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SOCIEDADE EDUUCACIONAL DE SANTA CATARINA - SOCIESC ESPECIALIZAÇÃO EM TECNOLOGIA DA USINAGEM Tendências nos Processos de Usinagem Prof. Dr. Adilson José de Oliveira

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SOCIEDADE EDUUCACIONAL DE SANTA CATARINA - SOCIESC

ESPECIALIZAÇÃO EM TECNOLOGIA DA USINAGEM

Tendências nos Processos de Usinagem

Prof. Dr. Adilson José de Oliveira

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Sumário

Sumário ........................................................................................................................................ i

Introdução ................................................................................................................................... 1

Capítulo 1 – Usinagem de aços endurecidos .............................................................................. 3

1.1 Aços endurecidos ................................................................................................ 3

1.2 Torneamento de aços endurecidos ...................................................................... 6

1.3 Fresamento de aços endurecidos ...................................................................... 18

1.4 Gerenciamento de ferramentas na manufatura ................................................. 29

Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 33

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Introdução

O processo de manufatura inicia-se com o planejamento do processo e finaliza-se com o

produto acabado. Desta forma, o planejamento do processo é um ponto crítico no processo de

manufatura, uma vez que, neste momento, ocorrem decisões para determinar a seqüência mais

eficiente para produção e, conseqüentemente, os principais elementos que compõem os custos

do produto. O planejamento do processo requer o conhecimento da capacidade, das limitações

dos equipamentos e de pessoal de uma empresa, com o objetivo de determinar o melhor

processo de produção para uma determinada realidade.

O planejamento do processo envolve etapas tais como a definição da forma e tamanho

da matéria-prima; quantidade de operações do processo, ferramental necessário, sistemas de

fixação e dispositivos para cada operação; programação e definição da preparação das

máquinas-ferramentas; métodos de inspeção e avaliação da capacidade do processo em cada

operação. Esta última etapa tem com objetivos entender o comportamento do processo em

entidades críticas, fornecer informações para a melhoria contínua e, também, ser fonte de

dados para processos similares.

Nos início da década de 1990, com o objetivo de minimizar o número de atividades

acima descritas, reduzir os custos de produção e a quantidade de funcionários, principalmente

de áreas técnicas, grandes empresas determinaram contratos externos para execução das

atividades de produção e, em alguns casos, algumas atividades de engenharia. Neste tempo,

termos como reengenharia, terceirização e “downsizing” eram amplamente descritos nas áreas

responsáveis pelo planejamento estratégico da empresa. A idéia era que, adotando estes

conceitos, a empresa tornar-se-ia mais enxuta, poderia dar mais atenção ao desenvolvimento

do projeto do produto e transferir os muitos dos problemas das etapas citadas nos processos

produtivos aos terceirizados.

Entretanto, depois de alguns anos de adoção destes conceitos, muitas empresas

terceirizantes chegaram à conclusão que esta idéia se tornou um grande “equívoco

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estratégico”. As empresas perderam competências essências para a sobrevivência, devido ao

desconhecimento de aplicação de novas tecnologias no processo e falta de informações do

processo para desenvolvimento de novos produtos, entre outros aspectos negativos. A solução

para esta dificuldade foi aumentar a quantidade de funcionários em áreas técnicas e transferir

o processo novamente para a planta da empresa. Este exemplo demonstra a vital importância

do conhecimento do processo de fabricação de um produto para a empresa.

A realidade atual estabelece desafios às empresas como a intensa competição

internacional, altas taxas de desenvolvimento de produtos, mercados fragmentos e exigentes.

Deste modo, o tempo de desenvolvimento de projeto e processo encurtou-se fortemente com a

aplicação de sistemas integrados de projeto, engenharia, manufatura e inspeção auxiliados por

computador. Ainda, o custo do desenvolvimento deve ser reduzido, no projeto, com a

utilização de simulações em ambiente virtual e prototipagem rápida e, na manufatura, com a

possibilidade de testar diferentes estratégias de produção sem a necessidade de parar

máquinas-ferramentas no ambiente produtivo. Também há a necessidade de redução do

inventário de dispositivos e ferramentas e sistemática qualificação dos colaboradores.

Nos processos que envolvem a usinagem, além a integração CAD/CAE/CAM e da

tecnologia CNC, exemplos da aplicação de novas tecnologias no desenvolvimento do

processo são as ferramentas para usinagem e as máquinas-ferramenta. Nas ferramentas para

usinagem, os substratos, as coberturas de ferramentas e os sistemas de fixação têm

possibilitado a usinagem de materiais complexos e de elevada dureza. Para materiais de

menor dificuldade de usinagem, uma brusca redução do tempo de usinagem tornou-se

possível quando comparado com poucos anos atrás. Para suportar a capacidade das

ferramentas de usinagem, as modernas máquinas-ferramenta e dispositivos possibilitam

elevados valores de rotação, velocidade de avanço, aceleração e amortecimento de vibrações

além da minimização do tempo para troca de ferramentas e recursos para redução no tempo de

preparação, entre outros detalhes.

Portanto, a atualização tecnológica torna-se indispensável tanto para a sobrevivência das

empresas quanto a dos funcionários envolvidos com os processos de manufatura. Com o

objetivo de contribuir com informações para os envolvidos nos processos de usinagem,

apresenta-se algumas tendências aplicadas aos processos de usinagem. Desta forma, pretende-

se descrever conceitos teóricos e práticos dos recursos tecnológicos disponíveis para a

melhoria nestes processos.

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Capítulo 1 – Usinagem de aços endurecidos

1.1 Aços endurecidos

Os aços são ligas ferro-carbono que podem conter concentrações apreciáveis de outros

elementos de formação de liga. Existem milhares de ligas que possuem composições e

tratamentos térmicos diferentes. As propriedades mecânicas são sensíveis ao teor de carbono,

o qual é normalmente inferior a 1% em massa.. Este teor de carbono, de uma forma geral, tem

relação com a capacidade do aço em modificar suas propriedades em função do tratamento

térmico. A capacidade de aumento de dureza de um aço, após a austenitização e têmpera, é

uma das propriedades dependentes do teor de carbono (TOTTEN e HOWES, 1997).

Os aços são classificados em aços carbono, aços com baixo teor de elementos de liga (≤

8% em massa) e aços com alto teor de elementos de liga (> 8% em massa). Os aços carbono,

como o próprio nome sugere, são classificados de acordo com sua concentração de carbono,

normalmente divididos em: baixo, médio e alto carbono. Os aços de baixo carbono contêm

geralmente menos do que 0,25% de carbono (em massa) e não respondem a tratamentos

térmicos que objetivados a formar a microestrutura martensítica. Como conseqüência, estas

ligas são relativamente moles e pouco resistentes, porém possuem ductilidade e tenacidade

excepcionais. Em contrapartida, são aços de alta usinabilidade. Uma alternativa para aumento

da dureza superficial destes aços é o tratamento de cementação, têmpera e revenimento. Deste

modo, uma camada fina, tipicamente de 0,8 a 1,2 mm de espessura, na superfície da peça tem

elevada dureza e o núcleo permanece com as mesmas propriedades de ductilidade e

tenacidade (CALLISTER, 2006).

Os aços de médio carbono contêm normalmente concentrações entre 0,25% e 0,6% de

carbono (em massa). Essas ligas podem ser tratadas termicamente por austenitização, têmpera

e revenimento para melhorar suas propriedades mecânicas. Deste modo, uma microestrutura

de martensita revenida pode ser alcançada principalmente em peças de pequena espessura ou

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com secções transversais limitas. Estes aços apresentam, principalmente, em durezas

superiores a 35 HRC, maiores dificuldades para a usinagem (CALLISTER, 2006).

Os aços com alto teor de carbono, os quais normalmente possuem teores de carbono

entre 0,6 e 1,4 % (em massa), são os mais duros e os mais resistentes. Porém, são os menos

dúcteis dentre todos os aços carbono. Estes aços são usados quase sempre em uma condição

de microestrutura de martensita revenida e, como tal, são especialmente resistentes à abrasão.

Os aços com alto teor de carbono apresentam uma baixa usinabilidade ao serem comparados

com os demais aços, ou seja, grande dificuldade de usinagem no estado endurecido. Nestes

casos, e a determinação do processo de usinagem é um fator crítico para manufatura do

componente (CALLISTER, 2006).

Os aços com baixo teor de liga demonstram propriedades mecânicas superiores as dos

aços carbono como resultado da adição de elementos de liga como níquel, cromo e

molibdênio. Estas adições melhoram a capacidade destas ligas de serem tratadas

termicamente, dando origem a uma variedade de combinações resistência-ductilidade. Para

muitos aços desta categoria, a principal função dos elementos de liga é aumentar a dureza e

otimizar a tenacidade após tratamento térmico. Em alguns casos, estes elementos de liga

também têm como função reduzir a degradação do material em função do ambiente ao qual

será submetido.

Os aços para ferramentas e matrizes são usualmente ligas de alto teor de carbono,

contendo geralmente cromo, vanádio, tungstênio e molibdênio em suas composições. Esses

elementos de liga se combinam com o carbono para formar carbonetos, os quais são

especialmente duros e capazes de manter um fio de corte afiado. Também, em função do teor

de carbono, formam a microestrutura de martensita revenida. A classe de aços com elevado

teor de elementos de liga compreendem materiais com este propósito. Normalmente, estes

aços formam subgrupos que são principalmente utilizados em três casos: resistência à

corrosão, resistência ao calor e resistência ao desgaste.

A figura 1 mostra o perfil de dureza após tratamento térmico em corpos-de-prova de

diferentes diâmetros para aços os diferentes tipos de aços aplicados na indústria metal-

mecânica.

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Figura 1- Perfil de dureza para aços (a) baixo carbono cementado; (b) médio carbono e

baixo teor de liga; e (c) médio e alto teor de liga (com variação no diâmetro)

Como pode ser verificado na figura 1a, em um aço de baixo carbono se utiliza como

alternativa para aumento da dureza superficial o tratamento térmico de cementação, têmpera e

revenimento. Neste caso, uma camada normalmente de 0,8 a 1,2 mm tem uma dureza elevada

(aproximadamente 58 HRC) e o restante do corpo uma dureza muito inferior. Na figura 1b, o

perfil de dureza de dois aços (médio carbono e baixo teor de liga) são mostrados em um

corpo-de-prova de diâmetro 50 mm. Para o aço ABNT 4140 (baixo teor de liga), há uma leve

redução da dureza com a aproximação do núcleo, contudo, para o aço ABNT 1040 (médio

carbono), ocorre uma drástica redução de dureza ao ser comparar a periferia do corpo-de-

prova com o núcleo. Esta diferença no perfil de dureza ao longo do diâmetro do corpo-de-

prova, ao se comparar os diferentes aços, está principalmente associada aos elementos de liga

presentes no material. Na figura 1c, mostra-se o perfil de dureza do mesmo aço de baixo teor

de liga e, também, um perfil de dureza de um aço de alto teor de carbono. Como pode ser

notado, conforme ocorre um aumento do diâmetro do corpo-de-prova, existe uma maior

diferença entre a dureza da periferia e do núcleo principalmente para o aço com baixo teor de

liga. Este fato está ligado a dificuldade de extração de calor em regiões centrais do corpo-de-

prova. Por outro lado, na mesma figura, mostra-se o perfil de dureza de um aço de alto teor de

liga. Neste caso, nota-se que mesmo com um diâmetro de 100 mm, a redução na dureza entre

periferia e núcleo torna-se muito reduzida.

Estas informações auxiliam os engenheiros e projetistas na tomada de decisão de

escolha dos aços durante o desenvolvimento de um projeto, pois muitos componentes

necessitam ter um balanço entre dureza e tenacidade para atender às exigências de

carregamento e às de resistência ao desgaste. Exemplos destas aplicações típicas incluem

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eixos, pistões, engrenagens, molas, insertos, guias, cavidade de moldes e matrizes. Nestes

casos, uma ampla gama de aços e possibilidades de tratamentos térmicos pode ser utilizada.

Mas do ponto de vista da manufatura destes componentes, processos de usinagem são

normalmente realizados após o tratamento térmico. A meta da operação de usinagem é a

determinação das dimensões finais e da integridade superficial necessária no componente.

Ainda, em alguns casos, o tratamento térmico é realizado antes da operação de desbaste, o que

promove dificuldades adicionais ao processo de usinagem, pois um volume maior de material

deverá ser removido no estado temperado e revenido. Como a usinabilidade tem relação direta

com a dureza do aço, muitos desafios surgem para a usinagem dos referidos materiais no

estado endurecido. Os tópicos em seguida descrevem as tendências nos processos de

usinagem de aços no estado endurecidos (JUVINALL e MARSHEK, 2005).

1.2 Torneamento de aços endurecidos

Tradicionalmente, os processos de acabamento em peças de revolução em aços

endurecidos são realizados por operações de retificação. As operações de retificação são

capazes de manter estreitas tolerâncias dimensionais e reduzidos valores de rugosidade.

Entretanto, nos últimos anos, outras operações tornaram-se capazes de manter tolerâncias

dimensionais e valores de rugosidade nos mesmos níveis do que as operações de retificação.

Adicionalmente, estas alternativas apresentam alta flexibilidade, aumento na taxa de remoção

de material e possibilidade da usinagem isenta de fluido de corte.

As demandas da indústria são por maior flexibilidade, altas taxas de remoção e a

possibilidade da usinagem com Mínima Quantidade de Lubrificação (MQL) ou isenta de

fluido de corte, mesmo no caso de operações de acabamento em aços endurecidos. Estas

necessidades tornam-se fortes restrições aos processos de retificação cilíndrica na indústria.

Nestes casos, o torneamento de aço no estado endurecido, tratado aqui como “torneamento

duro”, tem sido uma alternativa ao processo de retificação. As principais vantagens do

torneamento de aços no estado endurecidos são: alta flexibilidade do processo, aumento na

taxa de remoção de material e viabilidade da usinagem isenta de fluido de corte. A viabilidade

do torneamento de aços no estado endurecido está relacionada com a disponibilidade de

materiais de ferramentas de ultraduros, o aumento da rigidez das máquinas-ferramenta e dos

dispositivos de fixação de peças e ferramenta. Klocke, Brinksmeier e Weinert (2005) fazem

uma comparação genérica e qualitativa entre o torneamento duro e a retificação. A figura 2

mostra o comportamento dos processos em função dos diferentes requisitos.

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Figura 2 – Comparação das características da retificação com o torneamento duro

(KLOCKE, BRINKSMEIER e WEINERT, 2005)

A figura 2 mostra que a retificação torna-se apropriada nas situações com estreitas

faixas de tolerâncias dimensionais, menores valores de rugosidade e maior capacidade real do

processo. Por outro lado, o torneamento duro promove vantagens em função da maior taxa de

remoção de material, flexibilidade do processo, tempo de preparação de máquina, utilização

de fluido de corte e danos à superfície do material usinado. Como esta análise tem caráter

qualitativo, a aplicação de cada alternativa deve levar em consideração características do

processo e do produto. A comparação conclui que as maiores restrições em cada processo são:

na retificação, o custo; no torneamento duro, a confiabilidade.

Com o objetivo de entender o comportamento específico dos processos de torneamento

duro, diversos estudos têm sido realizados. Dificuldades para o torneamento duro, tais como

elevada porcentagem de carbonetos duros no material usinado, rigidez do sistema de fixação

de peças e ferramentas e o corte interrompido têm sido o objetivo destes estudos. Aços com

elevada porcentagem de carbonetos duros tendem a causar avarias nas ferramentas de corte

(microlascamentos e fratura). Além disso, em geometrias de peças que promovem o corte

interrompido, os desafios estão focados na tenacidade do material da ferramenta para suportar

os cíclicos choques com o material usinado.

Em função dos motivos descritos anteriormente, no torneamento duro, o desgaste da

ferramenta é o principal motivo de atenção. Reduzidos valores de rugosidade, mínimos danos

superficiais ao componente e as estreitas tolerâncias dimensionais podem ser atingidos com

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ferramentas com pequenos valores de desgaste. Contudo, em ambientes de produção seriada,

a maximização da vida da ferramenta necessita ser alcançada para justificar os custos do

processo. Em outras palavras, a viabilidade do processo depende de que as especificações do

componente sejam mantidas ao longo de toda a vida da ferramenta. Neste sentido, a

compreensão dos mecanismos e das taxas de desgaste em diferentes materiais e classes de

ferramenta para o torneamento duro é o fator preponderante.

O PCBN (Nitreto de Boro Cúbico Policristalino) é o principal material utilizado para o

torneamento duro devido à elevada dureza, à resistência ao desgaste e à alta estabilidade em

elevadas temperaturas. As ferramentas de PCBN normalmente são classificadas em duas

classes: alto teor de PCBN e PCBN com adição de fase cerâmica (normalmente Nitreto de

Titânio). A classe com alto teor de PCBN demonstra maior tenacidade do que a classe de

PCBN com fase cerâmica. Em contrapartida, a classe de PCBN com fase cerâmica apresenta

maior resistência ao desgaste difusivo, característica importantíssima no corte contínuo de

aços. Com o objetivo de entender o comportamento de ferramentas PCBN no corte contínuo,

semi-interrompido e interrompido, Diniz e Oliveira (2008) realizaram ensaios com as duas

classes de material de ferramenta e dois tipos de microgeometria de aresta de corte (chanfro e

chanfro com arredondamento). O material usinado foi o aço ABNT 4340 temperado e

revenido para 56 HRC de dureza. Os experimentos consistiam em sucessivos passes de

torneamento radial (faceamento) nos três tipos de superfícies até o momento em que a

ferramenta atingisse os critérios de fim de vida (VBB = 0,20 mm ou 100 minutos de

usinagem). A figura 3 mostra os resultados.

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Figura 3 – Vida de ferramenta em função da geometria da peça, classe e microgeometria

da ferramenta (DINIZ e OLIVEIRA, 2008)

Como pode ser visto na figura 3, e confirmado por análises estatísticas, a geometria do

corpo-de-prova e a classe do material da ferramenta influenciam significativamente a vida da

ferramenta. A microgeometria da ferramenta (chanfro e chanfro com arredondamento) não

apresenta influência significativa nos resultados de vida. Do ponto de vista de classe de

material, a utilização de PCBN com adição de fase cerâmica sempre apresentou vida de

ferramenta maior que a classe de alto teor de PCBN, independentemente da microgeometria

da aresta e do tipo de superfície usinada. Este resultado é atribuído à fase cerâmica na

composição do material. De acordo com Chou e Evans (1999), a classe de PCBN com adição

da fase cerâmica possui menor condutividade térmica e menor dureza do que a classe com

alto teor de PCBN. Em teoria, elevada condutividade térmica e dureza promovem uma maior

retirada do calor da região de corte e maior resistência ao desgaste abrasivo, respectivamente.

Entretanto, a propriedade que explica a maior vida da classe de PCBN com adição de fase

cerâmica quando comparada com a classe de alto teor de PCBN, no torneamento duro, é a

menor tendência ao desgaste difusivo. A figura 4 mostra o desgaste de flanco das arestas de

corte utilizadas no corte contínuo com os dois materiais de ferramenta.

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Figura 4 – Desgaste de flanco em ferramentas com Alto teor de PCBN e PCBN com

adição de fase cerâmica no corte contínuo

Conforme a figura 4, as ferramentas com alto teor de PCBN tendem ao desgaste

difusivo (formação de cratera) durante o torneamento duro em função da afinidade química

entre material usinado e da ferramenta. Por outro lado, com o torneamento utilizando

ferramenta de PCBN com adição de fase cerâmica, o mecanismo de desgaste na superfície de

folga é a abrasão. Isto promove uma maior vida para a ferramenta de PCBN com adição de

fase cerâmica ao ser comparada às ferramentas com alto teor de PCBN.

Outro ponto identificado na análise dos resultados é que o corte interrompido sempre

apresentou vida de ferramenta maior do que o corte semi-interrompido e contínuo,

independentemente da microgeometria da aresta e da classe de PCBN. Conforme Trent e

Wright (2000), o aumento da temperatura estimula os mecanismos de desgaste como abrasão

e difusão, porque reduz a dureza da ferramenta e, então, torna mais fácil a remoção de

partículas da ferramenta e, também, estimula a troca de partículas entre cavaco e ferramenta

(difusão). Portanto, manter a temperatura em níveis mais baixos geralmente aumenta a vida da

ferramenta. Deste modo, estima-se que a ferramenta permaneceu em temperatura mais baixa

quando o corte interrompido foi utilizado, devido a três fatores: a) devido às interrupções, a

propagação de calor dentro da peça foi prejudicada e, portanto, a ferramenta tocava uma parte

mais fria da peça a cada 90o de rotação; b) com a rotação da peça, um fluxo de ar era gerado

nos sulcos que tornavam o corte interrompido, o que ajudou a manter a peça e a ferramenta

fria; c) porque a ferramenta cortava somente uma pequena parcela da peça entre dois sulcos,

não havia tempo suficiente para gerar uma zona de aderência entre cavaco e superfície de

saída da ferramenta. Quando esta zona de aderência ocorre, altas tensões de compressão, altas

taxas de deformação e altas temperaturas também ocorrem e, portanto, a troca de partículas

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entre cavaco e ferramenta é estimulada, causando desgaste de cratera na superfície de saída da

ferramenta. Não se percebeu nenhum desgaste de cratera na ferramenta quando o corte

interrompido foi usado.

Resumidamente, esta análise mostra que a utilização de ferramentas PCBN com adição

de fase cerâmica, apesar de promover menor condutividade térmica e menor dureza da

ferramenta, apresenta maiores valores de vida em função da menor tendência ao mecanismo

da difusão. Ainda, no corte interrompido, a vida da ferramenta foi superior da do corte

contínuo e semi-interrompido em função da menor temperatura na aresta de corte durante o

processo.

Apesar de o PCBN ser o principal material de ferramenta para utilização no

torneamento de aço endurecido, em algumas aplicações, o alto custo deste material de

ferramenta restringe o seu uso. Alguns exemplos são: a indústria de moldes e matrizes e o de

peças de manutenção. Nestes casos, a aplicação é caracterizada por um restrito número de

peças a serem produzidas além das diferentes geometrias presentes nestes componentes.

Consequentemente, estas características demandam uma grande quantidade de ferramentas, o

que torna a utilização deste material de ferramenta inviável. Portanto, materiais de

ferramentas alternativos, os quais possam reduzir significativamente os custos de ferramenta

sem prejudicar fortemente o desempenho do processo são possibilidades de melhoria no

processo de torneamento duro.

Uma breve análise nas propriedades dos materiais para ferramentas sugere como

alternativas ao uso de PCBN as cerâmicas de óxido de alumínio (Al2O3) e as de metal duro

com cobertura. Entretanto, ferramentas de óxido de alumínio puro têm limitado sucesso em

operações de torneamento duro em função da baixa resistência ao choque térmico e da restrita

resistência à fratura. Microlascamento e quebras são avarias comuns durante a utilização deste

material de ferramenta. Estas avarias são resultantes de inclusões duras no material usinado,

elevadas forças de corte, vibrações e inadequadas entradas e saídas de ferramenta na peça. A

resistência à fratura e ao choque térmico podem ser melhoradas com a adição de ZrO2, TiC,

TiN ou com reforço whiskers de SiC na composição química. Somado às adições nas

cerâmicas, a utilização de sistemas de fixação de peças e ferramentas extremamente rígidas

torna-se também pré-requisitos para este material de ferramenta. Nestas condições,

ferramentas de cerâmica reforçadas com whiskers de SiC são até recomendadas pelos

fabricantes para o corte interrompido. Com relação às ferramentas de metal duro com

cobertura, algumas classes demonstram apropriada resistência ao choque térmico e à fratura

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durante a usinagem de aços endurecidos. Contudo, estas ferramentas demonstram limita vida

ao tornear materiais aços no estado endurecidos principalmente em função das altas taxas de

desgaste abrasivo e das interações químicas com o material da peça (YALLESE et al, 2005;

STEPHENSON e AGAPIOU, 1996).

Com o objetivo de entender o comportamento das ferramentas de óxido de alumínio

(Al2O3) comparadas com ferramentas PCBN, tanto no corte contínuo quanto no corte

interrompido, estudos foram realizados por Grzesik e Zalisz (2008) e Diniz e Oliveira (2008).

A figura 5 mostra os resultados da comparação de ferramentas de PCBN com adição de fase

cerâmica e ferramentas de óxido de alumínio reforçadas com whiskers de SiC. Os ensaios

também consistiam em passes de torneamento radial do corpo-de-prova até atingir o critério

de fim de vida da ferramenta (VBB = 0,20 mm).

Figura 5- Vida de ferramenta em função da geometria da peça e material da ferramenta

(DINIZ e OLIVEIRA, 2008)

Três diferenças importantes existem na realização destes ensaios quando comparados

com os descritos na figura 3. A primeira está relacionada como critério de fim de vida: neste

caso, o ensaio apenas era paralisado quando a ferramenta atingisse o desgaste de flanco (VBB

= 0,20 mm). Nos ensaios anteriores, também ocorreu a finalização do ensaio quando a

ferramenta atingia 100 minutos de usinagem. A segunda diferença é que o corpo-de-prova

com corte semi-interrompido (peça com furos na face) foi descartado dos ensaios por

apresentar resultados muito próximos ao do corte contínuo. Neste caso, incorporou-se nos

ensaios um corpo-de-prova com o dobro do número de interrupções do corte anterior. Deste

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modo, existem duas formas de corte interrompido, com 4 e 8 rasgos que promovem

interrupções durante a usinagem da face. A terceira e última diferença está relacionada à

microgeometria da ferramenta: apenas ferramentas com aresta chanfrada foram utilizadas para

estes ensaios.

Na figura 5, é possível notar que, no corte contínuo, ocorre uma significativa diferença

na vida ao se comparar as ferramentas de cerâmica reforçada como whiskers e de PCBN com

adição de fase cerâmica. As ferramentas de PCBN com adição de fase cerâmica possibilitam,

em média, uma vida três vezes maior do que ferramentas de cerâmica reforçada com

whiskers. Neste caso, uma rigorosa análise de custo-benefício deve ser realizada para suportar

a tomada de decisão de que ferramenta utilizar, uma vez que ferramentas de PCBN têm o

custo três vezes maior do que ferramentas cerâmicas.

A explicação da maior vida de ferramenta com a utilização de ferramentas PCBN com

fase cerâmica no corte contínuo novamente pode explicada com os mecanismos de desgaste.

A figura 6 mostra o desgaste de flanco das arestas de corte utilizadas no corte contínuo em

com os dois materiais de ferramenta.

Figura 6 - Desgaste de flanco nas ferramentas de PCBN com adição de fase cerâmica e

cerâmica reforçada com whiskers no corte contínuo

Ferramentas de cerâmica baseadas em óxido de alumínio (Al2O3) são quimicamente

estáveis até temperaturas da ordem de 1200 ºC e, frequentemente, têm pequena ou nenhuma

tendência ao desgaste difusivo durante a usinagem. Mas esta estabilidade química é reduzida

em classes que contêm reforços de carboneto de silício (SiC). O SiC reage quimicamente com

o ferro em elevadas temperaturas, o qual contribui para tornar o desgaste difusivo mais

acentuado, inclusive na superfície de folga (STEPHENSON e AGAPIOU, 1996). Esta

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característica das ferramentas de cerâmica reforçada com whishers, conforme mostra a figura

6, é evidenciada por um desgaste de flanco com uma superfície mais lisa quando comparada

com a superfície do desgaste de flanco ocorrido na ferramenta de PCBN com adição de fase

cerâmica. Esta é a principal explicação da maior vida de ferramentas PCBN no corte contínuo

quando comparado com ferramentas de cerâmica reforçada.

Independentemente do tipo de corte interrompido, a vida de ambos materiais de

ferramenta foi relativamente similar. Novamente, estes resultados são associados à

temperatura na aresta de corte. Com o corte interrompido, menores temperaturas ocorrem na

interface cavaco-ferramenta e, com isso, reduz a taxa de desgaste principalmente para a

ferramenta de menor dureza. Por outro lado, uma característica na superfície de flanco da

ferramenta cerâmica desgastada desperta muita atenção. A figura 7 mostra o desgaste de

flanco das arestas de corte utilizadas no corte interrompido para os dois materiais de

ferramenta.

Figura 7 – Desgaste de flanco nas ferramentas de PCBN com adição de fase cerâmica e

cerâmica reforçada com whiskers no corte interrompido (8x)

Nas figura 7 torna-se possível verificar que o desgaste na ferramenta de PCBN foi

homogêneo em praticamente todo o contato com a peça na superfície de folga. Além disso,

nas extremidades de contato, ficam evidentes riscos abrasivos. Com a utilização de ferramenta

de cerâmica reforçada com whiskers, uma característica diferente aparece no desgaste de

flanco: diversos sulcos ao longo do contato ferramenta-peça. Estes sulcos têm profundidade

em relação ao contorno da aresta de corte de alguns mícrons. Shaw (2004) descreve que uma

hipótese para formação destes sulcos é o fenômeno causado pela ação abrasiva do perfil de

usinagem deixado pela operação anterior. Deste modo, o perfil de rugosidade deixado pelo

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operação de faceamento permite que, em materiais com restrições de carregamento

localizado, ocorra a formação de sulcos de origem abrasiva.

O impacto desta característica na superfície de folga das ferramentas cerâmicas

reforçadas com whiskers é diretamente refletido na rugosidade da superfície usinada. A figura

8 mostra o perfil de rugosidade ao longo da vida da ferramenta nos casos de corte com 8

interrupções em que as ferramentas mostradas na figura 7 foram utilizadas.

Figura 8 – Perfil de rugosidade para ferramentas de PCBN com adição de fase cerâmica

e cerâmica reforçada com whiskers no corte interrompido (8x)

Como pode ser observado na figura 8, o impacto do corte interrompido para ferramentas

cerâmicas reforçadas com whiskers é muito mais significativo do que para ferramentas de

PCBN com adição de fase cerâmica. Inicialmente, os valores de rugosidade para 10 minutos

de corte são muito maiores no caso de ferramentas cerâmicas. No caso da ferramenta de

PCBN, ocorre ao longo da vida, uma tendência de estabilização dos valores de rugosidade –

aproximadamente em torno de Ra = 0,6 m – enquanto que no caso de ferramentas cerâmicas,

a tendência é de aumento progressivo dos valores – praticamente em uma taxa constante. Este

fenômeno pode ser explicado com o surgimento e crescimento dos sulcos mostrados na figura

7. Com o aumento progressivo do tamanho dos sulcos, causados pelo desgaste abrasivo,

ocorre um direto aumento da rugosidade na superfície usinada pela ferramenta.

Portanto, levando em consideração a vida de ferramenta e os valores rugosidade na peça

usinada, as ferramentas de PCBN com adição de fase cerâmica mostram-se como uma opção

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mais adequada para processos produtivos com grande quantidade de peças e com restrito

valor de rugosidade. Contudo, em casos de lotes pequenos de peças e com valores de

rugosidade não estreitos, ferramentas de óxido de alumínio reforçadas com whiskers podem

ser uma boa solução de custo–benefício.

Mas a análise das características de processamento tem impacto no comportamento do

componente no uso. Portanto, uma análise da influência das características proporcionadas

pelo processo de manufatura no comportamento da peça ao longo de sua vida torna-se

imprescindível.

Deste modo, as diferentes características geométricas da aresta de corte no torneamento

duro e dos grãos abrasivos na retificação criam diferentes estruturas de superfície da peça. Por

exemplo, uma superfície torneada mostra marcas de avanço muito mais definidas e regulares

do que aquelas apresentadas por uma superfície retificada. Entretanto a diferença mais

significada entre uma superfície torneada e retificada está nas tensões residuais induzidas pela

ferramenta. Principalmente com aresta de corte nova, o torneamento induz tensões

compressivas relativamente profundas na superfície, enquanto, a retificação produz tensões

compressivas máximas na superfície do material. Tensões compressivas relativamente

profundas e induzidas pelo processo de torneamento duro são muito mais benéficas do ponto

de vista de resistência à fadiga do que tensões de compressão promovidas pelo processo de

retificação.

Com o objetivo de entender o comportamento de superfícies submetidas ao torneamento

duro e à retificação, Hashimoto, Guo e Warren (2006) estudaram o as diferenças na

integridade superficial e na resistência à fadiga de corpos-de-prova do aço 52100 (dureza de

62 HRC) usinados pelos dois processos. Os parâmetros utilizados na usinagem dos corpos-de-

prova são típicos de cada processo. Os valores de rugosidade nas amostras torneadas e

retificadas são similares (parâmetro Ra entre 0,14 e 0,18 m). Análises de microestrutura e

microdureza na subsuperfície (secção transversal) das amostras torneadas e retificadas

mostram que a região de modificada por deformação e calor é maior no caso da retificação.

Entretanto, o principal resultado desta pesquisa está nos ensaios de resistência à fadiga de

rolamento aos quais corpos-de-prova torneados e retificados foram submetidos. A figura 9

mostra os resultados destes ensaios.

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Figura 9 – Comparação de vida para superfícies torneadas e retificadas em ensaio de

fadiga de contato de rolamento

Os resultados mostram que a vida das superfícies torneadas pode ser, em média, 100%

maior de superfícies retificadas com equivalente valor de rugosidade. Os principais

mecanismos que contribuem para esta diferença nos valores de fadiga de contato de rolamento

são as diferentes estruturas superficiais e as tensões compressivas relativamente profundas.

Segundo Javidi, Rieger e Eichlseder (2008), as tensões residuais induzidas pelo processo de

torneamento duro tendem a ser tornar mais compressivas com o aumento do valor do avanço

por volta. Por outro lado, um aumento do raio de ponta da ferramenta promove redução nas

tensões compressivas. Deste modo, é evidente que a taxa de avanço e o raio de ponta da

ferramenta são os elementos de principal influência para determinação da tensão residual no

torneamento duro.

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1.3 Fresamento de aços endurecidos

Os processos de usinagem de aços endurecidos em peças prismáticas são,

tradicionalmente, realizados por operações de eletroerosão e, no caso de superfícies planas, de

retificação. As operações de eletroerosão, as quais podem ser a fio ou de mergulho, são

amplamente utilizadas para a manufatura em aços-ferramenta com elevada dureza (superior a

45 HRC). Este processo tem precisão, é capaz de usinar estreitas e profundas cavidades bem

como proporcionar que a máquina não necessite da presença de um operador durante todo o

tempo de operação. Além disso, a produtividade neste processo está mais relacionada com a

condutividade elétrica do material a ser trabalhado do que com sua dureza.

Contudo, o processo de eletroerosão apresenta algumas desvantagens. Inicialmente, em

operações de desbaste, o processo é relativamente lento ao ser comparado, em volume de

material removido, com o fresamento. No acabamento, esta relação torna-se ainda maior,

devido ao fato de, no processo de eletroerosão, a necessidade de se alcançar precisão

dimensional e manter integridade da superfície da peça requerer maior prudência. Ainda, a

confecção de eletrodos para a utilização no processo de eletroerosão é um dos fatores que

consome grande parte do tempo e eleva o custo do processo. A utilização de fluidos

dielétricos, na eletroerosão, também causa problemas ambientais além de apresentar um

potencial risco de fogo.

O processo de retificação em peças prismáticas também sofre fortes restrições. As

principais aplicações estão no acabamento de superfícies planas. Em contrapartida, o

acabamento de cavidades tem grandes dificuldades na utilização de rebolos. Por esse motivo,

o processo tem restrições para estas aplicações.

Principalmente com a usinagem de superfícies com muitos detalhes geométricos, a

indústria de metal-mecânica tem empregado o fresamento para a produção de componentes,

incluindo os manufaturados a partir de aços endurecidos. Este processo pode superar as

desvantagens impostas pelo processo de eletroerosão e de retificação promovendo

interessantes soluções para uma ampla gama de aplicações (indústria de moldes e matrizes,

componentes da indústria automobilística, etc).

Na usinagem de aços endurecidos pelo fresamento são, normalmente, utilizadas fresas

de topo. Estas ferramentas proporcionam a execução de superfícies de formas complexas,

rasgos e cortes de diferentes tipos e tamanhos. A figura 10 demonstra alguns exemplos de

fresas de topo.

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Figura 10 – Exemplos das fresas de topo para o fresamento de aço endurecido

Conforme a figura 11, a versatilidade das fresas de topo está relacionada ao fato de estas

possuírem arestas de corte tanto na sua periferia quanto no topo. A aresta lateral pode ser reta

ou cônica e o topo pode ser reto, toroidal ou esférico. Construtivamente, as fresas de topo

podem ser sólidas, com pastilhas soldadas ou com pastilhas intercambiáveis.

No fresamento de aços endurecidos, a ferramenta de usinagem é submetida a elevadas

tensões, temperaturas e à fadiga. Nesta situação, um material de ferramenta ideal deveria

combinar características de elevada dureza, tenacidade e estabilidade química. Mas, dureza e

tenacidade representam propriedades opostas e não há um único material que alcance todas as

três propriedades com valores altos simultaneamente.

Com o aumento na temperatura da região de corte causado pela dureza do material no

fresamento de aços endurecidos, a difusão pode ser dominante e a abrasão permanecer em

segundo plano. Esta afirmação parece ser inicialmente anormal em função do restrito tempo

de contato ferramenta-peça. Entretanto, alguns estudos evidenciam a presença do fenômeno

no fresamento de aços endurecidos. Para estas aplicações, diferentes opções de materiais para

ferramentas estão disponíveis, tais como: metal duro, cermet e PCBN. Estes materiais ainda

podem receber coberturas com o objetivo de aumentar a dureza, minimizar o atrito entre

cavaco e ferramenta e melhorar a estabilidade química. Por outro lado, o emprego de

ferramentas cerâmicas requer cuidados específicos em função da restrita tenacidade, e

consequentemente a possibilidade de avarias na aresta de corte.

Do ponto de vista de material de ferramenta, diferentemente do processo de

torneamento duro, o metal duro com cobertura tem destaque no fresamento destes aços com

durezas de inferiores a 55 HRC. Este fato está principalmente associado ao restrito tempo de

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contato ferramenta-peça e a elevada resistência à fratura quando comparado com os demais

materiais de ferramenta utilizados neste processo. Entretanto, o metal duro aplicado ao

fresamento de aços endurecidos necessita de cuidados especiais. Um aspecto de grande

importância nestes casos é o tamanho de grão. Para obter um metal duro com tamanho de grão

submícron e ultrafino com mínima porosidade, o processamento da matéria-prima requer

apropriado refinamento, sinterização e adição de elementos inibidores do crescimento de grão.

Entre os vários elementos inibidores do crescimento de grão estão o carboneto de vanádio

(VC) e o carboneto de cromo (Cr3C2). Este último é amplamente empregado para esta função

mesmo sendo menos eficiente do que o carboneto de vanádio (VC). O objetivo desta escolha

está relacionado com a capacidade do carboneto de cromo (Cr3C2) em proporcionar

resistência à corrosão no metal duro e também ao fato de que o carboneto de vanádio (VC),

em porcentagem maior que 0,6 %, causar drástica redução na tenacidade do metal duro.

Normalmente a microestrutura do metal duro é homogênea. Entretanto, com a constante

demanda por produtividade, esforços têm sido realizados para que as ferramentas tenham uma

melhor resposta aos mecanismos de desgaste. Em alguns casos, uma microestrutura com uma

diferente distribuição de microdureza e de tenacidade da superfície para o núcleo da

ferramenta pode proporcionar melhores resultados. Uma microestrutura de metal duro com

intencional distribuição não homogênea de microdureza e de tenacidade próxima à superfície,

com o objetivo de obter melhores respostas aos mecanismos de desgaste, é denominada de

gradiente funcional. Durante a sinterização ou em uma etapa após esta fase, com modificações

na atmosfera do forno, um gradiente funcional em uma faixa com espessura entre 20 e 50 m

próxima à superfície do metal duro pode ser alcançado. A alteração na atmosfera do forno,

com adição de um gás reativo em diferentes pressões, causa a migração dos carbonetos

cúbicos (TiC, TaC e NbC) para uma região mais central ou para a superfície do material. A

figura 11 uma micrografia de metal duro com um gradiente funcional.

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Figura 11 – Micrografia do metal duro com gradiente funcional

Na figura 11 verifica-se a composição da superfície formada por um elevado teor de

nitreto de titânio (TiN), uma região de transição com nitreto de titânio (TiN), carboneto de

tungstênio (WC) e carboneto de titânio (TiC) e, por último, uma região do substrato com

elevados teores de carboneto de tungstênio (WC) e carboneto de titânio (TiC). Os resultados

de utilização destas microestruturas com gradiente funcional demonstram uma maior

resistência ao desgaste, principalmente o desgaste de cratera.

Em diâmetros superiores a 12 mm, uma mesma geometria de fresa de topo pode ser

sólida e com pastilha intercambiável. O tempo de usinagem pode ser o fator decisivo para esta

tomada de decisão no fresamento de aços endurecidos. A utilização de ferramentas sólidas

proporciona uma maior vida de ferramenta quando comparadas com pastilhas

intercambiáveis. Entretanto, outros aspectos devem ser considerados na escolha da opção a

ser utilizada: a utilização de pastilha intercambiável promove um menor custo e a troca da

ferramenta é mais rápida; a utilização de ferramenta sólida aumenta a rigidez e facilita o

balanceamento do conjunto de fixação de ferramentas, indispensável com elevadas rotações;

com a utilização de ferramenta sólida, necessita-se a reafiação e nova deposição de cobertura,

com o objetivo de minimizar os custos. A figura 12 demonstra um estudo de viabilidade

econômica da reafiação de ferramentas sólidas quando comparadas à utilização de pastilhas

intercambiáveis (LACALLE et al., 2002).

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Figura 12 – Viabilidade econômica para a reafição de ferramentas sólidas (LACALLE

et al., 2002)

A análise de viabilidade econômica demonstra que, conforme a figura 12, a necessidade

de no mínimo quatro reafiações para que seja viável a utilização de ferramenta sólida em

substituição à utilização de pastilha intercambiável. Além disso, a análise considera que o

rendimento das ferramentas após a reafiação é idêntico ao da ferramenta original. Este um

fator de discussão na análise, pois em situações práticas, dificilmente este rendimento é

alcançado. Deste modo, em ambientes produtivos, torna-se necessário um maior número de

reafições para a viabilidade econômica de ferramentas sólidas de metal duro.

Principalmente com o fresamento de geometrias de peças que necessitam de pequenos

raios em profundidades relativamente altas, a utilização de ferramentas delgadas promove

erros dimensionais devido à deflexão. Estes erros dimensionais podem comprometer a

usinagem dentro das tolerâncias especificadas, mesmo que os outros fatores descritos

anteriormente estejam controlados. Tlusty, Smith e Winfough (1996) descrevem que,

considerando uma ferramenta fixada no mandril como uma viga engastada, a rigidez é

reduzida de maneira inversamente proporcional ao cubo do comprimento. Esta relação é

definida pela equação 1, em que: (k) representa a rigidez, (E), o Módulo de Elasticidade do

material da ferramenta, (I), o Momento de Inércia da seção transversal e (L), o comprimento

da ferramenta.

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3

3

L

EIk Equação 1

A deflexão de uma viga engastada, segundo um modelo estático, pode ser calculada

conforme a equação 2, em que: (B) representa a deflexão máxima e (F), a força aplicada.

Salgado et al. (2005) afirmam que o comportamento de uma ferramenta no fresamento em

operações de acabamento é similar ao comportamento estático.

EI

FLB

3

3

Equação 2

Considerando que a ferramenta tem secção transversal circular, a deflexão pode ser

definida conforme a equação 3, em que (D) é o diâmetro equivalente da secção transversal da

ferramenta.

4

3

3

64

ED

FLB

Equação 3

Conforme a equação 3, a relação L3/D

4 demonstra que a utilização de ferramentas com

pequeno comprimento em balanço e elevado diâmetro é o caminho para minimizar a deflexão

e, consequentemente, os erros dimensionais nas peças usinadas. Entretanto, esta situação nem

sempre pode ser realizada no fresamento, pois em determinados casos necessita-se de longos

comprimentos em balanço e reduzidos diâmetros. A equação 3 também demonstra que a

influência do comprimento em balanço é elevada à terceira potência e a influência do

diâmetro equivalente é elevada à quarta potência. Isto significa que pequenas reduções no

comprimento em balanço e incrementos no diâmetro têm uma forte influência na deflexão das

ferramentas.

Com o objetivo de aumentar a rigidez do sistema de fixação de pastilhas, uma opção é a

utilização de porta-ferramenta de metal duro ao invés da utilização dos convencionais de aço.

A figura 13 demonstra os dois tipos de porta-ferramentas para fixação de pastilhas esféricas.

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Figura 13 – Porta-ferramenta de metal duro e de aço para fixação de pastilha esférica

Como pode ser verificado na figura 13, no porta-ferramenta de metal duro, somente a

região de fixação da pastilha é de aço. O porta-ferramenta de metal duro tem menor tendência

à deflexão em função do maior Módulo de Elasticidade (E) quando comparado com porta-

ferramenta de aço montado em um mandril com o mesmo comprimento em balanço. Outra

possibilidade é a utilização do porta-ferramenta de metal duro montado no mandril com um

maior comprimento em balanço quando comparado a um de aço e, mesmo assim, obtendo a

mesma rigidez. Entretanto, devido à dificuldade de utilização de um método analítico descrito

na equação 1 para comparação de rigidez entre os diferentes diâmetros e geometrias de porta-

ferramenta com pastilhas e ferramentas sólidas de metal duro, utiliza-se diante destes casos, o

Método de Elementos Finitos.

Do ponto de vista do tipo do corte, o fresamento concordante é mais favorável do que o

discordante na usinagem de aços endurecidos. No fresamento discordante, devido à menor

espessura de corte na entrada da ferramenta, a pressão específica de corte torna-se maior e,

consequentemente, o calor gerado também aumenta. A vida útil da ferramenta, nestas

condições de corte, torna-se menor, podendo chegar a uma redução de 50%. Ainda, no

fresamento discordante, as forças radiais também são consideravelmente maiores, o que

promove um efeito negativo nas vibrações e na vida do eixo-árvore da máquina-ferramenta

(SCHULZ, 1995).

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Com relação ao tipo de operação, o desbaste em aços endurecidos é caracterizado por

elevados carregamentos na ferramenta de usinagem, principalmente no início da abertura de

cavidades, em que todo o diâmetro da ferramenta de usinagem é utilizado no corte.

Entretanto, as variações no carregamento da ferramenta também são causadas pela forma da

geometria usinada, mesmo com o sobrematerial sendo constante. A figura 14 demonstra a

variação no ângulo de contato entre a ferramenta de usinagem e a peça em função da

geometria usinada.

Figura 14 – Variação no ângulo de contato em função da geometria da peça

A figura 14 demonstra que, conforme a ferramenta percorre a trajetória do perfil da

peça, diversos ângulos de engajamento ocorrem no percurso para um mesmo valor de

sobrematerial. Em regiões côncavas, o ângulo de contato ferramenta-peça tende a aumentar e,

em regiões convexas, o ângulo de contato aproxima-se de valores mínimos. Em conseqüência

deste fato, acontecem sucessivas variações na força de usinagem e alterações nos valores de

deflexão na ferramenta.

A estratégia mais utilizada no fresamento de aços endurecidos, principalmente em

operações de desbaste, é a usinagem do contorno da geometria em um plano mantendo a

profundidade axial de usinagem (ap) constante. Em cavidades, a entrada da ferramenta deve

ser realizada em rampa, de modo a evitar elevados carregamentos na aresta de corte. Com a

usinagem de paredes inclinadas, a utilização desta estratégia forma diversos degraus na

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superfície usinada. Nesta situação, fresas toroidais e esféricas podem reduzir a altura desses

degraus quando comparada à utilização de fresas de topo reto. Esta alteração possibilita uma

redução na variação do carregamento da ferramenta na próxima operação.

Em situações com a dureza do material seja superior a 50 HRC, o volume de material a

ser removido seja elevado e a geometria a ser usinada não seja uma cavidade fechada, a

estratégia trocoidal pode ser utilizada. A estratégia trocoidal consiste na utilização de

movimento de avanço combinado com um movimento circular ou elíptico da ferramenta, o

que possibilita a redução no ângulo de contato entre ferramenta e peça quando comparada

com outras estratégias. Esta estratégia normalmente é utilizada com elevados valores da

profundidade axial de usinagem (ap) e ferramentas sólidas com hélice objetivando utilizar e

distribuir o carregamento ao longo da aresta de corte.

Em operações de acabamento, o diâmetro das ferramentas é normalmente menor do que

o dobro do menor raio interno presente na geometria da peça. Deste modo, é possível a

usinagem da geometria com interpolação, evitando a usinagem da região com o próprio raio

da ferramenta. Quando o raio da ferramenta é utilizado para usinar um raio interno, a

superfície usinada tem um aspecto diferente das superfícies usinadas por interpolação devido

à instantânea parada da ferramenta para mudança de direção e pelo abrupto aumento no

ângulo de contato ferramenta-peça.

Outro ponto imprescindível em operações de acabamento no fresamento de aços

endurecidos é a retirada dos cavacos da região de corte. A utilização de centros de usinagem

vertical é a configuração mais comum para estas operações. O principal motivo da maior

utilização desta configuração de máquina-ferramenta é o seu menor preço quando comparado

com os centros de usinagem horizontal. Por outro lado, o emprego de um centro de usinagem

vertical apresenta problemas com a remoção do cavaco da região de corte. Principalmente

com a usinagem de cavidades estreitas e profundas, torna-se difícil a remoção do cavaco da

cavidade somente com o fluxo de ar originado pela rotação da ferramenta de usinagem. Caso

o cavaco não seja removido da cavidade, ele pode ser esmagado entre a superfície usinada e a

ferramenta, danificando o acabamento superficial e/ou avariando a aresta de corte.

A aplicação do fluido de corte no processo pode remover com facilidade o cavaco de

uma cavidade. Contudo, a utilização de um fluido de corte aquoso, o qual tem alta capacidade

de refrigeração, causa a redução da vida da ferramenta por incentivar trincas de origem

térmica, as quais são causadas pela maior flutuação cíclica da temperatura devido à natureza

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interrompida do corte. Normalmente, obtém-se a maior vida de ferramenta no fresamento de

aços com a usinagem isenta de fluido de corte.

Uma solução utilizada para remoção do cavaco da região de corte no Fresamento com

Alta Velocidade de aços endurecidos é a aplicação de ar comprimido. O ar comprimido tem

baixa capacidade de refrigeração quando comparado com os fluidos aquosos. Deste modo, a

intenção é minimizar o efeito da flutuação da temperatura na ferramenta durante o corte.

Ainda com o objetivo de aumentar a capacidade de lubrificação, eventualmente utiliza-se a

pulverização de uma pequena quantidade de óleo, em forma de névoa, juntamente com a

aplicação de ar comprimido. Esta técnica é conhecida como Mínima Quantidade de Fluido

(MQF).

Entretanto, os efeitos da utilização da técnica MQF no fresamento de aços-ferramentas

endurecidos são fortemente influenciados por uma série de fatores. Entre eles, podem ser

descritos os parâmetros de usinagem, material usinado, pressão, vazão, distância de aplicação,

geometria usinada e material da ferramenta. De uma forma geral, presume-se que o óleo, em

forma de névoa, pode adsorver na superfície de saída da ferramenta durante o período de uma

volta em que não há corte e, durante o período de corte, lubrificar a interface cavaco-

ferramenta. Deste modo, o atrito na interface cavaco-ferramenta é reduzido, além de

minimizar as adesões de material da peça na aresta de corte. Como resultado desta maior

eficiência no corte, ocorreria um acréscimo na vida da ferramenta.

Contudo, os resultados no fresamento de aços endurecidos demonstram que a aplicação

da técnica MQF não produz os efeitos desejados na vida da ferramenta quando comparado

com a usinagem isenta de fluido. A aplicação da técnica MQF, mesmo com restrita

refrigeração, promove o aparecimento de trincas de origem térmica na ferramenta. Estas

trincas interagem com as de origem mecânica, ocorrendo microlascamentos na aresta de corte.

Outro ponto negativo com a utilização da técnica MQF é a contaminação do ambiente. A

aplicação da técnica MQF em um ambiente produtivo requer a instalação de um sistema de

exaustão da névoa na máquina-ferramenta.

Do ponto de vista de integridade superficial, Axinte e Dewes (2002) analisaram tensões

superficiais no fresamento do aço H13 com dureza média de 48 HRC com ferramentas

esféricas de metal duro e com cobertura de TiAlN. Nesta pesquisa não se observaram

alterações na microestrutura e presença de camada branca utilizando um microscópio ótico

com ampliação de 1000x. A análise de tensões residuais, próxima à superfície usinada,

demonstrou tensões compressivas (até 760 MPa), fato associado aos efeitos mecânicos e

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térmicos da usinagem. Como descrito anteriormente, as tensões compressivas resultam em um

melhor desempenho em relação à fadiga quando comparadas, por exemplo, à com superfícies

polidas.

Hioki (2006) realizou estudou a influência da topografia no desempenho tribológico de

uma superfície. Utilizou o aço-ferramenta H13 com dureza média de 550 HV e superfícies

fresadas com diferentes parâmetros de usinagem. Nesta pesquisa, se comparou dois tipos de

topografia de superfícies fresadas, conforme mostra a figura 15.

Figura 15 – Topografia de superfícies fresadas em função dos parâmetros de usinagem

Para se determinar o desempenho tribológico das superfícies usinadas, considerou o

tempo necessário para atingir o coeficiente de atrito = 0,2 (adotado como critério de fim de

vida da superfície) em um ensaio de pino-placa com lubrificação de uma mistura

óleo/bissulfeto de molibdênio. Os resultados demonstram que superfícies com alto índice de

formação de cavidades, conforme a figura 15a, apresentam um melhor desempenho quando

comparadas às superfícies com menores valores deste índice, conforme figura 15b. Os

resultados estão associados à capacidade de retenção de lubrificante nas cavidades, fator que

possibilita um aumento da eficiência de lubrificação diante do contato com outros corpos.

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1.4 Gerenciamento de ferramentas na manufatura

O desafio da melhoria contínua e da sistemática redução dos custos nos processo

produtivos determina que empresas de “classe mundial” no segmento de usinagem tenham

foco na utilização de ferramentas de usinagem. Este desafio está relacionado não somente ao

uso das ferramentas de usinagem, mas também, ao impacto destas ferramentas em todo

processo de usinagem.

Neste contexto, a utilização de uma técnica para gerenciamento de ferramentas no

ambiente fabril torna-se imprescindível para as empresas de usinagem. Esta estratégia de

gerenciamento de ferramentas visa à resolução de problemas relacionados às várias atividades

que permeiam o seu uso: aquisição, armazenagem, seleção e alocação, inspeção, preparação,

montagem na máquina, uso e manuseio, monitoramento, troca e controle de inventário.

Portanto, os objetivos principais do gerenciamento de ferramentas devem ser: reduzir os

custos de manufatura e eliminar distúrbios nos processos produtivos. Os objetivos podem ser

atingidos com as seguintes atividades: redução em paradas de máquinas por falta de

ferramentas, maximização da utilização de ferramentas, minimização no número de refugos,

padronização e racionalização da utilização das ferramentas, redução dos estoques de

ferramentas e eliminação da obsolescência, redução nos tempos de preparação de máquinas e,

por fim, tornar a informação precisa no ambiente de manufatura.

O gerenciamento de ferramentas deve ser tratado com uma estratégia interdepartamental

com apoio do planejamento estratégico da empresa. De um modo geral, para se alcançar os

benefícios propostos pelo gerenciamento de ferramentas, deve integrar simultaneamente três

áreas: planejamento estratégico, logístico e técnico. Ao planejamento técnico se atribui a

seleção e o uso de ferramentas; o planejamento logístico cuida da disponibilização do

ferramental no local e tempo definido; e o planejamento estratégico tem a responsabilidade de

limitar a variedade, quantidade e valor do ferramental disponível (FAVORETTO, 2005). A

figura 16 mostra o detalhamento das atribuições de cada área envolvida no planejamento

integrado do gerenciamento de ferramentas.

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Figura 16 – Planejamento integrado do gerenciamento de ferramentas

Entretanto, conflitos de diferentes perspectivas sobre o gerenciamento de ferramentas

surgem quando as decisões envolvem áreas distintas em uma empresa. Comparando o ponto

de vista financeiro e o ponto de vista técnico sobre a utilização do ferramental no ambiente

produtivo, uma divergência ocorre: pelo aspecto financeiro, o custo do ferramental deve se

manter nos menores níveis possíveis, pois causará um menor custo no produto; no aspecto

técnico, as melhores soluções técnicas são atingidas diante de maiores investimentos no

ferramental. Este investimento deverá ser rateado nos produtos produzidos pelo ferramental,

mas uma análise de custo-benefício nem sempre justifica o investimento em função do

número de peças produzidas ou do valor rateado em cada peça. Além disso, a justificativa da

aquisição do ferramental baseados em análises qualitativas de desempenho ou do

aproveitamento em outros produtos torna-se de difícil aceitação pela área financeira,

principalmente quando os referidos produtos não estão no planejamento de produção. Neste

caso, uma visão estratégica da empresa torna-se imprescindível para se desobstruir o impasse

(FLEISCHER et al., 2006).

O gerenciamento da informação é a base para o gerenciamento de ferramentas. O

motivo é a grande quantidade de informação gerada e necessária para a tomada de decisão.

Dados conflitantes, desatualizados ou simplesmente a falta de informação podem ser

responsáveis por custos elevados, faltas de ferramentas e inventários excessivos. A melhoria

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contínua somente é possível diante da existência de uma base sólida de informações, de modo

entender os dados atuais e onde se pretende chegar (FAVORETTO, 2005).

Para a implementação do gerenciamento de ferramentas, a criação de uma base de dados

e cadastramento das ferramentas são as primeiras atividades para se realizar. Um cadastro

padronizado e bem realizado facilita a localização, controle, compras e estimativas dos custos

de ferramentas evitando redundâncias na empresa. Além disso, o programa deve interagir com

diferentes ambientes na empresa: planejamento do processo, planejamento da produção,

compras, produção e qualidade.

Existem programas de bases de dados dedicados para as necessidades de cada empresa.

Os dados normalmente são divididos em descritivos, técnicos e logísticos. Estas bases de

dados também podem prever aspectos com anormalidades e priorização de ferramentas.

Contudo, o aspecto mais importante é que o conteúdo da base de dados esteja atualizado e

correto. Favoretto (2005) realizou uma pesquisa com o objetivo que, entre outros detalhes,

analisou os dados cadastrados nas bases de dados para gerenciamento de ferramentas na

região metropolitana de Curitiba- PR. A figura 17 mostra as principais informações presentes

nestes bancos dados.

Figura 17 - Principais informações das bases de dados para gerenciamento de

ferramentas

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Uma análise das informações presentes na figura 17 mostra que os banco de dados para

gerenciamento de ferramentas têm, atualmente, uma vocação para área de compras. Como

pode ser verificado, informações do tipo, fornecedor, número, custo, estratégia de compra

estão presentes, no mínimo, em 70% dos bancos de dados. Em contrapartida, informações

para suportar a área estratégica e técnica da empresa apresentam restritas informações. Deste

modo, o desenvolvimento de novos processos fica prejudicado do ponto de vista do tempo de

realização, racionalização de ferramentas e, consequentemente, dos custos pela dificuldade

e/ou pela falta de informações para tomada de decisões.

Portanto, a implementação de banco de dados completos principalmente no aspecto

técnico pode ajudar muito os profissionais envolvidos na definição dos processos de

manufatura nas empresas. Entretanto, a responsabilidade de discussão, desenvolvimento e

atualização das informações nos referidos bancos de dados para gerenciamento de ferramentas

pertence aos profissionais da área técnica.

A forte competição internacional exige que empresas de “classe mundial” no segmento

de usinagem tratem assuntos como aquisição, armazenagem, seleção e alocação, inspeção,

preparação, montagem na máquina, uso e manuseio, monitoramento, troca e controle de

inventário, como pontos-chave para a sobrevivência no mercado.

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