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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI APOSTILA: DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ESPÍRITO SANTO

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI

APOSTILA:

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

ESPÍRITO SANTO

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DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Na procura de uma compreensão mais global das deficiências em geral, em

1980, a OMS propôs três níveis para esclarecer todas as deficiências, a saber: defici-

ência, incapacidade e desvantagem social. Em 2001, essa proposta, revista e reedita-

da, introduziu o funcionamento global da pessoa com deficiência em relação aos fato-

res contextuais e do meio, citando entre as demais e rompendo o seu isolamento.

Ela chegou a motivar a pro-

posta de substituição da terminolo-

gia “pessoa deficiente” por “pessoa

em situação de deficiência”. (AS-

SANTE, 20003), para destacar os

efeitos do meio sobre a autonomia

da pessoa com deficiência. Assim,

uma pessoa pode sentir-se discriminada em um ambiente que lhe impõe barreiras e

que só destaca a sua deficiência ou, ao contrário, ser acolhida, graças às transforma-

ções deste ambiente para atender às suas necessidades.

Além de todos esses conceitos, que em muitos casos são antagônicos, existe a

dificuldade de se estabelecer um diagnóstico diferencial entre o que seja “doença men-

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tal” (que engloba diagnósticos de psicose e psicose precoce) e “deficiência mental”

principalmente no caso de crianças pequenas em idade escolar.

Por todos esses motivos, faz-se necessário reunir posicionamentos de diferentes

áreas do conhecimento, para conseguirmos entender mais amplamente o fenômeno

mental. A deficiência intelectual não se esgota na sua condição orgânica e/ou intelec-

tual e nem pode ser definida por um único saber. Ela é uma interrogação e objeto de

investigação de inúmeras áreas do conhecimento.

A grande dificuldade de conceituar essa deficiência trouxe consequências inde-

léveis na maneira de lidarmos com ela e com quem a possui. O medo da diferença e do

desconhecido é responsável, em grande parte, pela discriminação sofrida pelas pesso-

as com deficiência, mas principalmente por aquelas com deficiência mental.

O sociólogo Erving Goffman desenvol-

veu uma estrutura conceitual – a estigmação,

para definir essa reação diante daquele que é

diferente e que acarreta um certo descrédito

e desaprovação das demais pessoas. Freud,

em seu trabalho sobre o Estranho, também

demonstrou como o sujeito evita aquilo que

lhe parece estranho e diferente e que no fun-

do remete a questões pessoais e mais ínti-

mas dele próprio.

Presa ao conservadorismo e à estrutura de gestão dos serviços públicos educa-

cionais, a escola, como instituição, continua norteada por mecanismos elitistas de pro-

moção dos melhores alunos em todos os seus níveis de ensino e contribui para aumen-

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tar e/ou manter o preconceito e discriminação em relação aos alunos com deficiência

mental.

Há que se considerar também as resistências de profissionais da área, que cri-

am ainda mais obstáculos para se definir o atendimento a pessoas com deficiência

mental. Por todas essas razões, o Atendimento Educacional Especializado para alunos

com deficiência intelectual necessita ser urgentemente reinterpretado e reestruturado.

A deficiência intelectual desafia a escola comum no seu objetivo de ensinar, de

levar o aluno a aprender o conteúdo curricular, construindo o conhecimento. O aluno

com essa deficiência tem uma maneira própria de lidar com o saber, que não corres-

ponde ao que a escola preconiza. Na verdade, não corresponder ao esperado pela

escola pode acontecer com todo e qualquer aluno, mas os alunos com deficiência inte-

lectual denunciam a impossibilidade de a escola atingir esse objetivo, de forma tácita.

Eles não permitem que a escola dissimule essa verdade. As outras deficiências

não abalam tanto a escola comum, pois não tocam no cerne e no motivo da sua urgen-

te transformação: considerar a aprendizagem e a construção do conhecimento acadê-

mico como uma conquista individual e intransferível do aprendiz, que não cabe em pa-

drões e modelos idealizados.

O aluno com deficiência inte-

lectual tem dificuldade de construir

conhecimento como os demais e de

demonstrar a sua capacidade cogniti-

va, principalmente nas escolas que

mantêm um modelo conservador de

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ensino e uma gestão autoritária e centralizadora. Essas escolas apenas acentuam a

deficiência, aumentam a inibição, reforçam os sintomas existentes e agravam as difi-

culdades do aluno com deficiência mental. Tal situação ilustra o que a definição da Or-

ganização Mundial de Saúde - OMS de 2001 e a Convenção da Guatemala acusam

como agravante da situação de deficiência.

O caráter meritocrático, homogeneizador e competitivo das escolas tradicionais

oprimem o professor, reduzindo-o a uma situação de isolamento e impotência, princi-

palmente frente aos seus alunos com deficiência mental, pois são aqueles que mais

“entravam” o desenvolvimento do processo escolar, em todos os seus níveis e séries.

Diante da situação, a saída encontrada pela maioria dos professores é desvencilhar-se

desses alunos que não acompanham as turmas, encaminhando-os para qualquer outro

lugar que supostamente saiba como ensiná-los.

O número de alunos categorizados como deficientes mentais foi ampliado enor-

memente, abrangendo todos aqueles que não demonstram bom aproveitamento esco-

lar e com dificuldades de seguir as normas disciplinares da escola. Os aparecimentos

de novas terminologias, como as “necessidades educacionais especiais”, aumentaram

a confusão entre casos de deficiência intelectual e outros que apenas apresentam pro-

blemas na aprendizagem, por motivos que muitas vezes são devidos às próprias práti-

cas escolares.

Se as escolas não se reorganizarem para atender a todos os alunos, indistinta-

mente, a exclusão generalizada tenderá a aumentar, provocando cada vez mais quei-

xas vazias e maior distanciamento da escola comum dos alunos que supostamente não

aprendem.

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A necessidade de encontrar soluções imediatas para resolver a premência da

observância do direito de todos à educação fez com que algumas escolas procurassem

saídas paliativas, envolvendo todo tipo de adaptação: de currículos, de atividades, de

avaliação, de atendimento em sala de aula que se destinam unicamente aos alunos

com deficiência. Essas soluções continuam reforçando o caráter substitutivo da Educa-

ção Especial, especialmente quando se trata de alunos com deficiência mental.

Tais práticas adaptativas funcionam como um regulador externo da aprendiza-

gem e estão baseadas nos propósitos e procedimentos de ensino que decidem o que

falta ao aluno de uma turma de escola comum. Em outras palavras, ao adaptar currícu-

los, selecionar atividades e formular provas diferentes para alunos com deficiência e/ou

dificuldade de aprender, o professor interfere de fora, submetendo os alunos ao que

supõe que eles sejam capazes de aprender.

Na concepção inclusiva, a adaptação ao conteúdo escolar é realizada pelo pró-

prio aluno e testemunha a sua emancipação intelectual. Essa emancipação é conse-

quência do processo de auto regulação da aprendizagem, em que o aluno assimila o

novo conhecimento, de acordo com suas possibilidades de incorporá-lo ao que já co-

nhece.

Entender este sentido emancipador da adaptação intelectual é sumamente im-

portante para o professor comum e especializado. Aprender é uma ação humana criati-

va, individual, heterogênea e regulada pelo sujeito da aprendizagem, independente-

mente de sua condição intelectual ser mais ou ser menos privilegiada. São as diferen-

tes ideias, opiniões, níveis de compreensão que enriquecem o processo escolar e cla-

reiam o entendimento dos alunos e professores. Essa diversidade deriva das formas

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singulares de nos adaptarmos cognitivamente a um dado conteúdo e da possibilidade

de nos expressarmos abertamente sobre ele.

Ensinar é um ato coletivo,

no qual o professor disponibiliza

a todos alunos, sem exceção,

um mesmo conhecimento. Ao

invés de adaptar e individualizar/

diferenciar o ensino para alguns, a escola comum precisa recriar suas práticas, mudar

suas concepções, rever seu papel, sempre reconhecendo e valorizando as diferenças.

As práticas escolares que permitem ao aluno aprender e ter reconhecidos e va-

lorizados os conhecimentos que é capaz de produzir, segundo suas possibilidades, são

próprias de um ensino escolar que se distingue pela diversificação de atividades. O

professor, na perspectiva da educação inclusiva, não ministra um “ensino diversificado”

e para alguns. Ele prepara atividades diversas para seus alunos (com e sem deficiência

mental) ao trabalhar um mesmo conteúdo curricular. Essas atividades não são gradua-

das para atender a níveis diferentes de compreensão e estão disponíveis na sala de

aula para que os alunos as escolham livremente, de acordo com seus interesses.

Para exemplificar esta prática, consideremos o ensino dos planetas do sistema

solar para uma turma de alunos com e sem deficiências. As atividades podem variar de

propostas de elaboração de textos, a construção de maquetes do sistema planetário,

realização de pesquisas em livros, revistas, jornais, internet, confecção de cartazes,

leituras interpretativas de textos literários e poesias, apresentação de seminários sobre

o tema, entre outras.

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O aluno com deficiência mental, assim como os demais colegas, escolhe a ativi-

dade que mais lhe interessar e a executa. Essa escolha e a capacidade de desempe-

nhar a tarefa não é predefinida pelo professor. Tal prática é distinta daquelas que habi-

tualmente encontramos nas salas de aula, nas quais o professor escolhe e determina

uma tarefa para todos os alunos realizarem individualmente e uniformemente, sendo

que para os alunos com deficiência intelectual ele oferece uma outra atividade facilitada

sobre o mesmo assunto ou até mesmo sobre outro completamente diferente. Contradi-

toriamente, esta tem sido a solução adotada pelos professores para impedir a “exclu-

são na inclusão”. Utilizando como exemplo esse mesmo conteúdo - o ensino dos plane-

tas do sistema solar - é comum o professor selecionar uma atividade de leitura e inter-

pretação de textos para todos os alunos, cabendo àquele com deficiência intelectual

apenas colorir um dos planetas em folha mimeografado.

Modificar essas práticas discrimi-

natórias é um verdadeiro desafio, que

implica em inovações na forma de o pro-

fessor e o aluno avaliarem o processo de

ensino e de aprendizagem. Elas exigem a

negação do caráter padronizador da

aprendizagem e eliminam todas as de-

mais características excludentes das escolas comuns, que adotam propostas pedagó-

gicas conservadoras. A prática escolar inclusiva provoca necessariamente a coopera-

ção entre todos os alunos e o reconhecimento de que ensinar uma turma é, na verda-

de, trabalhar com um grande grupo e com todas as possibilidades de subdividi-lo.

Dessa forma, nas subdivisões de uma turma, os alunos com deficiência intelectual po-

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dem aderir a qualquer grupo de colegas, sem formar um grupo à parte, constituído

apenas de alunos com deficiência e/ou problemas na aprendizagem.

Para conseguir trabalhar dentro de uma proposta educacional inclusiva, o pro-

fessor comum precisa contar com o respaldo de uma direção escolar e de especialistas

(orientadores, supervisores educacionais e outros), que adotam um modo de gestão

escolar, verdadeiramente participativa e descentralizada. Muitas vezes o professor tem

ideias novas para colocar em ação em sua sala de aula, mas não é bem recebido pelos

colegas e pelos demais membros da escola, devido ao descompasso entre o que está

propondo e o que a escola tem o hábito de fazer para o mesmo fim.

A receptividade à inovação anima a escola a criar e a ter liberdade para experi-

mentar alternativas de ensino. Sua autonomia para criar e experimentar coisas novas

se estenderá aos alunos com ou sem deficiência e assim os alunos com deficiência

intelectual serão naturalmente valorizados e reconhecidos por suas capacidades e res-

peitados em suas limitações.

A liberdade do professor e dos alunos, de criarem as melhores condições de en-

sino e de aprendizagem, não dispensa um bom planejamento de trabalho, seja ele

anual, mensal, quinzenal ou mesmo diário. Ser livre para aprender e ensinar não impli-

ca em uma falta de limites e regras ou, ainda, em cair num espontaneismo de atuação.

O ano letivo, assim como a rotina diária de uma turma, devem contemplar um tempo

para planejar, outro para executar, outro para avaliar e socializar os conhecimentos

aprendidos. Todo esse processo é realizado coletivamente e individualmente.

Um exemplo de rotina de sala de aula seria desenvolver, em um primeiro mo-

mento, o planejamento coletivo, que compreende uma conversação livre entre o pro-

fessor e seus alunos a respeito do emprego do tempo naquela jornada. Esse momento

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permite ao aluno expressar-se livremente a respeito do que pretende fazer/aprender

nesse dia e à professora colocar suas intenções no mesmo sentido. No planejamento

todo o grupo pode tomar decisões com relação às atividades e aos grupos a serem

formados para realizá-las. Num segundo momento, as atividades são realizadas con-

forme o plano estabelecido. Finalmente a jornada de trabalho é reconstituída na última

parte dessa rotina, com a participação de todos os alunos. Eles então socializam o que

aprenderam e avaliam a produção realizada no dia. O aluno com deficiência mental,

como os demais, participa igualmente de todos esses momentos: planejamento, exe-

cução, avaliação e socialização dos conhecimentos produzidos.

A avaliação dos alunos com deficiência inte-

lectual visa ao conhecimento de seus avanços no

entendimento dos conteúdos curriculares durante

o ano letivo de trabalho, seja ele organizado por

série ou ciclos. O mesmo vale para os outros alu-

nos da sua turma, para que não sejam feridos os

princípios da inclusão escolar. A promoção auto-

mática, quando é exclusiva para alunos com defi-

ciência mental, constitui uma diferenciação pela deficiência, o que caracteriza discrimi-

nação. Em ambos os casos, o que interessa para que um novo ano letivo se inicie é o

quanto o aluno, com ou sem deficiência, aprendeu no ano anterior, pois nenhum co-

nhecimento é aprendido sem base no que se conheceu antes.

As barreiras da deficiência intelectual diferem das barreiras encontradas nas

demais deficiências. Trata-se de barreiras referentes à maneira de lidar com o saber

em geral, fato que reflete preponderantemente na construção do conhecimento escolar.

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A educação especializada tradicional, realizada nos moldes do treinamento e da adap-

tação, reforça a deficiência desse aluno. Essas formas de intervenção mantêm o aluno

em um nível de compreensão que é muito primitivo e que a pessoa com deficiência

intelectual tem dificuldade de ultrapassar - o nível das chamadas regulações automáti-

cas, descritas por Piaget. É necessário que se estimule o aluno com deficiência intelec-

tual a avançar na sua compreensão, criando-lhe conflitos cognitivos, ou melhor, desafi-

ando-o a enfrentá-los.

O Atendimento Educacional Especializado deve propiciar aos alunos com defici-

ência intelectual condições de passar de um tipo de ação automática e mecânica diante

de uma situação de aprendizado/experiência – regulações automáticas para um outro

tipo, que lhe possibilite selecionar e optar pelos meios que julguem mais convenientes

para agir intelectualmente – regulações ativas, também descritas por Piaget.

O Atendimento Educacional Espe-

cializado para tais alunos deve, portanto,

privilegiar o desenvolvimento e a supera-

ção de seus limites intelectuais, exata-

mente como acontece com as demais

deficiências, como exemplo: para o cego,

a possibilidade de ler pelo braile; para o

surdo, a forma mais conveniente de se comunicar e para a pessoa com deficiência físi-

ca, o modo mais adequado de se orientar e se locomover.

Para a pessoa com deficiência mental, a acessibilidade não depende de supor-

tes externos ao sujeito, mas tem a ver com a saída de uma posição passiva e automa-

tizada diante da aprendizagem para o acesso e apropriação ativa do próprio saber. De

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fato, a pessoa com deficiência intelectual encontra inúmeras barreiras nas interações

com o meio para assimilar as propriedades físicas do objeto de conhecimento, como

por exemplo: cor, forma, textura, tamanho e outras características retiradas diretamente

desse objeto. Isso ocorre porque são pessoas que apresentam prejuízos no funciona-

mento, na estruturação e na construção do conhecimento.

Por esse motivo, não adianta

propor-lhes atividades que insistem na

repetição pura e simples de noções de

cor, forma etc. para que, a partir desse

suposto aprendizado, o aluno consiga

entender essas e as demais proprieda-

des físicas dos objetos, e ainda possa

transpô-las para outros contextos de aprendizagem. A criança sem deficiência intelec-

tual consegue espontaneamente retirar informações do objeto e construir conceitos,

progressivamente. Já a criança com deficiência intelectual precisa exercitar sua ativi-

dade cognitiva, de modo que consiga o mesmo, ou uma aproximação do mesmo avan-

ço.

Esse exercício intelectual implica em trabalhar a abstração, através da projeção

das ações práticas em pensamento. A projeção e a coordenação das ações práticas

em pensamento são partes de um processo cognitivo que é natural nas pessoas que

não têm deficiência mental. Para aquelas que têm uma deficiência mental, essa passa-

gem deve ser estimulada e provocada, para que consigam interiorizar o conhecimento

e fazer uso dele, oportunamente.

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O Atendimento Educacional Especializado para as pessoas com deficiência inte-

lectual está centrado na dimensão subjetiva do processo de conhecimento. O conheci-

mento acadêmico refere-se à aprendizagem do conteúdo curricular; o Atendimento

Educacional Especializado, por sua vez, refere-se à forma pela qual o aluno trata todo

e qualquer conteúdo que lhe é apresentado e como consegue significá-lo, ou seja,

compreendê-lo.

É importante insistir que o Atendimento Edu-

cacional Especializado não é ensino particular, nem

reforço escolar. Ele pode ser realizado em grupos,

porém é preciso estar atento para as formas especí-

ficas de cada aluno se relacionar com o saber. Não

é indicado realizá-lo em grupos formados por alunos

com o mesmo tipo de problema (patologias) e/ou

desenvolvimento. Pelo contrário, esses grupos de-

vem ser constituídos de alunos da mesma faixa etá-

ria e em vários níveis do processo de conhecimento.

Alunos com síndrome de Down, por exemplo, poderão compartilhar esse aten-

dimento com colegas, com outras síndromes, sequelas de paralisia cerebral e ainda

outros com ou sem uma causa orgânica esclarecida de sua deficiência e com diferen-

tes possibilidades de acesso ao conhecimento.

O Atendimento Educacional Especializado para o aluno com deficiência intelec-

tual deve permitir que esse aluno saia de uma posição de “não saber”, ou de “recusa

de saber” para se apropriar de um saber que lhe é próprio, ou melhor, que ele tem

consciência de que o construiu.

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A inibição, definida na teoria freudiana, ou a “posição débil” enunciada por Lacan

provocam atitudes particulares diante do saber, influenciando a pessoa na aquisição do

conhecimento acadêmico. O aluno com deficiência mental, como qualquer outro aluno,

precisa desenvolver a sua criatividade, a capacidade de conhecer o mundo e a si

mesmo, não apenas superficialmente ou por meio do que o outro pensa. O nosso maior

engano é generalizar a dotação intelectual das pessoas com deficiência intelectual em

um nível sempre muito baixo, carregado de preconceitos sobre a capacidade de, como

alunos, progredirem na escola, acompanhando os demais colegas. Desse engano deri-

vam todas as ações educativas que desconsideram o fato de que cada pessoa é uma

pessoa, que tem antecedentes diferentes de formação, experiências de vida e que

sempre é capaz de aprender e de exprimir um conhecimento.

Por maior que seja a limitação do aluno com deficiência mental, ir à escola co-

mum para aprender conteúdos acadêmicos e participar do grupo social mais amplo

favorece o seu aproveitamento no Atendimento Educacional Especializado e vice-

versa. O Atendimento Educacional Especializado é, de fato, muito importante para o

progresso escolar do aluno com deficiência

mental.

Aqui é importante salientar que a “soci-

alização” justificada, como único objetivo da

entrada desses alunos na escola comum, es-

pecialmente para os casos mais graves, não

permite essa complementação e muito menos

significa que está havendo uma inclusão esco-

lar.

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A verdadeira socialização, em todos os seus níveis, exige construções cognitivas

e compreensão da relação com o outro. O que tem acontecido, em nome dessa supos-

ta socialização, é uma espécie de tolerância da presença do aluno em sala de aula e o

que decorre dessa situação é a perpetuação da segregação, mesmo que o aluno esteja

frequentando um ambiente escolar comum.

O arranjo físico do espaço reservado ao atendimento precisa coincidir com o seu

objetivo de enriquecer o processo de desenvolvimento cognitivo do aluno com deficiên-

cia intelectual e de oferecer-lhe o maior número possível de alternativas de envolvimen-

to e interação com o que compõe esse espaço. Portanto, não pode reproduzir uma sala

de aula comum e tradicional. O espaço físico para o Atendimento Educacional Especia-

lizado deve ser preservado, tanto na escola especial como na escola comum, ou seja,

deve ser criado e utilizado unicamente para esse fim.

O tempo reservado para esse atendimento será definido conforme a necessida-

de de cada aluno e as sessões acontecerão sempre no horário oposto ao das aulas do

ensino regular. As escolas especiais, diante dessa proposta, tornam-se espaços de

Atendimento Educacional Especializado nas diferentes deficiências para as quais foram

criadas e devem guardar suas especificidades. Elas não podem justificar a manutenção

da estrutura e modelo da escola comum, recebendo alunos sem deficiência – a cha-

mada “inclusão ao contrário” e nem mesmo atender a todo o tipo de deficiência em um

mesmo espaço especializado.

As instituições especializadas devem fazer o mesmo com suas escolas especi-

ais e também conservar o atendimento clínico especializado. A avaliação do Atendi-

mento Educacional Especializado, seja a inicial como a final, têm o objetivo de conhe-

cer o ponto de partida e o de chegada do aluno, no processo de conhecimento. Para

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que se possa montar um plano de trabalho para esse atendimento, não é tão importan-

te para o professor saber o que o aluno não sabe quanto saber o que ele já conhece de

um dado assunto.

O TRATAMENTO DAS PESSOAS COM DEFI-

ÊNCIA MENTAL

Artigo de:

Educação do deficiente mental – Elsa Midori Shimazaki

O tratamento dado às pessoas com deficiência mental reporta-se à antiguidade

como afirma González (1999). Alguns dados revelam que o tratamento para essas

pessoas, em determinado momento, mostra-se de forma pitoresca ou artística, como

revela a pintura de Velasquez denominado “The fools of King Phillip of Spain”. O papiro

de Tebes, datado de 1552 a.C., faz referência à deficiência mental, discutindo o trata-

mento de pessoas com habilidades intelectuais limitadas. Ainda nos anos 449 a. C., os

romanos fazem referências a “palhaços” e “monstros” e citam a falta de habilidade des-

sas pessoas em cuidar de si mesmas, de suas famílias ou em servir a sociedade. Con-

fúcio, em 500 a.C., assim como o grego Hipócrates em 400 a.C, expressaram interes-

ses quanto ao cuidado e tratamento das pessoas com deficiência mental.

Após a Revolução Francesa, e, com os crescentes discursos da igualdade, fra-

ternidade e liberdade, há uma mudança, pelo menos teórica, a respeito da deficiência.

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Aparecem as primeiras intenções de tratamento específico e de processo educativo.

Criam-se tipos de instituições claramente diferentes: o médico e o educativo, além de

incorporar-se a aplicação de práticas de efeitos classificatórios, especialmente às pes-

soas com deficiência mental.

A definição de deficiência mental tem evoluído ao longo do tempo, como mostra

Almeida (2004). Segundo a autora, a definição aceita no momento, elaborada em

2002, é uma revisão da anterior que fora elaborada em 1994. Almeida (2004) define

deficiência mental, fundamentada em Luckasson et al. (2002), como uma incapacidade

caracterizada por limitações significativas, tanto no funcionamento intelectual como no

comportamento adaptativo e está expresso nas habilidades sociais, conceituais e práti-

cas. Essa incapacidade deve originar-se antes dos 18 anos de idade.

Luria (1986) afirma que Vygotsky (1896-1923), ao trabalhar com as pessoas com

necessidades especiais, concentrou a atenção nas habilidades que essas pessoas ti-

nham, pois entendia que tais habilidades poderiam dar aportes para o desenvolvimento

das capacidades de tais indivíduos. Dessa forma, rejeitava as descrições puramente

qualitativas no que se referia a “traços psicológicos unidimensionais refletidos de resul-

tados de testes” (p. 34).

Atualmente, os testes de avaliação e classificação da inteligência têm sido questi-

onados e contestados, todavia, a classificação da deficiência mental ainda é feita por

meio de testes de inteligência na maioria das instituições que atende pessoas com de-

ficiência mental.

O mesmo autor afirma que o século XIX foi um momento representativo de inúme-

ros avanços para os "deficientes", sendo que várias instituições escolares foram cria-

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das, ainda sob o título de abrigo, assistência e terapia. Somente a partir de meados do

século XX, a conquista e o reconhecimento de alguns direitos dos "deficientes" pude-

ram ser identificados.

Documentos que registrem tentativas de ensinar a leitura, escrita e oralidade às

pessoas com deficiência mental são relativamente recentes.

A literatura mostra que existem registros de duas maneiras de ensinar-se pessoas

com deficiência mental. A primeira refere-se àquelas intervenções reducionistas com

aportes em treinamento e prática rotineira para o ensino de habilidades, feitas de forma

isolada e descontextualizada. Ensina-se o alfabeto, os sons de fonemas isolados e a

decodificação de palavras isoladas. Outra alternativa de ensino é aquela que se preo-

cupa com a construção de formas integradas com as áreas do conhecimento humano,

contextualizado. Essa maneira de ensinar inclui a combinação do ensino da oralidade,

leitura e escrita, fazendo uso de textos, experiências linguísticas e acesso a outras lin-

guagens e comunicações orientadas.

Katims (2000) afirma que, em 1800, Jean Marc-Gaspard Itard, influenciado por

Juan Pablo Bonet, escreveu o primeiro documento onde discutia os procedimentos e

instruções para a alfabetização de uma pessoa com deficiência mental. Fundamentado

no método de Bonet, para ensinar as pessoas com deficiência, na Espanha, Itard, se-

gundo Banks-Leite; Souza (2000), criou o método cinestésico multissensorial para en-

sinar um menino que foi encontrado nas florestas de França. Esse, por não ter convivi-

do em sociedade, não tinha desenvolvido algumas características próprias dos huma-

nos e ficou conhecido como “o menino selvagem de Aveyron”. Itard preocupou-se,

inicialmente, em desenvolver as sensações e percepções, mas segundo as autoras

acima citadas, ele tinha “obstinação em ensinar o garoto a ler e escrever” (p. 70). Para

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que o menino selvagem, diagnosticado por Philippe Pinel como surdo e deficiente men-

tal, adquirisse uma linguagem constituída por signos convencionais, Itard tentou ensi-

ná-lo a falar e a escrever. Para ensinar o menino, que recebeu o nome de Victor, esta-

belecia as relações entre objetos do uso cotidiano e os respectivos desenhos. Depois

substituía os desenhos pelas letras ou palavras. Banks-Leite; Souza (2000) afirmam

que, segundo indicações de Itard, Victor adquiriu uma linguagem, manejando a escrita

(cópia de palavras) e a leitura (identificação de palavras).

Pelicier; Thuillier (1980) afirmam que Edourd Onesimus Seguin avançou os estu-

dos de Itard no atendimento às pessoas com deficiência mental. Ensinou-as a dese-

nhar linhas e ângulos, a escrever letras do alfabeto e a recortar letras do alfabeto em

madeiras e colá-las em cartões. Por meio da adaptação do método de Itard e da inten-

siva instrução, Seguin obteve sucesso na área da alfabetização dos seus alunos que

conseguiram escrever e oralizar em situações mais diversificadas.

O uso do alfabeto fosforescente foi utilizado por John Jakob Guggenbühl, médico

suíço, para a alfabetização de pessoas com retardo mental, no Abendberg, primeira

instituição para atendimento de deficientes mentais no continente europeu. O método

preocupava-se em ensinar a leitura por meio da estimulação sensorial e exposição dos

fonemas e grafemas desenhados em letras fosforescente em quadro negro em salas

escuras (NORTON; FALK, 1992).

Katims (2000) afirma que, influenciada por Itard e Seguin, em 1886, Maria Dete-

ressa Montessori desenvolveu, na Itália, o trabalho na área da alfabetização para as

pessoas com deficiência mental. Montessori (1965) afirmava que as pessoas com defi-

ciência mental deveriam ser trabalhadas mais em seus aspectos pedagógicos que mé-

dicos. A pesquisadora utilizou no ensino da leitura e da escrita para pessoas com defi-

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ciência mental, pequenos textos, sentenças, cartões de palavras. Na alfabetização,

usou o método sensorial, tanto para as crianças com ou sem deficiência. Inicialmente,

ensinou os movimentos manuais para a escrita, depois fazia com que os alfabetizados

tocassem em contornos geométricos dos encaixes planos, finalmente, tocassem com

os dedos em letras do alfabeto, feito de madeira pintada e envernizada. Fazia, em car-

tões, a correspondência das letras com figuras que representavam objetos cujo nome

começava com a letra indicada. Utilizou-se, também, do método fônico para a alfabeti-

zação, que consistia em nomear as consoantes foneticamente, onde a professora indi-

cava a letra, depois o cartão, e pronunciava o nome do objeto desenhado, pronuncian-

do o som da primeira letra (MONTESSORI, 1965).

Ela ensinou a ler e escrever ao mesmo tempo, pois acreditava que uma habilida-

de reforçava e dava suporte à outra. É importante ressaltar as contribuições de Mon-

tessori para a educação especial. Ela apresentou o método sensorial, e também propôs

uma nova concepção das pessoas com retardo mental que passaram a ser vistas como

pessoas capazes de aprender e criou um método para alfabetizá-las.

O uso do método fônico para a alfabetização de estudantes com deficiência men-

tal foi utilizado pelos educadores pioneiros nos Estados Unidos, na década de 30 do

século XX. Kliewer (1998) cita que, em 1931, Braem explicou a técnica do método fô-

nico, com demonstração de seus alunos que analisaram e decodificaram palavras

usando a unidade fônica. Depois de três décadas, um Inglês com síndrome de Down,

chamado Nigel Hunt, publicou um livro chamado “The world of Niger Hunt: The diary of

a mongoloid youth”, em 1967, onde relata como a sua mãe o ensinou. Descreve que a

mãe usou uma técnica gráfica-fonética envolvendo palavras comuns, alfabeto feito em

letras de plástico, e, eventualmente, leituras simples. É importante o mérito desse tra-

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balho, pois se trata da primeira pessoa a publicar os efeitos da alfabetização para o

cotidiano de uma pessoa com deficiência mental.

Para ensinar os alunos classificados como deficientes mentais moderados a ler,

Samuel Kirk (1978) usou sistema de instrução prática multissensorial em 1933. Em

1936, sua esposa, que também abriu o caminho para o sistema de instrução, criou o

sistema de escrita sequencial para as pessoas com retardo mental.

A partir da metade do século XX, os educadores do ensino especial do Departa-

mento de Saúde e Educação dos Estados Unidos, usaram o “flip chart” (álbum seriado)

para a experiência com a linguagem no ensino de frases, sentenças e parágrafos para

jovens identificados como deficientes mentais. Os estudantes relatavam as suas expe-

riências para o professor que registrava em “flip chart”. O resultado do texto relatado

pelo aluno e escrito pelo professor era motivador, pois apresentava a própria experiên-

cia e o vocabulário dos alunos. A escrita foi utilizada de forma contextualizada, em di-

reção a diversas habilidades e com ênfase nos conectores e na relação entre as pala-

vras. Heber, vinte anos depois, usou a linguagem por meio de uma intervenção longitu-

dinal. Diferente dos outros, como relata Katims (2000), Heber enfatizou a decodificação

específica de palavras do contexto do aluno, ditando-a. Estudantes com deficiência

mental eram imersos regularmente em ambientes com livros de história. Verifica-se

que essas eram as primeiras experiências na alfabetização de jovens com deficiência

mental, pois as anteriores referem-se somente às crianças.

O primeiro documento que aborda o uso de tecnologia para a alfabetização de

pessoas com deficiência mental é datado de 1960. Trata-se de um ensino programado

que era desenvolvido por meio da tecnologia educacional, com a presença automática

de um “filme tutor”, usado em filmes projetados em 8 mm que ligavam automaticamente

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quando o aluno escolhia uma letra na máquina de datilografia. O “feedback” ocorria

quando o aluno dizia corretamente a letra do alfabeto datilografada. Esse programa de

instrução tecnológica pode ser considerado avançado e promissor porque ensinava,

por meio da visualização, palavras para as pessoas de vários níveis de deficiência

mental. A partir de então, a tecnologia educacional tem sido utilizada na alfabetização

da pessoa com deficiência mental. O uso de “software” em computador tem evoluído

desde a década de 60.

No Brasil, em 1994, Goyos; Almeida (1994, apud Goyos; Freire 2000), desenvol-

veram o programa computacional Mestre, fundamentada na “tecnologia derivada dos

estudos sobre equivalência de estímulos” (GOYOS; FREIRE, 2000, p. 48). Esse pro-

grama era um instrumento para que os professores e demais profissionais da educação

infantil, ensino fundamental e educação especial ensinassem habilidades acadêmicas

aos seus alunos.

Outro método, introduzido na década de 70, é conhecido como “Ball (bola), Stick

(vara) e Bird (pássaro). Esse método é utilizado para pessoas de todos os níveis de

inteligência, incluindo o deficiente mental moderado e o severo. Fundamenta-se em

três formas básicas para o traçado das letras do alfabeto, a linha (vara), o círculo (bola)

e o ângulo (pássaro). Para a efetivação da alfabetização, usam-se letras escritas com

cores diferentes. Nesse método, usa-se, inicialmente, um livro composto de nomes e

verbos de ação, e, gradualmente, os adjetivos e os advérbios são ensinados. Há a ên-

fase na decodificação assim como na compreensão da escrita pela população denomi-

nada como deficiente mental.

Um documento, datado de 1975, mostra as orientações de alfabetização para as

pessoas com deficiência mental, sensorial, física e para aquelas com graves problemas

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de saúde que não podiam frequentar a escola. Katims (2000) descreve que Butler

(1975) publicou um livro com o título “Cusha and her books”. Nessa obra foram sugeri-

dos vários meios para o desenvolvimento vocal, verbal, físico, cognitivo e emocional

responsáveis pela aquisição da leitura e da escrita. Esse texto é mais dedicado aos

pais e conta a história de Cusha que, apesar de ter múltipla deficiência (física, mental e

auditiva) foi capaz de desenvolver a oralidade, aprender enredo e ações de uma histó-

ria, bem como identificar algumas de suas características, por meio de comunicação

alternativa como gestos e expressões, usos de figuras e símbolos.

Com a expansão da educação para todos, reafirmada após o golpe militar, co-

meçam a aparecer autores (COSTA, 1983; MORTATTI, 1992) que sugerem o uso con-

textualizado para a alfabetização das pessoas com deficiência mental, pois assim o

aluno é capaz de compreender a importância da alfabetização que era desenvolvida

por meio da leitura, escrita e relato de fatos e atividades cotidianas.

A partir de 1990, começa a discussão sobre a alfabetização emergente para o

deficiente mental. Katims (1991) obtém o primeiro resultado em uma pesquisa sobre

alfabetização. O pesquisador coloca um grupo de jovens, incluindo alguns alunos com

deficiência mental em situações promissoras de alfabetização. Os alunos foram incluí-

dos em biblioteca de classe, em ambiente com vários materiais escritos, tendo acesso

a livros de história. Para essa pesquisa, o autor formou dois grupos (controle e experi-

mental) e, após a experiência, o grupo experimental teve muito mais avanço na alfabe-

tização. Os alunos com deficiência mental do grupo experimental tiveram progresso

significativo em relação aos demais, especialmente, na linguagem escrita, na compre-

ensão de histórias lidas por outras pessoas, na decodificação da escrita e leitura e na

produção escrita a partir de situações reais ou simuladas. O objetivo era tornar as pes-

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soas com deficiência mental indivíduos capazes de usar a linguagem de forma compe-

tente.

É importante ressaltar que os encaminhamentos citados pautam-se somente no

método concreto e, a respeito disso, Vygotsky (1988b) afirma que o sistema de ensino

baseado somente no concreto pode eliminar a abstração A educação assim falha, pois

“a criança retardada, quando deixada por si mesma, não atingirá formas bem elabora-

das de pensamento abstrato, e que a escola deveria fazer todo esforço para empurrá-

las nessa direção, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu

próprio desenvolvimento” (p. 34).

Dessa forma, Vygotsky (1988b) afirma que, por meio da mediação social, é pos-

sível utilizar o concreto como “um ponto de apoio necessário e inevitável” para o de-

senvolvimento do pensamento abstrato. A educação escolar precisa ajudar os alunos a

desenvolverem ideias associativas com abstração, signos e a construção do pensa-

mento. Para o autor o melhor encaminhamento pedagógico é aquele que desenvolve,

por meio do pensar, a abstração e a generalização.

O problema da aprendizagem de leitura e escrita da criança portadora de defici-

ência mental, geralmente, tem sido exposto como uma questão de métodos e técnicas.

Ide (1992) faz criticas às formas tradicionais de preparação para a leitura e para a es-

crita, em que o aluno faz exercícios garfo-motores, tais como de cobrir pontilhados e

preencher folhas e folhas de exercícios fotocopiados, sem nenhum significado concre-

to.

O modelo de alfabetização exposto pela autora e que busca aportes nos méto-

dos tradicionais, torna-se artificial e mecânico e muito distante das práticas sociais. Feil

(1991) afirma que se ensina partindo de letras ou sons para a criança formar silabas e

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só mais tarde formar palavras com a única finalidade de fixar as letras estudadas. O

aluno passa horas repetindo letras, sílabas e palavras, muitas vezes sem sentido para

ele, até que as memorize. Tal prática, certamente, não se preocupa com o uso social

da linguagem nos contextos reais em que ela pode acontecer.

Na literatura, encontram-se algumas pesquisas realizadas com jovens e adultos

com deficiência mental, que passam a ser descritas.

Em pesquisa realizada por Shimazaki; Mori (1998), foi constatado que as pesso-

as adultas com deficiência mental são capazes de serem alfabetizadas, ou seja, elas

conseguem adquirir a tecnologia da escrita. É importante ressaltar que, nessa pesqui-

sa, não foram estudadas as questões concernentes ao nível de entendimento da escri-

ta.

Bochner; Outhred; Peiterse (2001), com o objetivo de examinar a linguagem e a

habilidade de alfabetização em jovens e adultos com síndrome de Down, desenvolve-

ram uma pesquisa. Entre seus sujeitos, havia alguns que já tinham frequentado a esco-

la e, qualitativamente, essas pessoas não apresentavam desempenho melhor que as

demais. Os resultados mostraram que os jovens aprenderam a ler, mas as habilidades

de linguagem e alfabetização, no que se refere ao seu uso, eram muito limitadas. Os

autores atribuem o fato à deficiência dos alunos e às questões metodológicas das es-

colas.

Outra pesquisa com adultos com síndrome de Down é apresentada por Moni;

Jobbing (2001) que, fundamentados na teoria sócio interacionista, desenvolveram um

programa de escolarização com quatro pessoas com 18 anos de idade. Duas dessas

pessoas estudavam em uma escola regular e as outras duas, em uma escola especial.

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Os pesquisadores afirmam que os sujeitos melhoraram nas habilidades de codificar e

na fluência, todavia, a compreensão representava sua maior dificuldade.

Shimazaki; Pacheco (2002), fundamentados em Vygotsky, desenvolveram uma

pesquisa onde estudaram a formação de conceitos matemáticos em jovens e adultos

com deficiência mental. A pesquisa relata que a educação dada nas escolas é desvin-

culada do cotidiano e que as pessoas, colocadas em situação onde o processo de en-

sino e aprendizagem parte dos problemas cotidianos, pode elaborar conceitos científi-

cos.

Os estudos acima citados, Shimazaki; Mori (1998), Bochner; Outhred (2001),

Moni; Jobbing (2001) e Shimazaki; Pacheco (2002) mostram que a pessoas adultas

com deficiência mental requerem apoio e estratégias variadas para que se efetive a

aprendizagem. É preciso o uso constante de atividades de letramento, considerando

não só a idade, como também, o interesse, a experiência e a vida cotidiana. A escola

deve preocupar-se com o modelo ideológico de letramento, pois assim estará desen-

volvendo, por meio do pensar, as funções psíquicas superiores. As pesquisas revelam

que os sujeitos tiveram poucos avanços no que se refere ao desenvolvimento de leitura

e escrita.

Nesse sentido, concorda-se com Soares (2003) que não basta saber ler e

escrever, é necessário saber fazer uso das práticas sociais da leitura e escrita,

num processo de compreensão, onde o indivíduo seja capaz de produzir sentido

para a linguagem e, assim, chegar as suas próprias descobertas, análises e sín-

teses.

O processo da elaboração da linguagem escrita, para as pessoas com deficiên-

cia mental, deve ser organizado de forma que esta se torne necessária para a vida.

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Portanto, tão importante quanto o ato de ler e escrever enquanto tecnologias, deve ser

o uso social dessas habilidades. Por isso, enfatiza-se que é preciso criar situações de

ensino e aprendizagem onde pessoas com deficiência mental elaborem práticas sociais

de uso da escrita.

MUDANÇAS NAS NOMENCLATURAS

A deficiência intelectual que substituiu o termo que se chamava deficiência

mental durante a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006 não

é considerada uma doença ou um transtorno psiquiátrico e sim ou mais fatores que

causam um prejuízo das funções cognitivas que acompanham o desenvolvimento dife-

rente do cérebro. As deficiências intelectuais podem variar de leve à grave, diferenci-

ando muito a intervenção de quem trabalha com este aluno.

A definição de deficiência mental atualmente foi adotada pela Associação

América de Retardo Mental (AARM) em 1992, sendo aceita internacionalmente e pre-

conizada nos textos e documentos oficias do nosso país. A deficiência mental é defen-

dida pela Política Nacional de Educação Especial do MEC (BRASIL, 1997, p. 15) como:

Funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da mé-

dia, oriundo do período do desenvolvimento concomitante com limi-

tação associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou

da capacidade do indivíduo em responder adequadamente as de-

mandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cui-

dado especiais, habilidades sociais, desempenho da família ou da

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comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança,

desempenho escolar, lazer e trabalho.

Esta definição da AAMR (1992) enfatiza que outros aspectos precisam coe-

xistir, para que uma pessoa seja identificada como portadora de deficiência mental.

Na definição proposta pela AAMR, o funcionamento intelectual (a inteligên-

cia) é entendido como “uma habilidade mental genérica. Inclui raciocínio, planejamento,

solução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas,

aprendizagem rápida e aprendizagem através da experiência”. (BRASIL, p. 13, 2007).

O parâmetro utilizado para circunscrever o funcionamento intelectual é o QI

(Quociente de Inteligência). O conceito de QI é apontado como o mais adequado ao

diagnóstico de deficiência mental. Sabe-se que o QI é amplamente aceito e utilizado na

avaliação da capacidade intelectual tanto nos meios acadêmicos quanto na prática pro-

fissional. No entanto, não se pode continuar confundindo processo de cognição ou inte-

ligência com o QI: o primeiro diz respeito às funções cognitivas propriamente ditas; o

segundo é um produto das mesmas. (BRASIL, p.13, 2007).

Para falar de Deficiência Mental há necessidade de falar um pouco da inteli-

gência. A inteligência humana é um atributo mental multifatorial, envolvendo a lingua-

gem, o pensamento, a memória, a consciência. Assim sendo, a inteligência pode ser

considerada um atributo mental que combina muitos processos mentais, naturalmente

dirigidos à adaptação à realidade. (PIAGET, 1980).

Sem dúvida nenhuma, a base estrutural da inteligência humana é o Pensa-

mento, mais precisamente, o Pensamento Formal. Trata-se, o pensamento, de uma

operação mental que nos permite aproveitar os conhecimentos adquiridos da vida soci-

al e cultural, combiná-los logicamente e alcançar uma nova forma de conhecimento.

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(Disponível em: http://gballone.sites.uol.com.br/infantil/dm3.html. Acesso no dia:

21/08/2011).

A última revisão da definição da deficiência mental da AAMR, bastante re-

cente propõe que se abandonem os graus de comprometimento intelectual, pela gra-

duação de medidas de apoio necessárias às pessoas com déficit cognitivo e destaca o

processo interativo entre as limitações funcionais próprias dos indivíduos que lhes são

disponíveis em seus ambientes de vida. Esta revisão chama atenção nas habilidades

adaptativas, que podem ser definidas como um ajustamento entre as capacidades dos

indivíduos e as estruturas e expectativas do meio em que vivem, aprendem, trabalham

e se aprazem. (MANTOAN, 1984).

Para que considere uma pessoa como deficiência mental, a idade de início

da deficiência deverá situar-se antes dos dezoito anos de idade, ou seja, aparecer du-

rante o curso de seu desenvolvimento. Essa idade limite está convencionada consen-

sualmente na proposta da AAMR.

De acordo com a definição, entretanto, o índice QI, exclusivamente, não

constitui condição suficiente para diagnosticar uma pessoa como portadora de defici-

ências mental, uma vez que outros aspectos devem ser considerados; são as áreas de

habilidades adaptativas discriminadas na definição sendo que o mínimo de 02 (dois)

precisa estar defasado para que o diagnóstico seja definido.

- COMUNICAÇÃO: Diz respeito às habilidades para compreender a expressar informa-

ções pôr meio de palavras – faladas ou escritas – linguagem gestual, digital e de sinais,

toque, gestos, expressões corporais, etc., e para compreender as emoções e as men-

sagens de outras pessoas;

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- AUTOCUIDADO: Refere-se às habilidades que asseguram a higiene pessoal, a ali-

mentação, o vestuário, o uso do sanitário, etc.;

-VIDA FAMILIAR: Diz respeito às habilidades necessárias para uma adequada funcio-

nalidade do lar, no cuidado com os bens da família, a participação nos trabalhos do-

mésticos, no convívio e nas relações familiares, dentre outros aspectos;

- VIDA SOCIAL: Diz respeito às trocas sociais na comunidade, ao respeito e às rela-

ções com os vizinhos, colegas, amigos e membros da comunidade, compartilhar e co-

operar, respeitar limites e normas, fazer escolhas, controlar impulsos, resistir às frus-

trações, etc.;

- AUTONOMIA: Refere-se às habilidades para fazer escolhas, tomar iniciativa, cumprir

planejamento, atender aos próprios interesses, cumprir tarefas, pedir ajuda, resolver

problemas, defender-se, explicar-se, buscar ajuda quando necessária etc.

- SAÚDE E SEGURANÇA: Diz respeito às habilidades para cuidar da saúde, evitar

doenças, cuidar da segurança, evitar perigos, seguir leis de trânsito e outras que visam

ao bem-estar e à saúde, desenvolver hábitos pessoais adequados, comunicar necessi-

dades, pedir ajuda etc.

- FUNCIONALIDADE ACADÊMICA: Refere-se às habilidades relacionadas à aprendi-

zagem dos conteúdos curriculares propostos pela escola que têm relação com a quali-

dade de vida da pessoa, como ler, escrever, calcular, obter conhecimentos científicos,

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sociais, relativos à sexualidade e outros, que permitem maior funcionalidade na vida,

independentemente do nível escolar alcançado.

- LAZER: Diz respeito às habilidades para desenvolver interesses e participar de ativi-

dades de entretenimento individual e coletivo, de acordo com a idade e como o ambi-

ente cultural e comunitário, comportar-se adequadamente, compartilhar, retomar, com-

pletar, pedir ajuda, cooperar, etc., na realização dessas atividades;

- TRABALHO: Refere-se às habilidades para realizar um trabalho em tempo parcial ou

total, comportando-se apropriadamente, cooperando, compartilhando, concluindo as

tarefas, tomando iniciativas, administrando bem o salário, aceitando a hierarquia e as

próprias limitações e dos demais, realizando atividades independentes, etc. (Módulo:

Deficiência Mental, Brasil: 1997, p. 29-31)

Esta última habilidade adaptativa foi uma indicação do MEC.

Muitas causas da deficiência mental são desconhecidas. A Organização das

Nações Unidas divide os fatores de deficiências intelectuais da seguinte forma: 40% é

resultado de causas ambientais e 60% de causas genéticas. As causas podem ter di-

versas etiologias, pois sua identificação é difícil de caracterização, podendo às vezes,

passar pela análise de diversos especialistas. (HONORA; FRIZANCO, 2008).

O interesse em se conhecer as causas da deficiência mental deve-se à im-

portância em se detectar as possíveis limitações que ela possa vir a provocar nas pes-

soas e, principalmente, identificar os meios para sanar essas causas ou, mesmo, evitá-

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las. Para diagnosticar a deficiência mental, os profissionais estudam as capacidades

mentais da pessoa e as suas competências adaptativas.

O conhecimento das causas da deficiência mental é importante para a sua

prevenção. Muitas ações poderiam ser desencadeadas de modo a evitar a ocorrência

de deficiências. O Retardo Mental (RM) pode se apresentar durante os primeiros anos

de vida, mas não pode ser diagnosticado adequadamente antes dos cinco anos de ida-

de, pois em crianças mais novas não há possibilidade de se aplicar e validar testes pa-

dronizados para determinação do quociente intelectual, sendo utilizada a designação

de atraso global do desenvolvimento, que pode incluir dificuldades no aprendizado e na

adaptação, as quais, por sua vez, podem indicar déficit cognitivo ou intelectual no futu-

ro.

Ainda quanto à terminologia, os termos RM e deficiência mental em geral

são empregados sem distinção; o RM se relaciona ao atraso do desenvolvimento neu-

ropsicomotor durante a infância, seja qual for à causa, enquanto a deficiência mental

corresponde ao comprometimento do indivíduo adulto, como consequência do RM.

(FARIA, disponível em: http://gballone.sites.uol.com.br/infantil/dm1.html acesso no dia:

23/08/2011).

O atraso mental diagnostica-se pela observação de duas coisas:

_A capacidade do cérebro da pessoa para aprender, pensar, resolver pro-

blemas, encontrar um sentido do mundo, uma inteligência do mundo que as rodeia (a

esta capacidade chama-se funcionamento mental ou funcionamento intelectual).

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_A competência necessária para viver com autonomia e independência na

comunidade em que se insere (a esta competência também se chama comportamento

adaptativo ou funcionamento adaptativo ou ainda habilidades intelectuais).

Segundo Mantoan (1984) as pessoas com deficiência intelectual demons-

tram também muita pouca habilidade no que concerne à generalização das aprendiza-

gens. Este fato levou a vários pesquisadores a levantar hipótese de que a deficiência

mental não repousa no déficit estrutural, mas sobre uma capacidade funcional da inteli-

gência. As pessoas com deficiência mental também apresentam um subfuncionamento

da memória, portanto segundo a autora o papel do professor: “é fundamental no senti-

do de prover o meio escolar dessas condições e difere das condutas do psicólogo ao

solicitar e mediar o exercício das funções cognitivas, porque a intervenção pedagógica

acontece em um contexto interacional de coletividade e tem uma vocação específica,

sem fins individualizados e terapêuticos.” (p. 10-11).

Este subfuncionamento crônico da inteligência destas pessoas pode ser ati-

vado por ajudas, visando propiciar-lhes uma maior mobilidade cognitiva. Segundo Man-

toan, os autores como: Borkowski e Pressley 1987, Scharnorst e Buchel 1990, Whit-

man 1987, Feuerstein 1978 e Sternber, 1972 são unânimes destacar a ausência da

consciência metacognitiva nas pessoas com deficiência mental, considerando essa

incapacidade como elemento central das limitações na adaptação e na autonomia.

Portando, o professor deve propiciar aos alunos “experiências de aprendiza-

gem mediatizadas”; levar estas pessoas a desenvolver e utilizar espontaneamente su-

as estratégias cognitivas, fazendo-as chegar a um nível de consciência cada vez mais

avançado de suas habilidades mentais. (MANTOAN, 1984).

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Segundo ainda a autora acima o uso de habilidades intelectuais alternativas

decorre do desenvolvimento da eficiência cognitiva das pessoas com deficiência men-

tal. Os procedimentos utilizados para estimular essa eficiência têm por base a teoria da

modificabilidade estrutural de Feuerstein (1979, apud. Mantoan, 1984) que utilizou essa

expressão para designar a modificação permanente que se opera no indivíduo, quando

participa de experiências de aprendizagem mediatizada.

O portador de deficiência mental na maioria das vezes apresenta dificulda-

des ou nítido atraso em seu desenvolvimento neuropsicomotor (ADNPM), aquisição da

fala e outras habilidades (comportamento adaptativo).

Função mental e processos cognitivos são termos usados freqüentemente

de modo intercambiável significando funções ou processos como percepção,

introspecção, memória, criatividade, crença, raciocínio, volição e emoção - em outras

palavras, todas as coisas diferentes que podemos fazer com nossas mentes.

O atraso no desenvolvimento dos portadores de deficiência mental pode se

dar em nível neuropsicomotor, quando então a criança demora em firmar a cabeça,

sentar, andar, falar. Pode ainda dar-se em nível de aprendizado com notável dificulda-

de de compreensão de normas e ordens, dificuldade no aprendizado escolar. Mas, é

preciso que haja vários sinais para que se suspeite de deficiência mental e, de modo

geral, um único aspecto não pode ser considerado indicativo de qualquer deficiência. A

avaliação da pessoa deve ser feita considerando-se sua totalidade. (BALLONE, 2007

Disponível em:

http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=29.Acesso

no dia:21/08/2011).

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Segundo Vygotsky (2001), as leis que regem o desenvolvimento da pessoa

com deficiência mental são as mesmas que regem o desenvolvimento das demais pes-

soas. Aspecto este também presente nos processos educacionais. Para esse teórico, a

criança cujo desenvolvimento foi comprometido por alguma deficiência, não é menos

desenvolvida do que as crianças ‘normais’, porém é uma criança que se desenvolve de

outra maneira. Isto significa que o desenvolvimento, fruto da síntese entre os aspectos

orgânicos, socioculturais e emocionais, manifesta-se de forma peculiar e diferenciada

em sua organização sócio psicológica. Assim, não podemos avaliar suas ações e com-

pará-las com as demais pessoas, pois cada pessoa se desenvolve de forma única e

singular.

Nessa direção, cabe apontar ainda, que as pessoas com deficiência mental

não formam um grupo homogêneo entre si. Em outros termos, é preciso ter clareza que

são diferentes entre si e, existindo a diferença, é necessário estar atento às singulari-

dades de cada pessoa e conhecer as suas histórias de vida (OLIVEIRA, 2006).

Segundo Piaget (1987), os alunos com deficiência mental passam pelos

mesmos estágios de desenvolvimento cognitivo (sensório-motor, pré-operatório, opera-

tório concreto, operatório formal), pelos quais as demais pessoas passam.

O trabalho de Maria Tereza Mantoan (1991) traz um otimismo em relação às

possibilidades de desenvolvimento das estruturas do raciocínio lógico em deficientes

mentais, através de uma técnica de Construtivismo Epistemológico.

Também em relação à memória, igualmente prejudicada na deficiência men-

tal, considera ser uma habilidade intelectual que pode ser melhorada nos deficientes,

através de intervenções que fazem uso de estratégias de retenção e de outras capaci-

dades necessárias para a lembrança e reconstituição de fatos.

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É necessário destacar que crianças com deficiência mental aprendem com

mais dificuldade os conteúdos escolares, de acordo com os limites de seu raciocínio

abstrato, podendo, no entanto, assimilar conhecimentos mais complexos, quando eles

se apresentam a partir de situações e de objetos concretos. (id ibid.).

De acordo com o documento: O Acesso de Alunos com Deficiências às Es-

colas e Classes Comuns da Rede Regular (2004) os alunos sem deficiência mental

aprendem mais rapidamente esses conteúdos, pois têm menos limites em seu raciocí-

nio abstrato, mas também têm algumas possibilidades intelectuais limitadas e, sem as

situações e exemplos concretos, acabam esquecendo rapidamente o que aprenderam.

Quando o ensino não é compatível com a capacidade que qualquer aluno tem de en-

tender o conteúdo escolar, este perde o sentido e é esquecido, rapidamente.

Os alunos com deficiência intelectual apresentam tempo de aprendizagem

diferente dos demais alunos. Este tempo de aprender de nossos alunos pode ser con-

siderado em diferentes aspectos:

1) Aspectos quantitativos: refere-se ao tempo que pode ser contabilizado, o contar das

horas, dias, semanas, meses ou anos. Por exemplo: um aluno demora 40 minutos para

fazer um exercício enquanto o outro demora 3 horas para realizar a mesma atividade;

2) Aspectos qualitativos: refere-se ao tempo interno, ao tempo que cada pessoa preci-

sa para cada atividade, aprender algo ou fazer uma tarefa. Por exemplo: o professor

explica um conteúdo de Matemática (operação matemática: adição), um aluno demora

20 minutos para entender e outro aluno demora 3 semanas para entender o mesmo

conteúdo;

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3) Aspectos sequencial: refere-se ao tempo interno para colocarmos em prática aquilo

que aprendemos na teoria. Por exemplo: após a explicação da operação matemática, o

aluno demora 5 minutos para realizar a primeira atividade com sucesso e outra demora

3 semanas para realizar uma atividade com sucesso. (Revista Ciranda da Inclusão,

junho/2011, p.4-5).

Para garantir que o tempo de cada aluno seja respeitado, deve-se ter um

planejamento flexível, um acompanhamento no contra turno do aluno e uma parceria

efetiva com a família, além dos acompanhamentos clínicos quando necessários, que

podem envolver profissionais de áreas como psicopedagogia, fonoaudiologia, pedago-

gia, psicologia, etc.

Para conhecermos qual é o tempo de cada aluno, podemos avaliar alguns

aspectos:

O aluno mantém em média o mesmo tempo de aprender para todos os con-

teúdos?

O aluno aprende mais rápido quando o assunto é de seu interesse?

O aluno aprende mais rápido quando a aula é mais dinâmica ou quando

são usados materiais concretos?

O aluno se mostra em desenvolvimento ou estacionado no seu processo de

aprendizagem?

Como está a auto estima desse aluno?

A escola tem servido como um ambiente que faz com que o aluno se sinta

diminuído, fracassado ou desinteressado?

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O aluno está passando por algum problema pessoal que possa justificar um

problema em seu aprendizado? Por exemplo: separação de pais, escola nova, nasci-

mento de um irmão, etc. (id ibid., p.5).

Todas essas indagações fornecem dados e pistas para que o professor pos-

sa entender, avaliar e fazer algumas mudanças em seu planejamento para contemplar

o aluno com deficiência intelectual que apresenta dificuldade na aprendizagem.

REFLEXÕES:

Ao pensar no aluno com deficiência intelectual e/ou com qualquer outra deficiên-

cia, tenha em mente alguém que pode aprender, mas menos que os restantes

de 99% dos seus colegas da mesma idade; que necessita de muito mais TEM-

PO e REPETIÇÃO para aprender e reaprender do que os outros; QUE ESQUE-

CE mais do que quase todos os outros se não praticar frequentemente; que tem

dificuldades EM TRANSFERIR aquilo que aprendeu num dado ambiente para

outro; e que raramente CONSEGUE SINTETIZAR as aprendizagens adquiridas

em diferentes situações de MODO A APLICÁ-LAS efetivamente numa nova situ-

ação. Por fim, faça a pergunta:

“Quais são as características determinantes dum programa educativo que possi-

bilitarão a este aluno ser tão produtivo, independente e eficiente quanto possível,

numa vasta gama de ambientes integrados, no final do seu percurso escolar?