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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM EMENTA: Principais pressupostos teóricos da Psicologia da Aprendizagem e do desenvolvimento: inatismo, ambientalismo e interacionismo; Teoria comportamentalista, Humanista, Cognitivista, Sócio-histórica e Psicanalítica; A teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner; Os fatores intra e inter-psíquicos do processo de ensino-aprendizagem. OBJETIVO: Fazer uma reflexão sobre as principais teorias da aprendizagem mostrando, sobretudo, como cada uma delas entende o homem, a relação homem-sociedade, o conhecimento, a educação, o processo de ensino- aprendizagem, a metodologia de ensino, a avaliação da aprendizagem, bem como as múltiplas relações que se estabelecem no interior das instituições de ensino. Criar as condições para que o aluno possa fazer uma reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem desenvolvido nas escolas públicas do município de Sobral e das demais cidades da Zona Norte do estado do Ceará. 1. A DIFERENÇA BÁSICA ENTRE OS HOMENS E OS OUTROS ANIMAIS De acordo com Marx e Engels, o primeiro pressuposto de toda história Texto elaborado para a disciplina Psicologia do desenvolvimento e da Aprendizagem ministrada nos cursos de licenciatura da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVApelo professor Josenildo que é professor do curso de Pedagogia, Psicólogo e Mestre em Ciências Sociais. humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro ato a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da natureza. Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que tem de reproduzir. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção. A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material. Os homens são os produtores de suas idéias etc, mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência 1

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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA

APRENDIZAGEM

EMENTA: Principais pressupostos teóricos da Psicologia da Aprendizagem e do desenvolvimento: inatismo, ambientalismo e interacionismo; Teoria comportamentalista, Humanista, Cognitivista, Sócio-histórica e Psicanalítica; A teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner; Os fatores intra e inter-psíquicos do processo de ensino-aprendizagem.

OBJETIVO: Fazer uma reflexão sobre as principais teorias da aprendizagem mostrando, sobretudo, como cada uma delas entende o homem, a relação homem-sociedade, o conhecimento, a educação, o processo de ensino-aprendizagem, a metodologia de ensino, a avaliação da aprendizagem, bem como as múltiplas relações que se estabelecem no interior das instituições de ensino. Criar as condições para que o aluno possa fazer uma reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem desenvolvido nas escolas públicas do município de Sobral e das demais cidades da Zona Norte do estado do Ceará.

1. A DIFERENÇA BÁSICA ENTRE OS HOMENS E OS OUTROS ANIMAIS

De acordo com Marx e Engels, o primeiro pressuposto de toda história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro ato a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da natureza. Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material.

O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que tem de reproduzir. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são,

Texto elaborado para a disciplina Psicologia do desenvolvimento e da Aprendizagem ministrada nos cursos de licenciatura da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVApelo professor Josenildo que é professor do curso de Pedagogia, Psicólogo e Mestre em Ciências Sociais.

portanto, depende das condições materiais de sua produção.

A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material. Os homens são os produtores de suas idéias etc, mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real.

Não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõem-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida.

Os homens ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, transformam, também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos do seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.

O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto de toda história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história. Mas para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje como a milhares de anos, deve ser cumprido todos dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos.

O segundo ponto é que, satisfeita esta primeira necessidade, a ação de satisfaze-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades – e esta produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico.

A terceira condição é que os homens, que diariamente renovam sua própria vida, começam a criar outros homens, a procriar: é a relação entre homem e mulher, entre pais e filhos, a família. A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, como da alheia, na procriação, aparece agora como dupla relação: de um lado, como relação natural, de outro

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como relação social – social no sentido de que se entende por isso a cooperação de vários indivíduos, quaisquer que sejam as condições, o modo e a finalidade.

Desde o início mostra-se, portanto, uma conexão materialista dos homens entre si, condicionada pelas necessidades e pelo modo de produção, conexão esta que é tão antiga quanto os próprios homens – que toma incessantemente, novas formas e apresenta, portanto, uma história sem que exista quaisquer absurdo político ou religioso que também mantenha os homens unidos.

A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, que existe para os outros homens e, portanto, existe também para mim mesmo; e a linguagem nasce, como a consciência, da carência, da necessidade de intercâmbio com outros homens.

A consciência, portanto, é desde o início um produto social, e continuará sendo enquanto existirem homens. A consciência é, naturalmente, antes de mais nada mera consciência do meio sensível mais próximo e consciência da conexão limitada com outras pessoas e coisas situadas fora do indivíduo que se torna consciente; é ao mesmo tempo consciência da natureza que, a princípio, aparece aos homens como um poder completamente estranho, onipresente, inexpugnável com o qual os homens se relacionam de maneira puramente animal e perante o qual se deixam impressionar como o gado; é, portanto, uma consciência puramente animal da natureza.O homem não se limita a imediaticidade das situações com que se depara, já que produz universalmente (para além de sua sobrevivência pessoal e de sua prole).

A atividade dos animais, em relação à natureza, é biologicamente determinada. A sobrevivência da espécie se dá com base em sua adaptação ao meio. Por mais sofisticada que possam ser as atividades dos animais, elas ocorrem com pequenas modificações na espécie, já que a transmissão da experiência é feita quase que exclusivamente pelo código genético.

A ação humana, por sua vez, não é biologicamente determinada, mas se dá principalmente pela incorporação das experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos de geração à geração. A transmissão dessas experiências e conhecimentos permite que a nova geração não volte ao ponto de partida da que a precedeu. A esse processo, Marx e Engels denominam de apropriação.

As características do gênero humano não são transmitidas pela herança genética, porque não se acumulam no organismo humano. As características do gênero humano foram criadas e desenvolvidas ao longo do processo histórico, através do processo de objetivação, gerado a partir da apropriação da natureza

pelo homem. Cada indivíduo tem que se apropriar de um mínimo desses resultados da atividade social, exigido pela sua vida no contexto social do qual faz parte. Quais os componentes da generacidade farão parte desse mínimo indispensável à própria sobrevivência do indivíduo, dependerá das circunstâncias concretas de sua vida, especialmente aquelas de seu meio social imediato.

A atuação do homem diferencia-se da do animal porque, ao alterar a natureza, por meio de sua ação, torna-a humanizada. Ao mesmo tempo, o homem altera a si próprio por intermédio dessa interação; ele vai se constituindo, vai se diferenciando cada vez mais das outras espécies animais.

É o processo de produção da existência humana. A alimentação reflete as mudanças ocorridas no homem. O homem cria novas necessidades. O homem não só cria instrumentos como também desenvolve idéias (conhecimentos, valores, crenças) e mecanismos para sua elaboração (desenvolvimento do raciocínio, planejamento). Por mais sofisticadas que possam parecer, as idéias são produtos de e exprimem as relações que o homem estabelece com a natureza na qual se insere. É nesse processo que o homem adquire a consciência de que está transformando a natureza para adaptá-la as suas necessidades. A esse processo Marx e Engels denominam de objetivação.

O processo de produção da existência humana é um processo social. O ser humano não vive isoladamente, ao contrário depende de outros para sobreviver. Há interdependência dos seres humanos em todas as formas da atividade humana. Quaisquer que sejam suas necessidades – da produção de bens à elaboração de conhecimentos, costumes, valores ... – elas são criadas, atendidas e transformadas a partir da organização e do estabelecimento de relações entre os homens.

Na base de todas as relações humanas, determinando e condicionando a vida, está o trabalho. A forma de organizar o trabalho determina a relação entre os homens, inclusive quanto a propriedade dos instrumentos e materiais utilizados e à apropriação do produto do trabalho.

As relações de trabalho – forma de dividi-lo e organizá-lo – ao lado do nível técnico dos instrumentos de trabalho, dos meios disponíveis para a produção de bens materiais, compõem a base econômica de uma dada sociedade.

As idéias, como os produtos da existência humana, sofrem as mesmas determinações históricas. As idéias são as expressões das relações e atividades reais dos homens, estabelecidas no processo de produção de sua existência. Elas são a representação daquilo que o homem faz, da sua maneira de viver,

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da forma com se relaciona com outros homens, do mundo que o circunda e das suas próprias necessidades. No entanto, aquilo que o homem faz, acredita, conhece e pensa sofre interferência também das idéias, representações anteriormente elaboradas.

Dentre as idéias que o homem produz, parte delas constitui o conhecimento referente ao mundo. O conhecimento humano, em suas diferentes formas (senso comum, científico, teológico, filosófico, estético, etc), exprime condições materiais de um dado momento histórico.

A linguagem enquanto um sistema simbólico surge para agilizar a comunicação entre os homens, substituindo e aperfeiçoando outros sistemas gestuais mais concretos. Os nomes que damos aos objetos, às experiências e às situações nos permitem ter sempre presente na consciência a sua representação, podendo assim, quando necessitarmos, passá-los aos nossos semelhantes sem a presença física desses objetos e situações. A linguagem, enquanto sistema de símbolos, permite ir além da realidade vivida, transpondo as coisas para um outro plano, constituindo um nível intermediário entre o dado imediato, singular e empírico e a idéia abstrata e universal, enquanto pura representação mental desse dado, pela consciência subjetiva.

O processo de formação do gênero humano na concepção de Marx e Engels se dá mediante o trabalho, atividade vital humana, pois a mera sobrevivência física dos indivíduos e sua reprodução biológica através do nascimento de seres humanos, assegura, apenas, a continuidade da espécie biológica, mas não assegura a reprodução do gênero humano, com suas características historicamente constituídas. É na criação de instrumentos e signos que os homens vão aprimorando suas relações com a natureza, com os outros homens e consigo mesmo.

O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. O instrumento é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc) é análoga a invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento de atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. Os instrumentos, porém, são elementos externos ao indivíduo, voltado para fora dele. Sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da

natureza. Os signos, por sua vez, também chamados por Vygotsky de instrumentos psicológicos são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo. Dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas. São ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos.

2. INATISMO, AMBIENTALISMO E INTERACIONISMO

Os pressupostos das Teorias da Aprendizagem podem ser resumidos nas seguintes concepções: Inatismo no qual há o primado do sujeito sobre o objeto de conhecimento, o ambientalismo no qual há a predominância do objeto sobre o sujeito e, por fim, o interacionismo no qual existe uma relação de predominância mútua entre o sujeito e o objeto.

A concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e ou importantes para o desenvolvimento, dado que o indivíduo já nasce com padrões inatos de comportamento. O aparecimento de cada nova capacidade depende basicamente de um processo de maturação do sistema nervoso.

A ênfase na hereditariedade fez com que muitos educadores pensassem que, diante de cada criança, não há muito o que fazer. Nessa concepção.

Assim, o ato de aprender e compreender a realidade e o mundo a sua volta é o resultado direto da capacidade e aptidões cognitivas que o indivíduo já traz dentro de si desde o nascimento, portanto, existe um a priori no indivíduo que cria as condições para que ele possa aprender.

A concepção ambientalista, por sua vez, tem o mérito de chamar nossa atenção para a plasticidade do ser humano, que pode se adaptar a diferentes condições de existência, aprendendo novos comportamentos. Todavia, tal visão termina por colocar os seres humanos como criaturas passivas frente ao ambiente. Nessa concepção, “ a criança ao nascer é uma tabula rasa” na qual serão impressas as experiências com as quais ela irá se deparar.

A experiência do indivíduo com determinadas situações e condições é que vai determinar a sua capacidade de apreender as nuanças da realidade e do mundo a sua volta. Quanto mais contato o indivíduo tiver com determinadas situações maior o seu conhecimento, portanto, maior a aprendizagem.

Essa visão parte do pressuposto de que o conhecimento vem de fora para dentro do indivíduo difentemente da abordagem inatista que parte de uma premissa contrária, ou seja, de dentro para fora.

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Se o conhecimento vem de fora para dentro do indivíduo, cabe então ao educador organizar, planejar, definir as estratégias de ensino de maneira que o educando possa assimilar da melhor forma possível o que o educador definiu como sendo de fundamental importância. Nesse caso, o educando é um agente passivo no processo de ensino-aprendizagem.

A concepção interacionista contrapõe-se as duas visões anteriores. Nela, tanto indivíduo quanto o ambiente no qual ele está inserido exercem influência mútua, não podendo ser dissociados um do outro.

Essa concepção apóia-se na idéia de interação entre indivíduo-meio e vê a aquisição de conhecimentos como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer, nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio. Nessa visão, o educador assume importante papel de mediador na relação do educando com o meio.

3. SKINNER E A ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA

O objetivo é discutir os conceitos básicos da abordagem comportamentalista e como essa abordagem pode ser aplicada na condução do processo de ensino-aprendizagem.

A abordagem comportamentalista está ligada aos experimentos feitos pelo psicólogo americano B.F. Skinner nascido em 1904. Skinner fez experiências de laboratório com animais, principalmente, pombos e ratos e extraiu dessas experiência explicações sobre o comportamento humano.

Skinner fez, inicialmente, uma distinção entre dois tipos de comportamentos: aquelas respostas eliciadas por um estímulo específico e aquelas que são emitidas sem a presença de estímulos conhecidos. Ao primeiro tipo de respostas, Skinner chamou de “respondente” e ao segundo de “operante”.

O comportamento respondente é automaticamente provocado (eliciado) por estímulos específicos como, por exemplo: a contração pupilar mediante a luz forte. O comportamento operante, no entanto, não é automático, inevitável e nem determinado por estímulos específicos. Assim, caminhar pela sala, abrir uma porta, cantar uma canção, são comportamentos chamados operantes, já que não se pode estipular quais os estímulos que os causaram. É o comportamento conhecido como voluntário que opera sobre o meio, a fim de gerar conseqüências.

Reconhecendo que a grande maioria do comportamento humano é operante, Skinner se dedicou

ao seu estudo, procurando provar que a emissão de operantes podia ser controlada e procurando determinar quais as variáveis que determinavam a freqüência da emissão.

Skinner adotou o termo “reforço” para designar qualquer evento que aumente a freqüência de um comportamento. No ser humano, o “muito bom” do professor para uma pergunta ou uma resposta do aluno em sala de aula, será um reforçador se isto fizer com que novas respostas corretas surjam. O que caracteriza o condicionamento operante é que o reforço ocorre depois da emissão da resposta. Para Skinner, o reforço é qualquer estímulo cuja apresentação ou afastamento aumenta a probabilidade de uma resposta.

Existem dois tipos de reforço: reforço positivo e o reforço negativo. O reforço positivo é aquele estímulo cuja apresentação fortalece o comportamento (alimento, elogio, dinheiro). O reforço negativo é aquele estímulo cuja retirada fortalece a resposta. O aluno que estuda antes dos exames escolares tem uma sensação de segurança que aumenta a probabilidade de ocorrência do comportamento de estudar. Por outro lado, o aluno que não estuda tem uma sensação de insegurança, medo, no momento do exame. A retirada da sua insegurança proporcionar prazer e aumentará a freqüência da resposta de estudar.

Um outro conceito básico na teoria skinneriana é o conceito “punição”. Quando um determinado indivíduo emite um comportamento que não é considerado socialmente aceito e após emiti-lo sofre uma punição a probabilidade dele vir a repetir o comportamento é bem menor se ele não sofresse tal punição. Assim, punição significa, para Skinner, todo é qualquer estímulo cuja apresentação fortalece a não emissão de um resposta ou comportamento. Se um aluno age com indisciplina em sala de aula e é repreendido pelo professor, a probabilidade dele vir a cometer esse ato novamente torna-se por demais diminuída. Como então essa abordagem pode ser aplicada no processo de ensino aprendizagem? Para que possamos responder essa questão se faz necessário ver como ele concebe o homem, o conhecimento, a educação, a escola, o processo de ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno, a metodologia e a avaliação.

Esta abordagem se caracteriza pelo primado do objeto. O conhecimento é uma descoberta e é nova para o indivíduo que a faz. Considera-se o organismo sujeito às contingências do meio, sendo o conhecimento uma cópia de algo que simplesmente é dado no mundo externo. Evidencia-se, portanto, que o conhecimento é o resultado direto da experiência.

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De acordo com essa abordagem, o homem é uma conseqüência das influências ou forças existentes no meio ambiente. A hipótese de que o homem não é livre é absolutamente necessária para se poder aplicar um método científico no campo das ciências do comportamento. O que o homem faz é o resultado de condições que podem ser especificadas e que, uma vez determinadas, poderemos antecipar e até certo ponto determinar as ações. O ideal é transferir-se o controle da situação ambiental para o próprio sujeito de forma que a pessoa se torne auto-controlável, auto-suficiente. A recusa em aceitar-se a responsabilidade de controle tem como conseqüência deixar que este controle seja exercido por outras pessoas.

A realidade para Skinner é um fenômeno objetivo; o mundo já é construído, e o homem é produto do meio. O meio pode ser manipulado. O comportamento, por sua vez, pode ser mudado modificando-se as condições das quais ele é função, ou seja, alterando-se os elementos ambientais. Para que a formulação das relações entre um organismo e seu meio ambiente seja adequada, deve-se sempre especificar três aspectos: a ocasião na qual a resposta ocorreu, a própria resposta e as conseqüências reforçadoras. A cultura é entendida como espaço experimental utilizado no estudo do comportamento. É um conjunto de contingências de reforço. A sociedade ideal, para Skinner, é aquela que implica um planejamento social e cultural.

A vida do homem pode ser boa ou gratificante, na medida em que as tradições da sociedade sejam substituídas por um planejamento amplo, que vise maior bem-estar para o maior número de pessoas, aplicando-se, para isso, a teoria do reforço. O controle e o diretivismo do comportamento humano são considerados como inquestionáveis. O indivíduo tem, contudo, seu papel nesse planejamento sócio-cultural, que é ser passivo e respondente ao que dele é esperado. É ele uma peça numa máquina planejada e controlada, realizando a função que se espera seja realizada de maneira eficiente.

A experiência planejada é considerada a base do conhecimento. Fica clara a orientação empirista dessa abordagem: o conhecimento é o resultado direto da experiência. Skinner não se preocupou com processos, constructos intermediários, com o que hipoteticamente poderia ocorrer na mente do indivíduo durante o processo de aprendizagem. Preocupou-se com o controle do comportamento observável. A objeção que ele faz ao que denomina de estados internos não propriamente que não existam, mas sim o fato de não serem relevantes para uma análise funcional.

A educação está intimamente ligada à transmissão cultural. Para Skinner, é quase impossível ao estudante descobrir por si mesmo qualquer parte substancial da sabedoria de sua cultura. Nesse sentido, a

educação, pois, deverá transmitir conhecimentos, assim como comportamentos éticos, práticas sociais, habilidades consideradas básicas para a manipulação e controle do mundo/ambiente.

O sistema educacional tem como finalidade básica promover mudanças nos indivíduos, mudanças essas desejáveis e relativamente permanentes, as quais implicam tanto a aquisição de novos comportamentos quanto a modificação dos já existentes. O uso adequado das técnicas de modificação de comportamento é aquele que se passa progressivamente o controle da estruturação do esquema de contingência para cada indivíduo. O comportamento é moldado a partir da estimulação externa, portanto o indivíduo não participa das decisões curriculares que são tomadas por um grupo do qual ele não faz parte.

A escola é considerada e aceita como uma agência educacional que deverá adotar forma peculiar de controle, de acordo com os comportamentos que pretende instalar e manter. Cabe a ela, portanto, manter, conservar e em parte modificar os padrões de comportamentos aceitos como úteis e desejáveis para uma sociedade, considerando-se um determinado contexto cultural. A escola atende, portanto, aos objetivos de caráter social, à medida em que atende aos objetivos daqueles que lhes conferem o poder.

A escola está ligada a outras agências controladoras da sociedade, do sistema social (governo, política, economia, etc) e depende igualmente delas para sobreviver. Essas agências, por sua vez, necessitam da escola porque é a instituição na qual os novos membros são formados. A escola é a agência que educa formalmente. Não é necessário a ela fornecer condições ao sujeito para que ele explore o conhecimento, explore o ambiente, invente e descubra. Ela procura direcionar o comportamento humano às finalidades de caráter social, o que é condição para sua sobrevivência como agência.

Para Skinner, ensinar consiste num arranjo e planejamento de contingências de reforço sob as quais os estudantes aprendem e é da responsabilidade do professor assegurar a aquisição do conhecimento. Isso demonstra que essa abordagem está fundamentada na aplicação do método científico tanto a investigação quanto à elaboração de técnicas e intervenções, as quais, por sua vez, objetivam mudanças no comportamento úteis e adequadas, de acordo com algum centro decisório. A aprendizagem é definida como uma mudança relativamente permanente em uma tendência comportamental e/ou na vida mental do indivíduo, resultante de uma prática reforçada.

Os comportamentos desejados dos alunos serão instalados e mantidos por condicionantes e reforçadores arbitrários, tais como: elogios, graus,

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notas, prêmios, reconhecimentos do mestre e dos colegas, prestígio etc.,os quais por sua vez, estão associados com uma outra classe de reforçadores mais remotos e generalizados, tais como: o diploma, as vantagens da futura profissão, a aprovação final no curso, a possibilidade de ascensão social, monetária, status, prestígio da profissão etc.

O ensino para Skinner, corresponde ao arranjo ou à disposição de contingências para uma aprendizagem eficaz. Esse arranjo, por sua vez, depende de elementos observáveis na presença dos quais o comportamento ocorre: um evento antecedente, uma resposta, um evento conseqüente (reforço) e fatores contextuais. De acordo com essa teoria é possível programar o ensino de qualquer disciplina, tanto quanto o de qualquer comportamento, como o pensamento crítico e criatividade, desde que se possa definir previamente o repertório final desejado.

Segundo essa abordagem, caberia aos educadores o controle do processo de aprendizagem, um controle científico da educação. O professor teria a responsabilidade de planejar e desenvolver o sistema de ensino-aprendizagem, de forma tal que o desempenho do aluno seja maximizado, considerando fatores tais como economia de tempo, esforços e custos.

Os passos do ensino, assim como os objetivos intermediários e finais, serão decididos com base em critérios que fixam os comportamentos de entrada e aqueles os quais o aluno deverá exibir ao longo do processo de ensino. A função básica do professor consistiria em arranjar as contingências de reforço de modo a possibilitar ou aumentar a probabilidade de ocorrência de uma resposta a ser aprendida.

A instrução individualizada implica especificação de objetivos, envolvimento do aluno, controle de contingências, feedback constante que forneça elementos que especifiquem o domínio de uma determinada habilidade, apresentação do material em pequenos passos e respeito ao ritmo individual de cada aluno.

A instrução individualizada consiste, portanto, pois numa estratégia de ensino, na qual se objetiva a adaptação de procedimentos instrucionais para que os meemos se ajustem às necessidades individuais de cada aluno, maximizando sua aprendizagem, desempenho e desenvolvimento. Isso pode implicar tanto instrução em grupo como aprendizagem completamente individualizada.

Skinner não se preocupa em justificar por que o aluno aprende, mas sim fornecer uma tecnologia que seja capaz de explicar como fazer o estudante estudar e que seja eficiente na produção de mudanças comportamentais.

No que diz respeito a avaliação, esta está diretamente relacionada aos objetivos estabelecidos. Na

maioria das vezes, inicia o próprio processo de aprendizagem, uma vez que se procura, através de uma pré-testagem, conhecer os comportamentos prévios, a partir dos quais serão planejadas e executadas as etapas seguintes do processo de ensino-aprendizagem. A avaliação é igualmente realizada no decorrer do processo, já que são definidos objetivos finais (terminais) e intermediários. Esta avaliação é elemento constituinte da própria aprendizagem uma vez que fornece dados para o arranjo de contingências de reforços para os próximos comportamentos a serem modelado.

4. AS CARACTERÍSTICAS DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

O objetivo desta aula é apresentar, de maneira resumida, as idéias centrais da abordagem centrada na pessoa a qual foi desenvolvida a partir da experiência clínica do psicólogo americano Carl Rogers e como ela pode ser trabalhada em prol do aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem.

Segundo Rogers, há um campo de experiência único para cada indivíduo; este campo de experiência ou campo fenomenal contém tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à consciência. Inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um estímulo privativo e pessoal que pode ou não corresponder à realidade objetiva.

Dentro do campo da experiência está o self. Rogers usa o self para se referir ao contínuo processo de reconhecimento da pessoa. O self ou autoconceito é a visão que uma pessoa tem de si própria, baseada em experiências passadas, estimulações presentes e expectativas futuras.

O self ideal é o conjunto de características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como sendo descritivas de si mesmo. A extensão da diferença entre o self e o self ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas. Quanto maior a extensão da diferença, maiores as possibilidades da pessoa está vivenciando uma experiência neurótica. Aceitar-se como se é na realidade, e não como se quer ser, é um sinal de saúde mental. Aceitar-se não é resignar-se ou abdicar de si mesmo; isto é, não significa que o indivíduo deva se conformar com sua real situação, mas sim, tomar consciência dela de maneira que a partir dela possa extrair motivações para o crescimento. É uma forma de estar mais perto da realidade, de seu estado atual. A imagem do self ideal, na medida em que se

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diferencia de modo claro do comportamento e dos valores reais de uma pessoa é um obstáculo ao crescimento pessoal.

Segundo Rogers, a hipótese central dessa abordagem pode ser colocada em poucas palavras. Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima, passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras;

Há três condições que devem estar presentes para que se crie um clima facilitador de crescimento. Estas condições se aplicam, na realidade, a qualquer situação na qual o objetivo seja o desenvolvimento da pessoa.

O primeiro elemento diz respeito a autenticidade, sinceridade ou congruência. Quanto mais o indivíduo for ele mesmo na relação com o outro, quanto mais puder remover as barreiras profissionais ou pessoais, maior a probabilidade de que o outro mude e cresça de um modo construtivo. Isso significa que o indivíduo está vivendo abertamente os sentimentos e atitudes que fluem naquele momento. O termo transparente expressa bem essa condição: o indivíduo se faz transparente para o outro. O outro pode ver claramente o que o indivíduo é na relação: o outro não se defronta com qualquer resistência por parte do indivíduo. Do mesmo modo que para o indivíduo, o que o outro vive pode se tornar consciente, pode ser vivido na relação e pode ser comunicado se for conveniente. Portanto, dá-se uma grande correspondência, ou congruência, entre o que está sendo vivido em nível profundo, o que está na consciência e o que está sendo expresso pelo outro.

Congruência é definida como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência. Ela se relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar consciência. Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que você está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em seu campo) e a tomada de consciência (o que você está percebendo) são todas semelhantes. Suas observações e as de um observador externo seriam consistentes.

A incongruência ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a experiência e a comunicação desta. É definida não só como inabilidade de perceber com precisão mas também como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa. Quando a incongruência está entre a tomada de consciência e a experiência, é chamada de repressão. A pessoa simplesmente não tem consciência do que está fazendo. Quando a incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a

pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou experienciando.

A segunda atitude importante na criação de um clima que facilite a mudança é a aceitação, o interesse e a consideração – aceitação incondicional. Quando o indivíduo está tendo uma atitude positiva, aceitadora, em relação ao que quer que o outro seja naquele momento, a probabilidade de ocorrer um movimento de mudança aumenta. O indivíduo que deseja que o outro expresse o sentimento que está ocorrendo no momento, qualquer que seja ele – confusão, ressentimento, medo, raiva, coragem, amor ou orgulho. O indivíduo tem uma consideração integral e não condicional pelo cliente, daí porque se faz necessário que a pessoa esteja aberta a tudo o que o outro tem a dizer para poder compreende-lo plenamente e se fazer compreendido.

O terceiro aspecto facilitador da relação é a compreensão empática. Com isso quero dizer que o indivíduo capta com precisão os sentimentos e os significados pessoais que o outro está vivendo e comunica essa compreensão a ele. Quando está em sua melhor forma, o indivíduo pode entrar tão profundamente no mundo interno do outro que se torna capaz de esclarecer não só o significado que o outro está consciente como também do que se encontra abaixo do nível de consciência.

Se as pessoas são aceitas e consideradas, elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas, à medida em que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias experiências. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais genuína. Essas tendências, que são a recíproca das atitudes dos outros, permitem que a pessoa seja uma propiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento. Sente-se mais livre para ser uma pessoa verdadeira e integral.

A prática, a teoria e a pesquisa deixam claro que a abordagem centrada na pessoa baseia-se na confiança em todos os seres humanos e em todos os organismos. Em cada organismo, não importa em que nível, há um fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhes são inerentes. Há também nos seres humanos uma tendência natural a um desenvolvimento mais completo e mais complexo. A expressão mais usada para designar esse processo é a tendência realizadora, presente em todos os organismos vivos.

A necessidade de explorar e de produzir mudanças no ambiente, a necessidade de brincar e de se auto-explorar – todos esses e muitos outros

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comportamentos são expressão dessa tendência auto-realizadora.

Os organismos estão sempre em busca de algo, sempre iniciando algo, sempre prontos para alguma coisa. Há uma fonte central de energia no organismo humano. Essa fonte é uma função do sistema como um todo, e não de uma parte dele. A maneira mais simples de conceitua-la é como uma tendência à plenitude, à auto-realização, que abrange não só a manutenção mas também o crescimento do organismo.

Tendência formativa é uma tendência sempre atuante em direção a uma ordem crescente e a uma complexidade inter-relacionada, visível tanto no nível inorgânico como no orgânico. O universo está em constante construção e criação, assim como em deterioração. Este processo também é evidente no ser humano.

Qual o papel desempenhado por nossa consciência nessa função formativa? A capacidade de prestar atenção consciente parece ser uma das mais recentes etapas evolutivas da espécie humana. Essa capacidade pode ser caracterizada como um pequeníssimo pico de consciência, de capacidade de simbolização, no topo de uma vasta pirâmide de funcionamento não consciente do organismo. Tudo indica que o organismo humano vem progredindo em direção a um desenvolvimento cada vez mais pleno da consciência.

Havendo maior autoconsciência torna-se possível uma escolha mais bem fundamentada, uma escolha mais livre de introjeções, uma escolha consciente mais em sintonia com o fluxo evolutivo. Essa pessoa está potencialmente mais consciente, não só dos estímulos como também das idéias e sonhos, do fluxo de sentimentos, emoções e reações fisiológicas advindas do seu interior. Quanto maior essa consciência, mais a pessoa flutuará segura numa direção afinada com o fluxo evolutivo.

Portanto, essa abordagem dá ênfase a relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta, centrado no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, em seus processos de construção e organização pessoal da realidade, e em sua capacidade de atuar, como pessoa integrada. Dá-se igualmente ênfase à vida psicológica e emocional do indivíduo e à preocupação com a sua orientação interna, com o auto conceito, com o desenvolvimento de uma visão autêntica de si mesmo, orientada para uma realidade individual e grupal.

Como essa abordagem concebe o homem, o conhecimento, a educação, a escola, o processo ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno, a metodologia e a avaliação do aluno?

O homem é considerado como uma pessoa situada no mundo. É único, quer em sua vida interior, quer em suas percepções e avaliações do mundo. A

pessoa é considerada em processo contínuo de descoberta de seu próprio ser, ligando-se a outras pessoas e grupos. O homem não nasce com um fim determinado, mas goza de liberdade plena e se apresenta como um projeto permanente e inacabado. Não é resultado, cria-se a si próprio. É, portanto, possuidor de uma existência não condicionada a priori . A crença na fé e a confiança na capacidade da pessoa, em seu próprio crescimento, constituem o pressuposto básico da teoria rogeriana.

A experiência pessoal e subjetiva é o fundamento sobre o qual o conhecimento é construído, no decorrer do processo do vir-a-ser da pessoa humana. É atribuído ao sujeito, portanto, papel central e primordial na elaboração e criação do conhecimento. Ao experienciar, o homem conhece. A experiência constitui, pois, um conjunto de realidades vividas pelo homem, realidades essas que possuem significados reais e concretos para ele e que funciona, ao mesmo tempo, como ponto de partida para mudança e crescimento, já que nada é acabado e o conhecimento possui uma característica dinâmica.

A educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitem a aprendizagem do aluno, e como objetivo básico liberar a sua capacidade de auto-aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto emocional. Seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a solução de seus problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se da própria experiência, com espírito livre e criativo. Tudo que estiver a serviço do crescimento pessoal, interpessoal ou intergrupal é educação.

Em relação a escola, o princípio básico consiste na idéia da não interferência com o crescimento da criança e de nenhuma pressão sobre ela. Se faz necessário o estabelecimento de um clima de aprendizagem, de compromisso, até que seja possível uma inteira liberdade para aprender.

O ensino está centrado na pessoa (primado do sujeito), o que implica técnicas de dirigir sem dirigir, ou seja, dirigir a pessoa à sua própria experiência para que, dessa forma, ela possa estruturar-se e agir. A não-diretividade consiste num conjunto de técnicas que implementa a atitude básica de confiança e respeito pelo aluno.

A não-diretividade pretende ser um método não estruturante do processo de aprendizagem, pelo qual o professor se abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores, objetos etc, constituindo-

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se apenas num método informante do processo de aprendizagem do aluno, pelo qual o professor não dirige propriamente esse processo, mas apenas se limita a facilitar a comunicação do estudante consigo mesmo, para ele mesmo estruturar seu comportamento experiencial.

O professor é, primariamente, uma personalidade única. É considerado como um único ser humano que aprendeu a usar-se efetiva e eficientemente para realização de seus próprios propósitos e os da sociedade, na educação de todos. Cada professor desenvolverá seu próprio repertório de uma forma única, decorrente da base perceptual de seu comportamento. O processo de ensino irá depender do caráter individual do professor, como ele se inter-relaciona com o caráter individual do aluno. A competência básica consistiria, unicamente, na habilidade de compreender-se e de compreender ou outros.

A autenticidade e a congruência são consideradas condições facilitadoras da aprendizagem, as quais, por sua vez, irão facilitar um processo de autenticidade ou congruência na pessoa ajudada. Isso implica que o professor deva aceitar tal como é e compreender os sentimentos que ele possui.

5. TEORIA GENÉTICO-COGNITIVA DE JEAN PIAGET

O objetivo dessa aula é apresentar aos alunos os conceitos básicos da teoria genético-cognitivista de Piaget e suas contribuições para as questões postas pela educação.

Antes de falar da teoria de Piaget, se faz necessário colocar que ela se insere na concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem. Para os psicólogos interacionistas os indivíduos procuram sempre de forma ativa, compreender aquilo que vivenciam e explicar aquilo que lhes é estranho, construindo hipóteses que lhes pareçam razoáveis. Eles destacam que o organismo e meio exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação acarreta mudanças sobre o indivíduo.

A concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem apóia-se, portanto, na idéia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio.

É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças que, desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, pensar e sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento).

Jean Piaget (1896-1980) é o mais conhecido dos teóricos que defendem a visão interacionista de desenvolvimento e aprendizagem. Formado em Biologia e Filosofia, dedicou-se a investigar cientificamente como se constrói o conhecimento. Ele considerou que se estudasse cuidadosa e profundamente a maneira pela qual as crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógico – tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade etc – poderia compreender a gênese e a evolução do conhecimento.

Inicialmente, Piaget trabalhou com Binet e Simon, psicólogos franceses, que por volta de 1905, tentavam elaborar um instrumento para medir a inteligência das crianças que freqüentavam as escolas francesas. Tal instrumento – o teste de inteligência Binet-Simon – foi o primeiro teste destinado a fornecer a idade mental do indivíduo. Ao analisar as respostas das crianças ao teste, Piaget começou a se interessar pelas respostas erradas, salientando que estas só erravam porque as respostas eram analisadas a partir do ponto de vista do adulto.

A hipótese de Piaget era de que a criança possui uma lógica própria de funcionamento mental que difere – qualitativamente – da lógica do funcionamento mental do adulto. Propôs-se conseqüentemente a investigar como, através de quais mecanismos, a lógica infantil se transforma em lógica adulta.

Segundo Piaget, o desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e termina na idade adulta, é comparável ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio. A vida mental pode ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto.

A noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de Piaget. Segundo ele, todo organismo procura manter um estado de equilíbrio ou de adaptação com seu meio, agindo de forma a superar perturbações na relação que ele estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante do organismo buscar um novo e superior estado de equilíbrio é denominado de equilibração majorante.

Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no indivíduo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente provoca a ruptura do estado de repouso.

Dois mecanismos são acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio. O primeiro recebe o nome de assimilação. Através dele o organismo – sem alterar suas estruturas – desenvolve ações destinadas a atribuir significados, a partir da sua experiência anterior, aos elementos do ambiente

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com os quais interage. Isto quer dizer que: na assimilação existe o processo de incorporação das coisas e pessoas à atividade própria do sujeito, isto é, assimilar o mundo exterior às estruturas já construídas. O outro mecanismo é chamado de acomodação. Nele, organismo é impelido a modificar, a reajustar, a transformar as estruturas já construídas para acomoda-las aos objetos externos, isto é, às demandas impostas pelo ambiente. Embora assimilação e acomodação sejam processos distintos e opostos, numa realidade eles ocorrem ao mesmo tempo. Exemplo: quando um aluno se depara com um conteúdo novo, que não faz parte do seu universo de conhecimento, ele se desequilibra. Assim ele aciona o mecanismo de assimilação na medida em que passa a atribuir significados a esse novo conteúdo a partir de sua experiência anterior. Ao mesmo tempo, para compreender melhor o novo conteúdo se faz necessário que ele mude sua postura, em termos de estratégia de leitura,por exemplo, para poder assimilá-lo melhor.

Ora, assimilando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos a se acomodarem a estes, isto é, a se reajustarem por ocasião de cada variação exterior. Pode-se chamar adaptação ao equilíbrio destas assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico. O desenvolvimento mental e a aprendizagem aparecerão, então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade. Piaget definiu o desenvolvimento como sendo um processo de equilibrações sucessivas. Segundo ele, o desenvolvimento passa por quatro etapas distintas:

A etapa sensoriomotora vai do nascimento até, aproximadamente, os dois anos de idade. Essa etapa, segundo Piaget, é marcada por extraordinário desenvolvimento mental. Muitas vezes mal se suspeitou da importância dela; isto porque ela não é acompanhada de palavras que permitam seguir, passo a passo, o progresso da inteligência e dos sentimentos, como mais tarde. Nela, a criança baseia-se exclusivamente em percepções sensoriais e em esquemas motores para resolver seus problemas, que são essencialmente práticos: bater numa caixa, pegar um objeto, jogar uma bola, etc. Nesse período considera-se que a criança não possui pensamento. Isto porque, nessa idade, a criança não dispõe ainda da capacidade de representar eventos, de evocar o passado e de referir-se ao futuro, pois só conseguirá representar esses feitos mediante o aparecimento da linguagem que só ocorrerá na etapa seguinte.

Os esquemas sensoriomotores são construídos a partir de reflexos inatos, usados pelo bebê para lidar com o meio ambiente. Dentre as principais aquisições do período sensoriomotor, estão a noção de permanência de objeto, quando ele descobre um objeto embaido de uma tolha, por exemplo, e a noção de “eu”,

através da qual a criança diferencia o mundo externo do seu próprio corpo. O bebê o explora, percebe suas diversas partes, experimenta emoções diferentes, formando a base do seu autoconceito. Nessa etapa, a criança irá elaborar a sua organização psicológica básica, seja no aspecto motor, no perceptivo, no afetivo, no social e no intelectual.

A etapa pré-operatória, que passa a ocorrer por volta dos dois anos, é marcada pelo aparecimento da linguagem oral. A troca e a comunicação entre os indivíduos são a conseqüência mais evidente do aparecimento da linguagem Ela permitirá a criança dispor – além da inteligência prática construída na fase anterior – da possibilidade de ter esquemas de ação interiorizados, chamados de esquemas representativos ou simbólicos, ou seja, esquemas que envolvem uma idéia pré-existente a respeito de algo. Ela pode, por exemplo, substituir objetos, ações, situações e pessoas por símbolos, que são as palavras. Assim, tem origem, então, o pensamento sustentado por conceitos.

A linguagem permite ao sujeito contar suas ações, fornece de uma só vez a capacidade de reconstituir o passado, portanto, de evoca-lo na ausência de objetos sobre os quais se referiram as condutas anteriores, de antecipar as ações futuras, ainda não executadas, e até substituí-las, às vezes, pela palavra isolada, sem nunca realiza-las. Este é o ponto de partida do pensamento.

O pensamento pré-operatório indica, portanto, inteligência capaz de ações interiorizadas, ações mentais. Ele é diferente do pensamento do adulto, pois depende das experiências infantis, refere-se a elas, sendo portanto um pensamento que a criança centra em si mesma. É o pensamento egocêntrico. É o pensamento que tem como ponto de referência a própria criança. É impossível para criança nessa fase se colocar no ponto de vista dos outros.

Outra característica do pensamento da criança nesta etapa é o animismo. A criança empresta alma as coisas e animais, atribuindo-lhes sentimentos e intenções próprios do ser humano. Além do animismo, o pensamento da criança apresenta outra característica. È o antropomorfismo ou a atribuição de uma forma humana a objetos e animais.

O pensamento pré-operatório é também extremamente dependente da percepção imediata, sofrendo com isto uma série de distorções. Uma criança de cerca de cinco anos terá dificuldade em considerar iguais duas filas compostas do mesmo número de elementos, se uma delas parecer mais comprida que a outra. Naturalmente, a fila que parece maior será considerada como contendo mais elementos, mesmo que a criança tenha-se certificado, anteriormente, de que as quantidades eram, em uma e

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outra fila, absolutamente iguais. Isto quer dizer que a noção de conservação ainda não foi desenvolvida pela criança.

Este período é chamado de pré-operatório porque a criança ainda não é capaz de perceber que é possível retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Se pedíssemos a uma criança para acrescentar dois lápis a uma determinada quantidade de lápis e depois para retirar a mesma quantidade ela não entenderá que permaneceu a mesma quantidade a não ser que faça a contagem novamente.

Na etapa operatório concreta, por volta dos sete anos, o pensamento da criança sofre grandes modificações pois coincide com o começo da escolaridade da criança. Em primeiro lugar, é nesta etapa que o pensamento lógico, objetivo, adquire preponderância. Ao longo dela, as ações interiorizadas vão-se tornando cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento se torna menos egocêntrico, menos centrado no sujeito. Em segundo lugar, o pensamento é chamado operatório porque é reversível: o sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Por exemplo: 3+5=8, sabe que 8-3=5, ou ainda, 8-5=3.

A construção das operações possibilita, assim, a elaboração da noção de conservação. O pensamento agora baseia-se mais no raciocínio que na percepção. A criança operatória tem noção de conservação quanto à massa, peso e volume dos objetos. No entanto, o pensamento operatório é denominado concreto porque a criança só consegue pensar corretamente nesta etapa se os exemplos ou materiais que ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados. Ela ainda não consegue pensar abstratamente, apenas com base em proposições e enunciados. Ela só consegue pensar corretamente, com lógica, se o conteúdo do seu pensamento estiver representando fielmente a realidade concreta.

A etapa operatório-formal reside no fato de que o pensamento se torna livre das limitações da realidade concreta. A partir dos 13 anos, a criança se torna capaz de raciocinar logicamente mesmo se o conteúdo do ser pensamento, raciocínio é falso. Ela pode pensar de modo lógico e correto mesmo com um conteúdo de pensamento incompatível com o real.

A libertação do pensamento das amarras do mundo concreto, adquirido no operatório-formal, permitirá ao adolescente pensar e trabalhar não só com a realidade concreta, mas também com a realidade possível. A partir dos 13 anos o raciocínio pode, pela primeira vez, utilizar hipóteses, visto que estas não são, em princípio, nem falsas nem verdadeiras: são apenas possibilidades. A construção típica da etapa operatório-formal é, assim, o raciocínio hipotético-dedutivo: é ele

que permitirá ao adolescente estender seu pensamento até o infinito.

É por isso que o adolescente, contando agora com essa ampla capacidade de pensar o mundo, abandona-se, com freqüência, ao exercício de montar grandes sistemas de explicação e transformação do universo, da matéria, do espírito ou da sociedade.

6. ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY

Para compreendermos o contexto e as razões do direcionamento da obra de Vygotsky, suas idéias centrais e contribuições, é imprescindível resgatar um pouco da sua biografia, da trajetória intelectual e das condições da sociedade e da psicologia na Rússia pós-revolucionária que lhe forneceram o cenário inicial e as questões principais para suas teorias.

Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896 em Orsha, uma pequena cidade provinciana, na Bielo-Rússia. Sua família, de origem judaica, propiciava um ambiente bastante desafiador em termos intelectuais. Seu pai, pessoa culta, trabalhava num banco e numa companhia de seguros. Sua mãe era professora formada.

Sua educação, até os 15 anos, processou-se totalmente em casa, através de tutores particulares. Gostava de literatura e assuntos relacionados às artes em geral. Freqüentava a biblioteca que tinha em sua casa e a biblioteca pública, estudava sozinho e com seus amigos. Aos 17 anos completou o curso secundário, num colégio privado em Gomel. Nesta ocasião recebeu medalha de ouro pelo seu desempenho. De 1914 a 1917 estudou Direito e Literatura, na Universidade de Moscou. Nesse mesmo período também participava, na Universidade Popular de Shanyavskii, de cursos de História e Filosofia.

Anos mais tarde, cresceu seu interesse em compreender o desenvolvimento psicológico do ser humano, e, particularmente, as anomalias físicas e mentais. Isso fez com que entrasse na Faculdade de Medicina. Assim, seu percurso acadêmico foi marcado pela interdisciplinaridade, já que transitou por diversos assuntos, desde artes, literatura, lingüística, antropologia, cultura, ciências sociais, psicologia, filosofia e medicina.

Vygotsky começou sua carreira aos 21 anos, após a Revolução Russa de 1917. Em Gomel, no período de 1917 a 1923, além de escrever críticas literárias, lecionou e proferiu palestras sobre temas ligados a literatura, ciência e psicologia em várias instituições. Já nesta época preocupava-se com questões ligadas à pedagogia.

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Seu interesse pela psicologia acadêmica começou a se delinear a partir de seu contato, no trabalho de formação de professores, com os problemas de crianças com defeitos congênitos, tais como: cegueira, retardo mental severo, afasia etc. Essa experiência o estimulou a encontrar alternativas que pudessem ajudar o desenvolvimento de crianças portadoras dessas deficiências. Na verdade, seu estudo sobre a deficiência tinha, não somente o objetivo de contribuir na reabilitação das crianças mas também significava uma excelente oportunidade de compreensão dos processos mentais humanos, assunto que viria a ser o centro de seu projeto de pesquisa.

Vygotsky, Luria e Leontiev, faziam parte de um grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-Revolucão, que trabalhava num clima de grande idealismo e efervescência intelectual. Baseados na crença da emergência de uma nova sociedade, seu objetivo mais amplo era busca do “novo”, de uma ligação entre a produção científica e o regime social recém-implantado. Mas especificamente, buscava a construção de uma nova psicologia que consistisse numa síntese entre as duas fortes tendências presentes na psicologia do início do século XX. De um lado havia a psicologia como ciência natural, que procurava explicar processos elementares sensoriais e reflexos, tomando o homem basicamente como corpo. Essa tendência relacionava-se com a psicologia experimental, que procurava aproximar seus métodos daqueles das outras ciências experimentais (física, química, etc), preocupando-se com a quantificação de fenômenos observáveis e com a subdivisão dos processos complexos em partes menores, mais facilmente analisável.

De outro lado, havia a psicologia como ciência mental, que descrevia as propriedades dos processos psicológicos superiores, tomando o homem como mente, consciência e espírito. Essa segunda tendência colocava a psicologia como mais próxima da filosofia e das ciências humanas, com uma abordagem descritiva, subjetiva e dirigida a fenômenos globais, sem preocupação com a análise desses fenômenos em componentes simples.

Enquanto a psicologia experimental deixava de abordar as funções psicológicas mais complexas do ser humano, a psicologia mentalista não chegava a produzir descrições desses processos complexos em termos aceitáveis para a ciência. Foi justamente na tentativa de superar essa crise da psicologia que Vygotsky e seus colaboradores buscaram uma abordagem alternativa, que possibilitasse uma síntese entre as duas abordagens predominantes naquele momento.

É importante destacar qual o significado de síntese para Vygotsky, pois essa é uma idéia constantemente presente em suas colocações e é central

para sua forma de compreender os processos psicológicos. A síntese de dois elementos não é a simples soma ou justaposição desses elementos, mas a emergência de algo novo, anteriormente inexistente. Esse componente novo não estava presente nos elementos iniciais: foi tornado possível pela interação entre esses elementos, num processo de transformação que gera novos fenômenos. Assim, uma abordagem que busca uma síntese para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico.

Em contato com o modelo teórico de Vygotsky, não é difícil perceber que seus estudos foram profundamente influenciados pelo pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels. É na dialética materialista que Vygotsky busca subsídios para desenvolver seu método e elaborar hipóteses com o intuito de explicar como ocorre o desenvolvimento das funções superiores do comportamento humano.

Vygotsky, Leontiev e Luria declararam que filosofia marxista produziu uma revolução sem precedentes na história das ciências sociais. A psicologia, no entanto, permaneceu por muitos anos alheios aos princípios dessa filosofia. Somente por volta de 1920 é que os estudiosos da área começaram a se preocupar em estruturar a psicologia sobre bases dialético-materialista. Para entendermos a importância que esses estudiosos deram a dialética materialista se faz necessário resgatar algumas passagens da obra A Ideologia Alemã escrita por Marx e Engels.

Vygotsky dedicou-se, principalmente, ao estudo daquilo que chamamos de funções psicológicas superiores. Isto é, interessou-se por compreender os mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser humano e que envolve o controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes.

O ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores. Esse tipo de atividade psicológica é considerada superior na medida em que se diferencia de mecanismos mais elementares tais (a sucção do seio materno pelo bebê, por exemplo) ou processos de associação simples entre eventos (ato de evitar contato da mão com a chama de uma vela, por exemplo).

Vygotsky trabalha com duas funções básicas da linguagem. A principal função é de intercâmbio social: é para se comunicar com seus semelhantes que o homem cria e utiliza os

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instrumentos da linguagem. Essa função de comunicação com os outros é bem visível no bebê que está começando a aprender a falar: ele não sabe ainda articular as palavras, nem é capaz de compreender o significado preciso das palavras utilizadas pelos adultos, mas consegue comunicar seus desejos e seus estados emocionais aos outros através de sons, gestos e expressões.É a necessidade de comunicação que impulsiona, inicialmente, o desenvolvimento da, linguagem.

Para que a comunicação com outros indivíduos seja possível de forma mais sofisticada, não basta entretanto, que a pessoa manifeste, como o bebê, estados gerais como desconforto ou prazer. É necessário que sejam utilizados signos, compreensíveis por outras pessoas, que traduzam idéias, sentimentos, vontades, pensamentos, de forma bastante precisa. Como cada indivíduo vive sua experiência pessoal de modo muito complexo e particular, o mundo da experiência vivida tem que ser extremamente simplificado e generalizado para poder ser traduzido em signos que possam ser transmitidos a outras.

É esse fenômeno que gera a segunda função da linguagem: a de pensamento generalizante. A linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual.

Ao chamar determinado objeto de cachorro estou, então, classificando esse objeto na categoria “cachorro” e, portanto, agrupando-o com outros elementos da mesma categoria e, ao mesmo tempo, diferenciando-o de elementos de outras categorias. Um cachorro particular é parte de um conjunto abstrato de objetos que são todos membros da mesma categoria e distingue-se dos membros das categorias “mesa”, “cavalo”, “automóvel”, etc.

É essa função de pensamento generalizante que torna a linguagem um instrumento de pensamento: a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. A compreensão do pensamento e da linguagem é, pois, essencial para compreensão do funcionamento psicológico do ser humano.

Antes do pensamento e a linguagem se associarem na criança pequena, existe uma fase pré-verbal no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da linguagem. Antes de dominar a linguagem, a criança demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios indiretos para conseguir determinados objetivos. Ela é capaz, por exemplo, de subir numa cadeira para alcançar um brinquedo, ou de dar uma volta num sofá para pegar uma bola que caiu atrás dele. Portanto, a criança pré-verbal exibe essa

espécie de inteligência prática, que permite a ação no ambiente sem a mediação da linguagem.

Nessa fase de seu desenvolvimento, a criança, embora não domine a linguagem enquanto sistema simbólico, já utiliza manifestações verbais. O choro, o riso e o balbucio da criança pequena têm clara função de alívio emocional, mas também servem como meio de contato social, de comunicação difusa com outras pessoas. Assim, num determinado momento do desenvolvimento da criança (por volta dos dois anos de idade) o percurso do pensamento se encontra com o da linguagem e inicia-se uma nova forma de funcionamento psicológico: a fala torna-se intelectual, com função simbólica generalizante, e o pensamento torna-se verbal, mediados por significados dados pela linguagem.

Enquanto do desenvolvimento filogenético (gênero humano) foi a necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante o trabalho que impulsionou a vinculação dos processos de pensamento e linguagem, na ontogênese (história do indivíduo) esse impulso é dado pela própria inserção da criança num grupo social. A interação com membros mais maduros da cultura, que já dispõem de uma linguagem mais estruturada, é que vai provocar o salto qualitativo para o pensamento verbal.

Na análise que Vygotsky faz das relações entre pensamento e linguagem, a questão do significado ocupa lugar central. O significado é um componente essencial da palavra e é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento, pois o significado de uma palavra já é, em si, uma generalização. Isto é, no significado da palavra é que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É no significado que se encontra a unidade das duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. São os significados que vão propiciar a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real, constituindo-se num filtro através do qual o indivíduo é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele.

Os significados são construídos ao longo da história dos grupos humanos, com base nas relações dos homens com o mundo físico e social em que vivem, eles estão em constante transformação. A idéia da transformação dos significados das palavras está relacionada a um outro aspecto da questão do significado. Vygotsky distingue dois componentes do significado da palavra: o significado propriamente dito e o sentido. O significado propriamente dito refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo num núcleo relativamente estável de compreensão da palavra, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam. O sentido, por sua vez, refere-se ao significado da palavra para cada indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao

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contexto de uso da palavra e às vivências afetivas do indivíduo.

A palavra carro, por exemplo, tem o significado objetivo de “veículo de quatro rodas, movido a combustível, utilizado para transporte de pessoas. O sentido da palavra carro, entretanto, variará conforme a pessoa que a utilizada e o contexto em que é aplicada. Para o motorista de táxi significa um instrumento de trabalho; para o adolescente que gosta de dirigir pode significar forma de lazer; para um pedestre que já foi atropelado o carro tem um sentido ameaçador, que lembra uma situação desagradável, e assim por diante. O sentido da palavra liga seu significado objetivo ao contexto de uso da língua e aos motivos afetivos e pessoais de seus usuários. Relaciona-se com o fato de que a experiência individual é sempre mais complexa do que a generalização contida nos signos.

Vygotsky afirma que não é somente através da aquisição da linguagem falada que o indivíduo adquire formas mais complexas de se relacionar com o mundo que o cerca. O aprendizado da linguagem escrita representa um novo e considerável salto no desenvolvimento da pessoa. O domínio desse sistema complexo de signos fornece novo instrumento de pensamento (na medida em que aumenta a capacidade de memória, registro de informações, etc), propicia diferentes formas de organizar a ação e permite um outro tipo de acesso ao patrimônio da cultura humana (que se encontra registrado nos livros e outros portadores de textos). Enfim, promove modos diferentes e ainda mais abstratos de pensar, de se relacionar com as pessoas e com o conhecimento.

O desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado grupo social, a partir da interação com outros indivíduos da sua espécie. Isto quer dizer que, por exemplo, um índio criado numa tribo indígena, que desconhece o sistema de escrita e não tem nenhum tipo de contato com o ambiente letrado, não se alfabetizará. O mesmo ocorre com a aquisição da fala. A criança só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade de falantes, ou seja, as condições orgânicas (possuir um aparelho fonador), embora necessárias, não são suficientes para que o indivíduo adquira a linguagem.

Nesta perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento. O aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam. O aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas.

Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já

efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou efetivo, e o outro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona às capacidades em vias de serem construídas. O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referentes àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente da cultura (pai, mãe, professor, criança mais velha). Este nível indica, assim, os processos mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se completaram.

O nível de desenvolvimento potencial também se refere aquilo que a criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhes são fornecidas. Como, por exemplo, uma criança de cinco anos de idade pode não conseguir, numa primeira vez, montar sozinha um quebra-cabeças que tenha muitas peças, mas com a assistência de seu irmão mais velho ou mesmo de uma criança de sua idade mas que já tenha experiência nesta jogo, pode realizar a tarefa. Este nível é, para Vygotsky, bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha.

A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza aquilo que Vygotsky chamou de “zona de desenvolvimento potencial ou proximal”.

O aprendizado é responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte das aquisições do seu desenvolvimento individual. É por isso que Vygotsky afirma que “aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã.

7. WALLON: UMA CONCEPÇÃO DIALÉTICA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Nasceu na França em (1879 – 1962) – Buscou integrar a atividade científica à ação social.

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Antes de chegar à Psicologia passou pela filosofia e medicina. Ao longo de sua carreira foi cada vez mais explícita a aproximação com a educação.

Viveu num período marcado por muita instabilidade social e turbulência política. Acontecimentos como as duas guerras mundiais, o avanço do fascismo no período entre guerras, as revoluções socialistas, etc.

É provável que, caso tivesse vivido numa época de menor instabilidade social, não tivesse tido a necessidade de ser tão claro nas suas posições, nem tão pouco lhe tivesse ficado tão evidente a influência fundamental que o meio social exerce sobre o desenvolvimento da pessoa humana.

Alinhava-se aos intelectuais e políticos de esquerda, manifestando simpatia pelos regimes socialistas.

Até 1931 atuou como médico em instituições psiquiátrica, onde dedicou-se ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento. O contato com lesões cerebrais de ex-combatentes o fez rever algumas concepções neurológicas que havia desenvolvido no atendimento de crianças portadoras de deficiências.

Paralelamente à atuação como médico e psiquiatra, consolida seu interesse pela psicologia da criança. Os conhecimentos no campo da neurologia e da psicopatologia, adquiridos durante a experiência clínica, tiveram grande papel na constituição de sua teoria psicológica.

Ao longo de sua carreia suas atividades do psicólogo foram se aproximando cada vez mais da educação. Viu a criança como recurso para se compreender o psiquismo humano. Mostrou interesse teórico por problemas de educação.

Considerava que entre a psicologia e a pedagogia deveria haver uma relação de contribuição recíproca. Via a escola, meio peculiar à infância e obra fundamental da sociedade contemporânea, como um contexto privilegiado para o estudo da criança.

A pedagogia ofereceria campo de observação à psicologia, mas também questões para investigação. A psicologia, por sua vez, ao construir conhecimentos sobre o processo de desenvolvimento infantil ofereceria um importante instrumento para o aprimoramento da prática pedagógica.

No desenvolvimento humano podemos identificar a existência de etapas claramente diferenciadas, caracterizadas por um conjunto de necessidades e de interesses que lhe garantem coerência e unidade.

O estudo da criança contextualizada possibilita que se perceba que, entre os seus recursos e os de seu meio, instala-se uma dinâmica de determinações recíprocas: a cada idade estabelece-se um tipo particular de interações entre o sujeito e seu

ambiente. Os aspectos físicos do espaço, as pessoas próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios a cada cultura formam o contexto do desenvolvimento.

Wallon vê o desenvolvimento da pessoa como uma construção progressiva que se sucedem em fases com predominância afetiva e cognitiva. No estágio impulsivo-emocional que abrange o primeiro ano de vida, o colorido peculiar é dado pela emoção, instrumento privilegiado de interação da criança com o meio.

No estágio sensório-motor e projetivo que vai até o terceiro ano o interesse da criança se volta para exploração sensório-motora do mundo físico. A aquisição da marcha e da preensão possibilitam maior autonomia na manipulação de objetos e da exploração de espaço. O outro marco fundamental deste estágio é o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem.

No estágio do personalismo que cobre a faixa dos três a seis anos a tarefa central é processo de formação da personalidade. AO construção da consciência de si re-orienta o interesse da criança para as pessoas.

Por volta dos seis anos inicia-se o estágio categorial que, graças a consolidação da função simbólica e a diferenciação da personalidade traz importantes avanços no plano da inteligência. Os progressos intelectuais dirigem os interesses da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior.

No estágio da adolescência a crise pubertária rompe a tranqüilidade afetiva e impõe uma nova definição dos contornos da personalidade. Este processo traz à tona questões pessoais, morais e existenciais.

8. PSICANÁLISE E O APARELHO PSÍQUICO

Sigmund Freud, o pai da Psicanálise, nasceu no dia 6 de maio de 1856, na cidade de Freiberg, na Moravia (hoje Tchecoslováquia). Visto ser judeu, todas as carreiras profissionais, fora a Medicina e o Direito, foram-lhe vedadas – tal era o clima anti-semita prevalecente na época. Influenciado pelos trabalhos de Darwin e Goethe, ele decidiu entrar na Faculdade de Medicina na Universidade de Viena em 1875. Suas experiências na Universidade de Viena, onde foi tratado como “inferior e estranho” por ser judeu, fortaleceram sua capacidade de suportar críticas. Estavam assim lançados os fundamentos para um certo grau de independência de julgamento.

A Psicanálise surgiu das experiências clínicas de Freud com os pacientes portadores de doenças neuróticas. Decisivos na formação de Freud foram os estudos que realizou na clínica de Charcot,

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em Paris. O psiquiatra francês foi o primeiro a fornecer os elementos fundamentais para uma explicação psicológica das neuroses histéricas.

Freud inicia seu pensamento teórico assumindo que não há nenhuma descontinuidade na vida mental. Ele afirmou que nada ocorre ao acaso e muito menos os processos mentais. Há uma causa para cada pensamento, para cada memória revivida, sentimento ou ação. Cada evento mental é causado pela intenção consciente ou inconsciente e é determinado pelos fatos que o precederam.

A divisão do psíquico em o que é consciente e o inconsciente constitui a premissa fundamental da Psicanálise. A Psicanálise não pode situar a essência do psíquico na consciência, mas é obrigada a encarar esta como uma qualidade do psíquico, que pode achar-se presente em acréscimo a outras qualidades, ou estar ausente.

Estar consciente é, em primeiro lugar, um termo puramente descritivo, que repousa na percepção do caráter mais imediato e certo. A nossa experiência demonstra que um elemento psíquico (uma idéia, um sentimento, por exemplo) não é, via de regra, consciente por um período de tempo prolongado. Pelo contrário, um estado de consciência é, caracteristicamente, muito transitório; uma idéia que é consciente agora não o é mais um momento depois, embora assim possa tornar-se novamente, em certas condições que são facilmente ocasionadas. No intervalo, a idéia foi... Não se sabe o quê. Pode-se dizer que esteve latente, e, por isso, que era capaz de tornar-se consciente a qualquer momento. Se dissermos que era inconsciente, estaremos também dando uma descrição correta dela. Aqui inconsciente coincide com o latente e capaz de tornar-se consciente.

Existem idéias ou processos mentais muito poderosos que podem produzir na vida mental todos os efeitos que as idéias comuns produzem, embora eles próprios não se tornem conscientes. A razão pela qual tais idéias não podem tornar-se consciente é que uma certa força se lhes opõe; que, de outra maneira, se tornariam conscientes. O estado em que as idéias existiam antes de se tornarem consciente é chamado pela Psicanálise de repressão, e a força que institui a repressão e a mantém é percebida como resistência durante o trabalho de análise.

A Psicanálise obtém o conceito de inconsciente a partir da teoria da repressão. O reprimido é para ela o protótipo do inconsciente. Existe, então dois tipos de inconsciente: um que é latente, mas capaz de tornar-se consciente, e outro que é reprimido e não é, em si próprio e sem mais trabalho, capaz de tornar-se consciente. Ao latente, que é inconsciente apenas descritivamente, não no sentido dinâmico, a Psicanálise chama de pré-consciente; o termo inconsciente

restringe-se, portanto, ao que é reprimido dinamicamente.

No entanto, em observações posteriores, a Psicanálise passou a reconhecer que o inconsciente não coincide com o reprimido; é ainda verdade que tudo que é reprimido é inconsciente, mas nem tudo o que é inconsciente é reprimido.

Esse reconhecimento se deu em função da explicação que se tinha em torno do inconsciente não se mostrar adequada a partir de novos achados, descobertas. Para Psicanálise, existe em cada indivíduo uma organização coerente de processos mentais que ela chama de ego. É a esse ego que a consciência está ligada. Ela é a instância mental que supervisiona todos os seus processos constituintes e que vai dormir a noite, embora ainda exerça a censura sobre os sonhos. Desse ego procedem também as repressões, por meio das quais procura-se excluir certas tendências da mente, não simplesmente da consciência, mas de outras formas de capacidade e atividade.

No entanto, a Psicanálise constatou que algo no próprio ego é também inconsciente, que se comporta exatamente como o reprimido – isto é, que produz efeitos poderosos sem ele próprio ser consciente.

O aparelho psíquico de acordo com as observações de Freud é composto de três instâncias: o Id, o Ego e o Superego. O Id, contém tudo que é a parte original desse aparelho a partir da qual, posteriormente desenvolvem-se as outras duas. Constitui a porção herdada. É a totalidade do aparelho psíquico do indivíduo ao nascer e está voltado pra a satisfação das necessidades básicas da criança no começo de sua vida. A atividade do Id consiste de impulsos que obedecem ao princípio do prazer, isto é, que buscam o prazer e evitam a dor. Nesta época, a criança ao buscar satisfazer seus impulsos básicos, naturalmente não procura avaliar sua racionalidade nem as fontes de satisfação disponíveis. Ela deseja gratificação imediata e não tolera a frustração. Entretanto, à medida que cresce terá que adaptar-se às exigências e condições impostas pelo meio. Para essa adaptação, diferencia-se do Id uma nova parte do aparelho psíquico, o Ego, que terá como principal função agir como intermediário entre o Id e o mundo externo.

Ao defrontar-se com as demandas do meio, a criança precisa gradualmente redirigir os impulsos do Id, de modo que estes sejam satisfeitos dentro de outro princípio que não o do prazer: o princípio da realidade. Assim, o ego tem a função de auto preservação. Como intermediário entre o Id e o mundo externo, o ego exerce uma séria de funções. Aprende a controlar as demandas dos impulsos, decidindo se estes devem ser satisfeitos

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imediatamente, mais tarde ou nunca. Percebe os estímulos, avaliando sua qualidade e intensidade a partir de lembranças de experiências passadas, protege-se dos estímulos percebidos como perigosos, aproveita os estímulos favoráveis e realiza modificações no meio, que possam resultar em benefício da pessoa. Em outras palavras, são funções do Ego: perceber, lembrar, pensar, planejar e decidir.

A proporção que se desenvolve, a criança percebe que certas demandas do meio persistem sob a forma de normas e regras estabelecidas. Essas regras e normas impostas pelo mundo externo vão se incorporar na estrutura psíquica formando o Superego. Este, que popularmente, é chamado de “consciência” representa a resposta automática, “certo” ou “errado”, que surge na pessoa diante das várias situações que exigem uma tomada de posição. Assim, o Superego representa a herança sócio-cultural do indivíduo.

O Superego atua como juiz ou censor sobre as atividades e pensamentos do Ego. É o depósito dos códigos morais, modelos de conduta e de constructos que constituem as inibições da personalidade.

Segundo Freud, o indivíduo passa por diversas fases do desenvolvimento psicossexual.. A medida que um bebê se transforma numa criança, uma criança em um adolescente e um adolescente em adulto, ocorrem mudanças marcantes no que é desejado e em como estes desejos são satisfeitos. De acordo com a Psicanálise o desenvolvimento psicossexual do indivíduo ocorre via fases.

A fase oral começa no nascimento. Desde esse período, necessidade e gratificação estão ambas concentradas predominantemente em volta dos lábios, língua, boca. A pulsão básica do bebê não é social ou interpessoal, é apenas receber alimentos para atenuar as tensões de fome e sede. Enquanto é alimentada, a criança é também confortada, aninhada, acalentada e acariciada. No início ele associa prazer e redução da tensão ao processo de alimentação. A boca é a primeira área do corpo que o bebê pode controlar. A maior parte da energia libidinal disponível é direcionada ou focalizada nesta área. Pessoas que mordicam constantemente, fumantes, alcoólatras e os que comem demais podem ser pessoas parcialmente fixadas na fase oral.

A medida em que a criança cresce, novas áreas de tensão e gratificação são trazidas à consciência. Entre dois e quatro anos, as crianças aprendem a controlar os esfíncteres anais e a bexiga. A obtenção do controle fisiológico é ligada a percepção de que essa controle é uma nova forma de prazer. As crianças aprendem com rapidez que o crescente nível de controle lhes traz atenção e elogio por parte de seus pais. O inverso também é verdadeiro; o interesse dos pais no treinamento da higiene permite à criança exigir atenção tanto pelo controle bem sucedido quanto pelos

“erros”. Características adultas que estão associadas à fixação parcial na fase anal são: ordem, parcimônia e obstinação.

Já com três anos de idade a criança entra na fase fálica, que focaliza as área genitais do corpo. É nesta fase que a criança se dá conta de seu pênis ou da falta de um. É a primeira fase que as crianças tornam-se conscientes das diferenças sexuais. Freud tentou compreender as tensões que uma criança vivencia quando sente excitação “sexual”, isto é, o prazer a partir da estimulação de áreas genitais. Esta excitação está ligada, na mente da criança, à presença física próxima de seus pais. O desejo desse contato torna-se cada vez mais difícil de ser satisfeito pela criança, ela luta pela intimidade que seus pais compartilham entre si. Esta fase caracteriza-se pelo desejo da criança de ir para cama dos pais e pelo ciúme da atenção que seus pais dão um ao outro, ao invés de dá-la à criança.

Freud viu crianças nessa fase reagirem a seus pais como ameaça potencial à satisfação de suas necessidades. Assim, para o menino que deseja estar próximo a sua mãe, o pai assume atributos de um rival. Ao mesmo tempo, o menino ainda quer o amor e a afeição de seu pai e, por isso, sua mãe é vista como rival. Freud denominou essa situação de complexo de Édipo, segundo a peça de Sófocles. Na tragédia grega, Édipo mata seu pai (desconhecendo sua verdadeira identidade) e, mais tarde, casa-se com a mãe. Quando finalmente toma conhecimento de quem havia matado e com quem se casara, o próprio Édipo desfigura-se arrancando os dois olhos. Freud acreditava que todo menino revive um drama interno similar. Ele deseja possuir sua mãe e matar o seu pai para realizar o seu destino.

9. HOWARD GARDNER E A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

A teoria das inteligências múltiplas se apóia nas novas descobertas neurológicas desenvolvidas e caracterizada no início da década de 80 por Howard Gardner, as quais contribuíram para mudança nas linhas de conhecimento neurológico sobre a mente humana e colocando em questão processos anteriormente descritos para explicar sistemas neurais que envolvem a memória, a aprendizagem, a consciência, as emoções e as inteligências em geral.

As repercussões do avanço científico nessa área são extremamente significativas para a medicina na compreensão das disfunções mentais diversas e no cuidado das enfermidades e patologias cerebrais, mas também para educação, pois lança novas bases e diretrizes para compreender a

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aprendizagem, desenvolver estímulos às inteligências e cuidar de distúrbios ligados a atenção, criatividade e memorização.

Essa mudança de paradigma proporciona uma nova compreensão do ser humano, que abandona sua avaliação através de sistemas limitados e o percebe com acentuada amplitude lingüística, lógico-matemática, criativa sonora, cinestésica, naturalista e, principalmente, emocional. Segundo Gardner, abrigamos em nossa mente oito inteligências:

- A inteligência lingüística ou verbal, marcante em poetas, escritores advogados, atores e outros que fazem da palavra e das sentenças verdadeiras peças com as quais edificar a beleza do falar. Caracteriza-se por extrema sensibilidade a estrutura, som, significado e funções da palavra na linguagem. Os estímulos para essa inteligência, se desenvolvidos enquanto projeto que prev|ê continuidade e freqüência, levam as pessoas a se expressar com maior lucidez e clareza e dessa forma fazer do instrumento de sua fala um meio de sus plena inserção na realidade de seus sonhos e de relações interpessoais.

- A inteligência lógico-matemática, manifesta-se pela capacidade e sensibilidade para discernir padrões lógicos ou numéricos e a capacidade de trabalhar com longas cadeias de raciocínio. Os estímulos para o seu desenvolvimento estruturam na pessoa novas formas sobre o pensar e uma percepção apurada dos elementos de grandeza, peso distância, tempo e outros elementos que envolvem nossa ação sobre o ambiente.

- A inteligência espacial, está ligada à criatividade e à concepção, no plano espacial, de sólidos geométricos. Marcante em arquitetos, publicitários e inventores, associa-se à própria compreensão do espaço como um todo e à orientação da pessoa em seus limites. Destaca a capacidade de perceber com relativa exatidão o mundo visuo-espacial e de realizar transformações nessas percepções. O estímulo a esse sistema neural desperta a pessoa para a compreensão mais ampla do espaço físico e temporal onde vive e convive e sensibiliza para a identificação de suas referências de beleza e fantasias.

- A inteligência sonora ou musical, associa-se à percepção do som não como um componente do ambiente, mas por sua unidade e linguagem. Destaca-se pela capacidade em se produzir e apreciar ritmos, tons, timbres e identificar diferentes formas de expressividade na música ou nos sons em geral.

- A inteligência cinestésico-corporal, é a inteligência do movimento. Associa-se á linguagem corporal e marca de forma expressiva a capacidade de comunicação de pessoas como mímicos, mágicos, bailarinos ou atletas. Liga-se a capacidade de controlar os movimentos do corpo e manipular objetos com destreza. O estímulo a essa inteligência pode privilegiar dois campos que se complementam: a sensibilidade ampla, ligada a força, equilíbrio, destreza e outras manifestações do corpo como um todo, ou a sensibilização fina ligada ao tato, paladar, olfato, visão, atenção e outros componentes. Seu estímulo ensina a pessoa a “ver” e não apenas olhar.

- A inteligência naturalista, é aquela que está ligada a vida animal e vegetal, por isso, é chamada de inteligência biológica e ecológica. Está presente em “amantes” da natureza. Releva-se pela capacidade em identificar membros de uma mesma espécie, reconhecer as diferenças entre elas e mapear relações entre diferentes espécies.

- A inteligência pessoal, pode ser separada em intrapessoal, ligada ao autoconhecimento, percepção de identidade e, conseqüentemente auto-estima e compreensão plena do “eu”, assim como à capacidade de discernir e discriminar as próprias emoções e interpessoal que se associa à empatia, a relação com o outro e sua plena descoberta, com “abertura” para responder adequadamente aos temperamentos, estados de humor, motivações e desejos de outras pessoais.

- A inteligência existencial, ligada à capacidade da pessoa em situar-se ao alcance da compreensão integral do cosmos, do infinito e o infinitesimal, assim como a capacidade de dispor de referências a características existenciais da condição humana, compreendendo de maneira integral o significado da existência, portanto, da vida e da morte, o destino do mundo físico e psicológico e a relação do amor por um outro, pela arte ou por uma causa

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