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Page 2: Apostila concurseiros

T EORIA G E R A L D O D I R E I T O P E N A L

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS. 1. Conceito de Direito Penal. 2. Nomenclatura. 3. Características do Direito Penal. 4. Relação do Direito Penal com outros ramos do Direito. 5. Funções do Direito Penal. 6. A Ciência do Direito Penal. 7. Divisões. 8. Fontes. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL. 1. Conceito. 2. Princípios em Espécie. EVOLUÇÃO HISTÓRICA. 1. O Direito Penal nos povos primitivos. 2. Idade Antiga. 3. Idade Média. 4. Idade Moderna. HISTÓRIA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO. 1. Período Colonial. 2. Código Criminal do Império. 3. Período Republicano. ESCOLAS PENAIS. 1. Escola Clássica. 2. Escola Positiva. 3. Escola Correcionalista. 4. Tecnicismo Jurídico-Penal. 5. Defesa Social. EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO DIREITO PENAL. 1. Positivismo Jurídico. 2. Neokantismo Penal. 3. Garantismo Penal. 4. Funcionalismo Penal. DIREITO PENAL E A CRIMINALIDADE MODERNA. 1. Direito Intervencionista. 2. As Velocidades do Direito Penal. 3. Direito Penal do Inimigo. 4. Direito Penal como proteção dos contextos da vida em sociedade.

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1. CONCEITO DE DIREITO PENAL.

Direito Penal é o conjunto de princípios e leis destinados a combater o crime e a contravenção penal,

mediante a imposição de sanção penal.

Cuida-se de ramo do Direito Público, por ser composto de regras indisponíveis e obrigatoriamente impostas

a todas as pessoas, cujo Estado é o titular exclusivo do jus puniendi e figura como sujeito passivo nas relações

jurídico-penais.

Sob uma visão formal, Direito Penal é um conjunto de normas que qualificam certos comportamentos

humanos como infrações penais, definem seus agentes e fixam sanções a serem-lhes aplicadas. Sob um enfoque

sociológico, o Direito Penal é mais um instrumento (ao lado dos outros ramos do direito) de controle social de

comportamentos desviados, visando assegurar a necessária disciplina social[1].

2. NOMENCLATURA.

Em seara doutrinária, discute-se a terminologia mais adequada para esse ramo do Direito. Seria Direito

Penal ou Direito Criminal? Direito Penal induz à ideia de pena e Direito Criminal traz à tona um direito relativo ao

crime.

Os que preferem Direito Criminal alegam a insuficiência da denominação Direito Penal, uma vez que não

abrangeria a medida de segurança, espécie de sanção penal; bem como seria mais coerente falar em Direito

Criminal, que enfatiza o crime e não a pena. Foi a opção do Código Criminal do Império de 1830.

Contudo, é manifesta a preferência da doutrina por Direito Penal, notadamente diante do Decreto-Lei nº

2.848 de 1940, recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei ordinária, que instituiu o Código Penal,

conjunto de leis que disciplina, portanto, o ramo do direito chamado Direito Penal. Ademais, a CF adotou a

expressão Direito Penal em seu artigo 22, inciso I.

3. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL.

Segundo Magalhães Noronha, o Direito Penal é uma ciência cultural, normativa, valorativa e finalista.

É uma ciência porque suas normas e regras estão sistematizadas em princípios que compõem a dogmática

jurídico-penal.

É cultural, pois pertence à classe das ciências do “dever-ser”.

É normativa porque tem como objeto o estudo do Direito Positivo, ou seja, a lei penal.

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Valorativa, porque estabelece a sua própria escala de valores, compondo hierarquicamente as suas normas.

É finalista uma vez que se preocupa com a proteção de bens jurídicos fundamentais.

Alguns doutrinadores afirmam, ainda, que o Direito Penal teria como característica a natureza constitutiva,

pois protege bens que avançam sobre os limites do âmbito criminal, não regulados pelo direito; e

caráter sancionador, pois estabelece sanção pela ofensa a bens regulados por outros ramos do direito. Também

seria, ainda, fragmentário, diante da manutenção somente de valores importantes para o desenvolvimento do

individuo na sociedade, não regulando por completo todos os interesses e valores.

4. RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM OUTROS RAMOS DO DIREITO.

Sabemos que o Direito é uno, indivisível, uma vez que a sua ramificação em áreas distintas constitui mera

simplificação para fins didáticos. Dessa forma, há correlação nos estudos de âmbitos jurídicos diferentes,

interessando constatar alguns deles:

a) Direito Penal + Direito Processual Penal: O processo penal é o instrumento adequado para o exercício da

jurisdição do direito penal. É o meio pelo qual as normas penais se concretizam em sua aplicação, incidindo, no

caso concreto, a justiça das leis penais.

b) Direito Penal + Direito Constitucional: As regras e princípios constitucionais são os parâmetros de

legitimidade das leis penais e delimitam o âmbito de sua aplicação. O Direito Penal deve harmonizar com as

garantias estabelecidas pela Constituição Federal, estabelecendo como criminosas aquelas condutas que violam

valores constitucionalmente consagrados (teoria constitucionalista do delito).

c) Direito Penal + Direito Administrativo: É o conjunto de princípios e normas que regulam a organização e o

funcionamento da Administração Pública. O Direito Penal tutela esse valor estabelecendo os crimes contra a

Administração Pública (CP, art.s 312 e 359).

Também o Direito Administrativo se socorre aos conceitos de dolo e culpa do direito penal nas ocorrências

de ilícitos administrativos.

d) Direito Penal + Direito Civil: Nítida se faz a correlação entre as doutrinas penais e civis nos casos de crimes

contra o patrimônio, em que conceitos como propriedade, posse, detenção e coisa são utilizados em comum.

Também os crimes contra o casamento dependem das regras de Direito de Família.

Há uma diferença de grau e não de essência. A gravidade do bem jurídico ferido atuará o direito, na esfera

penal ou civil, a exemplo do crime de dano (CP, art. 163), que pode ensejar sanção penal, ou, se menor a

gravidade, reprimenda civil (CC, art. 186).

e) Direito Penal + Direito Internacional: Fala-se, hodiernamente, no tema Direito Penal Internacional e

em crimes internacionais, como corolário do desenvolvimento tecnológico e da globalização, fatores modernos

que permitem um contato próximo e acelerado entre pessoas que estão espacialmente distantes entre si.

5. FUNÇÕES DO DIREITO PENAL.

O Direito Penal trata-se de um instrumento para a convivência dos homens em sociedade possuindo, deste

modo, importantes funções.

a) Direito Penal como proteção de bens jurídicos: Tem a função de proteger valores ou

interesses reconhecidos pelo Direito e imprescindíveis à satisfação do individuo ou da sociedade.

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O legislador seleciona, em um Estado Democrático de Direito, os bens especialmente relevantes para a vida

social e, por isso mesmo, merecedores da tutela penal.

b) Direito Penal como instrumento de controle social: Reserva ao Direito Penal o controle social ou

a preservação da paz pública, compreendida como a ordem que deve existir em determinada coletividade.

c) Direito Penal como garantia: O Direito Penal tem a função de garante, de escudo aos cidadãos, uma vez

que só há punição quando ocorre a violação de uma norma previamente determinada em lei como crime.

Por esse motivo Von Liszt dizia: “O Código Penal é a Magna Carta do delinquente”.

d) Função ético-social do Direito Penal: Também conhecida como função criadora ou configuradora dos

costumes, tem origem na estreita vinculação existente tradicionalmente entre a matéria penal e os valores éticos

fundamentais de uma sociedade.

Desempenha uma função educativa em relação aos cidadãos, fomentando valores ético-sociais, mesmo no

tocante a bens que ainda não tenham sido assumidos pela sociedade como fundamentais.

e) Função simbólica do Direito Penal: Essa função é inerente a todas as leis, não se limitando somente às de

cunho penal. Produz efeitos apenas na mente dos governantes e dos cidadãos, repassando para os primeiros a

sensação de terem feito algo para a proteção da paz pública e aos segundos, a impressão de que o problema com a

criminalidade está sob o controle das autoridades.

Esse símbolo manifesta-se, comumente, no Direito Penal do Terror, que se verifica com a inflação

legislativa, criando figuras penais desnecessárias e exageradas, com o aumento desproporcional e injustificado das

penas (hipertrofia do Direito Penal).

f) Função motivadora do Direito Penal: O Direito Penal motiva os indivíduos a não violarem suas normas,

mediante a ameaça de imposição cogente de sanção na hipótese de ser lesado ou colocado em perigo

determinado bem jurídico.

g) Função da redução da violência estatal: O Direito Penal moderno apresenta uma nova função, qual seja

reduzir ao mínimo a própria violência estatal já que a imposição de pena representa uma agressão aos cidadãos.

Desta forma, busca-se a incriminação de condutas somente nos casos estritamente necessários, em

homenagem ao direito de liberdade constitucionalmente reservado a todas as pessoas.

h) Função promocional do Direito Penal: O Direito Penal não deve preocupar-se em manter os valores da

sociedade em que se insere. Ao contrário, deve ser um instrumento de transformação social, contribuindo para a

dinamização da ordem social e promovendo as mudanças estruturais necessárias para a evolução da comunidade.

6. A CIÊNCIA DO DIREITO PENAL

Não há um consenso na doutrina sobre o número e a variedade dos diversos objetos de estudo das ciências

penais. É a chamada enciclopédia das ciências penais. Abordaremos, portanto, as mais importantes para provas e

concursos.

6.1. Dogmática penal.

São os princípios e regras ordenados metodicamente pelo Direito Penal, de ordem absoluta a que se deve

vincular. Tem a missão de conhecer o sentido das normas e princípios jurídico-penais positivos e desenvolver de

modo sistemático o conteúdo do Direito Penal.

A dogmática penal é a interpretação, sistematização e aplicação lógico-racional do Direito Penal.

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6.2. Política criminal.

Tem por objeto a apresentação de críticas e propostas para a reforma do Direito Penal em vigor. É o filtro

das leis, propondo mudanças, inclusões, exclusões, a fim de adequar a lei à realidade em que se insere, visando

atender a finalidade de justiça, colaborando com a dogmática penal.

Para Basileu Garcia, constitui uma ponte entre a teoria jurídico-penal e a realidade, ajustando o Direito

Penal aos ideais de justiça, baseando-se em condições filosóficas, sociológicas e políticas para a análise, de forma

crítica, da dinâmica dos fatos social diante do sistema penal vigente.

6.3. Criminologia.

É uma ciência que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do

comportamento delitivo. Ocupa-se das circunstâncias humanas e sociais relacionadas com o surgimento, a prática

e a maneira de evitar o crime, assim como do tratamento aos criminosos.

Preocupa-se com os aspectos sintomáticos, individuais e sociais do delito propriamente dito e da

criminalidade, em seu contexto social.

[1] Pelo enfoque sociológico, percebe-se o nascimento de uma busca pela real função do Direito Penal. Surge então o funcionalismo, que busca o real desempenho do Direito Penal. Dentro do funcionalismo, surge o funcionalismo teleológico (para esses estudiosos, o fim do Direito Penal é assegurar bens jurídicos, valendo-se das medidas de política criminal – Claus Roxin) e o funcionalismo sistêmico (a missão do Direito Penal é resguardar a norma, o sistema, o direito posto, atrelado aos fins da pena – Günter Jakobs).

Divisões do Direito Penal

7. DIVISÕES DO DIREITO PENAL

7.1. Direito Penal Fundamental.

É composto pelas normas da parte geral do Código Penal e, excepcionalmente, por algumas de amplo

conteúdo, previstas na parte especial, englobando o conjunto de normas e princípios gerais aplicáveis, inclusive às

leis penais especiais, v.g., CP, art. 327.

7.2. Direito Penal Complementar.

É o conjunto de normas que integram o acervo da legislação penal extravagante, a exemplo da Lei de

Tortura (Lei 9.455/97).

7.3. Direito Penal Comum.

Aplica-se indistintamente a todas as pessoas. É o caso do Código Penal e de diversas leis penais especiais

como o Decreto-Lei 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais), etc.

7.4. Direito Penal Especial.

Aplica-se apenas às pessoas que preencham certas condições legalmente exigidas a exemplo do Código

Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969), etc.

Page 6: Apostila concurseiros

7.5. Direito Penal Geral.

Tem incidência em todo o território nacional. É o direito produzido pela União, ente federativo com

competência legislativa para tanto (CF, art. 22, I)

7.6. Direito Penal Local.

Aplica-se somente a parte delimitada do território nacional. É o Direito Penal elaborado pelos Estados-

membros, desde que autorizados por lei complementar a legislar sobre questões especificas (CF, art. 22, parágrafo

único).

7.7. Direito Penal Objetivo.

É o conjunto de leis penais em vigor, ou seja, todas as já produzidas e ainda não revogadas.

7.8. Direito Penal Subjetivo.

É o direito de punir (jus puniendi) exclusivo[1] do Estado, o qual nasce no momento em que é violado o

conteúdo da lei penal incriminadora. É um direito condicionado, como limitação temporal, espacial e modal.

7.9. Direito Penal Material.

Também conhecido como Direito Penal Substantivo, por ele se entende a totalidade de leis penais em

vigor. É o Direito Penal propriamente dito.

7.10. Direito Penal Formal.

Denominado também de Direito Penal Adjetivo, é o grupo de leis processuais penais em vigor. É o Direito

Processual Penal propriamente dito.

8. FONTES DO DIREITO PENAL

No Direito Penal, fonte representa não só a origem, mas também a forma de manifestação da lei penal. Por

isso, são dividas em fontes formais e materiais.

8.1. Fontes materiais (substanciais ou de produção).

É o órgão constitucionalmente encarregado de elaborar o Direito penal, ou seja, a União, nos moldes da CF,

art. 22, I.

Excepcionalmente, os Estados-membros também podem produzir Direito Penal em questões específicas (CF,

art. 22, parágrafo único) desde que autorizados por lei complementar.

8.2. Fontes formais (cognitivas ou de conhecimento).

É o modo pelo qual o Direito Penal se revela. Subdivide-se em:

a) Fonte formal Imediata (ou primária): é a lei. A regra escrita e concretizada pelo Poder Legislativo em

consonância com a forma determinada pela Constituição Federal.

b) Fonte formal Mediata (ou Secundária): são os costumes, os princípios gerais do Direito e os atos

administrativos.

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Os costumes são reiterações de condutas, de modo constante e uniforme, por força da convicção de sua

obrigatoriedade. O que o diferencia do hábito é a obrigatoriedade. Os costumes podem ser “secundum legem” (ou

interpretativo), quando auxiliam o intérprete a esclarecer o conteúdo de elementos e circunstâncias do tipo

penal; “contra legem” (ou negativo), quando contraria a lei, mas não tem o condão de revogá-la[2]; “praeter

legem” (integrativo), que supre a lacuna da lei e somente pode ser utilizado na seara das normas penais não-

incriminadoras. Possível se mostra o uso do costume segundo a lei, atuando dentro dos limites do tipo penal

(costume interpretativo).

Os princípios gerais do direito são os valores fundamentais que inspiram a elaboração e a preservação do

ordenamento jurídico.

Os atos da Administração Pública, em sede de Direito Penal, funcionam como complemento de algumas leis

penais em branco.

Há entendimentos na doutrina que aceitam como parte integrante das fontes formais mediatas a doutrina,

a jurisprudência e os tratados internacionais. Contudo, cabem aqui algumas observações.

A doutrina é um estudo científico não revestido de obrigatoriedade, realizado por juristas e estudiosos do

Direito, analisando e compondo conceitos acerca das normas.

A jurisprudência revela o entendimento dos tribunais, servindo como vetor de aplicação do direito. Não tem

natureza cogente (salvo em caso de súmula vinculante).

Por fim, tratados internacionais são normas externas a que o Brasil adere, ratificando e introduzindo-os em

nosso ordenamento jurídico. Dependendo da matéria a que se referem, podem ingressar no direito positivo como

legislação ordinária ou de emenda constitucional (incluindo necessidade de quórum de aprovação diferenciado).

[1] Apesar de ser um direito exclusivo do Estado, há um caso (Lei 6.001/73, art. 57) no Estatuto do Índio, onde o Estado permite a aplicação de sanção penal pelos grupos tribais com suas próprias instituições. [2] Exemplo do Jogo do Bicho, contravenção penal definida pelo Decreto-Lei 3.688/1941. O STJ já decidiu pela impossibilidade de absolvição em razão do costume, tendo em vista que uma lei só pode ser revogada por outra lei (LICC, art. 2º, §1º) REsp. 30.705/SP. Há uma corrente na doutrina que defende a possibilidade de costume abolicionista desde que a norma perca sua eficácia social. Uma segunda corrente entende que não existe costume abolicionista, porém a norma deixa de ser aplicada quando perde a sua eficácia social. Já uma terceira corrente entende que uma lei só pode ser revogada por outra lei (LICC). A terceira prevalece.

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

1. CONCEITO

Princípios são valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico.

No Direito Penal, os princípios têm a função de orientar o legislador ordinário com o intuito de limitar o

poder punitivo estatal mediante a imposição de garantias aos cidadãos. Trata-se da função de garantia do Direito

Penal.

A quantidade e denominação dos princípios tem uma variação enorme dentro da doutrina. Calha anotar aqui

os mais conhecidos, abarcados pela maioria e de maior incidência em concursos públicos.

2. PRINCÍPIOS EM ESPÉCIE.

2.1. Princípio da Reserva Legal ou da Estrita Legalidade.

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Seu mais seguro antecedente histórico é a Magna Carta de João Sem Terra, em 1215, ao estabelecer, em seu

art. 39, que nenhum homem livre poderia ser submetido à pena sem prévia lei em vigor naquela terra.

Encontra-se previsto na Constituição Federal, art. 5º, XXXIX, bem como no Código Penal, em seu artigo 1º.

Trata-se de cláusula pétrea.

Preceitua a exclusividade da lei para a criação de delitos e penas, estabelecida no brocardo nullum crimen

nulla poena sine lege. Somente a lei pode criar penas[1], abrangendo também as contravenções penais, posto que

a palavra crime foi utilizada no sentido genérico.

2.2. Princípio da Anterioridade.

Também decorre da Constituição Federal, art. 5º, XXXIX e do Código Penal, art. 1º. A lei previamente deve

estabelecer quais os comportamentos que serão considerados infrações legais e cominar penas para tais

comportamentos.

Materializa-se com a vacatio legis, que proíbe a aplicação da norma inclusive durante esse período.

2.3. Princípio da Insignificância ou Criminalidade de Bagatela.

Surgiu no Direito Civil, no axioma minimus non curat praetor. Em outras palavras, o Direito Penal não deve se

ocupar de assuntos irrelevantes, incapazes de lesar o bem jurídico.

Funciona como causa de extinção da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo

penal, observando-se que há, no caso, uma adequação da conduta praticada à lei penal incriminadora, mas não

existe, no entanto, a capacidade de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma.

Entendimento adotado pelo STJ e STF considera para a tipicidade quatro requisitos: (a) ofensividade da

conduta do agente; (b) periculosidade social da ação; (c) grau de reprovabilidade do comportamento; e (d)

expressividade da lesão jurídica provocada. Segundo o STF, todos eles inexistentes no crime de bagatela.

O STF aceita a incidência desse princípio nos crimes e contravenções penais cometidos por crianças e

adolescentes (atos infracionais), nos termos da Lei 8.069/90 (ECA), art. 103.

Esse princípio tem aplicação a qualquer espécie de delito que com ele seja compatível e não apenas aos

crimes contra o patrimônio, a exemplo de um crime de peculato-apropriação de um clipe de metal ou uma folha de

papel. Não é admitido, contudo,nos crimes praticados com violência ou grave ameaça, bem como não se aplica

aos delitos previstos na Lei de Drogas (Lei 11.343/06)[2].

2.4. Princípio da Individualização da Pena.

Expressamente indicado pela Constituição Federal, art. 5º, XLVI, repousa na idéia de que se deve distribuir a

cada individuo o que lhe cabe de acordo com o seu comportamento.

Esse princípio se desenvolve em três planos: no prisma legislativo é respeitado quando o legislador descreve

o tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando seus limites e as circunstâncias de aumento e

diminuição. O plano judicial complementa o legislativo, efetivando-se na aplicação da lei ao caso concreto pelo

juiz. A individualização administrativa é efetuada durante a execução da pena, quando o Estado deve zelar por

cada condenado de forma singular mediante tratamento penitenciário de acordo com as finalidades da pena.

2.5. Princípio da Alteridade.

Page 9: Apostila concurseiros

Criado por Claus Roxin, proíbe a incriminação de atitude meramente interna do agente. A lesão deve passar

da espera pessoal do agente e ser capaz de, ao menos, expor a perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal.

Esse princípio justifica a ausência de punição no crime da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) em seu art. 28, diante

da atipicidade do consumo de drogas posto que o objeto jurídico da lei é a saúde pública.

2.6. Princípio da Confiança.

Trata-se de requisito para a existência do fato típico e baseia-se na idéia de que todos devem esperar por

parte das demais pessoas comportamentos responsáveis e em consonância com o ordenamento jurídico,

almejando evitar danos a terceiros, levando-se em conta as “regras da experiência”.

2.7. Princípio da Adequação Social.

De acordo com esse princípio, não pode ser considerado criminoso o comportamento humano que, embora

tipificado em lei, não afronte o sentimento social de justiça.

Calha ressaltar que a autorização legal para o exercício de determinada profissão não implica no

reconhecimento de que comportamentos estabelecidos como crimes sejam socialmente aceitáveis, a exemplo da

lei que regulamenta a atividade de camelô e os possíveis delitos de descaminho praticados.

2.8. Princípio da Intervenção Mínima.

Também chamado princípio da necessidade, está estabelecido na Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, de 1789, em seu art. 8º.[3] Afirma que a intervenção penal que criminaliza um fato somente se justifica

quando meio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse.

DDHC. Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser

punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

Esse princípio ampara a corrente do Direito Penal Mínimo. Decorrem dele outros dois: fragmentariedade e

subsidiariedade.

a) Princípio da Fragmentariedade: Estabelece que nem todos os ilícitos configuram infrações penais, mas

apenas os que atentam contra valores fundamentais para a manutenção e o progresso do ser humano e da

sociedade. Em suma, todo ilícito penal será ilícito também para todos os ramos do direito, mas a recíproca não é

verdadeira. Projeta-se num plano abstrato, balizando a criação de tipos penais, somente quando os outros ramos

do direito tiverem falhado na tarefa de proteção ao bem jurídico.

b) Princípio da Subsidiariedade: Preceitua a atuação do Direito Penal quando os outros ramos do Direito e os

demais meios estatais de controle social tiveram se revelado impotentes para o controle da ordem pública. Assim,

o Direito Penal funciona como umexecutor de reserva, como a ultima ratio. Projeta-se no plano concreto de

atuação prática e aplicação do Direito Penal.

2.9. Princípio da Proporcionalidade.

Constitui-se na idéia de que a limitação da liberdade individual imposta pela pena só se justifica para a

concretização de interesses coletivos superiores. Funciona como uma forte barreira impondo limites ao legislador,

sendo suficiente apenas apenar para que a lei pena possa ser eficaz na tutela do bem jurídico.

Page 10: Apostila concurseiros

2.10. Princípio da Humanidade.

Apregoa a inconstitucionalidade da criação de tipo penal ou a cominação de penas que violam a

incolumidade física ou moral de alguém.

Decorre da dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição Federal, em seu art. 1º, III, como

fundamento da República Federativa do Brasil.

2.11. Princípio da Ofensividade ou da Lesividade.

Não há infração penal quando a conduta não tiver oferecido ao menos perigo de lesão ao bem jurídico

tutelado.

2.12. Princípio da Exclusiva Proteção do Bem Jurídico Tutelado.

Veda ao Direito Penal a preocupação com as intenções e os pensamentos das pessoas, seu modo de viver ou

pensar, enquanto não exteriorizada a atividade delitiva. Destina-se, exclusivamente, à tutela dos bens jurídicos

fundamentais para a preservação da sociedade e o desenvolvimento do individuo e da sociedade.

2.13. Princípio da Imputação Pessoal.

O Direito Penal não pode castigar um fato cometido por agente que atue sem culpabilidade. Não se admite a

punição em casos de inimputabilidade, não consciência da ilicitude ou casos de inexigibilidade de conduta diversa.

O fundamento da responsabilidade penal pessoal é a culpabilidade (nulla poena sine culpa).

2.14. Princípio da Responsabilidade pelo Fato.

O Direito Penal deve tipificar fatos, associando-lhe as penas respectivas, e não estereotipar autores em razão

de alguma condição específica.

Não se admite um Direito Penal do autor, mas somente um Direito Penal do fato.[4]

2.15. Princípio da Personalidade ou da Intranscendência.

Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por outrem. E, conseqüentemente, a pena não pode

passar da pessoa do condenado (CF, art. 5º, XLV).

2.16. Princípio da Responsabilidade Penal Subjetiva.

Nenhum resultado penalmente relevante pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou

culpa. A disposição do Código Penal exclui a responsabilidade penal objetiva (CP, art. 19).

A doutrina aponta alguns vestígios da responsabilidade objetiva em duas situações no ordenamento penal

brasileiro: rixa qualificada[5] e punição da embriaguez voluntária ou culposa, decorrente da actio libera in causa[6].

2.17. Princípio do Non Bis in Idem.

Não se admite, em hipótese alguma, a dupla punição pelo mesmo fato. Com base nesse princípio, o STJ

editou a súmula 241.

STJ. Súmula 241. A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância

agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.

Page 11: Apostila concurseiros

Não incorre em "bis in idem" a existência de duas ou mais ações penais em searas judiciais diversas.

2.18. Princípio da Isonomia.

Também conhecido como princípio da igualdade, consagrou-se na obrigação de tratar igualmente os iguais

e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

[1] Nos termos da CF, art. 62, I, “a”, é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria penal. [2] Em um caso isolado, o STF admitiu a aplicação desse princípio envolvendo drogas e um militar – HC 92.961. [3] Inspirada na Revolução Americana (1776) e nas ideias filosóficas do Iluminismo, a Assembleia Nacional Constituinte da França Revolucionária aprovou em 26 de agosto de 1789 e votou definitivamente em 2 de outubro a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizando em dezessete artigos e um preâmbulo os ideais libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa. [4] Historicamente pode ser lembrado o Direito Penal do Autor a Alemanha Nazista, onde não existiam crimes, mas criminosos. Em tempos atuais ele guarda sintonia com o Direito Penal do Inimigo. [5] Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa. Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos. [6] Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1. O DIREITO PENAL NOS POVOS PRIMITIVOS.

Pode-se afirmar que a história do Direito Penal se confunde com a história da humanidade. Em todos os

tempos, vislumbra-se a ingerência da pena na esfera do poder e da vontade do indivíduo que ofendeu a esfera de

poder e vontade de outrem.

A pena é um fato histórico e primitivo, bem como a vingança penal não se trata de uma progressão

sistemática, mas algo natural que foi se desenvolvendo par atender as necessidades de cada época. Assim, divide-

se a história em três períodos, representados pelas fases da vingança divina, vingança privada e vingança pública.

1.1. Vingança Divina.

O homem primitivo regulava suas condutas no temor religioso ou mágico, com culto aos antepassados,

cumpridores das normas. Essa visão era nutrida por totens e tabus[1], que marcavam presença nas modalidades da

pena, com nítido caráter expiatório.

Como a lei tinha origem divina, as penas serviam exclusivamente como forma de desagravar a divindade,

punindo-se o infrator para purgar as impurezas do delito trazido ao seu grupo.

Às vezes, expulsavam o infrator do grupo a que pertencia (perda da paz), perdendo a proteção e lançado à

própria sorte. Em outras, o castigo consistia no sacrifício da própria vida, cuja violência com que era realizado

deveria estar em consonância com a grandeza do deus ofendido.

1.2. Vingança Privada.

Posteriormente, em decorrência do crescimento dos povos e da complexidade social, surge a vingança

privada. Era uma vingança entre grupos, eis que encaravam a infração como uma ofensa ao grupo a que

pertenciam.

Page 12: Apostila concurseiros

O homem primitivo tinha forte laço com a comunidade e, fora dela, sentia-se desprotegido. Destarte,

imperava a lei do mais forte, a vingança de sangue, em que o grupo do ofendido fazia justiça com as próprias

mãos contra o grupo do ofensor, ocasionando, na maioria das vezes, excessos e crueldades desproporcionais,

disseminando o ódio e a guerra interminável entre os grupos, culminando, muitas vezes, na extinção completa das

tribos.

Para se evitar a dizimação dos grupos, surge a Lei de Talião, como primeira manifestação do princípio da

proporcionalidade e tentativa de humanização da sanção penal.

Êxodo, 21, 23-25. 23 Mas se houver morte, então darás vida por vida, 24 Olho por olho, dente por dente, mão

por mão, pé por pé,25 Queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.

Foi acolhida pela Lei das XII Tábuas (romanos), pelo Êxodo (hebreus) e pelo Código de Hamurabi (Babilônia).

Com o passar do tempo, diante do elevado número de infratores, as populações começaram a

ficar deformadas, motivo pelo qual se evoluiu para o sistema da composição, que se tratava de uma forma de

conciliação entre ofensor e ofendido, pela prestação pecuniária como meio de reparação do dano.

1.3. Vingança Pública.

Com a evolução política da sociedade e melhor organização comunitária, o Estado avocou o poder-dever de

manter a ordem e a segurança social, conferindo a seus agentes a autoridade de punir em nome de seus súditos. A

pena assume um caráter público.

A pena, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, garantia a força do soberano que decidia,

impessoalmente, sobre as infrações. Destacavam-se o esquartejamento, a decapitação, a forca, castigos corporais,

amputações, entre outras penas.

2. IDADE ANTIGA

2.1. Direito Penal Grego.

Na Grécia Antiga, em seus primórdios, o crime e a pena se inspiravam no sentimento religioso. Governava-se

em nome de Zeus.

A civilização grega produziu filósofos, historiadores, escritores e grandes pensadores. Com a ciência política,

iniciaram-se grandes discussões sobre política, ética, liberdade e justiça, bem como o direito de punir e a finalidade

da pena.

Toda a questão da vida girava em torno da sociedade. O homem não era considerado como indivíduo, mas

como parte do meio social em que estava. A própria democracia estava ligada à integração do homem com o

Estado.

Em Atenas, as penas passaram a ser dotadas de certas doses de humanidade. Começou-se a pensar no

desenvolvimento da sociedade, e não propriamente no acusado.

2.2. Direito Penal Romano.

A história do direito romano percorreu 22 séculos (de 753 a.C. a 1453 d.C.), passando por grandes

transformações.

Page 13: Apostila concurseiros

Em matéria penal, o poder dos magistrados era intitulado coercitio, totalmente discricionário, limitado

apenas pela apelação popular, direito do cidadão romano. Face essa possibilidade, as decisões passaram a ser

fundamentadas, proporcionando maior segurança jurídica aos cidadãos.

Com a Lei das XII Tábuas, o direito romano passou por um período de laicização, deixando a lei de ser

mensagem dos deuses, prevalecendo o sufrágio popular.

Com o Cristianismo, houve maior percepção da importância pelo respeito aos direitos fundamentais do

homem, que passou a ser visto como imagem e semelhança de Deus.

Em Roma, surgiu a primeira distinção entre crimes públicos (envolviam a traição e conspiração política contra

o Estado e o assassinato) e crimes privados (todos os demais crimes – critério residual).

Ao final da república, foram publicadas as leges coneliae e juliae, catalogando os comportamentos

criminosos, sendo uma primeira manifestação do princípio da reserva legal.

3. IDADE MÉDIA

3.1. Direito Penal Germânico.

Caracterizava-se como direito consuetudinário, não possuindo leis escritas. Era uma ordem de paz. Se a

transgressão possuísse caráter público, impunha-se a perda da paz (ausência de proteção jurídica, podendo ser

morto por qualquer pessoa); se possuísse caráter privado, o infrator era entregue à vitima ou seus familiares para

o direito de vingança.

Mais tarde, influenciado pelo direito romano e pelo Cristianismo, o direito germânico adotou a Lei de Talião

e a composição, criando-se, posteriormente, o sistema da composição pecuniária.

Foi marcado também pelas ordálias ou juízos de deus, como meios de prova, caracterizados por superstições

e atos cruéis.

3.2. Direito Penal Canônico.

É o ordenamento da Igreja Católica Apostólica Romana. A primeira consolidação de suas normas e regras se

deu em 1140, por decreto de Graciano.

Tinha, inicialmente, caráter meramente disciplinar para com seus membros. Com o crescimento da Igreja e

enfraquecimento do Estado, estendeu-se a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação religiosa.

Serviu-se do procedimento de inquisição.

A pena, não obstante o caráter retributivo que predominava à época, tinha a finalidade de recuperação do

criminoso, objetivando o seu arrependimento perante a divindade.

Contribui com a história do direito penal no surgimento da prisão moderna, no tocante à reforma do

criminoso. Do vocábulo “penitência” deriva o termo penitenciária. O cárcere era uma forma de, pelo sofrimento e

solidão, expurgar a alma do criminoso diante de Deus.

4. IDADE MODERNA

4.1. Período Humanitário.

Sob o influxo do iluminismo no século XVIII, a sociedade se voltava contra as barbáries do absolutismo

(poder absoluto do Estado), que impunha atos de punição crudelíssimos e arbitrários. Os espíritos dos indivíduos

preparam-se para a eclosão da Revolução Francesa.

Page 14: Apostila concurseiros

Em 1764, Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, publica a famosa obra Dei delitti e delle pene, que abre

caminho ao movimento da Escola Clássica.

Baseia o seu pensamento no contrato social de Rousseau, onde o infrator é um violador do pacto social,

sendo considerado adversário da sociedade. A pena perdia o seu caráter religioso.

Surge a questão do livre-arbítrio, pois o homem pratica o delito consciente da violação e da reprovação social

sobre seus atos. Destarte, a pena passa a ser analisada sobre a necessidade de seu prévio estabelecimento, para

que todos possam escolher o caminho a trilhar, devendo ainda, além de anterior, guardar proporcionalidade com o

ato violador.

Conclui a ideia de que a pena deveria ser essencialmente pública, rápida, necessária, mínima, proporcional

aos delitos e ditadas pelas leis.

[1] Os totens assumiam as mais variadas formas de animais, vegetais ou qualquer outro objeto considerado como ancestral ou símbolo de coletividade. Os tabus consistiam na proibição dos profanos de se relacionarem com pessoas, objetos ou lugares determinados, ou deles se aproximarem, em virtude do caráter sagrado que possuíam.

A HISTÓRIA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

1. PERÍODO COLONIAL.

Antes do descobrimento do Brasil, enquanto dominava a civilização primitiva, adotava-se a vingança privada.

Informam os historiadores que os silvícolas conheciam o sistema de Talião bem como a composição e a expulsão

da tribo (perda da paz).

Predominavam as penas corporais, com regras consuetudinárias, comuns ao mínimo convívio social, quase

sempre dominadas pelo misticismo.

Com o descobrimento do Brasil, em 1500, passou a vigorar o Direito Lusitano, aplicando-se, sucessivamente:

a) Ordenações Afonsinas: promulgadas em 1146 por D. Afonso V, vigoraram até 1514, com conteúdos do

Direito Romano de Justiniano e do Direito Canônico. Marcadas pela crueldade das penas, predominando a

arbitrariedade dos juízes em sua fixação.

b) Ordenações Manuelinas: editadas em 1514 por D. Manuel, o Venturoso. Pouco se diferenciavam das

Ordenações Afonsinas. Ainda correspondiam à fase da vingança pública.

O direito era aplicado pelos donatários respectivos das capitanias hereditárias.

c) Ordenações Filipinas: datadas de 1603, por medida do Rei Filipe II, mantiveram as ordenações anteriores.

Foi sob a égide desse ordenamento que Tiradentes[1] foi executado, estendendo as conseqüências penais de

seu comportamento também a seus descendentes.

Todas as ordenações, marcadas pela fase da vingança pública, orientavam-se no sentido de uma ampla e

generalizada criminalização, com severas punições, as quais objetivavam infundir o temor.

2. CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO

A Constituição Federal de 1824 determinou a urgente e necessária elaboração de um Código Criminal,

fundado nas sólidas bases da justiça e equidade.

Em 1827, Bernardo Pereira apresentou o seu projeto, que foi sancionada em 1830 pelo Imperador D. Pedro

I. Surgia o Código Criminal do Império.

Page 15: Apostila concurseiros

Com a elaboração desses dois ordenamentos, o Direito Penal deu nítidos sinais de evolução em prol da

humanização das penas.

Dispunha sobre a vedação dos açoites, tortura, marca de ferro quente e todas as penas cruéis (art. 179, XIX),

bem como manifestava a necessidade da pena atingir somente o causador da infração penal (art. 179, XX). Seria a

primeira manifestação do princípio da personalidade da pena no Brasil. Contudo, ainda sobreviviam as penas de

morte na forca, trabalhos forçados, banimento.

Entre as inovações, consagrou a instituição do sistema do dia-multa, em seu art. 55.

3. PERÍODO REPUBLICANO

Com o advento da república, João Baptista Pereira foi encarregado de elaborar um projeto de Código Penal,

que foi aprovado em 1890. Seus equívocos e deficiências o tornaram uma “colcha de retalhos”, com inúmeras leis

extravagantes para suprir suas lacunas. Tantas eram as leis esparsas que, em 1932, concentraram-nas

na Consolidação das Leis Penais, de Vicente Piragibe.

Durante o Estado Novo, em 1937, Alcântara Machado apresentou um projeto de Código Penal Brasileiro,

que foi sancionado pelo Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, vigorando desde 1942 até os dias

atuais.

Em 1977 houve uma atualização das sanções penais, e, em 1984, uma reforma da parte geral, que

humanizou as sanções, adotou penas alternativas à prisão e reintroduziu o sistema de dias-multa.

Em 1969 o projeto de Nelson Hungria foi aprovado para a criação de um novo Código Penal, contudo,

revogado ainda em vacatio legis.

[1] Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes foi um dentista, tropeiro, minerador, comerciante, militar e ativista político que atuou no Brasil colonial, mais especificamente nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro. No Brasil, é reconhecido como mártir da Inconfidência Mineira, que foi uma tentativa de revolta de natureza separatista abortada pela Coroa portuguesa em 1789, na então capitania de Minas Gerais, contra, entre outros motivos, a execução da derrama e o domínio português.

ESCOLAS PENAIS

1. ESCOLA CLÁSSICA

A nomenclatura clássica foi desenvolvida pejorativamente pelos positivistas, em face da divergência de

pensamentos sobre os conceitos estruturais do Direito Penal.

Nasceu entre o final do séc. XVIII e a metade do séc. XIX como reação ao totalitarismo do Estado

Absolutista, filiando-se ao iluminismo.

Com fundamentos de Beccaria e Francesco Carrara, utilizavam o método racionalista dedutivo (lógico) e

eram, em regra, jusnaturalistas, ou seja, aceitavam que as normas absolutas e naturais prevaleciam sobre o direito

posto.

Basicamente, suas notas fundamentais eram ter o crime como um conceito meramente jurídico, o

predomínio da concepção do livre-arbítrio e a pena como forma de retribuição pelo crime.

2. ESCOLA POSITIVA

Embora a Escola Clássica houvesse conseguido enfrentar com êxito as barbáries do absolutismo, os

ambientes político e filosófico, em meados do séc. XIX, revelavam grande preocupação com a luta contra

Page 16: Apostila concurseiros

a crescente criminalidade. Surgia a necessidade de estudos biológicos e sociológicos de acordo com as doutrinas

evolucionistas de Darwin.

Nasce, então, a Escola Positiva, também denominada Positivismo Criminológico, despontando Cesar

Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo, os “três mosqueteiros”, com seu método positivo criminológico.

Cesare Lombroso iniciou a fase antropológica, com a aplicação do método experimental no estudo da

criminalidade e a teoria do criminoso nato.

Enrico Ferri empunha a bandeira da fase sociológica, contribuindo com a defesa da tese negativa do livre-

arbítrio, fundamentando a responsabilidade penal na responsabilidade social. A pena surge como mecanismo de

defesa social interna.

Finalmente, Rafael Garofalo é o baluarte da fase jurídica, imortalizando a expressão criminologia, criando o

conceito de delito natural. Influenciado pela teoria da seleção natural e dando relevo ao determinismo.

3. ESCOLA CORRECIONALISTA

Também chamada de Correcionalismo Penal, surgiu na Alemanha, em 1839, com Karl David August Röeder.

Surgiu de forma inovadora e revolucionária, afirmando que a pena tem a finalidade de corrigir a injusta e

perversa vontade do criminoso e, assim, não pode ser fixa e determinada. A pena deve ser indeterminada e

passível de cessação somente quando tornar-se prescindível.

O fim da pena seria a prevenção especial. O direito de punir os delitos deveria ser utilizado pelo Estado com

fins terapêuticos, reprimindo e curando.

Atualmente, Luis Jiménez de Asúa, o maior entusiasta dessa Escola, defende a ideia de ressocialização como

finalidade precípua do Direito Penal.

4. TECNICISMO JURÍDICO-PENAL

Iniciou-se na Itália, com Arturo Rocco delimitando o estudo do Direito Penal como positivo, restrito às leis

vigentes, dele abstraindo o conteúdo causal-explicativo inerente à antropologia, sociologia e filosofia. O jurista

deve valer-se da exegese para concentrar-se no estudo do direito positivo.

Numa segunda etapa, mais moderna, o tecnicismo jurídico, liderado por Maggiore, Bettiol e Battaglini,

acabou acolhendo a existência do direito natural, admitindo o livre-arbítrio como fundamento do direito positivo,

voltando a pena a ter caráter retributivo.

No estudo do direto penal, três ordens de pesquisa existem: exegese, limitada ao aspecto gramatical,

buscando o alcance e vontade da lei; dogmática, sistematização dos princípios fundamentais como critérios para

integração e criação do direito; e crítica, estuda o direito penal como ele deveria ser, buscando sua construção e

propondo reformas.

5. A DEFESA SOCIAL.

Surgiu no início do séc. XX, em decorrência dos pensamentos da Escola Positiva, contudo, com ela não se

confunde, pois, trata-se de uma reação anticlássica, reforçada pelas idéias dos representantes do positivismo:

Lombroso, Ferri e Garofalo. Era um momento de defesa da sociedade. O combate à criminalidade tornara-se a

principal finalidade do direito penal.

Page 17: Apostila concurseiros

Com o surgimento da União Internacional de Direito Penal, fundada por Von Liszt, Van Hamel e Adolphe

Prins, seus estudos consolidados por Fillipo Gramática e Marc Ancel, via a luta contra a criminalidade como um

fenômeno social, substituindo-se a responsabilidade moral pela periculosidade do delinquente.

Aumentavam-se, frequentemente, as penas indeterminadas e as medidas de segurança, as quais subsistiam

enquanto durar a periculosidade do criminoso.

Já no período entre as duas grandes guerras mundiais, desenvolveu-se a profilaxia criminal, baseada na

assistência educativa e organização de prevenção, calcada no estudo completo da personalidade do delinquente,

não se esquecendo do respeito pela pessoa humana. Inicia-se uma nova fase, com a prevenção do crime, o

tratamento do menor delinquente e a reforma penitenciária.

Para Gramática, a defesa social tinha o objetivo de aprimorar o Estado, inclusive a sua defesa, sendo que o

Estado não deveria punir, pois sua função era melhorar o indivíduo. A causa do delito estaria na organização social.

Para ele, os cárceres são inúteis, devendo ser abolidos, e a pena deveria ser dosada com base na personalidade, e

não no dano.

EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO DIREITO PENAL

1. POSITIVISMO JURÍDICO.

De origem alemã, os estudos de Karl Binding, na década de 70 do séc. XIX, tinham nítida preferência pela

cientificidade, excluindo os juízos de valor e limitando o objeto do direito positivo. Deve-se a esta teoria o conceito

clássico de delito, sem qualquer influencia filosófica, psicológica ou sociológica.

Constituía-se em posição extremamente normativista e formal, assim justificada pelos seus partidários por

respeitar excessivamente o princípio da legalidade e a segurança jurídica.

2. NEOKANTISMO PENAL.

Surgiu no final do séc. XIX, através de Rudolf Stammler e Gustav Radbruch, propondo um conceito que

supervaloriza o dever-ser, mediante a introdução de considerações axiológicas.

Essa teoria permitiu graduar o injusto de acordo com a gravidade da lesão produzida, incluindo elementos

normativos e subjetivos nos tipos penais.

Por fim, adotou-se a teoria psicológico-normativa, revestindo a culpabilidade pelo juízo de reprovabilidade.

3. GARANTISMO PENAL.

Através de Luigi Ferrajoli, com a obra "Direito e razão", entende-se o garantismo penal um modelo universal

destinado a contribuir com a moderna crise que assola os sistemas penais, desde o nascedouro da lei até o final do

cumprimento da sanção penal.

Esse sistema, também chamado de cognitivo ou de legalidade estrita, assenta dez axiomas, como forma de

garantia, impondo um modelo-limite, de índole penal e processual penal, irradiando reflexos em todo o sistema:

Nulla poena sine crimine (princípio da retributividade ou da conseqüência da pena em relação ao delito);

nullum crimen sine lege (princípio da reserva legal); nulla Lex (poenalis) sine necessitate (princípio da necessidade

ou da economia do direito penal); nulla necessitas sine injuria (princípio lesividade ou ofensividade); nulla injuria

sine actione (princípio materialidade ou exterioridade da ação); nulla actio sine culpa (princípio da culpabilidade ou

Page 18: Apostila concurseiros

responsabilidade pessoal); nulla culpa sine judicio (princípio da jurisdicionalidade); nullum judicium sine

accusatione (princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação); nulla accusatio sine probatione (princípio

do ônus da prova ou da verificação); nulla probatio sine defensione (princípio do contraditório e ampla defesa ou

da falseabilidade).

4. FUNCIONALISMO PENAL.

Iniciou-se na Alemanha, em 1970, com uma forte revolução dos penalistas, com o intuito de submeter a

dogmática penal aos seus fins específicos.

Pretendia abandonar o tecnicismo jurídico no enfoque da adequação típica, desempenhando uma efetiva

função de mantenedor da paz social e aplicador da política criminal, em suma: funcional.

O intérprete da lei deve desempenhar seu papel de forma máxima, almejando a real vontade da lei. Contudo,

essa teoria apresenta duas concepções:

4.1. Funcionalismo Moderado, Dualista ou de Política Criminal.

Liderado por Claus Roxin, preocupa-se com os fins do Direito Penal, priorizando valores e princípios

garantistas, introduzindo a política criminal como critério norteador para a solução dos problemas dogmáticos.

Para Roxin, o tipo objetivo não pode ser reduzido à conexão de condições entre comportamentos e

resultados. Ele desenvolveu a teoria do domínio do fato, no que tange à autoria delitiva, e introduziu o conceito

de imputação objetiva no campo da tipicidade.

Vinculou elementos ao delito, com diversos valores predominantes: tipicidade[1], determinação da lei em

conformidade com o princípio da reserva legal; ilicitude, espécie de elemento negativo do tipo; e culpabilidade,

necessidade da pena como prevenção.

Roxin privilegia um conceito bipartido de delito em que considera o injusto penal (fato típico + ilicitude) e

a responsabilidade(que inclui a culpabilidade) para a formação do delito.

4.2. Funcionalismo Radical, Monista ou Sistêmico.

Capitaneado por Günther Jakobs, essa teoria preocupa-se com os fins da pena, levando em consideração

apenas necessidades sistêmicas, e o Direito Penal deve se ajustas a elas.

Adaptou o direito penal à teoria dos sistemas sociais, com sua teoria da imputação normativa. Para ele, o

direito penal está determinado pela função que cumpre no sistema social. Assim, quando descumprida uma norma

legal, o direito penal deve aplicar o comando contido em seu mandamento positivo, pois somente sua reiterada

incidência lhe confere o devido respeito.

Como consectário dessa ideia, desenvolveu a teoria do direito penal do inimigo, a ser analisada em

momento próprio.A

NOVAS PROPOSTAS: DIREITO PENAL E A CRIMINALIDADE MODERNA

PROPOSTAS: DIREITO PENAL E A CRIMINALIDADE MODERNA

As modificações introduzidas na humanidade ao longo dos últimos, aliados a fenômenos como a

globalização, massificação dos problemas e configuração de uma sociedade de risco, implicariam em profundas

alterações no Direito Penal.

Page 19: Apostila concurseiros

A sociedade moderna destaca-se por ser uma sociedade de massas, cuja administração recai em

comportamentos sociais distintos, porém uniformes dos cidadãos. Essa contradição acarreta algumas dificuldades

para o Direito Penal.

Frequentemente convocado para a resolução dos novos problemas sociais, sua estrutura clássica sofreu

mudanças, deturpando-se até mesmo os conceitos mais arraigados. Naturalmente, denota-se a

necessária expansão do Direito Penal, ressaltando a subsidiariedade e a fragmentariedade, bem como um

equilíbrio entre a adaptação aos novos tempos, sem relegar a outros ramos do Direitos a sua competência.

Temerários por problemas decorrentes dessa globalização criminal, buscando-se evitar a desformalização do

Direito Penal, a banalização de seus tipos e conceitos, bem como protegendo a segurança jurídica advinda das

garantias asseguradas pela codificação de condutas consideradas adversas ao convívio social, a doutrina

estrangeira tem apresentado algumas formas de solução, possíveis meios aptos a salvar o Direito Penal.

1. DIREITO INTERVENCIONISTA (OU DE INTERVENÇÃO).

Seu criador, o alemão Winfried Hassemer, entende que o Direito Penal não oferece resposta satisfatória

para a criminalidade das sociedades modernas. O único meio consistente de enfrentamento seria o direito de

intervenção, que consiste na eliminação de uma parte da atual modernidade do Direito Penal, mediante a busca

de uma dupla tarefa: reduzir o Direito Penal básico às lesões de bens jurídicos individuais e sua colocação em

perigo e, num segundo momento, conceder tratamento jurídico diverso aos bens jurídicos universais, objetos dos

maiores riscos atuais.

Assim, o direito intervencionista consiste na manutenção, em âmbito de Direito Penal, das condutas lesivas

aos bens jurídicos individuais e também as que causam perigo concreto. As demais, de índole coletiva e difusa, por

serem apenadas de maneira mais branda, seriam reguladas por um sistema jurídico diverso, com garantias penais

e processuais mais flexíveis, cuja aplicação incumbiria à Administração Pública.

2. AS VELOCIDADES DO DIREITO PENAL.

Jesús-María Silva Sánchez, revelando grande preocupação com a consolidação de um único Direito Penal

Moderno, apresenta as velocidades do Direito Penal, partindo do pressuposto que há dois grandes blocos,

distintos, de ilícitos: as infrações penais cominadas com penas de prisão e as que se vinculam a gêneros diversos de

sanções penais. Aqui, todos os ilícitos guardam natureza penal e devem ser processados e julgados pelo Poder

Judiciário.

Portanto, uma primeira velocidade do Direito Penal seria a prisão, mantendo-se os princípios políticos-

criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais.

Uma segunda velocidade seria representada pelas sanções diversas da privação de liberdade, como

restrição de direitos, pecuniárias, com regras flexibilizando proporcionalmente a pena com relação à intensidade

da infração, agilizando o procedimento, tendo em vista que, entre o acusado e o Estado, não há embate

envolvendo tão relevante bem jurídico (liberdade).

Silva Sánchez define, por fim, que haveria uma terceira velocidade do Direito Penal, definida pelo Direito

Penal do Inimigo, com a privação da liberdade e suavização ou eliminação de direitos e garantias penais e

processuais.

Page 20: Apostila concurseiros

3. DIREITO PENAL DO INIMIGO.

Essa teoria foi desenvolvida por Günther Jakobs, o mesmo criador da teoria do funcionalismo radical,

monista ou sistêmico, ou seja, o pensamento que reserva elevado valor à norma jurídica como fator de proteção

social. Para ele, apenas a aplicação constante da norma penal é que imprime à sociedade as condutas aceitas e os

comportamentos indesejados.

Buscando revolucionar conceitos clássicos arraigados nas mentes dos doutrinadores do Direito Penal,

colocou em discussão a real efetividade do Direito Penal existente, pugnando pela flexibilização ou mesmo

supressão de diversas garantias materiais e processuais, consideradas, até então, intocáveis.

O termo inimigo representa aquele que, em situação de confronto, deve ser enfrentado e, a qualquer custo,

vencido. Assim, para Jakobs, inimigo é o indivíduo que afronta a estrutura do Estado, pretendendo desestabilizar

a ordem reinante. Assim, age demonstrando não aceitar as normas impostas pelo Direito para o convívio social,

não querendo ser cidadão e, portanto, as garantias inerentes às pessoas não podem ser a ele aplicadas.

Essa teoria baseia-se nas ideias de Jean Jacques Rousseau, onde o inimigo, ao desrespeitar o contrato social

guerreando com o Estado, deixa de ser um de seus membros. Evidente, então, que Jakobs abraça um Direito

Penal do Autor, rotulando indivíduos, em oposição a um Direito Penal do Fato, que se preocupa com a

ofensividade das ações e omissões relevantes.

Como consequência da aplicação dessa teoria, o Estado não reconhece o delinquente como cidadão,

restando-lhe inaplicáveis quaisquer garantias inerentes ao homem de bem. Portanto, o inimigo não pode gozar de

direitos processuais, como a ampla defesa, entre outros, pois, o único objetivo do Estado é vencer o inimigo.

Ressalta-se a periculosidade do agente, deixando de lado o juízo de culpabilidade, em consonância com as

penas aplicadas. Antecipa-se a tutela penal, punindo até mesmo atos preparatórios sem redução de punição,

combatendo-se a ameaça e a opressão de sua existência perante o Estado. Objetiva-se a garantia da paz social no

Estado.

Do Direito Penal do Inimigo decorre também a mitigação de princípios tais como a da reserva legal ou estrita

legalidade, pois a periculosidade do indivíduo impede a previsão de todos os atos que possam por ele ser

praticados. Deste modo, a narrativa dos crimes e penas aplicados depende de uma análise vaga das condutas em

cada caso concreto, dependendo da ameaça que o indivíduo representa, o que permite a inflação legislativa penal,

com criação artificial de delitos.

Possível, ainda, a eliminação de direitos e garantias individuais, uma vez que não se observa o devido

processo legal, mas paira sobre o Estado um procedimento de guerra, de intolerância e repúdio ao inimigo.

Enfim, denota-se a convivência, na concepção de Jakobs, de dois direitos num único ordenamento: Direito

Penal do Cidadão, dotado de garantias constitucionais, processuais e penais, típicos de um Estado Democrático de

Direito; e do outro lado, o Direito Penal do Inimigo, onde o sujeito ativo de uma infração deve ser enfrentado

como fonte de perigo e, portanto, sua eliminação da sociedade é o fim último do Estado.

4. DIREITO PENAL COMO PROTEÇÃO DOS CONTEXTOS DA VIDA EM SOCIEDADE.

Cuida-se de uma proposta formulado por Günter Stratenwerth que, com a finalidade de garantir o futuro da

sociedade, deixa em segundo plano a proteção dos interesses individuais, para salvaguardar imediatamente os

bens jurídicos inerentes a toda coletividade.

Page 21: Apostila concurseiros

Ao contrário do Direito Intervencionista, proposto por Hassemer, busca de modo precípuo a proteção dos

bens jurídicos difusos, pois seria mais importante resguardar a coletividade do que os bens de cada indivíduo

isoladamente.

Como corolário desse pensamento, antecipa-se a tutela penal nos casos de crimes de perigo abstrato,

protegendo bens jurídicos transindividuais e estabelecendo um perfil de gestão dos interesses difusos e coletivos,

legitimando a intervenção do Direito Penal diante de comportamentos que exponham a perigo tais bens.

Por fim, trata-se de uma proposta audaciosa que ganhará importância ao longo do século XXI, diante da

busca em enfrentar os riscos da sociedade moderna. Conforme afirma Claus Roxin, esse pensamento conduzirá a

uma relativização do bem jurídico tutelado coletivamente em face do patrimônio jurídico de cada indivíduo,

isoladamente.

[1] Roxin desenvolveu aqui a teoria da imputação objetiva, a ser estudada em momento oportuno, mas desde já, podemos nortearmos no sentido de que examina-se, nessa teoria, a criação de um risco não permitido, por meio de uma ação, dentro da finalidade de proteção que a norma exerce.

Page 22: Apostila concurseiros

L E I P E N A L

INTRODUÇÃO. 1. Classificação. 2. Características da Lei Penal. 3. Lei Penal em Branco. 4. Interpretação da Lei Penal. 5.

Analogia. LEI PENAL NO TEMPO. 1. Conflito de Leis Penais no Tempo. 2. Lei Penal Temporária e Lei Penal Especial. 3. Leis Penais em Branco e o Conflito de Leis no Tempo. CONFLITO APARENTE DE LEIS PENAIS. 1. Princípios para a solução dos

Conflitos. 2. Ausência de previsão legal. TEMPO DO CRIME. LEI PENAL NO ESPAÇO. 1. Princípio da Territorialidade. 2. Princípio da Extraterritorialidade. LUGAR DO CRIME. EXTRATERRITORIALIDADE. LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS. 1. Imunidades

Diplomáticas. 2. Imunidades Parlamentares. DISPOSIÇÕES FINAIS. 1. Eficácia da Sentença Estrangeira. 2. Contagem de Prazo. 3. Frações não computáveis na pena. 4. Legislação Especial.

INTRODUÇÃO

Lei penal é a fonte formal imediata do direito penal, uma vez que tem reservado para si, por expressa

previsão constitucional, o papel de criar infrações penais e cominar-lhes penas.

Sua estrutura apresenta dois preceitos, um primário (conduta descrita) e um secundário (pena a ser

aplicada). A nossa lei penal é descritiva, ou seja, descreve a conduta, impondo a pena caso a conduta seja

praticada (proibição indireta).

Essa técnica legislativa foi desenvolvida por Karl Binding, chamada de teoria das normas, que diferencia

norma e lei. O ilícito viola a norma penal, que é o fundamento implícito da obrigatoriedade de não agir, mas não

viola a lei, pois age conforme ela descreve.

1. CLASSIFICAÇÃO.

As leis penais apresentam diversas classificações:

a) leis penais incriminadoras: criam crimes e cominam penas. É a parte especial do Código Penal, bem como

a legislação penal especial.

b) leis penais não-incriminadoras: não criam crimes nem cominam penas. Subdividem-se em:

Permissivas: são as causas de exclusão da ilicitude. Autorizam, permitem a prática das condutas

típicas (ex: CP, art. 23);

Exculpantes: estabelecem a não-culpabilidade ou impunidade de algumas condutas (ex: CP, art.

132, §3º, 1ª parte).

Interpretativas: esclarecem o conteúdo e o significado de outras leis (ex: CP, art. 327).

De aplicação, finais ou complementares: delimitam o campo de validade das leis incriminadoras

(CP, art. 2º).

Diretivas: estabelecem as diretrizes, os princípios aplicáveis a determinada matéria (ex: CP, art. 1º).

Integrativas ou de extensão: complementam a tipicidade no tocante ao nexo causal nos crimes

omissivos impróprios, tentativa e participação (ex: CP, art. 13, §2º).

c) leis penais completas ou perfeitas: apresentam todos os elementos da conduta criminosa (ex: CP, art.

157).

d) leis penais incompletas ou imperfeitas: reservam a complementação da definição da conduta criminosa a

outra lei, a um ato da Administração Pública (lei penal em branco) ou a um julgador (tipo penal aberto).

2. CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL.

Page 23: Apostila concurseiros

As principais particularidades de uma lei penal correspondem à exclusividade (só a lei pode criar

delitos), imperatividade (o seu descumprimento acarreta sanção), generalidade (imposta a todos, inclusive aos

inimputáveis), impessoalidade (projeta seus efeitos a fatos futuros, para qualquer pessoa) e anterioridade (só

podem ser aplicadas se em vigor na data do fato).

3. LEI PENAL EM BRANCO.

Para Franz Von Liszt, leis penais em branco são “corpos errantes em busca da alma”. Existem no mundo

jurídico, mas não podem ser aplicadas em face de sua incompletude.

Também chamada de lei cega ou aberta, reclama complementação em seu preceito primário, por lei ou ato

da Administração. Subdivide-se em:

a) lei penal em branco em sentido amplo (lato sensu) ou homogênea: o complemento tem a mesma

natureza jurídica e provém do mesmo órgão que elaborou a lei penal (ex: CP, art. 169, parágrafo único, I e CC, art.

1264).

b) lei penal em branco em sentido estrito (strictu sensu) ou heterogênea: o complemento tem natureza

jurídica diversa e emana de órgão distinto (Lei 11.343/06 e Portaria SVS/MS 344/1998).

c) lei penal em branco inversa ou ao avesso: neste caso, o preceito primário é completo, reclamando

complementação o preceito secundário da norma. Nesse caso, a complementação necessariamente deve vir de lei,

sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal (ex; Lei 2.889/56, art. 1º - Lei de Genocídio).

4. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL.

É a tarefa mental que procura estabelecer a vontade da lei, ou seja, o seu conteúdo e significado. A ciência

que disciplina esse estudo é a hermenêutica jurídica, através da prática de interpretação da lei chamada

de exegese. Alguns critérios são adotados para que se possa realizar a interpretação da lei:

4.1. Quanto ao sujeito que a realiza: autêntica, judicial ou doutrinária.

Cuida-se do responsável pela interpretação legal, classificando-a em:

a) autêntica: também chamada de legislativa, é aquela que se incumbe o próprio legislador, quando edita

uma lei com o propósito de esclarecer o alcance e significado de outra. Pode ser contextual ou posterior. Tem

eficácia retroativa, ainda que mais gravosa ao réu. Ex: conceito de funcionário público (CP, art. 327).

b) doutrinária: também chamada de científica, é exercida pelos doutos, escritores, doutrinadores do texto

legal. Não tem força obrigatória ou vinculante, pois não faz parte da estrutura legal (ex: Exposição de motivos do

CP).

c) judicial: ou jurisprudencial, é executada pelos membros do Poder Judiciário, aplicadores do direito, na

decisão dos litígios que lhe são submetidos. Sua reiteração constitui a jurisprudência. Em regra, não tem força

cogente, salvo no próprio caso concreto, onde faz coisa julgada, e em caso de súmula vinculante (CF, art. 103-A).

4.2. Quanto aos meios ou métodos: gramatical ou lógica.

Cuida-se dos meios de que se serve o intérprete para descobrir o significado da lei penal. Pode ser:

a) gramatical: também denominada literal ou sintática, é a que faz a acepção literal das palavras contidas no

texto normativo. Despreza quaisquer elementos não visíveis na singela leitura do texto legal.

Page 24: Apostila concurseiros

b) lógica: ou teleológica: é realizada com a finalidade de desvendar a genuína vontade manifestada na lei. O

intérprete serve-se de todos os elementos à sua disposição, para encontrar o objetivo original da norma penal,

quais sejam, histórico (evolução histórica da lei e do tema), sistemático (análise do sistema em que se

insere), direito comparado (tratamento do assunto em outros países) e elementos extrajurídicos (significados fora

do contexto do direito[1]).

4.3. Quanto ao resultado: declaratória, extensiva ou restritiva.

O resultado refere-se à conclusão extraída pelo intérprete.

a) declaratória: ou declarativa, ou, ainda, estrita: é aquela que resulta da perfeita sintonia entre o texto da

lei e sua vontade.

b) extensiva: é a que se destina a corrigir uma fórmula legal excessivamente estreita. Estende-se, amplia-se o

texto da lei para amoldá-lo à sua efetiva vontade.

Divergência doutrinária. Importante verificar que há divergência quanto à utilização da interpretação extensiva

em normas penais. A posição doutrinária consagrada entende que, por se tratar de mera atividade interpretativa, é

possível a sua utilização até mesmo em relação às normas incriminadoras (ex: CP, art. 159 – extorsão mediante

seqüestro - que abrange, em interpretação extensiva, o cárcere privado). Em concursos com tendência liberal,

razoável empregar posição favorável ao réu, não admitindo a interpretação extensiva ou analógica em normas

penais, inclusive, com decisão do STF a respeito (RHC 85.217/SP).

c) restritiva: é a que consiste na diminuição do alcance da lei, concluindo que a sua vontade ultrapassou a

finalidade precípua normativa, não necessitando de aplicação integral.

4.4. Interpretação Progressiva.

Também chamada de adaptativa ou evolutiva, é a que busca amoldar a lei à realidade atual. Evita

constantes reformas legislativas, acompanhando as mudanças sociais.

4.5. Interpretação Analógica.

Ou intra legem, é a que se verifica quando a lei contém em seu bojo uma fórmula casuística, seguida de uma

fórmula genérica. É necessária para possibilitar a aplicação da lei aos inúmeros e imprevisíveis casos que as

situações práticas podem apresentar.

5. ANALOGIA.

A analogia não se trata de interpretação da lei penal. É, na verdade, um meio de colmatação ou integração

normativa do ordenamento jurídico.

Também conhecida como integração analógica ou suplemento analógico, é a aplicação, ao caso não

previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante, sob o fundamento do axioma ubi eadem ratio ibi eadem

iuris dispositio (onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito). Somente podem ser utilizadas em normas

penais não-incriminadoras, em razão do princípio da reserva legal. Pode ser:

a) analogia in malam partem: é aquela pela qual aplica-se ao caso omisso uma lei maléfica ao réu,

disciplinadora de caso semelhante. Não é admitida em nosso ordenamento[2].

Page 25: Apostila concurseiros

b) analogia in bonam partem: é aquela pela qual se aplica ao casso omissivo uma lei semelhante, favorável

ao réu. É aplicável no ordenamento pátrio, salvo em casos de leis excepcionais, que não admitem analogia pelo

seu caráter extraordinário, de especialidade.

c) analogia legal ou legis: é aquela que se aplica ao caso omisso uma lei que trata de caso semelhante.

d) analogia jurídica ou juris: é aquela em que se aplica ao caso omisso um princípio geral do direito.

[1] Exemplificamos com o conceito de veneno, que não deve ser buscado no direito, mas no âmbito da química. [2] É o entendimento do STF e STJ. A título de curiosidade, o STF julgou atípica a conduta que praticava, em concurso, a cola eletrônica, face à falta de previsão legal e a impossibilidade de analogia in malan partem.

LEI PENAL NO TEMPO

Depois de cumprir todas as fases do processo legislativo previsto na Constituição Federal, a lei penal ingressa

no ordenamento jurídico e, assim como as demais leis, vigora até ser revogada por outro ato normativo de igual

natureza. Trata-se do princípio da continuidade das leis.

Salvo as leis excepcionais e as leis temporárias, todas as leis podem ser revogadas, ou seja, ter a sua vigência

retirada. Mas somente uma lei poderá revogar a outra. Os costumes, comportamentos reiterados aceitos pela

sociedade, não podem revogar leis. Nem mesmo as decisões judiciais. No caso de declaração de

inconstitucionalidade de uma lei por controle concentrado realizado pelo STF, a decisão limita-se a retirar a eficácia

da lei contrária ao texto constitucional, mas não a revoga.

Essa revogação, dependendo do seu alcance, pode ser absoluta (ab-rogação) ou parcial (derrogação). No

que tange ao modo, pode ser expressa (lei revoga outra lei mencionando expressamente), tácita (lei anterior se

revela incompatível com a lei nova) ou global (nova lei regula inteiramente a matéria da lei anterior, tornando-a

desnecessária).

Importante lembrar que, de acordo com as regras de hermenêutica, lei especial não revoga lei geral e lei geral

não revoga lei especial. São matérias diversas em diferentes âmbitos de atuação. Contudo, há de se verificar a

aplicabilidade da lei quando regulada por duas normas, de acordo com o princípio da especialidade.

1. CONFLITO DE LEIS PENAIS NO TEMPO. DIREITO PENAL INTERTEMPORAL.

Diante da possibilidade de a lei ser revogada, situações de conflito podem se instaurar. Surge, assim,

o direito penal intertemporal, para dirimir os problemas de aplicação da lei no tempo.

A regra geral é a aplicação da lei vigente quando da prática da conduta (tempus regit actum). Assim,

resguardam-se a reserva legal e a anterioridade da lei penal em cumprimento as diretrizes constitucionais.

Na hipótese da sucessão de leis penais que disciplinem a mesma matéria, total ou parcialmente, observando

que o fato foi praticado sob a égide da lei anterior, algumas situações excepcionais podem surgir:

1.1. Novatio Legis incriminadora.

É a lei que tipifica como infrações penais comportamentos até então considerados irrelevantes. Diante de

mandamento constitucional (CF, art. 5º, XL), a neocriminalização somente poderá atingir fatos ocorridos após a

sua entrada em vigor, não alcançando os fatos praticados anteriormente.

Page 26: Apostila concurseiros

1.2. Lei penal mais grave (Lex gravior).

É a que, de qualquer modo, implica em tratamento mais rigoroso às condutas já classificadas como infrações

penais, com aumento de pena, agravante, supressão de atenuante, aumento de prazo, etc. Por ser mais grave,

também só se aplica a fatos futuros, ou seja, após a sua entrada em vigor.

1.3. Abolitio criminis.

Abolitio criminis é a nova lei que exclui do âmbito do Direito Penal um fato até então considerado criminoso.

Prevista no CP, art. 2º, tem natureza jurídica de causa de extinção da punibilidade.

Alcança todos os efeitos penais da norma, revogando totalmente o preceito penal. Sobrevém, contudo, os

efeitos civis de eventual condenação.

1.4. Lex Mitior, novatio legis in mellius ou lei posterior benéfica.

É a que se verifica quando, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, o fato previsto como crime ou

contravenção penal tenha sido praticado na vigência de lei anterior, e o novel instrumento legislativo seja mais

vantajoso ao agente.

A retroatividade é automática, dispensando cláusula expressa e alcançando, inclusive, fatos já

definitivamente julgados.

A competência para a aplicação da Lex mitior bem como da abolitio criminis, é do órgão do Poder Judiciário

em que a ação penal estiver em trâmite[1].

Além da retroatividade, pode ocorrer também a ultratividade da lei benéfica, ou seja, quando o crime foi

praticado durante a vigência de uma lei, posteriormente revogada por outra prejudicial ao agente, subsistem os

efeitos da lei anterior, mais favorável.

1.5. Lei posterior e vacatio legis.

Durante o período de vacatio legis, a lei penal não poderá ser aplicada, ainda que favorável ao agente.

Enquanto não entrar em vigor, a lei penal não tem eficácia, sendo impossível a sua incidência no caso prático.

1.6. Lex tertia.

Também pode ocorrer o conflito entre duas leis penas sucessivas no tempo, cada uma com partes favoráveis

e desfavoráveis ao agente. Discute-se a possibilidade de o juiz aplicar uma combinação de leis, buscando a parte

favorável dos dispositivos, extraindo o máximo de benefício ao réu, ou seja, se seria possível a criação de uma lei

híbrida.

A doutrina se divide. Nelson Hungria, Heleno Cláudio Fragoso e Aníbal Bruno não admitem essa

possibilidade, ensinando que o membro do Poder Judiciário não pode legislar, pois violaria a regra constitucional

da separação dos Poderes. Já José Frederico Marques, Basileu Garcia, Damásio de Jesus, Magalhães Noronha

entendem que o juiz estaria apenas se movimentando dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração

normativa, perfeitamente legítima.

Historicamente, o STF sempre se posicionou pela impossibilidade da combinação, entendendo que a

extração de partes da norma alterariam por completo o espírito normativo intentado pelo legislador. Contudo,

rompendo com o entendimento da teoria da ponderação unitária, o STF chegou a decidir sobre a possibilidade de

Page 27: Apostila concurseiros

se combinar a aplicação de partes de dispositivos legais, filiando-se, desse modo, à teoria da ponderação

diferenciada. Mas essa posição não se firmou e logo o STF voltou a adotar a teoria da ponderação unitária ou

global, repelindo a combinação de leis sob o argumento de violação ao princípio da separação dos Poderes e da

reserva legal.

Esse também é o entendimento jurisprudencial do STJ. Em seara militar, o CPM proíbe expressamente a

combinação de lei (Decreto-Lei 1.001/1969, art. 2º, §2º).

1.7. Lei penal intermediária.

É possível, segundo entendimento firmado pelo STF, a aplicação de uma lei intermediária mais favorável ao

réu, ainda que não seja a lei em vigor quando da prática do delito e quando da sentença. Desde que seja mais

favorável ao agente e tenha sido vigente ao longo de todo o período pelo qual o crime se estendeu, será aplicável

ao agente.

2. LEI PENAL TEMPORÁRIA E LEI PENAL EXCEPCIONAL.

Lei penal temporária é aquela que tem a sua vigência predeterminada no tempo, isto é, o seu termo final é

explicitamente previsto em data certa pela norma.

A lei penal excepcional se verifica quando a sua duração está relacionada com situação própria, específica,

geralmente em momentos de anormalidade social.

Essas leis são autorrevogáveis, uma vez que são classificadas como leis intermitentes, basta que alcance o

termo final previsto (lei temporária) ou cesse a situação que ensejou a sua vigência (lei excepcional), alcançando

todos os fatos praticados enquanto esteve em vigência (ultratividade).

3. LEIS PENAIS EM BRANCO E O CONFLITO DE LEIS NO TEMPO.

Como já visto, lei penal em branco é aquela cujo preceito primário reclama complementação, de outra lei

ou ato da administração.

O problema surge ao saber se, uma vez alterado o complemento da lei penal em branco, após a sua

aplicação, deve operar-se a retroatividade. A doutrina se divide[2].

A despeito dos renomados doutrinadores, a questão parece simples, quando colocada em consonância com

o CP, art. 3º.

Assim, em situação de normalidade, a alteração do complemento da norma penal em branco favorecendo

ao réu modifica o tratamento penal dispensado ao caso, devendo retroagir. Exemplo do crime de porte de drogas,

cujas drogas são descritas pelo Ministério da Saúde. Se, após o delito, a substância deixa de ser considerada como

ilegal, opera-se a retroatividade, uma vez que não havia situação de anormalidade e o mesmo fato, ocorrido

atualmente, não seria considerado delito.

Contudo, quando o complemento da norma penal em branco se insere em uma situação de anormalidade,

de excepcionalidade, a sua modificação, ainda que benéfica, não pode retroagir, uma vez que ocorrerá a

ultratividade da lei excepcional. Exemplo do caso onde o comerciante comete crime contra a economia popular

por transgredir tabelas oficiais de mercadorias.

Esse é o entendimento do STF lançado na análise de caso relativo ao art. 269 do CP, por ter ocorrido

alteração na relação de doenças de notificação compulsória pelo médico.

Page 28: Apostila concurseiros

[1] STF. Súmula 611. Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna. [2] Basileu Garcia é favorável à retroatividade e Magalhães Noronha e José Frederico Marques, oposição.

CONFLITO APARENTE DE LEIS PENAIS

O conflito aparente de leis penais ocorre quando a um único fato se revela possível, em tese, aplicar dois ou

mais tipos legais, ambos oriundos de lei hierarquicamente equiparadas e originárias da mesma fonte de produção,

e em vigor ao tempo da prática da infração penal.

Despontam-se diversos tipos legais aplicáveis ao caso concreto, com a existência de apenas um fato punível.

Outrossim, o conflito é apenas aparente, pois desaparece com a correta interpretação da lei penal, com a utilização

dos princípios adequados.

Os requisitos para a sua caracterização são: unidade de fato, pluralidade de leis penais e vigência simultânea

de todas elas.

O objetivo de se solucionar o conflito de leis penais dedica-se a manter a coerência sistemática do

ordenamento jurídico, preservando a vedação do bis in idem.

1. PRINCÍPIOS PARA A SOLUÇÃO DO CONFLITO.

Em geral, a doutrina indica quatro princípios para a solução do tema em comento:

1.1. Princípio da Especialidade.

Originário do Direito Romano, é aceito de forma unânime. Assim, a lei especial, que possui sentido

diferenciado, particularizado, prevalece sobre a lei geral (Lex specialis derogat generali). A lei contém todos os

dados típicos de uma lei geral e mais alguns, denominados especializantes, o que a torna aplicável em detrimento à

lei geral.

A aplicação da lei penal especializada não se faz em comparação à gravidade da sanção, ou seja, não será

aplicável a lei mais branda, pois o conflito não é temporal, mas sim com relação à aplicação de duas leis vigentes ao

tempo de uma única conduta.

1.2. Princípio da Subsidiariedade.

Esse princípio estabelece que a lei primária tem prioridade sobre a lei subsidiária (Lex primaria derogat

subsidiarie). Há subsidiariedade quando a lei disciplina de modo diverso, em estágios ou graus diferentes, o

mesmo bem jurídico, de forma que a lei primária, por ser mais ampla e dotada de maior gravidade, engloba a

menos ampla, contida da subsidiária, cuja aplicação fica condicionada à incidência ou não do fato na lei primária.

É o exemplo do crime de roubo, que contém em seu tipo primário os delitos de ameaça e furto, que, de

maneira secundária, somente serão aplicados no caso de o fato não configurar o roubo, atuando como “soldado de

reserva”.

A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita. Será expressa (ou explícita) quando a própria lei declarar

formalmente a subsidiariedade da norma, com expressões como “se o fato não constituir crime mais grave”, etc.

Será tácita (ou implícita) quando a lei residual não condiciona a sua aplicação, verificada através da analise

interpretativa do caso concreto, a exemplo do constrangimento ilegal, subsidiário diante do crime de estupro.

Page 29: Apostila concurseiros

1.3. Princípio da Consunção (ou da absorção).

De acordo com esse princípio, o fato mais amplo e grave consome, absorve os demais fatos, menos amplos e

graves. Aplica-se o brocardo lex consumens derogat consumptae, ou seja, a lei consuntiva prefere a lei consumida.

Funda-se na ideia de que o bem jurídico resguardado pela lei penal menos vasta já está protegido pela lei

penal mais ampla, tornando os atos delituosos da lei penal menos grave apenas atos preparatórios da mais grave.

Esse princípio se aplica em quatro situações: crime complexo, crime progressivo, progressão criminosa e atos

impuníveis.

a) crime complexo: também chamado de crime composto, é a modalidade que resulta da fusão de dois ou

mais crimes, que passam a desempenhar a função de elementares ou circunstancias daquele, a exemplo do roubo,

que é o resultado da junção de furto e ameaça.

b) crime progressivo: é o que se opera quando o agente, almejando desde o início alcançar o resultado mais

grave, pratica, mediante a reiteração de atos, crescentes violações ao bem jurídico. O ato final consome os

anteriores, denominados “crimes de ação de passagem”.

c) progressão criminosa: dá-se quando o agente pretende inicialmente produzir um resultado e, depois de

alcançá-lo, opta por prosseguir na prática ilícita e reinicia outra conduta, produzindo um evento mais grave. O

sujeito é guiado por uma pluralidade de desígnios, com alteração em seu dolo, destacando-se uma crescente lesão

ao bem jurídico.

d) atos impuníveis: são divididos em três grupos: anteriores, simultâneos e posteriores, todos previstos

como infrações penais, onde o agente os realiza em virtude de uma única finalidade, qual seja, praticar o fato

principal. Os atos anteriores funcionam como meio de execução do tipo principal, ficando por estes absorvidos,

desde que seja de menor ou igual gravidade que o delito principal[1]. Os atos concomitantes também são

consumidos pelo fato principal, pois são a essência da realização deste. Por fim, os fatos posteriores, são

considerados meros exaurimentos dos delitos, também absorvidos pela conduta principal.

Fatos anteriores e posteriores impuníveis e o crime conexo. A palavra conexão é utilizada para definir o elo

objetivo ou subjetivo entre duas ou mais infrações penais. Pode ser teleológica, quando o crime é praticado para

assegurar a execução de outro, ou consequencial, praticado para garantir a ocultação, impunidade ou vantagem do

delito anterior. Os fatos anteriores e posteriores não puníveis não constituem, por si só, delitos autônomos. São

penalmente tipificados, contudo, encontram na norma penal, abrangência maior em outra tipificação.

Assim, os fatos anteriores e posteriores impuníveis são consequências lógicas da prática do delito-fim, diferente

da conexão, cuja prática de outros delitos independem da finalidade intentada, restando concurso material de

delitos.

1.4. Princípio da Alternatividade.

Define-se com a situação em que duas ou mais disposições legais se repetem diante do mesmo fato. Por esse

princípio, a aplicação de uma norma a um fato exclui a aplicabilidade de outra que também o prevê como delito.

Relevante parcela da doutrina entende inaplicável esse princípio, posto que estaria sua função vazia diante

da aplicação do princípio da consunção. Entendem ainda que a alternatividade seria a consunção

instrumentalizada dentro de um mesmo tipo penal, entre condutas integrantes de leis de conteúdo variado,

alternativo ou de ação múltipla.

Page 30: Apostila concurseiros

2. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.

O Código Penal não disciplinou expressamente o conflito aparente de leis penais. Seria oportuno que o tema

fosse desenvolvido expressamente pelo legislador ordinário, a fim de solucionar problemas com a taxatividade de

regras sistemáticas, possibilitando a segurança jurídica em tamanhas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.

[1] Há equívoco técnico no STJ, Súmula 17 (QUANDO O FALSO SE EXAURE NO ESTELIONATO, SEM MAIS POTENCIALIDADE LESIVA, É POR ESTE ABSORVIDO), uma vez que o delito de falsificação, constante do CP, art. 267, §2º, é mais grave que o delito de estelionato, não podendo ser por ele absorvido. Há um óbvio concurso material de delitos, devendo a súmula, em seu rigor científico, ser rejeitada, restando aplicável somente por questões de política criminal, aproximando cada vez mais este tipo penal da seara civil.

TEMPO DO CRIME

Para que se faça a correta aplicação da lei penal é necessária a identificação do momento em que se

considera praticado o crime. Três teorias buscam explicar o momento em que o delito se praticou:

a) Teoria da Atividade: por essa teoria, considera-se praticado o crime no momento da conduta (ação ou

omissão), pouco importando o momento do resultado.

É a teoria adotada pelo ordenamento penal brasileiro. CP, art. 4º.

b) Teoria do Resultado (ou do Evento): reputa praticado o crime no momento em que ocorre a

consumação, sendo irrelevante a ocasião da conduta. É a teoria adotada pelo Código Penal em tema de prescrição,

conforme art. 111, I.

c) Teoria Mista (ou da Ubiquidade): busca conciliar as teorias anteriores. Para ela, o momento do

crime tanto é o da conduta quanto do resultado.

Diante da aplicação da Teoria da Atividade em nossa legislação pátria, algumas relevantes consequências

decorrem:

Aplica-se a lei em vigor ao tempo da conduta, salvo se a lei em vigor ao tempo do resultado for mais

benéfica;

A Imputabilidade é apurada ao tempo da conduta;

Em crime permanente, onde a conduta se arraste pelo período de vigência de duas leis, aplica-se a lei

vigente no momento em que cessam os atos delitivos, ainda que maléfica, posto que a violação ao

bem jurídico continuou ocorrendo quando “lex gravior” entrou em vigor;

Também ocorre como acima em casos de crime continuado, desde que sob a vigência da lei que

agrave a situação do agente, seja praticada ao menos uma conduta[1];

No crime habitual em que haja sucessão de leis, deve ser aplicada a lei nova, ainda que mais severa,

uma vez que o agente insiste em reiterar a conduta criminosa. PE

LEI PENAL NO ESPAÇO

ESPAÇO O Código Penal Brasileiro limita o campo de validade da lei penal com observância de dois vetores

fundamentais: a territorialidade e a extraterritorialidade. Com base neles, estabelecem-se princípios que buscam

solucionar conflitos de leis penais no espaço.

Page 31: Apostila concurseiros

Regra geral, adota-se o princípio da territorialidade (CP, art. 5º), excepcionalmente admitindo-se a aplicação

da extraterritorialidade (personalidade, domicílio, defesa, justiça universal e representação), o que chamamos

de territorialidade temperada (ou mitigada). Essa matéria relaciona-se com o Direito Penal Internacional, ramo do

Direito Internacional Público que estabelece regras de determinação da lei penal aplicável na hipótese de a

conduta criminosa violar o sistema jurídico de mais de um país.

1. PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE.

Trata-se da principal forma de delimitação do espaço geopolítico de validade da lei penal na relação entre

Estados Soberanos. A soberania do Estado fundamenta o exercício da competência de todos os crimes praticados

em seu território, com base no princípio da igualdade soberana de todos os membros da comunidade internacional

(ONU, art. 2º, §1º).

Aplica-se a lei brasileira a todos os delitos práticos em território nacional, admitindo-se exceções em casos de

extraterritorialidade. Assim, denota-se que o Código Penal adotou o sistema da territorialidade

temperada ou mitigada.

Território é o espaço que o Estado exerce a sua soberania política (CP, art. 5º). Nos termos do CP, art. 5º,

§1º, aplica-se também a lei brasileira em crimes cometidos em territórios brasileiros por extensão.

2. PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE.

A regra geral adotada pelo ordenamento pátrio é a territorialidade. Contudo, exceção se faz pela adoção da

extraterritorialidade, com a aplicação dos princípios que seguem:

2.1. Princípio da Personalidade (ou da nacionalidade).

Autoriza a submissão à lei brasileira dos crimes praticados por brasileiro (personalidade ativa), ou contra

brasileiro (personalidade passiva), em território estrangeiro.

De acordo com a personalidade ativa, o agente brasileiro é punido de acordo com a lei brasileira,

independentemente da nacionalidade da vítima ou do bem jurídico protegido (art. 7º, II, “b”). Em casos

de personalidade passiva, restará aplicável a lei brasileira quando a vítima é brasileira. O autor do delito que se

encontrar em território nacional será julgado de acordo com a lei penal brasileira (art. 7º, §3º).

2.2. Princípio do Domicílio.

De acordo com esse princípio, o autor do crime deve ser julgado em consonância com a lei do país em que

for domiciliado, pouco importando a sua nacionalidade (art. 7º, I, “d”).

2.3. Princípio da Defesa, Real ou da Proteção.

Permite submeter à lei brasileira os crimes praticados no estrangeiro que ofendam bens jurídicos

pertencentes ao Brasil, qualquer que seja a nacionalidade do agente e o local do delito (art. 7º, I, “a”, “b” e “c”).

2.4. Princípio da Justiça Universal[2].

Page 32: Apostila concurseiros

Característico da cooperação penal internacional, permite a punição dos autos de delitos cujos Estados se

comprometeram a reprimir, em tratados ou convenções, pouco importando a nacionalidade do agente, o local do

crime ou o bem atingido (art. 7º, II, “a”).

2.5. Princípio da Representação.

Também denominado princípio do pavilhão, da bandeira ou da substituição, permite aplicar a lei brasileira

aos crimes cometidos em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedades privadas quando

estiverem em território estrangeiro e aí não sejam julgados (art. 7º, II, “c”).

E se a aeronave ou embarcação brasileira for pública ou estiver a serviço do governo brasileiro? Aqui não

incide o princípio da representação, mas sim o da territorialidade, constituindo território nacional por extensão

(art. 5º, §1º).

O que se entende por "passagem inocente"? Esse instituto, previsto na Lei 8.617/93, disciplina uma exceção à

aplicação do princípio da territorialidade no Direito Penal. Trata-se de um instituto jurídico próprio do Direito

Internacional Marítimo que permite a uma embarcação de propriedade privada, de qualquer nacionalidade, o

direito de atravessar o território de uma nação, com a condição de não ameaçar ou perturbar a paz, a ordem e a

segurança do Estado costeiro. Todos os crimes cometidos a bordo dessa embarcação, desde que não envolva

brasileiros, deverão ser tratados como se aqui não estivesse.

[1] STF. Súmula 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. [2] Esse princípio é também conhecido como princípio da justiça cosmopolita, da competência universal, da jurisdição universal, da jurisdição mundial, da repressão mundial ou da universalidade do direito de punir.

LUGAR DO CRIME

Assim como a busca por encontrar o momento certo do crime, visando a correta aplicação da lei penal,

também se faz necessária a identificação do lugar onde o delito ocorreu, para que se verifique a lei a ser aplicada

ao crime. Várias teorias buscam estabelecer o correto lugar do crime, com destaque para três:

a) Teoria da Atividade (ou da ação): lugar do crime é aquele em que foi praticada a conduta (ação ou

omissão).

b) Teoria do Resultado (ou do evento): lugar do crime é aquele em que se produziu ou deveria produzir-se

o resultado, pouco importando o local da prática da conduta.

c) Teoria Mista (ou da Ubiquidade): para essa teoria, lugar do crime é tanto aquele em que foi praticada a

conduta quanto aquele em que se produziu ou deveria produzir-se o resultado. É a união da atividade com o

resultado.

É a teoria adotada pelo Código Penal, art. 6º[1].

A discussão acerca do local do crime somente tem relevância nos delitos que envolvem pluralidade de

países, ou seja, nos crimes à distância, onde a conduta é praticada em um país e o delito em outro.

De acordo com a teoria adotada pelo legislação pátria, basta que um único ato executório atinja o território

nacional para que seja cabível a aplicação da lei penal brasileira.

Contudo, essa teoria comporta algumas exceções:

Page 33: Apostila concurseiros

Crimes Conexos: são aqueles que estão relacionados entre si. Não comportam a ubiquidade por não

constituírem unidade jurídica. Cada delito será julgado no local em que foi cometido.

Crimes Plurilocais: são aqueles em que a conduta e o resultado ocorrem em comarcas diversas, mas

no mesmo país. Somente importa para fins de competência processual, cuja aplicação do CPP, art. 70

soluciona a questão[2].

Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo: a Lei 9.099/95, art. 63, determina a aplicação da teoria

da atividade nesses casos.

Crimes Falimentares: nos termos da Lei 11.101/05, art. 183, será competente o foro do local em que

foi decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação

judicial.

Atos Infracionais: para os crimes ou contravenções penais praticados por crianças ou adolescentes,

será competente a autoridade do lugar da ação ou omissão, conforme ensina o ECA (Lei 8.069/90), art.

147, §1º.

EXTRATERRITORIALIDADE

Trata-se da aplicação da lei penal brasileira aos crimes[3] cometidos no exterior. Justifica-se pelo fato de o

Brasil ter adotado, pela aplicação da lei penal no espaço, o princípio da territorialidade temperada (ou mitigada),

que autoriza, excepcionalmente, a incidência da legislação penal brasileira aos crimes praticados fora do território

nacional.

A extraterritorialidade pode ser condicionada ou incondicionada.

a) Extraterritorialidade Incondicionada: a aplicação da lei brasileira não está sujeita a nenhuma condição.

Conforme determinação legal, a mera prática do crime em território estrangeiro autoriza a aplicação da lei penal

brasileira, independente de qualquer outro requisito, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. As

hipóteses estão previstas no CP, art. 7º, §1º.

Observe-se que o art. 8º veda a incidência do bis in idem. Importante lembrar, também, que a Lei 9.455/97

(Lei de Tortura) também estabeleceu mais uma hipótese de extraterritorialidade incondicionada.

b) Extraterritorialidade Condicionada: aplica-se a lei brasileira aos crimes cometidos no estrangeiro, desde

que preenchidos os requisitos legais previstos no art. 7º, II e 3º, CP. Os requisitos para a aplicação, previstos no

§2º, são cumulativos.

Calha anotar aqui que, em caso de crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil, exige-se,

ainda, que a extradição do estrangeiro não tenha sido pedida, ou, se pedida, ter sido negada; e que haja requisição

do Ministro da Justiça, para que o estrangeiro cumpra pena em território nacional.

[1] Para uma fácil assimilação das teorias adotadas, basta utilizar o termo “LUTA”. Assim, Lugar=Ubiquidade e Tempo=Atividade. [2] O CPP determina a competência do juízo pelo lugar onde se consumar a infração, ou onde ocorrer o ultimo ato executório. Em casos de crimes dolosos contra a vida, contudo, aplica-se a teoria da atividade, entendimento pacífico na jurisprudência em razão de facilitar a apuração de evidências do delito, tribunal do júri local, etc., com base no princípio da verdade real, informador do Processo Penal. [3] De acordo com a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41), art. 2º, não se admite a aplicação de lei brasileira em contravenções cometidas no exterior.

Page 34: Apostila concurseiros

LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS

Diante da relativização da teoria adotada pelo Brasil quanto à Lei penal aplicável no espaço, a territorialidade

temperada (ou mitigada) permite que, por meio de tratados, convenções e outras regras de direito internacional,

criem imunidades na aplicação da lei penal, chamadas de imunidades diplomáticas e de chefes de governos

estrangeiros. E até mesmo as regras constitucionais instituíram as imunidades parlamentares.

1. IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS E DE CHEFES DE GOVERNOS ESTRANGEIROS.

Em função de garantir os meios necessários para que os representantes diplomáticos dos países, bem como

seus chefes de governo, desempenhem satisfatoriamente seus papéis, permite-se um tratamento especial a essas

pessoas, quão mais em atos ilícitos por eles praticados. Fundam-se no princípio da reciprocidade, não violando o

princípio da isonomia, pois a imunidade é dada ao cargo e não à pessoa.

A Convenção de Viena, incorporada à legislação pátria pelo Decreto 56.435/65, assegura ao diplomata (e a

seus familiares) a imunidade de jurisdição penal, sujeitando-o à jurisdição do Estado que representa, abrangendo

toda e qualquer espécie de delito.

Essa imunidade é irrenunciável, salvo quando feita pelo “Estado acreditante”, conforme entendimento do

STF. As imunidades não se aplicam aos funcionários particulares, ainda que oriundos dos Estados representados.

Aos Cônsules, por serem indicados para a realização de determinadas funções, têm a imunidade limitada aos atos

de ofício.

As sedes diplomáticas não admitem qualquer tipo de medida de execução de natureza penal, como busca,

apreensão, embargo, etc. No que cerne às sedes de embaixadas, malgrado opiniões em contrário, não são

extensões do território estrangeiro, são apenas locais comuns, considerados territórios nacionais, com alguns

privilégios em razão de tratados e concessões recíprocas.

2. IMUNIDADES PARLAMENTARES.

Esse tema encontra melhor aparato em Direito Constitucional. Contudo, sua sistemática produz reflexos na

aplicação da lei penal, o que justifica o nosso estudo.

O Poder Legislativo, constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, em âmbito nacional, tem suas

funções determinadas pela CF, art. 44 e seguintes, onde, precipuamente, importam na atividade legislativa e na

função fiscalizadora do Poder Executivo. Como representantes do povo e dos Estados, respectivamente,

necessitam de uma série de direitos, deveres e, claro, algumas prerrogativas para o desempenho de suas funções.

O Estatuto dos Congressistas, responsável por disciplinar as questões aludidas, produzem importante

relevância na aplicação da lei, notadamente no que cerne às imunidades parlamentares e a lei penal.

Assim, imunidades parlamentares são prerrogativas ou garantias inerentes ao exercício do mandato

parlamentar, preservando-se a instituição de ingerências externas. Prevista pela CF, art. 53, subdivide-se em

imunidade absoluta (material, real, substantiva ou inviolabilidade) e imunidade processual (formal, adjetiva ou

propriamente dita).

2.1. Imunidade Absoluta (material ou inviolabilidade).

Page 35: Apostila concurseiros

Essa imunidade protege o parlamentar em suas opiniões, palavras, votos, desde que relacionadas às suas

funções, conexas aos seus interesses constitucionais, em qualquer lugar que forem proferidas. CF, art. 53, caput.

Natureza Jurídica da imunidade. Surge uma enorme discussão doutrinária acerca da natureza jurídica da

imunidade material. Não obstante diversos posicionamentos interessantíssimos[1], o STF tem considerado a

manifestação parlamentar, nas hipóteses abrangidas pela inviolabilidade, como fato atípico.

2.2. Imunidade Formal (processual ou imunidade propriamente dita).

Essa imunidade envolve a disciplina da prisão e do processo contra o parlamentar. CF, art. 53, §§1º a 5º.

a) Imunidade formal para a prisão: regra geral, os parlamentares não poderão ser presos, seja qual for a

prisão, em qualquer de suas modalidades. O STF denomina essa imunidade de “relativa incoercibilidade pessoal”

dos congressistas. A única exceção admitida é a hipótese de prisão em flagrante por crime inafiançável. CF, art. 53,

§2º.

b) Imunidade formal para o processo: há necessidade de prévia licença da casa para a instauração da ação

penal contra parlamentar. O STF entende que essa regra não se aplica aos processos em curso. Importante notar,

também, que não há necessidade de comunicação em casos de crimes praticados antes da diplomação. Em casos

de crime praticado em concurso com agente não congressista, o processo deve ser desmembrado, em razão da

prescrição diferenciada que abrange o parlamentar. CF, art. 53, §§3º a 5º.

2.3. Pessoas abrangidas pela imunidade.

As imunidades em comento abrangem os Deputados Federais e Senadores. Não são extensíveis aos

suplentes, pois estes não estão em exercício, e a imunidade não é pessoal, mas funcional.

São extensíveis aos Deputados Estaduais, conforme CF, art. 27, §1º. Com relação ao Poder Legislativo

Municipal, a CF determina, em seu art. 29, III, que os municípios serão regidos por Lei Orgânica, que deverá

obedecer, entre outras regras, a inviolabilidade. Contudo, não há imunidade formal ou processual para os

vereadores, ou de foro por prerrogativa de função, diante da legislação não poder prever tais garantias.

2.4. Suspensão e renúncia da imunidade.

Como a imunidade parlamentar é funcional, objetivando somente o desempenho da função técnico-

legislativa ou fiscalizadora do Poder Executivo, os parlamentares afastados para o exercício de outros cargos não

mantêm as imunidades. O STF entende que a CF, ao dispor no art. 56 que o parlamentar “não perderá o mandato”,

supõe que o mandato não está em exercício, quando o congressista se afasta para desempenhar outra função.

Assim também não é possível que o parlamentar renuncie a essas prerrogativas.

2.5. Imunidades e Estado de Sítio.

Conforme art. 53, §8º, as imunidades subsistirão durante o Estado de Sítio, somente suspensas em crimes

cometidos fora do Congresso, incompatíveis com a medida especial, e após votação de 2/3 dos membros da Casa

respectiva.

Insta salientar que, se o crime foi cometido no recinto do Congresso, a imunidade é absoluta, conforme CF,

art. 139, parágrafo único.

Page 36: Apostila concurseiros

DISPOSIÇÕES FINAIS SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI PENAL

O Código Penal, em seus artigos 9º, 10 e 11, apresenta as disposições finais sobre a aplicação da lei penal,

discorrendo acerca da eficácia de sentença estrangeira, contagem de prazo de natureza penal, frações não

computáveis da pena e aplicação da legislação penal especial. Vejamos cada uma dessas hipóteses:

1. EFICÁCIA DE SENTENÇA ESTRANGEIRA.

A sentença judicial, emanada de Poder Constituído do Estado, é o ato representativo de sua soberania. Para

que seja valorada a sua autoridade de modo eficaz, a sentença deve ser executada, em regra, no país em que foi

proferida.

Contudo, os delitos não se adstringem aos limites fronteiriços de um Estado, devendo, portanto, haver uma

comunhão de atos de soberania das nações, a fim de reprimir a conduta contrária às leis sociais. Desse modo, o

Estado homologa a sentença penal estrangeira, mediante procedimento constitucionalmente previsto, a fim de

constituí-la em título executivo com validade no território nacional.

A competência para a homologação da sentença estrangeira e a concessão do exequatur às cartas rogatórias

é do STJ, conforme CF, art. 105, I, “i”.

2. CONTAGEM DE PRAZO.

O dispositivo legal do CP, art. 10, contém duas partes:

A primeira parte que discorre sobre o prazo. Prazo é o intervalo de tempo dentro do qual se estabelece a

prática de determinado ato. Deve ser calculado entre dois termos, o inicial (a quo) e o final (ad quem). Qualquer

que seja a fração do dia do começo, é contado como um dia inteiro.

Os prazos de natureza penal são improrrogáveis, portanto, caindo em dias não úteis, devem ser cumpridos

no dia útil anterior. Mas a impossibilidade de prorrogação não impede a suspensão ou interrupção da contagem

dos prazos. Essa contagem em sede penal diverge da contagem de prazos processuais penais, cujo cômputo se dá

excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento.

Importante notar que o prazo deve favorecer o réu. Em sede penal, mais benéfico é iniciar-se a contagem o

quanto antes, para fins de prescrição, término da pena mais cedo, etc. em sede processual, melhor que se demore,

pois o réu terá mais tempo para se defender. O prazo sempre terá natureza penal quando guardar pertinência com

o jus puniendi do Estado, ainda que esteja previsto no Código de Processo Penal.

A segunda parte disciplina o modo de contagem e o calendário comum, também chamado gregoriano, que

conceitua dia como o hiato temporal entre o dia e a noite.

Assim, por esse calendário, os meses são calculados em consonância com o número correspondente do mês

seguinte, e não como período de trinta dias. O ano é contado até o mesmo mês do não seguinte, terminando às 24

horas da véspera do dia idêntico ao início.

3. FRAÇÕES NÃO COMPUTÁVEIS NA PENA.

Conforme determinado pelo CP, art. 11, desprezam-se as frações de dia nas penas privativas de liberdade e

restritivas de direitos e as frações de cruzeiro na pena de multa.

Page 37: Apostila concurseiros

Frações são as partes que compõe um inteiro. As frações de dias são as horas. Estas devem ser desprezadas

numa eventual contagem onde se totaliza a pena de 10 dias + 1/3 = 13 dias, e não 13,33 dias. A mesma

correspondência ocorre com a pena de multa. 10 dias-multa + 1/3= 13 dias-multa.

4. LEGISLAÇÃO ESPECIAL.

O CP, em seu art. 12, acolheu o princípio da convivência das esferas autônomas, segundo o qual as regras

gerais do CP convivem em sintonia com as regras previstas na legislação especial. Contudo, havendo algum

preceito geral na lei especial, prevalece esta sobre a lei geral, devido ao seu caráter específico, próprio, especial

sobre o tema que disciplina.

[1] Celso Ribeiro Bastos entende ser causa de atipicidade. Nelson Hungria, José Afonso da Silva e Pontes de Miranda: causa excludente de crime. Basileu Garcia: causa que se opõe à formação do crime. Aníbal Bruno: causa pessoal e funcional de isenção de pena. Heleno Cláudio Fragoso: causa de irresponsabilidade.

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T E O R I A G E R A L D O C R I M E NOÇÕES INTRODUTÓRIAS. 1. Conceito de Crime. 2. Ilícito Penal e Outros Ilícitos. 3. Sujeitos do Crime. 4. Objetos do Crime. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES.

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1. CONCEITO DE CRIME.

O conceito de crime é o ponto de partida para a compreensão dos principais institutos do Direito Penal.

Aparentemente simples, sua definição pormenorizada apresenta questões complexas com várias consequências ao

seu estudo. Enfim, a análise do conceito de crime pode ser feita através de três aspectos:

1.1. Critério Material (ou Substancial).

De acordo com esse critério, crime é toda ação ou omissão humana que lesa, ou expõe a perigo de lesão,

bem jurídico penalmente tutelado. Refere-se à materialização da conduta, ou seja, a prática delituosa deve, ao

menos, expor materialmente a perigo bem protegido.

Essa fórmula leva em conta a relevância do mal produzido aos interesses e valores selecionados pelo

legislador, servindo como fator de legitimação do Direito Penal, justificando a sanção, num Estado Democrático de

Direito.

1.2. Critério Legal.

Nesse critério, o conceito de crime é fornecido pelo legislador. Ante a inexistência de conceito no Código

Penal, tal tarefa ficou a cargo da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº 3.914/1941), em seu art. 1º.

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer

isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a

lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.

Cuida-se, deste modo, da espécie de gênero de infração penal, diferenciando crime e contravenção quanto à

gravidade da sanção, mediante valores escolhidos pelo legislador.

O Direito Penal acolheu um sistema dicotômico ao fracionar o gênero infração penal em duas

espécies: crime e contravenção penal, diferenciando-os apenas com relação à gravidade do mal causado e a

proporcional sanção penal imposta pela conduta.

Os termos crime e delito são equivalentes, ambos correspondem à espécie de infração penal, cuja violação do

bem jurídico é de maior gravidade.

E art. 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas)? Diante da definição do crime previsto no art. 28 da Lei de

Drogas, algumas discussões surgiram a respeito, atinente à natureza jurídica do ato de consumo, pois, não há

previsão de pena de reclusão ou detenção (não seria crime), e nem mesmo de prisão simples (também não seria

contravenção).

A imposição de advertência sobre os efeitos da droga e medida educativa cria dúvidas quanto à pena imposta,

e a sua classificação no conceito de infração penal. Há entendimentos no sentido de que, não sendo crime nem

contravenção, seria então uma espécie de infração penal "sui generis"[1].

Um segundo posicionamento, mais acertado, sustenta a manutenção do caráter criminoso da conduta, com a

cominação das penas previstas em lei.[2] Argumenta-se, nesse pensamento, que a lei, ao tratar do tema,

classificou a conduta como crime; que o processo e o julgamento devem observar o rito do Jecrim (Lei 9.099/95);

que a finalidade da LICP era apenas diferenciar crime de contravenção; e também determinou a aplicação das

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regras de prescrição do art. 107 reservada às infrações penais; e, por fim, não existiam penas alternativas quando

foi editada a LICP.

O entendimento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, com argumentos semelhantes à última posição,

decidiu não ter havido a descriminalização da conduta, ou seja, existe crime, mas o que ocorreu foi apenas uma

despenalização, diante da supressão da pena privativa de liberdade. Rejeitou-se o entendimento doutrinário de

que seria infração "sui generis", diante dos problemas que poderiam advir desse conceito, tal como a dificuldade

de verificação do regime jurídico da conduta.

Assim, surge uma nova questão: o art. 28 da Lei de Drogas criou uma nova espécie de crime? Não! A LICP

apenas adotou um critério genérico de crime, estabelecendo uma diferenciação entre crime e infração penal. Mas

trata-se de lei ordinária, que pode ser alterada por outra lei, bem como haver o surgimento de novos critérios. O

que a Lei 11.343/2006 criou foi apenas um novo conceito para o crime de posse de drogas para consumo pessoal,

estabelecendo uma sanção diferenciada em razão da violação do bem jurídico penalmente tutelado e sua

relevância social.

1.3. Critério Analítico.

Também chamado de critério formal ou dogmático, funda-se nos elementos que compõe a estrutura do

crime. Sobre essa estrutura, novas divergências insurgem:

Basileu Garcia sustentava uma posição quadripartida na estrutura do crime, ou seja, seria o crime composto

por quatro elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Essa posição é claramente minoritária e

deve ser afastada, pois punibilidade trata-se da consequência da prática do ilícito penal. É possível a existência de

crime ainda que o agente não seja punível.

Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado, entre outros,

adotam uma posição tripartida, compondo o crime: fato típico, ilicitude e culpabilidade[3].

Outros, como Damásio de Jesus, Julio F. Mirabete, entre outros, entendem o crime numa posição bipartida,

composto de fato típico e ilícito. A culpabilidade, nessa teoria, seria um mero pressuposto para aplicação da pena.

Qual o critério adotado pelo Código Penal? Em verdade, não há uma resposta segura para a questão. A

redação original do Código Penal de 1940 acolhia um conceito tripartido, entendendo o crime como fato típico,

ilícito e culpável. Com a reforma da parte geral do código, com a Lei 7.209/1984, fica a impressão de ter sido

adotado um conceito bipartido, ligado, obrigatoriamente, à teoria finalista da conduta.

Entende-se bipartida a estrutura do crime, pois, o título II da parte geral do CP trata: “do crime” e o título III

trata “da imputabilidade penal”. Assim, a imputabilidade segue o crime, sendo um elemento do fato típico e

ilícito. O crime existe, ainda que não haja culpabilidade. Ao tratar das causas de exclusão de ilicitude, o Código

Penal fala “não há crime”. Ao relacionar-se às causas de exclusão da culpabilidade, o Código Penal fala “é isento de

pena”, ou seja, há crime, mas não se aplica a pena.

Também o art. 180, §4º do CP preceitua “a receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o

autor do crime”. Assim, há crime, ainda que não seja o autor culpável, tornando desnecessária a existência da

culpabilidade para a caracterização de crime.

2. ILÍCITO PENAL E OUTROS ILÍCITOS.

Ilicitude é a relação de contrariedade entre o fato praticado por alguém e o ordenamento jurídico. Assim,

há ilícitos penal, administrativo, tributário, civil, ambiental.

O critério para a distinção do ilícito penal dos demais é meramente político, de acordo com a gravidade e a

relevância da conduta praticada, bem como a importância do bem jurídico tutelado.

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Assim, o Direito Penal deve preocupar-se apenas com os interesses mais importantes para o

desenvolvimento e manutenção do indivíduo em sociedade, deixando os demais ilícitos sob o crivo dos outros

ramos do Direito (princípio da fragmentariedade).

3. SUJEITOS DO CRIME.

Sujeitos do crime são as pessoas ou entes relacionados à prática e aos efeitos da empreitada criminosa.

Dividem-se em sujeito ativo e passivo.

3.1. Sujeito Ativo.

É a pessoa que realiza, direta ou indiretamente, a conduta criminosa, seja isoladamente ou em concurso

com outras.

A realização do crime, diretamente, dá-se através do autor e coautor. De maneira indireta, temos o delito

praticado pelo autor mediato e partícipe.

Inúmeras denominações são dadas, de acordo como o momento processual e o critério posto em

exame: agente (geral), indiciado (no inquérito policial), acusado (após a denúncia ou queixa), réu (após o

recebimento da inicial acusatória), sentenciado (com a prolação da sentença), condenado (após o trânsito em

julgado da sentença), reeducando (durante a execução penal), egresso (após o cumprimento da pena)

e criminoso ou delinquente (objeto de estudo nas ciências penais).

Em regra, somente o ser humano pode praticar infração penal[4]. Porém, discute-se sobre

a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Para uma melhor compreensão, necessário de faz a verificação da

natureza jurídica desse ente.

Savigny, com a teoria da ficção jurídica, entende que a pessoa jurídica não possui existência real, não tem

vontade própria, não se podendo imaginar o cometimento de crimes por tais entes fictícios. Apenas o homem

pode ser sujeito de direitos.

De outra banda, Otto Gierke, com a teoria da realidade, orgânica ou organicista, sustenta a pessoa jurídica

ser um ente autônomo e distinto de seus membros, dotado de vontade própria. É, portanto, sujeito de direitos e

obrigações, tal qual a pessoa física. É a teoria mais aceita no Direito.

Verificando-se a adoção dessa teoria, e entendendo que a pessoa jurídica trata-se de ente autônomo,

discute-se acerca da possibilidade de a pessoa jurídica tornar-se sujeito ativo de uma infração penal. Duas

correntes se formam:

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Impossibilidade de a Pessoa Jurídica ser sujeito

ativo

Possibilidade de a Pessoa Jurídica ser sujeito

ativo

1. Desde o Direito Romano já se sustentava o

postulado societas delinquere non potest.

1. Constitui ente autônomo, dotado de

consciência e vontade, podendo praticar

condutas.

2. Não tem vontade própria, portanto, não pode

praticar condutas.

2. Possui vontade própria, razão pela qual o

Direito Penal reserva tratamento isonômico ao

dispensado à pessoa física.

3. Não é dotada de consciência própria pra

compreender o caráter da pena.

3. Deve responder por seus atos, adaptando-se a

culpabilidade às suas características.

4. Não é imputável, pois somente o ser humano é 4. Constitui ente autônomo, dotado de

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Optando pela segunda corrente, a Constituição Federal, em seu art. 173, §5º e 225, §3º, admite a

responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia

popular e contra o meio ambiente.

Contudo, trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, exigindo-se, para a sua aplicação, a edição de

lei regulamentadora. Apenas no que cerne ao meio ambiente, com a edição da Lei 9.605/1998, em seu art. 3º,

parágrafo único, a responsabilização penal da pessoa jurídica tornou-se aplicável efetivamente. O entendimento

do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é pela possibilidade de responsabilidade penal da

pessoa jurídica, em todos os crimes ambientais, dolosos ou culposos.

Importante anotar que alguns interpretam o art. 225, §3º de maneira respectiva, ou seja, às pessoas físicas,

sanções penais, e às pessoas jurídicas, sanções administrativas. Não é o entendimento predominante.

Por fim, ao aceitar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não podemos esquecer que também há a

responsabilidade da pessoa física coautora ou partícipe do delito. Observado pelo parágrafo único do art. 3º, é o

que constitui o sistema paralelo de imputação (teoria da dupla imputação).

3.2. Sujeito Passivo.

É o titular do bem jurídico protegido pela lei penal, que é violada por meio da conduta criminosa.

Também denominado de vítima ou ofendido, o sujeito passivo pode ser: indireto, mediato (formal, geral,

genérico ou constante), no caso do Estado, pois a ele pertence o direito público subjetivo de exigir o cumprimento

da legislação penal e a tutela dos bens jurídicos; ou direto, imediato (material particular, acidental ou eventual),

que é o titular do bem jurídico especificamente tutelado pela lei penal violada.

O Estado é sujeito passivo mediato constante. Pode ser também eventual, em casos de crimes contra a

Administração Pública.

A pessoa jurídica também pode ser sujeito passivo, sendo vítima de diversos delitos, desde que compatíveis

com a sua natureza.

Pode ocorrer ainda que o crime seja cometido contra vítima destituída de personalidade jurídica, como no

caso dos crimes vagos. Assim, fala-se em sujeito passivo indeterminado.

Os mortos e animais também não podem figurar polo passivo da conduta criminosa. Já no caso calúnia

contra os mortos, o sujeito passivo recai sobre os familiares do morto, pois serão os titulares da ação penal. Nos

capaz de entender o caráter ilícito de um fato. consciência e vontade, podendo assimilar a

natureza da pena.

5. Seus atos estão vinculados ao estatuto social,

não podendo conter crimes em seu rol.

5. Não conter crimes em seu estatuto social não

impede que sejam realizados.

6. A punição alcançaria seus integrantes,

ofendendo o princípio da personalidade da pena.

6. Não há violação ao princípio da personalidade

da pena. Deve-se distinguir a pena dos efeitos da

condenação, que também atingem outras

pessoas em penas aplicadas às pessoas físicas.

7. Não se pode aplicar pena privativa de

liberdade à pessoa jurídica.

7. O Direito Penal não se limita à pena de prisão.

Ademais, a pena privativa de liberdade deve ser

a ultima ratio, preferindo-se a aplicação de penas

alternativas.

Page 42: Apostila concurseiros

crimes contra a fauna, sujeito passivo não é o animal que sofre a conduta, mas sim a coletividade, que detém o

interesse de ver preservado todo o patrimônio ambiental.

Importante lembrar também que, de acordo com o princípio da alteridade, ninguém poderá praticar crime

contra si mesmo, a exemplo do crime de autoacusação falsa; nesse caso, a vítima é o Estado, que é ludibriado.

Finalmente, também se deve diferenciar sujeito passivo do sujeito prejudicado com a infração penal. Muitas

vezes recaem essas características sobre a mesma pessoa. Outras vezes, os malefícios causados pela conduta ilegal

atingem terceiros, a exemplo da esposa de quem foi vítima de homicídio.

4. OBJETO DO CRIME.

É o bem ou objeto contra o qual se dirige a conduta criminosa. Pode ser jurídico (interesse protegido pela

lei penal) ou material (pessoa ou coisa que suporta a infração penal).

Há crime sem objeto? Depende! Não existe crime sem objeto jurídico, mas pode haver crime sem a presença

de objeto material, a exemplo do ato obsceno (CP, art. 233).

[1] Interessante posição a ser adotada para provas de concursos públicos para Advocacia, Defensoria Pública, etc. assim entendem Luiz Flavio Gomes, Rogério Sanches, Alice Bianchini. [2] Posição adotada por Vicente Greco, Cleber Masson. Entendimento ideal para concursos do Ministério Público, Polícia Civil, Polícia Federal, etc. [3] Cuidado! A adoção do critério tripartido de crime não importa, necessariamente, na adoção da teoria clássica ou causal da conduta (a ser posteriormente estudada). Também o finalismo penal, de Hans Welzel, aceitava a tripartida conceituação de crime. [4] Em que pesem as reminiscências históricas, animal jamais será sujeito ativo de infração penal.

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

A classificação dos crimes pode ser legal ou doutrinária. Legal é o nome atribuído ao delito pela lei. É

também chamada de rubrica marginal. Doutrinária é o nome dado pelos estudiosos do Direito às infrações penais.

É o objeto de estudo do presente tópico.

Segundo a doutrina, as classificações podem utilizar alguns critérios:

1. QUANTO À QUALIDADE DO SUJEITO ATIVO:

a) Crimes comuns ou gerais: são aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa, não se exigindo

condição especial[1]. Ex.: homicídio.

b) Crimes próprios ou especiais: são aqueles em que o tipo penal exige uma situação fática ou jurídica

diferenciada por parte do sujeito ativo[2]. Admitem coautoria a participação. Ex.: peculato, somente praticado por

funcionário público.

Os crimes próprios podem ser divididos em puros, que são aqueles cuja ausência da qualidade especial do

sujeito ativo leva à atipicidade do fato; e impuros, cuja ausência da elementar diferenciada desclassifica o delito.

c) Crimes de mão própria, de atuação pessoal ou de conduta infungível: são aqueles que somente podem

ser praticados pela pessoa expressamente indicada no tipo penal. Ex.: falso testemunho. Apenas admitem

participação, não aceitando coautoria, pois não de delega a prática da conduta infracional a terceira pessoa.

2. QUANTO À ESTRUTURA DA CONDUTA DELINEADA PELO TIPO PENAL:

a) Crime simples: é aquele que se amolda em um único tipo penal. Ex.: furto.

b) Crime complexo: resulta da união de dois ou mais tipos penais. Ex.: roubo (furto + ameaça; furto + lesão

corporal).

Page 43: Apostila concurseiros

3. QUANTO A RELAÇÃO ENTRE A CONDUTA E O RESULTADO NATURALÍSTICO:

a) Crimes materiais ou causais: são aqueles em que o tipo penal aloja em seu interior uma conduta e um

resultado necessário, cuja consumação reclama esse resultado. Ex: homicídio (necessita da morte).

b) Crimes formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado: o tipo penal contém em seu

bojo uma conduta e um resultado naturalístico, mas este último é desnecessário para a consumação. Ex: extorsão

mediante sequestro (não necessita a efetiva vantagem sobre a extorsão), ameaça, extorsão.

STJ. Súmula 96. O Crime de extorsão consuma-se, independentemente da obtenção da vantagem indevida.

c) Crimes de mera conduta ou de simples atividade: o tipo penal se limita a descrever uma conduta sem

resultado algum. Ex: Ato obsceno.

4. QUANTO AO MOMENTO EM QUE SE CONSUMA O CRIME:

a) Crime instantâneo ou de estado: a consumação se verifica em um momento determinado, não se

prolonga no tempo. Ex: furto.

b) Crime permanente: a consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. O ordenamento

jurídico é agredido reiteradamente.

Subdividem-se em: necessariamente permanentes, que exige, para a consumação, a manutenção da ação

contrária ao Direito por tempo relevante, v.g., sequestro; e eventualmente permanentes, que são crimes

instantâneos, mas a ofensa ao bem jurídico tutelado se prolonga no tempo, v.g., furto de energia elétrica.

c) Crime instantâneo de efeitos permanentes: os efeitos de delito subsistem após a consumação,

independentemente da vontade do agente. Ex: bigamia, homicídio.

d) Crime a prazo: a consumação exige a fluência de determinado período. Ex: sequestro em que a privação

de liberdade dura mais de quinze dias (CP, art. 148, §1º, III).

5. QUANTO AO NÚMERO DE AGENTES ENVOLVIDOS:

a) Crimes unissubjetivos, unilaterais, monossubjetivos ou de concurso eventual: são praticados por um

único agente, admitindo-se concurso. Ex: homicídio.

b) Crimes plurissubjetivos, plurilaterais ou de concurso necessário: o tipo penal reclama a pluralidade de

agentes, que podem ser coautores ou partícipes.

Esses crimes subdividem-se em: (1) crimes bilaterais (ou de encontro), onde o tipo penal reclama dois

agentes cujas condutas tendem a se encontrar, ex: bigamia; (2) crimes coletivos (ou de convergência), onde o tipo

penal reclama a existência de três ou mais agentes, ex: rixa (condutas contrapostas) ou quadrilha ou bando

(condutas paralelas).

Não se deve confundir os crimes plurissubjetivos com os crimes de participação necessária. Estes podem ser

praticados por uma única pessoa, não obstante o tipo penal reclame a participação necessária de outra pessoa,

que atua como sujeito passivo e não é punido, ex: rufianismo, CP, art. 230.

c) Crimes eventualmente coletivos: são aqueles em que, não obstante o seu caráter unilateral, a diversidade

de agentes atua como causa de majoração da pena. Ex: furto qualificado.

6. QUANTO AO NÚMERO DE VÍTIMAS:

a) Crime de subjetividade passiva única: tipo penal tem uma única vítima. Ex: estupro.

b) Crimes de dupla subjetividade passiva: o tipo penal prevê a existência de duas ou mais vítimas. Ex:

violação de correspondência (remetente e destinatário).

Page 44: Apostila concurseiros

7. QUANTO AO GRAU DE INTENSIDADE DO RESULTADO:

a) Crime de dano ou de lesão: a consumação somente se efetiva com a lesão do bem jurídico tutelado. Ex:

lesões corporais.

b) Crime de perigo: consumam-se com a mera exposição do bem jurídico tutelado a uma situação de

perigo.

Subdividem-se em: crime de perigo abstrato (basta a prática da conduta, havendo presunção juris et de

jure de exposição a perigo de dano, ex: tráfico de drogas), de perigo concreto (consuma-se com a efetiva

comprovação da exposição a perigo, ex: crime de perigo para a vida ou saúde de outrem, art. 132), de perigo

individual (atinge uma pessoa ou um determinado número de pessoas, ex: perigo de contágio venéreo), de perigo

comum ou coletivo (o perigo já está ocorrendo, ex: abandono de incapaz), de perigo iminente(o perigo está

prestes a ocorrer) e de perigo futuro ou mediato (o perigo se projeta para o futuro, ex: porte ilegal de arma).

8. QUANTO AO NÚMERO DE ATOS EXECUTÓRIOS QUE INTEGRAM A CONDUTA:

a) Crime unissubsistente: a conduta se revela mediante um único ato de execução, capaz, por si só, de

produzir a consumação. Não admite tentativa. Ex: crimes contra a honra praticados com o emprego da palavra.

b) Crime plurissubsistente: a conduta se exterioriza por meio de dois ou mais atos, que devem somar-se

para produzir a consumação. Ex: homicídio praticado com golpes de faca.

9. COM RELAÇÃO À FORMA COMO É PRATICADO O CRIME:

a) Crime comissivo ou de ação: é praticado mediante conduta positiva. Ex: roubo.

b) Crime omissivo ou de omissão: cometido por meio de uma conduta negativa, uma inação. Subdividem-se

em:

Crime omissivo próprio ou puro: a omissão está contida no tipo penal, prevendo a conduta negativa

como forma de praticar o delito. Não há dever jurídico de agir, portanto, qualquer pessoa que se

encontre na posição indicada pelo tipo penal responderá apenas pela omissão, e não pelo resultado

naturalístico. Ex: omissão de socorro, art. 135.

Crime omissivo impróprio, espúrio ou comissivo por omissão: o tipo penal aloja uma conduta positiva,

e o agente, que tem o dever jurídico de evitar o resultado, realiza uma conduta negativa, respondendo

penalmente pelo resultado naturalístico. Ex: mãe que mata filho por não amamentá-lo.

Crime omissivo por comissão: nesse caso, há uma ação provocadora da omissão. Grande parte da

doutrina não reconhece essa categoria de delito.

Crime omissivo "quase-impróprio": essa classificação, ignorada pelo direito penal pátrio, diz respeito à

omissão que não produz lesão ao bem jurídico, mas apenas um perigo de lesão, abstrato ou concreto.

c) Crime de conduta mista: o tipo penal é composto de duas fases distintas, uma inicial positiva e outra final,

omissiva. Ex: apropriação de coisa achada e omissão em devolvê-la (CP, art. 169, parágrafo único, inciso II).

10. QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO:

a) Crime de forma livre: admitem qualquer meio de execução. Ex: ameaça, art. 147.

b) Crime de forma vinculada: somente pode ser praticado através dos meios indicados pelo tipo penal. Ex:

perigo de contágio venéreo (CP, art. 130).

11. QUANTO AO NÚMERO DE BENS JURÍDICOS ATINGIDOS:

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a) Crimes mono-ofensivos: ofendem a um único bem jurídico. Ex: furto (viola o patrimônio).

b) Crimes pluriofensivos: atingem dois ou mais bens jurídicos. Ex: latrocínio (vida e patrimônio).

12. QUANTO À EXISTÊNCIA AUTÔNOMA DO CRIME:

a) Crimes principais: aqueles que possuem existência autônoma, independendo da prática de crime

anterior. Ex: estupro.

b) Crimes acessórios, de fusão ou parasitários: dependem da prática de crime anterior para a sua

existência. Ex: receptação (CP, art. 180).

Segundo o Código Penal, a extinção da punibilidade do crime principal não se estende ao acessório (CP, art.

108).

13. QUANTO À NECESSIDADE DE EXAME DE CORPO DE DELITO COMO PROVA:

a) Crime transeunte ou de fato transitório: são aqueles que não deixam vestígios materiais. Ex: ameaça,

calúnia, desacato. Nesse caso, não se realiza perícia.

b) Crime não transeunte ou de fato permanente: deixam vestígios materiais. Ex: homicídio. Nesse caso, a

falta de exame de corpo de delito acarreta a nulidade da ação penal.

14. QUANTO AO LOCAL EM QUE O CRIME É PRATICADO:

a) Crimes à distância: são aqueles em que conduta e resultado ocorrem em países diversos. Ante a adoção

da teoria da ubiquidade quanto ao lugar do crime, a conduta ou o resultado ocorrendo em território nacional,

aplica-se a legislação penal pátria.

b) Crimes plurilocais: a conduta e o resultado se desenvolvem em comarcas diversas, sediadas no mesmo

país. Nesse caso, opera-se a teoria do resultado adotada pelo CPP, em seu art. 70, como competência para

aplicação da lei penal.

c) Crimes em trânsito: somente uma parte da conduta ocorre em outro país, sem lesionar ou expor a perigo

bem jurídicos das pessoas que nele vivem. Ex: Argentino envia carta com ofensa a americano, e a carta passa por

território brasileiro.

15. QUANTO AO VÍNCULO EXISTENTE ENTRE OS CRIMES:

a) Crimes independentes: não apresentam nenhuma ligação com outros delitos.

b) Crimes conexos: ocorre uma ligação dos delitos entre si. Essa conexão pode ser penal ou processual. A

conexão penal, que nos interessa, divide-se em:

Conexão teleológica ou ideológica: o crime é praticado para assegurar a execução de outro delito.

Conexão consequencial ou causal: o crime é cometido na sequência de outro, para assegurar a

impunidade, ocultação ou vantagem de outro delito.

Essas duas espécies possuem previsão legal, servindo como agravantes do crime (em caso de homicídio,

servem como qualificadoras), CP, art. 61.

Conexão ocasional: o crime é praticado como consequência da ocasião, proporcionada pela prática do crime

antecedente. Ex: estupro praticado após o roubo. Trata-se de criação doutrinária, sem amparo legal.

16. QUANTO À LIBERDADE PARA INICIAR A AÇÃO PENAL:

a) Crimes condicionados: a inauguração da persecução penal depende de uma condição objetiva de

procedibilidade. A legislação expressamente indica essa hipótese.

Page 46: Apostila concurseiros

b) Crimes incondicionados: a instauração da persecução penal é livre, podendo o Estado iniciá-la sem

nenhuma autorização.

No direito penal e processual penal em nosso ordenamento pátrio é que, quando o tipo penal estabelecer

espécie de crime condicionado, ou seja, que dependerá de condição objetiva de procedibilidade para a instauração

da ação penal, ele mesmo expressamente o indicará. Não havendo menção expressa a respeito, aplica-se a regra

geral de crime incondicionado, ou seja, a ação penal será pública incondicionada, não requerendo nenhuma

condição para que o Estado inicie a persecução penal.

17. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES:

Crime gratuito: é o crime praticado sem motivo conhecido. Não se confunde com motivo fútil, pois neste

há motivação, porém, desproporcional ao crime praticado.

Crime de ímpeto: é o cometido sem premeditação, como decorrência da reação emocional repentina.

Crime exaurido: é aquele que o agente, após alcançada a consumação, insiste em agredir o bem jurídico já

ferido. Não constitui novo crime, mas apenas no desdobramento da conduta perfeita e acabada.

Crime de circulação: é o praticado em veículo automotor, a título de dolo ou culpa.

Crime de atentado ou de empreendimento: é aquele que a lei pune igualmente o delito consumado e sua

forma tentada. Ex: CP, art. 352 – “evadir-se, ou tentar evadir-se...”.

Crime de opinião ou de palavra: cometido com excesso abusivo na manifestação do pensamento, seja

pela forma escrita ou verbal.

Crime multitudinário: é aquele praticado pela multidão, em tumulto. A lei não define o que seria

multidão, assim, analisa-se o caso concreto. No direito canônico, exigia-se, no mínimo, 40 pessoas.

Crime vago: é aquele em que o sujeito passivo é destituído de personalidade jurídica, como a família,

sociedade, etc.

Crime internacional: aquele que o Brasil, por tratado ou convenção devidamente incorporado ao

ordenamento pátrio, se comprometeu a punir. Ex: CP, art. 231 – tráfico de pessoas.

Crime de mera suspeita, sem ação ou mera posição: o agente não realiza a conduta, mas é punido pela

suspeita despertada em seu modo de agir[3]. Não encontrou amparo em nossa doutrina. De forma temerária,

exemplifica-se a contravenção penal do art. 25 – posse de instrumento usual na prática de furto.

Crime inominado: é aquele que ofende regra ética ou cultural consagrada pelo Direito Penal, embora não

definido como infração penal. Não é aceito por ferir o princípio da reserva legal[4].

Crime habitual: é o que se consuma com a prática reiterada e uniforme de vários atos que revelam um

indesejável estilo de vida do agente. Ex: CP, art. 282 – medicina ilegal.

Crime profissional: é o crime habitual cometido com finalidade lucrativa. Ex: CP, art. 230 – rufianismo.

Quase-crime: na verdade, não há crime. É o nome doutrinário do crime impossível e da participação

impunível.

Crime subsidiário: é o que somente se verifica se o fato não constituir crime mais grave. Ex: CP, art. 163 –

crime de dano. Nelson Hungria o chama “soldado de reserva”.

Crime hediondo: é todo delito que se enquadra no art. 1º da Lei 8.072/1990, na forma consumada ou

tentada. Adoção do critério legal.

Crime de expressão: é o que se caracteriza pela existência de um processo intelectivo interno do autor.

Ex: CP, art. 342 – falso testemunho.

Crime de intenção: é aquele que o agente quer e persegue o resultado que não precisa ser alcançado para

a sua consumação. Ex: CP, art. 159 – extorsão mediante sequestro.

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Crime de tendência ou de atitude pessoal: é aquele que a atitude pessoal e a tendência interna do agente

delimitam a tipicidade ou não da conduta praticada. Ex: toque do ginecologista.

Crime mutilado de dois atos ou tipos imperfeitos de dois atos: é aquele que o sujeito pratica o delito com

a finalidade para obter um benefício posterior. Ex: falsidade para cometer outro crime.

Crime de ação violenta: é o cometido mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Ex: roubo.

Crime de ação astuciosa: é o praticado por meio de fraude, engodo. Ex: estelionato.

Crime falho: é a denominação doutrinária da tentativa perfeita ou acabada. O agente esgota os meios

executórios, mas a consumação não se dá por circunstancias alheias à sua vontade.

Crime putativo, imaginário ou erroneamente suposto: aquele onde o agente acredita ter realmente

praticado um crime, mas na verdade, houve um indiferente penal. Trata-se de um não-crime por erro de tipo, erro

de proibição ou por obra de agente provocador.

Crime remetido: é o que se verifica quando o tipo penal faz referencia a outro crime, que passa a integrá-

lo. Ex: CP, art. 304 – fazer uso de documento falso.

Crime de responsabilidade: dividem-se em próprios (crimes comuns ou especiais) e impróprios (infrações

administrativas), que redundam em sanções políticas.

Crime obstáculo: é aquele que retrata atos preparatórios, mas foram tipificados como crimes autônomos

pelo legislador. Ex: CP, art. 288 – quadrilha ou bando.

Crime progressivo: é aquele que enseja sucessivas violações a bens jurídicos, de maneira gradativa, até

chegar ao mais grave. Observa-se, nesse caso, o princípio da consunção, havendo a absorção do menos grave pelo

mais grave[5]. Ex: lesão corporal e homicídio.

Progressão criminosa: verifica-se com a mutação do dolo do agente, que, inicialmente, desejava o delito

menos grave, mas, após a sua consumação, decide progredir na conduta, praticando o mais grave. Também aplica-

se o princípio da consunção.

Crime de impressão: são aqueles que provocam determinado estado de ânimo, de impressão na vítima.

Subdividem-se em crimes de inteligência (praticados mediante o engano), crimes de vontade (recaem na vontade

da vítima quanto à sua autodeterminação) ou crimes de sentimento (incidem nas faculdades emocionais da

vítima).

Crimes militares: são os tipificados pelo Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969). Subdividem-se

em próprios[6] (exclusivamente militares, ex: deserção) e impróprios (previstos tanto no CPM quanto no CP, ex:

furto). Há também os crimes militares em tempo de paz (CPM, art. 9º) e os crimes militares em tempo de

guerra (CPM, art. 10).

Crimes falimentares: são os tipificados pela Lei de falências (Lei 11.101/2005).

Crimes funcionais ou delicta in officio: são aqueles que o tipo penal exige seja o autor funcionário público.

Dividem-se em próprios (cuja condição funcional é indispensável para a tipicidade do ato) e impróprios (se ausente

a qualificação funcional, desclassifica-se para outro delito).

[1] Fala-se em crimes bicomuns, que são aqueles que não exigem qualquer condição especial, tanto para quem os pratica quanto para quem seja o sujeito passivo. [2] Existem, ainda, os crimes bipróprios, que exigem condição especial tanto do sujeito ativo quanto do sujeito passivo, v.g., infanticídio. [3] Esse conceito foi idealizado por Vicenzo Manzini, na Itália. [4] Idealizado pelo uruguaio Salvagno Campos. [5] Nesses casos, os delitos menos graves, absorvidos pelo delito de maior monta, são chamados de crimes de ação de passagem. [6] Há entendimentos na doutrina afirmando que crime militar próprio seria aquele cuja ação penal somente possa recair sobre um militar.

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F A T O T Í P I C O

INTRODUÇÃO. 1. Conduta. 2. Resultado Naturalístico. 3. Relação de Causalidade. 4. Tipicidade.

INTRODUÇÃO

Fato típico é todo fato humano[1] que se enquadra com perfeição aos elementos descritos no tipo penal.

A contrario senso, fato atípico é a conduta que não encontra correspondência alguma no tipo penal.

O fato típico possui quatro elementos: conduta, resultado naturalístico, relação de causalidade (nexo causal)

e tipicidade. Esses quatro elementos acham-se presentes nos crimes materiais consumados. Nos crimes formais de

e mera conduta, prescinde-se do resultado naturalístico e do nexo causal.

Em suma, a conduta produz o resultado naturalístico, ligados entre si pela relação de causalidade. E, para ter

relevância penal, opera-se o juízo de tipicidade, ou seja, análise da ação ou omissão praticada e o modelo previsto

no Código Penal.

1. CONDUTA

Nesse tema reside uma das maiores discussões do Direito Penal. A forma como se encontra a teoria geral do

crime, atualmente, se deve à evolução do conceito doutrinário de conduta. Várias teorias buscam defini-la:

a) Teoria Clássica, Naturalística, Mecanicista ou Causal.

Conduta é o comportamento humano voluntário que produz modificação no mundo exterior.

Essa teoria, idealizada por List, Beling e Radbruch no séc. XIX, e recepcionada no Brasil por Aníbal Bruno,

Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Nelson Hungria, entre outros, submete o Direito

Penal às regras inerentes às ciências naturais, orientadas pelas leis de causalidade.

Assim, para a caracterização da conduta, basta uma fotografia do resultado, pois depende somente de o

agente produzir fisicamente um resultado previsto em lei, realizado por sua própria vontade, independentemente

de dolo ou culpa quanto ao resultado atingido.

Diante disso, questiona-se: a teoria clássica consagra a responsabilidade penal objetiva? Não. Os

elementos dolo e culpa, nessa teoria, se alojam no interior da culpabilidade, momento em que se analisa o

"querer" do agente. Por essa razão, os adeptos dessa teoria entendem que o conceito de crime é fato típico, ilícito

e culpável, sob pena de restar caracterizada a responsabilidade penal objetiva.

Essa teoria tem sido cada vez mais abandonada uma vez que separa a conduta praticada e a relação psíquica

do agente. Assim, não se distingue a forma dolosa da culposa, não se convence quanto aos crimes omissivos,

tentados, de mera conduta, pois em todos estes não há resultado naturalístico.

b) Teoria Finalista ou Final.

Criada por Hans Welzel, na década de 30 do século XX, acolhida nacionalmente por Heleno Cláudio Fragoso,

Damásio de Jesus, Julio F. Mirabete e Miguel Reale Junior.

Parte de uma concepção onde o homem é um ser livre, responsável por seus atos. Portanto, o Direito deve

se preocupar somente com os atos ou omissões dirigidos a um fim.

Essa teoria preservou os postulados da teoria clássica, acrescentando-lhes a finalidade. Contudo, dentro do

mesmo conceito de crime como fato típico, ilícito e culpável, deslocou a análise de dolo e culpa para o interior da

conduta, diante do necessário aferimento do objetivo do comportamento do agente.

Page 49: Apostila concurseiros

Desta forma, o partidário da teoria finalista pode adotar um conceito tripartido (fato típico + ilicitude +

culpabilidade) ou bipartido (fato típico + ilicitude), conforme repute a culpabilidade como elemento do crime ou

mero pressuposto de aplicação da pena.

O Código Penal em vigor, conforme ser art. 20, caput, parece ter manifestado sua preferência pelo finalismo

penal. Ora, se a ausência de dolo acarreta a exclusão do fato típico, é porque o dolo acha-se na conduta, que deixa

de ser dolosa para culposa.

Essa teoria resta bastante criticada por não satisfazer quanto aos crimes culposos. Alega que no crime

culposo também há vontade dirigida a um fim, embora esse fim pode ou não ser conforme o Direito. Mas a

finalidade reside na conduta do agente, escolhida para atingir a finalidade desejada, com imprudência, negligencia

ou imperícia.

Por isso, nas ultimas etapas de seus estudos, Welzel vislumbrou uma possível substituição da teoria finalista

pela teoria cibernética, visando sanar essa necessidade.

c) Teoria Cibernética.

Essa teoria leva em conta o controle da vontade, presente tanto nos crimes dolosos quanto culposos.

Buscava compatibilizar o finalismo penal com os crimes culposos.

Apenas intentava, com a nova denominação, abranger o conceito de direção, posto que a ação cibernética

compreenderia, claramente, o dolo e a culpa, e suas finalidades juridicamente relevantes.

Destarte, por ter sido consagrada no âmbito jurídico e mostrar-se mais pertinente ao estudo do Direito

Penal, manteve-se a denominação finalismo penal.

d) Teoria Social.

Para essa teoria, os ideais clássico e finalista são insuficientes para disciplinar a conduta, pois desconsideram

uma nota essencial do comportamento humano: o aspecto social.

Johannes Wessels, criador dessa teoria, entende que o comportamento humano é a resposta do homem a

exigências em certas situações, posto que lhe é dada a liberdade. Assim, a conduta somente seria socialmente

relevante quando capaz de afetar o relacionamento do agente com o meio social em que se insere. Utiliza-se os

conceitos causal e final da ação, acrescendo-lhes a relevância social da conduta.

Em suma, para que o agente pratique uma infração penal, é necessário que, além de realizar todos os

elementos previstos no tipo, tenha a intenção de produzir resultado socialmente relevante, objetivando uma

mudança no meio social.

A principal crítica dessa teoria reside no fato de que a transcendência ou relevância social também está

associada a qualquer fato jurídico, inclusive fenômenos naturais.

e) Teoria Jurídico-penal.

É a teoria sustentada por Francisco de Assis Toledo, visando superar os entraves travados entre as vertentes

clássica, finalista e social. Busca conciliar todos os pontos positivos de cada uma.

Assim, a ação é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou a

exposição de um bem jurídico a perigo, ou ainda, para causar uma previsível lesão. Emprega-se o termo ação em

sentido genérico, como sinônimo de conduta, englobando ação e omissão.

f) Apontamentos gerais.

A posição mais utilizada em provas e concursos é a teoria finalista, ou finalismo penal, que define a conduta

Page 50: Apostila concurseiros

como toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim, consistente em produzir um

resultado tipificado em lei como crime ou contravenção.

Não há crime sem conduta[2]. Quando o agente pratica uma infração penal, viola o preceito proibitivo

(crimes comissivos) ou preceptivo (crimes omissivos) contido na lei.

1.1. Formas de Conduta.

A conduta pode se exteriorizar através da ação ou da omissão.

A ação consiste num movimento corporal exterior, uma postura positiva do ser humano. Relaciona-se com a

infração penal por meio de uma norma proibitiva, na maioria dos delitos.

A omissão, por outro lado, não se trata de um mero comportamento estático. É a conduta de não fazer

aquilo que podia e devia ser feito, referindo-se às normas preceptivas. Pode ocorrer tanto quando o agente nada

faz, bem como quando faz algo diferente do que lhe impunha o dever jurídico de agir. Duas teorias analisam a

omissão.

A teoria naturalística sustenta ser a omissão um fenômeno causal que pode ser constatado no mundo fático,

pois se trata de uma espécie de ação.

Para a teoria normativa, a omissão é um indiferente penal, pois não produz efeitos jurídicos. O omitente não

pode ser responsabilizado pelo resultado, pois não o causou. Contudo, se há o dever jurídico de agir, o omitente

deverá ser responsabilizado. É a teoria adotada pelo Código Penal.

Nos chamados crimes omissivos próprios (ou puros) a norma impõe o dever de não agir no próprio tipo penal

(preceito preceptivo). Nos crimes omissivos impróprios (ou impuros) ou comissivos por omissão, o tipo penal

descreve uma ação (preceito proibitivo), mas a omissão descumpre o dever jurídico de agir (CP, art. 13, §2º).

1.2. Caracteres da Conduta.

A conduta se reveste das seguintes características:

a) somente o ser humano pode praticar condutas penalmente relevantes[3]. Os atos de seres irracionais e os

acontecimentos naturais não tem importância para o Direito Penal.

b) somente a conduta voluntária interessa ao Direito Penal.

c) apenas os atos lançados no mundo exterior ingressam no conceito de conduta. A cogitação e preparo são

desprezados pelo Direito Penal.

d) a conduta é composta de dois elementos: um ato de vontade dirigido a um fim; e a manifestação dessa

vontade no mundo exterior, por uma ação ou omissão dominável pela vontade.

1.3. Exclusão da Conduta.

Apresentam-se, no Direito Penal, quatro causas de exclusão da conduta:

a) Caso fortuito e força maior: são os acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, que fogem do domínio da

vontade do ser humano. E, se não há vontade, não há dolo ou culpa. Como dolo e culpa integram a conduta, não se

configura a conduta do fato típico.

Caso fortuito é o acontecimento imprevisível e inevitável provocado pelo homem; e força maior o evento,

com iguais predicados, provocado pela natureza.

b) Atos ou movimentos reflexos: consistem na reação motora ou secretora do corpo humano em

consequência de uma excitação dos sentidos. O movimento corpóreo se dá não pelo elemento volitivo, mas pelo

Page 51: Apostila concurseiros

fisiológico. Ausente a vontade, ausente a conduta.

Não se confundem com as ações em curto circuito, atos impulsivos fundamentados em emoções ou paixões

violentas. Também se diferenciam dos atos habituais, mecânicos ou automáticos, que consistem na reiteração de

um comportamento. Nos dois casos há elementos volitivos e, consequentemente, responsabilização pela conduta.

c) Coação física irresistível: também chamada de vis absoluta, ocorre quando o coagido não tem liberdade

para agir. Não lhe resta alternativa senão praticar o ato de acordo com a vontade do autor. Não há vontade,

portanto, não há conduta.

Diverge da coação moral irresistível (vis compulsiva), pois esta o coagido pode escolher o caminho a ser

seguido, contudo, de forma viciada, pois está moralmente coagido a agir conforme o autor do ilícito. Há vontade e

há conduta, porém exclui-se a culpabilidade.

d) Sonambulismo e hipnose: nesses casos também não há conduta, pois o comportamento foi praticado em

pleno estado de inconsciência.

2. RESULTADO

É a consequência provocada pela conduta do agente. Nada obstante algumas divergências, também pode ser

encontrada na doutrina a utilização da palavra "divergência", contudo, o uso mais comum no Brasil é o "resultado".

2.1. Espécies.

Em Direito Penal, o resultado pode ser naturalístico ou jurídico.

Resultado Jurídico (ou normativo) é a lesão ou exposição a perigo de lesão do bem jurídico tutelado pela lei

penal. É a agressão do valor ou interesse protegido pela norma.

Resultado naturalístico (ou material) é a modificação no mundo exterior provocada pela conduta do agente.

Existe Crime sem resultado?

R: Depende. Não há crime sem resultado jurídico, pois toda infração penal deve agredir bem jurídico

tutelado. Contudo, pode haver crime sem resultado naturalístico, a exemplo dos crimes formais ou de mera

conduta.

3. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE.

Emprega-se, comumente, o termo "nexo causal" para referir-se a essa ligação entre a conduta e o resultado.

O Código Penal, em seu art. 13, preferiu a expressão "relação de causalidade" para definir o vínculo formando

entre a conduta praticada pelo autor e o resultado por ele produzido.

A utilização da relação de causalidade (nexo causal) se faz presente nos crimes de resultado naturalístico,

onde é preciso verificar a relação de causa entre a conduta e o resultado para a responsabilização do agente,

dispensável esse estudo nos crimes formais ou de mera conduta, que não possuem resultado naturalístico, mas

apenas o resultado jurídico (ou normativo).

3.1. Teorias.

São três as teorias desenvolvidas pela doutrina que buscam definir a relação de causalidade:

a) Teoria da Equivalência dos antecedentes[4]: também chamada de teoria da conditio sine qua non, foi

idealizada por Glaser e desenvolvida por Von Buri e Stuart Mill, em 1873.

Page 52: Apostila concurseiros

Para essa teoria, causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, quando ocorreu e

como ocorreu.

b) Teoria da causalidade adequada[5]: originou-se dos estudos de Von Kries, filósofo. Para ele, causa é o

antecedente necessário e adequado para a produção do resultado.

A conduta praticada deve ser idônea a gerar o efeito, baseando-se na regularidade estatística. Portanto, a

causa adequada é aferida de acordo com o juízo do homem médio e com a experiência comum. A contribuição

para o resultado deve ser eficaz.

c) Teoria da Imputação Objetiva: desenvolvida por Claus Roxin, em 1970, enuncia um conjunto de

pressupostos genéricos que tornam a causa do delito uma causa objetivamente típica.

Introdução: numa visão clássica, o tipo penal apresentava alguns aspectos objetivos na relação de

causalidade. Assim, de acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes, considerava-se realizado o tipo toda

vez que alguém causava o resultado nele previsto.

Essa causalidade gerava o problema do regressus ad infinitum, cuja responsabilidade do agente era restrita

somente no âmbito da ilicitude ou da culpabilidade. O sistema finalista, para resolver esse problema, conferiu ao

tipo penal uma feição subjetiva, incluindo o dolo e a culpa na conduta.

Contudo, outros problemas surgem sem solução pelo sistema finalista. Assim, a teoria da imputação objetiva

acrescenta duas novas elementares no tipo objetivo, além da causalidade. Assim, a relação de causalidade estaria

caracterizada em três etapas: teoria da equivalência dos antecedentes, imputação objetiva e dolo e culpa.

Conceito: a teoria da imputação objetiva é o conjunto de pressupostos genéricos (criação de um risco

proibido e a realização desse risco no resultado) que fazem da relação de causalidade uma causa objetivamente

típica.

Pressupostos: o primeiro pressuposto é a criação ou o aumento de um risco, onde o Direito Penal objetiva

proibir ações perigosas, que coloquem em risco os bens juridicamente tutelados pela sociedade; o risco criado

deve ser proibido pelo Direito, ou seja, o Direito deve proibir certos riscos, somente permitindo algumas condutas

através do princípio da confiança; risco realizado no resultado, onde a lesão de determinado bem jurídico ocorra

ferindo a norma que proíbe a conduta perigosa.

Claus Roxin: na linha de pensamento do alemão (Escola de Munique), a teoria visa determinar um critério

de imputação capaz de concretizar a finalidade da norma penal. Assim, o resultado somente seria imputado ao

agente quando (1) o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objeto da ação; (2) o risco se

realiza no resultado concreto; e (3) este resultado se encontra dentro do alcance do tipo penal.

Günther Jakobs: esse alemão (Escola de Bonn) acrescenta ao conceito de imputação objetiva o elemento

da imputação objetiva do comportamento. Assim, entende pela ausência de imputação em quatro hipóteses: (1)

risco permitido; (2) princípio da confiança; (3) proibição do regresso; e (4) competência ou capacidade da vítima.

Conclusões: percebe-se que a proposta dos defensores dessa teoria é a inclusão de novas elementares no

tipo objetivo, criando-se o conceito da causalidade normativa, em oposição à causalidade natural da teoria

finalista. A inclusão de tais elementos resolveria os problemas no âmbito do fato típico, sendo que as outras teorias

o fariam no âmbito da ilicitude ou da culpabilidade. Rogério Grecco compila com maestria as conclusões:

A imputação objetiva é uma análise que antecede à imputação subjetiva;

A imputação objetiva pode dizer respeito ao resultado ou ao comportamento do agente;

A expressão apropriada seria "teoria da não-imputação", pois visa evitar a imputação objetiva

do tipo penal a alguém;

Page 53: Apostila concurseiros

Foi criada, inicialmente, para se contrapor aos dogmas da teoria da equivalência dos antecedentes,

erigindo uma relação de causalidade jurídica ou normativa; e

Uma vez concluída pela não-imputação objetiva, afasta-se o fato típico.

d) Teoria adotada pelo Código Penal: como regra, nos termos do CP, art. 13, caput, o Direito Penal acolheu

a teoria da equivalência dos antecedentes, sendo causa todo comportamento humano, comissivo ou omissivo,

que de qualquer modo concorrer para a produção do resultado naturalístico.

Para constatar se o acontecimento insere-se ou não no conceito de causa, emprega-se o "processo

hipotético de eliminação", desenvolvido pelo sueco Thyrén, em 1894. Assim, suprime-se mentalmente

determinado fato que compõe o histórico do crime; se desaparecer o resultado naturalístico, é causa. Se o

resultado material permanecer íntegro, o acontecimento é irrelevante para o Direito Penal.

Parte da doutrina critica essa teoria baseando-se no fato de que seria uma teoria cega, pois permitiria o

regresso ao infinito. Contudo, essa crítica é despropositada, pois não basta a mera dependência física do

acontecimento para que ingresse na relação de causalidade, mas se faz necessária a causalidade psíquica, ou seja,

reclama-se do agente da conduta, o dolo ou culpa em relação ao resultado.

Excepcionalmente, o Código Penal adota, em seu art. 13, §1º, a teoria da causalidade adequada, o que nos

remete ao estudo das concausas.

3.2. Concausas.

Concausa é a convergência de uma causa externa à vontade do autor da conduta, influindo na produção do

resultado naturalístico por ele desejado e posicionando-se paralelamente ao seu comportamento, comissivo ou

omissivo.

a) Causa dependente: é a causa que emana da conduta do agente, razão pela qual se insere no curso normal

do desenvolvimento causal. Não exclui a relação de causalidade, pois há relação de dependência entre os fatos,

cujo acontecimento posterior não ocorreria sem o anterior.

b) Causa independente: é o acontecimento que foge da linha normal de desdobramento da conduta. Seu

aparecimento é inesperado e imprevisível, capaz de produzir, por si só, o resultado. Pode ser absoluta ou relativa.

Causa absolutamente independente: são aquelas que não se originam da conduta do agente, isto é, são

absolutamente desvinculadas da sua ação ou omissão ilícita, rompendo o nexo causal. Dividem-se

em preexistente[6] (já existe anteriormente à prática da conduta), concomitante[7] (ocorre simultaneamente à

prática da conduta) e superveniente[8] (concretiza-se posteriormente à conduta do agente).

Em todas as modalidades, o resultado naturalístico ocorre independentemente da conduta do agente,

produzindo, por si só, a ocorrência do resultado. Assim, diante da quebra de relação de causalidade entre a

conduta do agente e o resultado, que ocorreria de qualquer forma, devem ser imputados ao agente somente os

atos praticados.

Causa relativamente independente: origina-se da própria conduta praticada pelo agente, contudo, não se

situa no trâmite normal do desenvolvimento causal, podendo, por si só, produzir o resultado. Pode

ser preexistente[9] (existe previamente à prática da conduta), concomitante[10] (ocorre simultaneamente à

conduta do agente) ou superveniente (ocorrem depois da conduta do agente).

Com relação às causas relativamente independentes preexistentes e supervenientes, em obediência à teoria

das equivalências dos antecedentes adotada pelo Código Penal, o agente responde pelo resultado naturalístico,

pois o resultado material não teria ocorrido sem o seu comportamento.

Page 54: Apostila concurseiros

No que tange às causas relativamente independentes supervenientes, duas situações podem ocorrer: incide

a teoria daconditio sine qua non nas causas relativamente independentes supervenientes que não produzem, por si

só, o resultado. Assim, suprimindo mentalmente a conduta, o resultado naturalístico não teria ocorrido sem o

comportamento do agente e seu animus necandi[11]. Nas causas relativamente independentes supervenientes

que produzem, por si só, o resultado, adota-se a teoria da causalidade adequada, imputando ao agente somente os

atos anteriormente praticados[12].

Apesar de muitas críticas da doutrina, o CP entende que a causa relativamente independente superveniente

capaz de produzir, por si só, o resultado, rompe a relação de causalidade entre a conduta e o resultado

naturalístico, em razão de um acontecimento inesperado e imprevisível que produz o resultado, tornando ineficaz

a conduta do agente.

3.3. Omissão.

É a conduta de não agir. É a inércia do agente diante de um fato que lei determina que se faça alguma coisa.

A omissão penalmente relevante acha-se disciplinada no CP, art. 13, §2º. Assim, aplica-se a lei penal aos

crimes omissivos impróprios, espúrios, também chamados de comissivos por omissão, ou seja, aqueles em que o

tipo penal descreve uma ação, mas a inércia do agente, que podia e devia agir para impedir o resultado

naturalístico, conduz à sua produção.

Os crimes omissivos próprios, ou puros, não alojam em seu bojo um resultado material, mas apenas um

resultado jurídico (ou normativo). A omissão é descrita pelo tipo penal e o crime se consuma com a simples inércia

do agente.

Portanto, a omissão própria é sempre relevante penalmente, pois se acha descrita no tipo penal. A omissão

imprópria, por seu turno, pode ser penalmente relevante, desde que haja o dever de agir por parte do agente

omissivo.

Observa-se que o Código Penal adotou a teoria normativa, onde a omissão independente não é relevante

para o Direito Penal, somente importante quando há o dever jurídico de agir, fazer algo, imposto pelo

ordenamento jurídico (critério legal[13]).

A lei define o "devia e podia" agir para evitar o resultado como a possibilidade real e efetiva de ação. Não

será punido o homem que tinha o dever de agir, mas achava-se impossibilitado de atuação no momento do

acontecimento.

3.4. Dupla causalidade.

A questão da dupla causalidade é de difícil ocorrência prática. Trata-se de uma situação onde duas ou mais

condutas, que não se encontram subjetivamente ligadas, produzem simultaneamente o resultado naturalístico por

ela desejado.

A conduta unitária, por si só, produziria o resultado material objetivado. Contudo, há simultaneidade de

ações, independentes, que dão causa ao resultado. Qual o crime deve ser imputado aos agentes?

No Brasil, atualmente, inclina-se pela punição de ambos os autores pelo delito praticado. Suprimindo a

conduta de um dos agentes, restaria suficiente a outra para a consumação da infração penal.

4. TIPICIDADE.

Última etapa do fato típico, é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o

modelo hipotético descrito pelo tipo penal.

Page 55: Apostila concurseiros

4.1. Evolução doutrinária.

A atual definição de tipicidade deriva das ideias do alemão Ernst Von Beling, de 1906.

Antes de Beling, o crime se dividia em dois blocos: ilicitude, de ordem objetiva, e culpabilidade, de ordem

subjetiva. Após seus estudos, o crime passou a ter três partes: tipicidade e ilicitude, de ordem objetiva, e a

culpabilidade, de ordem subjetiva. Iniciava-se a fase da independência do tipo, desvinculando a tipicidade da

ilicitude, com função meramente descritiva, sem conteúdo valorativo.

Essa teoria, intimamente ligada à teoria clássica, natural ou causal da conduta, perdeu espaço com o

surgimento do finalismo ou teoria finalista da conduta e com o descobrimento dos elementos subjetivos do tipo.

Em 1915, Max Ernst Mayer, conferiu à teoria da tipicidade a função de indício de ilicitude, nascendo a fase da

tipicidade como indício da ilicitude, consagrando um conceito tripartido de crime, com análise de três fases

distintas: tipicidade, ilicitude e culpabilidade.

É, desde então, a teoria mais aceita em Direito Penal.

Em 1931, Edmund Mezger apresenta novos conceitos, introduzindo a faze da tipicidade como essência da

ilicitude, onde o tipo penal passa a ser conceituado como a ilicitude tipificada. Foi alvo de imensas críticas, pois

veda a correta separação dos juízos de tipicidade e ilicitude do delito.

4.2. Teoria dos elementos negativos do tipo.

Preconizada pelo alemão Hellmuth Von Weber, propõe o tipo total de injusto, por meio do qual os

pressupostos de causa de exclusão da ilicitude compõe o tipo penal como seus elementos negativos.

Tipicidade e ilicitude integram o tipo total, analisando o crime, não como fato típico e ilícito, mas como tipo

completo conforme descrição do tipo total do injusto. Não foi acolhida pelo Direito Penal Pátrio, que

explicitamente, distinguiu os tipos incriminadores dos tipos permissivos ou causas de exclusão da ilicitude.

4.3. Teoria da tipicidade conglobante.

Criada pelo argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, sustenta que todo fato típico se reveste de antinormatividade,

pois, embora o agente atue em consonância com o tipo incriminador, na verdade, contraria o tipo legal.

O termo "conglobante" deriva da necessidade de o tipo penal ser contrário a todo ordenamento jurídico,

conglobado, e não somente ao Direito Penal. Assim, a tipicidade penal resulta da junção da tipicidade legal com a

tipicidade conglobante.

Entende-se por tipicidade legal a adequação da conduta do indivíduo à descrição do tipo penal, com seus

elementos objetivos e normativos.

Por tipicidade conglobante, comprova-se que a conduta praticada, tipicamente legal, também está proibida

pela norma jurídica como um todo.

Verificada a tipicidade legal da conduta praticada e antinormatividade, ou seja, tipicidade conglobante,

presente está a tipicidade penal, caracterizando a infração penal.

4.4. Adequação Típica.

É o procedimento pelo qual se enquadra uma conduta individual e concreta na descrição genérica e abstrata

da lei penal. É o meio pelo qual se constata se existe ou não tipicidade entre a conduta praticada na vida real e o

modelo definido pela lei penal.

Essa adequação típica pode se apresentar de duas maneiras: subordinação imediata e subordinação mediata.

Na adequação típica de subordinação imediata, a conduta humana se enquadra diretamente na lei penal

incriminadora, sem necessidade de interposição de qualquer outro dispositivo legal.

Page 56: Apostila concurseiros

Já na adequação típica de subordinação mediata, a conduta humana não se enquadra prontamente na lei

penal incriminadora, reclamando-se, para completar a tipicidade, a interposição de um dispositivo contido na parte

geral do Código Penal. Ocorre nos casos de tentativa, participação e nos crimes omissivos impróprios.

Esses dispositivos penais são chamados de normas integrativas, de extensão ou complementares da tipicidade.

[1] Ou também fato praticado por pessoa jurídica em crimes ambientais para os que se filiam a esse entendimento. [2] Vicenzo Manzini supõe a existência dos crimes de mera suspeita, onde o agente não é punido pela conduta, mas pela suspeita despertada em seu modo de agir. De acordo com o Dec-Lei 3.688/91(Lei de Contravenções Penais), art. 25, há divergência doutrinária sobre essa contravenção penal, uma vez que o Direito Penal não consagra o "Direito Penal do Autor", não podendo ser punido sem a prática de um fato concreto capaz de lesar ou expor a perigo bem jurídico penalmente tutelado. [3] Calha observar os que se filiam pela possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais. [4] Também chamada de teoria das equivalências da condições, teoria da condição simples, teoria da condição generalizadora ou, por fim, teoria da conditio sine qua non. [5] Também chamada de teoria da condição qualificada ou teoria individualizadora. [6] "A" efetua disparo de arma de fogo contra "B", que já estava envenenado por "C". [7] "A" efetua disparo de arma de fogo contra "B", que é alvejado ao mesmo tempo por "C". [8] "A" efetua disparo de arma de fogo contra "B", mas o teto da casa desaba sobre "B" antes do efeito morte intentado pelos disparos. [9] "A" efetua disparo de arma de fogo contra "B", que é atingido de raspão, mas vem a falecer em virtude da diabetes que possuía agravada pelos disparos. [10] "A" efetua disparo de arma de fogo contra "B", que para desviar dos tiros, corre assustado para a avenida, onde morre atropelado por um ônibus. [11] "A" efetua disparo de arma de fogo contra "B", que não morre imediatamente, mas vem a falecer em cirurgia médica para a retirada da bala, por imperícia. [12] "A" efetua disparo de arma de fogo contra "B", que não morre, mas vem a falecer em incêndio no hospital em que se encontrava internado. [13] Alberto Silva Franco e Rui Stoco defendem a existência de um critério judicial para a aferição da relevância penal da conduta omissiva, devendo o magistrado analisar cada caso, decidindo pela presença ou não do dever de agir.

TEORIA DO TIPO

Tipo é o modelo genérico e abstrato, formulado pela lei penal, descritivo da conduta criminosa ou da

conduta permitida.

Não se confunde com a tipicidade, pois o tipo penal resulta da imaginação do legislador e o juízo de

tipicidade é a adequação de uma conduta real aos fatos imaginados pela lei.

Os tipos penais se apresentam em duas categorias: tipos permissivos e tipos incriminadores.

1. TIPOS PERMISSIVOS (ou JUSTIFICADORES).

São os tipos que contêm a descrição legal da conduta permitida, ou melhor, as situações em que a lei

considera lícito um comportamento que se amolda ao fato típico. São as chamadas causas de exclusão de ilicitude

ou eximentes, ou ainda, causas justificativas.

2. TIPOS INCRIMINADORES (ou LEGAIS).

São os tipos penais propriamente ditos, consistentes na síntese legal da definição da conduta criminosa

(crime ou contravenção).

Estão definidos na parte especial do Código Penal e na legislação penal especial.

2.1. Funções do Tipo Legal.

O tipo legal não se destina simplesmente a criar infrações penais. Ao contrário, possui relevantes funções:

a) Função de garantia: funciona como uma garantia do indivíduo, conhecendo todas as condutas que o

Page 57: Apostila concurseiros

Estado repudia, podendo exercer sua liberdade de maneia inequívoca. Trata-se de direito fundamental de 1ª

geração, limitando a atuação do poder estatal.

b) Função fundamentadora: a previsão de uma conduta criminosa pelo Estado fundamenta o seu direito de

punir quando há violação da norma.

c) Função indiciária da ilicitude: o tipo legal delimita a conduta penalmente ilícita, autorizando a presunção

de uma ação ou omissão ser ilícita, contrária ao ordenamento. Essa presunção é relativa (juris tantum), pois admite

prova em contrário (CP, art. 23).

d) Função diferenciadora do erro: o dolo do agente deve alcançar todas as elementares do tipo legal,sendo

responsabilizado somente quando houver conhecimento de que sua atitude compõe todos os elementos do tipo

legal (CP, art. 20).

e) Função seletiva: cabe ao tipo penal selecionar as condutas que deverão ser proibidas (crimes comissivos)

ou ordenadas (crimes omissivos) pela lei penal, levando em conta os princípios vetores do Direito Penal em um

Estado Democrático de Direito.

2.2. Estrutura do Tipo Legal.

O tipo penal, qualquer que seja, é composto por um núcleo e elementos. Nas formas qualificadas e

privilegiadas são acrescentadas as circunstâncias.

O Núcleo, representado pelo verbo, é a primeira etapa do tipo incriminador.

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Em torno do núcleo, se agregam elementos (ou elementares), objetivando proporcionar a perfeita descrição

da conduta criminosa. Podem ser objetivos, subjetivos e normativos.

Elementos objetivos (ou descritivos) são as circunstancias da conduta criminosa que podem ser constatados

por qualquer pessoa, exprimindo um juízo de certeza.

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Elementos normativos são aqueles cuja compreensão reclama uma interpretação valorativa, necessita de um

juízo de valor da situação, visando o destinatário da lei penal.

Podem ser jurídicos, traduzindo conceitos próprios do Direito ("indevidamente", "documento", "funcionário

público", "duplicata"); ou culturais (extrajurídicos), que envolvem conceitos próprios de outras disciplinas ("pudor",

"libidinoso", "arte", etc.).

Por fim, elementos subjetivos são os que dizem respeito ao ânimo do agente, isto é, finalidade de agir,

tendências e intenções. A doutrina utiliza a expressão "elementos subjetivos do injusto", reservando-a aos

elementos que sustentam identidade entre a tipicidade e a ilicitude.

Parte da doutrina entende, ainda, haver uma quarta espécie de elemento do tipo penal, relativo aos

elementos modais. Estes seriam os elementos do tipo que expressam as condições específicas de tempo, local ou

modo de execução da infração penal, indispensáveis para a caracterização do crime.

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de

quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

2.3. Classificação Doutrinária do Tipo Legal.

A doutrina classifica o tipo legal em diversas maneiras:

a) Tipo Normal e tipo anormal: norma é o que prevê elementos de ordem objetiva. Anormal é o que prevê

elementos subjetivos, normativos, acarretando a tipicidade anormal.

Page 58: Apostila concurseiros

b) Tipo fundamental e tipo derivado: fundamental ou básico é aquele que retrata a forma mais simples da

conduta criminosa. É chamado de crime simples, em regra, contido no caput do tipo legal[1]. Tipo derivado é

aquele que se estrutura com base no tipo fundamental, a ele se somando as circunstancias que aumentam ou

diminuem a pena. São as qualificadoras, causas de aumento e causas de diminuição de pena.

c) Tipo fechado e tipo aberto: fechado (ou cerrado) é o que Possi descrição minuciosa da conduta criminosa.

Aberto é o que não possui, cabendo ao Poder Judiciário, na análise do caso concreto, complementar a tipicidade

mediante um juízo de valor (CP, art. 137).

d) Tipo de autor e tipo de fato: tipo de autor é o que se relaciona ao direito penal do autor, onde não se

pune a conduta, mas a pessoa em razão de circunstâncias pessoais. Tipo de fato é o que tem por objeto a

incriminação da conduta criminosa, vigente no Brasil.

e) Tipo simples e tipo misto: simples é o que abriga em seu interior um único núcleo (CP, art. 157). Misto é o

que tem na descrição típica dois ou mais núcleos, representando crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado.

Pode ser um tipo misto alternativo (CP, art. 180) ou cumulativo (CP, art. 244).

f) Tipo congruente e tipo incongruente: congruente é aquele em que há perfeita coincidência entre a

vontade do autor e o fato descrito na lei penal (crime material consumado). Incongruente é aquele em que não há

coincidência, o resultado é diverso (crime tentado, crime culposo e preterdoloso).

g) Tipo complexo: o tipo possui uma parte objetiva, consistente na descrição da conduta criminosa e uma

parte subjetiva, consistente no dolo e na culpa (concepção finalista).

[1] Há uma exceção no Código Penal, art. 316, §1º, delito de excesso de exação, trata-se de crime simples que se acha no parágrafo, e não no caput.

CRIME DOLOSO

Trata-se de um elemento subjetivo do tipo penal, integrante da conduta. Consiste na vontade e consciência

de realizar os elementos do tipo penal.

1. TEORIAS DO DOLO.

Acerca do dolo, há três teorias:

a) Teoria da Representação: a configuração do dolo exige apenas a previsão do resultado. Não se preocupa

com o aspecto volitivo do agente, bastando que o resultado tenha sido antevisto.

b) Teoria da Vontade: ultrapassa a teoria da representação, pois além de exigir a previsão do resultado,

reclama também a vontade de produzir o resultado.

c) Teoria do Assentimento: também chamada teoria do consentimento ou da anuência, complementa a

teoria da vontade, caracterizando o dolo quando o agente, prevendo o resultado, assume o risco de produzi-lo.

A teoria adotada pelo Código Penal, conforme preceito do art. 18, I, é a junção da teoria da vontade com a

teoria do assentimento, ou seja, dolo é a vontade do resultado ou anuência em produzi-lo.

2. ELEMENTOS DO DOLO.

O dolo é composto por dois elementos: consciência e vontade.

A consciência é o elemento intelectual ao passo que a vontade é o elemento volitivo.

Page 59: Apostila concurseiros

Esses elementos se desenvolvem em três momentos: (1) na consciência do agente entre a conduta a ser

praticada e o resultado querido; (2) na consciência do agente sobre a relação de causalidade entre a conduta que

será praticada e o resultado que pretende atingir; e (3) a exteriorização da vontade de realizar a conduta e produzir

o resultado.

Não é preciso que o iter criminis transcorra da forma idealizada pelo agente. Subsiste o dolo se o objetivo

almejado foi alcançado em decorrência da conduta praticada.

3. DOLO NATURAL E DOLO NORMATIVO.

A divisão do dolo natural e do dolo normativo relaciona-se com a teoria adota pela definição de conduta.

Na teoria clássica (causal) o dolo e a culpa estavam alojados no interior da culpabilidade, que abrigava três

elementos: imputabilidade, dolo ou culpa e exigibilidade de conduta diversa. Esse dolo era chamado de dolo

normativo, pois abrigava a consciência da ilicitude do fato.

Com o surgimento do finalismo penal, o dolo foi transferido da culpabilidade para a conduta, elemento do

fato típico. Assim, o dolo, livre da consciência da ilicitude, passou a ser chamado de dolo natural.

4. ESPÉCIES DE DOLO.

a) Dolo Direto: Também chamado de dolo determinado, intencional, imediato ou incondicionado, é aquele

em que a vontade do agente é voltada para o resultado.

b) Dolo Indireto: ou indeterminado, é aquele em que o agente não tem vontade dirigida a um resultado

determinado. Subdivide-se em dolo eventual e dolo alternativo.

Dolo alternativo: é o que se verifica quando a gente deseja, indistintamente, um ou outro resultado. De

acordo com a teoria da vontade, o agente sempre responderá pelo crime mais grave querido.

Dolo eventual: é a modalidade em que o agente não quer o resultado, previsto, mas assume o risco de

produzi-lo. Responderá pelo crime em razão da teoria do assentimento, adotada pelo ordenamento penal pátrio.

Um critério prático e útil para a verificação do dolo eventual é a utilização da teoria positiva do

conhecimento, onde o agente revela a sua indiferença ante o resultado previsto, não deixando de agir.

Dolo eventual e os crimes de trânsito: a jurisprudência atual entende possível a aplicação do dolo eventual

em crimes praticados na direção de veículo automotor. O STJ e o STF entendem, pacificamente, que a direção

perigosa, desajustada socialmente, revela a vontade do agente, ou a anuência em produzir resultados danosos.

c) Dolus bônus e Dolus malus: essa classificação refere-se, com maior intimidade, ao Direito Civil. Diz

respeito aos motivos do crime, que podem aumentar a pena (motivo torpe) ou diminuí-la (relevante valor social ou

moral).

d) Dolo de propósito: ou dolo refletivo, é o que emana da reflexão do agente, ainda que pequena, acerca da

prática criminosa. É o crime premeditado.

e) Dolo de ímpeto: ou repentino, é o que se caracteriza quando o autor pratica o crime motivado por paixão

violenta ou excessiva perturbação de ânimo. Geralmente, são os crimes passionais.

f) Dolo genérico: era a expressão utilizada pela teoria causalista da conduta, para verificar na vontade de o

agente produzir o resultado, sem nenhuma finalidade específica. Atualmente, com a superveniência da teoria

finalista, é apenas o dolo.

Page 60: Apostila concurseiros

g) Dolo Específico: com a teoria causal, era o crime onde a vontade do agente era acrescida de uma

finalidade especial. Trata-se, pelo finalismo penal, do elemento subjetivo do dolo, ou elemento subjetivo do

injusto.

h) Dolo presumido: também chamado de dolo in re ipsa, é a espécie que dispensa comprovação do caso

concreto. Seria o dolo aceito pela responsabilidade penal objetiva.

i) Dolo de dano: ou de lesão, ocorre quando o agente quer ou assume o risco de lesionar um bem jurídico

penalmente tutelado.

j) Dolo de Perigo: ocorre quando o agente quer ou assume o risco de expor a perigo de lesão um bem

jurídico penalmente tutelado.

k) Dolo de primeiro grau: consiste na vontade do agente, direcionada a determinado resultado,

efetivamente perseguido, englobando os meios necessários para tanto.

l) Dolo de segundo grau: ou de consequências necessárias, é a vontade do agente dirigida a determinado

resultado, efetivamente desejado, em que a utilização dos meios para alcançá-lo inclui, obrigatoriamente, efeitos

colaterais de verificação praticamente certa.

m) Dolo geral por erro sucessivo: também chamado de aberractio causae, é o engano no tocante ao meio de

execução do crime, relativamente À forma pela qual se produz o resultado inicialmente desejado pelo agente. O

sujeito acredita ter alcançado o resultado com as práticas realizadas, e pratica nova conduta com finalidade

diversa, e acaba atingindo o resultado por esta última prática.

n) Dolo antecedente: conhecido como inicial ou preordenado, é o que existe desde o início da execução do

crime. Não é necessário estar presente no momento da prática da conduta, basta que tenha existido para que haja

a responsabilização do agente.

o) Dolo atual: ou concomitante, é o que persiste durante todo o desenvolvimento dos atos executórios.

p) Dolo subsequente: ou sucessivo, é o que se verifica quando o agente, após iniciar uma ação com boa-fé,

passa a agir de forma ilícita e, por corolário, pratica um crime ou, conhecendo posteriormente a ilicitude de sua

conduta, não busca evitar seu resultado.

q) Dolo nas contravenções penais: de acordo com o Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei das Contravenções

Penais), em seu art. 3º, para a existência de contravenção penal, basta a ação ou omissão voluntária, levando-se

em conta, o dolo ou a culpa.

Essa concepção revela íntima ligação das contravenções penais com a teoria clássica ou causal da conduta. A

maioria das contravenções penais não reclama resultado naturalístico, motivo pelo qual somente a ação ou

omissão voluntária, onde o agente quer o resultado, basta para a configuração da infração penal.

Assim, somente se verifica a análise de dolo ou culpa em casos onde a lei expressamente exige o resultado

para a configuração da contravenção penal. No mais, não há diferença entre o tipo subjetivo do crime o tipo

subjetivo da contravenção penal, pois ambos reclamam a vontade do agente em produzir, ou assumir o risco de

produzir, o resultado.

Page 61: Apostila concurseiros

CRIME CULPOSO

Dentro de uma concepção finalista da conduta, culpa é ume elemento normativo, pois sua aferição depende

da análise do caso concreto.

Em regra, os crimes culposos esta previstos por tipos penais abertos, permitindo ao magistrado valorar a

culpa na conduta do agente. Nada impede, contudo, a definição das condutas culposas num tipo penal fechado

(CP, art. 180, §3º).

Historicamente, culpa sempre foi muito criticada, tida como inútil a aplicação da pena em crimes culposos

por diversos autores. Na Itália, alguns autores verificavam que essa modalidade não provém de uma conduta

contrária ao Direito, mas de uma atitude que não se podia prever, cuja pena se tornaria ineficaz diante da não

periculosidade desses agentes.

Com o advento da Escola Positiva, a punição da culpa passou a ser reclamada por necessidade social, por ser

a sanção uma reação constante, independente da vontade.

Atualmente, acha-se encerrada essa discussão, uma vez que o interesse público impõe consequências penais

àqueles que lesam ou expõe a perigo bens penalmente tutelados, intencionalmente ou apenas por agir com

negligência, imprudência ou imperícia.

Por óbvio que, diante do menos desvalor da conduta, os crimes culposos são apenados de modo mais

brando do que os dolosos.

Para que se facilite a compreensão, o conceito de culpa pode ser fracionado por diversos elementos, que a

compõe, tornando mais tranquila a assimilação da matéria.

Assim, crime culposo é o que se verifica quando o agente, deixando de observar o dever objetivo de cuidado,

por imprudência, negligencia ou imperícia, realiza voluntariamente uma conduta que produz resultado

naturalístico indesejado, não previsto, nem querido, mas objetivamente previsível, e excepcionalmente previsto e

querido, que podia, com a devida atenção, ter evitado.

1. ELEMENTOS DO CRIME CULPOSO.

Diante do conceito apresentado, é possível extrair os seguintes elementos:

1.1. Conduta Voluntária.

A culpa é a vontade do agente, limitada à prática de uma conduta perigosa, por ele aceita e desejada. Pode

ser praticada por ação ou omissão, que não se destina à produção do resultado material, porém, conhecia a sua

possibilidade de ocorrência.

1.2. Violação do dever objetivo de cuidado.

A vida em sociedade retira do homem o direito de fazer tudo o que desejar, quando e onde, do modo que

quiser. Os interesses das outras pessoas bem como a vida em comunidade lhes impõem limites intransponíveis.

Assim, o dever objetivo de cuidado trata-se de um comportamento imposto pelo ordenamento jurídico a

todas as pessoas, visando o regular e pacífico convívio social.

O crime culposo, nesse contexto, ocorre quando o agente, com uma prática de uma conduta descuidada,

desrespeita tal norma, por imprudência, negligência ou imperícia, as três modalidades de culpa existentes em

nosso ordenamento.

a) Imprudência: é a forma positiva (in agendo) que consiste na atuação do agente sem observância das

cautelas necessárias. É uma ação, intempestiva e irrefletida.

b) Negligência: é a inação, modalidade negativa de culpa (in omitendo), consistente na omissão em relação à

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conduta que se devia praticar.

c) Imperícia: também chamada de culpa profissional, é a culpa que ocorre no exercício de arte, profissão ou

ofício. Não se confunde com o erra profissional, onde o agente age conforme manda o dever objetivo de cuidado,

contudo, a falha é da ciência, não devendo ser responsabilizado.

1.3. Resultado naturalístico involuntário.

Trata-se de elementar do tipo penal, ou seja, é a modificação do mundo exterior com a prática da conduta

culposa.

Todo crime culposo, por consequência, integra o grupo dos crimes materiais. O sistema penal brasileiro não

admite crimes culposos de mera conduta.

1.4. Nexo causal.

Como ocorre nos demais crimes materiais, verifica-se a relação de causa e efeito da conduta culposa

praticada em consonância com o resultado naturalístico involuntário.

Aplica-se a teoria conditio sine qua non, CP, art. 13, verificando que o resultado material ocorrido, ainda que

involuntário, não teria ocorrido se o agente houvesse observado as normas de cuidado objetivo.

1.5. Tipicidade.

Sendo elemento do fato típico nos crimes materiais consumados, a tipicidade precisa ser verificada também

nos crimes culposos, fazendo-se um juízo de subsunção da conduta praticada no mundo real e a descrição típica

contida na lei penal.

1.6. Previsibilidade objetiva.

É a possibilidade de uma pessoa comum, com inteligência mediada, prever a possibilidade de ocorrência do

resultado. É o chamado homem médio (homo medius).

Portanto, verifica-se que a previsibilidade do resultado é objetiva, por levar em conta o fato concreto e um

elemento padrão (homem médio) de aferição, e não o agente.

Importante anotar que o estudo em questão se faz perante a teoria do crime: fato típico + ilicitude +

culpabilidade. Assim, quando se analisa o crime em seara de fato típico e ilicitude, observam-se as condições do

fato, com a análise sob um paradigma padronizado, o homem médio. As condições específicas do agente serão

analisadas em seara de culpabilidade.

1.7. Ausência de previsão.

Em regra, o delito culposo ocorre porque o agente não consegue enxergar aquilo que o homem médio

consegue prever, atingindo, assim, o resultado material involuntário.

Excepcionalmente, há a previsão do resultado (culpa consciente).

2. ESPÉCIES DE CULPA.

2.1. Culpa inconsciente e culpa consciente.

Baseia-se na previsão do agente acerca do resultado naturalístico, provocado por sua conduta.

Culpa inconsciente, sem previsão ou ex ignorantia é aquela em que o agente não prevê o resultado

objetivamente previsível.

Culpa consciente, com previsão ou ex lascívia é a que ocorre quando o agente, após prever o resultado,

objetivamente previsível, realiza a conduta acreditando em sua habilidade, acreditando que não ocorrerá.

Essa espécie de culpa representa o estágio mais avançado da culpa, aproximando-se do dolo eventual. Na

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culpa consciente o sujeito não quer o resultado, nem assume o risco de produzi-lo. Ele espera, sinceramente, que

não ocorra, apesar de saber que é possível. No dolo eventual, o agente não somente prevê o resultado, mas,

apesar de não querer, aceita-o como uma das alternativas possíveis. A diferença reside no subjetivo do agente.

2.2. Culpa própria e culpa imprópria.

Baseia-se na intenção de produzir o resultado naturalístico.

Culpa própria é a que se verifica quando o agente não quer o resultado, nem assume o risco de produzi-lo. É

a culpa propriamente dita.

Culpa imprópria, também chamada de culpa por extensão, por equiparação ou por assimilação, é aquela em

que o sujeito, após prever o resultado, realiza a conduta por erro inescusável quanto à ilicitude do fato.

A gente incide em erro, supondo uma situação fática que, se existisse, tornaria a ação lícita. Contudo, como

esse erro poderia ter sido evitado pela prudência de um homem médio, responderá pelo delito na modalidade

culposa. Na verdade, a conduta do agente em produzir o resultado naturalístico revela o dolo, contudo, por razões

de política criminal, e punido na modalidade culposa, pois, se soubesse da real situação de fato, não teria agido.

Essa espécie de culpa é a única que comporta a tentativa, justamento por seu caráter híbrido, a culpa

imprópria possui um dolo tratado como culpa, admitindo-se a tentativa.

2.3. Culpa mediata ou indireta.

É a espécie de culpa que ocorre quando o sujeito produz o resultado indiretamente a título de culpa.

Essa culpa consiste em fato com relação estreita e realmente eficiente no tocante ao resultado naturalístico,

não podendo se confundir com a mera condição ou ocasião do ocorrido.

2.3. Culpa presumida.

Também chamada de culpa in re ipsa, tratava-se de espécie de culpa admitida pela legislação penal anterior

ao Código Penal vigente.

Foi abolida do atual ordenamento por constituiu uma verdadeira responsabilidade penal objetiva.

3. GRAUS DE CULPA.

No passado, buscou-se dividir a culpa em graus, quanto à sua intensidade. Assim, seria culpa grave aquela

onde qualquer agente era capaz de prever o resultado; leve aquela que ocorreria nos casos em que um homem de

inteligência mediana poderia antever os resultados; e, por fim, levíssima, aquela em que o resultado se afigura

perceptível somente a pessoas de excepcional cautela e inteligência, aproximando-se do caso fortuito.

O Direito Penal brasileiro refuta a divisão da culpa em graus. Ou há a culpa, e, por corolário, a

responsabilização do agente; ou não há culpa, sendo o fato irrelevante.

4. COMPENSAÇÃO DE CULPAS.

O Direito Penal não admite a compensação de culpas. Diante do caráter público da sanção penal como

consequência da conduta ilícita, a culpa do agente não pode ser anulada pela culpa da vítima.

Essa compensação tem incidência apenas no direito privado. Em seara penal, a culpa da vítima apenas

funciona como circunstancia favorável ao acusado, sopesada pelo magistrado na fixação da pena (CP, art.

59, caput).

Somente há exclusão da culpa do agente quando há a culpa exclusiva da vítima. Denota-se que houve

observância ao dever objetivo de cuidado pelo agente, que agiu prudentemente, sem negligencia ou imperícia.

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5. CONCORRÊNCIA DE CULPAS.

É o que se verifica quando duas ou mais pessoas concorrem, contribuem culposamente, para a produção do

resultado naturalístico.

Respondem pelo resultado em face da teoria da conditio sine que non, CP, art. 13, contudo, não havendo

coautoria ou participação, em razão da ausência de vínculo subjetivo.

6. CARÁTER EXCEPCIONAL DO CRIME CULPOSO.

Nos termos do CP, art. 18, há consagrado em nosso ordenamento o princípio da excepcionalidade do crime

culposo, ou seja, ninguém poderá ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Assim, a modalidade culposa deve ser prevista pela lei. Havendo silêncio legislativo, não há que se falar em

crime, restando ao crime somente a modalidade dolosa.

7. EXCLUSÃO DA CULPA.

Exclui-se a culpa do agente na produção do resultado material nos casos de:

a) Caso fortuito ou força maior: são acontecimentos imprevistos, imprevisíveis e inevitáveis, que escapam

do controle da vontade do homem.

b) Erro profissional: a culpa pelo resultado naturalístico não é do homem, que fez tudo o que estava ao seu

alcance, mas da ciência, que se mostrou inapta para enfrentar determinadas situações.

c) Risco tolerado: por diversas maneiras, necessárias para a evolução do homem e da própria humanidade,

podem ser efetuadas atividades que proporcionam riscos calculados para bens jurídicos penalmente protegidos.

Assim, esses fatos se tornam impuníveis diante da aceitação da sociedade.

d) Princípio da confiança: como o dever objetivo de cuidado se dirige a todas as pessoas, pode-se esperar

que cada um se comporte de forma prudente e razoável, necessária para a coexistência pacífica em sociedade.

Presume-se a boa-fé do todo o indivíduo, no cumprimento das regras jurídicas impostas pelo Direito. Assim,

não haverá culpa nos crimes eventualmente produzidos pela conduta ilícita praticada por outrem.

CRIME PRETERDOLOSO

O termo preterdolo emana do latim praeter dolum, ou seja, além do dolo. Destarte, crime doloso ou

preterintencional, é o que se verifica quando a conduta dolosa acarreta a produção de um resultado mais grave do

que o desejado pelo agente.

O propósito do autor era praticar um crime doloso, mas por culpa, sobreveio um resultado mais gravoso do

que o inicialmente pretendido. Resta caracterizada, portanto, a figura híbrida do crime preterdoloso, com dolo no

antecedente (minus delictum) e culpa no consequente (majus delictum).

Diante no misto entre dolo e culpa, o preterdolo é classificado como um elemento subjetivo-normativo do

tipo penal, uma vez que o dolo atinge o elemento subjetivo do agente e a culpa reside num juízo de valor,

entendido como elemento normativo.

Nos termos do CP, art. 19, o agente somente responderá pelo resultado mais grave se a culpa for provada, se

era previsível, ainda que absoluta ou relativa. Não se admite a figura da versari in re illicita que proclamava o

brocardo: qui in re illicita versatur tenetur etiam pro casu, ou seja, quem se envolve com coisa ilícita é responsável

também pelo resultado fortuito.

1. CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO.

É aquele que possui uma conduta básica, definida e apenada como delito de forma autônoma, nada obstante

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ainda ostente um resultado que o qualifica, majorando-lhe a pena por força da sua gravidade objetiva, desde que

exista entre eles relação causa física e subjetiva.

Todo crime qualificado pelo resultado representa um único crime, crime complexo, pois resultado da junção

de dois ou mais delitos.

Além do crime preterdoloso, existem outros crimes qualificados pelo resultado:

a) Dolo no antecedente e dolo no consequente: a exemplo do crime de latrocínio (CP, art. 157, §3º, in fine).

A morte que sobrevém ao roubo pode ser culposa (crime preterdoloso) ou dolosa.

b) Culpa no antecedente e culpa no consequente: a conduta básica e o resultado agravador são previstos na

forma culposa (CP, art. 258, in fine).

c) Culpa no antecedente e dolo no consequente: Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), art. 303,

parágrafo único. O motorista culposamente dirige embriagado, mas dolosamente foge ao atropelar uma pessoa.

Calha anotar aqui a visão de Cezar Roberto Bitencourt, que distingue os crimes preterdolosos dos crimes

qualificados pelo resultado com fundamento diverso: "no crime qualificado pelo resultado, ao contrário do

preterdoloso, o resultado ulterior, mais grave, deriva involuntariamente da conduta criminosa, lesando um bem

jurídico diverso do bem jurídico precedentemente lesado. Assim, enquanto a lesão corporal seguida de morte seria

preterintencional (CP, art. 129, §3º), o aborto seguido da morte da gestante seria crime qualificado pelo resultado

(CP, art. 125, 126 c/c 127).

ERRO DE TIPO

Erro é a falsa percepção da realidade ou o falso conhecimento de determinado objeto. Ignorância é o

completo desconhecimento da realidade ou de algum objeto. O Código Penal, entretanto, trata de forma idêntica

esses institutos.

Portanto, estabelecido pelo CP, art. 20, erro de tipo é a falsa percepção da realidade acerca dos elementos

constitutivos do tipo penal.

Para parte da doutrina, v.g., Damásio de Jesus, o erro de tipo é o que incide sobre elementares e

circunstâncias da figura típica, tais como qualificadoras e agravantes genéricas.

1. ESPÉCIES.

O erro de tipo pode ser escusável ou inescusável:

a) Erro de tipo escusável, inevitável, invencível ou desculpável: é a modalidade de erro que não deriva de

culpa do agente, ou seja, mesmo que houvesse agido com as cautelas do homem médio, não poderia evitar a falsa

percepção da realidade.

b) Erro de tipo inescusável, evitável, vencível ou indesculpável: é a espécie de erro que provém da culpa do

agente, pois se houvesse agido com a cautela necessária, não teria incorrido no erro.

2. EFEITOS.

O erro de tipo, seja escusável ou inescusável, sempre exclui o dolo. Para caracterizar o crime doloso, devem

estar presentes todas as elementares do tipo penal.

Não obstante, os efeitos da "cara negativa do dolo[1]" variam conforma a espécie. O erro escusável exclui o

dolo e a culpa, acarretando impunidade total do fato. O erro vencível, por sua vez, exclui o dolo, mas permite a

punição por crime culposo, se previsto em lei.

Excepcionalmente, pode haver o erro de tipo escusável que não exclui a criminalidade do fato, operando a

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desclassificação para outro delito. Ex: agente ofende pessoa, desconhecendo sua condição de funcionário público.

O erro sobre a elementar do tipo afasta o crime de desacato (CP, art. 331) subsistindo, contudo, a injúria (CP, art.

140).

3. ERRO DE TIPO E DELITO PUTATIVO POR ERRO DE TIPO.

Em que pese a proximidade terminológica, esses institutos não se confundem:

Erro de tipo é o desconhecimento ou falso conhecimento que o agente tem sobre as elementares do tipo

penal, não sabendo que o fato que pratica é um ilícito penal.

Já o crime putativo por erro de tipo é o imaginário ou erroneamente suposto, que existe exclusivamente na

mente do agente. Ele quer praticar o crime, mas por erro, pratica um ilícito penal. Ex: vende talco imaginando ser

cocaína.

4. DESCRIMINANTES PUTATIVAS.

Nos moldes do CP, art. 20, §1º, descriminante é a causa que descrimina a conduta, exclui o crime, retirando o

caráter ilícito do fato típico praticado por alguém. Trata-se de causa de exclusão de ilicitude. Putativa é o aparente,

parecido, algo imaginário, erroneamente suposto.

Assim, descriminante putativa é a causa de exclusão de ilicitude que não existe concretamente, mas apenas

na mente do autor de um fato típico. Nos termos do CP, art. 23, as causa de exclusão da ilicitude também podem

ocorrer com o agente imaginando situação que não existe, erro justificável pelas circunstâncias: estado de

necessidade putativo, legítima defesa putativa, etc.

As descriminantes putativas relacionam-se com a figura do erro, de três espécies:

a) erro relativo aos pressupostos de fato de uma causa de exclusão da ilicitude: o agente encontra o seu

desafeto, que já o ameaçou de morte, percebendo que ele coloca a mão no bolso, saca de um revólver o mata

antes. Supõe achar-se em legítima defesa, mas errou sobre o elemento "agressão injusta".

b) erro relativo à existência de uma causa de exclusão de ilicitude: sujeito flagra esposa em adultério e

mata ambos, crendo que estaria acobertado pela legítima defesa da honra. O erro incide aqui sobre a

descriminante, não acolhida pela legislação pátria.

c) erro relativo aos limites de uma causa de exclusão da ilicitude: o fazendeiro que resolve matar todos que

invadirem a sua propriedade. O erro repousa no excesso entre os bens jurídicos tutelados e a desproporcional

valoração.

Nas hipóteses das letras "b" e "c", temos uma modalidade de erro de proibição. Assim, subsiste o dolo e a

culpa, excluindo-se a culpabilidade em caso de erro escusável. Em caso de erro inescusável, não se afasta a

culpabilidade, respondendo o agente nos termos do CP, art. 21, caput.

No que tange à letra "a", a natureza da descriminante depende da teoria da culpabilidade adotada.

Para a teoria limitada da culpabilidade, trata-se de erro de tipo, onde se o erro foi escusável, exclui-se o dolo

e a culpa, acarretando a atipicidade do fato (pois o dolo e a culpa residem na conduta, elemento do fato típico); se

inescusável, afasta-se o dolo subsistindo a responsabilidade pelo crime culposo, se houver (CP, art. 20, §1º)[2].

Para a teoria normativa da culpabilidade, trata-se de erro de proibição. Logo, subsiste o dolo e a culpa,

excluindo-se a culpabilidade, se o erro foi inevitável. Se evitável, responde o agente por dolo, diminuindo-se a pena

de 1/6 a 1/3, conforme CP, art. 21, caput[3].

5. ERRO DETERMINADO POR TERCEIRO.

Cuida-se da hipótese na qual quem pratica a conduta tem uma falsa percepção da realidade no que diz

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respeito aos elementos constitutivos do tipo penal em decorrência da atuação de uma terceira pessoa, chamada

de agente provocador.

Assim, o agente não erra por conta própria, mas por erro determinado por terceiro, de forma provocada, por

dolo ou culpa.

Conforme preceitua o CP, art. 20, §3º, o agente provocador do erro responderá conforme a sua conduta,

culposa ou dolosamente. O provocado, quando escusável o erro em que incorreu, será impune; quando

inescusável, responderá por culpa, se houver.

5.1. Erro determinado por terceiro e concurso de pessoas.

É possível que o agente provocador e o provocado pelo erro atuem dolosamente quanto à produção do

resultado. Nesse caso, ambos responderão pelo crime praticado, na modalidade dolosa.

Se, contudo, o agente provocador atua culposamente, e o provocado dolosamente, inexiste concurso de

pessoas, uma vez que não há participação culposa em crime doloso. Assim, cada um responderá por um delito

autônomo, na modalidade em que agiu.

6. ERRO DE TIPO ACIDENTAL.

É o que recai sobre diversos dos elementos constitutivos do tipo penal, ou seja, sobre as circunstâncias e

fatores irrelevantes da figura típica. Nesse caso, a infração penal subsiste e o erro não afasta a responsabilidade

penal.

Pode ocorrer nas seguintes situações:

6.1. Erro sobre a pessoa (error in persona).

É o que se verifica quando o agente confunde a pessoa visada para o crime, com pessoa diversa. Ex: quer

matar o "pai", mas o confunde com o "tio" e acaba por exterminar este último.

Nos termos do CP, art. 20, §3º, não importa as condições da vítima real, o agente será responsabilizado como

se houvesse praticado o crime contra a vítima pretendida, isto é, a vítima virtual, inclusive com as circunstâncias

que qualificam o crime.

6.2. Erro sobre o objeto.

Nesse caso, o sujeito crê que a conduta recai sobre um determinado objeto, mas na verdade incide sobre

objeto diverso. Ex: querer furtar um "rolex", mas furtar um "ching ling".

O erro é irrelevante e não interfere na tipicidade penal.

6.3. Erro sobre as qualificadoras.

O sujeito age com falsa percepção da realidade no que diz respeito a uma qualificadora do crime. Ex: furta

um carro com uma chave que achava ser falsa, mas era a verdadeira. O tipo permanece íntegro, mas a

qualificadora desaparece[4].

6.4. Erro sobre o nexo causal (aberractio causae).

Também chamado de dolo geral por erro sucessivo, é o engano no tocante ao meio de execução do crime,

que efetivamente determina o resultado almejado pelo agente.

O sujeito acredita ter alcançado o resultado e pratica nova conduta, com finalidade diversa, aí sim atingindo

o resultado anteriormente pretendido. Trata-se de erro sobre a relação de causalidade. O dolo é geral, irrelevante

para o Direito, devendo o agente responder pelo resultado naturalístico alcançado. Ex: sujeito ministra veneno ao

inimigo e, acreditando ter alcançado seu objetivo (morte), enterra o corpo tentando ocultar o cadáver. A vítima,

contudo, falece em razão da asfixia por soterramento. O autor responderá pelo homicídio qualificado mediante

emprego de veneno.

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A despeito da posição acima, amplamente dominante na doutrina, há entendimentos diversos com base no

princípio do desdobramento, sustentando a cisão do elemento volitivo, devendo ao agente ser imputados dois

crimes distintos. No caso acima, responderia pela tentativa qualificada pelo veneno e pelo homicídio culposo pelo

soterramento.

6.5. Erro na execução (aberracti ictus).

Previsto no CP, art. 73, consiste na aberração no ataque, em relação à pessoa atingida pela conduta

criminosa. O agente não se engana com relação à pessoa, mas erra na execução da conduta, atingindo pessoa

diversa.

Responderá nos termos do art. 20, §3º, considerando as condições da vítima que pretendia atingir.

O erro na execução pode ocorrer com unidade simples, também chamado de resultado único, quando o

agente atinge vítima diversa da pretendida; ou com unidade complexa, ou com resultado duplo, quando o agente,

além da vítima pretendida, atinge também pessoa diversa, culposamente. Responderá nos termos do CP, art.

70, caput.

Se, contudo, o erro na execução com unidade complexa consistir numa atitude de dolo eventual por parte do

agente, responderá pelos delitos em concurso formal impróprio ou imperfeito, pois a pluralidade de resultados

deriva de desígnios autônomos, ou seja, dolos diversos para a produção de resultados.

6.6. Resultado diverso do pretendido (aberractio delicti ou aberractio criminis).

Acha-se previsto no CP, art. 74, que disciplina a situação em que, por acidente ou erro na execução do crime,

sobrevém resultado material diverso do pretendido. O erro é no crime cometido. Ex: o sujeito atira uma pedra pra

quebrar uma janela (CP, art. 163) e atinge uma pessoa que passava pela rua (CP, art. 129).

Essa espécie de erro de tipo acidental pode ser, também, com unidade simples (resultado único), onde o

agente realiza crime diverso do pretendido, respondendo por culpa; e com unidade complexa (resultado duplo),

onde o agente atinge também o fim desejado, dolosamente, utilizando-se a regra do concurso formal (CP, art. 70).

Importante anotar que, se o resultado previsto como crime culposo for menos grave ou o crime não tiver

modalidade culposa, deve-se desprezar o art. 74. Ex: sujeito atira contra desafeto e acaba por quebrar uma janela.

O crime de dano restaria absorvido pela tentativa incruenta (ou branca) de homicídio, se houvesse modalidade

culposa desse crime.

[1] Nome dado ao erro de tipo por Eugenio Raúl Zaffaroni. [2] Filiam-se a esse entendimento Damásio de Jesus e Francisco de Assis Toledo. Também acolheu essa teoria o Código Penal, com a reforma da parte geral trazida pela Lei 7.209/94, conforme art. 19 da Exposição de Motivos do Código Penal. [3] Partilham desse ensinamento Cezar Roberto Bitencourt e Guilherme de Souza Nucci. [4] Importante lembrar que alguns autores, v.g., Damásio de Jesus, consideram o erro sobre as qualificadoras como erro de tipo essencial.

ITER CRIMINIS

É o caminho do crime, ou seja, as etapas percorridas pelo agente para a prática de um fato previsto em lei

como infração penal. Possui uma fase interna e uma externa.

1. FASE INTERNA: COGITAÇÃO.

Repousa na mente do agente, nela se formando a ideia de envereda pela empreitada criminosa. Acha-se

num claustro psíquico, não se revelando em atos externos.

Por ser inofensivo a qualquer bem jurídico, o pensamento não é alcançado pelo Direito Penal, conforme

brocardo: pensiero non paga gabela ou cogitationis poenan nemo partitur.

A cogitação se distribui em três momentos: idealização, deliberação e resolução.

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2. FASE EXTERNA.

2.1. Preparação.

A etapa da preparação consiste nos atos indispensáveis à prática da infração penal, municiando-se, o agente,

dos elementos necessários para a concretização da sua conduta ilícita, criando condições para a efetivação da

infração penal.

Geralmente, os atos preparatórios não são punidos, nem mesmo de forma tentada, conforme CP, art. 14, II.

Excepcionalmente, podem ser punidos nas formas em que a lei optou por incriminá-los de forma autônoma. São os

chamados crimes-obstáculo (CP, arts. 253, 286, 288, 291 e outros).

2.2. Execução.

Inicia-se com a agressão efetiva ao bem jurídico tutelado por meio da realização do núcleo do tipo penal. O

agente começa a realizar o verbo descritivo do crime, tornando o fato punível. Este ato deve ser idôneo e

inequívoco.

Idôneo por se revestir da capacidade suficiente de lesar o bem jurídico por si só, de modo concreto.

Inequívoco por se direcionar ao ataque direto do bem jurídico almejado, fornecendo certeza da vontade ilícita.

2.3. Transição dos atos preparatórios para os atos executórios.

Um dos maiores problemas do Direito Penal é estabelecer o momento exato de transição dos atos

preparatórios para os atos executórios.

Diante das inúmeras teorias que intentam solucionar os impasses do tema, ainda não se tem um método

infalível para essa distinção. Portanto, nos casos de irredutível dúvida, o magistrado deverá pronunciar o non

liquet, ou seja, a falta de provas, negando a existência da tentativa.

Vejamos as teorias:

a) Teoria Subjetiva: não há transição dos atos preparatórios para os atos executórios. O que interessa é o

plano interno do autor, a sua vontade. Logo, é punível também a cogitação.

b) Teoria Objetiva: os atos executórios dependem do início da realização do tipo penal. É imprescindível a

exteriorização dos atos preparatórios, idôneos e inequívocos para a produção do resultado naturalístico. Essa

teoria se divide em:

Teoria da hostilidade ao bem jurídico: atos executórios são aqueles que atacam o bem jurídico[1].

Teoria objetivo-formal ou lógico-formal: ato executório é aquele que se inicia com a realização do verbo

contido na conduta criminosa. Exige a penetração no núcleo do tipo penal. É a preferida pela doutrina pátria[2].

Teoria objetivo-material: atos executórios são aqueles em que se começa a prática do núcleo do tipo e

também os imediatamente anteriores ao início da conduta típica, do ponto de visão de uma terceira pessoa, alheia

aos fatos[3].

Teoria objetivo-individual: atos executórios são os relacionados ao início da conduta típica e também os

imediatamente anteriores, em conformidade com o plano concreto do autor[4].

2.4. Consumação.

Ocorre o crime consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (CP, art. 14, I).

Trata-se de um crime completo, perfeito.

Nos crimes materiais aperfeiçoa-se com a superveniência do resultado naturalístico. Nos crimes formais ou

de mera conduta, com a simples atividade do agente.

Nos crimes qualificados pelo resultado, incluindo os preterdolosos, ocorre com a produção do resultado

agravador, doloso ou culposo.

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Nos crimes de perigo concreto, com a mera exposição a perigo do bem jurídico tutelado. Nos crimes de

perigo abstrato, com a mera prática de conduta considerada pela lei como perigosa.

Os crimes permanentes, a consumação se arrasta no tempo. Nos crimes habituais, a consumação se dá

reiteradas vezes, pois cada ato representa um indiferente penal.

3. EXAURIMENTO.

Também chamado de crime exaurido ou crime esgotado, é o delito que, posteriormente à consumação,

subsistem efeitos lesivos derivados da conduta do autor.

No terreno da tipicidade, o exaurimento não compõe o iter criminis, que se encerra com a consumação. Influi

apenas da dosimetria da pena, notadamente na aplicação da pena-base, como circunstância judicial, conforme CP,

art. 59, caput.

Em alguns casos, o exaurimento pode funcionar como qualificadora (CP, art. 329, §1º) u como causa de

aumento de pena (CP, art. 317, §1º).

[1] Idealizada por Max Ernst Mayer e aceita por Nelson Hungria e José Frederico Marques. [2] Surgiu dos estudos de Fran Von Liszt. [3] Criada por Reinhart Frank e adotada pelo Código Penal Português, art. 22. [4] Remonta a Hans Welzel e é defendida por Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli.

TENTATIVA

Como bem define o CP, art. 14, II, tentativa é o início de execução de um crime que somente não se consuma

por circunstâncias alheias à vontade do agente.

É também conhecida por outros rótulos como: conatus, crime imperfeito ou ainda, como define Zaffaroni,

crime incompleto.

A tentativa é composta de três elementos: (1) início da execução; (2) ausência de consumação por

circunstâncias alheias à vontade do agente; e (3) dolo de consumação.

Com relação à sua natureza jurídica, a tentativa trata-se de uma norma de extensão ou ampliação da

conduta, uma vez que não goza de autonomia dentro das definições do Código Penal. Ela reclama um tipo penal

específico, na modalidade consumada, em combinação com o art. 14, II, antecipando a tutela penal em relação aos

atos executórios prévios à consumação do resultado naturalístico intentado.

1. TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DA TENTATIVA.

Dentre as inúmeras teorias que buscam fundamentar a punibilidade da tentativa, quatro se destacam:

a) Teoria subjetiva, voluntarística ou monista: ocupa-se da vontade criminosa, que pode se revelar tanto na

fase dos atos preparatórios como também durante a execução. O sujeito é punido pela intenção, importando o

desvalor de sua ação.

b) Teoria sintomática: idealizada por Ferri, Lombroso e Garofalo, sustenta a punição em razão da

periculosidade objetiva, isto é, do perigo representado pelo agente, permitindo a punição de atos preparatórios.

c) Teoria objetiva, realística ou dualista: a tentativa é punida em face do perigo proporcionado ao bem

jurídico tutelado pela lei penal. Sopesam-se o desvalor da ação e o desvalor do resultado. Pune-se a tentativa com

pena inferior à do crime consumado.

d) Teoria da impressão ou objetivo-subjetiva: representa um limite à teoria subjetiva, evitando o alcance

desordenado dos atos preparatórios. Pune-se a tentativa somente quando os atos preparatórios são suficientes

para ferir o sentimento de segurança jurídica e comover a confiança na vigência do ordenamento normativo.

Page 71: Apostila concurseiros

Nos termos do CP, art. 14, II, denota-se que o ordenamento penal pátrio adotou a teoria objetiva, realística

ou dualista ao determinar que a pena de tentativa deve corresponder à do crime consumado, diminuída de 1/3 a

2/3.

De modo excepcional, aceita-se a aplicação da teoria subjetiva, voluntarística ou monista, consagrada pela

expressão "salvo disposição em contrário". São os casos de crime de atentado ou de empreendimento, cujas

modalidades tentada e consumada comportam punições equivalentes (CP, art. 352 e Lei 4.737/65 – Código

Eleitoral – art. 309).

2. CRITÉRIO PARA DIMINUIÇÃO DE PENA.

A tentativa constitui causa obrigatória de diminuição da pena. Incide na terceira fase da aplicação da pena

privativa de liberdade e sempre a reduz.

O critério decisivo para a diminuição corresponde à distância percorrida no iter criminis, conforme

entendimento do STF. Quanto mais distante da consumação, maior será a diminuição.

3. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS.

Para verificar se o crime tentado se enquadra no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, a

causa de diminuição de pena deve ser aplicada em sua fração mínima sobre a pena máxima. Se o resultado for

inferior a dois anos, é competente o Juizado Especial Criminal para o julgamento da causa.

4. CÓDIGO PENAL MILITAR.

O Código Castrense orienta-se também pela aplicação da teoria objetiva, com única exceção apresentada no

art. 30.

5. ESPÉCIES DE TENTATIVA.

a) Tentativa branca (incruenta): é a modalidade onde o objeto material não é atingido pela conduta

criminosa.

b) Tentativa vermelha (cruenta): nesta espécie, o objeto material é atingido pela atuação do agente, porém,

a consumação não ocorre.

c) Tentativa perfeita, acabada (crime falho): nesta tentativa, o agente esgota todos os meios executórios

que estavam à sua disposição, e mesmo assim não sobrevém a produção do resultado naturalístico, por

circunstancias alheias à sua vontade. Pode ser cruenta ou incruenta.

d) Tentativa imperfeita, inacabada (tentativa propriamente dita): o agente inicia a execução sem, contudo,

utilizar todos os meios que tinha ao seu alcance. O crime também não se consuma por circunstancias alheias ao

seu intento.

6. TENTATIVA E CRIME DE ÍMPETO.

Crimes de ímpeto são os cometidos sem premeditação, como decorrência de reação emocional repentina.

Há argumentos na doutrina no sentido de que o ímpeto afastaria a viabilidade de análise do iter criminis,

ante sua atuação repentina e a impossibilidade decorrente de fracionamento dos atos executórios.

Não é o entendimento que prevalece. Nelson Hungria, com peculiar competência, repele esse entendimento,

acreditando ser possível o conatus tanto nos crimes de ímpeto quando nos crimes refletidos, posto que a

indagação do animus não pode deixar de ser feita ab externo, diante das circunstâncias objetivas.

Page 72: Apostila concurseiros

7. TENTATIVA E DOLO EVENTUAL.

A doutrina admite a tentativa nos crimes cometidos com dolo eventual, equiparando a conduta, nos termos

do CP, art. 18, I, ao dolo direto, consignando que a necessidade de provar o início da execução de um crime que

não se consuma é de ordem processual, em nada interferindo na tipicidade do fato, que resta provado.

Entretanto, parte respeitável da doutrina defende posição contrária, inadmitindo a tentativa nos crimes com

dolo eventual, fundamentando a tese no sentido de que o art. 14, II baseou a tentativa na teoria da vontade (CP,

art. 18, I, 1ª parte), excluindo-a do alcance do dolo eventual, acolhido pela teoria do assentimento ou

consentimento (CP, art. 18, I, in fine).

8. INADMISSIBILIDADE DA TENTATIVA.

Regra geral, os crimes dolosos são compatíveis com a tentativa, pouco importando sejam materiais, formais

ou de mera conduta.

A admissibilidade ou não da tentativa tem a ver, de fato, com a plurissubsistência do delito, isto é, na

possibilidade de fracionamento da conduta em diversos atos executórios.

Assim, os crimes formais e de mera conduta, desde que plurissubsistentes, admitem o conatus. Algumas

espécies, contudo, não admitem a tentativa. Vejamo-las:

a) Crimes culposos: nesses crimes, o resultado material é involuntário, contrário à intenção do agente. Essa

regra se excepciona no que diz respeito à culpa imprópria, que se trata, na verdade, de dolo, punido a título de

culpa por razões de política criminal.

b) Crimes preterdolosos: nestes crimes o resultado agravador é culposo, não desejado pelo agente. Assim,

não se compactua a tentativa.

c) Crimes unissubsistentes: são aqueles em que a conduta é exteriorizada mediante um único ato, suficiente

para alcançar a consumação. Ou alcança e configura o crime, ou não alcança e se revela um fato atípico.

d) Crimes omissivos próprios (ou puros): ingressam no grupo dos crimes unissubsistentes. Ou há crime ou

não há fato típico. Os crimes omissivos impróprios admitem a tentativa, ante a possibilidade de fracionamento da

conduta.

e) Crimes de perigo abstrato: também se enquadram no bloco acima. Os crimes de perigo concreto

comportam tentativa.

f) Contravenções penais: não há tentativa por expressa previsão legal. Decreto-Lei 3.688/1941, art. 4º.

g) Crimes condicionados: são aqueles cuja punibilidade está sujeita à produção de um resultado legalmente

exigido (CP, art. 122).

h) Crimes subordinados a condição objetiva de punibilidade: tal como ocorre em relação aos crimes

falimentares (Lei 11.101/05, art. 180).

i) Crime de atentado (ou de empreendimento): não há tentativa uma vez que a figura tentada recebe pena

igual à destinada ao crime consumado (CP, art. 352).

j) Crimes com tipo penal composto de condutas amplamente abrangentes: nesses casos, é impossível

dissociar a tentativa da consumação (Lei 6.766/79, art. 50, I).

k) Crimes habituais: são aqueles compostos por reiteração de atos que demonstram um estilo de vida do

agente. Cada ato isolado representa um indiferente penal (CP, art. 284, I).

DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

Trata-se da composição do dispositivo do art. 15 do Código Penal.

São formas de tentativa abandonada, onde a consumação do delito não ocorre por vontade do próprio

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agente, que interrompe o processo executório ou, esgotada a execução, emprega diligências eficazes para impedir

o resultado.

O fundamento político-criminal da desistência voluntário e do arrependimento eficaz é o estímulo ao agente

para evitar a produção do resultado de um crime cuja execução já se iniciou, onde lhe é perfeitamente possível

alcançar o resultado material.

Por esse motivo, Franz von Liszt se referia a eles como a "ponte de ouro" do Direito Penal, pios era a forma

capaz de o agente retornar à seara da licitude. De fato, esses institutos originam-se do direito premial, onde o

Estado concede ao criminoso tratamento penal mais favorável, como um prêmio, em face da não produção do

resultado voluntário.

1. NATUREZA JURÍDICA.

Acerca da natureza jurídica, três correntes dissentem sobre o tema:

a) Causa pessoal de extinção da punibilidade: embora não prevista pelo CP, art. 107, a desistência voluntária

e o arrependimento eficaz retiram o jus puniendi estatal[1].

b) Causa de exclusão da culpabilidade: se o agente não produziu o resultado voluntariamente o resultado

desejado, afasta-se o juízo de reprovabilidade em relação a este, respondendo pelo crime mais brando

cometido[2].

c) Causa de exclusão da tipicidade: afasta-se a tipicidade do crime inicialmente desejado pelo agente,

subsistindo apena a tipicidade dos atos já praticados. É a posição dominante na jurisprudência e mais aceita pela

doutrina[3].

2. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA.

Na desistência voluntária, o agente, por ato voluntário, interrompe o processo executório do crime,

abandonando a prática dos demais atos necessários à sua disposição para a consumação do delito.

Nos crimes omissivos impróprios, a desistência voluntária reclama uma atuação positiva, pela qual o autor do

delito impede a produção do resultado, deixando de não agir.

3. ARREPENDIMENTO EFICAZ.

Também chamado de resipiscência, ocorre quando depois de praticados todos os atos executórios

suficientes à consumação do crime, o agente adota providências aptas a impedir a produção do resultado.

Revela-se possível somente nos crimes materiais, visto que a legislação penal consagra a expressão "impede

que o resultado se produza". Ademais, nos crimes formais, a mera realização da conduta implica na consumação

automática do delito.

4. REQUISITOS.

Para a caracterização da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, são comuns os requisitos da

voluntariedade e eficácia.

Assim, os atos que desistem de prosseguir na conduta ou impedem que o resultado aconteça devem ser

voluntários, livres de coação física ou moral, ainda que a ideia venha de terceira pessoa; também devem ser

eficazes, ou seja, o resultado naturalístico efetivamente não deve ocorrer, sob pena de subsistência da

responsabilidade pelo crime consumado.

Os motivos que levaram o agente a evitar o resultado são irrelevantes para o Direito, bastando a

voluntariedade e a eficácia para a exclusão da tipicidade.

Page 74: Apostila concurseiros

5. EFEITOS.

O agente não responde pela forma tentada do crime inicialmente desejado, mas somente pelos atos já

praticados.

Esses institutos são incompatíveis com os crimes culposos, salvo na culpa imprópria, uma vez que nesses

tipos de conduta, o resultado material é involuntário.

Em caso de adiamento da empreitada criminosa para posterior continuação, prevalece o entendimento de

que há desistência voluntária. Contudo, no caso de execução retomada, onde o agente visa dar sequencia aos atos

criminosos em momento posterior, sem desistir da conduta, não há desistência voluntária.

6. COMUNICABILIDADE.

No caso em que "A" contrata "B" para matar "C". "B", quando está para consumar o delito, desiste ou se

arrepende, contra a vontade de "A". Questiona-se se os efeitos da desistência voluntária e do arrependimento

eficaz são comunicáveis no concurso de pessoas,

A doutrina não é unânime:

Uma primeira corrente, defendida por Heleno Claudio Fragoso, sustenta o caráter subjetivo desses

institutos, defendendo a manutenção da responsabilidade do partícipe no tocante à tentativa abandonada pelo

autor.

Uma segunda corrente, ensinada por Nelson Hungria, apregoa o caráter misto – objetivo e subjetivo – da

desistência voluntária e do arrependimento eficaz, com a consequente aplicação da regra prevista pelo CP, art. 30,

excluindo a responsabilidade do partícipe. É a posição dominante em nossa legislação.

7. TENTATIVA QUALIFICADA.

A tentativa á chamada de qualificada quando contém em seu bojo outro delito, de menor gravidade, já

consumado.

Na desistência voluntária e no arrependimento eficaz opera-se a exclusão da tipicidade do crime inicialmente

desejado pelo agente. Resta, contudo, a responsabilidade penal pelos atos já consumados, que configuram um

crime autônomo, de menor gravidade.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR

Conforme preceitua o CP, art. 16, é causa pessoal e obrigatória de diminuição da pena que ocorre quando o

autor de um crime, praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, voluntariamente e até o recebimento da

denúncia ou queixa, restitui a coisa ou repara o dano provocado por sua conduta.

Por não influir na adequação típica do fato concreto, seria melhor tratar desse tema em sede de teoria da

pena. Contudo, o legislado inseriu o arrependimento posterior na teoria geral do crime visando diferenciá-lo do

arrependimento eficaz.

O arrependimento posterior, pela sua natureza jurídica de causa pessoal e obrigatória de diminuição de

pena, tem incidência na terceira fase de aplicação da pena privativa de liberdade.

Esse instituto alcança qualquer crime que com ele seja compatível, incluindo a reparação em sede de dano

moral.

1. REQUISITOS.

Lendo o art. 16, é possível extrair os seguintes requisitos:

a) Natureza do crime: O crime deve ser praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa. A violência

Page 75: Apostila concurseiros

contra a coisa ou a violência culposa não excluem o benefício.

Nos crimes praticados com a violência imprópria, a doutrina se divide: parte da doutrina entende ser

aplicável o arrependimento posterior, pois a lei somente exclui a violência própria; outra banda não admite o

benefício, entendendo que violência imprópria é a violência dolosa, reduzindo a possibilidade de resistência da

vítima.

b) Reparação do dano ou restituição da coisa: Essa atitude deve ser voluntária, pessoal e integral.

c) Limite temporal: a reparação do dano ou restituição da coisa deve ocorrer até o recebimento da denúncia

ou queixa.

Se ocorrer após esse momento, mas antes do julgamento, aplica-se a atenuante genérica do CP, art. 65, III,

"b", in fine.

2. COMUNICABILIDADE.

O arrependimento posterior possui natureza objetiva. Por corolário, comunica-se aos demais coautores e

partícipes do crime, na forma do CP, art. 30.

3. CRITÉRIOS PARA A REDUÇÃO DA PENA.

Conforme preceitua o dispositivo legal, a redução da pena deve ocorrer, obrigatoriamente, de 1/3 a 2/3,

devendo ser calculado com base na celeridade e na voluntariedade da reparação do dano ou restituição da coisa.

4. RECUSA DO OFENDIDO EM ACEITAR.

Ainda que a vítima não aceita a reparação do dano ou a restituição da coisa, seja qual for o motivo, o agente

não estará privado do benefício.

Poderá o agente entregar a coisa a autoridade policial ou em juízo, reparando o dano e consignando a

atitude judicialmente, ainda que a vítima rejeite tal conduta.

5. DISPOSITIVOS ESPECIAIS ACERCA DA REPARAÇÃO DO DANO.

5.1. Peculato Culposo.

Nos termos do CP, art. 312, §3º, a reparação do dano, se anterior à sentença irrecorrível, extingue a

punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Note-se que essa regra afasta a aplicabilidade do arrependimento posterior no caso.

5.2. Juizados Especiais Criminais.

A composição dos danos civis entre o autor do fato e o ofendido, em casos de crimes de ação penal privada

ou ação penal pública condicionada à representação, acarreta na renúncia ao direito de queixa ou representação,

com a consequente extinção da punibilidade, conforme estabelecido pela Lei 9.099/95, art. 70, parágrafo único.

5.3. Apropriação indébita previdenciária.

Aqui também se torna inaplicável o instituto do arrependimento posterior, conforme preceito do CP, art.

168-A, que extingue a punibilidade do agente quando se repara o dano antes da ação fiscal.

5.4. Súmula 554 do Supremo Tribunal Federal.

Conforme disposto pelo STF, na súmula 554, "o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após

o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal".

A interpretação dessa súmula, a contrario sensu, permite verificar que, havendo o pagamento do cheque até

Page 76: Apostila concurseiros

o recebimento da denúncia, impede o prosseguimento da ação penal. Atualmente, o STJ limita a aplicação desse

súmula ao art. 171, §2º, VI.

Importa destacar que o STJ já decidiu que o pagamento da dívida resultante da emissão dolosa de cheques

sem fundos, ainda que posteriormente ao recebimento da denúncia ou queixa, importa na extinção da

punibilidade.

[1] Adotadas por Nelson Hungria, E. Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Eugenio Raúl Zaffaroni, etc. [2] Comungam desse entendimento Hans Welzel e Claus Roxin. [3] Filiam-se a essa posição José Frederico Marques, Heleno Cláudio Fragoso, Basileu Garcia e Damásio E. de Jesus.

CRIME IMPOSSÍVEL

Preceito fixado no CP, art. 17, que se verifica quando, por ineficácia absoluta do meio ou absoluta

impropriedade do objeto, jamais se possível ocorrer a consumação do delito.

A doutrina também chama o crime impossível de tentativa inadequada, tentativa inidônea ou tentativa

impossível. De fato, esse instituto guarda relação com a tentativa, todavia, o emprego de meios ineficazes ou o

ataque a objetos impróprios inviabilizam a produção do resultado, inexistindo exposição do bem jurídico tutelado a

perigo.

Assim, trata-se de causa de exclusão da tipicidade, eis que o fato praticado pelo agente não se enquadra em

nenhum tipo penal[1].

1. TEORIAS SOBRE O CRIME IMPOSSÍVEL.

1.1. Teoria Objetiva.

Essa teoria apregoa que a responsabilização de alguém pela prática de determinada conduta depende de

elementos objetivos e subjetivos (dolo e culpa).

Assim, quando a conduta não tiver o mínimo de potencialidade para lesar o bem jurídico, em razão do meio

empregado pelo agente ou pelas condições do objeto material, não se configura a tentativa. É o que se chama de

inidoneidade (absoluta ou relativa).

Essa teoria se subdivide em duas:

a) Teoria Objetiva Pura: por esse vertente, o Direito Penal somente pode proibir condutas lesivas a bens

jurídicos, devendo apenas se preocupar com os resultados produzidos no mundo exterior. Assim, se a conduta foi

incapaz de lesar o bem jurídico, independentemente se a inidoneidade é absoluta ou relativa, o fato é impune.

b) Teoria Objetiva Temperada ou Intermediária: para a caracterização do crime impossível e, por corolário,

afastamento da tentativa, os meios empregados ou o objeto material do crime devem ser absolutamente

inidôneos. Se a inidoneidade for relativa, restará caracterizada a tentativa. É a teoria consagrada pelo CP, art. 17.

1.2. Teoria Subjetiva.

Leva em conta a intenção do agente, manifestada por sua conduta, pouco importando se os meios por ele

empregados ou o objeto do crime eram idôneos ou não.

Assim, mesmo havendo idoneidade absoluta ou relativa, haverá a tentativa.

1.3. Teoria Sintomática.

Essa teoria preocupa-se com a periculosidade do autor e não com o fato praticado. Assim, mesmo diante da

tentativa ou do crime impossível, percebe-se a manifestação temerária do agente, que é incapaz de obedecer às

regras jurídicas impostas. Destarte, justifica-se, em qualquer caso, a aplicação de medida de segurança.

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2. ESPÉCIES.

A simples leitura do CP, art. 17,revela a existência de duas espécies de crime impossível:

a) Crime impossível por ineficácia absoluta do meio empregado: ocorre quando o meio de execução

escolhido pelo agente é incapaz de alcançar o resultado pretendido.

A inidoneidade absoluta do meio deve ser verificada especificamente em cada caso concreto, jamais em

abstrato.

b) Crime impossível por impropriedade absoluta do objeto: trata-se do objeto material, compreendido

como a coisa ou pessoa sobre a qual recai a conduta criminosa.

A impropriedade absoluta do objeto deve restar caracterizada antes do início da execução do crime, ou o

tempo suficiente para tornar impossível a sua consumação.

A mera existência do objeto material já é suficiente, por si só, para a existência do conatus, que também se

vislumbra no caso de impropriedade relativa do objeto.

O momento adequado para a aferição da inidoneidade absoluta do meio ou objeto é depois da prática da

conduta com a qual se deseja consumar o crime.

3. ASPECTOS PROCESSUAIS.

A comprovação do crime impossível acarreta a ausência de tipicidade do fato, ou seja, torna o fato atípico.

Em seara de investigação criminal, o Ministério Público deve requerer o arquivamento do inquérito policial.

Se já oferecida a denúncia, esta deve ser rejeitada, nos termos do CPP, art. 395, III. Se já recebida a denúncia,

o réu deverá ser absolvida, nos termos do CPP, art. 386, III.

Em se tratando de crime de competência do tribunal do júri, o acusado deverá ser absolvido sumariamente,

conforme CPP, art. 415, III.

Calha anotar que o habeas corpus não é instrumento adequado para o trancamento da ação penal que tenha

como objeto crime impossível, pois nessa ação constitucional não é cabível a produção de provas para aferir a

inidoneidade do meio ou do objeto.

4. CRIME PUTATIVO.

Putativo deriva do latim putativus, que significa imaginário. Trata-se de algo aparente, mas não real. Logo,

crime putativo, também chamado de crime imaginário ou erroneamente suposto, é o que existe apenas na mente

do agente, que acredita violar a lei penal, mas a sua conduta, na verdade, não constitui adequação típica.

Diferencia-se do crime impossível pelo fato de que, enquanto no crime impossível a absoluta ineficácia do

meio ou a absoluta impropriedade do objeto retira a tipicidade da conduta, no crime putativo a tipicidade sequer

chega a existir, repousando somente no estado psíquico do agente.

Pode ocorrer de três formas:

a) Crime putativo por erro de tipo: é o crime imaginário que se verifica quando o autor acredita ofender

uma lei penal incriminadora efetivamente existente, mas faltam à sua conduta elementos do tipo penal. Ex: vender

talco achando que é droga.

b) Crime putativo por erro de proibição: a equivocada crença do agente recai sobre a ilicitude do fato, pois

supõe violar uma lei penal inexistente. Ex: bater o carro num poste e fugir, achando que cometeu uma infração

penal.

c) Crime putativo por obra do agente provocador: também chamado de crime de ensaio, crime de

experiência ou flagrante provocado, verifica-se quando alguém, insidiosamente, induz pessoa a cometer conduta

criminosa e, simultaneamente, adota medidas para impedir a consumação.

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A consumação, nesse caso, deve ser absolutamente impossível, sob pena de configuração da tentativa.

Esse crime putativo compõe-se de dois atos> indução e impedimento. Conforme Nelson Hungria, o crime

ocorre somente na aparência. Na realidade, o autor é apenas o "protagonista inconsciente de uma comédia".

Conforme sumulado pelo STF, sob o nº 145, não há crime quando a preparação pelo agente provocador do

crime torna a sua consumação impossível.

Contudo, importante verificar a diferença do crime putativo por obra do agente provocador, ou flagrante

provocado, com o flagrante esperado. Nesse caso, a deflagração do processo executório do crime é

responsabilidade do agente, razão pelo qual a conduta se torna punível.

[1] Ante da reforma da parte geral do Código Penal, a doutrina chamava o crime impossível de "quase-crime", uma vez que impunham ao autor do crime impossível a medida de segurança de liberdade vigiada. Embora ainda utilizado por parte da doutrina, o termo "quase-crime" não mais se faz conveniente, ante a configuração de atipicidade da conduta realizada.

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I L I C I T U D E Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

ILICITUDE

Ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de

lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.

Diante do conceito bipartido de crime, adotado pelo Código Penal, trata-se da segunda análise para a

existência do delito, após o juízo de tipicidade.

1. ILICITUDE FORMAL E ILICITUDE MATERIAL.

Ilicitude formal é a mera contradição entre o fato praticado pelo agente e o sistema jurídico em vigor.

Ilicitude material (ou substancial) é o conteúdo material do injusto, que reside no caráter antissocial do

comportamento, na ofensa aos valores sociais.

Em sede doutrinária, prevalece o entendimento de que a análise do crime em nosso ordenamento se faz pela

ilicitude formal, consistindo no exame da presença ou ausência das causas de exclusão da ilicitude. O aspecto

material se reserva ao campo da tipicidade.

Com o escopo de encerrar essa discussão, surgiu na Alemanha uma concepção unitária de ilicitude,

afirmando que o comportamento humano que se coloca em antagonismo com o ordenamento jurídico jamais

deixará de ofender seus bens tutelados.

Assim, surge a lição de que a ilicitude é uma só, pois ou há lesão ao bem jurídico ou não há ilicitude na

conduta.

2. TERMINOLOGIAS.

Grande parte da doutrina utiliza o termo "antijuridicidade" como sinônimo de ilicitude.

Data vênia os ilustres pensadores criminais, não se faz correta tal assertiva. Com efeito, no universo da teoria

geral do direito, a infração penal constitui um fato jurídico, já que sua ocorrência provoca modificações no mundo

exterior e no âmbito jurídico.

Assim, não seria certo que um fato jurídico (crime) poderia ser, ao mesmo tempo, antijurídico. O Código

Penal também preferiu o termo "ilicitude", conforme art. 23.

De outra banda, também se faz uso do termo "injusto", assemelhando à ilicitude. Aqui também não se

acerta.

A ilicitude é o antagonismo entre um fato típico e o ordenamento jurídico. Injusto, por seu turno, é a

contrariedade entre o fato típico e o comportamento social acerca da justiça. Assim, será possível a existência de

um fato típico, ilícito, mas considerado justo pela sociedade, como o linchamento de um estuprador de crianças.

3. ILICITUDE GENÉRICA E ILICITUDE ESPECÍFICA.

Ilicitude genérica é a que se posiciona externamente ao tipo penal incriminador. O fato típico se encontra, de

maneira genérica, contrário ao ordenamento jurídico, a exemplo do homicídio.

Ilicitude específica é aquela que se alojam em seu interior elementos atinentes ao caráter ilícito do

comportamento, exemplo do crime de violação de correspondência.

4. ILICITUDE OBJETIVA E ILICITUDE SUBJETIVA.

Page 80: Apostila concurseiros

Essa classificação diz respeito ao caráter da ilicitude.

Deste modo, para a ilicitude subjetiva, a proibição ou o mandamento da lei penal dirige-se apenas às pessoas

imputáveis, que tem capacidade mental para compreender as vedações impostas pelo ordenamento jurídico.

Notória é a confusão dessa classificação com a culpabilidade.

Para a ilicitude objetiva é suficiente a contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico.

As notas pessoais do agente serão verificadas no âmbito da culpabilidade, restando até aqui caracterizada a

ilicitude do fato. É a forma utilizada pelo Direito Penal em vigor.

5. ILICITUDE PENAL E EXTRAPENAL.

Essa classificação guarda relação com o caráter fragmentário do Direito Penal, onde todo ilícito penal é

também ato ilícito perante os outros ramos do Direito, mas nem todo ato ilícito guarda essa natureza no campo

penal.

6. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE.

O Direito Penal acolhe a teoria da tipicidade como indício da ilicitude, ou seja, presume-se que todo

comportamento humano previsto em lei como infração penal seja ilícito.

Trata-se de uma presunção relativa (juris tantum), pois o fato típico poderá ser lícito, desde que o agente

esteja acobertado por uma das causas de exclusão da ilicitude.

Várias são as denominações usadas pela doutrina para se referir às causas de exclusão da ilicitude,

destacando-se: causas de justificação, justificativas, descriminantes, tipos penais permissivos e eximentes[1].

O Código Penal estabelece as causas de exclusão de ilicitude no art. 23, utilizando a expressão “não há

crime” (nas causas de exclusão da culpabilidade o tipo penal prevê a expressão “é isento de pena”). Estas são as

chamadas causas genéricas de exclusão da ilicitude, aplicáveis a qualquer espécie de infração penal, pois estão

previstas na parte geral.

As causas específicas ou especiais de exclusão da ilicitude estão previstas na parte especial do Código Penal,

com aplicação única a determinados crimes, ou seja, àqueles que especificamente se referem. Ex: art. 128, 142,

146, §3º, I, 150, §3º, I e II e 156, §2º. Também podem estar previstas na legislação extrapenal, conforme Lei

6.538/78, art. 10, Código Civil, art. 1210, §1º ou Lei 9.605/98, art. 37, I.

6.1. Elementos objetivos e subjetivos das causas de exclusão de ilicitude.

A doutrina discute se o reconhecimento de uma causa de exclusão da ilicitude depende somente dos

requisitos legalmente previstos, relacionados ao aspecto exterior do fato, ou se está condicional também a um

requisito subjetivo, atinente ao psiquismo do agente, que deve ter consciência que age sob a proteção da

justificativa.

A concepção objetiva, mais antiga, alega que o direito positivo não exige o requisito subjetivo. Basta que a

finalidade atual do agente esteja conforme a norma jurídica[2].

A concepção subjetiva, que, aos poucos, foi tomando espaço da anterior, reconhece que uma causa de

exclusão de ilicitude reclama o conhecimento da situação justificante pelo agente[3].

6.2. Causas de exclusão de ilicitude e aspectos processuais.

A comprovação de uma causa de exclusão da ilicitude acarreta a ausência de uma condição da ação penal.

Em seara de investigação criminal, o Ministério Público deve requerer o arquivamento do inquérito policial.

Se já oferecida a denúncia, esta deve ser rejeitada, nos termos do CPP, art. 395, II. Se já recebida a denúncia,

o réu deverá ser absolvido sumariamente, nos termos do art. 397, I.

Page 81: Apostila concurseiros

Em se tratando de crime de competência do tribunal do júri, o acusado deverá ser absolvido sumariamente,

conforme CPP, art. 415, IV.

6.3. Causas supralegais de exclusão da ilicitude.

Prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que as causas de exclusão da ilicitude não se

limitam às hipóteses previstas em lei. Estende-se àquelas situações que resultam do direito em vigor e suas fontes.

Trata-se de uma eximente que não ofende o princípio da reserva legal, uma vez que não agrava o poder

punitivo do Estado, mas operam em sentido contrário.

Essa causa supralegal de exclusão de ilicitude é chamada de consentimento do ofendido, entendido como a

anuência do titular do bem jurídico ao fato típico praticado por alguém.

Três teorias buscam fundamentar o consentimento do ofendido:

Ausência de interesse: não há interesse do Estado em aplicar o Direito Penal quando o próprio titular do

bem jurídico disponível não tem essa vontade.

Renúncia à proteção do Direito Penal: o sujeito passivo renuncia à proteção do Direito Penal em favor do

sujeito ativo da infração.

Ponderação de valores: é a teoria mais aceita. O consentimento funciona como causa de justificação

quando o Direito concede prioridade ao valor da liberdade de atuação da vontade frente ao desvalor da conduta e

do resultado causado.

O consentimento é cabível unicamente em relação a bens jurídicos disponíveis, sendo que o titular desse

bem deve ser pessoa física ou jurídica. Não se faz presente a causa supralegal de exclusão da ilicitude por

consentimento do ofendido quando o interesse é metaindividual ou pertence à sociedade ou ao Estado.

Para ser eficaz, o consentimento do ofendido há de preencher os seguintes requisitos: expresso, livre, moral

(respeitando os bons costumes), prévio e sujeito passivo plenamente capaz.

Não há obstáculo à exclusão da ilicitude nos crimes culposos como decorrência do consentimento do

ofendido. Ex: vítima de acidente de trânsito que aquiesceu à imprudência do agente.

No Brasil não há que se falar em consentimento presumido, posto que tais situações se amoldam

perfeitamente ao estado de necessidade, a ser visto posteriormente.

Também é possível que o consentimento do ofendido afaste a tipicidade da conduta, ocorrendo nos crimes

onde o comportamento humano se revele como requisito do tipo penal. Ex: CP, art. 148, 150 e 213.

[1] Importante anotar que o termo "dirimente" nada tem a ver com o campo da ilicitude. Em verdade, significa causa de exclusão da culpabilidade. [2] A essa posição filiaram-se José Frederico Marques e E. Magalhães Noronha. [3] A essa posição filiam-se Aníbal Bruno, Heleno Cláudio Fragoso, Julio Fabbrini Mirabete, Francisco de Assis Toledo e Damásio de Jesus.

ESTADO DE NECESSIDADE

Conforme preceito do CP, art. 24, estado de necessidade é a causa de exclusão da ilicitude que depende de

uma situação de perigo, caracterizada pelo conflito de interesses lícitos que se soluciona pela autorização do

ordenamento jurídico para o sacrifício de um deles em preservação do outro.

Tem natureza jurídica de causa de exclusão da ilicitude, A despeito da divergência doutrinária que discute se

o estado de necessidade seria uma faculdade (Nelson Hungria) ou um direito (Aníbal Bruno), trata-se de direito

subjetivo do réu, pois, presentes os requisitos legais, o juiz deve conceder a benesse, comunicável a todos os

coautores e partícipes.

Page 82: Apostila concurseiros

1. TEORIAS.

a) Teoria unitária: para essa teoria, o estado de necessidade é causa de exclusão da ilicitude, desde que o

bem sacrificado seja de igual valor ou de valor inferior ao bem jurídico preservado. Assim, exige-se a razoabilidade

na conduta do agente.

Foi a teoria adotada pelo CP, art. 24. Se o interesse sacrificado for superior ao preservado, subsiste o crime,

diminuindo-se a pena (CP, art. 24, §2º).

b) Teoria diferenciadora: com alicerce no princípio da ponderação de bens e deveres, diferencia o estado de

necessidade justificante (excludente da ilicitude) e o estado de necessidade exculpante (excludente da

culpabilidade).

Há estado de necessidade justificante com o sacrifício de bem jurídico de menor relevância do que o bem

protegido. No estado de necessidade exculpante, o bem jurídico sacrificado pode ser de valor igual ou até mesmo

superior ao bem protegido. Configura a inexigibilidade de conduta diversa. No Brasil, o estado de necessidade

exculpante somente foi adotado pelo CPM, art. 39.

c) Teoria da equidade: prega a manutenção da ilicitude e da culpabilidade. A ação em estado de necessidade

não é correta, mas não pode ser punida por razões de equidade.

d) Teoria da escola positiva: pugna pela manutenção da ilicitude. Todavia, o ato deve permanecer impune

por ausência de perigo social e temibilidade do agente.

2. REQUISITOS.

A análise dos dispositivos penais que instituem o estado de necessidade no ordenamento penal pátrio

revelam alguns requisitos cumulativos para a sua configuração.

2.1. Situação de necessidade.

a) Perigo atual: o perigo é a exposição do bem jurídico a uma situação real de probabilidade de dano,

oriunda da natureza, seres irracionais ou mesmo de atividade humana[1]. Esse perigo deve ser atual ou iminente

(há dissenso na doutrina quanto ao iminente, pois alguns não admitem sua presença, posto que a lei não dispões

expressamente, como fez no art. 25).

b) Perigo não provocado voluntariamente pelo agente: não caberá estado de necessidade no caso em que o

próprio sujeito, voluntariamente, provocou o perigo.

Aqui a discussão reside no termo "voluntariamente". Essa conduta voluntária abrange a forma dolosa e

culposa?

Parte da doutrina entende que a palavra 'voluntário' requer conhecimento, vontade, dolo. Assim, quem age

culposamente criando uma situação de perigo poderia valer-se do estado de necessidade[2].

Outra banda sustenta que a atuação culposa também é voluntária em sua origem, diante da imprudência,

negligência ou imperícia, com as quais o Direito não pode cooperar[3]. Ademais, em interpretação sistemática do

Código Penal, art. 13, §2º, "c", vislumbra-se tal assertiva.

c) Ameaça a direito próprio ou alheio: no Brasil, qualquer bem jurídico, desde que legítimo, pode ser

protegido quando enfrentar um perigo concreto, capaz de configurar o estado de necessidade.

d) Ausência do dever legal de enfrentar o perigo: é o disposto no CP, art. 24, §1º. Fundamenta-se apenas na

vontade de evitar que pessoas que tem o dever legal de enfrentar situações perigosas se esquivem de fazê-lo

injustificadamente.

Page 83: Apostila concurseiros

Aqui há uma celeuma doutrinária com relação à expressão "dever legal".

Para uma primeira corrente, a expressão deve ser interpretada restritivamente, cuja abrangência do termo

decorre de lei[4].

Uma segunda corrente afirma que a expressão há de ser interpretada extensivamente, compreendendo

qualquer espécie de dever jurídico[5]. Parece ser a mais acertada.

2.2. Fato necessitado.

a) inevitabilidade do perigo por outro modo: o fato necessitado, isto é, a conduta lesiva ao bem jurídico,

deve ser absolutamente imprescindível para evitar a lesão ao bem jurídico.

Apresenta, assim, um nítido caráter subsidiário, uma vez que o estado de necessidade deve ser utilizado em

ultimo caso, se não houver outro modo de se proteger o bem ameaçado.

b) proporcionalidade: também chamado de razoabilidade, refere-se ao cotejo de valores, ou seja, à relação

de importância entre o bem jurídico sacrificado e o bem jurídico preservado no caso concreto.

Conforme teoria unitária adotada pelo CP, art. 24, o bem preservado deve ser de valor igual ou superior ao

bem sacrificado.

3. ESPÉCIES.

A divisão do estado de necessidade leva em conta alguns critérios:

3.1. Quanto ao bem sacrificado:

Justificante: o bem sacrificado é de valor igual ou inferior ao bem preservado. Exclui a ilicitude.

Exculpante: o bem sacrificado é de valor superior ao bem preservado. A ilicitude é mantida, mas pode

afastar a culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

3.2. Quanto à titularidade do bem jurídico preservado:

Próprio: protege-se bem jurídico pertencente ao autor do fato necessitado.

De terceiro: o autor do fato necessitado tutela bem jurídico alheio.

3.3. Quanto à origem da situação de perigo:

Agressivo: é aquele em que o agente pratica o fato necessitado contra bem jurídico pertencente a

terceiro inocente. O autor deve indenizar o dano suportado por terceiro (CC, art. 929) cabendo ação

de regresso contra o causador do perigo (CC, art. 930).

Defensivo: é aquele em que o agente pratica o fato necessitado contra bem jurídico pertencente

àquele que causou o perigo.

3.4. Quanto ao aspecto subjetivo do agente:

Real: a situação de perigo efetivamente existe. Exclui a ilicitude.

Putativo: a situação não existe, mas o autor do fato necessitado a considera presente. A ilicitude é

mantida, podendo ser afastada a culpabilidade em caso de erro escusável. Se inescusável, subsiste a

culpabilidade, responsabilizando o agente por crime culposo (CP, art. 20, §1º).

4. ESTADO DE NECESSIDADE RECÍPROCO.

É a ocasião em que duas ou mais pessoas, simultaneamente, acham-se em estado de necessidade, umas

contra as outras. Afasta-se a ilicitude do fato. Um grande exemplo desse caso é a obra "o caso dos exploradores de

caverna", ou ainda a famosa "tábua de salvação", no caso de náufragos, narrado por Basileu Garcia.

5. CASOS ESPECÍFICOS DE ESTADO DE NECESSIDADE.

Além da regra geral delineada pelo CP, art. 24, o ordenamento prevê, na parte especial do código, outros

Page 84: Apostila concurseiros

casos de estado de necessidade.

CP, art. 128, I, permitindo o aborto necessário ou terapêutico;

CP, art. 146, §3º, inexistindo constrangimento ilegal em intervenção médica-cirúrgica necessária.

CP, art. 150, §3º, II, inexistindo violação de domicílio quando adentra-se a residência para resguardar

interesse maior;

CP, art. 151, 153 e 154.

6. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS.

6.1. Estado de necessidade e crimes permanentes e habituais.

Em regra, não se aplica a justificativa no campo dos crimes permanentes e habituais, uma vez que não há

atualidade do perigo e inevitabilidade do fato necessitado.

Num caso isolado, a jurisprudência reconheceu essa possibilidade em crime habitual de exercício de arte

dentária (CP, art. 282) em zona rural carente de profissional habilitado.

6.2. Estado de necessidade e erro na execução.

O estado de necessidade é compatível com a aberractio ictus (CP, art. 73), onde o agente, visando afastar o

perigo, erra nos meios de execução e atinge pessoa ou objeto diverso do desejado.

6.3. Estado de necessidade e dificuldades econômicas.

A dificuldade econômica, inclusive com a miserabilidade do agente, não comporta estado de necessidade.

Em casos excepcionais, admite-se a prática de fato típico como medida inevitável para a satisfação de

necessidade estritamente vital que a pessoa, não obstante o seu empenho, não conseguiu alcançar de forma lícita.

[1] Pode advir até mesmo do próprio agente. Ex: suicida pula no mar, se arrepende e rouba barco pra não morrer afogado. [2] Compartilham desse entendimento Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Damásio de Jesus e Heleno Cláudio Fragoso. [3] Aqui estão E. Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Francisco de Assis Toledo e Nelson Hungria. [4] Nelson Hungria. [5] Bento Faria, Costa e Silva e Galdino Siqueira.

LEGÍTIMA DEFESA

O instituto da legítima defesa corresponde a um comportamento de defesa inerente à ação humana quando

injustamente agredido. Em razão de sua compreensão como direito natural, esse instituto foi aceito por

praticamente todos os sistemas jurídicos, quase sempre como causa de exclusão da ilicitude, desde as mais

remotas civilizações.

É sabido que o Estado avocou para si a função jurisdicional de proteger os direitos, contudo, seus agentes

não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual não é possível exigir-se o sacrifício do

direito protegido pela inação do indivíduo, para buscar a reparação em momento posterior.

Acha-se previsto no CP, art. 25, sendo uma causa de exclusão da ilicitude (CP, art. 23, II), onde há uma

conduta que, ao repelir injusta agressão, atual ou iminente, visa assegurar direito próprio ou alheio.

1. REQUISITOS.

A análise do art. 25 revela a dependência da legítima defesa dos seguintes requisitos cumulativos: (1)

agressão e (2) reação.

1.1. Agressão.

É toda ação ou omissão exclusivamente humana, consciente e voluntária, que lesa ou expõe a perigo de

lesão um bem ou interesse consagrado pelo ordenamento jurídico.

Page 85: Apostila concurseiros

Não pode ser efetuada por animal, pela falta de consciência e voluntariedade. Assim, repelir agressão de

animal recai na exclusão da ilicitude pelo estado de necessidade. Nada impede, contudo, que os animais sejam

utilizados como instrumentos do crime, ocasião em que a legítima defesa será contra o dono do animal.

A agressão pode emanar de um inimputável, posto que o fato agressor por ele cometido é típico e ilícito,

faltando-lhe apenas a culpabilidade[1].

A agressão também pode ocorrer por meio de omissão, quando esta se apresenta idônea a causa dano,

quando o omitente tinha o dever jurídico de agir. Ex: carcereiro que tinha o dever de libertar o preso cuja pena

havia vencido.

Não obstante o requisito "agressão", ela deve vir acompanhada de três elementos:

a) agressão injusta: é aquela de natureza ilícita, contrária ao direito. Não se exige que seja contrária ao

ordenamento penal, mas apenas que o ofendido não esteja obrigado a suportá-la. Ex: furto de uso. É aceita, ainda

que de forma culposa.

b) agressão atual ou iminente: atual é a agressão presente, já iniciada e não concretizada. Iminente é a

agressão prestes a ocorrer. A agressão futura (remota) ou passada (pretérita) não autoriza a ação em legítima

defesa.

c) agressão a direito próprio ou alheio: qualquer bem jurídico pode ser protegido pela legítima defesa, ainda

que pertencente a outra pessoa, com amparo no princípio da solidariedade humana.

A reação contra a legítima defesa de terceiros pode atingir até mesmo o próprio titular do bem jurídico

protegido. Ex: "A", percebendo que "B" está próximo de uma overdose, o atinge com uma madeira para deixá-lo

desacordado e, assim, salvá-lo.

Em suma, todo patrimônio jurídico do indivíduo que se deve ter por inviolável, deve ser defendido, repelindo

a injusta agressão com a força necessária, seja de pessoa física, jurídica, de um feto (direito do nascituro) ou até

mesmo de um cadáver (respeito à família).

1.2. Reação.

Reação é a conduta que repele a agressão, utilizando-se dos meios necessários para defender o bem jurídico

tutelado.

a) reação com os meios necessários: são os meios de que dispõe o ofendido para repelir a injusta agressão,

atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, no momento em que é praticada. A reação trata-se de uma medida

protetiva destinada aos bens jurídicos, portanto, não deve funcionar como uma punição ao agente agressivo, mas,

como forma de defesa, deve ser a menos lesiva possível.

A análise do cabimento dos meios necessários deve ser feita caso a caso. Muitas vezes não se pode calcular a

resposta do ofendido, visto que até mesmo pode ser a reação totalmente desproporcional à agressão, contudo, era

a única defesa disponível no momento. Assim, restará caracterizada a legítima defesa.

Se o meio empregado for desnecessário, estará configurado o excesso, doloso culposo ou exculpante.

Também não se impõe ocommodus discessus, ou seja, o agredido não está obrigado a procurar a saída mais

cômoda e menos lesiva para escapar do ataque injusto.

b) Uso moderado dos meios necessários: o emprego dos meios necessários para repelir a injusta agressão

deve ser caracterizado pelo uso moderado desses meios, ou seja, suficientemente proporcional para que se possa

cessar o ataque. Assim como no estado de necessidade, também na legítima defesa se reclama a

proporcionalidade entre os bens jurídicos em conflito, cujos bens sacrificados devem ser iguais ou de valores

inferiores ao bem protegido, sob pena de se configurar o excesso.

2. LEGÍTIMA DEFESA E ALGUMAS SITUAÇÕES.

Page 86: Apostila concurseiros

2.1. Legítima Defesa e a Vingança.

A legítima defesa possui um caráter de reação que deve estar presente nos momentos objetivo e subjetivo

da conduta.

A agressão deve estar configurada e a reação deve estar consciente na mente do ofendido. Contudo, nada

impede que se ajunte ao seu psíquico um desejo pessoal de vingança, desde que não exceda os limites da

necessidade de defesa.

2.2. Legítima Defesa e o Desafio.

Nesse caso, não há que se falar em legítima defesa. Falta o elemento "injusta agressão", devendo os

contendores responder pelos crimes praticados.

2.3. Legítima Defesa contra a Multidão.

Prevalece o entendimento pela sua admissibilidade, pois o instituto não limita a conduta humana a um só

indivíduo.

Importante anotar que há entendimento contrários que inserem no contexto uma conduta em estado de

necessidade, diante do comportamento grupal da agressão.

2.4. Legítima Defesa contra Pessoa Jurídica.

É perfeitamente possível, uma vez que a pessoa jurídica exterioriza suas vontades através de representantes,

humanos, que podem praticar agressões injustas.

2.5. Legítima Defesa nas relações familiares.

Nesse caso, duas situações distintas podem ser visualizadas: (1) agressões dos pais contra filhos; e (2)

agressões entre cônjuges.

Na relação entre pais e filhos, os castigos moderados inserem-se no campo do exercício regular de direito,

impedindo a intervenção de terceiras pessoas. Se, entretanto, forem imoderados e excessivos, caracterizam

agressão injusta, possibilitando a legítima defesa.

Nas relações conjugais, é cabível a legítima defesa por qualquer um deles contra agressão injusta, em face da

igualdade prevista pela CF, art. 226, §5º.

2.6. Legítima Defesa e aberractio ictus.

Se, ao repelir injusta agressão, o agente atinge pessoa diversa da que pretendia ou além da pessoa diversa,

também a pessoa pretendida, subsiste a seu favor a legítima defesa.

A regra do CP, art. 73 é aplicável também em efeitos de exclusão da ilicitude.

2.7. Legítima Defesa de terceiro e consentimento do ofendido.

Questiona-se: par ao exercício da legítima defesa de terceiro é necessário o seu consentimento para ser

protegido de uma injusta agressão?

Depende da natureza do bem jurídico atacado.

Se o bem jurídico em risco é indisponível, será prescindível o consentimento do ofendido, diante da

valoração entre os bens em questão.

Diversa conclusão, porém, quando se tratar de bem jurídico disponível, impondo-se o consentimento do

ofendido, se possível a sua obtenção. Se essa não for obtida, restará caracterizada a legítima defesa putativa.

3. ESPÉCIES.

Page 87: Apostila concurseiros

Para a divisão da legítima defesa, alguns critérios se fazem presentes:

3.1. Quanto à forma de reação:

a) agressiva (ou ativa): é aquela em que a reação contra a agressão injusta configura um fato previsto em

lei como infração penal.

b) defensiva (ou passiva): a conduta que repele a injusta agressão não constitui fato típico.

3.2. Quanto à titularidade do bem jurídico protegido:

a) própria: o agente defende os bens jurídicos de sua titularidade.

b) de terceiro: o agente protege bens jurídicos alheios.

3.3. Quanto ao aspecto subjetivo de quem se defende:

a) real: é a espécie em que se encontram todos os fatos previstos no CP, art. 25. Essa conduta exclui a

ilicitude do fato.

b) putativa (ou imaginária): é aquela em que o agente, por erro, acredita existir uma situação de

agressão injusta.

A análise aqui se protrai para o campo da culpabilidade. O fato típico permanece ilícito, mas se o erro for

escusável, operar-se-á a isenção de pena, excluindo-se a culpabilidade. Se inescusável, subsistirá a culpabilidade,

devendo o agente responder por delito culposo, se previsto em lei (CP, art. 20, §1º).

c) subjetiva (ou excessiva): é aquela em que o agente, por erro de tipo escusável, excede os limites da

legítima defesa. É também chamada de excesso acidental. Não responde pelo excesso, por sua natureza acidental.

3.4. Legítima Defesa da honra.

A honra constitui direito fundamental do homem, inviolável por expressa disposição constitucional (CF, art.

5º, X).

O CP, em seu art. 25, não faz distinção entre os bens jurídicos, concluindo-se, portanto, admissível o alcance

da legítima defesa pela honra. Entretanto, ela não pode ser isoladamente considerada, ma destacada em três

aspectos:

a) respeito pessoal: engloba a dignidade e o decoro, admitindo-se a legítima defesa com o emprego de

força física, necessária e moderada para que cesse os ataques por meio de injúria, difamação e calúnia.

b) liberdade sexual: em outras palavras, na livre disposição do corpo para fins sexuais, também se

autoriza a legítima defesa.

c) infidelidade conjugal: no passado, admitia-se a exclusão da culpabilidade para os crimes passionais

motivados pelo adultério. Atualmente, após muita discussão e com a evolução da sociedade, prevalece o

entendimento que a traição não humilha o cônjuge traído, mas o traidor, que não se mostra preparado para o

convívio familiar.

Assim, diante do caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, o ordenamento jurídico prevê outras

formas menos gravosas de resolução desse impasse, como a separação, divórcio e ate mesmo indenização, não

sendo necessária a atuação do Direito Penal. Esse entendimento se reforçou pela descriminalização do adultério

(Lei 11.106/05).

3.5. Legítima Defesa Presumida.

A tipicidade funciona como indício da ilicitude. Assim, todo fato típico presume-se ilícito. Quem alega

qualquer exclusão da ilicitude, tem invertido a seu desfavor o ônus da prova, devendo provar a sua ocorrência.

Por esse motivo, não se admite a legítima defesa presumida.

3.6. Legítima Defesa Sucessiva.

Constitui em legítima defesa contra o excesso de legítima defesa. É possível a sua ocorrência, posto que o

excesso sempre caracteriza uma agressão injusta.

Page 88: Apostila concurseiros

3.7. Legítima Defesa Preordenada.

???

4. ESTADO DE NECESSIDADE vs LEGÍTIMA DEFESA.

Ambas são causas legais de exclusão da ilicitude, previstas no CP, art. 23, I e II, respectivamente.

Contudo, diferenciam-se claramente.

Na legítima defesa o perigo provém de uma agressão ilícita do homem e a reação é dirigida contra seu autor.

No estado de necessidade agressivo o perigo é originário da natureza, se seres irracionais ou mesmo de ser

humano, mas a conduta defensiva lesiona bem jurídico de terceiro. No estado de necessidade defensivo, contudo,

o agente sacrifica bem de titularidade do causador do perigo.

No estado de necessidade também é possível que as agressões, em muitos casos, sejam lícitas, que não

exclui a possibilidade de eventual reação em defesa de direito.

É possível a existência da legítima defesa simultânea com o estado de necessidade. Ex: "A", para defender-se

de "B", que injustamente buscava matá-lo, subtrai uma arma de fogo de "C", utilizando-a para matar seu agressor.

5. RELAÇÃO COM OUTRAS EXCLUDENTES: ADMISSIBILIDADE.

Conforme a disposição do CP, art. 25, a legítima defesa se faz admissível nos seguintes casos:

a) Legítima defesa real contra Legítima defesa putativa: a legítima defesa real pressupõe uma agressão

injusta, o que ocorre na legítima defesa putativa.

Ex: "A" caminha pela rua e vê "B" com a mão sob a blusa. Acreditando ser um assalto, saca de uma arma

tentando se defender (legítima defesa putativa). "B", que buscava o celular em seu bolso, consegue desviar dos

tiros e saca de seu revólver para se defender (legítima defesa real).

Esse raciocínio é aplicado a todas as demais excludentes da ilicitude putativas.

b) Legítima defesa putativa contra Legítima defesa putativa (Legítima defesa recíproca): ocorre quando

dois ou mais agentes acreditam, erroneamente, haver uma agressão injusta contra o outro.

Ex: "A" encontra "B", antigo inimigo na rua. Ambos estão com as mãos nos bolsos. Acreditando que serão

atacados, atacam um ao outro. Contudo, ambos tinham um bilhete com pedidos de desculpas nos bolsos.

c) Legítima defesa real contra Legítima defesa subjetiva: subjetiva (ou excessiva), ou excesso acidental, é

aquela que o agente, por erro escusável, ultrapassa os limites da legítima defesa. A partir do excesso, a agressão

torna-se injusta, permitindo a legítima defesa real.

d) Legítima defesa real contra Legítima defesa culposa: para a legítima defesa real importa somente o

caráter injusto da agressão, independentemente do caráter subjetivo do agente. Se a agressão trata-se de uma

suposta legítima defesa, onde o agente equivocou-se de forma culposa, permite-se a legítima defesa do ofendido.

e) Legítima defesa contra conduta amparada por causa de exclusão da culpabilidade: é cabível a legítima

defesa contra qualquer agressão injusta, ainda que esteja amparada pela exclusão da culpabilidade.

6. RELAÇÃO COM OUTRAS EXCLUDENTES: INADMISSIBILIDADE.

a) Legítima defesa real contra Legítima defesa real (Legítima defesa real recíproca): não é cabível, pois o

pressuposto da legítima defesa é a agressão injusta. A legítima defesa real não caracteriza agressão, mas defesa

justa de um bem jurídico injustamente agredido.

Page 89: Apostila concurseiros

b) Legítima defesa real contra qualquer outra excludente real: se a outra excludente é real, não há injustiça

na agressão causada, motivo pelo qual se repele qualquer atitude em legítima defesa.

[1] Nelson Hungria defendia posicionamento contrário, adotando a ideia de que os inimputáveis seriam como os seres irracionais, cuja conduta em defesa de suas agressões configuraria estado de necessidade.

ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

Cuida-se de mais uma causa de exclusão da ilicitude, prevista no CP, art. 23, III, 1ª parte.

Diversamente do estado de necessidade e da legítima defesa, o Código Penal não apresentou o conceito do

tema em comento. Contudo, podemos definir o estrito cumprimento do dever legal como a causa de exclusão da

ilicitude que consiste na prática de um fato típico, em razão de cumprir o agente uma obrigação imposta por lei, de

natureza penal ou não.

A conduta típica praticada pelo agente resta caracterizada como lítica diante da permissão do Estado em seu

comportamento. O agente não o faz porque quer, mas porque obedece a uma norma mandamental que engloba o

ordenamento jurídico, regras de organização da sociedade em geral.

O dever legal engloba qualquer obrigação direta ou indiretamente resultante de lei. Assim, o

comportamento típico estará acobertado pela exclusão da ilicitude na modalidade de estrito cumprimento do

dever legal quando oriundo de lei, decreto, regulamentos e até mesmo atos administrativos. O dever moral, social

ou religioso não autoriza a excludente.

O destinatário da excludente é qualquer pessoa, agente público ou particular, que atua no cumprimento do

dever imposto por lei.

A excludente é limitada e disciplinada em sua execução. Portanto, o ato não poderá exceder em nada os

limites legais a que está subordinado.

A excludente é incompatível com os crimes culposos, pois a lei não obriga ninguém a agir com imprudência,

negligência ou imperícia. Se houver, normalmente, a conduta se resolve pelo estado de necessidade.

Em caso de concurso de pessoas, o estrito cumprimento do dever legal estende-se aos demais envolvidos no

fato típico, sejam coautores ou partícipes.

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Trata-se de causa de exclusão da ilicitude, conforme previsão no CP, art. 23, III, in fine.

A doutrina costuma conceituar essa excludente como o fato que a norma, apesar de constituí-la como típica,

outra norma a torna lícita, permitindo a sua conduta.

Em suma, conforme ensina Nelson Hungria, o direito é um complexo harmônico de normas, não sendo

admissível um real conflito entre estas. Assim, se uma norma jurídica incrimina um fato que, em determinados

casos, outra norma jurídica, penal ou extrapenal, permite ou impõe, não há de se reconhecer, nesses casos, a

existência de crime.

Funciona como o estrito cumprimento do dever legal, contudo, a norma não impõe uma conduta ao agente,

mas lhe confere um direito, que deve ser exercido nos limites legais.

1. COSTUMES.

Costume, como se sabe, é a reiteração uniforme de uma conduta, em face da convicção de sua

obrigatoriedade.

Page 90: Apostila concurseiros

Predomina o entendimento na doutrina de que o direito, cujo exercício regular de direito autoriza a exclusão

da ilicitude, deve estar previsto em lei.

Não obstante a maioria doutrinária, há posicionamentos diversos[1].

2. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL vs EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO.

Em que pese ambas constituírem causas de exclusão da ilicitude, nítidas divergências podem ser

apresentadas:

De acordo com a sua natureza, o estrito cumprimento do dever legal é compulsório. O exercício regular de

direito é facultativo, pois ordenamento autoriza o agente a agir.

No que tange a sua origem, o estrito cumprimento do dever legal tem origem na lei, exclusivamente. O

exercício regular de direito pode advir da lei, regulamentos e, para alguns, até mesmo do direito consuetudinário.

3. LESÕES EM ATIVIDADES ESPORTIVAS.

A prática de determinadas atividades esportivas pode resultar em lesões corporais e, excepcionalmente, até

mesmo a morte.

O fato típico decorrente da realização de um esporte, configura exercício regular de um direito, desde que

respeitadas as regras dos regulamentos, uma vez que o esporte não só é permitido pela Constituição, como há

incentivo à sua prática.

Se, todavia, houver excesso na conduta do agente, resultando em lesão decorrente da violação das regras

esportivas, responderá pelo crime, doloso ou culposo.

4. INTERVENÇÕES MÉDICAS OU CIRÚRGICAS.

A atividade médica ou cirúrgica é indispensável para a sociedade e, por isso, regulamentada pelo Poder

Público, exigindo-se habilitação, atestada por órgãos oficiais, par ao seu adequado exercício.

Para a caracterização da excludente em lesões nesses casos, é indispensável o consentimento do paciente ou

de quem tenha qualidade para representá-lo, quando não puder fazê-lo. Caso contrário, restará caracterizado o

constrangimento ilegal (CP, art. 146).

Somente nos casos em que a intervenção se dá para salvar a vida do ofendido, ainda que sem o seu

consentimento, caracterizando a excludente em estado de necessidade.

Especialmente nos casos das "testemunhas de Jeová", a atuação do médico que, independentemente de

autorização judicial ou dos pais, efetua a transmissão de sangue para salvar a vida do paciente, estará acobertado

pela excludente do exercício regular de direito. Com efeito, o direito à vida deve sobrepor-se às posições religiosas.

5. OFENDÍCULAS.

Cuida-se dos meios defensivos utilizados para a proteção da propriedade e de outros bens jurídicos, tais

como a segurança familiar e a inviolabilidade do domicílio.

O titular do bem jurídico prepara previamente a defesa de perigo, remoto e incerto, deixando o seu

funcionamento posto somente em face da agressão atual ou iminente. Devem ser visíveis, funcionando como meio

de advertência.

A doutrina se divide acerca da espécie de excludente das ofendículas.

Uma primeira corrente entende trata-se de exercício regular de direito, destacando-se o CC, art. 1210, §1º.

É a ideia de Aníbal Bruno, Vicenzo Manzini e Giuseppe Bettiol.

Um segundo entendimento situa o tema como legítima defesa preordenada, alegando que o meio

Page 91: Apostila concurseiros

predisposto somente funciona no momento da agressão, proporcionalmente, à conduta lesiva. José Frederico

Marques e Magalhães Noronha.

Com relação aos meios mecânicos predispostos de defesa de propriedade, são aparelhos ocultos com a

mesma finalidade das ofendículas. Contudo, diante da emboscada preparada e a impossibilidade de defesa,

acarretam excesso punível, por dolo ou culpa.

6. UTILIZAÇÃO DE CADÁVER PARA ESTUDOS E PESQUISAS CIENTÍFICAS.

Permitida a aplicação do exercício regular de direito, excluindo a ilicitude da conduta típica de vilipendio ou

destruição de cadáver, diante da Lei 8.501/92, que permite a utilização de cadáver para estudos e pesquisas

científicas, desde que atendidos os requisitos nela previstos.

[1] José Frederico Marques sustenta que o direito consuetudinário pode justificar o fato típico, excluindo a sua ilicitude.

EXCESSO

O Código Penal, atendendo aos princípios do bom senso e da justiça, estabeleceu as causa gerais de exclusão

da ilicitude em seu art. 23, colocando em relação a cada uma delas os seus exatos limites.

Quando o agente ultrapassar esses limites, ou seja, exceder na conduta necessária na prática do fato típico,

cuja ilicitude seria apagada pela eximente, há o excesso, que acarreta a responsabilidade do agente, por dolo ou

culpa, conforme CP, art. 23, parágrafo único.

Portanto, excesso é a desnecessária intensificação de um fato típico inicialmente amparado por uma causa

de justificação.

1. ESPÉCIES.

a) Doloso: ou consciente, é o excesso voluntário e proposital. O agente responderá pelo crime autônomo

causado.

b) culposo: ou inconsciente, é o excesso resultante de imprudência, negligência ou imperícia, respondendo o

agente pelo crime culposo praticado.

c) acidental: ou fortuito, é a modalidade que se origina de caso fortuito ou força maior, eventos imprevisíveis

e inevitáveis. O excesso é penalmente irrelevante.

d) exculpante: é o excesso decorrente de profunda alteração de ânimo do agente, isto é, medo ou susto

provocado pela situação. O agente responde pelo excesso, não havendo previsão legal que sustentaria uma

excludente.

e) intensivo: ou próprio, é o que se verifica quando ainda estão presentes os pressupostos das causas de

exclusão da ilicitude. É a defesa de forma desproporcional. Trata-se de um crime autônomo, fora do contexto

fático da excludente da ilicitude[1].

f) extensivo: ou impróprio, é aquele e que não mais presentes estão os pressupostos das causas de exclusão

da ilicitude. Não há mais perigo e o agente ofende bem jurídico alheio, respondendo penalmente, por dolo ou

culpa, pelo excesso extensivo[2].

[1] Defendem essa tese Francisco de Assis Toledo, Nelson Hungria e Alberto Silva Franco. [2] A essa vertente filiam-se E. Magalhães Noronha e Celso Delmanto.

Page 92: Apostila concurseiros

I M P U T A B I L I D A D E P E N A L

Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

CULPABILIDADE

Numa concepção clássica, causalista, causal ou mecanicista da conduta, dolo e culpa se alojam no interior

da culpabilidade. Destarte, com a finalidade de evitar a responsabilidade penal objetiva, a culpabilidade é

elemento do crime.

Assim, para a teoria causalista, o conceito de crime é tripartido, sendo: "fato típico, ilícito, praticado por

agente culpável".

Sob uma visão finalista, o dolo e a culpa foram retirados da culpabilidade e inseridos no plano da conduta,

dentro do fato típico, restando uma culpabilidade vazia. Assim, a teoria finalista, no campo analítico, analisa o

crime por dois critérios: bipartido e tripartido.

Para os que adotam a teoria tripartida, o crime continua sendo um fato típico, ilícito e culpável, mas o dolo e

a culpa são analisados na conduta e não na culpabilidade.

Já de acordo com o conceito bipartido, crime é todo fato típico e ilícito. A culpabilidade deixa de ser

elemento do crime para funcionar como pressuposto de aplicação da pena[1].

1. CONCEITO.

Diante de uma visão finalista, trata-se de um pressuposto de aplicação da pena, que realiza um juízo de

censura e reprovabilidade, que incide sobre a formação e exteriorização da vontade do responsável pelo fato típico

e ilícito, aferindo a necessidade da pena[2].

2. CULPABILIDADE PELO FATO.

No Estado Democrático de Direito vigente, impera o Direito Penal do Fato, e não do autor. Assim, a

culpabilidade recai sobre o autor para aferir se deve ou não suportar a pena pelo fato cometido, pelo seu

comportamento, e jamais por quem ele é.

3. FUNDAMENTO DA CULPABILIDADE.

A culpabilidade é a responsável por diferenciar a conduta do ser humano normal, apto ao convívio social, do

comportamento realizado por pessoas que não possuem a capacidade de discernir o caráter ilícito de suas

condutas.

Essa análise da culpabilidade leva em conta o perfil subjetivo do agente, e não a figura do homem médio,

que é analisado no fato típico e na ilicitude.

4. EVOLUÇÃO DO CONCEITO.

O conceito de culpabilidade não foi apresentado pelo Código Penal. Assim, essa tarefa ficou a cargo da

doutrina que, ao longo dos tempos, formulou diversas teorias:

4.1. Teoria Psicológica.

Para essa teoria, idealizada por Franz von Liszt e Ernst von Beling e intimamente ligada à teoria causal da

conduta, o pressuposto fundamental da culpabilidade é a imputabilidade, ou seja, a capacidade do ser humano de

entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Page 93: Apostila concurseiros

Revela-se através do vínculo psicológico entre o sujeito e o fato típico e ilícito. Esse vínculo é analisado pelo

dolo (normativo, pois guarda em seu interior a consciência da ilicitude) e pela culpa, que aqui residem na

culpabilidade.

Não é aceita diante de vários fundamentos, dentre os quais, a impossibilidade de resolver as situações de

inexigibilidade de conduta diversa, ou fatos praticados com a culpa inconsciente.

4.2. Teoria Normativa (ou psicológico-normativa).

Reinhart Frank, com o propósito de adequar a teoria psicológica à exigibilidade de conduta diversa,

aprofundou seus estudos no sentido de que a culpabilidade deixa de ser um fenômeno natural, atribuindo-lhe o

elemento normativo.

O conceito de culpabilidade passa a ter um perfil complexo, com a união de elementos naturalísticos (vínculo

psicológico, representado pelo dolo e pela culpa) e normativos (circunstâncias concomitantes).

Assim, passa-se a exigir três elementos: imputabilidade, dolo ou culpa e exigibilidade de conduta diversa.

Essa teoria não prosperou, apesar de ter sido um grande avanço à época. Soçobrou com a superveniência do

finalismo por duas razões: (1) manutenção do dolo e culpa na culpabilidade e (2) tratamento do dolo como

normativo.

4.3. Teoria Normativa Pura, Extrema ou Estrita.

Surgiu com o finalismo de Hans Welzel e é assim chamada porque os elementos psicológicos (dolo e culpa)

foram transferidos para o fato típico, alojando-se no interior da conduta.

Assim, a culpabilidade se torna um simples juízo de reprovabilidade que incide sobre o autor do fato típico e

ilícito. O dolo passa a ser natural, ou seja, sem a consciência da ilicitude. Essa consciência permanece na

culpabilidade e passa a ser potencial, ou seja, o agente deveria ter a possibilidade de conhecer o caráter ilícito do

fato praticado.

4.4. Teoria Limitada.

Nessa teoria, a culpabilidade é composta pelos mesmos elementos da teoria normativa pura: (1)

imputabilidade, (2) potencial consciência da ilicitude e (3) exigibilidade de conduta diversa.

A distinção entre elas, porém, repousa no tratamento dispensado às descriminantes putativas, que consiste

no erro plenamente justificado pelo agente que supõe situação fática que, se realmente existisse, tornaria a sua

ação legítima.

Na teoria limitada, as descriminantes putativas são dividas em dois blocos: (1) descriminantes putativas de

fato, tratados como erro de tipo e (2) de descriminantes putativas de direito, disciplinadas como erro de proibição.

Conforme é possível observar no CP, art. 20 e 21, o nosso ordenamento penal pátrio acolheu a teoria

limitada como atual definição da culpabilidade.

4.5. Teoria funcional.

Uma corrente capitaneada por Günter Jakobs sustenta um conceito funcional de culpabilidade.

Trata-se de uma nova proposta, consistente em substituir a culpabilidade fundada em juízo de

reprovabilidade por necessidades reais de prevenção.

Assim, não se verifica o valor da conduta do agente e seu livre arbítrio, analisando o potencial conhecimento

da ilicitude do fato e se era exigível que agisse de outro modo, mas sim se a finalidade da pena se faz necessária,

diante do desrespeito do sujeito perante o ordenamento jurídico. Busca-se, de acordo com a política criminal do

Estado, resguardar o fim de prevenção geral da pena.

Page 94: Apostila concurseiros

Tipo positivo e tipo negativo de culpabilidade.

Com o escopo de justificar um tipo total de culpabilidade, em sintonia com o seu conceito funcional, Jakobs

criou o tipo positivo e o tipo negativo de culpabilidade.

Deste modo, a culpabilidade pressupõe o injusto (fato típico e ilícito) e seu autor somente será responsável

se ao tempo do fato era imputável (tipo positivo) e se seu comportamento não tivesse motivo exculpante (tipo

negativo).

5. COCULPABILIDADE.

Trata-se de uma atenuante inominada que atua em prol do réu, nos moldes do CP, art. 66, tendo em vista

uma carga social de valores negativos diante das desigualdades sociais que moldam a personalidade do agente de

acordo com as oportunidades oferecidas a cada indivíduo, para orientar-se, ou não, de acordo com o ordenamento

jurídico.

Essa teoria apresenta uma parcela de responsabilidade social do Estado pela não inserção social e falta de

oportunidades que leva a um comportamento desviado, resultante das concausas socioeconômicas da

criminalidade urbana e rural.

6. CULPABILIDADE FORMAL E CULPABILIDADE MATERIAL.

Culpabilidade formal é a definida em abstrato, ou seja, o juízo de reprovabilidade realizado em relação ao

provável autor do fato típico e ilícito, desde que presentes os elementos da culpabilidade. Destina-se ao legislador,

impondo limites à cominação da pena.

A culpabilidade material é estabelecida em concreto, dirigida a um agente culpável que cometeu um fato

típico e ilícito. Destina-se ao magistrado, na aplicação concreta da pena.

7. GRAUS DE CULPABILIDADE.

A maior ou menor culpabilidade do autor constitui circunstância judicial, destinada à dosimetria da pena de

acordo com as regras do CP, art. 59, caput.

8. DIRIMENTES.

Assim são chamadas as causas de exclusão da culpabilidade. Podem ser assim sintetizadas:

a) Imputabilidade: doença mental, desenvolvimento mental retardado ou incompleto e embriaguez

acidental completa.

b) Potencial consciência da ilicitude: erro de proibição inevitável (escusável).

c) Exigibilidade de conduta diversa: coação moral irresistível e obediência hierárquica à ordem não

manifestamente ilegal.

[1] Esse é o conceito adotado pelo STF e pelo ordenamento pátrio. [2] Não se pode esquecer que a culpabilidade, para a teoria causalista, ou para a teoria finalista tripartida, é elemento do crime.

IMPUTABILIDADE PENAL

É um dos elementos da culpabilidade. É a capacidade mental, inerente ao seu humano de, ao tempo da ação

ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Deste modo, a imputabilidade penal depende de dois elementos: (1) intelectivo, que consiste na perfeita

saúde mental que permite ao indivíduo o entendimento do caráter ilícito do fato; e (2) volitivo, que é o domínio da

Page 95: Apostila concurseiros

vontade, onde o agente, conhecendo a ilicitude do fato, determina-se de acordo ou não com esse entendimento.

O Brasil adotou o critério cronológico, entendendo imputável todo aquele que completa 18 anos de idade.

1. MOMENTO PARA A CONSTATAÇÃO DA IMPUTABILIDADE.

Conforme o CP, art. 26, caput, a imputabilidade deve ser analisada no momento da ação ou da omissão da

conduta.

2. CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DA INIMPUTABILIDADE.

Como já mencionado, todo seu humano, ao completar 18 anos de idade, presume-se imputável. Essa

presunção, contudo, é relativa (juris tantum). Assim, três critérios são usados para aferir a inimputabilidade:

a) Critério Biológico: para a inimputabilidade, basta a presença de um problema mental representado por

uma doença, ou pelo desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

Não importa a condição mental do agente ao tempo da conduta, bastando, como fator decisivo, a formação

e o desenvolvimento mental do agente, ainda que posterior ao crime. Esse sistema atribui demasiado valor ao

laudo pericial.

b) Critério Psicológico: para esse critério, pouco importa se o indivíduo apresenta ou não deficiência mental.

Basta se mostrar incapacitado para entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse

entendimento. Cabe ao magistrado verificar tal fator.

c) Critério Biopsicológico: resulta da fusão dos dois anteriores. Diante da presunção relativa de

imputabilidade, conjuga os trabalhos do perito e do magistrado, analisando se, ao tempo da conduta, o agente era

capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

É o critério adotado pelo Direito Penal, conforme se verifica no art. 26. No que toca aos menores de 18 anos,

foi adotado o critério biológico.

3. CAUSAS DE INIMPUTABILIDADE.

3.1. Menoridade.

Com relação aos menores de 18 anos, adotou-se o critério biológico para a constatação da inimputabilidade.

A presunção da inimputabilidade é absoluta (juris et de jure), decorrente da CF, art. 228 e CP, art. 27.

A prova da menoridade do agente se faz através de documento hábil, conforme entendimento do STJ,

Súmula 74.

Calha anotar aqui que o menor emancipado permanece inimputável, pois a capacidade civil não se confunde

com a capacidade penal.

Redução da maioridade penal.

Diante do atual contexto social, muito se discute a diminuição da maioridade penal e qual seria o

instrumento necessário para fazê-lo, posto que a inimputabilidade se dá pelo critério biológico adotado pela

Constituição Federal. Diante disso, duas posições surgem:

(1) a redução da maioridade penal somente seria possível com o advento de uma nova Constituição, fruto do

Poder Constituinte Originário, pois constitui cláusula pétrea implícita.

(2) é suficiente uma emenda constitucional, por não se tratar de cláusula pétrea, mas de norma

constitucional inserida no âmbito da família[1].

Crimes permanentes e a superveniência da maioridade penal.

Crimes permanentes são aqueles em que a conduta se prolonga no tempo. Sobrevindo a maioridade penal

em crime iniciado em estado de inimputabilidade, o agente responderá a partir da imputabilidade, desprezando-se

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os atos anteriores, para fins penais.

Crimes Militares e menoridade penal.

O CPM, em seu art. 50, dispõe uma ressalva sobre a imputabilidade penal dos maiores de 16 anos. Contudo,

esse artigo não foi recepcionado pela CF, art. 228.

3.2. Inimputabilidade por doença mental.

A expressão doença mental deve ser interpretada em sentido amplo, englobando os problemas patológicos e

também os de ordem toxicológica. Enfim, entende-se por qualquer doença mental, permanente ou transitória, que

seja capaz de suprimir do ser humano a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo

com esse entendimento.

A inimputabilidade é aferida de acordo com o critério biopsicológico, ou seja, o entendimento do caráter

ilícito do fato deve se dar no momento da ação ou omissão. Diante disso, os intervalos de lucidez são tratados com

a imputabilidade penal comum.

3.3. Inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto.

O desenvolvimento incompleto abrange os menores de 18 anos e os silvícolas.

Para os menores, a regra é inócua, diante do mandamento constitucional do art. 225.

Para os silvícolas, a inimputabilidade depende do grau de assimilação dos valores sociais, a ser revelado pelo

exame pericial. Se integrado à vida em sociedade civil, será imputável; pode ser semi-imputável se divido entre a

tribo e a sociedade; ou inimputável quando incapaz de conviver em sociedade com as regras que lhe são inerentes.

3.4. Inimputabilidade por desenvolvimento mental retardado.

Desenvolvimento retardado é o que não se compatibiliza com a fase da vida em que se encontra o indivíduo.

De acordo com a sua idade cronológica, o indivíduo não se comporta de maneira condizente.

Retardo mental é a condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente, especialmente

caracterizada por um comprometimento de habilidades manifestadas durante o desenvolvimento, contribuindo

para um nível global de inteligência, ou seja, aptidões cognitivas, de linguagem, motoras e sociais.

Com relação ao surdo-mudo, este não é automaticamente inimputável. Compete à perícia aferir o grau de

prejuízo causado pela falha biológica, podendo ser inimputável, semi-imputável ou imputável.

4. PERÍCIA.

Salvo no que diz respeito aos menores de 18 anos (critério biológico), o Direito Penal adotou o critério

biopsicológico para verificação da inimputabilidade. Aqui, o juiz afere a aptidão psicológica, reservando à perícia o

exame biológico.

Através do laudo médico é que se comprova a doença mental. Trata-se de meio legal de prova da

inimputabilidade. A perícia é, pois, fundamental para a aferição da inimputabilidade.

Contudo, o juiz é o peritum peritorum, não estando adstrito ao laudo pericial, conforme preceito do CPP, art.

182.

5. EFEITOS DA INIMPUTABILIDADE.

Os menores de 18 anos sujeitam-se à legislação especial: Lei 8.069/90 (ECA), conforme predeterminado pela

CF, art. 228.

Os demais inimputáveis estão sujeitos à justiça penal comum, onde serão processados e julgados. Contudo,

diante da ausência de culpabilidade, não podem ser condenados. Com efeito, a culpabilidade é pressuposto de

Page 97: Apostila concurseiros

aplicação da pena.

Assim, os inimputáveis serão absolvidos (sentença de absolvição imprópria), restando contra eles uma

medida de segurança, nos termos do CPP, art. 386, parágrafo único, III.

O CP, art. 97 substitui o juízo de culpabilidade pelo juízo de periculosidade, com a presunção juris et de

jure de periculosidade do inimputável, ordenando a imposição de medida de segurança.

6. IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA OU RESTRITA.

Determinada pelo CP, art. 26, parágrafo único, é também chamada de imputabilidade reduzida ou semi-

imputabilidade[2].

Refere-se à perturbação da saúde mental, doença mental mais suave, que não elimina totalmente a

capacidade de intelecção do agente, apenas reduzindo-a.

Com efeito, nesse caso o sujeito encontra-se em posição biopsicológica inferiro a um imputável, tendo a

reprovabilidade de sua conduta diminuída, determinando a redução da pena de 1/3 a 2/3.

Trata-se de uma causa obrigatória de diminuição da pena, cuja aferição se dá também pelo critério

biopsicológico, subsistindo a culpabilidade, ou seja, não há absolvição imprópria, mas condenação com menor

apenamento. Contudo, o semi-imputável poderá ter a sua pena substituída por medida de segurança, se o exame

pericial assim recomendar.

7. EMOÇÃO E PAIXÃO.

No Código Penal de 1980, a perturbação dos sentidos e da inteligência afastava a culpabilidade. Atualmente,

não mais se admite a emoção ou paixão como excludente da imputabilidade penal, diante do estabelecido pelo CP,

art. 28, I.

Trata-se de um critério legal, taxativo, que determina a imputabilidade daquele que agente em descontrole

emocional, diante de uma situação em que se dispõe a agir mediante a emoção ou a paixão que o fato lhe aflora.

Emoção é o estado afetivo que acarreta na perturbação transitória do equilíbrio psíquico, tal como na ira,

medo, alegria, cólera, prazer erótico, surpresa, etc.

Paixão é a emoção mais intensa, ou seja, perturbação duradoura do equilíbrio psíquico, a exemplo do amor,

inveja, ciúme, vingança, ódio, fanatismo, ambição, etc.

Ensina Enrico Altavilla, "a emoção é uma embriaguez; a paixão é uma doença".

A despeito da norma penal que determina a imputabilidade daquele que age com emoção ou paixão, estas

serão capazes de retirar a imputabilidade do agente quando configurarem um estado de morbidez ou patologia,

compreendida como uma verdadeira psicose, indicativa de doença mental. Assim, a conduta achará respaldo na

inimputabilidade (CP, art. 26, caput) ou na semi-imputabilidade (CP, art. 26, parágrafo único).

A emoção e a paixão podem ser sociais (amor), antissociais (ódio), astênicas (debilidade orgânica, v.g., medo,

pavor) ou estênicas (pessoa ativa que provoca irritação, desespero). Funcionam como circunstância judicial na

aplicação da pena-base (CP, art. 59, caput).

Homicídio Passional.

No Direito Penal Pátrio à época da República, os criminosos passionais não eram apenados, sob o pretexto

de que, diante do flagrante adultério, ou movidos por elevado ciúme, restavam privados da inteligência e dos

sentidos.

Com a evolução social, dinamizando o Direito Penal, não mais é possível admitir essa possibilidade. A

emoção e paixão decorrentes de momentos conjugais não excluem a imputabilidade penal do agente, mormente

quando o crime for motivado por "amor".

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Nada obstante, vez ou outra é possível visualizar a absolvição de homicidas passionais confessos. Isso se dá

diante do tribunal do júri, que é composto por pessoa leigas que decidem pela íntima convicção, muitas vezes até

se identificando com a figura do réu.

8. EMBRIAGUEZ.

É a intoxicação aguda produzida no corpo humano pelo álcool ou por substância de efeitos análogos, apta a

provocar a exclusão da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

Essa embriaguez, chamada de embriaguez aguda, simples ou fisiológica, não exclui a imputabilidade penal,

conforme CP, art. 28, II.

8.1. Embriaguez crônica, patológica (alcoolismo crônico).

Cuida-se da embriaguez que compromete total ou parcialmente a imputabilidade penal, caracterizada pela

desproporcional intensidade ou duração dos efeitos inerentes à intoxicação alcoólica.

Equipara-se às doenças mentais, considerando o ébrio inimputável ou semi-imputável, conforme laudo

pericial.

8.2. Períodos, fases ou etapas da embriaguez.

São cientificamente reconhecidas três fases:

a) 1ª fase Eufórica: as funções intelectuais mostram-se excitadas e o indivíduo particularmente eufórico. A

capacidade de julgamento se compromete. Há certo grau de erotismo. O ébrio fala acima do normal, apresenta

desinibição e comporta-se de forma cômica e indecorosa. É a chamada "fase do macaco".

b) 2ª fase Agitada: perturbações psicossensoriais profundas. Alteram-se as funções intelectuais, o juízo

crítico, atenção e memória. Os delitos são praticados com agressões e contra a liberdade sexual. Há perda do

equilíbrio. Ocorrem perturbações visuais. O sujeito fica agitado e agressivo. É chamada de "fase do leão".

c) 3ª fase Comatosa (coma): inicialmente há sono e o coma se instala progressivamente.o estado comatoso

pode torna-se irreversível e causar a morte do ébrio. Nessa fase, somente podem ser praticados crimes omissivos,

próprios ou impróprios (comissivos por omissão). É a "fase do porco".

8.3. Espécies de embriaguez.

A embriaguez aguda, simples ou fisiológica pode ser classificada mediante dois critérios: quanto à

intensidade e quanto à origem.

a) Quanto à intensidade: a embriaguez, de acordo com a intensidade, pode ser completa,

total ou plena (aquela que chegou à segunda ou terceira fase) ou pode ser incompleta,

parcial ou semiplena (limitou-se à primeira fase).

b) Quanto à origem: pode ser voluntária ou intencional (aquela que o indivíduo inegere bebidas com a

intenção de embriagar-se, apenas), culposa (a vontade do agente é somente beber, mas acaba se

excedendo), preordenada ou dolosa (o sujeito bebe para cometer infração penal) ou acidental ou fortuita (resulta

de caso fortuito ou força maior).

No que tange à embriaguez preordenada, além de não excluir a imputabilidade, funciona como agravante

genérica (CP, art. 61, II, "l"). já quanto à embriaguez acidental, quando completa, exclui a imputabilidade penal (CP,

art. 28, §1º), se incompleta, autoriza a diminuição da pena, correspondendo à semi-imputabilidade (CP, art. 28,

§2º).

Calha anotar aqui que, a embriaguez acidental ou fortuita, completa não autoriza a imposição de medida de

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segurança, diante da isenção de pena que lhe caracteriza. Destarte, o sujeito não é inimputável, mas sim

imputável. Apenas a situação em que se encontrava tornava a sua conduta inimputável.

8.4. Prova da embriaguez.

Diante do sistema da livre apreciação da prova, da persuasão racional e do livre convencimento motivado,

adotado pelo CPP, art. 155, caput, a embriaguez admite qualquer meio probatório.

Contudo, três formas probantes da embriaguez se destacam:

a) exame laboratorial: revela a quantidade de álcool no sangue. O agente, entretanto, não é obrigado a fazer

o exame, diante do princípio do nem tenetur se detegere, ou seja, ninguém é obrigado a produzir prova contra si

mesmo.

b) exame clínico: é a análise pessoal do indivíduo, evidenciando dados característicos da embriaguez, tais

como hálito, controle emocional, fala etc.

c) prova testemunhal: pessoas que relatem acerca da alteração do comportamento de quem se submeteu à

álcool ou à substância de efeitos análogos.

Prova da embriaguez e o Código de Trânsito Brasileiro.

O Estado autoriza administrativamente as pessoas a conduzirem veículos automotores. Assim, tem o direito

de impor as condições necessárias para a manutenção dessa prerrogativa, destacando-se o art. 227 da Lei

9.503/97, que determina a submissão do indivíduo aos exames para comprovação de eventual uso de álcool ou

substância de efeitos análogos.

Àquele que não se submeter ao teste, ser-lhe-ia aplicada uma pena de multa e suspensão do direito de dirigir

por 12 meses.

Diante da impossibilidade produzir prova contra si mesmo, princípio do Processo Penal, uma vez que a

infração administrativa de trânsito traz consequências penais (Lei 9.503/97, art. 306), sustenta-se inaceitável essa

regra.

Assim, comprovação desse crime depende de prova pericial (exame de sangue) ou método equivalente

(etilômetro ou teste em aparelho ar alveolar – "bafômetro"), únicos meios suficientes para verificar a dosagem de

álcool no sangue.

8.5. Teoria da actio libera in causa.

Conforme dispõe o CP, art. 28, II, a embriaguez, voluntária ou culposa, não exclui a imputabilidade penal.

No que cerne à embriaguez preordenada, contudo, não somente subsiste a imputabilidade como também

funciona como agravante genérica, exasperando a pena.

Assim, indaga-se: Como seria possível a punição do agente em embriaguez não acidental? Não estaria

privado da capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento?

Surge, então, a teoria da actio libera in causa, ou melhor, ação livre em causa.

Fundamenta-se no princípio segundo o qual a "causa da causa também é a causa do que foi causado", ou

seja, afere-se a imputabilidade penal no momento em que o agente do delito se embriagou voluntariamente,

desprezando-se o tempo em que o crime foi praticado.

Essa teoria justifica a punição do sujeito que, ao tempo da conduta, encontrava-se em estado de

inconsciência. Mas a análise do dolo e da culpa recaem no momento em que se embriagou, com o propósito de

produzir resultado lesivo, ou, ainda que sem essa intenção, tendo previsto a possibilidade de sua ocorrência,

quando podia ou devia prever.

Essa teoria foi desenvolvida para a embriaguez preordenada (ou dolosa), nela se encaixando perfeitamente.

Posteriormente, sua aplicabilidade se estendeu à embriaguez voluntária e à embriaguez culposa, bem como aos

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demais estados de inconsciência.

Assim, surge a crítica de que o Código Penal teria adotado a responsabilidade penal objetiva, tendo adotado

uma ficção jurídica para construir a figura do crime praticado, por motivos de política criminal[3].

Existem, porém, posições doutrinárias diversas, sustentando a não caracterização da responsabilidade penal

objetiva no tocante à incidência dessa teoria na embriaguez voluntária e na embriaguez culposa.

Nelson Hungria defende essa teoria, afirmando que a ameaça penal constitui mais um motivo inibitório para

prevenir a embriaguez e seus eventuais efeitos maléficos. Ademais, entende que a embriaguez sempre revela a

verdadeira personalidade do agente, que se faz justa a aplicação, uma vez que o objetivo da teoria da culpabilidade

é tornar responsável o indivíduo pelos atos que são expressão de sua personalidade.

Cumpre destacar que, na embriaguez acidental ou fortuita, não se aplica a teoria da actio libera in causa,

porque o indivíduo não tinha a opção de ingerir o álcool ou substância de efeitos análogos.

[1] Tramita no Senado Federal uma PEC (26/2002) nesse sentido. [2] Cezar Roberto Bitencourt utiliza a expressão "culpabilidade diminuída". [3] Paulo José da Costa Júnior.

POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

A aplicação da pena ao autor de uma infração penal somente é justa e legítima quando ele, no momento da

conduta, era dotado, ao menos, da possibilidade de compreender o caráter ilícito do fato praticado.

Exige-se, para a configuração da imputabilidade penal do acusado, a potencial consciência da ilicitude de sua

conduta.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA.

O sistema clássico ou causal, por alocar o dolo na culpabilidade, considerava a consciência da ilicitude como

integrante do dolo, que era normativo.

No sistema finalista, o dolo e a culpa foram transferidos para a conduta, passando a compor a estrutura do

fato típico. O dolo, agora, natural é desprovido da consciência da ilicitude, que permanece na culpabilidade.

O finalismo também transforma a consciência da ilicitude em potencial. A falta da consciência da ilicitude, no

sistema clássico, excluía o dolo. No sistema finalista, o dolo permanece íntegro, afastando-se a culpabilidade.

2. CRITÉRIOS PARA DETERMINAÇÃO DO OBJETO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE.

Juan Córdoba Roda, em trabalho específico do tema, apresenta três critérios para determinação do objeto da

consciência da ilicitude:

a) Critério Formal: proclama ser necessário o conhecimento do agente sobre a violação de alguma norma

penal. Desenvolvido por Binding, Beling e von Liszt, não encontrou acolhimento, pois somente os juristas,

conhecedores do direito, poderiam cometer crimes.

b) Critério Material: baseia-se numa concepção material do injusto, exigindo o conhecimento da

antissociabilidade, da injustiça e da imoralidade de uma conduta. Defendido por Max Ernst Mayer e Kaufmann,

esbarrou na existência de infrações penais de pura criação legislativa, que não correspondem ao conceito de

injusto material, bem como em condutas reconhecidamente danosas, embora não tipificadas pelo Direito Penal.

c) Critério Intermediário: sustenta que o conhecimento da ilicitude não importa em conhecimento da

punibilidade, nem em conhecimento da lei que proíbe o seu comportamento. O sujeito deve apenas, com o

esforço de sua consciência, conhecer ou poder conhecer, o caráter ilícito de sua conduta. É o critério de maior

aceitação.

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Em suma, basta o esforço normal da inteligência do agente para aferição da potencial consciência da

ilicitude.

3. EXCLUSÃO: ERRO DE PROIBIÇÃO ESCUSÁVEL.

A potencial consciência da ilicitude é afastada pelo erro de proibição escusável (CP, art. 21, caput).

No Direito Romano falava-se em erro de direito, referindo-se à ignorância ou falsa interpretação da lei. Era a

opção acolhida pelo Código Penal de 1940.

Coma reforma da parte geral, o erro de direito cedeu espaço sobre o erro sobre a ilicitude do fato,

disciplinado pelo art. 21, chamado erro de proibição.

Para possibilitar a convivência harmoniosa de todos em sociedade, o direito organiza normas de conduta que

devem ser observadas. Trata-se do ordenamento jurídico, que impõe uma presunção absoluta acerca do

conhecimento da lei por todas as pessoas.

Ademais, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, em seu art. 3º, determina que ninguém poderá

alegar desconhecimento da lei, cujo conhecimento geral de todos começa com a sua publicação.

Entretanto, o conhecimento da lei não significa o conhecimento do seu conteúdo. E é nesse caso que surge o

instituto do erro de proibição.

O erro de proibição, ou erro sobre a ilicitude do fato, pode ser definido como a falsa percepção do agente

acerca do caráter ilícito do fato típico por ele praticado, de acordo com um juízo profano[1].

Trata-se de causa de exclusão da culpabilidade, quando o erro for escusável, ou causa de diminuição da

pena, quando inescusável.

3.1. Efeitos.

O erro de proibição (ou erro sobre a ilicitude do fato) relaciona-se com a culpabilidade, podendo excluí-la ou

não, se escusável ou inescusável, respectivamente.

O erro de proibição escusável, inevitável ou invencível compreende no equívoco do agente sobre a ilicitude

de sua conduta que, contudo, ainda que houvesse se esforçado, empregando as diligencias necessárias, não

poderia evitá-lo.

Nesse caso, exclui-se a culpabilidade em face da ausência de um de seus requisitos: a potencial consciência

da ilicitude, conforme CP, art. 21, caput.

Já o erro de proibição inescusável, evitável ou vencível poderia ser evitado diante de maior cuidado, com as

diligências normais, seria possível compreender o caráter ilícito do fato. Assim, subsiste a culpabilidade, mas a

pena pode ser diminuída, em face da menor censurabilidade da conduta, conforme CP, art. 21, caput.

O critério para aferir se o erro era escusável ou inescusável é o perfil subjetivo do agente. Com efeito, com

relação à matéria culpabilidade, levam-se em conta as particularidades do responsável pelo fato típico e ilícito,

com a finalidade de se alcançar a sua culpabilidade[2].

3.2. Espécies de erro de proibição.

O erro de proibição (ou erro sobre a ilicitude do fato) pode ser direto, indireto ou mandamental.

a) Erro de proibição direto: o agente desconhece o conteúdo de uma lei penal proibitiva, ou, se o conhece,

interpreta de forma equivocada.

b) Erro de proibição indireto: também chamado de descriminante putativa por erro de proibição, o agente

conhece o caráter ilícito do fato, mas, no caso concreto, acredita putativamente estar presente uma causa de

exclusão da ilicitude de sua conduta, ou se presente a causa justificante, se equivoca quanto aos seus limites.

c) Erro de proibição mandamental: o agente, envolvido em uma situação de perigo a determinado bem

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jurídico, erroneamente, acredita estar autorizado a livra-se do dever de agir para impedir o resultado, nos termos

do CP, art. 13, §2º.

3.3. Crime putativo por erro de proibição.

Nesse caso, também chamado de delito putativo por erro de proibição, o agente atua acreditando que seu

comportamento constitui infração penal, quando, na verdade, sua conduta é penalmente irrelevante.

3.4. Erro de tipo vs Erro de proibição.

ERRO DE TIPO

DIFERENÇAS

ERRO DE PROIBIÇÃO

O Agente desconhece a situação fática. Não

conhece um dos elementos do tipo penal.

O Agente conhece a situação fática, mas

desconhece a ilicitude de sua conduta.

Erro de tipo escusável: exclui o dolo e a culpa. Erro de proibição escusável: exclui a

culpabilidade.

Erro de tipo inescusável: exclui o dolo, mas

subsiste a culpa, se prevista em lei.

Erro de proibição inescusável: não afasta a

culpabilidade, diminui a pena, de 1/6 a 1/3.

3.5. Erro de tipo que incide sobre a ilicitude do fato.

O erro sobre a ilicitude do fato caracteriza o erro de proibição, relacionando-se com o terreno da

culpabilidade.

Excepcionalmente, todavia, o preceito primário de um tipo penal inclui na descrição da conduta criminosa

elementos normativos de índole jurídica, atinentes à ilicitude. Ex: CP, art. 151, 153, caput, 154, 244, etc., utilizando

os termos "indevidamente", "sem justa causa".

E, tais hipóteses, o erro sobre a ilicitude do fato caracteriza erro de tipo, com todos os seus efeitos.

[1] A simples omissão ou conivência do Poder Público não autoriza o reconhecimento do erro de proibição, a exemplo da manutenção de uma casa de prostituição em que o Estado não se movimenta contrariamente. [2] Importante lembrar que, sempre quando se analisa os elementos fato típico e ilicitude do crime, leva-se em conta a figura do homem médio diante da conduta praticada, pois o que tem valor é a análise do fato. Quando se fala em culpabilidade, entretanto, considera-se a figura do agente responsável pelo fato no caso concreto, aferindo as suas condições pessoais para resolver sobre a sua culpabilidade.

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

É o elemento da culpabilidade consistente na expectativa da sociedade acerca da prática de uma conduta

diversa daquela que foi deliberadamente adotada pelo autor de um fato típico e ilícito.

Destarte, quando o caso concreto indicar a prática de uma infração penal em decorrência de inexigibilidade

de conduta diversa, estará excluída a culpabilidade, pela ausência de um de seus elementos.

A inserção da exigibilidade de conduta conforme o direito no juízo da culpabilidade é atribuída a Reinhart

Frank, em 1907, com sua teoria da normalidade das circunstâncias concomitantes.

Esse tratamento normativo da culpabilidade, no Código Penal vigente, restou manifesto nos institutos da

coação moral irresistível e da obediência hierárquica, causas legais de exclusão da culpabilidade motivadas pela

inexigibilidade de conduta diversa.

1. COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL.

Determinada pelo CP, art. 22, sustenta a causa de exclusão da culpabilidade diante de uma coação moral

(embora a lei não defina desse modo), onde o coator, para alcançar o resultado ilícito desejado, ameaça o coagido,

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que, por medo, age conforme o tipo penal.

A intimidação recai sobre a vontade do agente, viciando-a, de modo a retirar a exigência legal de agir de

maneira diversa. Diante da inexigibilidade de conduta diversa, resta excluída a culpabilidade, isentando de pena o

coagido.

Esse artigo não inclui a coação física, uma vez que essa retira por completo a vontade do coagido. Seu

aspecto volitivo não é meramente viciado, mas suprimido, passando o coagido a ser um instrumento do crime.

Assim, diante da inexistência de dolo ou culpa, retira-se a conduta e, consequentemente, a tipicidade do fato.

1.1. Requisitos.

A coação moral irresistível depende dos seguintes requisitos:

a) Ameaça do coator de mal grave e iminente que o coagido não é obrigado a suportar.

b) inevitabilidade do perigo na posição em que se encontra o coagido.

c) caráter irresistível da ameaça.

d) presença de, ao menos, três pessoas envolvidas: devem estar presentes o coator, o coagido e a vítima.

Podem ocorrer casos em que o próprio coagido figure também como vítima. 1.2. Efeitos.

A coação moral irresistível afasta a culpabilidade do coagido. Contudo, subsiste a responsabilidade pela

prática do fato típico e ilícito, que recai na pessoa do coator.

Trata-se de manifestação da autoria mediata. O autor responderá pelo delito praticado pelo coagido em

concurso material com o delito de tortura (Lei 9.455/97, art. 1º, I, "b").

Inexiste concurso de pessoas entre o coator e o coagido, ante a ausência de vínculo subjetivo, salvo no caso

de a coação moral ser resistível. Nessa ultima hipótese, a pena do coator será agravada (CP, art. 62, II) e a do

coagido será atenuada (CP, art. 65, III, "c", 1ª parte).

1.3. Temor reverencial.

É o fundado receio de decepcionar pessoa a quem se deve elevado respeito. Não se equipara à coação

moral, pois não há ameaça, apenas receito.

Ademais, na seara do Direito Civil, o temor reverencial sequer permite a anulação dos negócios jurídicos, que

dirá em esfera penal, não podendo elidir a culpabilidade.

2. OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA.

É a causa de exclusão da culpabilidade, fundada na inexigibilidade de conduta diversa em decorrência do

cumprimento de uma ordem de um superior hierárquico, não manifestamente ilegal.

Fundamenta-se, basicamente, na impossibilidade de conhecer a ilegalidade da ordem no caso concreto e na

inexigibilidade de conduta diversa.

2.1. Requisitos.

a) Ordem não manifestamente ilegal: trata-se de uma ordem com legalidade aparente.

b) Ordem originária de autoridade competente.

c) Relação de Direito Público: a posição de hierarquia que autoriza o reconhecimento da excludente de

culpabilidade somente existe no Direito Público.

d) Presença de três pessoas: mandante da ordem, executor e a vítima.

e) Cumprimento estrito da ordem.

2.2. Efeitos.

???

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C O N C U R S O D E P E S S O A S

Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

INTRODUÇÃO

Este instituto, também chamado de concurso de agentes, codelinquência, concurso de delinquentes,

cumplicidade, coautoria e participação lato sensu, acha-se disciplinado no Código Penal, art. 29 a 31.

Entende-se por concurso de pessoas a colaboração empreendida por duas ou mais pessoas para a realização

de um crime ou contravenção penal.

1. REQUISITOS.

O concurso de pessoas depende de cinco requisitos:

1.1. Pluralidade de agentes culpáveis.

Deve haver, no mínimo, duas pessoas e, consequentemente, ao menos, duas condutas penalmente

relevantes, dotadas de culpabilidade. Essas condutas podem ser principais (coautoria) ou um principal (coautor) e a

outra acessória (partícipe).

A teoria do concurso de pessoas desenvolveu-se para solucionar os problemas envolvendo os crimes

unissubjetivos ou de concurso eventual, que são aqueles cometidos, em regra, por uma única pessoa, mas que

admitem o concurso de pessoas. Nesses delitos a culpabilidade é fundamental, sob pena de caracterizar a autoria

mediata.

No tocante aos crimes plurissubjetivos, plurilaterais ou de concurso necessário, não se faz necessária a

utilização da norma de extensão do art. 29, uma vez que o tipo penal determina que, para a configuração do crime,

é imprescindível a existência de duas ou mais pessoas. Para tanto, basta que um dos agentes seja culpável.

Assim também ocorre nos crimes eventualmente plurissubjetivos, que são praticados por uma só pessoa,

mas, quando praticados em concurso, o próprio tipo penal determina um aumento de pena.

Em todos esses casos (crimes necessariamente ou eventualmente plurissubjetivos) há um pseudo-concursos,

concurso impróprio ou concurso aparente de pessoas.

1.2. Relevância causal das condutas para a produção do resultado.

Deve haver uma contribuição física ou moral, direta ou indireta, comissiva ou omissiva, anterior ou

simultânea à execução, influindo efetivamente no resultado criminoso.

Anote-se que a causa relevante deve ser anterior ou concomitante à consumação. Se posterior, configura

crime autônomo, salvo no caso de previamente ajustada entre os agentes.

1.3. Vínculo subjetivo.

Também chamado de concurso de vontades, esse requisito impõe estejam todos os agentes do crime ligados

entre si por um vínculo de ordem subjetiva. Devem revelar uma vontade homogênea. É o que se convencionou

chamar de princípio da convergência.

Esse vínculo não depende de prévio ajuste entre os agentes, basta a ciência por parte de um agente no

tocante à concorrência para a produção do resultado naturalístico.

1.4. Unidade de infração penal para todos os agentes.

O CP, em seu art. 29, caput, adotou a teoria unitária, monística ou monista, onde todos os coautores e

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partícipes se sujeitam a um único tipo penal.

Excepcionalmente, o CP admite, expressamente, a teoria pluralista, pluralística, da cumplicidade do crime

distinto ou, ainda, autonomia da cumplicidade, pela qual se separam as condutas, com a criação de tipos penais

diversos para os agentes que buscam o mesmo resultado. é o que se dá, v.g., nos seguintes casos:

Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante: art. 126 para o executor e art. 124, in

fine, para a gestante;

Bigamia: quem já era casado pratica o crime do art. 235, caput, e a outra pessoa, não casada, incide no §1º

do dispositivo citado.

Corrupção passiva e ativa: funcionário público que aceita propina comete o art. 317 e o particular que

oferece, art. 333.

Em sede doutrinária, despontam ainda outras duas teorias.

Para a teoria dualista, no caso de pluralidade de agentes e condutas diversas, há dois crimes distintos: um

para coautores e um para partícipes.

Enfim, para a teoria mista, o delito praticado em concurso é o resultado de diversos delitos singulares. O

delito em concurso não seria, portanto, uma entidade autônoma, mas parte de um todo, chamado delito

concursal, resultado da soma dos delitos em concurso.

1.5. Existência de fato punível.

O concurso de pessoas depende da punibilidade do crime, diante do princípio da exterioridade. Conforme

disposição do CP, art. 31, o delito precisa ultrapassar a esfera pessoal do agente, atingindo o mundo exterior.

AUTORIA

Existem diversas teorias que buscam estabelecer o conceito de autor. Vejamo-las:

a) Teoria Subjetiva ou Unitária: não diferencia o autor de partícipe. É autor do crime aquele que, de

qualquer modo, contribui para a produção de um resultado material.

Seu fundamento repousa na teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, onde

qualquer colaboração, independente do grau, dá causa ao resultado.

b) Teoria Extensiva: também se fundamente na teoria da equivalência dos antecedentes, não distinguindo

autor de partícipe.

Contudo, é mais suave, porque admite causas de diminuição de pena diante dos diversos graus de autoria.

Aqui surge a figura do cúmplice (autor com menor participação).

c) Teoria Objetiva ou Dualista: opera nítida distinção entre autor e partícipe. Foi adotada pela Lei 7.209/84

que reformou a parte geral do Código Penal de 1940.

Essa teoria subdivide-se em outras três:

Teoria objetivo-formal: para essa teoria, autor é quem realiza o núcleo (verbo) do tipo penal. Partícipe é

quem, de qualquer modo, concorre para o resultado sem praticar o núcleo do verbo. É a teoria preferida pela

doutrina nacional, contudo, deixa em aberto o instituto da autoria mediata.

A autoria mediata é a modalidade de autoria em que o autor realiza indiretamente o núcleo do tipo, valendo-

se de pessoa sem culpabilidade ou que age sem dolo ou culpa.

Teoria objetivo-material: aturo é quem preta contribuição objetiva mais importante para a produção do

resultado. Partícipe é quem concorre de forma menos relevante.

Teoria do domínio do fato: criada por Hans Welzel em 1939, visando ocupar posição intermediária entre as

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teorias subjetiva e objetiva, define que autor é quem possui o controle sob o domínio do fato criminoso. Para essa

teoria, o conceito de autor resta ampliada para todos aqueles que têm o domínio da situação, apesar de não

realizarem condutas descritas no tipo, abrangendo o autor propriamente dito, o autor intelectual, o autor mediato

e os coautores.

Essa teoria também admite a figura do partícipe, sendo aquele que, de qualquer modo, concorre para o

crime, desde eu não realize o núcleo do tipo penal nem possua controle sobre o fato.

Diante da sua finalidade, essa teoria somente se aplica aos crimes dolosos, não se encaixando aos culposos,

onde o autor da conduta não concebe o controle final do fato, pois, sequer deseja esse final.

O Direito Penal Brasileiro adota a teoria restritiva, no prisma objetivo-formal. Todavia, essa teoria

deve ser complementada pela teoria da autoria mediata.

PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS

De acordo com a teoria monista adotada pelo CP, art. 29, caput, no concurso de pessoas há pluralidade de

agentes e unidade de crime.

Assim, todos os envolvidos em uma infração penal são por ela responsáveis. Contudo, a identidade de crimes

não importa em identidade de penas. O CP, art. 29 curvou-se ao princípio da culpabilidade, empregando o termo

"na medida da sua culpabilidade".

Nesses termos, as penas devem ser individualizadas na análise do caso concreto, levando-se em conta o

sistema trifásico delineado pelo CP, art. 68, onde as penas serão aplicadas de acordo com a culpabilidade de cada

agente.

COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA

É também chamada pela doutrina de desvios subjetivos entre os agentes ou participação em crime menos

grave.

Trata-se de um corolário lógico da teoria unitária ou monista, adotada pelo CP, art. 29, visando afastar a

responsabilidade objetiva no concurso de pessoas.

Assim, se um dos concorrentes para a infração penal quis participar do crime, mas este se desenvolve e

acaba se tornando outro, e um dos agentes não quis participar desse crime mais grave, não haverá vinculo

subjetivo nesse delito, respondendo somente pelo menos grave, o qual quis participar.

Entretanto, se a ocorrência do crime mais grave for previsível, o agente continuará respondendo pelo crime

menos grave, contudo, poderá ter sua pena aumentada.

ESPÉCIES DE CONCURSO DE PESSOAS

1. COAUTORIA.

É a forma de concurso de pessoas que ocorre quando o núcleo do tipo penal é executado por duas ou mais

pessoas.

A coautoria pode ser parcial (ou funcional), quando diversos autores praticam atos de execução diversos

que, somados, produzem o resultado almejado; ou direta (ou material), onde todos os autores efetuam a mesma

conduta criminosa. 1.1. Coautoria nos crimes próprios e nos crimes de mão própria.

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Crimes próprios (ou especiais) são aqueles em que o tipo penal exige uma situação de fato ou direito

diferenciada por parte do sujeito ativo, ou seja, exige-se uma condição especial de autoria.

É possível que mais de uma pessoa com a mesma condição exigida pela lei pratique o crime, revelando a

coautoria em crimes próprios.

Nos casos em que somente um dos autores do crime possui a condição especial, nos moldes do CP, art. 30, a

condição especial, se for elementar do tipo, comunica-se ao terceiro, desde que dela esse ultimo tenha

conhecimento.

Crimes de mão própria (de atuação pessoal ou de conduta infungível) são os que somente podem ser

praticados pelo sujeito expressamente indicado no tipo penal.

Esses crimes são incompatíveis com a coautoria. Diante da exclusividade reservada pelo tipo penal para a sua

prática, somente o autor definido pela lei é que poderá praticá-lo.

1.2. Executor de reserva.

Trata-se do agente que acompanha, presencialmente, a execução da conduta típica, ficando à disposição

para, se necessário, nela intervir.

Se intervier, será tratado como coautor. Em caso de inação, será partícipe.

1.3. Coautoria sucessiva.

Ocorre quando a conduta, iniciada em autoria única, se consuma com a colaboração de outra pessoa, sem

prévio ajuste entre elas.

1.4. Coautoria em crimes omissivos.

A admissibilidade de coautoria em crimes omissivos divide a doutrina em duas vertentes:

Uma primeira corrente admite a coautoria em crimes omissivos, próprios (ou puros) ou impróprios (espúrios

ou comissivos por omissão). Para tanto, basta que dois ou mais agentes, vinculados pela unidade de propósitos

prestem contribuições relevantes para o resultado, realizando os atos de execução omissivos previstos em lei[1].

Um segundo entendimento não admite a coautoria em crimes omissivos, de qualquer natureza.

Essa teoria entende que cada um dos sujeitos detém o dever de agir d modo individual. Esse dever, imposto

pela lei a todos nos crimes omissivos próprios, ou de forma determinada, nos impróprios, é indivisível, indelegável,

restando caracterizada duas ou mais condutas autônomas[2].

1.5. Autoria mediata.

Esse tema não se acha expressamente disciplinado na lei. Trata-se de uma construção doutrinária.

Entende-se por autoria mediata a conduta do agente que, para a consumação do crime, se utiliza de uma

pessoa inculpável ou que atua sem dolo ou culpa. Dois sujeitos estão aqui presentes: (1) autor mediato, que

ordena a prática do crime; e (2) autor imediato, que executa a conduta criminosa.

O autor imediato, que atua sem culpabilidade, funciona como mero instrumento do crime, sendo

irresponsável pelo resultado. Assim, não há que se falar em concurso de pessoas. A propriedade do crime será

atribuída somente ao autor mediato.

É possível a participação ou coautoria na autoria mediata. Ex: "A" e "B" pedem a "C", inimputável, que mate

"D".

Autoria mediata nos crimes culposos.

A autoria mediata é incompatível com os crimes culposos. Por óbvio, nos crimes culposos o resultado

naturalístico é involuntário, sendo inconcebível a utilização de um terceiro sem consciência disso.

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Autoria mediata nos crimes próprios e nos crimes de mão própria.

Crimes próprios (ou especiais) são aqueles em que o tipo penal exige uma situação de fato ou direito

diferenciada por parte do sujeito ativo, ou seja, exige-se uma condição especial de autoria.

É possível que o autor mediato reúna as qualidades específicas descritas pelo tipo penal, permitindo a

ocorrência da autoria mediata nos crimes próprios.

Crimes de mão própria (de atuação pessoal ou de conduta infungível) são os que somente podem ser

praticados pelo sujeito expressamente indicado no tipo penal.

Esses crimes são incompatíveis com a autoria mediata. Diante da exclusividade reservada pelo tipo penal

para a sua prática, somente o autor definido pela lei é que poderá praticá-lo. Não obstante, a doutrina comporta

algumas exceções que podem surgir no caso concreto, mas de difícil visualização.

1.6. Autoria por determinação.

É o sujeito que determina outro ao fato, mas que conserva o seu domínio, posto que, se o perde, já não é

mais autor, mas mero instigador.

Autor por determinação é, portanto, quem se vale de outro, que não realiza conduta punível por ausência de

dolo, em um crime de mão própria, ou ainda o sujeito que não reúne as condições legalmente exigidas para a

prática de um crime próprio, quando se utiliza de tais qualidades e se comporta de forma atípica, ou acobertado

por uma causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade.

Ao autor por determinação deverá ser imputado o resultado produzido.

1.7. Autoria de escritório.

Cuida-se de uma autoria mediata particular ou autoria mediata especial.

Assim, autor de escritório é o agente que transmite a ordem a ser executada por outro autor direto, dotado

de culpabilidade e passível de ser substituído a qualquer momento por outra pessoa, no âmbito de uma

organização ilícita de poder. Ex: líder de organização criminosa que dá ordens a seus "soldados".

2. PARTICIPAÇÃO.

É a modalidade de concurso de pessoas em que o sujeito não realiza diretamente o núcleo do tipo penal,

mas, de qualquer modo, concorre para o crime.

É um comportamento acessório que colabora efetivamente com o resultado naturalístico visado pelo autor

principal da infração penal.

Portanto, a participação reclama dois requisitos: (1) propósito de colaborar para a conduta principal; e (2)

colaboração efetiva, por meio de um comportamento acessório que concorra para a produção do resultado

material.

2.1. Espécies.

A participação pode ser moral ou material.

a) participação moral: é aquela em que a conduta do agente restringe-se a induzir (fazer surgir a ideia) ou

instigar (reforçar ideia já existente) terceira pessoa a cometer uma infração penal.

b) participação material: a conduta do sujeito consiste em prestar auxílio ao autor da infração penal. Auxiliar

consiste em facilitar, viabilizar materialmente a execução, sem realizar a conduta descrita no núcleo do tipo penal.

Nesse caso, o partícipe é chamado de cúmplice.

2.2. Punição do partícipe: teorias da acessoriedade.

A natureza jurídica da conduta do partícipe é acessória, uma vez que não realiza atos de execução contidos

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no tipo penal, mas apenas auxilia o autor principal.

Deste modo, a conduta do partícipe somente adquire eficácia quando adere à conduta principal do autor,

subordinando-se mediatamente à adequação típica do delito, conforme norma de extensão prevista no CP, art. 29.

Nos termos do CP, art. 31, exige-se para a configuração da participação e consequente punição do partícipe

que a conduta criminosa chegue, ao menos, a ser tentada.

Acerca dessa acessoriedade, diversas teorias são formuladas de acordo com o grau de participação do

agente partícipe. São elas:

a) teoria da acessoriedade mínima: para a punibilidade da participação, basta que o autor tenha praticado

um fato típico. Equivoca-se por punir sempre o partícipe, ainda que o autor tenha agido acobertado por alguma

excludente.

Ex: “A” contrata “B” para matar “C”. Contudo, “B” estava no banco depositando o dinheiro do acordo

quando é atacado por “C”, e, em legítima defesa, mata “C”. “A” seria partícipe do crime cometido por “B”.

b) teoria da acessoriedade limitada: para a punição do partícipe é suficiente que o autor tenha praticado um

fato típico e ilícito.

Ex: “A” contrata “B”, inimputável, para matar “C”. “B” efetiva o crime. “A” é partícipe do crime cometido por

“B”, em concurso de pessoas.

É a posição preferida pela doutrina brasileira. Contudo, não resolve os problemas referentes à autoria

mediata.

No exemplo em questão, não há vinculo subjetivo entre as condutas, diante da inimputabilidade de “B”.

assim, “A” seria o autor mediato da conduta, que reclama ação por agente sem culpabilidade.

c) teoria da acessoriedade máxima ou extrema: reclama para a punição do partícipe que o fato praticado

tenha sido típico, ilícito por agente culpável.

Ex: “A” contrata “B” para matar “C”. “B”, imputável, efetiva o contratado. “B” é autor do crime e “A” é

partícipe.

d) hiperacessoriedade: para a punição do partícipe, é necessário que o autor, revestido de culpabilidade,

pratique um fato típico e ilícito, e seja efetivamente punido no caso concreto.

Ex: “A” contrata “B” para matar “C”. “B”, após o crime, suicidou-se. “A” não responderá pela participação.

O Código Penal não adotou expressamente nenhuma das teorias. De acordo com a sua sistemática,

no entanto, afasta-se a aplicação das teorias da acessoriedade mínima e da hiperacessoriedade.

A maioria da doutrina nacional inclina-se pela aplicabilidade da teoria da acessoriedade limitada, mas

quedando-se inerte quanto a autoria mediata, igualmente aceita. Em provas e concursos, afigura-se a teoria da

acessoriedade máxima como a mais coerente, uma vez que não se confronta com a autoria mediata.

2.3. Participação de menor importância.

Cuida-se de uma causa de diminuição de pena estabelecida pelo CP, art. 29, §1º, aplicável na terceira fase de

fixação da pena.

Trata-se de um direito subjetivo do réu, determinando a redução da pena quando comprovada que a

conduta praticada pelo partícipe foi de reduzia eficiência causal, contribuindo para o resultado de forma menos

decisiva.

O melhor critério para aferir essa modalidade de participação é através da teoria da equivalência dos

antecedentes (conditio sine qua non).

Prevalece, ainda, na doutrina o entendimento de que esse dispositivo legal não se aplica ao autor intelectual

que, embora seja partícipe, não se compreende como ação de menor importância.

Page 110: Apostila concurseiros

Importante diferenciar também a participação de menor importância da participação inócua. Esta em nada

contribui para o resultado. É penalmente irrelevante.

2.4. Participação impunível.

Conforme preceitua o CP, art. 31, cuida-se de uma causa de exclusão da tipicidade da conduta do partícipe.

Assim, diante do caráter acessório da participação, a conduta do partícipe só adquire relevância penal

quando o autor inicia a execução do crime.

Portanto, se o ajuste (acordo traçado entre duas ou mais pessoas), a determinação (decisão de alguém

almejando uma finalidade), a instigação (reforço para a realização de uma ideia preexistente) e o auxílio

(colaboração material para o objetivo) não chegam a ser tentados, o fato é atípico.

É o chamado quase-crime.

Com efeito, a lei declarou expressamente que, em situações taxativas, é possível a punição do ajusta,

determinação, instigação ou auxílio como crime autônomo. Ex: CP, art. 286 e 288.

2.5. Participação por omissão.

A participação é possível, desde que o omitente, além de poder agir no caso concreto, tivesse ainda o dever

de agir para evitar o resultado, amoldando a sua conduta em uma das hipóteses do CP, art. 13, §2º.

2.6. Conivência.

É também chamada de participação negativa, crime silente ou concurso absolutamente negativo. É o mero

conhecimento de um crime por parte de um sujeito que não está vinculado à conduta criminosa e não tem o dever

de agir para impedir o resultado.

Não configura participação.

2.7. Participação sucessiva.

Ocorre nos casos em que um mesmo sujeito é instigado, auxiliado ou induzido por duas ou mais pessoas,

cada qual desconhecendo o comportamento alheio no mesmo sentido, para executar uma infração penal.

2.8. Participação em cadeia ou participação da participação.

É possível e punível de acordo com as regras do Código Penal. Verifica-se nos casos em que alguém instiga,

auxilia ou induz uma pessoa para que essa, por sua vez, auxilie, induza ou instigue alguém a praticar uma infração

penal.

2.9. Participação em ação alheia.

Diante da teoria monista ou unitária adotada pelo Código Penal no tocante ao concurso de pessoas, exige-se,

para a configuração da participação uma homogeneidade do elemento subjetivo, vinculando-os à concorrência do

crime.

Deste modo, não se admite participação culposa em crime doloso e nem participação dolosa em crime

culposo.

Entretanto, é possível o envolvimento de terceira pessoa em ação alheia, com elemento subjetivo distinto,

nos casos em que a lei cria casos para dois crimes diferentes, mas ligados um ao outro.

Nesse caso, não haverá concurso de pessoas, ante a ausência de liame subjetivo, mas subsistirá a

responsabilidade pelos crimes autônomos.

[1] Filiam-se a esse entendimento Cezar Roberto Bitencourt e Guilherme de Souza Nucci. [2] Essa vertente é defendida por Nilo Batista.

Page 111: Apostila concurseiros

CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS

De acordo com o CP, art. 30, circunstâncias incomunicáveis são as que não se estendem aos coautores e

partícipes de uma infração penal, pois se referem a determinado agente, incidindo em relação a ele.

A compreensão desde dispositivo depende, da verificação das elementares e circunstancias do tipo penal.

Elementares são os dados fundamentais de uma conduta criminosa. São os fatores que integram a

disposição básica do tipo.

Circunstancias são os fatores que se agregam ao tipo fundamental, para o fim de qualificar o crime,

aumentar ou diminuir a pena. São exteriores ao tipo penal.

O melhor critério para aferição desses circunstancias é utilizado na exclusão ou eliminação desses elementos.

Assim, se excluída uma elementar do tipo penal, teremos uma atipicidade ou uma desclassificação para outro

crime. Por outro lado, a exclusão de uma circunstancia não elimina o crime, que permanece intacto, porém

influencia na quantidade da reprimenda a ser aplicada.

1. ESPÉCIES.

Diante do disposto no CP, art. 30, verifica-se que as elementares e circunstancias podem ser de caráter

pessoal (ou subjetivo). Consequentemente, também existem as circunstancias de caráter real (ou objetivo).

As circunstancias ou elementares de caráter pessoal ou subjetivo dizem respeito à pessoa do agente e não ao

fato por ele praticado. É o funcionário público no crime de peculato (art. 312), elementar de caráter pessoal; ou os

motivos do crime de homicídio (art. 121, §§1º e 2º, I, II e V), circunstâncias agravantes da pena.

Já as de caráter real ou objetivo são as elementares ou circunstancias que dizem respeito ao fato, à infração

penal cometida e não ao agente. É o emprego de violência no roubo (art. 157), como elementar objetiva; ou meio

cruel no homicídio (art. 121, §2º, III) circunstancia de caráter real.

2. CONDIÇÕES DE CARÁTER PESSOAL.

Paralelamente às elementares e circunstâncias, o CP, art. 30 traz ainda as condições de caráter pessoal. São

as qualidades, os aspectos subjetivos inerentes a determinado indivíduo que o acompanham sempre,

independentemente da prática de infração penal.

É o caso da reincidência ou da menoridade.

3. REGRAS DO ART. 30.

Diante dos conceitos até aqui analisados, pode-se entender algumas regras colocadas pelo dispositivo penal

do art. 30.

a) Circunstancias e condições de caráter pessoal (ou subjetivas) não se comunicam: exemplo de pai, cuja

filha foi vítima de estupro, que contrata pistoleiro. A condição pessoal de relevante valor moral, que atenua a pena

em face do pai jamais se comunicará ao pistoleiro.

b) Circunstancias de caráter real (ou objetivas) se comunicam: desde que os demais agentes possuam

conhecimento da condição.

Exemplo: “A” contrata “B” para matar “C”. “B” avisa que usará de meio cruel e “A” aceita. A circunstância

qualificadora pelo meio cruel se comunica.

c) Elementares, subjetivas ou objetivas, se comunicam: ocorre por expressa determinação legal. Também

aqui é necessário que a elementar tenha ingressado na esfera de conhecimento dos demais agentes.

Ex: “A”, funcionário público, convida “B” para praticar um furto no órgão em que trabalha. “B” conhece a

condição de “A”. Ambos responderão por peculato (crime próprio)[1].

Page 112: Apostila concurseiros

QUESTÕES DIVERSAS

1. AUTORIA COLATERAL.

Também conhecida como coautoria imprópria ou autoria aparelha, ocorre quando duas ou mais pessoas

intervêm na execução de um crime, visando o mesmo resultado, embora cada uma delas ignore a conduta alheia.

Não há concurso de pessoas, mas crimes autônomos, diante da ausência de liame subjetivo entre os agentes.

2. AUTORIA INCERTA.

Surge no campo da autoria colateral, quando mais de uma pessoa é indicada como autora do crime, mas não

é possível precisar qual a conduta que, efetivamente, originou o resultado naturalístico.

Ex: “A” e “B” querem matar “C”. ambos estão escondidos e não se conhecem. “C” é alvejado por um tiro,

mas A e B atiraram ao mesmo tempo. Não se consegue precisar de quem foi o tiro que atingiu C.

Não há concurso de pessoas. Ambos responderão por tentativa, posto que não há duvida sobre ela. Quanto

ao homicídio, diante do princípio in dúbio pro reo, não poderá ser imputado a nenhum, sob pena de se fazer

injustiça.

Importante anotar que há casos de maior estranheza: Imagine que A tinha duas esposas. B e C descobriram a

traição de A e colocaram veneno em sua comida, sem conhecer a outra. A morre. Contudo, não é possível verificar

qual o veneno que causou a sua morte. Assim, restará caracterizado dois crimes: homicídio e crime impossível.

Mas não se pode punir as duas. Então, ambas estarão beneficiadas pela duvida, arquivando-se o processo.

Em suma, se no bojo da autoria incerta todos os envolvidos praticaram atos de execução, devem responder

pela tentativa. Mas se um deles incidiu em crime impossível, a causa de atipicidade a todos se estende.

3. AUTORIA DESCONHECIDA.

Cuida-se de instituo ligado ao processo penal, que ocorre quando um crime foi cometido, mas não se sabe

quem foi seu autor.

[1] Nelson Hungria, apos a entrada em vigor do Código Penal, em 1940, sustentou a existência de elementares personalíssimas, que não se confundiam com as pessoais e eram, portanto, incomunicáveis. Exemplificava com o crime praticado sob a influência do estado puerperal, estado de privilégio personalíssimo concedido à mãe da criança, vitima do infanticídio. Porem, diante da redação do art. 30, constatou seu equívoco e alterou o seu entendimento.

CRIMES MULTITUDINÁRIOS

A cada dia cresce a relação entre o concurso de pessoas e os delitos multitudinários, ou seja, praticados por

multidões.

Atento às peculiaridades desse fato, diante da proporção de violência desencadeada nos grupos sociais, o

direito penal cuidou de regular o assunto, agravando a pena de quem provoca o tumulto (CP, art. 62, I) com

agravante genérica e atenuando para aqueles que não deram causa ao fato, mas participaram sob a influência da

multidão (CP, art. 65, III, “e”).

O dissenso da doutrina reside, contudo, na caracterização ou não do concurso de pessoas numa integração

de uma multidão criminosa.

Mirabete e Cezar Roberto Bitencourt entendem que há concurso de pessoas e todos respondem pelo

resultado produzido. A prática do delito nessas circunstancias não afasta a existência de vínculos psicológicos entre

os integrantes da multidão criminosa, caracterizadores do concurso de pessoas.

Rogério Greco, de outra banda, sustenta que os crimes multitudinários dependem, para a sua configuração,

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da comprovação efetiva da contribuição causal de cada envolvido no tumulto.

Há decisões do STF e do STJ nos dois sentidos.

CONCURSO DE PESSOAS NOS CRIMES CULPOSOS

Crime culposo é aquele que se verifica quando o agente, deixando de observar o dever de cuidado, por

imprudência, negligencia ou imperícia, realiza voluntariamente uma conduta que produz um resultado

naturalístico indesejado, mas previsto ou previsível e que, com a devida atenção, poderia ser evitado.

A admissibilidade do concurso de pessoas em crimes culposos deve ser abordada em seus dois elementos:

coautoria e participação.

1. CRIMES CULPOSOS E COAUTORIA.

A doutrina nacional é pacífica ao admitir o concurso de pessoas quando duas ou mais pessoas,

conjuntamente, violam o dever objetivo de cuidado a todos imposto, por negligencia, imprudência ou imperícia,

produzindo um resultado material.

2. CRIMES CULPOSOS E PARTICIPAÇÃO.

Na doutrina pátria firmou-se o entendimento de rejeição da admissibilidade de concurso de pessoas, na

participação em crimes culposos.

Com efeito, o crime culposo é definido por um tipo penal aberto, nele se encaixando todo e qualquer

comportamento que viole o dever objetivo de cuidado. Assim, todo aquele que viola esse dever, contribui para a

produção do resultado naturalístico.

Importante frisar, ainda, que a unidade do elemento subjetivo exigida para o concurso de pessoas não

admite a participação dolosa em crime culposo. Se alguém concorre dolosamente para a prática de um crime

culposo, haverá pluralidade de delitos, autônomos e apenáveis individualmente.