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POLÍCIA MILITAR DA BAHIA CENTRO DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE PRAÇAS CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS DIREITO MILITAR APLICADO ELABORAÇÃO: SD PM ANDRÉ ABREU DE OLIVEIRA (pós-graduando em Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar; pós-graduando em Ciências Criminais; bacharel em Direito; sócio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, autor de artigos jurídicos).

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POLÍCIA MILITAR DA BAHIA CENTRO DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE PRAÇAS

CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS

DIREITO MILITAR

APLICADO

ELABORAÇÃO: SD PM ANDRÉ ABREU DE OLIVEIRA (pós-graduando em Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar; pós-graduando

em Ciências Criminais; bacharel em Direito; sócio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, autor de artigos jurídicos).

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APRESENTAÇÃO O objetivo da presente apostila é servir como material complementar às aulas

ministradas pelos instrutores da disciplina Direito Militar Aplicado. Essa matéria, por

sua vez, como já se infere de seu próprio título, trata do Direito Militar aplicado à

atividade policial-militar, ou seja, daqueles institutos de maior incidência no dia a dia

das instituições militares estaduais, uma vez que estas apresentam algumas

peculiaridades em relação às Forças Armadas. Serão enfatizados, mais

precisamente, aspectos do Direito Penal Militar e do Direito Processual Penal Militar,

já que o Direito Administrativo Disciplinar Militar, que também compõe o Direito

Militar, é objeto de outra disciplina constante na matriz curricular do Curso de

Formação de Sargentos PM, no caso a matéria Legislação PM.

Desse modo, o conteúdo desse material inclui o exame de certos aspectos

fundamentais da chamada Teoria Geral do Direito Penal Militar, na qual será dada

uma atenção especial ao estudo do conceito de crime militar. Além disso, no estudo

da Parte Especial do Código Penal Militar, será feita a análise de alguns crimes

militares em espécie, dentre aqueles previstos para o tempo de paz.

Compõe, ainda, esta apostila, algumas noções de Direito Processual Penal

Militar, especialmente aquelas relacionadas à prisão em flagrante delito por

cometimento de crime militar e ao inquérito policial militar. Isto porque o futuro

sargento PM, conforme dispõe o Código de Processo Penal Militar, poderá funcionar

como escrivão tanto na lavratura do auto de prisão em flagrante, como na

instauração de inquérito policial militar, exceto se figurar como indiciado um oficial.

Em suma, espera-se que o constante nesta apostila atinja sua finalidade, qual

seja a de auxiliar, de maneira simples e objetiva, o novo Aluno do Curso de

Formação de Sargentos PM, servindo, ao menos, de estímulo para estudos mais

aprofundados. Desejamos sucesso nos estudos!

Salvador, janeiro de 2011.

Sd 1ª Cl PM André Abreu de Oliveira

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SUMÁRIO

DIREITO PENAL MILITAR………………………………………………………….…….3 1 TEORIA GERAL DO DIREITO PENAL MILITAR……….........................................4 1.1 DIREITO PENAL MILITAR: INTRODUÇÃO..........................................................4 1.2 DIREITO PENAL MILITAR NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO.............................5 1.3 CRIME MILITAR....................................................................................................6 1.3.1 Crime militar: definição ……............................................................................6 1.3.2 Classificação dos crimes militares: crime militar próprio e impróprio …..7 1.3.3 Crimes militares em tempo de paz: art. 9º do CPM.......................................8 1.3.4 Conceito de militar..........................................................................................13 1.3.5 Conceito de assemelhado..............................................................................14 1.3.6 Conceito de superior......................................................................................14 1.3.7 Conceito de militar da ativa...........................................................................15 1.3.8 Conhecimento da condição de superior ou inferior....................................15 1.3.9 Maioridade penal no Direito Penal Militar brasileiro....................................16 1.3.10 Estado de necessidade no CPM..................................................................17 1.4 DAS PENAS PRINCIPAIS NO CÓDIGO PENAL MILITAR.................................18 1.5 A JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL........................................................................20 1.6 NÃO APLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95 NA JUSTIÇA MILITAR..................22 2 CRIMES EM ESPÉCIE: CRIMES MILITARES EM TEMPO DE PAZ....................23 2.1 CRIME DE RECUSA DE OBEDIÊNCIA……………………………………………23 2.2 CRIME DE VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR……………………………………..24 2.3 CRIME DE OFENSA AVILTANTE A INFERIOR ………………………………….25 2.4 CRIME DE ABANDONO DE POSTO……………………………………………….26 2.5 CRIME DE EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO……………………………………….....28 2.6 CRIME DE DORMIR EM SERVIÇO………………………………………………...29 2.7 CRIME DE DESAPARECIMENTO, CONSUNÇÃO OU EXTRAVIO…………….30 2.8 CRIME DE PECULATO……………………………………………………………….31 2.9 CRIME DE CONCUSSÃO E CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA…………......33 2.10 CRIME DE PREVARICAÇÃO………………..……………………………………..35 DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR……………………………………………36 1 PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NO CPPM.....................................................38 1.1 EFETIVAÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NO CPPM………...........38 1.2 PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NO CPPM: ESPÉCIES………………….....39 1.3 LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO……………….40 2 INQUÉRITO POLICIAL MILITAR (IPM)..................................................................42 2.1 INQUÉRITO POLICIAL MILITAR: NOÇÕES GERAIS…………………………….42 2.2 O ESCRIVÃO NO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR………………………………43 REFERÊNCIAS……………........................................................................................45

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DIREITO PENAL MILITAR

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1 TEORIA GERAL DO DIREITO PENAL MILITAR

1.1 DIREITO PENAL MILITAR: INTRODUÇÃO

Diferentemente do direito penal comum, no qual predomina o princípio da

liberdade, o direito penal militar tem seu fundamento na manutenção da normalidade

das instituições militares, sobrepondo-se, assim, a hierarquia e a disciplina. Nessa

perspectiva, Ione de Souza Cruz e Claudio Amin Miguel definem o direito penal

militar como “um ramo do Direito Penal, especial, criado não com a finalidade de

definir crimes para militares, mas sim de criar regras jurídicas destinadas à proteção

das instituições militares e o cumprimento de seus objetivos constitucionais”.1

Ainda, doutrinariamente, o direito penal costuma ser subdividido em direito penal

comum e direito penal especial, encontrando-se exatamente nessa última subdivisão

o direito penal militar, como colocado acima pelos autores. Entretanto, há algumas

divergências entre os estudiosos no que diz respeito aos critérios utilizados para se

chegar a essa conclusão.

Para Esmeraldino Bandeira, por exemplo, “crime comum ou de direito comum é

o que consiste na violação dos deveres gerais impostos pela lei penal a todos os

indivíduos indistintamente”. Por outro lado, “crime especial é o que resulta da

infração de certos deveres impostos pela referida lei a determinadas pessoas em

virtude de uma situação, de um cargo ou de uma profissão […]”.2 Nesse mesmo

sentido, porém acrescentando o elemento bem jurídico, Célio Lobão conclui que “o

Direito Penal Militar é especial não só porque se aplica a uma classe ou categoria de

indivíduos […], como também, pela natureza do bem jurídico tutelado”.3

Por outro lado, para E. Magalhães Noronha4, o melhor critério para distinguir o

direito penal comum do direito penal especial seria o de se considerar o órgão

jurisdicional que irá aplicá-los, isto é, justiça comum ou especializada,

respectivamente.

1 CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL, Claudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar: Parte Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.1. 2 BANDEIRA, Esmeraldino O. T. Direito, Justiça e Processo Militar. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1919. v. 1. p. 17. 3 LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3. ed. atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 48. 4 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: introdução e parte geral. Atualização de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. 38. ed. rev. e atual. São Paulo: Rideel, 2009. v. 1. p. 9.

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1.2 DIREITO PENAL MILITAR NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO

Inicialmente, o Direito Penal Militar que vigorava no Brasil era o proveniente de

Portugal, mais especificamente dos denominados Artigos de Guerra do Conde de

Lippe, datados de 1763. Essa legislação estabelecia penas extremamente cruéis,

tais como a pranchada, que consistia em golpear o apenado com a espada em

prancha, e o carrinho perpétuo, na qual eram utilizadas argolas de ferro presas às

pernas do condenado.

Em seguida, conforme lição de Loureiro Neto, “com a chegada de D. João VI ao

Brasil, pelo alvará de 21 de abril de 1808, criou-se o Conselho Supremo Militar e de

Justiça e, em 1834, a Provisão de 20 de outubro previa crimes militares […]”.5

Ressalte-se que o Conselho Supremo Militar e de Justiça constitui o embrião do

atual Superior Tribunal Militar, marco da Justiça Militar brasileira, considerada a

justiça mais antiga do país. Vale lembrar, ainda, que a data do alvará de criação

desse Conselho aparece, por diversas vezes, como sendo 1º de abril de 1808.

Em 7 de março de 1891, por meio do Decreto nº. 18, foi criado o Código Penal

da Armada [hoje, Marinha do Brasil], que tinha sua aplicação restringida a essa

instituição militar. Essa legislação teve seu alcance ampliado ao Exército pela Lei nº.

612, de 29 de setembro de 1899. Após isto, em 24 de janeiro de 1944, através do

Decreto-lei nº. 6.227, foi instituído o Código Penal Militar, comum às três Forças

Armadas — Marinha, Exército e Aeronáutica —, que vigorou até o surgimento do

atual Código, em 1969.

Por fim, o Decreto-lei nº. 1.001, de 21 de outubro de 1969, estabeleceu o vigente

Código Penal Militar, tendo sido este decretado pelos então Ministros da Marinha de

Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar [hoje, Marinha do Brasil, Exército

Brasileiro e Aeronáutica], a Junta Militar, com base nas atribuições conferidas pelos

Atos Institucionais nº. 5 e nº. 16. Esse Código vem estruturado, assim como o

Código Penal comum, em duas partes: Parte Geral e Parte Especial. A primeira, que

vai do art. 1º ao 135, composta de um Livro Único, traz a chamada Teoria Geral do

Direito Penal Militar; a segunda, que vai do art. 136 ao 410, estabelece os crimes em

espécie. Essa última é subdividida nos Livros I e II, que contêm, respectivamente, os

crimes militares em tempo de paz e os crimes militares em tempo de guerra.

5 LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo: Atlas, 1992. p. 21.

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1.3 CRIME MILITAR

1.3.1 Crime militar: definição

Constituição Federal

Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. (grifo nosso).

Art. 125. […] § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004) (grifo nosso).

Art. 5º. […] LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (grifo nosso).

A partir dos dispositivos constitucionais acima elencados, percebe-se, pois, que

a Constituição Federal de 1988 utilizou o denominado critério objetivo ou critério

ratione legis (do latim: em razão da lei) para definir crime militar. Segundo esse

critério, crime militar será aquele estabelecido em lei como tal. Atualmente, essa lei é

o Decreto-lei nº. 1.001, de 21 de outubro de 1969 — o Código Penal Militar (CPM).

Ressalte-se, contudo, que, a despeito de a Constituição e o próprio CPM terem

adotado o critério ratione legis, outros critérios também são observados

concomitantes a este na legislação penal militar em vigor, tais como: critério ratione

loci (do latim: em razão do lugar), critério ratione personae (do latim: em razão da

pessoa), critério ratione temporis (do latim: em razão do tempo).

Desse modo, para analisar se determinada conduta consiste em crime militar,

dever-se-á, antes de tudo, verificar se este comportamento consta tipificado na Parte

Especial do Código Penal Militar. Caso a conduta se amolde a alguma daquelas

previstas na Parte Especial do CPM, examina-se se há incidência de alguma das

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hipóteses do art. 9º do CPM, que será estudado adiante. Preenchido esses dois

requisitos, haverá crime militar.

Por outro lado, se a conduta que se pretende verificar não constar na Parte

Especial do Código Penal Militar, não haverá crime militar. É o caso, por exemplo,

do crime de porte ilegal de arma de fogo. Como não existe previsão desse

comportamento no CPM, se o militar for flagrado portando uma arma de fogo com a

numeração adulterada, responderá por crime comum (art. 16, parágrafo único, IV, da

Lei nº 10.826/2003, Estatuto do Desarmamento), ainda que esteja de serviço.

Também é o que ocorre nos crimes de abuso de autoridade, os quais não constam

tipificados no CPM. Por isso a seguinte redação da Súmula nº 172 do STJ:

“Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de

autoridade, ainda que praticado em serviço”.

Em suma: crime militar é todo aquele assim definido em lei.

1.3.2 Classificação dos crimes militares: crime militar próprio e impróprio

A distinção do crime como propriamente militar ou não tem uma grande

importância prática. Isto porque a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXI, prevê

que: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão

militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (grifo nosso). Desse modo,

quando se tratar de crime propriamente militar, também chamado de crime militar

próprio, poderá, excepcionalmente, ocorrer a prisão fora dos casos de flagrante

delito ou ordem judicial. Ex.: prisão cautelar efetuada pelo encarregado do IPM, com

base no art. 18 do CPPM.

Além disso, conforme a regra prevista no art. 64, II, do Código Penal comum,

para efeito de reincidência, não serão considerados os crimes militares próprios (ou

propriamente militares). Assim:

� Crime propriamente militar (ou militar próprio): Aquele que

somente o militar pode cometer. Ex.: Abandono de posto (art. 195 do

CPM).

Obs.: O crime de insubmissão, que é um crime previsto no CPM (art. 183) e só

pode ser cometido por civil, é considerado por alguns autores como crime

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propriamente militar, sendo, pois, para essa corrente, uma exceção ao conceito

supracitado. Para outros, como é o caso de Célio Lobão6, o crime de insubmissão é

crime impropriamente militar.

� Crime impropriamente militar (ou militar impróprio): Aquele que,

tendo também previsão na legislação penal comum, torna-se crime

militar pela afetação às instituições militares, seja pela pela condição

de militar de quem o pratica e/ou da vítima, seja pela natureza militar

do lugar onde é praticado, seja pela anormalidade do tempo em que é

praticado. Ex.: Homicídio (art. 205 do CPM) praticado por militar da

ativa contra outro militar da ativa.

1.3.3 Crimes militares em tempo de paz: art. 9º do CPM

Como já dito anteriormente, para caracterização de determinada conduta como

delito militar, primeiramente deve ser constatada a sua tipificação como crime na

Parte Especial do Código Penal Militar. Depois disto, além desse requisito, deve

haver a ocorrência de uma das situações elencadas no art. 9º do CPM. Assim

sendo, faz-se imprescindível o estudo desse dispositivo da Parte Geral do CPM, que

será analisado a seguir.

Código Penal Militar

Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

O inciso I do art. 9º do CPM traz duas hipóteses de crimes militares: os crimes

tipificados no Código Penal Militar e também no Código Penal comum, porém

definidos diferentemente neste último, e os crimes tipificados exclusivamente no

Código Penal Militar. São exemplo dos primeiros: o crime de incêncio (art. 268 do

CPM), o crime de desacato a militar (art. 299 do CPM), entre outros. Já dos

segundos, são exemplo: o crime de deserção (art. 187 do CPM), o crime de

desrespeito a superior (art. 160 do CPM), etc.

6 Idem, p. 407.

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Em regra, nos crimes deste inciso, qualquer pessoa, militar ou civil, poderá ser

sujeito ativo. Contudo, se a lei dispuser de outra forma, só haverá o crime para

determinado sujeito. Por exemplo, no crime de deserção o sujeito ativo deverá ser

necessariamente o militar, pois assim a lei exige. Já no crime de insubmissão (art.

183 do CPM) o sujeito ativo só poderá ser o civil, já que a lei assim também define.

Além disso, no âmbito da Justiça Militar estadual, o civil não cometerá crime militar,

restringindo a aplicação desse dispositivo aos militares dos Estados. Essa restrição

não existe na Justiça Militar da União.

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade […] contra militar na mesma situação […];

b) por militar em situação de atividade […], em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado […] ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado […] ou civil;

e) por militar em situação de atividade […] contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

O inciso II diz respeito aos crimes previstos tanto no Código Penal Militar quanto

no Código Penal comum, em ambos com igual definição. Por exemplo: homicídio no

CPM (art. 205) e homicídio no CP (art. 121), calúnia no CPM (art. 214) e calúnia no

CP (art. 138). Nesse caso, o que vai caracterizar a infração como delito militar é a

incidência de uma das situações das alíneas do inciso em análise. Perceba-se que

neste inciso o sujeito ativo será sempre o militar da ativa (ou em situação de

atividade).

Pela alínea “a”, vai ocorrer crime militar sempre que o delito seja praticado por

um militar da ativa contra outro militar também da ativa, mesmo fora de serviço e

ainda que não saibam da condição de militar um do outro.

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Na alínea “b”, existe a previsão de crime militar quando a conduta delituosa

ocorrer em local sujeito à administração militar e contra militar da reserva, contra

militar reformado ou contra civil.

Já pelo disposto na alínea “c”, haverá crime militar quando o delito for praticado

por militar de serviço ou atuando em razão da função. Exemplo dessa última

hipótese é o do policial militar que, estando fora de serviço, intervém em um roubo

contra terceiro, lesionando-o, o que, em tese, caracterizaria crime militar. Por outro

lado, a jurisprudência tem entendido que não haverá crime militar quando a investida

se dá contra o próprio PM, agindo este em autodefesa. Por exemplo, quando o PM é

a própria vítima do roubo e reage, lesionando o bandido, situação na qual haverá,

em tese, crime comum. Claro que nessas situações hipotéticas o militar estará

acobertado por excludente de ilicitude, mas, ainda assim, é necessário que se saiba

se — em tese — há crime militar ou crime comum, até mesmo para fins de

instauração de inquérito policial militar ou comum. Ainda conforme esta alínea “c”,

ocorrerá crime militar quando a infração penal for praticada por militar da ativa em

comissão de natureza militar ou em formatura. Em todos esses casos, mesmo fora

de lugar sujeito à administração militar. O sujeito passivo será o militar da reserva, o

militar reformado ou o civil.

A alínea “d” prescreve que haverá crime militar quando o delito for praticado por

militar da ativa, durante o período de manobras ou exercício militar, contra militar da

reserva, militar reformado ou civil.

Segundo o descrito na alínea “e”, vai haver crime militar quando o militar da ativa

praticar a conduta delituosa contra o patrimônio sob a administração militar ou contra

a ordem administrativa militar. Ressalte-se que o patrimônio não precisa

necessariamente pertencer à administração militar, mas basta que esteja sob sua

administração.

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade […] ou contra funcionário de Ministério

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militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

O inciso III do art. 9º do CPM elenca as hipóteses em que o sujeito ativo do

crime militar será o militar da reserva, o militar reformado ou o civil. Cabe lembrar

que o civil, por disposição constitucional que será analisada mais adiante, não

comete crime militar perante às instituições militares estaduais. Assim sendo,

quando se fizer referência aqui ao civil como sujeito ativo do crime militar, estar-se-á

referindo ao cometimento de delito no âmbito das Forças Armadas.

A alíne “a” traz a hipótese de crime militar quando a infração penal for praticada

por militar da reserva, militar reformado ou civil contra o patrimônio sob a

administração militar ou contra a ordem administrativa militar. Por exemplo, quando

um civil danifica propositadamente uma viatura do Exército. Por outro lado, se um

civil danificar uma viatura da Polícia Militar, será responsabilizado pelo cometimento

de crime comum.

Já pelo disposto na alínea “b”, haverá crime militar quando o militar da reserva, o

militar reformado ou o civil, em local sujeito à administração militar, praticar o delito

contra militar da ativa ou contra funcionário de Ministério militar [hoje, Ministério da

Defesa] ou da Justiça Militar, todos no exercício de função inerente ao seu cargo.

Na alínea “c”, há previsão de ocorrência de crime militar quando o delito for

cometido por militar da reserva, militar reformado ou civil contra militar em formatura,

ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício,

acampamento, acantonamento ou manobras.

A alínea “d” prevê a caracterização de crime militar quando a conduta delituosa

for praticada, mesmo que fora de local sujeito à administração militar, por militar da

reserva, militar reformado ou civil contra militar em função de natureza militar, ou

desempenhando serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública,

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administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em

obediência a determinação legal superior. Quando se tratar de militares das Forças

Armadas, estes deverão estar desempenhando suas funções típicas, pois a

jurisprudência não tem considerado crime militar, por exemplo, o delito cometido por

civil contra militar do Exército, de serviço, atuando no trânsito. Já no caso dos

policiais militares, são consideradas atividades típicas dos militares estaduais o

policiamento ostensivo e o policiamento ostensivo de trânsito. Porém, como já dito,

os civis não cometem crime militar no âmbito das instituições militares estaduais.

Quanto à possibilidade de cometimento de crime militar nas hipóteses do inciso

III do art. 9º por militar estadual da reserva ou reformado, a jurisprudência tem

entendido pela competência da Justiça Militar estadual para processo e julgamento.

Nesse sentido, veja-se a ementa de decisão do Tribunal de Justiça Militar do Estado

de Minas:

Ementa: Major reformado da Polícia Militar que, em entrevero com guarnição da Polícia Militar, exercendo função de natureza militar, ofende, desrespeita, injuria e vilipendia os militares, sem razão, com palavras chulas e de baixo calão, deprimindo-lhes a autoridade - o que contraria seu dever - comete o crime militar de desacato a militar (art. 9º, inc. III, letra “d”, do CPM). (TJMMG, Apelação nº 2.253, Rel. Juiz Cel PM Jair Cançado Coutinho, j. 04/11/2003, p. 02/12/2003).

Apesar disso, Célio Lobão 7 entende que o militar estadual da reserva ou

reformado não incorrerá naquelas hipóteses do inciso III, só respondendo na Justiça

Militar estadual, na inatividade, pelos crimes cometidos durante o serviço ativo.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.

O parágrafo único do art. 9º do CPM foi incluído pela Lei nº. 9.299, de 8 de

agosto de 1996. Esse dispositivo prevê que os crimes de que cuida o art. 9º, os

quais foram acima examinados, quando dolosos contra a vida e praticados contra

civil, serão da competência da justiça comum. Logo após a vigência dessa lei,

existiram vários entendimentos pela sua inconstitucionalidade, sendo inclusive este

o posicionamento do Superior Tribunal Militar. Essa alegação se deu porque o

legislador ordinário, ao invés de retirar os crimes dolosos contra vida de civis do rol

7 Idem, p. 141.

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dos crimes militares, o que seria possível conforme a própria Constituição, preferiu

mudar a competência de processo e julgamento para Justiça comum, mas sem

alterar a sua característica de crime militar. Acontece que a Constituição Federal, em

seu art. 124, caput, já estabelece que os crimes militares serão processados e

julgados pela Justiça Militar. Aí estaria a inconstitucionalidade da Lei nº. 9.299/96.

Entretanto, em relação à Justiça Militar estadual, não se pode mais alegar a

inconstitucionalidade do processo e julgamento na Justiça comum dos crimes

dolosos contra a vida de civis cometidos por militares dos Estados. Isto porque, a

partir da alteração realizada pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, a própria

Constituição Federal, em seu art. 125, § 4º, confirmou essa regra. Todavia, como

essa modificação constitucional deu-se somente no âmbito da Justiça Militar

estadual, continua a discussão sobre a inconstitucionalidade da Lei nº. 9.299/96 na

Justiça Militar da União. De qualquer forma, na prática, a Lei nº. 9.299/96 continua

sendo aplicada tanto no âmbito da Justiça Militar estadual quanto da Justiça Militar

da União, tendo o Supremo Tribunal Federal (RE nº 260404) entendido que houve

uma exclusão implícita dos crimes dolosos contra vida de civis do rol dos delitos

militares.

Em que pese esse entendimento do STF, a própria Lei nº 9.299/96, ao alterar o

CPPM, acrescentando-lhe o § 2º ao seu art. 82, dispôs neste que: “Nos crimes

dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos

do inquérito policial militar à justiça comum”. Isto é, determinou a instauração de IPM

nesses casos e seu encaminhamento, em primeiro lugar, à Justiça Militar, para que

esta remeta-o, depois, para a Justiça comum. Ou seja, esses delitos continuaram

sendo crimes militares, inclusive com a instauração de IPM, porém com a

competência para processo e julgamento da justiça comum.

1.3.4 Conceito de militar

Código Penal Militar

Pessoa considerada militar

Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.

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O conceito de militar, para fins de aplicação do CPM, é bastante restrito nesse

dispositivo, somente sendo considerados os militares das Forças Armadas. Contudo,

houve uma extensão desse conceito depois da Constituição Federal de 1988, a qual

passou a considerar, conforme disposto em seu art. 42, caput, os membros das

Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares como militares dos Estados, do

Distrito Federal e dos Territórios. Assim, atualmente, para aplicação do CPM, são

militares tanto aqueles das Forças Armadas quanto os das Polícias Militares e

Corpos de Bombeiros Militares. Deve-se lembrar que os alunos dos cursos de

formação também são considerados militares, havendo incidência nessa situação

dos dispositivos do CPM.

1.3.5 Conceito de assemelhado

Código Penal Militar

Assemelhado

Art. 21. Considera-se assemelhado o servidor, efetivo ou não, dos Ministérios da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, submetido a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento.

Anteriormente, havia a figura do assemelhado, que era o servidor civil, efetivo ou

não, pertencente aos Quadros dos Ministérios militares. Esse servidor era submetido

aos regulamentos disciplinares da Força Armada na qual atuasse e também ao

CPM. Hoje esta figura é extinta e os servidores civis das Forças Armadas e das

Polícias Militares são regidos por estatutos civis.

1.3.6 Conceito de superior

Código Penal Militar

Conceito de superior

Art. 24. O militar que, em virtude da função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior, para efeito da aplicação da lei penal militar.

Page 17: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

15

Em regra, o superior é aquele que detém um maior grau hierárquico, em relação

a um subordinado, na escala hierárquica. É o caso, por exemplo, do sargento em

relação ao soldado. Entretanto, excepcionalmente, para fins de aplicação da lei

penal militar, será considerado superior aquele que, por conta de determinada

função, exerce autoridade sobre outro militar de mesmo posto ou graduação. Ex.:

Um sargento na função de sargento-de-dia será considerado superior a outro

sargento fora dessa função. Assim, este último poderá incorrer no crime de

desrepeito a superior (art. 160 do CPM), caso pratique esta conduta contra o

primeiro.

1.3.7 Conceito de militar da ativa

Código Penal Militar

Equiparação a militar da ativa

Art. 12. O militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar.

O Código Penal Militar equiparou a militar da ativa o militar inativo, da reserva ou

reformado, quando for empregado na administração militar. Assim sendo, o militar

nessa situação deverá ser considerado em atividade, tanto como sujeito ativo quanto

sujeito passivo nas hipóteses previstas no art. 9º.

1.3.8 Conhecimento da condição de superior ou inferior

Código Penal Militar

Elementos não constitutivos do crime

Art. 24. Deixam de ser elementos constitutivos do crime: I - a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente;

Conforme este dispositivo do CPM, a condição de superior ou de inferior deverá

ser conhecida pelo agente para que se configure qualquer crime em que essas

condições sejam elementares do delito. Desse modo, o crime de desacato a superior

Page 18: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

16

(art. 298 do CPM), por exemplo, só restará caracterizado se o subordinado souber

dessa condição do superior. Da mesma maneira, só haverá crime de violência

contra inferior (art. 175 do CPM) se o superior tiver conhecimento dessa condição do

subordinado.

1.3.9 Maioridade penal no Direito Penal Militar brasileiro

Código Penal Militar Menores

Art. 50. O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com este entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um terço até a metade. Equiparação a maiores

Art. 51. Equiparam-se aos maiores de dezoito anos, ainda que não tenham atingido essa idade: a) os militares; b) […] c) os alunos de colégios ou outros estabelecimentos de ensino, sob direção e disciplina militares, que já tenham completado dezessete anos.

Conforme os dispositivos acima, vê-se que o Código Penal Militar de 1969

estabelecia regras diferenciadas para a imputabilidade penal dos menores de

dezoito anos. Todavia, essas regras não foram recepcionadas pela atual

Constituição Federal de 1988, a qual, em seu art. 223, dispõe que “são penalmente

inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação

especial”. Logo, no Direito Penal Militar atual, os menores de dezoito anos, em

qualquer caso, são penalmente inimputáveis, tendo havido revogação tácita

daquelas disposições no CPM. Assim, por exemplo, se um aluno do Colégio Naval,

que é praça especial com graduação equiparada ao 3º sargento da Marinha, menor

de dezoito anos, incorrer em alguma conduta tipificada como crime, responderá por

ato infracional. Nesse caso, se for apreendido em flagrante, deverá ser encaminhado

à delegacia especializada para lavratura do Auto de Apreensão em Flagrante por

Ato Infracional.

Page 19: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

17

1.3.10 Estado de necessidade no CPM

Código Penal Militar Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade

Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.

Estado de necessidade, como excludente do crime

Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.

Da análise dos dispositivos acima, observa-se que o Código Penal Militar, em

relação ao estado de necessidade, adotou teoria diversa daquela utilizada no Código

Penal comum. A teoria aqui acolhida foi a chamada “teoria diferenciadora”, segundo

a qual o estado de necessidade ora vai excluir a culpabilidade (art. 39 do CPM), ora

vai excluir a ilicitude (art. 43 do CPM). Na primeira hipótese, de excludente de

culpabilidade (ou exculpante), o agente, para proteger direito seu ou de quem esteja

ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, sacrifica direito alheio de

igual ou maior valor que o direito protegido. Já na segunda hipótese, de excludente

de ilicitude (ou justificante), o agente, para salvaguardar direito seu ou de outrem,

sacrifica direito alheio de valor consideravelmente menor que o direito protegido. Por

outro lado, o Código Penal comum acolheu a chamada “teoria unitária”, segundo a

qual o estado de necessidade sempre será excludente de ilicitude.

Page 20: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

18

1.4 DAS PENAS PRINCIPAIS NO CÓDIGO PENAL MILITAR

Código Penal Militar

Penas principais

Art. 55. As penas principais são:

a) morte;

b) reclusão;

c) detenção;

d) prisão;

e) impedimento;

f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função;

g) reforma.

As espécies de pena previstas no Código Penal Militar, que vêm elencadas em

seu art. 55, trazem algumas particularidades em relação àquelas do Código Penal

comum.

A primeira delas, a pena de morte, a mais gravosa das penas do CPM, só tem

previsão em tempo de guerra e é executada por fuzilamento. A Constituição Federal

de 1988, em seu art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”, reafirmou a existência dessa

espécie de pena, mantendo a excepcionalidade do caso de guerra declarada.

Entre as penas de reclusão e de detenção, praticamente não há diferença no

Direito Penal Militar, a não ser o fato de a primeira ser destinada aos crimes mais

graves, enquanto que a segunda é prevista para os delitos menos graves. Além

desse, outro ponto de diferenciação vem no art. 58 do CPM, segundo o qual: “O

mínimo da pena de reclusão é de 1 (um) ano e o máximo de 30 (trinta) anos; o

mínimo da pena de detenção é 30 (trinta) dias e o máximo de 10 (dez) anos”. Faz-se

necessário estabelecer esses valores porque, diferentemente do Código Penal

comum, o CPM nem sempre estabelece um mínimo de pena aplicável a alguns

delitos. No crime de furto simples (art. 240 do CPM), por exemplo, a pena

estabelecida é a de reclusão de até seis anos, sem estabelecimento de pena

mímina. Nesse caso, com base no disposto no art. 58, o juiz deverá aplicar uma

pena de no mínimo um ano.

Page 21: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

19

Já em relação à pena de prisão, a diferença está no rigor de seu cumprimento,

que é mais brando do que o da pena de reclusão ou detenção. É o que se conclui da

redação do art. 59 do CPM, que prevê:

A pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando não cabível a suspensão condicional:

I - pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar;

II - pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada de presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos.

De outro lado, a pena privativa de liberdade, quando superior a dois anos,

deverá ser cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, como é o caso do

Estado da Bahia, em estabelecimento prisional civil, conforme a regra do art. 61 do

CPM. Nessa última hipótese, o recluso ou detento ficará sujeito ao regime da Lei de

Execuções Penais, fazendo jus aos benefícios e concessões previstos nessa

legislação.

A pena de impedimento, conforme o art. 63 do CPM, sujeita o condenado a

permanecer em recinto de unidade militar, submetido, ainda, à instrução militar.

Essa espécie de pena, segundo o disposto no item 8 da Exposição de Motivos do

Código Penal Militar, foi introduzida no CPM para o condenado por crime de

insubmissão (art. 183 do CPM).

Quanto à pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou

função, o próprio CPM, em seu art. 64, traz o conceito, ao dizer que esta “consiste

na agregação, no afastamento, no licenciamento ou na disponibilidade do

condenado, pelo tempo fixado na sentença, sem prejuízo do seu comparecimento

regular à sede do serviço”. Nessa espécie, o CPM deixa claro que o tempo de

cumprimento da pena não será computado como tempo de serviço.

Por fim, a pena de reforma, consoante disposto no art. 65 do CPM, sujeita o

condenado a passar para a inatividade. Nessa situação, o militar não poderá receber

mais de um vinte e cinco avos do soldo, por cada ano de serviço, nem mais que o

valor do soldo no total.

Page 22: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

20

1.5 A JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL

Constituição Federal

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[…]

§ 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

45, de 2004).

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004).

§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

A partir da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004, ocorreram algumas

modificações na Justiça Militar estadual. Hoje, os julgamentos na primeira instância

da Justiça Militar estadual podem acontecer de duas maneiras: pelo juiz de direito do

juízo militar, antigo juiz-auditor militar, de forma isolada, ou pelo Conselho de

Justiça, sob a presidência do juiz de direito do juízo militar. De qualquer forma, a

Justiça Militar estadual só é competente para julgar os militares dos Estados, nunca

civis.

O juiz de direito do juízo militar será competente para julgar e processar

singularmente os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra

atos disciplinares militares. Nessas situações, atuará sozinho, sem interferência do

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21

Conselho de Justiça. Ressalte-se que estão daí excluídos os crimes dolosos contra

a vida de civis, que, como visto anteriormente, passaram a ser de competência da

Justiça comum, mais especificamente do Tribunal do Júri.

Nos demais crimes militares, será competente para processo e julgamento o

Conselho de Justiça. Este é composto pelo juiz de direito do juízo militar, que agora

o preside, e por quatro juízes militares, que são sorteados entre os oficiais das

Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. Cada um dos cinco membros do

Conselho tem direito a um voto, não havendo prevalência entre o voto do juiz de

direito e dos demais. O juiz de direito será o primeiro a votar e em seguida os juízes

militares, por ordem inversa de hierarquia. Desse modo, se o Conselho for composto

por um tenente-coronel, um major, um capitão e um tenente, a ordem de votação

será a seguinte: primeiro votará o tenente, depois o capitão, a seguir o major e, por

fim, o tenente-coronel.

Ainda, duas são as espécies de Conselho de Justiça: Conselho Permanente de

Justiça e Conselho Especial de Justiça. O primeiro é competente para processar e

julgar as praças pelo cometimento de crime militar. Ele será composto por quatro

oficiais sorteados, que nele funcionarão como juízes militares pelo período de três

meses consecutivos. Já o segundo é competente para processar e julgar os oficiais

pelo cometimento de crime militar. Também será composto por quatro oficiais,

porém estes serão sorteados para atuarem como juízes militares em cada processo

específico. Nesse caso, deverá ser observada a precedência hierárquica dos juízes

militares sobre o acusado. Ambos os Conselhos serão presididos pelo juiz de direito

do juízo militar.

Por fim, a Justiça Militar estadual será constituída, em segundo grau, pelo

próprio Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal de Justiça Militar, nos Estados que

instituírem este último. Para isso, é necessário que o efetivo de militares estaduais

seja superior a vinte mil integrantes. Atualmente, apesar de existirem Estados com

efetivo superior a esse número, como é o caso do Estado da Bahia, somente três

deles criaram Tribunal de Justiça Militar: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São

Paulo. Por outro lado, como já dito, para os Estados que não instituírem o Tribunal

de Justiça Militar, o Tribunal de Justiça será a segunda instância da Justiça Militar

estadual, que é o que ocorre em quase todos os Estados atualmente, inclusive na

Bahia.

Page 24: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

22

1.6 NÃO APLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95 NA JUSTIÇA MILITAR

Com o advento da Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que instituiu os

Juizados Especiais Criminais, muito discutiu-se acerca da sua aplicabilidade na

Justiça Militar. O Supremo Tribunal Federal entendia que se aplicava, por exemplo,

o instituto da suspensão condicional do processo penal, prevsito no art. 89 da Lei nº.

9.099/95, mesmo na Justiça Militar.

Entretanto, foi promulgada a Lei nº. 9.839, de 27 de setembro de 1999, a qual

acrescentou o art. 90-A à Lei nº. 9.099/95, com a seguinte redação: “As disposições

desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”. Assim sendo, atualmente, a

Lei nº. 9.099/95 não se aplica à Justiça Militar.

Page 25: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

23

2 CRIMES EM ESPÉCIE: CRIMES MILITARES EM TEMPO DE PAZ 2.1 CRIME DE RECUSA DE OBEDIÊNCIA

Código Penal Militar

Recusa de obediência Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução:

Pena - detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O delito de recusa de obediência, crime propriamente militar, constitui uma das

espécies de insubordinação, esta que dá nome ao Capítulo V do Título II (Dos

Crimes contra Autoridade ou Disciplina Militar). Conforme a descrição do art. 163,

comete o crime em questão aquele que se recusa obedecer ordem de superior, logo

é delito que só pode ser cometido por um subordinado em relação a um superior

hierárquico. Todavia, convém lembrar a regra do art. 24 do CPM, segundo a qual

poderá ser considerado superior, para fins de aplicação da lei penal militar, aquele

que, em virtude de determinada função, exerce autoridade sobre outro militar de

mesmo posto ou graduação, por exemplo, um sargento na função de sargento-de-

dia. Nessa hipótese, ainda que a ordem parta de um militar de mesmo grau

hierárquico daquele que a recebe, mas que esteja no exercício de função de

comando, poderá restar configurada a infração penal em comento. Em todo caso, o

militar deverá conhecer a condição de superior de quem emite a ordem.

Por sua vez, a ordem emanada deve consistir em assunto ou matéria de serviço,

ou, ainda, ser relativa a dever imposto em lei, regulamento ou instrução. Acerca da

ordem relativa a assunto ou matéria de serviço, conforme Loureiro Neto, “significa

que ela deva ter relação com as atribuições funcionais do militar, visando, portanto,

o interesse da corporação a que pertence e não interesses particulares. Assim, não

pode ser considerado assunto ou matéria de serviço a ordem dada por um oficial a

seu subordinado no sentido de que este limpe seu veículo”8. Também, a ordem dada

deve ser legal, pois, de outro modo, sendo o descumprimento relativo a uma ordem

8 Op. cit., p. 131.

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24

ilegal, não haverá crime de recusa de obediência. No entanto, se a ilegalidade da

ordem não for manifesta, executando-a o subordinado, não responderá este, mas,

sim, o superior que a ordenou, isto segundo a regra do art. 38 do CPM. Ainda,

conforme leciona o autor supracitado, a ordem deve ser pessoal, o que “significa que

deve ser dirigida a um ou mais inferiores determinados; as de caráter geral não são

ordens desta natureza e seu não cumprimento constitui transgressão disciplinar”9.

O crime de recusa de obediência, de acordo com o disposto no art. 88, II, alínea

a, do CPM, e no art. 617, II, alínea a, do CPPM, impede a concessão do benefício

da suspensão condicional da pena. Do mesmo modo, pelo art. 270, parágrafo único,

alínea b, do CPPM, o indiciado ou acusado por esse delito não terá direito à

liberdade provisória. Também, em conformidade com o art. 97 do CPM e com o art.

642, parágrafo único, do CPPM, o livramento condicional somente será concedido

depois de cumpridos dois terços da pena, quando normalmente, para o condenado

primário, seria necessário o cumprimento de metade da pena.

Por fim, vale lembrar que só haverá o delito de recusa de obediência caso o fato

não constitua outra infração penal de maior gravidade. Por exemplo, se a recusa for

realizada por dois ou mais militares reunidos, não existirá o crime em questão, mas o

de motim ou, se os militares estiverem armados, o de revolta, infrações penais estas

mais graves em relação ao delito de recusa de obediência.

2.2 CRIME DE VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR

Código Penal Militar Violência contra inferior Art. 175. Praticar violência contra inferior:

Pena - detenção, de três meses a um ano. Resultado mais grave Parágrafo único. Se da violência resulta lesão corporal ou morte é também aplicada a pena do crime contra a pessoa, atendendo-se, quando for o caso, ao disposto no art. 159.

9 Idem, ibidem, p. 131.

Page 27: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

25

O crime de violência contra inferior, delito propriamente militar, como é evidente,

exige a condição de superior do sujeito ativo, com a ressalva acima comentada do

art. 24 do CPM, quando também poderá excepcionalmente ser praticado por militar

de mesmo grau hierárquico do agredido. Como leciona Edgard de Brito Chaves

Júnior, “a lei pune o emprego de meios violentos não compatíveis com a vida militar,

tanto mais quando empregados pelo superior hierárquico, tal a condição de sua

responsabilidade profissional”10. Esses meios violentos podem consistir em tapas,

socos, chutes, empurrões, entre outros. Em que pese alguns autores defenderem

que o crime em análise tanto engloba a violência física quanto a moral, prevalece o

entendimento de que essa infração penal somente se caracteriza pelo emprego de

violência física. Ressalte-se que, para que haja o delito em comento, a condição de

inferior deve ser conhecida pelo superior. Também, não sendo necessário que haja

lesão corporal para ocorrer o crime de violência contra inferior, o exame de corpo de

delito é dispensável, a não ser que exista efetivamente lesão. Nesse último caso,

consoante disposto no parágrafo único do art. 175, será aplicada a pena de ambos

os crimes. Do mesmo modo, se da violência resultar morte, o agente responderá

pelo crime de homicídio e violência contra inferior, com a soma das penas. No

entanto, essa segunda pena será reduzida de metade, se ficar evidenciado que o

agressor não quis esse outro resultado nem assumiu o risco de produzi-lo.

2.3 CRIME DE OFENSA AVILTANTE A INFERIOR

Código Penal Militar

Ofensa aviltante a inferior

Art. 176. Ofender inferior, mediante ato de violência que, por natureza ou pelo meio empregado, se considere aviltante:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo anterior.

De forma semelhante ao delito anterior, no crime de ofensa aviltante a inferior

também há utilização de violência, com a diferença de que esta é empregada aqui 10 CHAVES JÚNIOR, Edgard de Brito. Direito penal e processo penal militar. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 177.

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26

como meio de humilhar o inferior. A redação do art. 176 fala de ofensa a inferior

mediante ato de violência que, por natureza ou pelo meio empregado, se considere

aviltante. Segundo Célio Lobão11, “o aviltamento [a humilhação] resultante de ato

inerente à própria natureza da violência é aquele em que a violência realiza-se de

maneira a aviltar, a humilhar, o subordinado, como aplicar tapas no rosto, nas

nádegas, cuspir no rosto, puxar as orelhas, etc.”. Por sua vez, “o ato aviltante pelo

meio empregado consiste em cometer violência, com humilhação, com desonra, do

ofendido, como retirar sua roupa, deixando-o despido em local onde não possa

abrigar-se, a vista de todos, pendurá-lo pelos pés, etc.”12. Ainda, o delito em análise,

que é crime propriamente militar, para sua ocorrência, exige que a condição de

inferior seja conhecida pelo agente que o pratica.

Por outro lado, se um militar ofender outro militar, de mesmo posto ou

graduação, e sem subordinação funcional, por meio de ato de violência aviltante,

não cometerá o delito em questão, mas incorrerá no do art. 217 do CPM, crime de

injúria real. Também responderá pelo delito de injúria real o militar, ainda que

superior hierárquico, que ofenda mediante ato de violência aviltante um outro militar

sobre o qual desconhece sua condição de inferior.

Finalmente, pela regra do art. 270, parágrafo único, alínea b, do CPPM, o

indiciado ou acusado pelo crime de ofensa aviltante a inferior não terá direito à

liberdade provisória.

2.4 CRIME DE ABANDONO DE POSTO

Código Penal Militar Abandono de posto Art. 195. Abandonar, sem ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

O art. 195 do CPM incrimina o abandono de posto, crime propriamente militar,

que se perfaz quando o militar, sem ordem superior, deixa o posto ou lugar de 11 Op. cit., p. 292. 12 Idem, ibidem, p. 292.

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27

serviço para o qual havia sido designado ou o serviço que lhe competia, antes de

terminá-lo. Na lição de Cícero Coimbra e de Marcelo Streifinger, “[…] no abandono

de posto ou de lugar de serviço, há sempre uma área geográfica delimitada, com

menor (posto) ou maior (lugar de serviço) amplitude. Pode ocorrer, todavia, que a

atividade desempenhada pelo militar não tenha uma delimitação espacial ou, se o

tiver, essa delimitação não é tão importante para o desempenho da função confiada

ao militar”13. Por exemplo, quando o PM é escalado na guarda do quartel, esta

consiste em um posto; já quando é designado para o policiamento ostensivo a pé

em uma determinada rua, esta constitui o seu lugar de serviço; por seu turno,

quando assume a função de rondante, esta missão compõe o serviço. Assim sendo,

três são as situações em que existirá o crime de abandono de posto: quando o

militar deixar o posto, o lugar de serviço ou o serviço propriamente dito.

Vale lembrar que, em relação ao serviço para o qual o militar tinha sido

designado, conforme ensina Edgard de Brito Chaves Júnior 14 , “entende-se por

serviço qualquer um que se enquadre nas atribuições do agente, não só as

peculiares da profissão de militar, como também as de outra natureza,

indispensáveis ou necessárias à tropa, tais como preparo de alimentação, serviço de

limpeza, burocrático etc.”. Ressalte-se, ainda, que, por ser um crime de perigo

abstrato, o delito de abandono de posto não exige a ocorrência de qualquer risco

concreto de dano ocasionado pelo abandono, havendo na própria conduta uma

presunção desse perigo.

De outro lado, não há necessidade de um grande lapso temporal fora do posto,

lugar ou serviço para se configurar o delito em comento. É o que ensina Ramagem

Badaró15: “Na caracterização do crime de abandono de posto basta a ausência

momentânea, não autorizada ou não justificada do militar em lugar ou ocasião em

que deveria estar presente, por dever militar e em razão de ordem de serviço” (grifo

do autor).

13 NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcelo. Apontamentos de direito penal militar: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 2, p. 305. 14 Idem, p. 21. 15 BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal Militar de 1969. São Paulo: Juriscredi, 1972, v. 2, p. 64.

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2.5 CRIME DE EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO

Código Penal Militar Embriaguez em serviço Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá-lo:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

O delito de embriaguez em serviço, crime propriamente militar, apresenta-se, na

verdade, em duas condutas: a de embriagar-se o militar, quando em serviço, e a de

se apresentar o militar embriagado para o serviço. Na primeira, o militar assume o

serviço estando sóbrio, mas, durante o seu transcorrer, embriaga-se; enquanto que,

na segunda, o militar já se apresenta embriagado para assunção do serviço. Em

qualquer caso, essa embriaguez poderá ser resultante de álcool ou outras

substâncias análogas, sendo que, se o militar for flagrado com a substância

entorpecente nas dependências da Unidade PM, consumindo-a ou prestes a

consumi-la, responderá pelo delito do art. 290 do CPM, independentemente do

estado de embriaguez em que poderá encontrar-se16. Ainda, o crime de embriaguez

em serviço, assim como o delito de abandono de posto, é crime de perigo abstrato,

não exigindo prova da ocorrência de qualquer situação de risco concreto decorrente

da embriaguez do militar.

Por seu turno, a prova da embriaguez, diferentemente do atual crime de

embriaguez ao volante do Código de Trânsito Brasileiro, não é necessariamente

realizada pelo teste de alcoolemia (exame de sangue) ou do etilômetro (bafômetro).

Isto porque o crime de embriaguez em serviço, em sua descrição típica, não prevê

qualquer nível alcoólico mínimo por litro de sangue, somente exigindo a prova da

ebriedade do militar, independentemente da quantidade de álcool que tenha

ocasionado essa embriaguez. Entretanto, vale aqui a regra da não auto

incriminação, pela qual ninguém poderá ser compelido a produzir provas contra si

mesmo, podendo, então, o militar negar-se a realizar os testes de alcoolemia e do

etilômetro. De qualquer maneira, será apto a comprovar a embriaguez o exame

clínico, sendo que o militar não terá direito a recusar-se estar na presença do

médico-perito, o qual poderá atestar seu estado de ebriedade. 16 NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcelo, Op. cit., p.333.

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29

2.6 CRIME DE DORMIR EM SERVIÇO

Código Penal Militar Dormir em serviço Art. 203. Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente, ou, não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

O delito do sono, como é conhecido o crime de dormir em serviço, ocorre

quando o militar dorme, em serviço, em qualquer das situações acima elencadas.

Esse delito, além de crime propriamente militar, é também crime de perigo abstrato,

sendo, pois, desnecessária a prova de perigo concreto advindo do comportamento

do militar que dorme em serviço. O policial militar, no cumprimento de sua missão

institucional, já frequentemente exposto ao risco dela decorrente, ao dormir em

serviço, torna esse perigo, a si próprio e aos que tem o dever de proteger,

potencialmente maior. Todavia, só é criminalizada a conduta daquele militar que

dorme em serviço intencionalmente, não havendo qualquer previsão da forma

culposa do delito, mas tão somente a sua modalidade dolosa.

O art. 203 traz, ainda, a descrição de algumas funções, no exercício das quais,

caso o militar durma, haverá o crime de dormir em serviço. No entanto, aquelas

situações são apenas exemplificativas, uma vez que o dispositivo faz referência a

“situação equivalente” à função de oficial de quarto ou de ronda e, em relação às

praças, a “qualquer serviço de natureza semelhante” ao serviço de sentinela, vigia,

plantão às máquinas, ao leme e de ronda. Por conta disso, Cícero Coimbra e

Marcelo Streifinger lembram que “é perfeitamente possível a ocorrência do delito no

serviço de policiamento ostensivo das Polícias Militares, uma vez que, se Oficial,

como já postulamos, enquadrar-se-á na figura do Oficial de Ronda, e, se Praça,

estará em serviço de natureza semelhante ao de ronda. Note-se que o Policial Militar

que realiza o patrulhmento em determinada região, em verdade, vigia a área sob o

prisma da preservação da ordem pública”17. E esses mesmos autores colocam que,

por serem sempre de vigilância as situações previstas no delito em análise, não o

17 Op. cit., p. 337.

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30

cometerá aquele militar que dormir na execução de atividade administrativa18. De

qualquer forma, esse militar será responsabilizado na esfera administrativa

disciplinar.

2.7 CRIME DE DESAPARECIMENTO, CONSUNÇÃO OU EXTRAVIO

Código Penal Militar

Desaparecimento, consunção ou extravio

Art. 265. Fazer desaparecer, consumir ou extraviar combustível, armamento, munição, peças de equipamento de navio ou de aeronave ou de engenho de guerra motomecanizado:

Pena - reclusão, até três anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Modalidades culposas Art. 266. Se o crime dos arts. 262, 263, 264 e 265 é culposo, a pena é de detenção de seis meses a dois anos; ou, se o agente é oficial, suspensão do exercício do posto de um a três anos, ou reforma; se resulta lesão corporal ou morte, aplica-se também a pena cominada ao crime culposo contra a pessoa, podendo ainda, se o agente é oficial, ser imposta a pena de reforma.

Atualmente, é cada vez mais comum a perda ou extravio de arma de fogo

pertencente à Corporação por parte de policiais militares. A grande maioria

dessas ocorrências deve-se a situações de caso fortuito ou força maior, nas

quais o PM não tem culpa alguma, ou a circunstâncias em que o policial

militar atuou com culpa, ou seja, com imprudência, negligência ou imperícia.

Acontece que, nessa última hipótese, em que restar comprovada a culpa do

PM, ele responderá pelo crime de desaparecimento, consunção ou extravio,

em sua modalidade culposa (art. 265 c/c art. 266, ambos do CPM). Nesse

sentido, é o teor decisão judicial citada por Jorge Cesar de Assis19 a seguir:

18 Idem, ibidem, p. 337. 19 ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar. 6. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 596.

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“Ementa: Condenação por extravio de revólver pertencente à Brigada Militar,

art. 265 c.c. o art. 266, ambos do CP Militar. Age com culpa stricto sensu, na

modalidade de negligência, policial militar que, após várias horas de trabalho, sem

que tenha despendido qualquer esforço físico, perde, do coldre, o revólver com o

qual executava o serviço. Alegações de defeito no coldre fornecido pela

administração se mostram incapazes de elidir a responsabilidade do militar, de vez

que lhe incumbia examinar o equipamento antes de utilizá-lo. Apelo improvido.

Unânime. (TJM/RS — Ap. Crim. 2.957/97 — Rel. Juiz Cel. João Vanderlan

Rodrigues Vieira — J. em 11.06.1997 — Jurisprudência Penal Militar, jan./jun.

1997, p. 148)”.

Além da situação acima descrita do armamento, que é a mais comum, também

caracteriza o delito a conduta daquele militar que faz desaparecer, consome ou

extravia combustível, munição, peças de equipamento de navio ou de aeronave. Por

outro lado, se ficar comprovado que o PM, em qualquer uma das hipóteses

supramencionadas, agiu de forma dolosa, intencional, será responsabilizado pelo

disposto no art. 265, que é a forma dolosa da infração penal em comento. Vale,

ainda, destacar que o delito de desaparecimento, consunção ou extravio é crime

impropriamente militar.

2.8 CRIME DE PECULATO

Código Penal Militar Peculato Art. 303. Apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de três a quinze anos. Peculato-furto § 2º - Aplica-se a mesma pena a quem, embora não tendo a posse ou detenção do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou contribui para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se

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da facilidade que lhe proporciona a qualidade de militar ou de funcionário. Peculato culposo § 3º - Se o funcionário ou o militar contribui culposamente para que outrem subtraia ou desvie o dinheiro, valor ou bem, ou dele se aproprie:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

O crime de peculato está previsto tanto no Código Penal comum quanto no

Código Penal Militar, sendo este último um crime impropriamente militar. Tendo

previsão em ambas as legislações, o que irá determinar a sua caracterização como

delito militar são as regras do art. 9º do CPM, já estudadas anteriormente. Desse

modo, o policial militar, de serviço, que incorrer nas condutas descritas no crime de

peculato, que serão vistas a seguir, cometerá crime militar, do art. 303 do CPM, e

não o crime comum do art. 312 do CP, isto com base no art. 9º, II, alínea c, do CPM.

Vale dizer que o delito em questão tem como sujeito ativo tanto o militar quanto o

funcionário civil da Administração Militar, porém, como o civil não comete crime

militar na esfera militar estadual, só será feita referência ao militar.

O caput do art. 303 traz duas espécies de peculato: o peculato apropriação e o

peculato desvio. O primeiro, consiste na apropriação de dinheiro, valor ou qualquer

outro bem móvel, público ou particular, de que o militar tenha a posse ou detenção

por conta do cargo que exerce, em proveito próprio ou alheio. Ex.: Um policial militar,

servindo na Sala de Meios, se apropria de alguns cartuchos de que tem a posse em

razão dessa função. Nessa hipótese, comete o crime de peculato apropriação. Já no

segundo caso, o militar, nas mesmas condições da modalidade anterior, ao invés de

apropriar-se, desvia o dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel. Em qualquer

uma das modalidades, a pena é de três a quinze anos de reclusão.

Como exposto acima, o bem apropriado ou desviado pode ser público ou

particular, desde que esteja na posse do militar em razão do cargo. É a situação

descrita na seguinte decisão judicial, trazida por Jorge Cesar de Assis20: “Ementa:

Peculato. Configuração. Comete o crime de peculato policial militar que se apropria

de arma apreendida em virtude de detenção de civis que praticavam roubo contra

20 Op. cit., p. 663.

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transeuntes. Caracterizado, na situação, infidelidade contra a Administração Militar.

Unânime. (TJM/SP — Ap. Crim. 4.271/96 — Rel. Juiz Lourival da Costa Ramos

— J. em 10.02.1998 — Ementário de Jurisprudência 1994-1997)”.

Agora, se o militar, não tendo a posse ou detenção do dinheiro, valor ou bem, o

subtrai, ou coopera para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio,

utilizando-se da facilidade proporcionada por sua qualidade de militar, comete o

crime de peculato furto, previsto no § 2º do art. 303 do CPM. De igual modo, a pena

será de três a quinze anos de reclusão. Exemplo dessa conduta é a do policial

militar que, aproveitando-se do livre acesso à seções da Unidade, subtrai algum

objeto ali utilizado.

Por outro lado, se o policial militar contribuir culposamente, por exemplo, por

negligência, esquecendo a porta da seção que trabalha aberta, para que alguém

subtraia ou desvie o dinheiro, valor ou bem, ou dele se aproprie, cometerá o delito

de peculato culposo. Essa infração penal está elencada no § 3º do art. 303 e tem

pena prevista de três meses a um ano de detenção.

2.9 CRIME DE CONCUSSÃO E CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA

Código Penal Militar Concussão Art. 305. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Corrupção passiva Art. 308. Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de dois a oito anos. Aumento de pena § 1º A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o agente retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

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Diminuição de pena § 2º Se o agente pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Assim como no peculato, os delitos de concussão e de corrupção passiva, que

são crimes impropriamente militares, têm previsão tanto no Código Penal comum

quanto no Código Penal Militar. Conforme a regra do art. 9º, II, alínea c, do CPM, o

policial militar, quando de serviço, se incorrer nas condutas neles descritas,

cometerá os crimes de concussão e de corrupção passiva, respectivamente, dos

arts. 305 e 308 do CPM — crimes militares.

Na concussão, o militar exige, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,

mesmo que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem

indevida. Na corrupção passiva, o militar, nas mesmas condições anteriores, ao

invés de exigir, recebe essa vantagem indevida ou aceita promessa de recebimento

desta. É importante lembrar que, em ambos os crimes, não é necessário o efetivo

recebimento da vantagem para sua consumação. Assim, a diferença entre um e

outro delito encontra-se tão somente na ação de “exigir” vantagem indevida na

concussão e na conduta de “receber” ou “aceitar promessa” de vantagem indevida

na corrupção passiva. Ainda, como destaca Jorge Cesar de Assis21, “a corrupção

passiva militar exige sempre a iniciativa do corruptor, já que o corrompido apenas

recebe a vantagem indevida ou aceita a promessa de tal vantagem, jamais a

solicita”.

Por exemplo, cometerá crime de concussão um PM que, ao efetuar uma

abordagem, ordenar a um condutor inabilitado que lhe entregue, para não autuá-lo,

determinada quantia em dinheiro. Por outro lado, nesse mesmo exemplo, se o

condutor, ao ser abordado, antes de qualquer manifestação do PM, oferecer a este

uma quantia, para que não seja autuado por ele, caso o PM receba essa vantagem,

incorrerá no delito de corrupção passiva.

Na corrupção passiva, existe a previsão de uma causa de aumento de pena, em

um terço, no caso de o agente retardar ou deixar de praticar qualquer ato de ofício

21 Op. cit., p. 675.

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35

ou praticá-lo infringindo dever funcional, por conta da vantagem ou da promessa de

seu recebimento.

Há, ainda, a chamada corrupção passiva privilegiada, constante no § 2º do art.

308 do CPM. Nesta, o militar pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício com

infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outra pessoa, e não

em consequência da vantagem ou promessa. Por exemplo, policial militar que,

atendendo a pedido de um amigo seu, libera alguém que havia sido flagrado por ele

portando ilegalmente uma arma de fogo.

2.10 CRIME DE PREVARICAÇÃO

Código Penal Militar Prevaricação Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Havendo previsão do crime de prevaricação no Código Penal comum e no

Código Penal Militar, deverá ser aplicada a regra do art. 9º, II, alínea c, do CPM,

para o policial militar em serviço. Logo, nessa situação, se a conduta do PM

amoldar-se a do crime de prevaricação, que é a mesma nos dois Códigos, cometerá

o delito impropriamente militar, do art. 319 do CPM, e não a do art. 319 do CP

comum. Valendo-se, mais uma vez, da lição de Jorge Cesar de Assis22, “o delito se

consuma de três maneiras. Na primeira, o agente retarda (protrai, delonga); na

segunda ele deixa de praticar (omissão) e; na terceira ele pratica (ação) contra

disposição legal o ato de ofício (aquele que se compreende nas atribuições do

servidor; que está na esfera de sua competência, administrativa ou judicial)”. Em

todo caso, o agente é motivado pela satisfação de interesse ou sentimento pessoal.

Comete esse delito, por exemplo, o policial militar que, ao efetuar uma abordagem e

constatar que o licenciamento do veículo de um motorista está atrasado, libera o

condutor sem autuá-lo porque ficou compadecido pela sua situação financeira.

22 Idem, ibidem, p. 704.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR

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1 PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NO CPPM 1.1 EFETIVAÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NO CPPM

Código de Processo Penal Militar Pessoas que efetuam prisão em flagrante

Art. 243. Qualquer pessoa poderá e os militares deverão prender quem for insubmisso ou desertor, ou seja encontrado em flagrante delito.

Este dispositivo do Código de Processo Penal Militar refere-se especificamente,

além da prisão nas situações de insubmissão e deserção, à ocorrência de flagrante

delito nos crimes militares. Tanto é assim, que os militares das Forças Armadas,

com fundamento nesse art. 243, não estão obrigados a prender em flagrante delito

quem comete crime comum, mas somente quem for surpreendido no cometimento

de crime militar. Ocorre que, no caso das Polícias Militares, os integrantes destas,

além de militares dos Estados, também são policiais, logo ficam obrigados não só

pelo art. 243 do CPPM, como também pelo art. 301 do CPP comum, que estabelece:

“qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender

quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Esse último dispositivo legal diz

respeito justamente à prisão em flagrante nos crimes comuns.

A prisão em flagrante, a qual os militares das Forças Armadas são obrigados a

efetuar nos crimes militares e os PMs tanto nos crimes militares quanto nos comuns,

é conhecida como flagrante compulsório. Já a prisão em flagrante realizada por

civis, ou por militares das Forças Armadas nos crimes comuns, uma vez que não

têm o dever de efetuá-las, é denominada de flagrante facultativo. Na hipótese de

flagrante compulsório, o militar deverá efetuar a prisão independentemente de quem

esteja nessa situação de flagrância, ainda que se trate de superior hierárquico.

Nesse ponto, vale conferir a redação do art. 223 do CPPM, segundo o qual: “a

prisão de militar deverá ser feita por outro militar de posto ou graduação superior;

ou, se igual, mais antigo”. Porém, como ensina Alexandre Henriques da Costa23,

“neste aspecto, verifica-se que o regramento do artigo 243 do Código de Processo 23 COSTA, Alexandre Henriques da. Manual prático dos atos de polícia judiciária militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004, p. 38.

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Penal Militar é mais específico em relação à prisão em flagrante delito que a

previsão do artigo 223 do mesmo Codex, considerando-se que neste são tratadas as

prescrições gerais das modalidades de prisão provisória, aplicáveis à prisão

preventiva, à detenção, etc., não se coadunando entretanto com a previsão do artigo

243”.

Consoante disposto no art. 230, alínea a, do CPPM, em caso de flagrante, a

captura se fará pela simples voz de prisão do executor. Ainda, na execução da

prisão em flagrante, com base no art. 234, o policial militar estará autorizado ao uso

da força estritamente nos casos em que houver desobediência, resistência ou

tentativa de fuga por parte do preso. Poderá também empregar força em relação a

terceiros, se houver resistência por parte destes.

1.2 PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO NO CPPM: ESPÉCIES

Código de Processo Penal Militar Sujeição a flagrante delito Art. 244. Considera-se em flagrante delito aquele que:

a) está cometendo o crime;

b) acaba de cometê-lo;

c) é perseguido logo após o fato delituoso em situação que faça acreditar ser ele o seu autor;

d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, objetos, material ou papéis que façam presumir a sua participação no fato delituoso. Infração permanente Parágrafo único. Nas infrações permanentes, considera-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Os dois primeiros casos, daquele que está cometendo o delito e daquele que

acabou de cometê-lo, são chamados pelos autores de flagrante próprio ou

propriamente dito. Na primeira situação, o agente é surpreendido ainda na execução

do crime, por exemplo, efetuando disparos contra a vítima. Já na segunda, o delito

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acabou de ser consumado, como na hipótese em que o sujeito descarregou

completamente sua arma, atirando contra a vítima.

A terceira situação, quando alguém é perseguido logo após o fato delituoso em

situação que faça acreditar ser ele o seu autor, é denominada de flagrante impróprio

ou quase flagrante. Aqui, conforme lecionam Nestor Távora e Rosmar Antonni24, “a

crença popular de que é de 24 horas o prazo entre a prática do crime e a prisão em

flagrante não tem o menor sentido, eis que, não existe um limite temporal para o

encerramento da perseguição”.

A última hipótese, daquele que é encontrado, logo depois, com instrumentos,

objetos, material ou papéis que façam presumir a sua participação no fato delituoso,

é conhecida como flagrante presumido ou ficto. É o caso, por exemplo, do indivíduo

que é achado, logo depois de um homícidio, nas proximidades deste, tentando

esconder uma faca e bastante sujo de sangue.

Por fim, o parágrafo único do art. 244 do CPPM trata da prisão em flagrante nos

chamados crimes permanentes. Nestes, consoante o dispositivo, o estado de

flagrância prolonga-se enquanto não for cessada a permanência do delito, sendo

autorizada a prisão em todo esse período. São crimes permanentes, por exemplo, o

sequestro e cárcere privado, a posse ilegal de arma de fogo, algumas condutas do

tráfico de drogas, entre outros.

1.3 LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

Código de Processo Penal Militar Lavratura do auto Art. 245. Apresentado o preso ao comandante ou ao oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou autoridade correspondente, ou à autoridade judiciária, será, por qualquer deles, ouvido o condutor e as testemunhas que o acompanharem, bem como inquirido o indiciado sobre a imputação que lhe é feita, e especialmente sobre o lugar e hora em que o fato aconteceu, lavrando-se de tudo auto, que será por todos assinado.

A prisão em flagrante delito, quando da sua ocorrência naquelas situações

acima examinadas, deverá ser formalizada por meio do Auto de Prisão em Flagrante 24 Op. cit., p. 448.

Page 43: Apostila Direito Militar Aplicado - CFSgt

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Delito (APFD). De acordo com o caput do art. 245 do CPPM, a autoridade

competente para lavratura do auto será o Comandante da Unidade, o oficial de dia,

de serviço ou de quarto, bem como outra autoridade correspondente. No auto,

ficarão registrados o local, a data e a hora dos fatos, assim como a descrição

minuciosa do ocorrido, com a qualificação e oitiva de todos envolvidos.

Designação de escrivão § 4º Sendo o auto presidido por autoridade militar, designará esta, para exercer as funções de escrivão, um capitão, capitão-tenente, primeiro ou segundo-tenente, se o indiciado for oficial. Nos demais casos, poderá designar um subtenente, suboficial ou sargento.

Quando o auto for presidido por autoridade militar, ou seja, nos casos de prisão

em flagrante por crime militar, já que nos crimes comuns a autoridade competente

será o delegado de polícia, aquela autoridade militar designará um escrivão.

Segundo as regras do § 4º do art. 245, no caso específico da PMBA, se o indiciado

for oficial, deverá ser designado, para execer as funções de escrivão no APFD, um

capitão PM ou um 1º tenente PM. Por outro lado, sendo o indiciado praça ou praça

especial, a designação recairá em um subtenente PM ou em um sargento PM.

Como expõe Alexandre Saraiva25, o “escrivão é o responsável pela confecção

do auto de prisão em flagrante, exercendo, por conseguinte, destacada função em

serviço da persecutio criminis”. Assim, o sargento PM, quando no exercício das

funções de escrivão na lavratura do auto de prisão em flagrante, deverá elaborar as

peças que o compõem, seguindo as orientações do presidente do APFD.

25 SARAIVA, Alexandre José de Barros Leal. Inquérito policial e auto de prisão em flagrante nos crimes militares. São Paulo: Atlas, 1999, p. 74.

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2 INQUÉRITO POLICIAL MILITAR (IPM) 2.1 INQUÉRITO POLICIAL MILITAR: NOÇÕES GERAIS

Código de Processo Penal Militar Finalidade do inquérito Art. 9º. O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.

Em consonância com o disposto no art. 9º do CPPM, Alexandre Saraiva26 define:

“o Inquérito Policial Militar (IPM) é, portanto, o conjunto de diligências efetuadas pela

Polícia Judiciária Militar, destinado a reunir os elementos de convicção referentes à

autoria e à materialidade de um crime militar, a fim de que o Ministério Público Militar

possa exercer a ação penal”. Observa-se, pois, que o destinatário final do inquérito

policial militar será o Promotor de Justiça Militar, o qual se valerá do que ali foi

apurado para intentar a ação penal militar, ainda que, para propositura desta, não

seja indispensável o IPM. Vale, ainda, ressaltar que, como o IPM tem caráter de

instrução provisória, ou seja, “seu conteúdo não é suficiente para a condenação do

indiciado”27, não há que se falar em réu ou acusado nesta fase de sua instauração,

havendo, sim, investigado ou indiciado.

O art. 10 do CPPM elenca, em suas alíneas, as situações em que se iniciará o

inquérito policial militar, sendo que, em todas elas, a instauração propriamente dita

ocorrerá a partir de Portaria do Comandante. Uma dessas hipóteses, a da alínea f,

prevê a instauração de IPM quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição

militar, resultar indício da existência de infração penal militar. Em conformidade com

esse dispositivo, o art. 60, inciso IV, da Lei nº. 7.990/2001, Estatuto dos Policiais do

Estado da Bahia, dispõe que da sindicância poderá resultar instauração de inquérito

policial militar. Acerca desse assunto, Alexandre Saraiva28 chama a atenção para o

26 Idem, p. 14. 27 VIOLA, João Carlos Balbino. Manual de investigação criminal militar. Belo Horizonte: Líder, 2005, p. 51. 28 Idem, ibidem, p. 26.

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fato de que “não é incomum a abertura de sindicâncias em situações em que ab

initio está demonstrada a ocorrência de crime militar. […] Destarte, cabe ao

Ministério Público coibir referida ilegalidade, promovendo a responsabilidade penal

da autoridade que se absteve de praticar o ato de ofício que lhe era exigido:

instaurar o IPM”. Assim, uma coisa é a instauração de sindicância quando somente

havia indícios de transgressão disciplinar e, no decorrer desta investigação, surgirem

vestígios de cometimento de crime militar, instaurando-se, após a sua conclusão, o

devido IPM; outra situação é, já existindo indicíos suficientes da ocorrência de crime

militar, instaurar-se sindicância, ao invés do adequado IPM, o que constitui

ilegalidade perante o Código de Processo Penal Militar.

2.2 O ESCRIVÃO NO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR

Código de Processo Penal Militar Escrivão do inquérito Art. 11. A designação de escrivão para o inquérito caberá ao respectivo encarregado, se não tiver sido feita pela autoridade que lhe deu delegação para aquele fim, recaindo em segundo ou primeiro-tenente, se o indiciado for oficial, e em sargento, subtenente ou suboficial, nos demais casos. Compromisso legal Parágrafo único. O escrivão prestará compromisso de manter o sigilo do inquérito e de cumprir fielmente as determinações deste Código, no exercício da função.

Aqui valem as mesmas regras de designação do escrivão na lavratura do auto

da prisão em flagrante, isto é, se o indiciado for um oficial, deverá ser designado,

para execer as funções de escrivão no IPM, um capitão PM ou um 1º tenente PM.

Em sendo o indiciado praça ou praça especial, a designação deverá recair em um

subtenente PM ou em um sargento PM. Por conta dessa previsão legal, o futuro

sargento PM deverá conhecer muito bem as incumbências do escrivão, já que

possivelmente irá atuar nessa função. No inquérito policial militar, o escrivão poderá

já ser designado pela própria autoridade militar que o mandou instaurar. Caso não

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haja essa designação prévia, a escolha será feita pelo encarregado do IPM, o que é

mais comum acontecer.

Ao ser designado para exercer as funções de escrivão no IPM, o militar deverá

prestar compromisso de manter o sigilo do inquérito e de cumprir fielmente as

determinações do CPPM, no exercício da função. Esse compromisso será reduzido

a termo, o qual será juntado aos autos do IPM. Como ensina João Carlos Balbino

Viola29, “o compromisso do escrivão é um ato que deve ser feito sempre na forma

escrita, devendo ser assinado pelo encarregado e pelo nomeado. O ato de

nomeação, quando feito pelo encarregado, e o compromisso, devem ser autuados

logo após a portaria de instauração”.

Consoante prevê o art. 21 do CPPM, o escrivão será responsável por reunir,

num só processo, por ordem cronológica, todas as peças do IPM, sendo também por

ele numeradas e rubricadas as folhas dos autos. O escrivão, que também tem a

responsabilidade pela guarda dos autos do IPM, quando houver juntada de

qualquer documento, após o despacho do encarregado, deverá lavrar o respectivo

termo de juntada, mencionando a data desse ato.

Além do mais, conforme disposto no art. 19, § 1º, do CPPM, encontra-se entre

as funções do escrivão lavrar assentada do dia e hora do início das inquirições ou

depoimentos, bem como do seu encerramento ou interrupções, ao final daquele

período. Como explica Jorge Cesar de Assis30, “a assentada a que se refere o artigo,

nada mais é do que o Termo que é lavrado pelo escrivão do inquérito, do

depoimento da testemunha”.

29 Op. cit., p. 144. 30 ASSIS, Jorge César de. Código de Processo Penal Militar anotado: artigos 1º ao 169. 2. ed. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2008, v. 1, p. 57.

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REFERÊNCIAS ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar. 6. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008. ______. Código de Processo Penal Militar anotado: artigos 1º ao 169. 2. ed. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2008. v. 1 BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal Militar de 1969. São Paulo: Juriscredi, 1972. v. 2. BANDEIRA, Esmeraldino O. T. Direito, justiça e processo militar. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1919. v. 1. BRASIL. Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar, Constituição Federal e legislação. Organizador Ricardo Vergueiro Figueiredo. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2010. (Coleção de Leis Rideeel). CHAVES JÚNIOR, Edgard de Brito. Direito penal e processo penal militar. Rio de Janeiro: Forense, 1986. COSTA, Alexandre Henriques da. Manual prático dos atos de polícia judiciária militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004. CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL, Claudio Amin. Elementos de direito penal militar: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. LOBÃO, Célio. Direito penal militar. 3. ed. atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo: Atlas, 1992. NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcelo. Apontamentos de direito penal militar: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2. NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: introdução e parte geral. Atualização de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. 38. ed. rev. e atual. São Paulo: Rideel, 2009. v. 1. SARAIVA, Alexandre José de Barros Leal. Inquérito policial e auto de prisão em flagrante nos crimes militares. São Paulo: Atlas, 1999. VIOLA, João Carlos Balbino. Manual de investigação criminal militar. Belo Horizonte: Líder, 2005.