperfeito pode vir a se tornar um dia, por suas próprias forças, absolutamente perfeito? Não estaria condenado a prolongar o seu destino auto-purificante (ou auto-punitivo) ad aeternum, sem jamais alcançar o fim proposto?...]

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3.4. As principais soteriologias da atualidade

Q U A D R O C O M P A R A T I V OA l g u m a s " s o t e r i o l o g i a s " d a a t u a l i d a d e

BUDISMO CRISTIANISMO ESPIRITISMO NOVA ERA

Visão do mundo

Existem sucessi-vos mundos, em planos espiritu-ais diversos

Criado por Deus; realidade finita distinta do Criador; o Espírito divino sustenta o Universo e garante, transcendentemente, a evolução da matéria, cujo epife-nômeno é o espírito

Criado pelo Deus único, divide-se em mundo material (visível, corpóreo, secundário) e mundo espiritual (etéreo, invisível, eterno, verdadeiro); o mundo espiritual é a "pá-tria dos espíritos", que exercem influência sobre a terra

Emanação e exten-são de Deus; tende a unificar-se (globa-lizar-se), suprimin-do todas as diferen-ciações

Conceito de ser humano

Não passam de uma combina-ção de "agre-gados"; inexiste o "eu" (anat-man); partici-pam da essen-cialidade búdi-ca

Homem e mulher são "imagem e semelhança" de Deus (Gn 1,27), participantes, por graça, da filiação em Cristo (Rm 8); criaturas livres e co-criadoras, vocacionadas à vida em comu-nhão; dotado de um eu pessoal socializante, o ser humano é uma unidade polidimensional: corpo (exterioridade), mente (interi-oridade) e espírito (transcen-dência)

Partícula divina, eterna e pré-existente ao corpóreo, que flui do divino e se lança no ciclo evolutivo; na terra, o ser humano é composto de corpo, alma e perispírito (corpo etéreo)

O ser humano é parte integrante de Deus; enquanto consciência pura, é em última instância, uma realidade im-pessoal e sem futuro

Con-ceito de Deus

Inefável, in-compreensível, impessoal, in- tangível ao ho-mem

Comunhão Absoluta tri-pessoal (P-F-ES): "Deus é Amor" (1Jo), Misericórdia infinita, Fidelidade eterna; é suprema Liberdade Vivificante, criando, auto-comunicando-se e santificando a criação

Ser eterno, imutável, ima-terial, único, todo-pode-roso, onijusto e oniválido; não se mistura com a matéria; im-placável na defesa de suas leis; inteligência suprema, causa primeira, impessoal

Energia imanifesta, "todo indiferençá-vel" unitário e im-pessoal; não detém atributos, superan-do toda dualidade, inclusive, o bem e o mal

Lei cós- mica

O karma =ação; a "roda do des-tino"

A liberdade criativa e amorosa, a Graça do Espírito

Lei da retribuição moral de causa e efeito

A unificação fusi-onal

Ressurreição ou reencarnação

Reencarnação(enfoque nega-tivo: deve ser superada)

Ressurreição (glorificação huma-na e cósmica em Cristo)

Reencarnação(enfoque positivo: a serviço da evolução progressiva)

Reencarnação(enfoque pragmá-tico: uma idéia con-fortável)

Noção de salvação humana

Despojamento total

Libertação dos entraves da lei, do pecado e da morte; DOM da plenificação e realização suprema do humano; reconciliação univer-sal; abundância de amor e de vida, na GRAÇA DE DEUS

Perfeição moral Harmonia vital e interconexão cósmi-ca (sentimento de re-ligação)

BUDISMO CRISTIANISMO ESPIRITISMO NOVA ERA

Causa do sofrimen-to huma-no

O desejo huma-no, a ilusão da extensão do "eu"

Ruptura da aliança de amor com Deus, com o próximo, consigo mesmo e com as demais criaturas - a nível pessoal, social e cósmico;solidariedade no pecado e ino-cência: o mal é enigmático...

Atos maus ou imperfeições cometidos em existências anteriores

Estreiteza de cons-ciência; ignorância metafísica

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A Boa-Nova

O "Despertar", o conhecimento libertador

A "Redenção" em Cristo: miseri-córdia afirmadora de VIDA

A "auto-redenção" evolutiva mediante a prática da cari-dade

A "iluminação se-creta"

Meio de liberta-ção

Desprendimen-to total pela me-ditação liber-tadora e pela ascese da com-paixão

Conversão pessoal e social para a vida em comunhão, na práxis do amor e da justiça = "seguimento de Jesus"

Expiação das culpas pela prática da caridade

Auto-divinização pela gnose e conhe-cimentos superiores

A reali-dade úl-tima

O "Nirvana", realidade silen-ciada e silen-ciadora

"Reino Celestial";humanidade e cosmo glorificados em COMUNHÃO eternal com Deus

Regresso ao estado original de santidade e pureza espiritual; eliminação total de qualquer resíduo material

Fusão no "todo indi-ferençável"

3.5. Textos complementares

I. “O Buddhismo, o Christianismo e a Reencarnação”, in: SHAKER, Arthur. Buddhismo e Christianismo; esteios e caminhos. Petrópolis, Vozes, 1999. pp.111-119.

II. FOSSION, André. “Christianisme et Nouvel Âge”, in: Lumen Vitae (1993) 256-261.

Cris t ianismo e Nova Era

Que relações existem entre o Cristianismo e aquilo que se convencionou chamar de "Nova Era"? O Cristianismo se opõe a ela? Foi passado adiante ou absorvido pela mesma? Ou ao contrário, em meio às novas aspirações religiosas que agitam o mundo de hoje, encontrará o Cristianismo uma renovada pertinência ?

Que é afinal a "Nova Era"?

Ela não se presta facilmente a uma definição; se apresenta muito mais como uma mentalidade difusa, que dá lugar a uma nebulosa de teorias e práticas, encontrando sua inspiração no entrecruzar de múltiplos interesses e domínios, a saber: as grandes sabedorias e tradições religiosas - em particular o Cristianismo e as religiões orientais -, as ciências da matéria, dos fluxos energéticos e do cérebro, a ecologia, os saberes ocultos (astrologia, esoterismo, espiritismo...), a psicologia do profundo, as técnicas de expansão da consciência, as medicinas alternativas, as terapias mentais e relacionais de toda espécie. Certamente, o fato de alguém se preocupar, por exemplo, com a ecologia ou praticar as medicinas alternativas, não significa, propriamente, que esteja filiado à "Nova Era". Adquire-se a sua mentalidade a partir do momento em que os diferentes domínios acima relacionados (ou parte deles) são vistos como que sintonizados e integrados a um nível de conhecimento superior que procura unificá-los. Nesse caso, é a globalidade da existência e a maneira de ser, de pensar e de agir que realmente contam. Por isso, podemos afirmar, usando uma expressão de Jean Vernette, que a Nova Era equivale, ao mesmo tempo, a "uma terapia, uma arte de viver e uma religião" (Le Nouvel Âge, 1990. p.86).

* Uma terapia: a Nova Era, com efeito, se apresenta como um caminho de salvação num mundo excessivamente regrado, onde a vida cotidiana está submetida a um conjunto de obrigações extenuantes: estudo, trabalho, concorrência, mudanças etc. Se a pessoa não se cuida, a vida soa-lhe despedaçada, estilhaçada, sofrida, roubada. Face a este mundo, a Nova Era pretende que a pessoa, de alguma maneira, recupere a própria existência, suas energias vitais, sua capacidade de gozo e de comunicação com os outros. Parte do princípio de que as sabedorias ancestrais, as religiões, o convívio com a natureza, as técnicas meditativas, as terapias mentais podem muito nos ajudar, como um antídoto para esse universo tão fragmentado e sem vitalidade. Com sua sensibilidade própria, a Nova Era clama por um bem-estar

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integral - corporal e mental, expressa numa sensação de harmonia entre os seres e as coisas, o eu e os outros.

* Uma arte de viver: a Nova Era se apresenta, igualmente, como o reflexo de um salto qualitativo, de uma mudança na consciência de si e do mundo, moldada numa nova arte de viver e de pensar que conduz à descoberta e à experiência da harmonia secreta - ainda largamente inexplorada - das coisas e dos seres. Tal arte de viver supõe uma conversão, uma iluminação da inteligência, para que se ultrapasse o vazio de sentido típico dos tempos atuais. Donde o interesse da Nova Era, na sensibilidade que lhe é própria, pelas ciências e teorias ocultas, esotéricas e gnósticas que, de alguma forma, liberam um acesso ao sentido secreto da realidade.

* Uma religião: a Nova Era se apresenta, enfim, como uma "religião", não no sentido de doutrina organizada, mas, conforme o sentido etimológico do termo religare (= religar), como uma maneira global de vincular-se aos outros e ao mundo. Segundo ela, urge fixar-nos sobre os fluxos positivos que atravessam o universo, de modo a captar-lhe "as energias adormecidas e chegar, finalmente, à 'consciência cósmica' que se identifica com o divino" (A. van Raemdonck. Que penser de? Le Nouvel Âge, 1991. p.16). "A idéia essencial é que a humanidade está a caminho de entrar, às vésperas do ano 2000 e da passagem astrológica de Peixes para Aquários, num novo tempo de tomada de consciência espiritual e planetária, de harmonia e de luz, marcado por profundas mudanças psíquicas" (J. Vernette, Op. cit.).

Essa sensibilidade religiosa da Nova Era se apóia sobre o Cristianismo, como também sobre outras religiões, porém, relativizando-as e mesmo passando adiante delas. O Cristianismo surge, na verdade, como uma figura entre outras da manifestação do divino. De algum modo, a Nova Era crê poder libertar o Cristianismo de seus próprios limites e estreitezas associando-o, livremente, a outras tradições religiosas ou espirituais, segundo a variedade de seus registros. Assim fazendo, ela o reinterpreta sob novas luzes, numa consciência nova e alargada do divino.

Tais perspectivas, ao menos à primeira vista, podem suscitar fascínio e exultação. Coletando múltiplos valores, traduzem uma imensa aspiração a que haja no mundo mais bondade, comunhão e paz. O projeto consiste em alcançar um novo estado de consciência e fazer nascer a religião nova, dos quais terá necessidade o mundo de amanhã.

Possíveis desvios

Nem tudo são rosas na Nova Era; seu poder sedutor acarreta, não raro, uma série de desvios, os quais, humanamente falando, pedem um olhar mais crítico. Eu gostaria de destacar três deles, falando aqui não tanto como cristão, mas, simplesmente, como qualquer outro homem.

* A credulidade: não deixa de estranhar-nos a extrema credulidade com que a corrente da Nova Era se acerca de toda espécie de gnoses, esoterismos, revelações secretas, práticas ocultas etc. Tudo se passa como se a sociedade desiludida em que vivemos levasse-nos ao embotamento do espírito crítico. É verdade que o homem de hoje ressente a necessidade de crer novamente. Tal imperiosa necessidade, porém, pode dar dá crédito, sem qualquer discernimento crítico, a uma abundância de teorias ou de práticas incomuns à vida ordinária, que parecem dar acesso ao mistério escondido da existência. De certo modo, a razão se submete aqui aos imperativos da emoção. Essa credulidade conduz a fenômenos de dependência com relação àqueles que divulgam teorias místico-religiosas ou que pretendem deter certos poderes ocultos ou saberes secretos. Além disso, acontece, também, na maioria das vezes, uma acentuação do determinismo das coisas, como ocorre, por exemplo, na astrologia. Com muita freqüência, a crença numa ordem determinista do mundo acaba subjugando a decisão livre e pessoal. Essa perda do espírito crítico constitui "a expressão de um narcisismo dominante que privilegia as emoções e a dependência para com os líderes carismáticos, a efusão e a imediatez da presença divina, a crença sem muitas razões e o imaginário em detrimento da palavra" (T. Anatrella. Les religions de la mère ou la tentation fusionelle, in: Christus 154 (1992) p.242ss).

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* O perigo da confusão: a falta de uma razão crítica e de uma liberdade mais firme faz também com que tudo seja, indistintamente, posto sobre o mesmo plano. Donde uma mentalidade sincretista em que estão associadas, muito confusamente, diferentes tradições religiosas, reinterpretadas mediante o contato com novas teorias ou práticas. Esse sincretismo escolhe e reúne elementos esparsos de diferentes tradições, dando-lhes um sentido que não se encontra em seu contexto próprio de origem. Assim, por exemplo, podemos encontrar em certas correntes da Nova Era citações bíblicas ou referências a autores como um Mestre Eckhart ou Pierre Teilhard de Chardin, desvirtuadas, contudo, de seu sentido real. Ou ainda, a utilização fragmentária de algumas teses científicas na elaboração de certas teorias do "real" que, na verdade, não inspiram nada de científico, embora conservem tal aparência. Além disso, no contexto dessa mentalidade sincretista, a necessária vontade de crer não se dá por satisfeita completamente: crenças e mais crenças se amontoam uma sobre as outras, num processo sem fim. Essa mistura de crenças acaba confluindo para uma espécie de indiferenciação que, de um lado, faz aumentar ainda mais a perplexidade e, de outro, concede ao divino uma imagem definitivamente sem rosto. Com efeito, o Deus da Nova Era se apresenta como o "grande todo" indiferenciado. Chega-se assim à vaga crença numa força energética, confusa e anônima, a que chamam "Deus".

* A evasão do real: o terceiro desvio consiste numa certa fuga do real e de seus desafios éticos. Existe aqui algo de paradoxal: se a Nova Era pretende conduzir a uma consciência mais aberta do real, o faz desenvolvendo a atração pelo estranho e por fenômenos ocultos. De fato, encontramos nos bastidores da Nova Era muito mais "revelações" das profundezas que análises rigorosas das estruturas de pobreza no mundo ou propostas de ação competente para transformá-las. Por fixar a atenção sobre a "face escondida" das coisas, a Nova Era corre o risco de dar livre espaço à imaginação, a ponto de ocultar as realidades sociais, na concretude das questões e desafios que nos interpelam à ação. Embora a Nova Era se declare a favor da paz universal, é preciso reconhecer que suas buscas e práticas permanecem, no mais das vezes, centradas sobre o "eu", sem tocar nas realidades sociais. Nesse sentido, a Nova Era constitui-se numa das figuras do individualismo contemporâneo, tão característico de nossas sociedades neo-liberais.

Os três desvios acima mencionados compõem uma espécie de encosta escorregadia sobre a qual a Nova Era se arrasta. No entanto, o rumo traçado não é inexorável. O esforço por maior lucidez, o sentido da liberdade e da responsabilidade ética, permanecem, todavia, vivos na cultura contemporânea. É por isso que eu também creio que a fé cristã, longe de ser engolida pela era vindoura, manterá, ao contrário, todo o seu poder de sedução. Justifico-me por três razões básicas.

A diferença cristã

* Um Deus pessoal: como vimos, a Nova Era falha por considerar o divino como um "grande todo" indiferenciado, como uma força energética anônima e sem rosto. A originalidade, a audácia da fé cristã está, ao contrário disso, em reconhecer um Deus pessoal que dá vida, que se volta para a humanidade criada, estabelecendo com ela uma relação de aliança. Que Deus seja pessoal, que Ele mesmo se experimente como uma comunhão de Pessoas - Pai, Filho e Espírito - as quais somente subsistem a partir de suas relações mútuas, diz respeito, igualmente, ao próprio cerne de nossa existência humana pessoal e coletiva. Para a fé cristã, Deus que é em si mesmo comunicação interpessoal, se comunica a nós e também nos dá de comunicar. Isso significa que, se eu me aproximo de Deus, a partir do convite que me é feito, não é para que eu me perca ou entre em fusão com Ele, mas para receber a graça de tornar-me ainda mais eu mesmo, numa comunhão interpessoal com Deus e com os outros. Isso também nos faz libertar totalmente do temor de Deus. Remetendo-nos ao relato bíblico da criação, vemos ali como que a insinuação diabólica feita ao coração do homem consistiu em falsificar a imagem de Deus, introjetando nela o medo a seu respeito.

A primeira tentação é bem essa a do temor de Deus. Daí, segue-se a vontade de preservar a própria vida, face a um universo ameaçador, privado de sua bondade original. Daí, também, a desconfiança, não apenas para com Deus, mas para com os outros. Assim começa, a partir do temor, a história da violência humana. Na fé cristã, porém, o Cristo, reconhecido como Filho de Deus, surge, precisamente, como

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aquele que, vivendo entre nós na fragilidade de uma existência vulnerável, liberta-nos do medo, restaurando-nos a confiança absoluta e convidando-nos a dirigir a Deus dizendo-lhe Pai Nosso: "Não recebestes um espírito de escravo, para recair no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba, Pai!" (Rm 8,15), escreve São Paulo. Ousando aproximarmo-nos assim de Deus, reconhecemos a presença de uma bondade pessoal que nos chama à existência, como origem permanente de nossa vida.

Esse Deus pessoal faz-nos participar, pessoal e coletivamente, de nossa própria gênese; uma gênese sempre em curso e certamente arriscada, repleta de transformações porquanto entregue à nossa liberdade; uma gênese que ainda não se concluiu e que, com nossa participação, nos arranca da morte, dia após dia, enquanto caminhamos para nosso pleno acabamento final. Destarte, a fé cristã convida-nos a uma confiança absoluta, no seio mesmo de nossa condição mortal, para com Aquele que nos dá a vida, que nos quer para sempre, sendo, pois, capaz de ressuscitar-nos da morte, assim como foi capaz de suscitar-nos a vida nos albores da criação. A ressurreição, cuja esperança foi-nos aberta pelo Cristo, é o cumprimento do gesto criador de Deus: o dom da vida em abundância. Todo aquele que vier a crer nesta Boa Nova, protege-se da tentação desses sincretismos reducionistas que fazem do divino um "grande todo" indiferenciado, anônimo e sem rosto.

* Uma fraternidade ativa: um dos possíveis desvios da Nova Era, como já observamos, é sua tendência de fugir para teorias e práticas que extrapolam o ordinário, dando maior crédito a tudo que é estranho, afastando-se, finalmente, do real. Ao contrário, ousar aproximar-se de Deus, chamando-o de Nosso Pai, reconhecer-se, conseqüentemente, como filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs em Jesus Cristo, tudo isso equivale a ver-se comprometido com as exigências da construção de um mundo mais fraterno e mais justo, nas condições concretas da história. A fé cristã, nesse sentido, afasta-nos do fascínio pelo oculto e estranho, enquanto nos conduz, efetivamente, ao exercício concreto da relação fraterna.

Os profetas na Bíblia sempre se mostraram contrários as tendências místico-religiosas, cultos, sacrifícios ou orações que pudessem afastar as pessoas da compaixão para com os pobres. Eis o apelo de Deus a Israel: "Rompam as cadeias injustas, devolvam a liberdade aos oprimidos, partilhem o pão com os famintos, alberguem os pobres sem abrigo" (Is 58,6-7). No Evangelho, exemplar é a conduta do bom Samaritano, e não a do sacerdote ou do levita que se afastaram do homem ferido, porquanto fechados num orbital religioso distante do mundo real. Assim também para os cristãos, a busca espiritual, o culto e a oração não podem se separar da luta por um mundo mais justo e fraterno, o que exigirá uma profunda análise das realidades concretas quanto o serviço competente de todos, somados aos préstimos da ciência e da técnica. Por esse fato podemos dizer que o Cristianismo salva-nos da miragem das "profundezas escondidas", lançando-nos à "superfície concreta das coisas", ou seja, ao serviço mútuo.

* Uma fé crítica: o terceiro desvio da Nova Era anteriormente apontado dizia respeito à sua credulidade. A fé cristã, ao contrário, reage à mesma, conclamando ao exercício da razão crítica. Além disso, ela não se baseia na "crença" em coisas estranhas, escondidas e não verificáveis, mas na "confiança" dirigida a uma pessoa e à sua palavra. Se os cristãos são crentes, o são no sentido literal do termo, ou seja, eles "se fiam" no Cristo, não cegamente, mas auxiliados pela razão. Certamente, a fé vai muito além da razão, mas não está desprovida de razão, devendo se aliar a todo esforço de inteligência crítica. A Tradição cristã, a esse respeito, pode se honrar de haver promovido pesquisas filosóficas e científicas e de ter se submetido, no processo mesmo de afirmação da fé, a rigorosas exigências oriundas dos campos da exegese, da história e da teologia. Assim sendo, é fácil compreender porque o Cristianismo adota também uma atitude crítica com respeito à Nova Era, não com o intuito de desprezá-la, mas visando uma melhor autocompreensão de si próprio e um diálogo mais fraterno e promissor com quem quer que seja. Salutar para todos, a razão crítica é, com efeito, fiadora de nossa comum humanidade.

Tradução de Luiz Eustáquio S. Nogueira

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IV. A BOA NOVA DA RESSURREIÇÃO E SEU SIGNIFICADO PARA O MUNDO

"Nós cristãos não estamos ameaçados de morte. Estamos ameaçados de vida, de esperança, de amor...

ameaçados de ressurreição..."

(J. Calderón Salazar)*

"Como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou.

E se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia é também a vossa fé. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram".

(1Co 15,12-14.20)

*

"Fiducia christianorum resurrectio mortuorum; illam credentes, sumus"(A confiança dos cristãos é a ressurreição dos mortos; crendo nela, somos cristãos).

(Tertuliano)

*

“Vem! Que o sedento venha, e quem o deseja, receba gratuitamente água da vida”.

(Ap 22,17b)

*

"Cristo é o fim e a meta de nossa existência;para Ele nos devemos encaminhar com o auxílio da sua graça

nesta breve vida terrena.A séria responsabilidade deste caminho pode ser reconhecida

pela grandeza daquele para quem nos dirigimos.Não é outra existência terrena semelhante a esta que aguardamos,

mas é a Cristo que esperamos,supremo cumprimento de todos os nossos desejos".

(Com. Intern. de Teologia)

*

“Eu não morro, entro na vida”.

(Santa Teresinha do Menino Jesus)

4.1. A crença no pós-morte em Israel

- Num primeiro momento, a crença no pós-morte inexiste em Israel. A convicção é de que com a morte a vida chega a seu derradeiro fim. O ideal de uma vida longa aqui neste mundo representa o grande sonho do povo. Ao contrário do povo egípcio, não há nenhum culto aos mortos em Israel.

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- Mais tarde, sob a influência do Egito e da Pérsia, Israel passa a aceitar a idéia de "mansão dos mortos" (sheol). Ali, viveriam os homens feito sombras, longe de Deus e dos homens.

- Surge, no entanto, um questionamento: a fidelidade de Deus acaba com a morte? A convicção de fé de que Javé seja mais forte do que o sheol e não abandona o homem na morte vai se impondo progressivamente (cf. Os 13,14; Sl 73,21-26; 1Sm 2,6).

- No judaísmo tardio, o pensamento grego de corte dualista inspira a literatura sapiencial. Enquanto o corpo desaparece na terra, as almas dos justos são recebidas nas mãos de Deus. Por outro lado, na literatura apocalíptica desenvolve-se a crença na ressurreição dos corpos (cf. 2Mac 7,9). Se os acontecimentos históricos frustram a realização do Reino de Deus, Deus há de fazer justiça às vítimas da história. Se a justiça exige ressurreição dos bons para serem recompensados, clama, igualmente, pela ressurreição dos maus, a fim de que sejam punidos.

4.2. A criativa soberania do Deus da Vida em Cristo

- A comunidade de fé da nova aliança é veemente ao dizer: Deus "não é Deus dos mortos, mas sim dos vivos" (Mc 12,27). Dele brota permanentemente a vida. O fundamento desta esperança radica-se na ressurreição de Jesus Cristo (cf. 1Ts 4,13s; 1Co 15,12-18.20-22). O Deus que se mostrou ao filho sempre leal durante a vida, o é também sobretudo por ocasião de sua morte. Pela experiência da ressurreição, Jesus chega à plenitude do Reino de Deus. Sua existência mortal vê-se então transformada e radicalmente revitalizada pelo querer mais íntimo (pelo Espírito) do Pai em existência gloriosa e plenificada, definitivamente liberta das amarras do sofrimento e da morte (cf. At 2,31-34; Hb 13,20; Jo 17,1).

- A ressurreição de Jesus significa que Deus faz reviver! Também nós, filhos de Deus, co-herdeiros de Cristo (cf. Ef 3,6), recebemos a promessa da ressurreição e devemos nela confiar (cf. Hb 9,15; Rm 6,4s). Com Cristo, no Espírito, haveremos de ser ressuscitados pelo Pai, glorificados, no Amor, para o Amor (1Co 15,22; (cf. 1Co 15,22; Rm 5,17). Causa e espaço de nossa ressurreição, a ressurreição de Cristo torna-nos vivos e livres para Deus.

4.3. Os dados imprescindíveis da revelação cristã sobre a ressurreição dos mortos

a) Dados dogmáticos fundamentais

1. Há uma continuidade e descontinuidade entre a vida terrestre e a vida glorificada. Exclui-se, pois, qualquer destruição do eu humano, já que ele permanece, como também qualquer continuidade natural, havendo uma profunda transformação da condição humana. Com efeito, a vida humana não termina no nada.

2. O homem todo chega à plenitude na dupla dimensão de matéria e espírito. Tanto a perspectiva de uma glorificação exclusivamente espiritual quanto a posição materialista de uma existência culminada no nada são inaceitáveis.

3. Há uma identidade pessoal entre o homem histórico e o ressuscitado. Exclui-se a posição da perda da identidade na história (marxismo) ou nalgum anonimato coletivo (doutrina do nirvana no hinduísmo) ou através de sucessivas reencarnações (espiritismo).

4. A plenitude da pessoa humana se alcança no final dos tempos em comunhão com a humanidade e o cosmo glorificados. São inaceitáveis a idéia de uma aniquilação do cosmo e do homem quanto a de um processo cíclico evolutivo entre matéria-espírito-matéria (Engels).

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5. A vida eterna é graça de Deus. A eternidade da vida humana não decorre de uma suposta natureza espiritual e imortal da alma (posição helenista).

6. Existe a possibilidade de estar com Deus imediatamente depois da morte. As teorias do sheol e as reencarnacionistas são aqui rejeitadas.

7. O cosmo participa da glorificação plena do homem. Não há lugar para um espiritualismo puro, desencarnado. Toda a matéria participa dos desígnios plenificadores de Deus.

b) Minimum antropológico

1. Há uma relação intrínseca entre espírito e matéria, de modo que só é ser humano o composto.

2. Existe um núcleo pessoal material-espiritual indestrutível e insubstituível que garante a identidade humana na história e para além da morte.

3. O destino de cada homem está ligado ao destino dos outros homens, da história e do cosmo , sendo indefensável a proposição do homem como um indivíduo solipsista.

4. O homem é criatura finita de Deus, chamado a estar diante dele em atitude de responsabilidade. Detém o homem uma “potência obediencial” que o capacita a ser por Deus assumido numa vida de intercomunhão. A antropologia judaico-cristã recusa tanto a crença de uma alma humana divina e pré-existente que já tivesse em si garantida a vida eterna como a concepção de um homem encerrado em sua autonomia absoluta, fechado, pois, à Transcendência.

4.4. O esquema tradicional da alma separada e da ressurreição final

a) A narrativa tradicional

- No instante da morte, a alma individual separa-se do corpo terreno e é levada para junto de Deus. Encontrando-se com Ele, ela é julgada individualmente, recebendo a devida recompensa de bênção ou castigo. Conforme o valor de seus méritos e o peso de suas culpas, a alma provará, por maior ou menor tempo, o "fogo purificador" do Purgatório, alcançando, em seguida, a bem-aventurança do Céu. Se não houver reparação para as suas faltas, o Inferno será já o seu implacável destino.

- No final dos tempos, porém, todos serão novamente julgados por um grande tribunal universal. Será o momento da Parusia final, manifestação derradeira do Cristo glorioso, o qual voltará novamente à Terra para finalizar a história. Nessa ocasião, os corpos ressuscitarão e se agregarão novamente às suas almas respectivas. Aquelas que já se encontravam no Céu, voltarão para lá após o Juízo Final. As que padeciam no Inferno, a ele retornarão (ou haverá um induto para algumas?). O final dos tempos acarretará também, juntamente com a ressurreição dos corpos, a glorificação de todo o cosmo criado em Cristo, juiz dos vivos e dos mortos.

- Este esquema tradicional goza ainda hoje de forte credibilidade oficial (cf. CIC 988-1060). Firmou-se na baixa idade média por influência de São Tomás e por declaração de Bento XII (cf. DZ 530-531). Foi aprovada por vários concílios (Lião II, Latrão V, Trento) e reafirmado mais recentemente por Paulo VI no seu “Credo do povo de Deus”, onde se lê: “Cremos que as almas de todos aqueles que morrem na graça de Cristo (...), no mesmo instante em que deixam os seus corpos, como sucedeu com o bom

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ladrão, formam o povo de Deus para além da morte, que será definitivamente vencida no dia da ressurreição em que estas almas se reunirão com seus corpos”.

b) Considerações históricas sobre o tema da imortalidade da alma

- No judaísmo bíblico, jamais se cogitou essa questão. Concebe-se o homem como um ser mortal, cujo futuro incerto se encontra irremediavelmente nas mãos de Deus.

- No mundo grego antigo, também não havia essa bipartição entre corpo e alma. O que existe é o corpo sem alma que, na ocasião da morte, permanece na proximidade do sepulcro ou no hades, como uma realidade sem vida, força ou esperança (algo bem simular ao pensamento do AT primitivo).

- Com o orfismo e o pitagorismo, surge uma nova sabedoria. Fala-se, então, da superação da condição humana na perspectiva de um Divino incondicionado finalizador.

- A escola platônico-pitagórica retratará a alma como sendo a essência verdadeira e própria do homem. Sua imortalidade é também afirmada, por pertencer originariamente ao mundo divino. Oprimida pelo corpo, intenta o quanto antes desvencilhar-se do mesmo na morte, regressando, pois, à sua origem.

- Platão, propriamente, é mais refinado em seu pensamento. Desvaloriza o corpo humano não tanto por sua compleição ontológica, mas por questões de natureza ético-religiosa. Por estar ligado às paixões é que o corpo se degenera, urgindo a sua purificação. Ocorre que a elevação da alma postula a libertação de tudo que é material, perecível e alienante. A realidade corpórea, assim, acaba ficando de fora na idealização do mundo divino.

- As escolas platônicas posteriores, particularmente o gnosticismo, reproduzem o velho esquema dualista, influenciando a antiguidade cristã e a idade média, sobretudo diante de situações de grande desestabilidade no campo sócio-político. Perante as ameaças do mundo, busca-se o refúgio no Eu interior, na crença de que ele possua um valor infinito. Os grupos gnósticos radicalizam as tendências dualistas, rompendo com a tensão bipolar entre mundo divino/terreno, espírito/matéria típica do médio-platonismo, sugerindo abertamente o embate de dois poderes, um divino e outro anti-divino, separando pela raiz a alma do corpo. Segundo eles, na morte a alma superior perde o último contacto com a matéria escravizante, iniciando sua viagem de volta ao reino do espírito preexistente do qual viera a cair.

- Na Patrística, a ressurreição dos corpos é adiada para o final, porque falar de uma ressurreição da alma ou do homem interior poderia ser mal entendido gnosticamente. Para salvaguardar a “sarx” do gnosticismo, tornou-se ela objeto da ressurreição final. De totalidade converteu-se em contra-conceito de alma. Além disso, a ressurreição do corpo é abordada de forma quase que fisicalista.

- Na escolástica pré-tomista, a escatologia passa a estar em função da antropologia que adquire uma importância inédita. Fala-se claramente da imortalidade da alma: estando diante de Deus depois da morte, o homem é chamado à vida eterna com Ele. A ressurreição do corpo representa o modo concreto desta plenitude. Não obstante as baixezas do material-sensível, a alma depois da morte contará com a ressurreição final do corpo.

- Santo Tomás procura vencer o dualismo platônico servindo-se da tese hilemorfista de Aristóteles. Fala da unidade relacional entre corpo e alma, “anima forma corporis”. O próprio do corpo é recebido pela alma, não possuindo ambos subsistências distintas. Em termos práticos, não haverá ato humano nessa vida em que o corpo não participe. O ato mediante o qual o homem, como “anima”, encontra-se diante de Deus, é o mesmo com o qual ele se realiza “in materia” (corpo, mundo, sociedade).

Nota: Como falar hoje sadiamente da “imortalidade” do homem? Não devemos concebê-la como uma propriedade da alma como tal. Mesmo o conceito de imortalidade natural presente na Idade Média estava circunscrito ao horizonte da

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criação. Dizer “imortalidade do homem” equivale a precisar determinada característica do diálogo de Deus com o homem, iniciado a partir da criação. Por estar ontologicamente e irreversivelmente relacionado a Deus, a morte não é a última realidade do homem. Criado por Deus para estar com Ele, a imortalidade traduz o dom peculiar de uma permanente dialogia mantenedora da existência humana.

c) Avaliação crítica

- No nível pastoral, os fiéis conscientizados questionam esquemas que não dão conta da dimensão sócio-histórica do compromisso da fé. O esquema da “alma separada” introduz um corte temporal entre o destino individual na hora da morte e o destino coletivo no final dos tempos, não respondendo a uma consciência mais comunitária, social de compromisso com a transformação do mundo.

- No nível mais intelectual, questiona-se a imagem pré-científica do mundo baseado na linearidade da história e na divisão tripartida do espaço (céu - terra - sheol). Também a antropologia dualista e espiritualista subjacente à idéia da “imortalidade da alma”, além de contrastar com os ensinamentos bíblicos, mascara internamente um perigoso pelagianismo, criando espaço para teses de corte espírita.

- Além disso, soa bastante problemático um tal corte entre corpo e alma na ocasião da morte. A alma separada corresponde a um estado intermédio violento, deficitário. Não pode ali haver pessoa propriamente (já que o corpo não se encontra ainda presente), embora garanta a continuidade da identidade entre o morto e o ressuscitado. As imprecisões, de todo mundo, são muitas. Um esquema difícil de ser admitido.

4.5. O esquema moderno da ressurreição na morte

a) Pressupostos

- A visão tradicional dos novíssimos, de inspiração grega, baseada no dualismo neoplatônico entre corpo e alma, céu e terra, é posta em crise quando confrontada com os novos parâmetros antropológicos e cosmológicos da filosofia moderna e com uma abordagem mais autêntica dos textos bíblicos. Uma nova concepção escatológica, já dominante na reflexão teológica contemporânea, parte de:

α.Uma intelecção unitária e não dualista do ser humano

β. Uma compreensão cósmico-evolutiva do ser humano em sua gênese e no seu destino

γ. Uma visão personalista e socializante do homem, como ser de liberdade e responsabilidade na história

δ. Uma nova abordagem do tempo e da eternidade

- O Intemporal abarca o temporal e o ultrapassa. Portanto, as categorias humanas de espaço e tempo não se prestam para uma fenomenologia do além. É impensável, pois, um antes e um depois no plano do intemporal (por ex., um juízo individual precedendo um juízo coletivo) e a delimitação de espaços diferenciados (por ex., céu, inferno, purgatório). A racionalidade humana, escrava da temporalidade, se revela insuficiente para apreender, tematicamente, o futuro absoluto do homem em sua real dimensão. Toda tentativa de descrevê-lo esvai-se no plano da figuração ou alegoria simbólica.

- A escatologia cristã não entende que depois da morte tudo continue como era antes na existência temporal humana. Sob este prisma, a morte coloca um fim a todo o homem. Quem faz perdurar o tempo para além da morte e com este a alma, mete-se em dificuldades insuperáveis na ordem do

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pensamento. Ao contrário, quem pensa que com a morte tudo se acaba, porque o tempo, uma vez começado, há de acabar-se, também permanece escravo de uma representação empírica de nossa temporalidade.

b) A ressurreição dos corpos

- Na morte, o "não-tempo" de Deus assume o homem de maneira definitiva. Faz-nos chegar à ressurreição na totalidade de nosso ser. Não apenas em nossa "alma" conheceremos a "glória de Deus", mas em tudo que fomos, somos e seremos até o instante da morte. Em outras palavras, faremos a experiência da ressurreição na completude de nossa existência corpórea e espiritual. Afinal, que é o homem? Um ser formado de dois princípios constitutivos, um descartável (o corpo) e outro durável (o espírito)? Segundo o pensamento bíblico, a pessoa humana é uma unidade vital, e não uma dualidade. Ela é uma só. "O homem não é uma alma que vem a um corpo, mas uma pessoa que nasce corporalmente" (Yves Congar). A corporeidade e a espiritualidade não se constituem em partes separadas ou estanques de sua essência, mas traduzem bem mais dimensões distintas, embora onipresentes, de seu único dinamismo de vida.

- Incorreto parece-nos dizer que o homem tem corpo ou tem espírito. O homem é corpo e, simultaneamente, é espírito. Corpo significa o homem inteiro, presente na história, encarnado no mundo e na matéria, habilitado a relacionar-se com todos os seres sem prejuízo de sua própria identidade. Espírito caracteriza o homem todo, enquanto dimensionado para o Infinito, chamado a transcender o espaço e o tempo, ávido de plena realização. Como corpo que é, o homem está situado na concretude do tempo e do espaço, porém, não aprisionado inteiramente por ela, devido ao fato de ser corpo espiritualizado. Como espírito, o homem se percebe desejoso do futuro e movido livremente a ele, predisposto sempre mais ao além de si, muito embora vivencie tudo isso nas condições próprias do aqui e agora, por se tratar de um espírito corporalizado. Em suma, o homem é um ser inquieto, insatisfeito, sempre à procura de algo mais. Embora finito, não se contenta em sê-lo; embora individual, não se convence disso por completo: aspira à alteridade na comunhão. Como que magnetizada por Deus, a "carne" se lança e se abre à novidade e à surpresa da ressurreição.

- Na ressurreição, Deus nos recriará da morte e nos transfigurará. Perderemos a condição de corpo terrestre - vulnerável e condicionado ao tempo, ao espaço e ao pecado - e ganharemos a qualidade de corpo glorificado. Toda a nossa vida psíquica e existência histórica pessoal, constitutivas de nossa corporalidade profunda, serão assumidas por Deus como "gérmen da nova vida". Nosso eu pessoal chegará assim, por graça divina, à sua mais perfeita interioridade e mais plena disponibilidade para acolher o outro e condividir com ele o próprio ser.

- Como bem expressou Leonardo Boff em "Vida para além da morte" , "o corpo transfigurado será em plenitude aquilo que em sua expressão temporal já realiza em deficiência: comunhão, presença, relacionamento com todo o universo". Na experiência da ressurreição da carne, quando, pela morte, o corpo humano deixa o tempo da história e é introduzido dadivosamente por Deus - e não por si próprio! - na eternidade, o homem vislumbra sua máxima realização e felicidade, satisfazendo plenamente sua vocação à comunhão com Deus, com os semelhantes e com todas as demais criaturas, na soberana liberdade do amor.

4.6. Textos complementares

* “A esperança cristã - 1Co 15”, in: BARBAGLIO, G. As Cartas de Paulo I. São Paulo, Loyola, 1989. pp. 351-371.

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* “O ser humano enquanto carne, na história e na teologia”, in: RIBEIRO, H. Ensaio de Antropologia Cristã. Petrópolis, Vozes, 1995. pp.146-155.

V. A EXPERIÊNCIA DE ENCONTRO NA MORTE COM O DEUS MISERICÓRDIA

5.1. Abordagem fenomenológica da morte

a) Enfoque existencial

- Fugir da reflexão sobre a morte equivale a fugir da reflexão sobre o proprio homem. A reflexão sobre a morte, como vimos, liga-se a pergunta sobre o sentido da vida. O morrer é parte integrante da vida. Por que prolongar a vida para fugir da morte? Qual o sentido de tal prolongamento?

- O medo da morte constitui uma experiência universal. Disse Freud: "Ninguém esta livre de medo perante a morte". Segundo Heidegger, o homem é um ser-para-a-morte; é angústia perante o nada; a repressão do pensamento da morte representaria, nesse caso, um gesto de inautenticidade.

- Temendo o homem o fim absoluto, teme que venha a se tornar um dia "comida para os vermes" (Kierkegaard). Também a mensagem cristã da vida após a morte acarreta outra dificuldade, um novo temor: o que virá depois desta vida, o céu ou o inferno?

- Duas atitudes nos restam: ou encaramos heroicamente a situação ou sucumbimo-nos novamente à fuga ou à repressão.

b) Enfoque sócio-histórico

- No século XX ocorre uma progressiva privatização do morrer (UTIs...); a morte se torna um caso clínico, retratando a falência da medicina. A negação da morte pela sociedade, a perda de seu caráter sacramental, sófazem aumentar o medo e a vontade de destruir.

- Acrescente-se a isso o fato da morte social verificada entre os povos do 3o Mundo. Algo que contradiz violentamente a mensagem do Deus que deseja a vida. Mais de 100 mil pessoas morrem diariamente no mundo de inanição, segundo cálculos recentes. Uma teologia libertadora conclama à redescoberta do Deus da vida, para que a morte se transforme socialmente em vida.

c) Enfoque clínico

- Existe a morte clínica e a morte vital. O morrer clínico compreende a morte do coração seguida da morte do cérebro. A morte vital significa a perda irreversível das funções vitais do ser humano.

- Alguns relatos de "vivência na morte", segundo R. Moody (Vida depois da vida) falam das seguintes experiências: a pessoa se percebe fora de seu corpo; aparece diante dela um espírito de luz; este espirito pede-lhe, sem palavras, que reexamine sua vida, levando-a a uma recapitulação instantânea dos principais momentos; amplia-se o horizonte do eu humano, catalizado por um estado de felicidade nunca antes vivido.

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d) Enfoque psico-religioso

- Segundo Elizabeth Ross, são cinco as fases do morrer:

1a. choque e incredibilidade (o isolamento denota não aceitação); 2a. ira, rancor, raiva, inveja (revolta contra Deus e o mundo); 3a. negociação (tentativa de prorrogar o inevitável - fase das promessas; por detrás, há o sentimento de

culpa); 4a. depressão (sentimento de perda irreparável);

5a. aprovação (consentimento da morte).

- Conforme investigações e pesquisas feitas, há uma ambigüidade na relação entre o grau de angústia diante da morte e a existência de uma crença religiosa. Pode a crença religiosa tanto amenizar quanto intensificar a angústia de morrer. Embora o medo perante a morte seja geral, três fatores podem determinar maior ou menor grau de angústia:

. a questão de saber se o além realmente existe; . a imagem ou qualidade atribuída a este além (ameaçador ou não); . a situação do moribundo (seus sentimentos de culpa).

e) Enfoque filosófico

- O morrer corresponde ao ato derradeiro do ser humano; traduz seu aniquilamento. No instante da morte, o homem se torna definitivo; nada mais pode ser mudado nele. A morte constitui-se no ponto final de um processo dinâmico de personalização.

- A morte coloca o homem face a face com aquilo que fez de si durante a vida. Algo abominável, pois o homem é posto diante de sua culpa, não tendo como fugir de si mesmo. Mais um temor acrescentado aos tantos outros...

5.2. A morte como entrega confiante a Deus

- O Deus da Vida é contrário às situações que nos oprimem, libertando-nos do temor da morte. Dá sentido à morte e à vida mesma. Cabe-nos traduzir e transmitir mais claramente essa boa-nova à humanidade de hoje.

a) Encarar a morte como transformação

- A morte tem dois aspectos: um exterior e outro interior. Exteriormente, o homem, como um todo, padece a morte. Interiormente, experimenta-a como profunda transformação, um autêntico nascimento para novas dimensões. Morrer e nascer, fabuloso mistério! Relendo os sinais da natureza, morre o feto e nasce a crianca; fenece a lagarta e surge a borboleta; morre o grão de trigo e floresce o fruto...

- O segundo axioma da termodinâmica postula: a energia não se destrói, mas é sempre transformada. O homem compõe-se de um aglomerado de potênciais energéticas: energia material, emocional, intencional, psíquica. E a energia continua...

b) A morte empenha a totalidade da pessoa

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- O homem forma uma unidade global polidimensional. Enquanto matéria, compreende uma dimensão psíquica, pessoal, histórica, social, cósmica, emocional. Na morte, amplia-se (e não se perde) a ligação do homem com a dimensão material.

- Conforme a tradição bíblica, a corporeidade humana representa o fim da obra criadora de Deus: é o fim da criação (todas as obras de Deus culminam na forma vivida do corpo humano); é o fim da obra da salvação (Deus se fez corpo humano em Cristo Jesus); significa a reconciliação do mundo com Deus (fato esse acontecido na encarnação e redenção - cf. Rm 8,3); constitui o final da história do mundo (a ressurreição dos corpos).

- Na morte, o ser humano sai do tempo e do espaço e se percebe incapacitado diante do eterno. Chegando ao fim do tempo, não há mais possibilidade de recomeçar ou refazer algo. O que ele fez de si mesmo se torna agora definitivo. No instante da morte, ocorre-lhe uma total presença de si, nas suas dimensões pessoal, sócio-estrutural e histórica, percebidas, agora, em seu verdadeiro alcance. Vive em profundidade a experiência da cognição total, havendo a integração de seu consciente e inconsciente pessoal e coletivo. Devido ao caráter interrelacional do ser humano, a vida de cada indivíduo encerra uma incidência sobre o todo, perante o qual nenhum ato humano é insignificante.

5.3. A morte como experiência de encontro com a misericórdia do Pai

- No instante mesmo da morte, acontece o nosso encontro definitivo com Deus. Deparamo-nos não com um soberano aterrador, o qual soma, mesquinhamente, os nossos pecados. Nosso encontro é com Jesus, aquele que na terra nunca ousou condenar ninguém (cf. Mt 11,18; Jo 8,15). Este encontro, todavia, nos coloca em crise. Somos chamados a nos rever diante do amor de Deus e dos homens. Eclode a experiência do juízo. Quem é o juiz? Não é Deus que julga o homem na morte: este, sim, é que se julga diante daquele. O ato de cognição perante Deus já é juízo. Segundo Mt 25, o critério do juízo passa pela atuação humana frente aos mais fracos e pobres.

“No ocaso da nossa vida, seremos julgados quanto ao amor”.

(São João da Cruz)

a) Apesar de nossas fraquezas, prevalece o amor de Deus

- Nosso encontro com Deus na morte, apesar de todas as nossas fraquezas e misérias, será, sobretudo, um encontro de amor. O amor não pergunta se o outro ama: é criativo, busca caminhos novos para despertar o amado (cf. Is 54,4-6; Jr 43,1-4). "Quem nos separará do amor de Cristo?", exclama Paulo. Diante de Deus, o homem deve tornar-se pobre, aceitando a sua oferta de amor. Do "homo faber" passa-se ao homem dependente. Cabe-nos "deixar Deus estar aí para mim". Ter a Deus como única seguranca, eis o fazer-se pobre! Na morte, dependemos inteiramente de Deus...

- Na morte, o ser humano deve realizar seu profundo ato de fé. Compete-lhe, então, aceitar sua total incapacidade de subsistir por si mesmo, pois, a salvação lhe vem de um Outro, vem de Deus somente e de seu amor. Esta é a única atitude que ainda resta ao homem: deixar-se envolver da graça salvífica de Deus, num ato de entrega e confiança filial. Deixar-se remir pelo amor.

- Para a fé cristã, a cruz de Cristo simboliza, entre outros aspectos, a impotência total da pessoa humana. A situação de Jesus crucificado assemelha-se à mesma situação de todo homem na morte. Deus abandonado por Deus: eis o paradoxo que fundamenta a esperança humana. Segundo Mc 15,34-37, Jesus morre com um grito a Deus que parece não ter com ele se identificado no fim. O "abandono" do Filho constitui o paroxismo do amor divino. "No seu abandono, Jesus apropria-se da dor e da morte do homem, da existência humana em si. Ele a vivencia na sua mais profunda e dolorosa realidade na perda de Deus" (G. Rosse). Deus, porém, intervém, ressuscitando a Jesus, revelando-se como quem concede

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a vida novamente depois da morte. Mais. Deus, rico em misericórdia, dá-nos de graça o que a Ele devíamos, já que "sobre toda vida humana pesa o débito de nota promissória não paga". A salvação vem da gratuidade do amor de Deus! (cf. Mt 20,9-12; 1Ts 5,9).

b) A justiça divina

- Onde fica, então, a justiça? Deus tem o direito de fazer o que bem entender com aquilo que é seu (cf. Mt 20,15). O clamor pela justiça por parte dos "bons cristãos" é motivado, não raro, por uma atitude farisaica. Os binômios culpa - punição, boa obra - recompensa, traduzem uma justiça retributiva não equiparável à justiça divina. Bem outros são os caminhos de Deus! Nossas obras não são garantias para a salvação. Deus não se capitula ante as razões humanas.

- Segundo Jung, por detrás de uma exigência obstinada de justiça esconde-se o desejo humano de vingança. O homem quer alcançar certos "direitos" perante Deus, como que prevenindo-se contra Ele... Que seria dos homens se Deus quisesse realmente ser "justo"? Em At 10,42 se diz que Jesus, sendo o juiz dos vivos e dos mortos, interveio em nome de todos os que fracassaram. Conseqüentemente, a confiança e não o temor é que deve ocupar na morte o coração do homem. Pois, como lembra-nos São João, quem teme a Deus ainda não é perfeito no Amor (cf. 1Jo 4,17-18).

c) Que dizer do purgatório?

- Dizer purgatório é dizer que somos purificados por Deus em seu amor. Não se trata de esperar um lugar de purificação, como pregavam os antigos catecismos, mas pensar num encontro com Deus que nos acrisola no "fogo" da graça. O fato de Deus oferecer gratuitamente o seu amor e a salvação ao homem pecador, não exime-o de uma atitude de entrega amorosa e filial, de um despojamento completo que faça frente ao egoísmo que sempre o acompanhou em vida. Assim entende-se como a experiência de adequação a Deus na ocasião da morte será única para cada pessoa que parte deste mundo. A intensidade - e não durabilidade - do processo purificador será proporcional ao grau de amadurecimento ou alienação da liberdade na sua existência histórica concreta.

5.4. Texto complementar

* “O juízo de Deus e a purificação para o encontro com Deus”, in: LIBÂNIO, J. B. & BINGEMER, M. C. L. Escatologia Cristã. Petrópolis, Vozes, 1985. pp. 225-245.

VI. A GLORIFICAÇÃO DA HUMANIDADE E DO COSMO EM DEUS

6.1. A dimensão comunitária e cósmica da Ressurreição

- O Cristianismo compreende a salvação como uma realidade universal que atinge toda a família humana e o cosmo. A vida eterna é bem distinta de um estado de perfeição conquistado por uma existência individual soliptista. Abarca, no entanto, a totalidade dos viventes, não havendo realização e plenitude pessoal que não seja, a um só tempo, plenitude comunicativa e interativa de todos os seres criados entre si em comunhão com a Trindade Divina. A glorificação do cosmo, nesta perspectiva, se faz

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simultânea à glorificação do homem. A matéria, suprassumida em espírito, chega também com o homem, em Deus, à sua máxima realização. Pois, que é o homem, senão a totalidade do universo pessoalizado evolutivamente numa existência humana?!...

- O destino de cada pessoa humana, por conseguinte, está circunscrito pelo destino da coletividade humana. O homem não se salva nem se condena sozinho. Como liberdade e responsabilidade, a pessoa humana encontra-se situada num contexto histórico-social (cultural, político, econômico, religioso) que delimita e condiciona sua mundivisão e o exercício de seu livre-arbítrio. Conseqüentemente, a experiência de juízo e purificação na morte há de incorporar não apenas o que é próprio a história de cada indivíduo particular (juízo individual), mas também os nexos desta história com a história coletiva dos homens que a marcou definitivamente (juízo coletivo).

- Segundo Rahner, existe necessariamente uma escatologia coletiva e uma individual pelo fato de que o homem possui "uma dimensão que o insere no coletivo e no mundo, assim como também uma dimensão singular, irrepetível e não redutível ao mundo e à sociedade, que o faz pessoa". Só na escatologia coletiva se completa a escatologia individual. Por outro lado, "nos indivíduos realiza-se a consumação de toda a história da humanidade". O drama de cada pessoa individual é o todo do drama que envolve o mundo inteiro, e que em Cristo chegou ao seu ápice irreversível (Curso Fundamental da Fé, p.513-515).

- Na ressurreição na morte, o corpo espiritual terrestre é transformado em corpo espiritual glorificado. No céu, a comunhão com Deus e com toda a comunidade glorificada se exprime através de uma nova corporeidade pan-cósmica, ilimitada em sua extensão, incondicionada pelo espaço-tempo. Porém, devido à relação essencial que une cada pessoa ao todo, só na ressurreição final, diz o Credo apostólico, chegaremos todos à plena realização. Mas como entender essa ressurreição no final dos tempos, se a vida pós-morte já ultrapassou os limites da temporalidade histórica? Cabe-nos pensar a ressurreição na morte (ressurreição pessoal) e no "último dia" (ressurreição coletiva) como acontecimentos sincrônicos e não puntuais (isto é, um vindo após o outro), participantes de uma "eternidade dinâmica". Com efeito, estão ligados através de um processo progressivo e dinâmico constituinte de uma só e mesma realidade: o Corpo Único de Cristo. "Pela vida, morte e ressurreição de cada um, um membro do corpo (de Cristo) chega à plenitude. A ressurreição de Jesus, que precedeu a todos, garante à ressurreição de cada um na morte, como um ser inserido no corpo - ressurreição de Cristo, que está incompleto até que o último irmão ressuscite" (J. B. Libânio, texto mimeo.).

“Meu corpo não é esta ou aquela parte sobre a qual eu teria um monopólio... Minha matéria não é uma parte do universo que eu possuo por completo; é, antes, a totalidade do universo possuído

parcialmente por mim”.

(Teilhard de Chardin)

6.2. O começo da eternidade no aqui e agora

Disse Rahner: “É no tempo, como seu fruto maduro, que se faz a eternidade, a qual propriamente não continua para além do tempo experimentado, mas antes elimina precisamente o tempo... A eternidade não é um modo de durar do tempo, (...) mas um modo da espiritualidade e da liberdade amaducerem no tempo". Urge pensar que "é através da morte, e não depois da morte, que se dá a definitividade da existência do homem atuada e amadurecida livremente no tempo. (...) Somente porque já nos tornamos imortais em nossa vida [como fruto da experiência moral humana da esperança radical dada a nós por Deus e que chamamos graça] é que o morrer e o aspecto ameaçador e sempre obscuro da passagem que a envolve se nos tornam tão mortais" (Curso Fundamental da Fé., p.504-507).

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- Sim, cremos na ressurreição, cremos na vida que se eterniza em Deus! Quem se abre ao Deus eterno participa desde já de sua imortalidade. Deus é sempre fiel: fiel na vida presente, fiel na morte vindoura, fiel na vida futura! Pelo Espírito, somos conduzidos progressivamente à Jerusalém Celeste, ao exuberante oceano da graça, ao regaço sempiterno e terno da Trindade Santa, à comunhão dos santos. Por mercê de Deus, chegaremos à vida eterna, onde "o dia não começa onde acaba outro dia e nenhuma aurora se encontra onde o acaso a deixou" (K. Gibran). Sim, cremos na vida que se abre à eternidade e ao eterno sempre prenhe de Vida: cremos em Deus!

- À Vida se chega pelo Caminho que se fez a Verdade do mundo: Jesus Cristo, Deus-no-homem-em-Deus (cf. Jo 14,6). "Quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna" (Jo 6,40). Na história pascoalizada de Jesus, a Trindade se faz história com os homens e os homens história com Deus: o Céu entra na história para que a história entre no Céu. Na luta pela construção do Reino de Deus em nosso tempo, nós, cristãos, refazemos o Caminho de Jesus e trazemos à terra o sabor antecipado do Céu: sabor de AMOR!

"O amor quer eternidade, o amor faz eternidade, o amor é eternidade!"

(Joseph Ratzinger)

6.3. O Espírito Santo e a comunhão dos santos (L. C. Susin)

6.4. A vida eterna que vem: novos céus e nova terra (L. C. Susin)

6.5. Notas teológicas sobre o “inferno”

- A posição da escatologia católica contemporânea frente a problemática do inferno pode ser resumida nestes cinco enunciados básicos:

1. «Suposta a liberdade humana, os homens podem recusar a Deus. Portanto, o inferno é realmente possível».

2. «Conseqüentemente, o inferno é um estado de alienação de Deus escolhido pela própria pessoa, e não um castigo adicional infligido por Deus ao pecador».

3. «Ainda que a condenação final seja uma possibilidade com a qual cada um há de contar, nem a Escritura nem o Magistério afirmam que alguém de fato haja sido condenado ou vá a se condenar».

4. «Há de se entender a possibilidade real do inferno de acordo com a boa notícia da vontade salvadora universal de Deus, revelada e realizada em Jesus Cristo. Portanto, não se pode considerar o céu e o inferno como alternativas igualmente possíveis, seja para a humanidade, seja para os indivíduos».

5. «É impossível saber com certeza qual será para cada pessoa o resultado final do juízo. Porém, tendo em vista a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, podemos e devemos esperar que, de fato, todos os seres humanos hão de se salvar».

[SACHS, J. Escatología actual: la salvación universal y el problema del infierno, in: Selecciones de Teología 124 (1992) 339-353].

6.6. Texto complementar

* “O que se revela em definitivo sobre o inferno e o que é possível conjeturar”, in: QUEIRUGA, A. T. O que queremos dizer quando dizemos “inferno”? São Paulo, Paulus, 1997. pp. 54-88.

6.7. Conclusão: Visão panorâmica da escatologia individual e coletiva

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