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Gestão Estratégica de Pessoase Cotidiano Educacional
Fernando Roberto Campos
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Fernando Roberto Campos
Gestão Estratégica de Pessoas e Cotidiano Educacional
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 3
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 4
1. GESTÃO DEMOCRÁTICA E PLANEJAMENTO ...................................................... 6
1.1. PLANEJAMENTO E ATIVIDADE HUMANA ............................................................................................................. 6 1.2 A FALTA DE SENTIDO DO PLANEJAMENTO ........................................................................................................... 7
2. OS LIMITES DA GESTÃO DEMOCRÁTICA .......................................................... 11
2.1 O CURRÍCULO OCULTO ............................................................................................................................................. 12 2.2 A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA ........................................................................................................................................ 13 2.3 A ESCOLA DUALISTA ................................................................................................................................................. 14 2.4 NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO ........................................................................................................................... 16 2,5 A GESTÃO DEMOCRÁTICA E A SUPERAÇÃO DA ESCOLA CAPITALISTA ...................................................... 19
3. EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA .................................................... 23
3.1 A REPÚBLICA DAS CRIANÇAS ................................................................................................................................. 23 3.2 KORCZAK – MESTRE E MÁRTIR ............................................................................................................................. 24 3.3 RUA KROCHMALNA – A SUA OBRA IMORTAL ................................................................................................... 27 3.4 MAKARENKO E A ESCOLA COMO COLETIVIDADE ............................................................................................ 29 3.5 PISTRAK E A ESCOLA COMUNA ............................................................................................................................. 33
4. PRINCÍPIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA .................. 40
4.1 LEGISLAÇÃO ................................................................................................................................................................ 40 4.2 A GESTÃO PARTICIPATIVA NA ESCOLA ............................................................................................................... 42 4.3 O CONSELHO ESCOLAR ............................................................................................................................................. 50 4.4 OS GRÊMIOS ESTUDANTIS ....................................................................................................................................... 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 56
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 58
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APRESENTAÇÃO
É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno, esta apostila de Gestão
Estratégica de pessoas e cotidiano educacional, parte integrante de um conjunto de materiais
de pesquisa voltados ao aprendizado dinâmico e autônomo que a educação a distância exige.
O principal objetivo desta apostila é propiciar aos alunos uma apresentação do conteúdo
básico da disciplina.
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concorrendo para uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida
profissional e pessoal.
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INTRODUÇÃO
Caro aluno,
A educação escolar é sempre um campo em disputa e algumas perguntas se fazem
necessárias quando colocamos em questão os objetivos educacionais da escola: qual é o tipo
de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? Como deve ser a escola
que atenda aos interesses de formação da juventude que aponte para a construção de uma
nova sociedade, onde todos sejam construtores de uma nova vida? Pensar a gestão
estratégica de pessoas no cotidiano escolar envolve, antes de tudo, refletir sobre o mundo
que queremos oferecer às nossas crianças e aos nossos jovens.
A atual forma de organização e gestão da escola na sociedade capitalista, é um
produto histórico e atende, fundamentalmente, aos interesses das classes dominantes para e
pelas quais foi historicamente organizada. Para construir uma escola democrática e um
sistema educacional de qualidade, o primeiro passo é realizarmos um amplo debate sobre o
que entendemos por esta qualidade e qual o projeto de formação que temos para a juventude.
O termo gestão estratégica de pessoas é totalmente vazio de conteúdo se não estiver
vinculado a um projeto político de escola e de sociedade. A escola pode tanto estar a serviço
dos setores conservadores, quanto pode ser um espaço de transformação. Partimos do
entendimento de que a escola não é propriedade da classe no poder, mas é um lugar de da
luta de classes e que, portanto, a gestão de pessoas não está separada dessa luta.
A gestão democrática da escola pode se tornar um poderoso aliado na construção de
uma educação para a cidadania, formação humanista, filosófica e prática. O nosso
entendimento é que a gestão estratégica no terreno da educação significa a organização
escolar para trabalho coletivo, participativo de toda a equipe escolar para construir uma escola
pública popular e democrática.
O objetivo principal deste módulo, portanto, é contribuir para a reflexão sobre a
construção de uma escola que nos possibilite pensar o teórico e o prático e que eduque em
todos os seus espaços, não só na sala de aula, mas nos corredores, nas quadras, na
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bibiblioteca, nos recreios, nas festas, e, principalmente, nas relações internas que se
produzem em seu interior.
Dividimos o presente trabalho em quatro partes ou capítulos. No primeiro capítulo ,
analisamos a importância do planejamento escolar e do projeto político pedagógico, como
norteadores do trabalho coletivo e da gestão participativa da escola. Já no segundo capítulo ,
apresentamos algumas abordagens críticas acerca da relação entre educação e sociedade
com o intuito de verificar os limites de transformação da escola capitalista e as perspectivas
de sua superação a partir de uma literatura crítica. No terceiro capítulo , relatamos algumas
experiências revolucionárias de gestão escolar, realizadas nas primeiras décadas de 1920, na
perspectiva da pedagogia humanista de Janusz Korczak e da pedagogia socialista de
Makarenko e Pistrak. E, por fim, no quarto e último capítulo , apresentamos a legislação que
embasa a gestão democrática na escola pública e a literatura pedagógica que aborda os
princípios e as característica da gestão coletiva e participativa na escola.
Desejamos que você aproveite muito este módulo, estude bastante, e que o
conhecimentos trazidos pelos conteúdos trabalhados lhe proporcionem um olhar mais
abrangente sobre a escola e a sua função social. Queremos que, ao término da dele, você
tenha muito mais perguntas e desejo de aprofundar os seus conhecimentos sobre os
conteúdos da matéria. Como você sabe, o conhecimento provoca indagações cada vez mais
profundas sobre o objeto de estudo, qualquer que seja ele.
Estamos à sua disposição para tirar suas dúvidas e aprofundar a reflexão sobre os temas
tratados neste módulo.
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1. GESTÃO DEMOCRÁTICA E PLANEJAMENTO
Você pode dizer que sou um sonhador mas não sou o único espero que um dia você se junte a nós e o mundo será como um só. (John Lennon)
Caro aluno,
a gestão democrática da escola voltada para a construção da cidadania e da autonomia
do educando passa, obrigatoriamente, pela participação de toda a comunidade educativa na
elaboração e reconstrução do projeto político-pedagógico da escola. O planejamento escolar
constitui um dos elementos centrais do processo, pois envolve a participação de toda a equipe
gestora e, especialmente, do professor.
O planejamento escolar é um dos elementos mais importantes da escola, da gestão
escolar e do trabalho do professor. Ele contribui para a organização do trabalho pedagógico e
é um instrumento decisivo para a concretização e atualização do projeto político e pedagógico
das instituições educativas.
Sobre a importância do planejamento escolar é pertinente questionar: quais são as
maiores problemas enfrentadas pelos professores quando a questão é planejar? Por que o
planejamento é necessário? Qual é a relação do planejamento com o projeto político
pedagógico da instituição? Quais são os requisitos necessários para que ocorra um bom
planejamento?
1.1. PLANEJAMENTO E ATIVIDADE HUMANA
Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos se não fora A mágica presença das estrelas! (Mário Quintana)
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O ato de planejar e de antecipar na mente o que iremos executar é uma atividade
inerente ao ser humano. Dentre as principais características que diferenciam o homem dos
animais está a capacidade de planejar e projetar as ações antes de colocá-las em prática
Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações do tecelão, e a construção das colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição, mais de um mestre de obras. Mas há algo em que o pior mestre de obras é superior à melhor abelha, e é o fato de que, antes de executar a construção, ele a projeta em seu cérebro. (Marx, 1994:202).
Como afirma claramente o texto de Marx, as atividades dos seres humanos
diferenciam-se dos animais porque têm finalidades para as suas ações. O projeto é, portanto
próprio do ser humano e está presente em todas as suas ações. Quando falamos em
educação escolar, em gestão escolar, em processo de ensino e aprendizagem, em avaliação
estamos falando de algo muito sério, que precisa ser planejado, com qualidade e
intencionalidade. “O ato de planejar é uma atividade intencional: buscamos definir fins. Ele
torna presente e explícitos nossos valores, crenças; como vemos o homem; o que pensamos
da educação, do mundo, da sociedade. Por isso, é um ato político-pedagógico”. (Masetto,
1997:76)
Paulo Freire já havia estabelecido essa relação entre trabalho e cultura no ato do
planejamento da prática:
Pedro e Antônio derrubaram uma árvore. Tiveram uma prática. A atividade prática dos seres humanos tem finalidades. Eles sabiam o que queriam ao derrubar a árvore. Trabalharam. Com instrumentos, não só derrubaram a árvore, mas a desbastaram, depois de derrubá-la. Dividiram o grande tronco em pedaços ou toros, que secaram ao sol. Em seguida, Pedro e Antônio serraram os troncos e fizeram tábuas com eles. Com as tábuas, fizeram um barco. Antes de fazer o barco, antes mesmo de derrubarem a árvore, eles já tinham na cabeça a forma do barco que iam fazer. (...)” (FREIRE, 1983, p. 73)
1.2 A FALTA DE SENTIDO DO PLANEJAMENTO
“O importante não é o que fazem do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele”.
(Jean- Paul Sartre)
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Muitos problemas são vivenciados na escola quando está em questão o planejamento
escolar. O principal deles é a falta de sentido que o planejamento tem para a equipe gestora e
para muitos professores em razão das experiências negativas que os mesmos tiveram ao
longo de sua prática pedagógica. É comum ouvirmos muitas críticas, apresentadas pelos
professores, sobre o modo como o planejamento vem sendo realizado nas escolas. Eis
algumas delas:
. “O planejamento é uma formalidade burocrática”.
. “É uma obrigação no início do ano que depois cai no esquecimento”.
. “O planejamento é uma é coisa boa para quem está começando a dar aula.”
. “Prá que planejar se tenho experiência e tudo na cabeça?”
. “No dia a dia e na correria não dá tempo para rever o planejamento.”
. “No começo, ele é coletivo, mas depois cada um cada um faz o que quer.”
. “Não há tempo para a discussão do planejamento e para fazer alterações.”
. “Por que planejar se quem define mesmo é o conteúdo já determinado, como do vestibular
ou dos exames de final de curso?”
Os comentários e pontos de vista dos professores e dos gestores sobre o planejamento
escolar destacados refletem, de fato, como ele tem sido realizado em muitas escolas. O
planejamento escolar se resume a uma prática burocrática durante a semana do início do ano
letivo e a entrega de um formulário preenchido.
(...) A ação de planejar, portanto, não se reduz ao simples preenchimento de formulários para controle administrativo; é, antes, a atividade consciente de previsão das ações docentes, fundamentadas em opções político-pedagógicas, e tendo como referência permanente as situações didáticas concretas (isto é, a problemática social, econômica, política e cultural que envolve a escola, os professores, os alunos, os pais, a comunidade, que interagem no processo de ensino).( Libâneo, 1991:222).
É preciso redescobrir, portanto, o significado do planejamento escolar. Para que ele
tenha sentido é preciso que, em primeiro lugar, a equipe pedagógica e os professores estejam
convencidos sobre a necessidade de mudança. Quando a comunidade educativa tem
consciência que ainda há uma distância entre o que somos e o que queremos ser, que muitas
conquistas foram obtidas, mas que ainda é preciso avançar mais, o planejamento ganha novo
significado. Quando todos acham que tudo está perfeito, que nada precisa ser modificado na
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escola, então não há necessidade de mudança e de nenhum projeto. Porém, não estamos
falando de qualquer planejamento, mas naquele que conduz a nossa ação numa determinada
direção. Uma direção que deve ser pautado na qualidade dessa ação.
Multimídia - Caro(a) aluno(a), para conhecer mais as diferenças entre os homens e os animais assista
ao filme Guerra do Fogo– Direção de Jean-Jacques Annaud, 1981.
1.3. REQUISITOS DO PLANEJAMENTO ESCOLAR
“Ela está no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar.
Eduardo Galeano
Se planejar é antecipar ações para atingir certos objetivos, devemos partir de alguns
pré-requisitos Algumas condições se fazem necessárias para nortear um bom trabalho de
planejamento escolar. A elaboração do planejamento deve levar em consideração o projeto
político da instituição, que define a identidade da escola e a sua missão. A ação do coletivo de
educadores e da comunidade escolar não deve ocorrer individualmente, mas como parte de
um projeto coletivo mais amplo.
As questões de fundo, de caráter filosófico e existencial devem estar presentes: que
tipo de homem que queremos formar? Em que sociedade ele deve viver? Estas reflexões
devem ser consideradas no planejamento dos gestores, nos planos de ensino de cada
disciplina, na escolha dos conteúdos e métodos de ensino e também no processo de
avaliação. Além disso, é fundamental que todos os professores e equipe pedagógica
organizem o planejamento a partir do conhecimento das características socioculturais e
econômicas dos alunos que são o objeto da nossa ação.
Conhecer os limites e as possibilidades da escola também é condição necessária para
o planejamento.
(...) Não adianta fazer previsões fora das possibilidades humanas e materiais da escola, fora das possibilidades dos alunos. Por outro lado, é somente tendo conhecimento das limitações da realidade que podemos tomar decisões para superação das condições existentes (Libâneo, 1991: 224)
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O conhecimento e a clareza acerca de quais são as possibilidades e também os limites
do nosso trabalho individual e coletivo é fundamental para que a comunidade escolar não crie
falsas expectativas e estabeleçam metas e objetivos bem definidos e o acompanhamento de
todo o processo através de uma avaliação continuada.
É preciso também debater o papel e a função social da escola e particularmente da
instituição da qual fazemos parte.
Resumo do capítulo
Caro aluno, o objetivo central do primeiro capítulo é levá-lo a refletir sobre a
importância do planejamento e do projeto pedagógico da escola. O trabalho do professor, do
diretor, dos coordenadores e de toda a equipe escolar precisa de uma direção. O
planejamento escolar é o planejamento global da escola, envolvendo o processo de reflexão,
de decisões sobre a organização, o funcionamento e a proposta pedagógica da instituição. O
planejamento político e pedagógico tem como preocupação fundamental responder as
questões: "para quê", "para quem" e também com "o quê" ensinamos.
O ato de planejar e de antecipar na mente o que iremos executar é uma atividade inerente ao ser humano. Dentre as principais características que diferenciam o homem dos animais está a capacidade de planejar e projetar as ações antes de colocá-las em prática
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2. OS LIMITES DA GESTÃO DEMOCRÁTICA .
Caro aluno,
a construção da escola pública democrática assentada em uma gestão participativa e
coletiva deve situar os alunos como centro do processo pedagógico e colocá-los como
sujeitos históricos que se organizam para aprender e se auto-organizam para atuar na
transformação da sociedade. Como promover a realização desses objetivos se a escola atual
está atrelada às exigências imediatas do mercado de trabalho e à formação de mão de obra?
Para que possamos compreender melhor a função da escola na sociedade capitalista,
os seus limites e possibilidades e a disputa de diferentes grupos sociais pelo seu controle,
neste segundo capítulo, faremos uma incursão pela sociologia da educação, especialmente a
sociologia do currículo. Vamos tomar como apoio e aporte teórico o pensamento sociológico
crítico.
O debate sobre a gestão democrática na escola requer que reflitamos acerca do
currículo escolar a partir das teorias críticas. As teorias críticas procuram desenvolver
conceitos que nos permitam compreender as relações entre a educação escolar e a
sociedade e o papel que o currículo desempenha na reprodução social.
Tradicionalmente, o termo currículo é entendido como o conjunto das várias disciplinas
ou matérias escolares de um curso ou como uma lista de conteúdos de uma determinada área
do conhecimento. No entanto, o conceito de currículo é mais amplo e refere-se ao conjunto
das atividades vivenciadas na sala de aula e na escola. E não devemos nos limitar a pensar
apenas nos conteúdos cognitivos, mas também nos valores éticos, nas relações afetivas, nos
comportamentos e atitudes que são transmitidos de modo explícito ou implícito (oculto) nas
práticas pedagógicas escolares.
A palavra currículo vem do latim curriculum e significa percurso ou “pista de corrida”.
Este percurso pode ser chamado de escolarização e deixa marcas profundas nas pessoas.
Podemos dizer que ao percorrer o caminho do currículo nos tornamos o que somos, ou seja, o
currículo tem forte impacto em nossa identidade, em nossa subjetividade, em nossos gostos
culturais e escolhas profissionais.
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Refletir acerca do currículo, portanto, é muito mais do que pensar sobre o que ensinar,
mas compreender o que o currículo faz com as pessoas, o que elas devem ser ou se tornar e
implica perguntar que tipo de ser humano deseja-se formar:
Será a pessoa racional e ilustrada do ideal humanista de educação? Será a pessoa otimizadora e competitiva dos atuais modelos neoliberais de educação? Será a pessoa ajustada aos ideais de cidadania do moderno Estado-nação? Será a pessoa desconfiada e crítica dos arranjos sociais existentes preconizada nas teorias educacionais críticas? A cada um desses “modelos” de ser humano corresponderá um tipo de conhecimento, um tipo de currículo. (SILVA, 2002, p.15)
Pensar o currículo, portanto, é refletir sobre se queremos um ensino comprometido com
a formação de indivíduos críticos e cidadãos íntegros ou um ensino voltado para um processo
de treinamento visando o mercado de trabalho.
2.1 O CURRÍCULO OCULTO
Um dos conceitos centrais das teorias críticas do currículo é o conceito de currículo
oculto. “O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que,
sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para
aprendizagens sociais relevantes.” (SILVA, 2002, p.78)
Nessa visão, as relações sociais escolares se constituem em espaços importantes de
aprendizagem no interior da escola e contribuem para o aprendizado das crianças e jovens
nas normas e atitudes necessárias para uma boa adaptação às exigências do mercado e das
relações de trabalho. Assim, por meio do currículo oculto, a escola contribui para as relações
sociais de produção da sociedade capitalista.
A função principal do currículo oculto é transmitir às crianças e jovens, segundo suas
respectivas classes sociais, os comportamentos, valores e atitudes que deverão desempenhar
futuramente no mundo do trabalho.
As crianças das classes dominadas aprendem, por meio das relações sociais da
escola, atitudes próprias de seu papel de subordinação: obediência às ordens, pontualidade,
assiduidade; enquanto as crianças das classes dominantes aprendem as atitudes
relacionadas ao seu papel de dominação: autonomia e comando.
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A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito do seu currículo, mas ao espelhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações sociais nas quais, ao praticar papéis de subordinados, os estudantes aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia. (SILVA, 2002, p. 33)
O currículo oculto não faz parte do planejamento escolar, não está inscrito em nenhum
plano de curso ou de aula, mas exerce grande influência no processo de aprendizagem dos
alunos.
2.2 A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
Como vimos, as teorias críticas do currículo concebem a escola como uma instituição
a serviço da reprodução e legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes. O
conceito de violência simbólica denuncia o caráter excludente da escola e o seu papel de
legitimação da ordem social.
O currículo da escola está baseado na cultura da classe dominante e se expressa
numa linguagem dominante. No entanto, a escola ignora as desigualdades culturais entre as
crianças das diferentes classes sociais. Os professores transmitem os saberes escolares
igualmente a todos os alunos como se todos tivessem a mesma bagagem cultural e o mesmo
repertório para decifrar com facilidade estes saberes.
A escola exige do aluno o domínio prévio de um conjunto de saberes, práticas,
habilidades e aptidões que apenas os membros das classes dominantes possuem. Para os
alunos das classes dominantes, portanto, a cultura escolar não seria muito diferente da cultura
que eles já vivenciaram e vivenciam em seu ambiente escolar: contato com livros, pais
escolarizados, viagens, passeios culturais.
As crianças das classes dominantes podem, facilmente, compreender a linguagem da
escola e sentem-se confortáveis dentro dela, pois a vivenciam como extensão da experiência
familiar. Por isso, tendem a ser bem-sucedidas na escola, passar de ano e ter o acesso aos
níveis superiores de ensino.
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Para os alunos oriundos das camadas populares, a cultura escolar seria como uma
cultura “estrangeira” e difícil de ser compreendida. A vivência familiar não as acostumou a
estes códigos e linguagens valorizados pela escola e, por isso, tendem ao fracasso escolar.
As diferenças de desempenho escolar dos alunos são decorrentes, portanto, de
diferentes vivências sociais. Porém, a escola ignora esta diferença de ponto de partida e
atribui as desigualdades de desempenho às diferenças relacionadas com as capacidades
naturais, e aos dons inerentes, enquanto, na realidade, decorrem da maior ou menor
proximidade entre a cultura escolar e a cultura familiar do aluno.
Na visão das teorias críticas do currículo, a escola contribui para a reprodução social ao
propagar a ideia de que o sucesso escolar dos filhos das classes dominantes resultaria de
suas aptidões naturais; e, ao mesmo tempo, as dificuldades escolares dos filhos das classes
dominadas resultaria de uma inferioridade que lhes seria inerente, definida em termos
intelectuais (falta de inteligência) ou morais (falta de vontade).
2.3 A ESCOLA DUALISTA
As teorias críticas do currículo afirmam que em uma sociedade dividida em classes não
é possível haver uma “escola única”. Existem, na verdade, duas escolas diferentes e duas
redes de ensino opostas, uma destinada aos filhos das classes altas e uma destinada aos
filhos das camadas populares. Desse modo, a escola reafirma a divisão entre trabalho
intelectual e trabalho manual. Nessa visão, não há uma democratização do conhecimento
escolar. Currículo e pedagogias diferentes são distribuídos em escolas frequentadas por
classes sociais diferentes.
Nas escolas particulares frequentadas por alunos de renda alta observa-se um
currículo voltado para:
- ênfase nos processos de conhecimento;
- conteúdos- resultado da interação dos alunos com materiais e experiências;
Para os alunos oriundos das camadas populares, a cultura escolar seria como uma cultura “estrangeira” e difícil de ser compreendida. A vivência familiar não as acostumou a estes códigos e linguagens valorizados pela escola e, por isso, tendem ao fracasso escolar.
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- valorização da expressão oral;
- diálogo professor/aluno;
- excursões, pesquisas, jogos;
- criação;
- os objetivos são explicitados aos alunos;
- exposição oral dos trabalhos;
- negociação e raciocínio para o controle;
- elaboração coletiva de regras e normas;
- princípios da Escola Nova e ativa.
Nas escolas públicas frequentadas por alunos de baixa renda, observa-se um currículo
voltado para:
- memorização;
- conteúdo transmitido pelo professor ou pelo livro;
- exercícios mecânicos e solitários, sem verificação;
- pouco diálogo professor/aluno;
- monotonia;
- manutenção das crianças ocupadas para controlar;
- escola como abrigo protetor; assistencialismo;
- rebaixamento por parte dos professores da expectativa acadêmica;
- inculcamento de virtudes e valores morais;
As teorias críticas do currículo desenvolvidas nos anos 1970, permitem ver a educação
numa nova perspectiva. As teorias analisadas desfazem as ilusões da escola como veículo da
democratização e propiciam um novo olhar sobre as causas fracasso escolar.
As teorias críticas desenvolvem conceitos sobre o currículo, não se limitando a
perguntar o que a escola ensina e como ela ensina, mas a sua questão central é perguntar
quais são os interesses que determinam a seleção dos conhecimentos que serão ensinados e
por que privilegiar um tipo de currículo em detrimento de outro.
Diferentemente das teorias tradicionais que concentram as suas análises nas técnicas
de como fazer o currículo, as teorias críticas “desenvolvem conceitos que nos permitam
compreender o que o currículo faz, deslocando a discussão para as questões da ideologia e
do poder. (Silva, 2002, p.78)
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Quais são as contribuições das teorias críticas do currículo? Elas apontam para a
necessidade de reformas educacionais e curriculares que privilegiem a construção de uma
escola verdadeiramente única, que possibilite o conhecimento em todos os sentidos e que
inviabilize a manutenção de privilégios de classe, por meio da posse da cultura e do
conhecimento científico. A gestão democrática e participativa tem um papel importante na
formação plena dos alunos, no estímulo a sua participação ativa e consciente e construção de
uma sociedade democrática.
2.4 NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO
Multimídia - Caro(a) aluno(a), para conhecer mais sobre o conceito neoliberalismo, globalização e
educação assista ao documentário Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá- Direção
de Silvio Tendler, 2006.
Em um texto escrito na década de 1960, Adorno (1995) afirma que as condições
objetivas que geraram o fascismo ainda estão presentes, e a educação escolar deveria, na
perspectiva crítica, ter como meta a exigência de que Auschwitz não se repita. Ou seja, a
educação deve resgatar a história do passado e a compreensão do presente, pois a perda da
memória histórica é um dos sinais de barbarização, da volta do fascismo. Adorno realiza uma
crítica minuciosa da organização do processo pedagógico sob a direção fascista, baseada na:
(...) ideia de que a virilidade consiste num grau máximo da capacidade de suportar dor há muito se converteu em fachada de um masoquismo que - como mostrou a psicologia - se identifica com muita facilidade ao sadismo. O elogiado objetivo de “ser duro” de uma tal educação significa indiferença contra a dor em geral.(...) A educação precisa levar a sério o que já de há muito tempo é do conhecimento da filosofia: que o medo não deve ser reprimido. (Adorno, 1995: 128-9).
A educação, para Adorno, só tem sentido quando dirigida a autorreflexão crítica, e isto
precisa acontecer logo na primeira infância, período em que se forma o caráter. Assim,
condena a educação voltada apenas à formação técnica ou profissional e defende a educação
que propicie a relação do indivíduo com a cultura e com a consequente possibilidade de
identificar-se com ela e com os seus membros. Nesta perspectiva crítica, a educação deve
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voltar-se para a autonomia, a autodeterminação, para que a criança aprenda a pensar por si
própria.
A direção e o controle instituição escolar é o resultado de uma luta social e política,
determinada historicamente. Assim, enquanto defendemos a necessidade de que o professor,
como trabalhador coletivo, tenha o controle do processo pedagógico, por outro lado,
observamos o desenvolvimento e o aprofundamento da tendência de expropriação do saber e
de perda do controle do professor sobre o processo pedagógico, principalmente no contexto
da ofensiva neoliberal últimas décadas do final do século XX ao início do século XXI.
As políticas educacionais em curso no Brasil atual objetivam o desenvolvimento
individual dos alunos que permita um maior aproveitamento de suas habilidades no mercado
de trabalho. A educação técnica, especializada e direcionada, torna-se um meio de
desenvolvimento social. A centralização da educação toma um papel fundamental, seja pelo
desenvolvimento de um currículo único, seja pela criação de avaliações nacionais. A
educação passa a ser administrada como um empreendimento, medida segundo graus de
eficiência e moldada conforme as necessidades do mercado. A lógica do mercado capitalista
estende-se à escola de forma profunda, seja na sua forma de avaliação conforme índices,
seja na ideia de competição como meio de melhoria qualitativa. Milton Santos, no artigo Os
deficientes cívicos, analisa a educação escolar na era da globalização e do neoliberalismo:
(...)Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade. Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade. (Santos, 1999)
A educação como mercadoria dá então lugar para o surgimento de teorias como a do
capital humano, que propõem a compreensão do conhecimento como uma forma de capital,
que pode ser valorizado e comercializado no mercado, porém não perdido. Essa
interpretação, muito bem aceita pelos teóricos pós-modernos, leva à ideia de que a escola é,
acima de tudo, um mecanismo de valorização do capital. Deve, como tal, prover os usuários
dos serviços educacionais de habilidades, competências e conhecimentos que permitam-lhes
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um lugar melhor no mercado de trabalho. Para isso, a educação deve ser focada no tipo de
conhecimento e habilidades que se pretende que os alunos tenham.
A privatização dos meios de ensino é considerada, assim, a melhor medida para o
desenvolvimento da educação, já que, segundo essa concepção, permite não somente a
competição como a possibilidade de escolher qual tipo de educação os filhos devem ter.
A educação técnica é o meio pelo qual as empresas lucram com a maior demanda de
profissionais especializados que, nessa condição, enquadram-se melhor nos moldes
tayloristas de expropriação do saber-operário, permitindo tanto a maior exploração do
indivíduo na empresa, como o melhor controle sobre os salários. A educação básica volta-se
ao desenvolvimento de habilidades e competências que torne os alunos mais aptos a
realizarem os trabalhos na empresa, ou seja, adequa-se a educação à demanda do mercado.
Essas teorias neoliberais da educação materializam-se na criação de projetos
internacionais dos países desenvolvidos como os promovidos pelo Banco Mundial. As
políticas educacionais do banco mundial, hoje o maior órgão promotor de medidas
educacionais interventoras nos países subdesenvolvidos, foram criadas por economistas
neoliberais, logo sua ênfase se dá no campo do desenvolvimento do mercado e da produção.
No entanto, o professor, nesse processo de objetivação da educação, é visto pelo
banco mundial como “potencial causador de problemas”, bem como os recursos humanos
numa empresa, logo, investe-se em infraestrutura no intuito de que os conhecimentos a serem
adquiridos sejam “neutros”, mais uma vez o mito da neutralidade do conhecimento e de
racionalização da educação. Daí a legitimação de uma educação técnica, objetiva.
Essas questões quantitativas entram na estruturação da escola como uma empresa
implanta o modelo taylorista em seu processo produtivo. Aumenta-se o número de alunos em
sala, para que um mesmo professor possa dar conta de um número maior de alunos, bem
como se atribui mais salas a um mesmo professor, aumentando assim a “produtividade” do
trabalho docente. Reduz-se os custos da educação, ou seja, reduz-se para a sociedade o
custo da formação de mão de obra, excluindo da escola quaisquer funções ou ações que não
digam respeito à apropriação de conhecimentos científicos ou básicos. Aumenta-se o tempo
de permanência na escola reduzindo, as férias e estendendo as jornadas. A alfabetização
toma papel central nessas políticas, deixando o ensino superior como secundário, as
empresas que instalam-se nesses países necessitam, acima de tudo, de mão de obra com
19
uma qualificação básica para a produção. Além disso, a educação superior, como já foi dito
anteriormente, foca-se na formação de profissionais especializados.
Esses projetos são frutos de medidas internacionais dos países desenvolvidos que
visam adequar as demandas sociais e profissionais dos demais países aos moldes do
capitalismo internacional, de forma que permitam a instalação das indústrias multinacionais,
garantindo a mão de obra qualificada, além de promover o desenvolvimento de políticas
massificadoras e promotoras das ideologias neoliberais.
Mas, como fazer com que o professor e a comunidade escolar tenham o controle da
organização do trabalho pedagógico, quando a escola pública vem sendo deliberadamente
sucateada, expondo as suas dificuldades e as dos professores como mazelas naturais do
ensino público? A identidade do professor é colocada em crise, e, na maioria das vezes, ele é
responsabilizado pela má qualidade do ensino. Na verdade, o professor vem perdendo esse
controle, ao mesmo tempo em que foi sendo desqualificado na sua profissão, substituído pelo
livro didático e pelas parafernálias tecnológicas.
2,5 A GESTÃO DEMOCRÁTICA E A SUPERAÇÃO DA ESCOLA CA PITALISTA
Maurício Tragtenberg (Educação & Sociedade, 1985) afirma que a democratização da
escola passa pela autogestão, pelo controle dela por todos os envolvidos na comunidade
educativa, relativizando a difusão do saber sistematizado.
A possibilidade de desvincular saber de poder, no plano escolar, reside na criação de estruturas de organização horizontais onde professores, alunos e funcionários, formem uma comunidade real. É um resultado que só pode provir de muitas lutas, de vitórias setoriais, derrotas também. Mas sem dúvida a autogestão da escola pelos trabalhadores da educação - incluindo os alunos - é a condição de democratização da escola.( Tragtenberg, 1985: 45)
Tragtenberg, tendo Foucault como referência, faz críticas sobre as relações de poder e
de controle sobre os indivíduos na escola, sobretudo em relação aos alunos e professores. O
autor vê o professor como o principal instrumento da reprodução das desigualdades sociais a
nível escolar, mas pode ser também um agente da contestação e da crítica.
Miguel Arroyo (Ande, 1987) discute a redução do processo educativo à escolarização
que tem como função básica a transmissão de conteúdos: “é preciso enxertá-la [a escola] na
20
árvore vigorosa do movimento social”. Sua crítica está voltada basicamente para a tendência
da pedagogia dos conteúdos, que defende que a escola deveria dar às crianças das camadas
populares, o “caviar” do saber, privilégio da classe dominante. “Na perspectiva de muitos
educadores, o grande problema das camadas populares é participar do banquete intelectual
das camadas dirigentes” (Arroyo, 1987 : 15). O autor defende que os conteúdos ensinados
devem estar relacionados diretamente com os movimentos sociais, pois a escola isolada não
é capaz de educar para uma transformação radical da sociedade:
O confronto entre as vias burguesa e socialista já está acontecendo diariamente, nas fábricas, no campo, nas escolas. O movimento de construção de uma sociedade alternativa implica na construção de um novo saber, de uma nova cultura, de uma nova concepção de mundo e dos sujeitos empenhados nesta construção. As diferentes lutas sociais educam a classe trabalhadora, num processo de uma identidade coletiva.(...)Para mim, este é o núcleo educativo; é aí e não prioritariamente na escola que o educativo acontece prioritariamente. (Arroyo, 1987: 17)
Para Arroyo, os professores foram reduzidos a funcionários competentes da educação
escolar e deveriam recuperar a sua condição de educadores a partir da compreensão dos
processos sociais e educativos mais amplos. Sem este conhecimento social, os professores
não poderiam nem ser considerados como competentes para a educação escolar. Com isto, o
autor aprofunda ainda mais o debate acerca do papel do professor, polarizado nas tendências
da pedagogia dos conteúdos e da pedagogia libertadora.
A partir de uma abordagem crítica, diferenciada de Arroyo e Tratenberg, numa análise
marxista, de classe, Freitas (Educação & Sociedade, 1987), retoma o debate com a
pedagogia dos conteúdos, e faz um questionamento pedagógico e político:
(...)achamos que a insistência na primazia dos conteúdos obscurece outros aspectos da escola, igualmemente importantes, e que são tratados pela pedagogia crítico-social dos conteúdos apenas de forma tangencial - por exemplo: a questão da administração do aparato escolar, os especialistas e suas relações com os professores e alunos. E por que insistimos nisso? Nossa escola é autoritária. As dificuldades que os professores progressistas enfrentam para renovar suas práticas (e seus conteúdos) são grandes. É fundamental a luta pela mudança na forma de administração da escola, colocando a mesma nas mãos dos que “fazem a escola”, através de esquemas participativos de administração.( Freitas: 1987: 129)
21
Freitas entende que esta participação dos alunos e professores na gestão da escola
constitui-se como um pré-requisito para a renovação dos conteúdos. Defende que a discussão
sobre a seleção e renovação dos conteúdos de ensino, necessita ser retomada, uma vez que
considera questionar os problemas das estruturas de ensino da sociedade burguesa.
A auto-organização dos alunos visa permitir que participem da condução da sala de aula, da escola e da sociedade, vivenciando, desde o interior da escola, formas democráticas de trabalho que marcarão profundamente sua formação. (Freitas: 1995: 112)
Freitas (1995) levanta algumas categorias para a análise crítica da organização da
escola capitalista, focalizando-a nos seus limites e possibilidades, para a organização do
trabalho pedagógico, e localizando a sala de aula como apenas um dos lugares da prática
educativa na escola, enquanto que na escola burguesa a sala de aula é tudo.
É fundamental a auto-organização dos alunos e professores para a gestão democrática
da escola. Além da participação na elaboração do projeto-político da escola, há a necessidade
de ocorrer uma real participação do controle da gestão escolar, seja num nível mais geral de
lutas, seja no interior do espaço escolar, na constituição do coletivo de alunos, professores,
especialistas da educação, funcionários, etc. Neste sentido, a aprendizagem, numa
perspectiva mais ampla, requer uma prática de gestão, de tomada de decisão.
O filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937) defende a escola formativa para todos,
a exigência da omnilateralidade e o desenvolvimento integral, uma forte formação cultural
antes de qualquer opção profissional. Para Gramsci, a escola tanto pode atuar para a
manutenção da ordem existente como para sua transformação, dependendo da sua
correlação de forças, a escola pode transformar-se numa instância criadora e produtora de
nova cultura e de formação de uma nova forma de governar, por isso é considerada um
espaço de luta hegemônica.
A escola deve formar dirigentes capazes de conduzir suas próprias vidas e a do
coletivo, capazes de dirigir e de controlar quem dirige. Todos devem ser educados para
tornarem-se dirigentes, e não para a servidão e a obediência cega. O professor é agente
capaz de conduzir o aluno ao confronto com a cultura e as experiências desenvolvidas na
história da humanidade. A educação representa a possibilidade de formação de um novo tipo
22
de homem. Para Gramsci, todo homem é filósofo e intelectual e todos tem a capacidade de
criar, de inovar, de construir, de sonhar e participar com autonomia dos destinos da sua vida
pessoal e social.
A superação de uma ordem social existente somente poderá de dar pelo coletivo
organizado, pela democracia e união em torno de um objetivo comum.
A educação tem um importante papel na superação da realidade imposta. A escola é
entendida por Gramsci como um espaço para a formação de intelectuais de vários níveis. As
noções científicas difundidas na escola entram em choque com a visão mágica do mundo e as
noções de vida coletiva que se pode aprender na escola chocam-se com o individualismo da
educação burguesa.
Nesse sentido, o professor, como intelectual organizador da cultura, tanto pode estar
comprometido com os interesses do capital ou vinculado aos interesses dos trabalhadores. O
professor, comprometido com a transformação social deve, em sua ação cotidiana, elevar o
nível cultural dos alunos, contribuindo para uma visão crítica da realidade e superando as
visões mágicas e religiosas do senso comum.
Daí porque é possível dizer que, na escola, o nexo instrução-educação somente pode ser representado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que o mestre é consciente dos contrastes entre o tipo de sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de cultura representado pelos alunos, sendo também consciente de sua tarefa, que consiste em acelerar e disciplinar a formação da criança conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior.”(Gramsci, 1968: 131).
Para Grasmsci, o aluno deve atingir o senso comum renovado, a escola deve se voltar
para as questões do senso comum, para a atividade prática já existente na sociedade, e, ao
mesmo tempo, dar coerência, unidade, elaboração teórica para este conhecimento do senso
comum. O professor deve conduzir esta experiência do senso comum até uma coerência, que
os alunos não conseguiram sozinhos.
Resumo do capítulo
Neste segundo capítulo, observamos que a gestão democrática na escola capitalista
apresenta limites muito concretos e, por isso, é preciso saber a diferença de uma gestão que
organize a comunidade escolar para uma gestão coletiva, organizada, de fato, daquela gestão
que se diz democrática apenas para mostrar serviço, ou pior ainda, desgastar as relações
entre os atores sociais e frustrar um projeto coletivo de autogestão.
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3. EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA
Caro aluno,
no terceiro capítulo vamos conhecer algumas experiências de gestão participativa e
democrática da escola. Elas se tornaram referência obrigatória para todos os profissionais da
educação comprometidos com a reconstrução das relações sociais na escola e sua
transformação radical.
Vamos conhecer o trabalho pedagógico de educadores, que construíram diferentes
modelos de escola e de projetos curriculares, tendo como base o trabalho coletivo e a
autogestão escolar e a auto-organização dos alunos. O objetivo principal de estudar essas
experiências não é copiá-las e nem trazê-las como modelos fechados para a nossa realidade.
Mas, para servirem de referência, inspiração e motivação para todas aqueles que querem
construir uma escola pública popular e verdadeiramente democrática.
A seleção destas experiências educacionais teve como critério principal educadores
que desenvolveram experiências de coletividade escolar, tendo como base a organização da
auto-organização dos alunos e a formação de coletivos infantis e juvenis.
Vamos destacar, neste capítulo, as experiências pedagógicas desenvolvidas no início
do século XX, promovidas e dirigidas pelos educadores Janusz Korczak na Varsóvia (Polônia)
e, as experiências de Anton Makarenko, na Ucrânia, e Pistrak, na Rússia, realizadas no
contexto da revolução socialista na União Soviética, na década de 1920.
3.1 A REPÚBLICA DAS CRIANÇAS
O nome do pediatra e polonês Janusz Korczak está definitivamente vinculado à luta
pelo respeito e pela dignidade da criança e cidadania escolar. Durante 30 anos dirigiu o
orfanato da rua Krochmalna, em Varsóvia, que abrigava crianças judias, órfãs e pobres. A
fama do orfanato, que correu o mundo, vinha do sistema de autogestão elaborado por
Korczak em que as crianças participavam de todas as decisões da vida coletiva da
instituição. Além disso, o orfanato, construído com doações de judeus ricos, foi
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cuidadosamente pensado na sua arquitetura para ser confortável, como um verdadeiro lar
para as crianças.
Korczak é um dos nomes mais importantes do movimento conhecido como Escola Nova do
século XX, digno de figurar ao lado de pedagogos como Pestalozzi, Freinet, Montessori, Makarenko,
Paulo Freire, dentre outros. Sua grande obra pedagógica foi o orfanato da rua Krochmalna 92, um
verdadeiro laboratório educacional, onde Korczak desenvolveu, a exemplo de Makarenko, uma
experiência de reorganização da escola com crianças e adolescentes órfãos, carentes e abandonados.
3.2 KORCZAK – MESTRE E MÁRTIR
“Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças”
(Carlos Drummond de Andrade)
Korczak nasceu em Varsóvia, em 1878, de origem judaica e, chamava-se na realidade
Henryk Goldzmit. Na escola, não era um aluno aplicado e, ao invés de fazer as lições,
devorava livros de literatura clássica. Korczak sonhava ser escritor, mas por influência do pai,
fez medicina na universidade de Varsóvia, entre 1898 e 1904, e especializou-se em pediatria.
Korczak tornou-se médico de crianças pobres, trabalhava nos bairros proletários, não cobrava
consulta dos pais e ainda auxiliava-os na compra de alimentos e medicamentos.
Em viagem a Zurique, conheceu a estudante de pedagogia Stefa Wilcynska. Mais
tarde, juntos, eles construíram, em 1912, o orfanato Lar das Crianças da rua Krochmalna 92
que os imortalizariam. Por influência de Stefa, Korczak passou a frequentar as aulas de
pedagogia e conheceu as obras de autores do movimento escolanovista que iriam marcar
sua trajetória, principalmente o suiço Pestalozzi e o russo Tolstói.
De volta a Varsóvia, passou a conviver mais diretamente com as famílias dos bairros
proletários, mostrando-se sensível com os problemas das crianças. .Tornou-se amigo das
crianças abandonadas e lhes contava histórias e cuidava dos doentes. Voltou para Suiça e
concluiu a faculdade de Pedagogia. Em 1912, com a amiga Stefa, fundaram com auxílio de
judeu ricos o orfanato da rua Krochmalna 92.
Korczak desenvolveu um projeto de arquitetura para o prédio, com um novo estilo para
a criança. Pensou numa casa acolhedora e confortável em todos detalhes. Para ele, o
respeito às crianças começaria com a construção de um lugar digno para se viver. Nessa
25
mesma direção, Korczak instalou, como parte da vida do orfanato, a casa de verão, onde
passavam os meses quentes do verão ao ar livre, num ambiente com muita área verde e
água.
Em 1914, Korczak ausentou-se do orfanato para servir o exército na Primeira Guerra
Mundial e o orfanato ficou sob os cuidados de Stefa. De volta, Korczak passou a desenvolver
a organização do orfanato no sentido de conferir às crianças a sua direção. No período entre
as duas guerras mundiais, o orfanato da rua Krochmalma 92, juntamente com o nome de
Korczak, ficou conhecido internacionalmente. Todos falavam da República livre das crianças e
da autogestão praticada no orfanato. Korczak, na verdade, estava criando e experimentando
um novo modelo de escola, em que a gestão participativa era tão importante quanto a sala de
aula na formação das crianças.
Nesse período, Korczak além do orfanato da rua Krochamalna passou a contribuir com
seu método na organização de outros orfanatos poloneses. Não eram somente as crianças
judias que lhe interessava, mas todas as crianças injustiçadas, não importando onde
nasceram e para que Deus rezavam.
Além das atividade de diretor do orfanato e de escritor, Korczak assumiu um programa
de rádio em que conversava com as crianças, contava-lhes histórias e, em 1934, iniciou um
programa de aconselhamentos do doutor dirigido aos pais. Foi convidado pelo jornal popular
Nasz Pszeglond para escrever uma edição de quatro páginas para crianças, com a
participação de crianças de todos os lugares da Polônia.
Seu pensamento pedagógico e sua filosofia da educação ficaram registrados nos seus
livros, Como amar uma criança, Quando eu voltar a ser criança e O direito da criança aos
respeito. Escreveu também muito artigos para revistas pedagógicas e numerosos trabalhos
literários: novelas, histórias e uma peça teatral chamada Senado dos Loucos. Seus livros mais
conhecidos para as crianças foram Rei Mateusinho I, Rei Mateusinho em Uma Ilha Deserta,
Bancarrota de Joãozinho e Regras da vida. Em todos os livros infantis, Korczak fala de uma
mundo justo para as crianças, em que seja reconhecido os seus direitos e que a
desigualdade, o ódio, a violência, a opressão e o abandono sejam banidos para sempre.
Em 1939, com a invasão da Polônia pelas tropas nazistas, Korczak conheceu os anos
mais difíceis da sua vida. O orfanato foi transferido da rua Krochmalna para o gueto de
Varsóvia e de nada adiantaram os apelos de Korczak para a polícia nazista.
26
A dor e a tristeza sentida pela perda da casa e todos os seus pertences, pensada e
construída com tanto esforço para o bem das crianças, somente foi amenizada porque ainda
estavam todos juntos, unidos e salvos. Era como se, apesar de terem perdido a casa, ainda
tivessem um lar construído com afeto e amor, que não se perdeu, e penetrou na pequena e
não tão acolhedora cada da rua Dzielma no gueto de Varsóvia. A mudança para uma casa
pequena não impediu que o orfanato continuasse sua vida normal com a autogestão.
Durante os anos do gueto, Korczak usou de toda a sua energia e talento para
conseguir alimentos e medicamentos para as crianças do orfanato. Era com preocupação que
verificava, dia após dia, que as crianças começavam a perder peso em razão da escassez de
alimentos provocada pelos nazistas.
Com profunda tristeza, via nas ruas do gueto uma infinidade de crianças mendigando
um pedaço de pão. Korczak queria salvar todas as crianças, mas somente poderia cuidar de
200 que estavam sob seus cuidados. Com profundo horror e indignação encontrava corpos de
crianças pelas ruas, mortas por tiros quando tentavam sair do guetos, mortas pela fome, pelo
frio, pelas doenças, e, sobretudo, pelo abandono dos pais e responsáveis. Korczak,
desesperado exigiu do conselho judaíco que administrava o gueto que cuidassem de
conseguir uma casa abandonada, aquecessem o ambiente com carvão e arrumassem
prateleiras para que as crianças tivessem, ao menos, uma morte digna e humana.
Mesmo durante a fase do gueto, o orfanato tinha uma vida normal. Korczak intensificou
as atividades culturais, de estudo, de trabalho e de participação das crianças nas decisões da
vida coletiva do orfanato, a autogestão. Por medida de segurança, as crianças não podiam
sair do orfanato sozinhas ou sem permissão de Korczak e dos demais educadores.
Em 1942, os nazistas decidiram liquidar o gueto de Varsóvia. Com as deportações para
os campos de concentração, passaram a matar impiedosamente todos aqueles que saíam em
busca de alimento pelas ruas do gueto. Diante daqueles fatos sombrios, Korczak procurava
ainda mais inspirar esperança nas crianças.
Korczak perdeu o sono. Durante a noite, o sono inocente das crianças era interrompido
pelo estrondo de bombas, tiros e gritos de desespero. As crianças choravam de medo e
pediam a sua presença, de Stefa e de outros educadores que procuravam confortá-las e
reanimá-las. Durante as tenebrosas noites de insônia, escreveu Memórias, relatando os dias
vividos num clima de crueldade e agressão. Diante do perigo eminente, os grupos de
resistência judaica, empenhados em salvar ao menos a sua elite, propôs a Korczak que
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aceitasse um passaporte falso e salvasse a própria pele e deixasse para trás as crianças.
Korczak indignado recusou, pois era o pai, a mãe, o professor e o tutor dessas crianças e as
amava como se fossem suas.
Multimídia - Caro(a) aluno(a), para conhecer mais sobre o pedagogia de Janusz Korczak baseada na
auto-organização das crianças, assista o filme As 200 crianças de Janusz Korczak – Direção de Andrzej Wajda,
1990.
Em agosto de 1942, Korczak foi comunicado que o orfanato seria deportado para o
campo de Treblinka. De nada valeram todos os protestos e apelos para que os órfãos fossem
poupados e protegidos. Korczak pediu, então, para que as crianças colocassem suas
melhores roupas e levassem um único brinquedo, pois iriam fazer uma excursão.
No dia 10 de agosto de 1942, Korczak e as 200 crianças caminharam pelas ruas de
Varsóvia em direção aos trens para transporte de gado que os levariam ao campo de morte
de Treblinka. As pessoas que acompanharam a última caminhada do orfanato descreveram
uma cena impressionante: caminhavam todos juntos, Korczak a frente “segurando-o no bolso,
uma criancinha crescida, e duas pequeninas, ele nos braços carregou”. As crianças estavam
vestidas como se fossem a um passeio num dia de festa. Há muito tempo não se via crianças
tão bem vestidas no gueto. Caminhavam lentamente até o trem.
Alguns dias depois, Korczak e as 200 crianças morreram nas câmaras de gás de
Treblinka.
3.3 RUA KROCHMALNA – A SUA OBRA IMORTAL
As crianças dirigiam o orfanato e eram responsáveis por ele. Os pilares básicos da
República livre das crianças eram o tribunal e o parlamento. Todos os educandos e
educadores estavam submetidos ao tribunal. Toda criança poderia dar queixa de outras
crianças, dos educadores e até mesmo fazer uma autocrítica pública.
O objetivo do tribunal era proteger todo habitante do orfanato e seus direitos,
principalmente o mais fraco, para que o mais inteligente não se aproveitasse dos menos
espertos e o maior não explorasse o menor.
Outra função do tribunal era preservar a ordem e a higiene, cuidar dos pertences da propriedade, assim como do jardim, do pátio, das portas e
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paredes, das escadas e dos móveis, não quebrá-los, não estragá-los e não sujá-los. O mesmo se referia ao vestuário, louça, livros e cadernos, etc. (Wassertzug, 1983, p. 35)
O tribunal procurava preservar os pertences do lar das crianças, que eram de todos, do
coletivo. O tribunal criava o educador constitucional, que deixava de fazer mal às crianças não
porque estaria de bom humor, ou porque lhes teria afeto, mas porque existia uma instituição
que as protegia contra a tirania dos adultos e dos maiores.
A escolha dos juízes era democrática e qualquer criança poderia ser juiz, se não
tivesse nenhum processo contra si e uma vez por semana ocorriam as reuniões do tribunal.
Muitas vezes as crianças menores eram os juízes das mais velhas, o que naturalmente não as
agradava. Mas isso demonstrava que ser honesto era a principal qualidade para ser um bom
juiz.
O Parlamento compunha-se de 20 deputados eleitos. Todas as crianças do orfanato
poderiam votar e serem votadas. Os únicos critérios para ser eleito eram saber ler e escrever
e não ter nenhum processo de furto. O parlamento reunia-se a cada 15 dias e decidia sobre
todas as normas que deveriam reger a vida coletiva do orfanato. Além disso, definia o
calendário para os dias festivos e prêmios para as crianças que se destacavam.
Ser deputado era uma grande honra para as crianças, mas também exigia muita
responsabilidade, que requeria trabalho e tempo. Muitas crianças não demonstravam ambição
para a função de deputado, pois as reuniões eram à noite, e depois de um dia de trabalho
preferiam ir para a cama ouvir histórias que os educadores contavam. No entanto, esta
instituição preparava a criança para a importância de zelar pelos interesses coletivos.
A principal característica do sistema de educação de Korczak era sua dedicação à
criança e a luta por seu direito ao respeito. A criança, para Korczak demonstrava permanente
desejo de saber de tudo, um forte desejo de aprender e quando faz perguntas aos adultos
para saciar sua curiosidade, recebe quase sempre a mesma resposta: não me amole. Para
Korczak, a criança deve ser ouvida com seriedade, e os adultos precisam prestar atenção ao
que dizem, seja pela fala, sons, gestos, desenhos.
Para Korczak, é fundamental ganhar a confiança da criança. A confiança é condição para o bom trabalho, e a mentira nunca deveria ser estimulada. No orfanato, Korczak ganhou a criança como companheira de trabalho, pois ajudava a receber os novos tornava-se um jovem educador. “A tarefa do educador jovem era seguir e pesquisar o comportamento de seus
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companheiros, conhecer o seu modo de conviver com os outros. Ele tinha que colher informações biográficas sobre o novo companheiro, como também sobre o seu caráter. (Wassertzug, 1983, p. 89-90).
Ao introduzir o autogoverno na rua Krochmalna, Korczak não estava vivenciando uma
experiência isolada e única, mas a construção de um método de trabalho, em que defendia a
introdução dos princípios do autogoverno em todo trabalho pedagógico com crianças, para
que estas pudessem participar das regras da vida coletiva e cuidar para que elas fossem
respeitadas e cumpridas por todos.
Durante os 30 anos que dirigiu o orfanato da rua Krochamalna, Korczak procurou como
um artista, melhorar e aperfeiçoar a sua obra. Ele queria que o orfanato ficasse cada vez mais
parecido com um lar. Um modelo de vida infantil que pudesse também ser seguida pelas
famílias.
Seu trabalho foi interrompido pela barbárie nazista, mas o seu legado continua vivo em
todos aqueles que procuram espalhar pelo mundo os direitos das crianças. O filósofo alemão
Theodor W. Adorno afirmou que a principal meta da educação deve ser a de que Auschwitz
nunca mais se repita. Se pensarmos bem, há ainda entre nós, em lugares distantes ou ainda
muito mais próximos, outros trens de carga levando nossas crianças para matadouros. O
trabalho forçado e escravo, a morte prematura de frio e fome, a violência física e sexual... os
corações que se tornam adultos precocemente são evidências da construção perversa de
matadouros para as crianças. As lágrimas de sofrimento que escorrem de seus olhos
inocentes são o alerta: o apito do trem anunciando a destruição da infância. Mas, quem sabe
a imagem viva do parlamento infantil na rua Krochamalna 92 não possa, hoje, servir de
caminho para assegurar o direito da criança à felicidade.
3.4 MAKARENKO E A ESCOLA COMO COLETIVIDADE
Anton Semionovich Makarenko nasceu na Ucrânia em 1888 e morreu em 1939. Seu
nome é digno de figurar entre os grandes pedagogos renovadores ao lado de Pestalozzi,
O filósofo alemão Theodor W. Adorno afirmou que a principal meta da educação deve ser a de que Auschwitz nunca mais se repita
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Freinet, Dewey, Neill e Janusz Korczak. Makarenko trabalhou por mais de 15 anos com
crianças e jovens órfãos, abandonados, e mesmo pré-delinquentes. Sua pedagogia tornou-se
conhecida por transformar crianças e adolescentes marginalizados em cidadãos capazes de
comandar suas próprias vidas.
A experiência mais importante de Makarenko foi a Colônia Gorki (1920-1928) e ali pode
construir sua metodologia para a organização da escola como coletividade. Todas as crianças
e adultos participavam das decisões, em coletividades primárias, no conselho dos
comandantes, na assembléia, nas comissões de autogestão, de produção e de cultura.
Nessa experiência, Makarenko construiu uma proposta de escola democrática, em que
além da instrução e da formação cultural, os educandos educavam-se entre si segundo os
princípios socialistas.
Para se transformar em cidadão da sociedade socialista as crianças deveriam
aprender a se submeter aos companheiros e também saber dar ordens, a comandar. A
coletividade é o lugar em que as crianças encontram uma vida real e em que participam
politicamente, discutem, decidem, planejam, realizam seus planos e conquistam felicidade, a
curto, médio e longo prazo.
O método criado por ele era uma novidade porque organizava a escola como coletividade e levava em conta os sentimentos dos alunos na busca pela felicidade - aliás um conceito que só teria sentido se fosse para todos. O que importava eram os interesses da comunidade e a criança tinha privilégios impensáveis na época, como discutir suas necessidades no universo escolar. (Bencini, 2003: 34)
A pedagogia de Anton Semionovich Makarenko (1888-1939), que tornou-se célebre
pela transformação de centenas de crianças e adolescentes delinqüentes em cidadãos
plenos, está intimamente relacionada à história da Revolução socialista na Rússia. A
revolução de 1917 é considerada pelo historiador Eric Hobsbawm como aquela que marcou
definitivamente o transcorrer de todo século XX: “A Revolução de Outubro produziu de longe o
mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna.”
Nos anos 1920, Makarenko criou uma escola organizada como coletividade
autogestionária. A revolução criada por Makarenko no campo da educação pode ser
comparada àquela realizada por Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934), na área da
Psicologia da Educação, com a criação da teoria da “zona proximal” que considera o
31
desenvolvimento da criança sempre mais lento que o aprendizado e defende a ação educativa
como forma de antecipação social do conhecimento.
O livro Poema Pedagógico , a sua obra principal, retrata, através de uma narrativa
extremamente vibrante, o trabalho de reeducação de crianças e adolescentes ex-
delinqüentes, transformados em verdadeiros homens, com senso de dever e honra para a
conquista da felicidade pessoal e coletiva.
Quando em 1920, Makarenko foi convocado para assumir a direção de uma Colônia
de reeducação de crianças e jovens órfãos e ex-delinquentes compreendeu que encontrava-
se diante de um gigantesco desafio: “(...) não se trata de uma colônia de delinquentes juvenis
qualquer, mas você entende, é a Educação social... Precisamos de um homem
novo(...)”(Makarenko, 1983:13).
Makarenko aceitou trabalhar como diretor de uma Colônia de reeducação de crianças e
jovens delinqüentes, porque estava interessado em construir um método geral de educação,
buscando na relação entre teoria e prática a constituição de uma teoria educacional
superadora da educação tradicional e liberal burguesa.
Essa experiência de construção da coletividade, a Colônia Górki, de 1920 a 1928, deu-
se em três lugares: Poltava, Trepke e Kuriáj e cada um deles significou a conquista de
determinadas fases de desenvolvimento da coletividade.
Makarenko recebeu um pequeno sítio, a seis quilômetros de Poltava (Ucrânia). A
equipe inicial era constituída por um auxiliar de direção, duas educadores e seis educandos.
Era um dia especial e os educadores prepararam uma festa de recepção para aqueles garotos desconhecidos, que deveriam ser transformados em “novos homens” da sociedade socialista. Mesas enfeitadas, todos arrumados, até a cozinheira usava uma touca branquinha(...). um discurso de Makarenko vibra na caserna: iluminar a vida de dificuldades, esquecer o passado e olhar o futuro radiante. (Luedemann, 2002:124)
Makarenko procurou organizar o coletivo, envolvendo-o nos problemas para criar um
laço mais forte de responsabilidade e solidariedade entre educandos e educadores. Com a
criação do tribunal popular e das normas disciplinares na colônia, o trabalho tornou-se
obrigatório, para garantir a alimentação independente do auxílio (escasso) do Estado, e o
estudo. Nesse primeiro momento, os educandos passaram a viver num novo ambiente, de
trabalho e estudo, com disciplina, responsabilidade, com atividades culturais e recreativas.
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Makarenko pretendia formar crianças e jovens capazes de dirigir a própria vida. A
organização da escola e do coletivo de educadores e de educandos deveria ser baseada nos
problemas do cotidiano e no debate em assembleia todos os conflitos: roubo, briga,
alcoolismo, jogo com aposta, para criar normas e sanções, com uma disciplina consciente.
A pedagogia de Makarenko tinha como principal objetivo a formação de um futuro
baseado na igualdade de direitos e de deveres, na honra, na felicidade de cada um e de
todos, a realização presente de uma infância e adolescência de afeto e camaradagem.
A experiência mais importante de Makarenko foi na Colônia Górki e ali pode construir
sua metodologia para a organização da escola como coletividade. Todas as crianças e
adultos participavam das decisões, em coletividades primárias, no conselho dos
comandantes, na assembléia, nas comissões de autogestão, de produção e de cultura.
Nessa experiência, Makarenko construiu uma proposta de escola socialista, em que além
da instrução e da formação cultural, os educandos trabalhavam e educavam-se entre si
segundo os princípios socialistas.
O trabalho fazia parte das atividades escolares, como resposta às necessidades de cada
momento da vida da coletividade. Além dos jogos, das atividades artísticas, a vida da
coletividade era motivada pela realização dessas necessidades. A cultura material e cultural
andavam juntas. Para cada colheita, para cada triunfo contra a fome, havia uma grande festa,
com música, com teatro.
A pedagogia makarenkiana é a concretização da educação coletivista, em que cada
indivíduo se instrui e se educa em sua totalidade, de acordo com a sua personalidade, com
participação crítica, criativa, responsável.
Todos educam todos, de acordo com o princípio dos conselhos operários e
camponeses. Para se transformar em cidadão da sociedade socialista as crianças deveriam
aprender a se submeter aos companheiros e também saber dar ordens, a comandar. A
coletividade é o lugar em que as crianças encontram uma vida real e em que participam
politicamente, discutem, decidem, planejam, realizam seus planos e conquistam felicidade, a
curto, médio e longo prazo.
Em síntese, podemos dizer que é a pedagogia da alegria, a alegria presente, tomando
como centro da pedagogia a organização da escola como coletividade. A escola é comandada
pelos educandos em conjunto com os educadores. O diretor ganha, deste modo, função
educadora, afastando de suas atribuições burocráticas, podem ser assumidas por um auxiliar.
33
3.5 PISTRAK E A ESCOLA COMUNA
Para analisar a importância da participação dos alunos na gestão da escola tomamos
as contribuições do pedagogo Pistrak no livro Fundamentos da escola trabalho, escrito em
1924. Pistrak (2005), analisou a educação nos anos de 1920, quando se debatia na União
Soviética as bases na educação no socialismo. Pistrak destaca a importância da criação do
coletivo infantil.
Pistrak (1888-1949) foi, a exemplo de Makarenko, um dos grandes educadores do povo
e da revolução russa que contribuiu para a institucionalização de um novo tipo de escola, a
escola-comuna, ao participar do ministério da educação da União Soviética. Sobre sua
biografia quase não existem registros. O que sabemos, é que a sua produção pedagógica,
elaboradas a partir da sua prática de professor e militante comunista, teve enorme influência
na educação da República Soviética, especialmente nos anos de 1920.
A sua maior contribuição foi ter compreendido que para transformar a escola, e para
colocá-la a serviço da transformação social, não basta alterar os conteúdos nela ensinados. É
preciso mudar a forma de organização da escola, suas práticas e sua estrutura de
funcionamento, tornando-a coerente com os novos objetivos de formação de cidadãos,
capazes de participar ativamente dos processos de construção da nova sociedade. Pistrak
acreditava que se a escola socialista não desenvolver a auto-organização das crianças e não
se assentar no coletivo infantil estará condenada ao mesmo fracasso da escola capitalista e
burguesa.
O coletivo infantil, na concepção de Pistrak (2005), não representa apenas a reunião de
uma quantidade de crianças num mesmo lugar, e, principalmente quando esse agrupamento
não está voltado para um objetivo que exprime o interesse infantil. Um simples agrupamento
quantitativo de crianças ainda não forma um coletivo. As crianças e também os adultos,
somente formam um coletivo, quando estão unidos conscientemente por interesses e
objetivos comuns.
Para Pistrak (2005), a escola somente criará um coletivo dos alunos, no momento em
que for o lugar e o centro da vida infantil e não apenas o lugar de sua formação. “A
necessidade do coletivo infantil deriva da necessidade fundamental de inculcar nas crianças a
34
atividade, a iniciativa coletiva e a responsabilidade correspondente à sua atividade, O coletivo
das crianças criará, pelo próprio fato de existir a auto-organização.” (Pistrak 2005, p.178),
Segundo Pistrak (2005), a auto-organização das crianças não deve ser imposta pelos
educadores a força, de cima para baixo. Ela começará a nascer na medida em que aparecer a
necessidade, a partir da atividade prática, de uma determinada ação para a solução de
problemas concretos.
Para que ocorra a auto-organização, deve haver uma fusão entre o ensino e a
realidade concreta, o ensino deve ser compreendido pelas crianças como uma ação
importante para a sua vida. Assim, a criança encontrará sentido nas matérias de ensino e nos
conteúdos escolares.
Outro ponto importante, destacado por Pistrak (2005), diz respeito ao papel do
pedagogo no processo de organização dos alunos. Sem o auxílio dos adultos, as crianças são
incapazes de formular e de desenvolver os seus interesses socais. Na visão de Pistrak,
(...) o pedagogo não deve se intrometer na vida das crianças, dirigindo-as completamente, esmagando-as com sua autoridade e poder. É preciso encontrar a linha de comportamento justa, evitando, sem dúvida, o esmagamento da iniciativa das crianças, a imposição de dificuldades a sua organização, mas permanecendo, de outro lado, o companheiro mais velho que sabe ajudar imperceptivelmente, nos casos difíceis, e, ao mesmo tempo, orientar as tendências das crianças na boa direção. ( Pistrak. 2005, p.181-182)
Portanto, o papel principal dos educadores é suscitar e desenvolver nas crianças
preocupações de caráter social e possibilitar que as mesmas encontrem as formas de sua
realização, Contudo, afirma Pistrak (2005), a prática escolar nas escolas tradicionais estão
muito distantes de levarem com seriedade a participação das crianças nas decisões
importantes da vida escolar.
É freqüente ver o diretor [...] sentar-se ao lado do secretário ou do presidente da assembleia das crianças e dirigir seu trabalho, quase escrevendo a ata da reunião, com medo de que a criança cometa um erro; ele tenta, pelo auxílio direto, fazer com que tudo saia o melhor possível! Mas, assim, as crianças não aprenderão nunca a agir com seus próprios meios, terão sempre necessidade de ser ajudadas. (Pistrak, 2005, p.181-182),
35
É importante ressaltar que a auto-organização dos alunos não é apenas um jogo. Ela
deve ser uma ocupação consciente, responsável e séria das crianças. A autonomia escolar
somente pode se basear num trabalho sério e implica tarefas e responsabilidades. Para
Pistrak (2005), não há nenhum problema escolar indiferente as crianças, e elas podem se
envolver em todos os acontecimentos da escola.
Nas escolas em que as crianças tomam café e almoçam, pode ser melhor tratar, em primeiro lugar, da organização da alimentação. Com o tempo, pode-se confiar às crianças e registro dos alunos ocupados em diversos trabalhos, a organização das sessões de leitura, resumos e exposições, a organização das festas escolares e de espetáculos, etc. Pouco a pouco nasce um jornal, que reflete o conjunto da vida escolar; mais tarde, aparece uma revista escolar. Pouco a pouco organizam-se diversos grupos de estudo. Enfim, nasce a necessidade de uma organização para a formação política e geral. (Pistrak, 2005, p.197).
Para Pistrak (2005), toda a organização do trabalho da escola, com exceção das
questões relacionadas ao ensino, pode ser discutido com as crianças e colocado em suas
mãos. As crianças podem ser levadas até mesmo a administrar as finanças da escola e cuidar
da aplicação das verbas. Tudo, portanto pode gradativamente ser entregue e confiado às
crianças.
O trabalho pedagógico na nova escola da revolução socialista, não pode ser
organizado sem a colaboração ativa do coletivo autônomo das crianças. Um dos problemas
mais graves das escolas é o seu isolamento e sua separação em relação à vida e as questões
sociais.
Para Pistrak (2005), as crianças e jovens devem participar do Conselho Escolar e
tomar parte no trabalho de organização e gestão da escola, para poderem intervir em todos os
problemas políticos, econômicos e pedagógicos. As crianças devem ser respeitadas, ouvidas
e assim se tornarão cada vez mais conscientes das suas responsabilidades e passam a ver
os professores e demais adultos da escola como companheiros mais velhos, mais experientes
e desejosos de serem ajudados em seu trabalho.
O objetivo principal da auto-organização das crianças, segundo Pistrak (2005) é a
construção dos coletivos infantis é prepará-las para viver na nova sociedade socialista e se
tornarem cidadãos soviéticos.
36
(...) Nosso objetivo é não apenas formar cidadãos obedientes às leis, talvez ligados a seu regime, a seu Estado, e cheios de estima por ele, mas homens que participem conscientemente na organização do Estado soviético pelo trabalho cotidiano, homens conscientes e com o sentimento de que cada um, isoladamente, é responsável pela organização soviética. É preciso enraizar nas crianças desde a escola, que é parte integrante do Estado soviético, o hábito de fazer diretamente o que serão obrigados a fazer numa escala maior no futuro, esclarecendo que a participação na administração da escola é, ao mesmo tempo uma participação em todo o Estado soviético. (...)( Pistrak,2005, p.2010).
A escola deve torna-se, portanto, o local onde as crianças podem exercer a sua
cidadania com autonomia, a vida em grupo, aprendem a argumentar, a pensar de forma
crítica, formar as suas opiniões e tomar decisões. A escola deve formar cidadãos
participativos por meio de uma organização coletiva e democrática.
Para Pistrak (2005), o essencial era formar crianças capazes de dirigir a própria vida no
presente e a vida do país no futuro. A escola tinha que permitir o contato com a sociedade e
com a natureza, ou seja, um lugar para a criança e o jovem viver a realidade concreta e
participar das decisões sociais.
O objetivo central da educação escolar deve ser ensinar a criança a viver no mundo. O
aprendizado verdadeiro se dá quando as crianças são colocadas diante de problemas reais. A
escola deve ser um espaço onde as pessoas se encontram para educar e ser educadas. A
gestão democrática e participativa não pode prescindir da participação ativa do coletivo
infantil, através do desenvolvimento da auto-organização das crianças, com a colaboração
dos demais setores da escola. A auto-organização não deve ser imposta de cima para baixo e
praticamente todas as atividades da escola podem ser organizadas pelos alunos.
A vida toda da escola, portanto, deve estar nas mãos dos estudantes, As tarefas são
concretas e o trabalho é real e não de brincadeira. As comissões, a assembleia, enfim, os
órgãos coletivos devem se constituir palcos de vivência e grandes mediadores.
A aprendizagem da autogestão deve começar o mais cedo possível, na mais tenra
idade. De forma paciente, passo a passo, a escola e os pedagogos deverão ajudar as
crianças nesta tarefa. Pelo trabalho, pelos jogos coletivos, elas vão se envolvendo cada vez
mais na vida da escola e da sociedade, ligando a sua auto-organização com os outros
segmentos da escola e com os movimentos sociais.
O livro A Escola-Comuna, de Pistrak, publicado em 2009, pela editora Expressão
Popular nos mostra a construção de uma escola revolucionária nos anos de 1920, depois da
tomada pelo poder pelos trabalhadores e a luta pela construção do socialismo e do homem
37
novo. A escola comuna é uma experiência de gestão da escola muito diferente da escola que
conhecemos no mundo do capitalismo. O livro relata uma experiência educacional dirigida
pelo próprio Pistrak, dentre as 100 escolas experimentais que vivenciaram a construção de
uma pedagogia fundamentada na autogestão, no modelo de escola única e com formação
científica e cultural ampla.
A escola é dirigida sob o princípio do trabalho e não separa a formação intelectual e
manual. E como era a vida nessa escola? É a vida propriamente dita, com desafios
enfrentados pelo coletivo dos alunos e dos educadores. O dia escola é cheio de
aprendizagens diversificadas e participação na vida coletiva. Logo cedo, quando acordam as
crianças se trocam, arrumam os dormitórios, tomam café da manhã e se dirigem para as salas
de estudo com os professores.
“(....) Às oito horas ouve-se o sinal para as crianças que vivem no internato escolar levantarem. Primeiro, levantam-se os encarregados e outros responsáveis, invejando os cidadãos livres, que tem a possibilidade de não apressar-se muito em mudar sua posição horizontal. Entretanto, passam-se mais alguns minutos e os corredores se enchem de crianças, correndo com seus jogos de toalete do dormitório para os lavatórios. Os encarregados rapidamente colocam ordem no dormitório e nos gabinetes para estudos. Às 9 horas está terminado o café da manhã e começam a aparecer os externos. Cada vez aumenta mais o ruído de vozes nos corredores; mas eis um novo sinal (às 9 e meia), fecham-se as portas dos gabinetes e começa o trabalho escolar(...) (Pistrak, 2009, p.304)
Depois de duas horas de estudo, os alunos se organizam em grupos para o auxílio na
preparação e limpeza da cozinha. As crianças almoçam e tem um intervalo até
aproximadamente as 15 horas. Mas, o dia escolar não terminou. De manhã, o trabalho
intelectual, à tarde o trabalho manual. As crianças aprendem em oficinas de marcenaria.
culinária, encadernação e outros.
“As três da tarde o intervalo do almoço está terminado. Os grupos de trabalho seguintes começam os trabalhos nas oficinas- encadernadora, marcenaria. Das 15 às 19 horas turnam-se duas turmas (de 10 a 12 e 6 a 8 pessoas) de crianças de dois grupos mais novos. O terceiro grupo foi para a fábrica. Os demais foram em parte para casa ou passear, em parte jogam na sala, ou estão ocupados com seus assuntos de gabinetes. (Pistrak, 2009, p.305
38
O que fazem à noite? Círculos culturais e científicos tomam conta do período noturno.
Um por semana: seja de literatura, de artes, de ciências naturais etc. Depois do jantar, às 21
horas, a escola transforma-se numa pequena família, com a leitura em voz alta de um bom
livro. Mas nem todos querem ouvir, alguns estão preocupados com seus estudos e querem
conversar com os amigos. As crianças estão livres para o descanso. Um sinal toca às 23
horas para o fim do dia escolar, As luzes se apagam, Hora de dormir, para os educandos.
Mas o dia não terminou ainda para os pedagogos: no silêncio do fim da noite, eles avaliam o
dia que passou na Escola-Comuna planejam os dias que virão.
Pistrak defendia que esta era uma grande transformação histórica a ser feita na escola:
a participação autônoma, coletiva, ativa e criativa das crianças e dos jovens, de acordo com
as condições de desenvolvimento de cada idade, nos processos de estudo, de trabalho e de
gestão da escola. Por auto-organização Pistrak, entendia a constituição de coletivos infantis
ou juvenis a partir da necessidade de realizar determinadas ações práticas, que podem
começar com a preocupação de garantir a higiene da escola, e chegar à participação ativa no
Conselho Escolar, ajudando a elaborar os planos de vida da escola.
O grande objetivo pedagógico desta cooperação infantil consciente era efetivamente
educar para a organização social igualmente consciente e ativa, A avaliação era de que
somente tendo um espaço próprio de organização, não tutelado mas acompanhado pelos
educadores, os educandos efetivamente se assumiriam como sujeitos do seu processo
educativo. Observava então que o coletivo infantil não poderia ser algo imposto, mas sim uma
construção de baixo para cima, a partir de uma intencionalidade pedagógica gradativa, e que
produzisse o envolvimento real das crianças.
A vida escolar deve ser centrada na atividade produtiva. A medida que a escola passa
a assumir a lógica da vida, e não de uma suposta preparação teórica a ela, é preciso romper
com a pedagogia da palavra, centrada no discurso e no repasse de conteúdos, e construir
uma pedagogia da ação. Na escola do trabalho de Pistrak, as crianças e os jovens se educam
produzindo objetos materiais úteis, e prestando serviços necessários à coletividade. Através
destas atividades produtivas é que buscam desenvolver um estudo mais profundo e
significativo da realidade atual, ao mesmo tempo em que vão aprendendo habilidades,
comportamentos e posturas necessárias ao seu desenvolvimento humano, e à sua inserção
social.
39
A educação é mais do que ensino. Pistrak defendia que era preciso superar a visão de
que a escola é o lugar apenas do ensino, ou de estudo de conteúdos. Diz ele que é preciso
passar do ensino à educação, dos programas ao planos de vida. Entendia ele que a escola
precisava se tornar um centro da vida infantil, onde trabalho, estudo atividade culturais e
políticas fizessem parte de um mesmo programa de formação.
Segundo Pistrak, quem deve construir a nova escola são os educadores, juntos com os
alunos e toda a comunidade escolar. Mas para isso os educadores não podem ser tratados
como meros executores ou seguidores de manuais simplificados. Devem ser estimulados e
preparados para dominar as teorias pedagógicas que permitem refletir sobre a prática e tomar
decisões próprias, construindo e reconstruindo prática e métodos de educação.
Resumo do capítulo
Neste capítulo, notamos a importância do tipo de sociedade para o desenvolvimento
pleno da auto-organização das crianças e para a experiência da autogestão. No capitalismo, a
escola de Korczak com participação democrática das crianças e adolescentes foi destruída
pelos nazistas, junto com milhões de cidadãos. Já no primeiro período da revolução russa,
nas primeiras décadas do século XX, a autogestão e a auto-organização dos educandos
transformou-se em política pública do Estado soviético, possibilitando que educadores como
Makarenko e Pistrak desenvolvessem experiências de gestão que ficaram conhecidas como
escola-comuna.
40
4. PRINCÍPIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLI CA Caro aluno,
No quarto e último capítulo, apresentamos a atual legislação educacional que ampara a
implantação da gestão democrática nas escolas públicas, bem como a literatura sobre o tema
a partir da contribuição de autores como Heloísa Lück e José Carlos Libânep. Os trabalhos
desses autores apresentam elementos teóricos que nos levam a refletir sobre a necessidade
da implantação gestão democrática da escola pública, e dos caminhos para a sua efetivação,
em uma época de pleno domínio do projeto neoliberal na educação brasileira, fundamentado
na ética perversa do mercado.
4.1 LEGISLAÇÃO
São muitas as leis que preveem a gestão democrática na escola e dão amparo para a
sua efetivação. Nos artigos 205 e 206, a Constituição Federal assinala que a educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. Fica também ressaltado que o ensino será
ministrado com base em alguns princípios, entre eles a gestão democrática do ensino público,
na forma da lei.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no artigo 14 afirma que os
sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na
educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em Conselhos Escolares ou equivalentes.
O Plano Nacional de Educação (2011-2020) expressa em seu Art. 9º Os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas disciplinando a gestão
democrática da educação em seus respectivos âmbitos de atuação no prazo de um ano
contado da publicação desta Lei. Leis que prevêem a gestão democrática:
Em 2004, o Governo Federal, pela Portaria Ministerial 2896/2004 criou o Programa
Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, no qual publicou cadernos contendo
41
importante discussão sobre as atribuições e o seu funcionamento. com os objetivos de:
ampliar a participação das comunidades escolar e local na da escola.
A Constituição de 1988 trouxe uma inovação para o capítulo sobre educação ao
incorporar a gestão democrática como um princípio do ensino público. Ao fazê-lo, a
Constituição, tornou obrigatória a adaptação das Constituições Estaduais e das Leis
Orgânicas do Distrito Federal e dos municípios às novas determinações, dentre elas a do
princípio da gestão democrática do ensino público.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) foi aprovada em 1996, após
um longo debate iniciado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, em seu
artigo define dos fins da educação: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade e pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”.
A concepção de educação que orienta a Constituição Federal de 1988, e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, valoriza os vínculos da escola com o
mundo do trabalho e, principalmente, com a preparação das crianças e jovens para a vida
cidadã. A legislação educacional brasileira orienta, portanto, para que as escolas tenham
como objetivo principal a formação dos alunos para o exercício da cidadania.
A educação para a cidadania na escola deve ser entendida como muito mais do que
uma educação para a cidadania, mas principalmente uma educação na cidadania, ou seja, a
efetiva reconstrução das relações sociais na escola com base na participação de toda a
comunidade educativa na vida escolar. Isso quer dizer que o discurso da cidadania não é
suficiente para que os alunos aprendam a viver democraticamente, é necessário que a vida
escolar propicie espaços de efetivo exercício da cidadania.
Em seu artigo terceiro, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996,
define os princípios da educação escolar. O inciso VIII prevê “gestão democrática do ensino
público, na forma desta lei e da legislação do sistema de ensino.” Fica, portanto, evidenciado
que o norte e a direção da educação escolar, centrada na gestão democrática da escola e da
cidadania escolar está claramente definida na legislação educacional.
O principio da gestão democrática na escola consagrado na lei, supõe a participação
ativa de todos os segmentos da comunidade educativa escolar nos destinos da escola:
direção, equipe pedagógica, professores, pais, funcionários e alunos.
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A promulgação de leis, por si só, não garante a participação da comunidade escolar e
das crianças. O que observamos nas escolas, ainda hoje, é a predominância da centralização
das decisões na direção. A influência do período autoritário da ditadura militar (1964-1985),
ainda permanecem vivas na vida do país e paira em todas as esferas sociais. Na escola, as
decisões importantes, o poder real, ainda em grande parte encontram-se centralizados na
direção e na sala de aula por meio da atuação dos professores.
4.2 A GESTÃO PARTICIPATIVA NA ESCOLA
Multimídia - Caro(a) aluno(a), para conhecer mais sobre o conceito gestão participativa assista ao filme
Vocacional: uma aventura humana. Direção de Toni Venturi: 2012.
A participação da comunidade educativa na vida escolar, no entanto, deve ser
planejada, organizada e balizada pelo Projeto Político Pedagógico que define os objetivos
educacionais, o currículo escolar e a identidade da escola. O Projeto Pedagógico não é
imutável e definitivo, mas construído e permanentemente avaliado pelos segmentos da
escola. Vimos no capítulo 1, que o planejamento escolar deve ser realizado em sintonia como
o Projeto Pedagógico.
Não é possível a participação consciente e ativa dos diferentes segmentos da escola a
construção sem a construção de uma estrutura organizativa. Para a concretização da gestão
democrática, estabelecida em lei, torna-se necessária a criação de espaços adequados para
que a relações entre os diversos grupos da escola possa acontecer.
A gestão democrática, ao proporcionar a participação e o envolvimento de toda a
comunidade escolar na construção da escola, ensina todos os envolvidos na vida da escola a
falar e a ouvir o outro, a conviver com as diferenças, a viver democraticamente, sempre
levando em conta os interesses do coletivo.
A gestão participativa promove o envolvimento e o comprometimento de todos os
atores da vida escolar com os destinos da escola. Todos passam a se sentir responsáveis
pelos sucessos e fracassos e passam a ver que a escola é de todos e de cada um. O
exercício da gestão democrática e da cidadania escolar desperta o sentimento de reconquista
do espaço público como sendo de todos.
43
No Brasil, ainda não temos desenvolvida a cultura da cidadania: as pessoas tendem a
perceber o poder público muito distanciado, sem qualquer oportunidade de participação
efetiva nos rumos de suas gestões. Historicamente, não tivemos a prática da cidadania no
nosso dia-a-dia, principalmente nos anos de repressão do governo militar, de onde saímos
recentemente.
A gestão democrática se contrapõe ao modelo de gestão que tem sido difundida em
nossa trajetória histórica e política, marcada pelo autoritarismo e paternalismo que não
reconhece o outro como igual. A participação somente trará resultados se todos os segmentos
da escola se dispuserem a trabalharem juntos, remando para um mesmo objetivo e não
competindo um com o outro.
A gestão participativa não se constitui uma prática cotidiana e comum nas escolas. É
muito comum a queixa de diretores de que tem de fazer tudo sozinho e que não encontram
apoio nos professores, uma vez que os mesmos limitam-se a suas responsabilidades de sala
de aula. A participação dos pais limita-se aos problemas de aprendizagem dos filhos ou em
relação aos problemas relacionados aos aspectos físicos e materiais da escola.
Como criar uma cultura de participação na escola? No livro A gestão participativa da
escola, Heloísa Lück afirma:
Aos responsáveis pela gestão escolar compete, portanto, promover a criação e a sustentação de um ambiente propício a participação plena no processo social escolar de seus profissionais, bem como de alunos e de pais, uma vez que é por essa participação que os mesmo desenvolvem consciência crítica e sentido de cidadania, condições necessárias para que a gestão escolar democrática e as práticas escolares sejam efetivas na promoção de formação de seus alunos. (Lück 2006, 178)
A autora assinala que a participação é um aprendizado coletivo e que os gestores
devem criar espaços de exercício da cidadania na escola. É importante destacar que a
criação de um ambiente participativo implica o surgimento de tensões, conflitos e resistências
e que a equipe pedagógica deve estar preparada para saber trabalhar com eles.
Lück (2006) afirma que a promoção do ambiente e de uma cultura participativa deve
ser prioridade dos gestores escolares e destaca a necessidade elementos: a) a criação de
uma visão de conjunto associada a uma visão cooperativa; b) a promoção um clima de
confiança e reciprocidade; c) a valorização das capacidades e aptidões dos participantes; d)
quebra das arestas e eliminação das divisões; e) estabelecimento da demanda de trabalho
44
centrada em ideias e não em indivíduos e desenvolvimento da prática da assunção da
responsabilidade em conjunto.
Em relação a criação de uma visão de conjunto associada a uma ação participativa,
Luck (2006) vê a necessidade de valorizar o trabalho coletivo e a busca de objetivos comuns.
É importante estimular a consciência do papel importante que cada setor da escola na
realização dos objetivos:
Destaca-se que o trabalho de qualquer profissional de educação só ganha significado e valor na medida em que esteja integrado com o dos demais profissionais da escola em torno da realização dos objetivos educacionais, cabendo aos gestores escolares, em seu trabalho de gestão sobre o processo pedagógico, dar unidade aos esforços pela interação de segmentos e construção de uma ética comum, a partir dos valores e princípios educacionais sólidos e objetivos bem entendidos. (Luck, 2006, p.91)
É fundamental, portanto, o trabalho coletivo e de cooperação entre todos os setores da
escola. A tomada de consciência de cada segmento escolar sobre a sua tarefa e
responsabilidade é fundamental para atingir melhores resultados na construção de uma
escola democrática e cidadã.
O trabalho escolar é uma ação de caráter coletivo, realizado a partir da participação
conjunta e integrada dos membros de todos os setores da comunidade escolar. É
imprescindível para a gestão escolar democrática e participativa o envolvimento de todos os
que fazem parte, direta ou indiretamente, da vida da escola, seja no estabelecimento de
objetivos, na solução de problemas, na tomada de decisões, e avaliação de planos de ação,
visando os melhores resultados do processo educacional.
De acordo com Lück (2006), é decisiva a promoção de um clima de confiança e
reciprocidade entre os membros de uma equipe de trabalho. Todos trabalham mais a vontade
e se empenham quando sabem que terão apoio nos momentos de dificuldades e percebem a
existência de um trabalho de equipe solidária e ética.
Outro aspecto destacado por Lück (2006) para a promoção de um ambiente
participativo na escola é a valorização das capacidades e aptidões dos participantes. Aos
gestores compete saber como estimular a equipe de trabalho
“(...) Destaca-se, no entanto, que não se deve esperar que tais capacidades e aptidões despontem naturalmente, com resultado de boa vontade das pessoas.
45
Aos gestores compete criar condições estimulantes para o exercício de capacidades e aptidões necessárias ao bom desempenho profissional e maior e melhor aprendizagem pelos alunos (...) (Lück, 2006, p.93)
Assim, o desenvolvimento das capacidades e aptidões dos participantes deve ser
estimulado e valorizado pela equipe gestora da escola. Ela deve promover desafios e novos
problemas para estimular soluções criativas e canalizar essas aptidões para o trabalho
coletivo da escola.
Para Lück (2006), é também muito importante o estabelecimento de demanda de
trabalho centrada em ideias e não em indivíduos. Para a autora, são as ideias que promovem
a mobilização das pessoas para as ações que dão unidade e continuidade do trabalho.
“Somente pela realização de atividade coletiva, mediante espírito de equipe, emana toda a
energia criadora dos elementos componentes de um grupo social” (...) ( Lück, 2006, p.96).
Para que a gestão escolar seja desenvolvida de forma participativa e democrática,
torna-se necessário, segundo a autora, que os gestores escolares, em sua atuação, adotem
ações voltadas para a difusão transparentes de informações e que estas sejam adequadas as
linhas de ação pedagógica da escola.
Em resumo, Lück (2010) aponta algumas posturas e atitudes de gestão responsáveis
pelos bons resultados e melhoria da qualidade da escola:
- a divisão de responsabilidade entre todos os membros da comunidade escolar.
- os êxitos e os fracassos não são individuais, mas de todo o coletivo;
- a constante motivação da equipe pedagógica e de todos os segmentos da escola, por meio
da valorização de seus esforços e iniciativas. A valorização torna as pessoas mais confiantes
e alegres;
- a criação de uma cultura de participação, estimulando as pessoas a manifestarem livremente
as suas opiniões, bem como saber ouvir os outros e suas argumentações;
- transparência e clareza acerca dos limites e possibilidades da escola.
No livro Organização e Gestão da Escola: teoria e prática, Libâneo (2001), afirma que a
educação escolar tem a função de promover a apropriação de saberes, atitudes e valores por
46
parte dos alunos, pela ação mediadora dos professores e pela organização e gestão da
escola. Para isso, faz-se necessário superar as formas conservadoras de gestão.
Participação, para o autor, significa a atuação dos profissionais da educação, dos
alunos e pais na gestão da escola. A escola é um lugar de adequado para compartilhar
experiências, aprender novos conhecimentos, desenvolver capacidades intelectuais, éticas,
afetivas, sociais e éticas. “(...) Vivendo a prática da participação nos órgãos deliberativos da
escola, os pais, os professores, os alunos vão aprendendo a sentir-se responsáveis pelas
decisões que os afetam num âmbito mais amplo da sociedade” (Libâneo, 2001, p.139). Isso
mostra que a escola também é lugar de formação de competências para que toda a
comunidade escolar possa participar na vida social, política e cultural como sujeitos ativos e
autônomos.
A participação na gestão escolar, segundo Libâneo (2001) não pode se dar como um
fim em si mesmo. O trabalho escolar implica uma direção, um rumo claramente definido e
conhecido e partilhado por todos. É fundamental que todos os envolvidos na comunidade
educativa tenham clareza dos objetivos pedagógicos e políticos da escola. A definição de uma
direção, e uma meta, ou seja, saber para onde ir é um dos princípios da gestão democrática.
“Não é preciso insistir que a prática da gestão e da direção participativa convergem para a
elaboração e execução do projeto pedagógico curricular e assunção de responsabilidades de
forma cooperativa e solidária” (Libâneo, 2001, p.141)
Para Libâneo (2001) é por meio da elaboração, execução e avaliação do Projeto
Político Pedagógico que a escola define a sua identidade, função social, objetivos
educacionais, currículo e avaliação. A gestão participativa não pode ocorrer sem levar em
conta a clareza dos objetivos pedagógicos da escola e dos meios necessários para alcançá-
los, por todos os envolvidos na vida escolar.
Libâneo (2001) assinala que a autonomia é o fundamento da gestão democrática da
participativa da escola. Ela é definida como a capacidade das pessoas se autogovernarem por
seus próprios meios, e ser capaz de decidir sobre sua própria vida individual e coletiva.
A autonomia é o fundamento da concepção democrático-participativa de gestão escolar, razão de ser do projeto pedagógico-curricular. Ela é definida como faculdade das pessoas de autogovernar-se, de decidir sobre seu próprio destino. Autonomia de uma instituição significa ter poder de decisão sobre seus objetivos e suas formas de organização, manter-se relativamente independente do poder central, administrar livremente recursos financeiros. Assim, as escolas
47
podem traçar se próprio caminho, envolvendo professores, alunos, pais e comunidade próxima que se tornam co-responsáveis pelo êxito da instituição. Dessa forma, a organização da escola se transforma em instância educadora, espaço de trabalho coletivo e de aprendizagem.” (Libaneo, 2001, p.141-42)
Somente dessa forma, com autonomia para decidir sobre os seus rumos, a
organização escolar poderá construir um projeto comum entre os seus atores e tornar todo o
coletivo escolar co-responsável pelo êxito da escola.
Libâneo (2001), entretanto alerta para o fato de que a autonomia da escola nunca é
totalmente absoluta. As escolas públicas não são instituições isoladas e são dotadas de
autonomia relativa. Elas integram um sistema escolar e dependem da gestão pública e das
políticas do Estado para a educação. O salário dos professores, por exemplo, e muitos outros
aspectos relacionados com as condições de trabalho do professor, não dependem da própria
escola.
(...) Isso significa que a direção de uma escola dever ser exercida tendo em conta, de um lado, o planejamento, a organização, a orientação e o controle de suas atividades internas, conforme suas características particulares e sua realidade; de outro, a adequação e aplicação criadora de diretrizes gerais que recebe dos níveis superiores de administração do ensino.” ( Libâneo, 2001, p.142)
Esta articulação, no entanto, nem sempre se dá sem conflitos e problemas, e depende
do caráter político, administrativo e organizativo do sistema de ensino.
A gestão democrática, segundo Libâneo (2001), não pode ficar restrita ao discurso da
participação e deve estar a serviço dos objetivos de ensino formulados no projeto político
pedagógico da escola. É preciso que haja uma relação orgânica entre a direção e a
participação dos membros da equipe escolar. O diretor e toda a equipe escolar devem
coletivamente formular o plano de ação e cada membro da escola participar ativamente e se
responsabilizar pelo trabalho.
O princípio da autonomia exige a presença da comunidade na organização do trabalho,
especialmente dos pais dos alunos. A participação dos pais ocorre principalmente no
Conselho de Escola e na Associação de Pais e Mestres para acompanhar e avaliar a
execução do Projeto Pedagógico, avaliar a qualidade dos serviços prestados e a prática
pedagógica da escola.
48
A gestão participativa da escola, segundo Libâneo (2001), necessita da formação
continuada e requer constante aperfeiçoamento profissional, político científico e pedagógico
do toda a equipe escolar. “( ...) Dirigir uma escola implica conhecer bem seu estado real,
observar e avaliar constantemente o desenvolvimento do processo de ensino, analisar com
objetividade os resultados, fazer compartilhar as experiências docentes bem-sucedidas”
(Libanêo, 2001, p.145)”
Para Libâneo (2001), a democratização das informações e a transparência na
comunicação é condição para o bom andamento da gestão participativa e democrática. È
muito importante que todos tenham acesso as informações e participem da análise e solução
dos problemas em seus múltiplos aspectos.
(...) Analisar os problemas em seus múltiplos aspectos significa verificar a qualidade das aulas, o cumprimento dos programas, a qualificação e experiência dos professores, as características socioeconômicas e culturais dos alunos, os resultados do trabalho que a equipe propôs atingir, a saúde dos alunos, a adequação de métodos e procedimentos didáticos. (...)” Libâneo, 2001. 146)
O projeto educativo da escola não é individual, desta ou daquela pessoa, mas pertence
a toda a equipe escolar que necessita ter espaços para decidir e agir sobre o que lhes
pertence. Somente o sentimento de pertença, ou seja, de que a escola é de todos, pode gerar
compromisso e envolvimento nos destinos da escola. É preciso instituir a cultura do querer
fazer, no lugar do deve fazer.
Para Libâneo (2001), A gestão democrática e participativa se assenta no entendimento
de que o alcance dos objetivos educacionais, depende do comprometimento e empenho de
todos os segmentos da escola em torno da realização de objetivos comuns.
A participação livre e consciente dá às pessoas a oportunidade de sentirem-se
responsáveis pelos seus resultados, construindo, portanto, sua autonomia. A participação, em
seu sentido pleno, caracteriza-se por uma atuação consciente pela qual os indivíduos o
assumem seu poder de exercer influência na determinação dos destinos da organização
escolar.
A participação de todos, nos diferentes níveis de decisão, é essencial para assegurar o
eficiente desempenho da escola. Toda pessoa tem poder de influência sobre o contexto de
que faz parte, e é importante que ela tenha consciência deste poder no ambiente escolar. A
49
participação em sentido pleno é caracterizada por um esforço individual para superar atitudes
de acomodação, alienação, comportamentos individualistas e estimular a construção de
espírito e equipe. Na gestão participativa, os problemas da vida escolar são apontados pelo
próprio grupo, e não apenas pelo diretor da escola ou sua equipe técnico-pedagógica.
Um dos momentos escolares mais comuns sobre as quais se exige participação de
professores, diz respeito às festas juninas e campanhas para arrecadar fundos ou outras
atividades do gênero. Outro momento em que os professores são requisitados é referente a
reuniões para a tomada de decisões a respeito de problemas apontados pela direção da
escola, muitas vezes indicados por autoridades do sistema de ensino, e cujas soluções
alternativas são sugeridas pela própria direção. Estas circunstâncias deixam de caracterizar a
participação consciente e efetiva dos professores, uma vez que eles se sentem usados.
A participação efetiva e autônoma pressupõe a organização coletiva dos professores e
que organizados discutam e analisem os problemas pedagógicos e políticos que vivenciam
da escola e a partir dessa análise, determinem um caminho para superar as dificuldades que
julgarem urgentes.
A participação efetiva e consciente é aquela em que as pessoas assumem as tarefas
com seriedade e comprometimento. Podemos verificar o entendimento limitado de
participação, quando em sala de aula, os professores propõem a “avaliação por participação”,
que se caracteriza pela simples manifestação verbal dos alunos para mostrarem que estão
prestando atenção na aula. Nesse caso, participam apenas os alunos que julgam saber o que
os professoress desejam ouvir, motivados apenas pela nota. Em trabalhos em grupo, é
comum, em vez dos grupos produzirem a aprendizagem coletiva, a partir da troca e
reciprocidade de idéias, realizam uma simples divisão de trabalho e tarefas.
Valores orientadores da ação participativa.
A ação participativa eficiente e não alienada depende de que sua prática seja realizada
a partir do respeito a certos valores, como ética e compromisso. O compromisso pode ser
percebido na ação dos envolvidos no processo pedagógico, focada e em melhor
aprendizagem para os alunos.
Portanto, a ação participativa em educação é orientada pela promoção solidária da
participação por todos da comunidade escolar, na construção da escola como organização
como coletividade, tomando decisões em conjunto.
50
Para que os gestores das escolas construam um trabalho articulado com toda equipe
escolar, devem ter como objetivo principal, criar um ambiente de responsabilidade mútua, sem
paternalismo, sendo justo e firme nas situações do cotidiano escolar, dividindo a autoridade
entre os vários setores da escola. O diretor não estará perdendo poder, mas dividindo
responsabilidades e assim a escola estará ganhando poder.
O gestor educacional caracteriza-se como um administrador democrático escola que
atua em conjunto, dialogo com todos os segmentos, desenvolve senso de responsabilidade e
crítica e estimula o espírito de cooperação. Os gestores precisam desenvolver
adequadamente o seu trabalho, proporcionando um clima de respeito onde todos possam
atingir, uma ação pedagógica da escola com competência, bem como motivar o grupo para o
trabalho coletivo.
4.3 O CONSELHO ESCOLAR
A concretização da gestão democrática, estabelecida em lei, torna necessária a criação
de espaços adequados para que as relações entre os diversos grupos da escola possam
acontecer. Nessa perspectiva, o Conselho Escolar, O Grêmio Estudantil, Associação de Pais
e Mestres e as Assembleias desempenham um papel central no exercício da prática
democrática.
O Conselho Escolar é um colegiado formado pela direção, equipe pedagógica,
representantes de pais, alunos, professores e também a equipe administrativa e operacional
da escola, para gerir coletivamente cada unidade escolar, tornando-a um espaço voltado aos
interesses da comunidade que lhe serve. O Conselho Escolar é o órgão máximo de direção e
seus membros devem ter interesses comuns, para juntos, lutarem para promover uma escola
de qualidade para todos.
O Conselho Escolar pode dar visibilidade para a participação de todos os segmentos
da escola a partir da representação. Porém, as decisões mais importantes devem ser
encaminhadas para a assembléia geral, órgão máximo deliberativo.
O Conselho Escolar, como órgão consultivo e deliberativo, deve participar de todas as
atividades importantes que se desenvolvem no interior da vida escolar, além de controlar e
fiscalizar as verbas recebidas pela escola. A finalidade principal do Conselho Escolar é
51
acompanhar o desenvolvimento do Projeto Político Pedagógico da escola, no intuito de
interferir sobre o a prática educativa e a transformação da realidade escolar.
O Projeto Político-Pedagógico é fundamental na vida da escola e um dos elementos
mais importantes para a gestão democrática e dever ser construído, reconstruído e avaliado
coletivamente. O projeto deve ser elaborado considerando as características próprias de cada
unidade escolar e, quando um Conselho Escolar é democrático e participativo, torna-se
comprometido com a realização de suas ações, transforma a teoria em práticas efetivas,
torna-o mais viável e comprometedor para as mudanças necessárias para uma educação de
qualidade para todos.
O Conselho Escolar tem um papel decisivo no cumprimento da finalidade principal da
educação escolar que é a formação de cidadãos críticos e autônomos. A formação cidadã
plena exige a participação de todos os segmentos que compõe a escola.
Para ter legitimidade, o Conselho Escolar deve ter a participação dos diversos
segmentos da escola: professor, aluno, funcionários não docentes, pais, diretor, além da
comunidade local. No entanto, o que mais se percebe nas escolas são conselhos "pró-forma",
e reuniões esvaziadas. As reuniões, muitas vezes resumem-se para que os professores
façam reclamação dos estudantes ou para passar recados aos pais dos alunos,
.Para garantir a qualidade dos conselhos, é preciso em primeiro lugar elaborar uma
pauta assuntos que realmente atendam aos interesses dos pais dos alunos, dos professores,
dos alunos e funcionários.
A principal função do Conselho Escolar é a coordenação da gestão escolar. É o espaço
da voz e do voto dos diferentes atores da escola, internos e externos, deliberando sobre a
construção, desenvolvimento e avaliação do seu Projeto Político-Pedagógico. Ele favorece a
desconstrução das relações hierarquizadas de poder e de dominação e representa o desejo
de transformar os espaços de centralização e autoritarismo, ainda existentes na escola
pública, em espaços de democracia e participação.
O Conselho de Escola contribui para a criação de um novo cotidiano escolar, no qual a
escola e a comunidade se identificam na busca de soluções com vistas a estabelecer as
transformações necessárias para as práticas educativas. Os Conselheiros Escolares, são
responsáveis por articular os diversos segmentos da escola, debatendo com eles os
problemas que afetam o cotidiano escolar na busca de soluções.
.
52
4.4 OS GRÊMIOS ESTUDANTIS
O estudante tem um papel muito importante na transformação da escola e da
sociedade brasileira. O grêmio estudantil é a organização que representa os interesses do
aluno na escola e permite que os alunos discutam e planejem atividades de intervenção na
escola e na comunidade.
O grêmio estudantil se constitui, portanto, como um espaço de participação política, de
desenvolvimento do pensamento crítico diante da realidade educacional e de exercício da
cidadania, colaborando, assim, para a construção de uma gestão democrática que envolva a
participação de todos os atores da comunidade escolar. O grêmio escolar é um espaço de
aprendizagem para a cidadania e para a responsabilidade. Nele os alunos aprendem a ouvir
o outro, a solidariedade, a construir projetos comuns e a convivência democrática.
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394/96, a
gestão democrática vem ganhando espaço cada vez maior nas instituições de ensino. O
diretor da escola deixa de ser o centralizador das decisões e passa a ser um gestor que com
o auxílio de toda a comunidade escolar (professores, funcionário, pais e alunos) passa a
coordenar de forma democrática e coletiva o andamento da unidade escolar, visando a
melhoria do processo educacional de acordo com a realidade em que a unidade escolar está
inserida.
Se a gestão democrática é a participação efetiva de toda a comunidade escolar no
projeto pedagógico da escola, nada mais justo que o Grêmio Estudantil, que representa os
estudantes de determinada unidade escolar, esteja presente e participativo nas decisões que
envolvem estas questões educacionais. Por se constituir um espaço de organização dos
alunos, o grêmio estudantil contribui muito para a formação do cidadão crítico, autônomo e
sujeito de sua própria história.
A participação dos alunos na vida escolar, por meio do grêmio estudantil é também
assegurada pela legislação brasileira. Entre as principais leis, podemos citar a Lei n° 7.398 de
novembro de 1985, que dispõe sobre a organização de entidades estudantis de 1° e 2° graus
e assegura aos estudantes o direito de se organizar em grêmios; a Lei Complementar n° 444
de dezembro de 1985, que, em seu artigo 95, dispõe sobre o Conselho de Escola; a Lei n°
8.069 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que garante, em seu artigo
53, o direito dos estudantes de se organizar e participar de entidades estudantis; e, por fim, a
53
Lei n° 9.394 de dezembro de 1996, que, ao estabelec er as diretrizes e bases da educação,
garante a criação dos grêmios estudantis.
A função principal do grêmio estudantil é a organização dos alunos e promover a
integração destes com toda a comunidade escolar. Compete aos grêmios a promoção de
diversas atividades no cotidiano escolar: campeonatos esportivos, atividades culturais, sociais
e políticas. Ele pode tanto organizar festas na escola, como lutar por melhores condições de
ensino e da estrutura da escola.
É por meio do grêmio estudantil, e conscientes do seu papel transformador, que os
estudantes discutem, opinam e participam da construção da nova escola, se transformando
em cidadãos críticos e participativos.
O grêmio estudantil constitui um meio de participação dos alunos na vida escolar, o que
favorece a formação para a cidadania, tornando-se um espaço de discussão, criação e
tomada de decisão acerca do processo escolar, bem como fortalecendo noções a respeito de
direitos, deveres e convivência democrática. Portanto, ao criar tal espaço de participação, o
grêmio estudantil dá aos alunos a possibilidade de transformarem a sua realidade, proporem
alternativas, lutarem por seus direitos e, o mais importante, exercerem a sua cidadania.
A construção da vida escolar deve envolver todos os atores nela presentes –
professores, diretores, pais e alunos. Estes últimos desempenham um papel fundamental na
prevenção à violência, que alcança não apenas a escola, mas também a própria comunidade,
uma vez que é integrante desta. Apesar de freqüentemente esquecida, a escola é um lugar
público cuja relevância para a comunidade é inegável.
A democratização do processo de gestão garante, através do exercício permanente de
análise e de ações participativas o acesso igualitário às informações a todos os segmentos da
comunidade escolar e a aceitação da diversidade de opiniões e interesses.
A escola é o lugar de alunos participarem de atividades educativas, recreativas e
culturais. Um espaço de possibilidades de aprender, de criar, de agir, de reclamar é o grêmio
estudantil. A lei federal 7398 de 04 de novembro de 1985 assegura a organização dos
grêmios estudantis como entidades autônomas e representativas dos estudantes, em
qualquer escola do país, pública ou particular. O grêmio estudantil faz com que os alunos
tenham voz e participação nos rumos da escola, nem sempre a sua formalização é garantida
pela equipe dirigente da escola.
54
Sobre as experiências de gestão democrática na educação pública associadas a
participação dos estudantes, é importante conhecer a experiência dos Ginásios Vocacionais.
Eles foram concebidos pela educadora Maria Nilde Mascellani e, implementados, por meio da
Secretaria do Estado de São Paulo, em 1962. No ano de 1969, a ditadura militar fechou todas
estas escola e pôs fim a uma das experiências mais revolucionárias e inovadoras de
educação pública desenvolvidas no Brasil.
Movidos por um projeto pedagógico baseado no estímulo à participação ativa e consciente do estudante em uma sociedade democrática, essa instituições funcionavam em tempo integral e eram responsáveis pela educação de meninos e menina de 11 a 15 anos. (Nikiforos, 2011, p.38)
O projeto dos Ginásios Vocacionais era pautado na gestão participativa e democrática.
As atividades curriculares tinham por objetivo envolver os alunos na vida escolar e a formação
humanista e crítica ensinava os alunos a pensar e a desenvolver a autonomia para a própria
aprendizagem e para a participação política na escola e na vida social. O Vocacional ensinou
os alunos a trabalhar no coletivo e partilhar objetivos comuns.
Para os alunos oriundos das camadas populares, a cultura escolar seria como uma cultura
“estrangeira” e difícil de ser compreendida. A vivência familiar não as acostumou a estes
códigos e linguagens valorizados pela escola e, por isso, tendem ao fracasso escolar.
Durante os seus oitos anos de existência, os Ginásios Vocacionais, contaram com seis
unidades, uma na capital e as outras cinco, no interior do Estado de São Paulo. O Vocacional,
como era chamado pelos alunos e professores, possuía um currículo e um sistema de
avaliação diferenciado.
(...) Além das matérias tidas como convencionais, eram lecionadas disciplinas que, para a época, eram novidades, como Artes Industriais, Práticas Comerciais,
Os Ginásios Vocacionais funcionavam em tempo integral e o currículo era pensado e organizado para garantir a articulação entre teoria e prática. Ele possibilitava o equilíbrio entre a formação humanista e filosófica e a formação voltada para o trabalho, doméstico e profissional
55
Práticas Agrícolas, Educação Doméstica, além de Educação Física e das Artes Plásticas. (Nikiforos, 2011, p.38)
Os Ginásios Vocacionais funcionavam em tempo integral e o currículo era pensado e
organizado para garantir a articulação entre teoria e prática. Ele possibilitava o equilíbrio entre
a formação humanista e filosófica e a formação voltada para o trabalho, doméstico e
profissional.
A experiência dos Ginásios Vocacionais, que poderiam ter sido um modelo de
educação pública para todo o país, foi violentamente assassinada pela ditadura militar (1964-
1985). A ditadura militar considerou a projeto educacional do Vocacional subversivo e
perigoso para o sistema, pois desenvolvia nos jovens o espírito crítico e de contestação contra
todo tipo de violência e injustiça.
Resumo do capítulo
Os estudos e reflexões realizados neste capítulo, compreende a gestão de pessoas no
espaço escolar participativa e democrática como parte do currículo, comprometida com a
formação de sujeitos críticos e autônomos comprometidos com a construção da escola de
qualidade e com a transformação social. O papel do educando não deve se restringir à sua
condição de consumidor passivo, pois, num processo pedagógico democrático, o educando
também participa das atividades que aí se desenvolvem. Nesta perspectiva, o aluno é visto ao
mesmo tempo como objeto e como sujeito da educação.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro aluno,
Não tivemos a pretensão de esgotar neste material, os estudos sobre a gestão
participativa e democrática da escola pública. Este curso buscou refletir e problematizar sobre
um dos temas mais atuais e importantes na educação, que é a reconstrução das relações
sociais no interior da escola. Há um consenso na literatura pedagógica e sociológica de que a
escola não se resume a sala de aula, e que todos os espaços escolares são formativos e tem
um forte impacto na vida presente e futura das crianças e jovens em idade escolar.
Analisar o tema da gestão estratégica de pessoas no contexto escolar significa refletir
sobre que tipo de pessoas queremos formar. A escola não pode ser vista como um simples
aparato do sistema produtivo e uma “fábrica” de formação de mão de obra para o mundo do
trabalho. Na nossa perspectiva, a escola deve ser organizada para a formação integral dos
alunos, para exercício pleno da cidadania e da vida profissional. Acreditamos, que a gestão
efetivamente democrática e participativa é decisiva na formação de indivíduos críticos,
autônomos, solidários e comprometidos com a construção de uma sociedade justa e
igualitária.
Quando se coloca o tema da gestão estratégica de pessoas no cotidiano educacional,
portanto, precisamos questionar o modelo de educação queremos oferecer a nossa
juventude. A verdadeira escola democrática deve ter como meta principal a formação
humanista e ir além dos interesses e exigências imediatos do mercado de trabalho e da porta
das fábricas. A educação escolar não pode ser pensada como um simples mecanismo do
aparato produtivo. É fundamental, pensar a formação do aluno em toda a sua capacidade de
desenvolvimento formativo, ou seja, a sua capacidade de sentir, pensar, desenvolver-se física
e mentalmente. As artes, o corpo, os sentimentos, a afetividade, a criatividade devem ser
desenvolvidas ao mesmo tempo. O projeto de construção de uma escola democrática e de
qualidade não pode ficar refém exclusivamente dos sistemas de avaliação como o Enem, o
vestibular, a Prova Brasil, etc..
57
As formas de gestão escolar, a organização do currículo, os tipos de aprendizagens e o
projeto político-pedagógico da escola têm um papel decisivo no tipo de ser humano e de
sociedade que desejamos construir. Por isso, apresentamos no trabalho as experiências de
organização da escola de Korczak, Makarenko e Pistrak, que efetivamente construíram a
escola como coletividade, e estimulando a auto-organização das crianças, dos jovens e todos
os participantes da equipe escolar.
Ao longo desse trabalho, analisamos a importância e a necessidade da construção
coletiva do projeto político pedagógico coletivamente voltado para o plano de ação da escola,
a partir da legislação educacional e da análise teórica presente na literatura pedagógica
brasileira.
58
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