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_>>> Quinta-feira, 26 de setembro de 2013 | Ano 14 | Número 3350 | R$ 5,00 Enxerto Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 26/9/2013 (22:29) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW www.valor.com.br Um sucessor para o chip de silício nos PCs Robert Lee Hotz The Wall Street Journal Num grande passo para um futuro dos aparelhos eletrônicos menores, mais rá- pidos e mais poderosos, pesquisadores da Universidade de Stanford apresenta- ram o primeiro computador funcional inteiramente fabricado com transistores de nanotubos de carbono. Os cilindros inteiriços de carbono ul- trapuro estão entre os materiais exóticos pesquisados, agora que os desenvolve- dores de eletrônicos estão chegando no limite da capacidade dos transistores de silício convencionais. A invenção prova que os transistores de carbono podem ser usados num computador. Página B7 Como ser sócio de Buffett sem gastar muito Luciana Seabra De São Paulo Ser sócio do megainvestidor Warren Buffett parece uma proposta atraente. A XP lançou um fundo de capital protegi- do que vai investir em ações do Berkshire Hathaway, conglomerado de Buffett. Es- sa é uma das opções que surgiram para investidores de bolsos menos recheados que querem aplicar no exterior. Pela regulamentação brasileira, os fundos que investem 100% do patrimô- nio em ativos no exterior exigem aplica- ção mínima de R$ 1 milhão. Alguns ges- tores têm usado instrumentos para, a partir do Brasil, ampliar a exposição fora sem limitar o acesso do investidor. Com o bom desempenho da econo- mia americana, há uma grande de- manda dos clientes por produtos inter- nacionais mais sofisticados, diz Ber- nardo Ferreira, da XP Gestão. Para ele, os fundos de capital protegido são uma forma de educar o investidor a diversi- ficar o portfólio. Página D2 A estrada que desaparece no coração da Amazônia André Borges De Porto Velho (RO), Humaitá, Manicoré e Manaus (AM) Concluída em 1973, a BR-319, aberta para ligar Manaus a Porto Velho, é hoje símbolo da dificuldade que o país en- frenta para colocar em prática um pla- no efetivo de desenvolvimento susten- tável, expressão usada para carimbar qualquer projeto na Amazônia. Nos primeiros anos de operação, a es- trada era plenamente transitável. Carros percorriam seus 877 quilômetros sem problemas, havia linhas regulares de ôni- bus. Essa fase, porém, durou pouco. A ro- dovia entrou em processo de decomposi- ção e, apenas 15 anos depois de sua cons- trução, se tornou intransitável. Para cerca de 500 mil pessoas que vi- vem na área de influência da BR-319 e pa- ra as populações de Porto Velho e Ma- naus, o que está em discussão é o direito de ir e vir. Hoje, só é possível sair de Ma- naus por barco ou avião, uma limitação logística que também afeta o Estado de Roraima, que só tem estrada (BR-174) para chegar até a capital do Amazonas. Ambientalistas afirmam que o plano de repavimentação é um erro que precisa ser evitado. A estrada teria perdido sua razão de existir e, portanto, deve ser en- golida pela floresta. Página A16 Após espionagem, Dilma adia decisão sobre caças Daniel Rittner e Leandra Peres De Brasília A não ser que haja uma reviravolta na atitude do governo americano em rela- ção ao escândalo de espionagem eletrô- nica, a presidente Dilma Rousseff está praticamente convencida a adiar para 2015 a compra de novos caças para a For- ça Aérea (FAB), deixando o capítulo final da novela em torno do projeto FX-2 para um eventual segundo mandato. A decisão em favor da americana Boeing estava perto de ser tomada, se- gundo auxiliares diretos da presidente. Mesmo com as manifestações de junho e as dificuldades orçamentárias, Dilma estava disposta a fechar negócio para adquirir um lote inicial de 36 caças F-18 Super Hornet, avaliado em pelo menos US$ 5 bilhões. A revelação de que ela teria sido alvo direto de espionagem pela Agência Nacional de Segurança (NSA) americana mudou completamente o hu- mor de Dilma, que confidenciou a asses- sores sua intenção de não assinar ne- nhum contrato nos próximos meses. Nas palavras de um auxiliar, se o pre- sidente Barack Obama “tivesse entre- gado uma pasta com todas as escutas e e-mails interceptados” de Dilma e da Petrobras, teria sido mantida a visita de Estado a Washington e havia possibili- dades reais de levar adiante o negócio. Só uma mudança radical de postura da Casa Branca será capaz de reabrir logo OGX não deve pagar cupom de bônus Vinícius Pinheiro e Talita Moreira De São Paulo A petroleira OGX, do empresário Ei- ke Batista, não deverá realizar o paga- mento da remuneração (cupom) aos detentores de bônus da companhia, previsto para 1 o de outubro, no valor de US$ 45 milhões. Os sinais do calote iminente vêm da informação, apurada pelo Valor , de que a companhia não pagou os juros de uma emissão de debêntures que venciam ontem. As duas operações estão vinculadas porque as debêntures foram a forma encontrada pela companhia para tra- zer recursos do exterior. Procurada, a OGX informou que não iria comen- tar o assunto. Página C11 Para o McDonald’s, acabou o mito de que só vale a pena abrir restaurantes em cidades com mais de 200 mil habitantes, diz Dorival Oliveira. Essa estratégia está ajudando a rede a crescer. Página B6 ANA PAULA PAIVA/VALOR Para IIF, atuação no câmbio é insuficiente para Brasil enfrentar política do Fed C1 Crédito imobiliário atrai instituições de pequeno porte C12 Ideias Indicadores Caio Megale O novo equilíbrio para o qual ruma a econo- mia brasileira é positivo e provavelmente mais balanceado que o anterior. A13 Reflexos na cadeia do petróleo As dificuldades de caixa enfrentadas pela Petrobras fizeram minguar as en- comendas para os fabricantes nacio- nais de máquinas e equipamentos des- tinados ao setor de óleo e gás. B1 Iniciativa ainda incomum no mundo corporativo, tanto pelo alto investimen- to quanto pela dificuldade de abrir mão de profissionais durante certo tempo, ganha força o envio de executivos, como Cristiana Brito, da SAP, para períodos sa- báticos no exterior com viés social. D3 Glauco José Côrte O carvão mineral é estratégico para as ambições do país. Só precisa deixar de ser tratado com preconceito. A12 Rússia amplia embargo às carnes A partir de outubro, a Rússia vai incluir mais dez frigoríficos na lista de restri- ções temporárias às exportações, devido ao descumprimento de normas sanitá- rias. As empresas afetadas são JBS, Mi- nerva, Marfrig e Pamplona. B14 Estatal finaliza venda de ativos no país A Petrobras deu por encerrada a venda de ativos no país e agora deve voltar seus es- forços novamente para a alienação de projetos no exterior. Mas as refinarias de Pasadena e Okinawa serão mantidas. B1 Cooperativas investem em armazéns Incentivadas pela nova linha de R$ 5 bi- lhões disponibilizada pelo Plano Safra 2013/14 para investimento em armaze- nagem, cooperativas agrícolas para- naenses lideram os pedidos de crédito e devem investir R$ 800 milhões. B14 Dúvidas na exploração de gás Exigência de conteúdo local, questões ambientais e regras para exploração ain- da causam dúvidas em potenciais investi- dores no leilão da ANP para áreas de gás natural, marcado para novembro. B4 Invasão chinesa em Bordeaux Depois de avançarem com grande ímpeto sobre os principais rótulos bordaleses, in- clusive “en primeur”, os investidores chi- neses passaram a adquirir propriedades na região. O foco tem sido “châteaux” se- cundários, mas que incluam castelos. D4 Aprimoramento de lideranças Aviso em penhora on-line Superior Tribunal de Justiça vai definir, em recurso repetitivo, se a empresa e os sócios apontados como responsáveis por dívidas fiscais precisam ser avisados sobre a cobrança antes de terem as contas ban- cárias bloqueadas em penhora on-line. E1 a última janela para um acordo com a Boeing. Mas a chance de avanços em 2014 é “zero”, porque “não se anuncia compra de caças em ano eleitoral”, se- gundo fontes do Palácio do Planalto. Com isso, a decisão fica para 2015. O novo cenário do FX-2, porém, não faz a balança pender para o lado dos franceses. Dilma recebeu a informação de que o governo indiano, após acordo para adquirir até 126 caças Rafale em dez anos, enfrenta dificuldades na absorção de tecnologia pela Dassault. O Planalto recebeu relatos de que já houve um mal- estar pelo mesmo motivo entre a france- sa DCNS e a Marinha no contrato para a construção de quatro submarinos de propulsão convencional. Página A4 Seguro de vida é mal-entendido Mercado de seguros de vida cresce cerca de 10% ao ano, impulsionado pelo au- mento do emprego formal, da renda e de sua inclusão em acordos coletivos, mas apesar da expansão o produto ain- da é mal compreendido pela maioria. D1 Justiça bloqueia bens de OAS e GRU OAS e GRU Airport, concessionária de Guarulhos controlada pela Invepar, têm R$ 30 milhões em bens bloqueados para garantir obrigações trabalhistas decor- rentes das obras no aeroporto. B2 Em busca dos rincões “Supercapitalizada”, Nova Opersan mira mais aquisições, diz Sérgio Werneck B2 Destaques Bovespa (25/09/13) -0,31 % R$ 5,5 bi Dólar comercial Mercado 2,2280/2,2300 (25/09/13) BC 2,2218/2,2224 Dólar turismo São Paulo 2,1400/2,3400 (25/09/13) Rio 2,2000/2,3400 Euro Reais/Euro (BC) 3,0072/3,0082 (25/09/13) US$/Euro (BC) 1,3535/1,3536 ‘Diluição’ na Telco pode ser saída para TIM Daniele Madureira e Ivone Santana De São Paulo Ao afirmar ontem, durante depoi- mento a um comitê parlamentar de seu país, que a Telecom Italia tem duas alternativas: vender todos os ativos la- tino-americanos ou uma capitaliza- ção, o presidente-executivo da empre- sa, Franco Barnabè, provocou mais agitação nos mercados. Segundo uma alta fonte da operado- ra no Brasil, a Telecom Italia não tem in- tenção de vender a TIM. O objetivo, ao contrário, seria atrair novos investido- res estrangeiros para diminuir a dívida da matriz e, ao mesmo tempo, diluir a participação da Telco na companhia italiana, o que resolveria o problema do aumento da concentração nos merca- dos onde a Telefónica e controladas da Telecom Italia atuam, como no Brasil. Entre os potenciais investidores que conversam com a Telecom Italia estão o egípcio Naguib Sawiris e a chinesa Hut- chison Whampoa. Página B9

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Page 1: Após espionagem, Dilma - philip.inpa.gov.brphilip.inpa.gov.br/publ_livres/Press/2013/Especial BR-319-Valor... · A14 | Valor | Quinta-feira, 26 de setembro de 201 3 Enxerto Jornal

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Quinta-feira, 26 de setembro de 2013 | Ano 14 | Número 3350 | R$ 5,00

Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 26/9/2013 (22:29) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

www.va l o r. c o m . b r

Um sucessor para o chip de silício nos PCsRobert Lee HotzThe Wall Street Journal

Num grande passo para um futuro dosaparelhos eletrônicos menores, mais rá-pidos e mais poderosos, pesquisadores

da Universidade de Stanford apresenta-ram o primeiro computador funcionalinteiramente fabricado com transistoresde nanotubos de carbono.

Os cilindros inteiriços de carbono ul-trapuro estão entre os materiais exóticos

pesquisados, agora que os desenvolve-dores de eletrônicos estão chegando nolimite da capacidade dos transistores desilício convencionais. A invenção provaque os transistores de carbono podemser usados num computador. Página B7

Como ser sóciode Buffett semgastar muitoLuciana SeabraDe São Paulo

Ser sócio do megainvestidor WarrenBuffett parece uma proposta atraente. AXP lançou um fundo de capital protegi-do que vai investir em ações do BerkshireHathaway, conglomerado de Buffett. Es-sa é uma das opções que surgiram parainvestidores de bolsos menos recheadosque querem aplicar no exterior.

Pela regulamentação brasileira, osfundos que investem 100% do patrimô-nio em ativos no exterior exigem aplica-ção mínima de R$ 1 milhão. Alguns ges-tores têm usado instrumentos para, apartir do Brasil, ampliar a exposição forasem limitar o acesso do investidor.

Com o bom desempenho da econo-mia americana, há uma grande de-manda dos clientes por produtos inter-nacionais mais sofisticados, diz Ber-nardo Ferreira, da XP Gestão. Para ele,os fundos de capital protegido são umaforma de educar o investidor a diversi-ficar o portfólio. Página D2

A estrada quedesapareceno coraçãoda AmazôniaAndré BorgesDe Porto Velho (RO), Humaitá, Manicoré eManaus (AM)

Concluída em 1973, a BR-319, abertapara ligar Manaus a Porto Velho, é hojesímbolo da dificuldade que o país en-frenta para colocar em prática um pla-no efetivo de desenvolvimento susten-tável, expressão usada para carimbarqualquer projeto na Amazônia.

Nos primeiros anos de operação, a es-trada era plenamente transitável. Carrospercorriam seus 877 quilômetros semproblemas, havia linhas regulares de ôni-bus. Essa fase, porém, durou pouco. A ro-dovia entrou em processo de decomposi-ção e, apenas 15 anos depois de sua cons-trução, se tornou intransitável.

Para cerca de 500 mil pessoas que vi-vem na área de influência da BR-319 e pa-ra as populações de Porto Velho e Ma-naus, o que está em discussão é o direitode ir e vir. Hoje, só é possível sair de Ma-naus por barco ou avião, uma limitaçãologística que também afeta o Estado deRoraima, que só tem estrada (BR-174)para chegar até a capital do Amazonas.Ambientalistas afirmam que o plano derepavimentação é um erro que precisaser evitado. A estrada teria perdido suarazão de existir e, portanto, deve ser en-golida pela floresta. Página A16

Após espionagem, Dilmaadia decisão sobre caçasDaniel Rittner e Leandra PeresDe Brasília

A não ser que haja uma reviravolta naatitude do governo americano em rela-ção ao escândalo de espionagem eletrô-nica, a presidente Dilma Rousseff estápraticamente convencida a adiar para2015 a compra de novos caças para a For-ça Aérea (FAB), deixando o capítulo finalda novela em torno do projeto FX-2 paraum eventual segundo mandato.

A decisão em favor da americanaBoeing estava perto de ser tomada, se-gundo auxiliares diretos da presidente.Mesmo com as manifestações de junho eas dificuldades orçamentárias, Dilmaestava disposta a fechar negócio para

adquirir um lote inicial de 36 caças F-18Super Hornet, avaliado em pelo menosUS$ 5 bilhões. A revelação de que ela teriasido alvo direto de espionagem pelaAgência Nacional de Segurança (NSA)americana mudou completamente o hu-mor de Dilma, que confidenciou a asses-sores sua intenção de não assinar ne-nhum contrato nos próximos meses.

Nas palavras de um auxiliar, se o pre-sidente Barack Obama “tivesse entre-gado uma pasta com todas as escutas ee-mails interceptados” de Dilma e daPetrobras, teria sido mantida a visita deEstado a Washington e havia possibili-dades reais de levar adiante o negócio.Só uma mudança radical de postura daCasa Branca será capaz de reabrir logo

OGX não devepagar cupomde bônusVinícius Pinheiro e Talita MoreiraDe São Paulo

A petroleira OGX, do empresário Ei-ke Batista, não deverá realizar o paga-mento da remuneração (cupom) aosdetentores de bônus da companhia,previsto para 1o de outubro, no valorde US$ 45 milhões. Os sinais do caloteiminente vêm da informação, apuradapelo Va l o r , de que a companhianão pagou os juros de uma emissãode debêntures que venciam ontem.As duas operações estão vinculadasporque as debêntures foram a formaencontrada pela companhia para tra-zer recursos do exterior. Procurada,a OGX informou que não iria comen-tar o assunto. Página C11

Para o McDonald’s, acabou o mito de que só vale a pena abrir restaurantes em cidades com mais de200 mil habitantes, diz Dorival Oliveira. Essa estratégia está ajudando a rede a crescer. Página B6

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Para IIF, atuação nocâmbio é insuficientepara Brasil enfrentarpolítica do Fed C1Crédito imobiliárioatrai instituições depequeno porte C12

Id e i a s

I n d i c a d o re s

Caio MegaleO novo equilíbrio para o qual ruma a econo-mia brasileira é positivo e provavelmentemais balanceado que o anterior. A13

Reflexos na cadeia do petróleoAs dificuldades de caixa enfrentadaspela Petrobras fizeram minguar as en-comendas para os fabricantes nacio-nais de máquinas e equipamentos des-tinados ao setor de óleo e gás. B1

Iniciativa ainda incomum no mundocorporativo, tanto pelo alto investimen-to quanto pela dificuldade de abrir mãode profissionais durante certo tempo,ganha força o envio de executivos, comoCristiana Brito, da SAP, para períodos sa-báticos no exterior com viés social. D3

Glauco José CôrteO carvão mineral é estratégico para asambições do país. Só precisa deixar deser tratado com preconceito. A12

Rússia amplia embargo às carnesA partir de outubro, a Rússia vai incluirmais dez frigoríficos na lista de restri-ções temporárias às exportações, devidoao descumprimento de normas sanitá-rias. As empresas afetadas são JBS, Mi-nerva, Marfrig e Pamplona. B 14

Estatal finaliza venda de ativos no paísA Petrobras deu por encerrada a venda deativos no país e agora deve voltar seus es-forços novamente para a alienação deprojetos no exterior. Mas as refinarias dePasadena e Okinawa serão mantidas. B1

Cooperativas investem em armazénsIncentivadas pela nova linha de R$ 5 bi-lhões disponibilizada pelo Plano Safra2013/14 para investimento em armaze-nagem, cooperativas agrícolas para-naenses lideram os pedidos de crédito edevem investir R$ 800 milhões. B 14

Dúvidas na exploração de gásExigência de conteúdo local, questõesambientais e regras para exploração ain-da causam dúvidas em potenciais investi-dores no leilão da ANP para áreas de gásnatural, marcado para novembro. B4

Invasão chinesa em BordeauxDepois de avançarem com grande ímpetosobre os principais rótulos bordaleses, in-clusive “en primeur”, os investidores chi-neses passaram a adquirir propriedadesna região. O foco tem sido “châteaux ” se -cundários, mas que incluam castelos. D4

Aprimoramento de lideranças

Aviso em penhora on-lineSuperior Tribunal de Justiça vai definir,em recurso repetitivo, se a empresa e ossócios apontados como responsáveis pordívidas fiscais precisam ser avisados sobrea cobrança antes de terem as contas ban-cárias bloqueadas em penhora on-line. E1

a última janela para um acordo com aBoeing. Mas a chance de avanços em2014 é “z e r o”, porque “não se anunciacompra de caças em ano eleitoral”, se-gundo fontes do Palácio do Planalto.Com isso, a decisão fica para 2015.

O novo cenário do FX-2, porém, nãofaz a balança pender para o lado dosfranceses. Dilma recebeu a informaçãode que o governo indiano, após acordopara adquirir até 126 caças Rafale em dezanos, enfrenta dificuldades na absorçãode tecnologia pela Dassault. O Planaltorecebeu relatos de que já houve um mal-estar pelo mesmo motivo entre a france-sa DCNS e a Marinha no contrato para aconstrução de quatro submarinos depropulsão convencional. Página A4

Seguro de vida é mal-entendidoMercado de seguros de vida cresce cercade 10% ao ano, impulsionado pelo au-mento do emprego formal, da renda ede sua inclusão em acordos coletivos,mas apesar da expansão o produto ain-da é mal compreendido pela maioria. D1

Justiça bloqueia bens de OAS e GRUOAS e GRU Airport, concessionária deGuarulhos controlada pela Invepar, têmR$ 30 milhões em bens bloqueados paragarantir obrigações trabalhistas decor-rentes das obras no aeroporto. B2

Em busca dos rincões

“S u p e rc a p i t a l i z a d a ”,Nova Opersan mira maisaquisições, dizSérgio WerneckB2

D e st a q u e s

B ove s p a ( 2 5 / 0 9/ 1 3 ) -0,31 % R$ 5,5 bi

Dólar comercial M e rc a d o 2 , 22 8 0 /2 , 23 0 0

( 2 5 / 0 9/ 1 3 ) BC 2 , 22 1 8 /2 , 2224

Dólar turismo São Paulo 2 , 14 0 0 /2 , 3 4 0 0

( 2 5 / 0 9/ 1 3 ) Rio 2 , 20 0 0 /2 , 3 4 0 0

Eu ro Reais/Euro (BC) 3, 0 072 /3, 0 0 8 2

( 2 5 / 0 9/ 1 3 ) US$/Euro (BC) 1,3535/1,3536

‘D i l u i ç ã o’ naTelco pode sersaída para TIMDaniele Madureira e Ivone SantanaDe São Paulo

Ao afirmar ontem, durante depoi-mento a um comitê parlamentar deseu país, que a Telecom Italia tem duasalternativas: vender todos os ativos la-tino-americanos ou uma capitaliza-ção, o presidente-executivo da empre-sa, Franco Barnabè, provocou maisagitação nos mercados.

Segundo uma alta fonte da operado-ra no Brasil, a Telecom Italia não tem in-tenção de vender a TIM. O objetivo, aocontrário, seria atrair novos investido-res estrangeiros para diminuir a dívidada matriz e, ao mesmo tempo, diluir aparticipação da Telco na companhiaitaliana, o que resolveria o problema doaumento da concentração nos merca-dos onde a Telefónica e controladas daTelecom Italia atuam, como no Brasil.

Entre os potenciais investidores queconversam com a Telecom Italia estão oegípcio Naguib Sawiris e a chinesa Hut-chison Whampoa. Página B9

Page 2: Após espionagem, Dilma - philip.inpa.gov.brphilip.inpa.gov.br/publ_livres/Press/2013/Especial BR-319-Valor... · A14 | Valor | Quinta-feira, 26 de setembro de 201 3 Enxerto Jornal

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A14 | Valor | Quinta-feira, 26 de setembro de 20 1 3

Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 26/9/2013 (20:31) - Página 14- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Es p e c i a l

I n f ra e st r u t u ra Sem manutenção, trecho central da estrada que liga Manaus a Porto Velho foi invadido pela mata

BR-319, a rodovia fantasma da AmazôniaRUY BARON/VALOR

João Joventino Cordeiro, junto à BR-319, cujos 877 km já foram totalmente asfaltados: “Pouca gente passa por aqui”

André BorgesDe Porto Velho (RO), Humaitá,Manicoré e Manaus (AM)

Com um candieiro na mão,João Joventino Cordeiro aparecena beira da estrada. É noite naAmazônia. Outra vez, faltou luzna região e não há previsão dequando ela voltará. A trilha daBR-319 é um breu só. Joventinoabre as portas de sua casa demadeira para abrigar a reporta-gem do Va l o r . Cobra R$ 10 peladiária. O banho é no rio. Isoladona floresta, ele está feliz em rece-ber os hóspedes. “Não é toda ho-ra que alguém aparece por essasbandas”, diz. Num passado re-moto, a situação já foi bem dife-rente, uma época em que a BR-319 ainda não alimentava a fa-ma de rodovia fantasma.

Concluída em 1973, a BR-319rasgou o coração da Amazônia há40 anos com o propósito de ligaras cidades de Manaus (AM) e PortoVelho (RO) e, dessa forma, acabarcom o isolamento rodoviário doEstado do Amazonas. Nos primei-ros anos de operação, foi plena-mente transitável. Carros de pas-seio cruzavam seus 877 quilôme-tros em viagens de 10h, 12h. Havialinhas regulares de ônibus queoperavam entre as capitais doAmazonas e Rondônia. Duroupouco. Nos anos seguintes, a rodo-via entrou em um processo semvolta de decomposição total. Em1988, 15 anos depois de concluída,já era considerada intransitável.

Hoje, a BR-319 expõe a dificul-dade que o país tem enfrentadopara colocar em prática um pla-no efetivo de desenvolvimentosustentável, expressão usada pa-

ra carimbar qualquer projetoque se assente sobre a Amazônia,mas que, no caso da BR-319, nãose converteu em resultado efeti-vo. O futuro dessa rodovia — e,consequentemente, de boa parteda Amazônia — está em xeque, epor isso se transformou em moti-vo de discórdia e indignação.

Para cerca de 500 mil pessoasque vivem nos 14 municípios lo-calizados na área de influênciada BR-319, e também para em-presários, políticos e a populaçãode Porto Velho e Manaus, que so-mam mais 2,5 milhões de pes-soas, o que está em discussão éuma dívida social e o direito de ire vir. Hoje, só é possível sair deManaus por barco ou avião, umalimitação logística que tambémafeta o Estado de Roraima, que sótem estrada (BR-174) para che-gar até a capital do Amazonas.

Ambientalistas, no entanto,afirmam que o plano de repavi-mentação é um erro que precisaser definitivamente enterrado.Com o passar dos anos, a estradateria perdido completamente suarazão de existir e, portanto, deveser engolida de vez pela floresta.

Para checar a real situação da ro-dovia, a reportagem do Va l o r cru -zou toda a extensão da BR-319. Fo-ram três dias de viagem, em umapicape, para percorrer todo o tra-çado. Nos primeiros 200 km, a par-tir de Porto Velho, não há compli-cações. O asfalto está bem conser-vado. Chega-se com tranquilidadeaté Humaitá, cidade de 50 mil ha-bitantes, já no Amazonas. No ou-tro extremo da rodovia, nas proxi-midades de Manaus, cerca de 250km de estrada também seguemem boas condições até alcançar a

capital, no ponto de encontro dosrios Negro e Solimões, que for-mam o Amazonas. A complicaçãoestá no miolo da estrada.

Sem qualquer manutenção, otrecho central da rodovia, um tra-çado de 405 km, foi totalmenteinvadido pela mata. O clima úmi-do e as chuvas ajudaram a trans-formar a camada fina do asfaltoem um farelo escuro e pedras quese misturaram ao barro. Craterassurgiram por todos os lados, pon-tes apodreceram. De rodovia fe-deral, a BR-319 se converteu emrota proibida, destino procuradoapenas por alguns poucos jipei-ros e motoqueiros dispostos a searriscar no meio da mata.

“Já tivemos uma rodovia. Hoje oque existe é uma lacuna entre as ci-dades e a população. Não temossequer uma linha de ônibus. Pro-meteram que a estrada seria re-construída até a Copa. Nada acon-teceu”, afirma Sávio Barbosa, secre-tário-executivo de Humaitá.

Toda discussão em torno da re-

pavimentação da estrada passa pe-lo risco de expansão do desmata-mento, além de uma possível imi-gração descontrolada para a Ama-zônia Central. O efeito imediato doretorno do asfalto, diz o pesquisa-dor do Instituto Nacional de Pes-quisas da Amazônia (Inpa), PhilipFearnside, especialista na região,seria o avanço da grilagem de ter-ras e a devastação da mata. O histó-rico de outras rodovias, afirma ele,já ensinou essa lição.

“É o que acontece sempre. Foi oque vimos, por exemplo, em boaparte do trecho asfaltado da BR-163, no Mato Grosso”, diz Fearnsi-de. A Cuiabá-Santarém, como é co-nhecida a BR-163, foi o que ajudoua deflagrar um processo conheci-do como “espinha de peixe”, noqual a estrada serve de via princi-pal para abertura de uma sequên-cia de picadas mata adentro, paraextração ilegal de madeira.

O governo afirma que o efeitoda pavimentação seria exatamenteo oposto, porque permitiria a ação

mais efetiva da fiscalização em to-da a rodovia, inibindo a ação demadeireiros e ocupações irregula-res. O renascimento da estradapermitiria ainda minimizar passi-vos ambientais que foram causa-dos durante sua construção, entre1968 e 1973. “São teorias que nãose sustentam”, diz Fearnside.

A estrada que hoje não passa deuma cicatriz no meio da Amazôniajá ostentou a imagem de ícone dedesenvolvimento, no período dogoverno militar conhecido como“milagre econômico”. Sua históriacruza com as de outras rodoviasque se espalharam pela regiãoNorte. No início da década de 70,nascia a Transamazônica (BR-230)para cortar a Amazônia de leste aoeste e chegar ao litoral do país. Apartir do Mato Grosso, avançavarumo ao Norte a rodovia Cuiabá-Santarém, alcançando o Pará. Umtratamento especial, no entanto,estava reservado para BR-319.

O plano dos militares previa quetodas as rodovias abertas na região

seriam inicialmente construídasapenas como estradas de terra. De-veriam permanecer assim duranteanos, até que o crescimento do trá-fego viesse a justificar a necessida-de da pavimentação. Decidiu-se,porém, que na BR-319 seria dife-rente. A estrada não precisaria es-perar tanto. Imediatamente após aabertura na mata, preparava-se otrecho e lançava-se o asfalto. A obs-tinação em pavimentar a rodoviaera tanta que, para que as obrasnão parassem em nenhum mo-mento, seguindo adiante mesmodurante a estação chuvosa, foramusadas lonas de plástico para pro-teger o asfalto ainda fresco.

Tanta determinação em entre-gar a estrada pavimentada se pres-tava como um tipo de compensa-ção ao Estado do Amazonas, porconta de outros investimentos pe-sados que os militares já tinhamdestinado ao Estado vizinho. O Pa-rá, além de ser dono do maior tre-cho da Transamazônica e de seusprojetos de colonização, ganhavauma linha direta com o Mato Gros-so, com a abertura da BR-163.

Belém também havia ficadocom a sede da Superintendênciado Desenvolvimento da Amazônia(Sudam), atraindo projetos pecuá-rios para a região. A pavimentaçãoda BR-319, portanto, foi defendidacomo peça fundamental para Ma-naus, que também passaria a se-diar a Zona Franca. Hoje, tudo oque é produzido na Zona Franca éescoado por via aérea ou pelo rioAmazonas, até chegar a Belém. Apartir dali, segue de caminhão pe-las rodovias do país.

Em Manaus, na plataforma dabalsa que faz a travessia dos riosNegro e Solimões, início daBR-319, uma faixa foi penduradapara registrar o protesto contra oisolamento rodoviário da região.“Chega de ficarmos restritos aonosso Estado. Queremos ganhar oresto do país. BR-319 já”.

Em sua casa na beira da rodo-via, em Manicoré, João Joventinodiz que já não aguarda mais o re-torno da pavimentação. “O povodaqui foi esquecido, vai morreresperando esse asfalto”, diz. “Agente vai virando fantasma tam-b é m .” (Colaborou Ruy Baron)

Veja amanhã a segunda parte dareportagem sobre a BR-319Fonte: Inpa, Eia/Rima

Onde ficaA BR-319 liga Porto Velho a Manaus

Manaus

BR-319

Rodovia Transamazônica

877 kmde extensão

AM

Porto Velho

RR

PA

Altamira

AC

RO

MS

Humaitá

Construçãoda rodoviaEntre 1968 e 1973

Período transitávelAté 1988

Área deinfluência16 municípios

População atingida3 milhões de pessoas

RUY BARON/VALOR

Osmar Oliveira, em Realidade: sonho era uma pousada para esperar o asfalto

RUY BARON/VALOR

A pousada em construção: “Logo terei material para erguer outros quartos”

À noite, apesar dos buracos,trecho vira corredor para otransporte ilegal de madeiraDe Humaitá, Realidade, CareiroCastanho e Manicoré (AM)

Basta anoitecer. Um atrás do ou-tro, caminhões abarrotados detroncos de madeira surgem na viaesburacada da BR-319. Passamlentos, de frente para as casas da vi-la Realidade. Motoristas mais ex-perientes abrem mão dos faróis eseguem pela estrada orientadospela luz da lua. A operação discretaé a prova de que, com ou sem pavi-mentação, a BR-319 já se converteuem um corredor promissor para aação de madeireiros.

No curso da estrada, clareirascontinuam a ser abertas na mata,com dezenas de toras esparra-madas pelo caminho, à espera dereboque. Queimadas tambémocorrem em diversos trechos dafloresta, ao longo dos 405 km darodovia que estão em condiçõesabsolutamente precárias. No en-torno da vila Realidade, a 100 kmde Humaitá, quatro madeireirasestão em plena atividade. A der-rubada de árvores é uma dasprincipais atividades para o po-voado isolado no meio da flores-ta. Para os padrões da região, éum trabalho de boa remunera-ção. Um madeireiro tem recebi-do cerca de R$ 1,8 mil por mês.

O Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos Natu-rais Renováveis (Ibama) já che-gou a fechar algumas madeirei-ras que atuavam irregularmentena região. Em abril do ano passa-do, foram apreendidos pelo insti-tuto 3 mil metros cúbicos de ma-deira extraída ilegalmente entreos municípios cortados pela BR-319 e a Transamazônica (BR-230),

rodovia que cruza a estrada PortoVelho-Manaus em Humaitá.

A preocupação ambiental éconter o avanço dos madeireirosem uma região que ainda não foitão atingida pelo “arco de desma-t a m e n t o”, área localizada ao longodas margens sul e leste da florestaamazônica, onde estão os focosmaiores de derrubada das árvores.Desde fevereiro, o Ibama realiza aOperação Onda Verde, com oapoio do Exército, no combate acrimes ambientais no norte do Ma-to Grosso e sul do Amazonas. Noprimeiro semestre do ano, o órgãoemitiu R$ 242 milhões em multas,com quase 500 autos de infraçõesambientais. Cerca de 55 mil hecta-res da floresta foram embargados.

Entre junho e agosto deste ano,aponta o Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais (INPE), o total dasáreas desmatadas ou degradadasna Amazônia chegou a 716 km2.Os dados são obtidos pelo Sistemade Detecção do Desmatamentoem Tempo Real (Deter), que ajudaa orientar a fiscalização na Amazô-nia Legal, área que corresponde a60% do território nacional e queenvolve nove Estados.

Com previsão de durar até o fimdo ano, a Operação Onda Verdeenviou fiscais ambientais para onorte de Rondônia, na região dePorto Velho, e para o sul do Ama-zonas, na área de Humaitá, ondepassa o eixo da Transamazônica.Nesse trecho de 200 km de exten-são, onde a BR-319 ainda é transi-tável, há concentração de alertasde desmatamento e de degrada-ção, por conta de pressão agrope-cuária, grilagem de terra e assenta-mentos irregulares. (AB)

À beira da estrada e fora dosmapas , Realidade sobreviveao abandono e ainda cresceDe Realidade (AM)

Não se chega facilmente aRealidade. É um caminho difícil,seu endereço não está nos mapasoficiais. O retrato mais bemacabado do abandono e dacompleta ausência do poderpúblico ao longo da BR-319 estálocalizado a 300 km de PortoVelho. Erguida no meio dafloresta, já dentro do Estado doAmazonas, a vila Realidade expõeas consequências da anarquiafundiária que ainda reina em boaparte do Norte do país.

Há quatro anos, a reportagemdo Va l o r visitou a região.Realidade era um amontoado depoucas casas, um assentamentode trabalhadores sem-terra quecomeçava a se formar. De lá paracá, a situação da BR-319 sópiorou, mas a vila parece teignorado as dificuldades.Realidade, que está dentro doterritório de Humaitá, tem hojecerca de 1,5 mil casas e mais de 3mil habitantes, todos vivendoem situação irregular. Aindaassim, a vila ganhou suaprimeira escola em 2007, ondehoje estudam 350 crianças. Umônibus velho e enferrujadopercorre as ruas mais afastadas,num raio de até 15 km, parabuscar os alunos. O posto desaúde chegou em 2010. Na saídada vila, um pequeno posto decombustível também foiinstalado. De resto, tudo éprecário. Não há policiamento,internet ou telefonia celular.Quatro orelhões funcionamprecariamente. A energia caiquase toda semana e, não

raramente, leva dias para serreligada. Durante a reportagem,Realidade ficou no escuro.

“Está vendo? É assim o tempotodo. Dizem que a luz é paratodos, mas para gente, é só de vezem quando”, diz Osmar Oliveira,que trabalha com o que pode paratentar erguer alguns quartos emseu quintal. Quatro anos atrás,Oliveira falou ao Valor. À época,dava início ao sonho de montaruma pousada, para quando oasfalto chegar. Apaixonado pormúsica e saxofone, diz que temtocado pouco o instrumento. Otrabalho é duro. Em Humaitá, a100 km da vila, Oliveira conseguiucomprar alguns sacos de cimento,que chegaram de caminhão. Areiae blocos, porém, já são maisdifíceis, por conta do preço dofrete. O jeito é improvisar. A areia éretirada do igaparé mais próximo.Os blocos de concreto sãofabricados ali mesmo, numamáquina velha adquirida nacidade, e colocados para secar noquintal. “Faço uns 200 blocos pordia. Logo vou ter material paraerguer outros quartos”, diz ele.

Aos poucos, Realidade avança.Recentemente, a prefeitura deHumaitá enviou algunscomputadores para que umlaboratório de informática sejamontado na escola. O problema éque a rede de energia da vila nãosuporta as máquinas ligadas. “Se agente ligar, derruba a luz da vilat o d a”, diz Domingos SávioCoutinho, professor e diretor daescola. “Essa é a nossa situação. Ogoverno precisa olhar paraRealidade, para ver como é a que avida funciona aqui”, diz.

Outros povoados sobrevivem àbeira da BR-319, como a vila SãoSebastião, onde ainda funcionauma balsa para a travessia do rioGuapiaçu. “O povo já perdeu aesperança de que esse asfalto vaivoltar, mas nossa vila vaic r e s c e n d o”, diz Raimundo Pereirados Santos, há 33 anos na região.

No inverno amazônico, entre osmeses de dezembro e maio, a

situação se complica de vez naregião. É o período das chuvas,que transforma a rodovia numlamaçal a perder de vista, entrecrateras e pedregulhos de asfalto.Em janeiro e fevereiro deste ano,os moradores da vila Realidadeficaram completamente ilhados.O jeito foi aguardar um caminhãode maior porte que conseguissevencer a estrada. (AB)

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Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 27/9/2013 (22:33) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Sexta-feira e fim de semana, 27, 28 e 29 de setembro de 2013 | Ano 14 | Número 3351 | R$ 5,00www.va l o r. c o m . b r

Combust íveisvão subir 5%até o fim do anoRodrigo Polito e Claudia SafatleDo Rio e de Brasília

O governo deve aprovar um reajustede 5% para os preços da gasolina edo diesel até o fim do ano, segundouma fonte ligada ao Planalto. Existeespaço em outubro para aplicar acorreção de preços, devido à estabili-dade recente da taxa de câmbio ea uma “certa folga” no IPCA.

Os dados de inflação sugerem que oBanco Central ainda tem uma pequena“g o r d u r a” para acomodar um reajustedos combustíveis na variação do IPCAdeste ano. Desde janeiro, a ata do Co-pom considera que “a projeção de rea-juste no preço da gasolina se situa emtorno de 5%, para o acumulado de2013”. De lá para cá, o aumento da ga-solina na bomba foi de 2,5%. Página A3

Gerdau buscadiversif icaçãoe ganhosde gestãoIvo RibeiroDe São Paulo

A receita do grupo Gerdau para en-frentar o excesso na oferta de aço nomundo, com todas as consequênciasadversas decorrentes disso, está dada:maior diversificação e ganhos na admi-nistração das empresas. “Hoje, nossofoco envolve aços planos, com projetosno Brasil, investimento em minério deferro, ampliação do negócio de aços es-peciais no Brasil e EUA e entrada na Ín-dia, e gestão para ter ganhos de eficiên-c i a”, diz André Johannpeter Gerdau, àfrente do grupo há quase sete anos.

Em 2013, a empresa fez a fusão daGerdau Aços Longos no país com aAçominas, criando a Gerdau Aços Bra-sil. Os ganhos são significativos, apon-ta o empresário, sem revelar números.Além de enfrentar as dificuldades nosetor de siderurgia, o grupo tambémtem de tratar de questões específicas.Uma delas é a diversidade de culturasque convivem no grupo, resultado dasaquisições feitas nos últimos anos deoutras empresas, instaladas do Cana-dá à Argentina. Agora, busca-se falar amesma linguagem.

Geograficamente, o foco da Gerdauhoje é a Índia, com uma joint venturepara produzir aços longos especiais pa-ra a indústria automotiva. Página B3

Estudo reafirma culpapor aquecimento globalDaniela ChiarettiDe Londres

O novo estudo que o Painel Intergo-vernamental sobre Mudança Climáti-ca (IPCC) — braço científico da Orga-nização das Nações Unidas (ONU) —divulga hoje, mundialmente, vai con-firmar que o planeta está aquecendo,o nível dos mares está subindo e subi-rá mais ao longo deste século, as gelei-ras continuam diminuindo, as secas eas grandes chuvas serão cada vez maisfrequentes. E o principal é que os cien-tistas têm ainda mais certeza que aresponsabilidade por todos esseseventos é do próprio homem.

Conforme cresce a certeza dos cien-tistas envolvidos com o IPCC, aumen-tam também as críticas do grupochamado de “céticos do clima”.São cientistas que questionam aresponsabilidade humana no fenôme-

no e costumam acentuar, por exem-plo, que a mudança climática temmais a ver com explosões solares.

Esse grupo já polemiza com ao me-nos dois pontos do novo documento.Um deles está sendo batizado de “hia -to do aquecimento”: no período2000/10, o aumento da temperaturanão aconteceu de forma tão acentua-da quanto nas décadas anteriores. Ooutro é que as projeções de aumentoda temperatura do relatório anterior,de 2007, previam números mais altosdo que os que provavelmente serãoconhecidos hoje.

Para o físico brasileiro Paulo Artaxo,professor da Universidade de São Pau-lo (USP) e um dos autores do estudodo IPCC, “o relatório deixa muito claroque é fundamental reduzirmos asemissões dos gases de efeito estufa omais cedo possível e com a maior in-tensidade possível”. Página A13

Governo quer o recuo debanco público no créditoAlex Ribeiro e Cristiano RomeroDe Brasília e São Paulo

Os bancos públicos receberam or-dem da presidente Dilma Rousseff paraconter seu avanço no mercado de crédi-to e evitar maior presença estatal no sis-tema financeiro. A Caixa Econômica Fe-deral, que já vinha cortando a conces-são de empréstimos a grandes corpora-ções, poderá ser obrigada também adesacelerar a oferta de crédito a pessoasfísicas. O Banco Nacional de Desenvol-vimento Econômico e Social (BNDES)estuda reduzir linhas a grandes empre-sas e dirigir seus esforços para o finan-ciamento das concessões.

O governo avalia a redução ou o fimde algumas linhas criadas em 2008 e2009, quando a economia brasileirateve forte contração como reflexo da

crise mundial. A principal delas é oPrograma de Sustentação do Investi-mento (PSI), que, desde meados de2009, já emprestou R$ 237 bilhões —R$ 61 bilhões apenas neste ano —, ajuros negativos (abaixo da inflação).

O diagnóstico do governo é que osbancos públicos tiveram papel anticícli-co fundamental nos últimos anos, garan-tindo a oferta de crédito e ajudando asustentar a demanda num período de re-tração dos bancos privados. Agora,quando crescem as críticas das agênciasde “rating” sobre os riscos fiscais da açãodos bancos públicos, seria a hora de ca-minhar para a “n o r m a l i z a ç ã o”. Fontesouvidas pelo Va l o r sustentam que o go-verno age para minimizar a chance de re-baixamento do risco soberano. No Minis-tério da Fazenda, a versão é que uma coi-sa não tem nada a ver com a outra.

Câmara podeder rubaror ientaçãoda ReceitaLaura Ignacio e Fernando TorresDe São Paulo

Após pressão de empresas, contabilis-tas e investidores, a Câmara dos Deputa-dos analisará projeto de decreto legisla-tivo para sustar a norma da Receita Fede-ral, da semana passada, que exige que asempresas tenham dois balanços e que li-mita a distribuição isenta de dividendos.Ontem, foi protocolado o Projeto de De-creto Legislativo no 1.296, do deputadoAlfredo Kaefer (PSDB/PR), que tenta der-rubar a aplicação da Instrução Normati-va da Receita no 1.397, sobre a aplicaçãodo Regime Tributário de Transição.

Em vigor desde 2008, esse regime foicriado para garantir a neutralidade fiscalna aplicação das normas contábeis inter-nacionais. Quase cinco anos depois, a Re-ceita veio afirmar que, no RTT, apenas olucro fiscal, aquele calculado pela regracontábil vigente até 2007, pode ser distri-buído de forma isenta para os acionistas.

Segundo o deputado, o tema foi trata-do em reunião da Comissão de Finançase Tributação da Câmara com a Receita.“Não estão preocupados com o trabalhoque vão dar às empresas, mas com o au-mento da arrecadação”, diz Kaefer. Com aIN, as empresas e seus sócios podem serautuados pelos dividendos pagos e rece-bidos sem IR. Isso porque o Fisco afirmouque aplicará o entendimento da normade forma retroativa até 2008. Página E1

Zona de livrecomércio provocacorrida imobiliáriaem Xangai A12Latrinas dãonovo vigor ao‘Made in USA’ B11

Id e i a s

I n d i c a d o re s

Jayme NicolatoÉ preciso ter muita cautela para fazeranálises a partir dos rumores de cresci-mento moderado da China. A15

Votorantim põe freio no níquelApós prejuízo de R$ 117 milhões no primei-ro semestre, a divisão de níquel da Votoran-tim Metais vai suspender temporariamente,a partir de novembro, a operação na unida-de de Fortaleza de Minas (MG). B1

No ano passado, o volume de negóciosem ‘cloud’ no Brasil foi de R$ 570 milhõese este ano deve ser 50% maior, segundo aconsultoria IDC. Para Ricardo Chisman,da Accenture, depois de uma fase inicialde indecisão, o mercado brasileiro agoraganha velocidade. Caderno especial

Claudia SafatleEstá na hora de pensar em como des-montar os estímulos concebidos após acrise financeira global de 2008/2009. A2

P2 Brasil também mira ex-MPXA P2 Brasil (associação entre Pátria Investi-mentos e Promon) apresentou propostapara comprar a parte de Eike Batista naelétrica Eneva, antiga MPX. Outros três in-vestidores financeiros estão na disputa. B2

Uruguai quer negociar serviçosIntenção do Uruguai de aderir às negocia-ções lançadas pelos Estados Unidos paraacelerar a liberalização do comércio inter-nacional na área de serviços deve aprofun-dar divergências no Mercosul. A2

Debêntures da ComgásA distribuidora de gás natural Comgás rea-briu o mercado de debêntures de infraestru-tura, que têm isenção para investidores es-trangeiros e pessoas físicas. A operação devemovimentar cerca de R$ 540 milhões. C11

Caixa capta US$ 1,25 bi em bônusA Caixa Econômica Federal fechou captaçãode US$ 1,25 bilhão em bônus de cinco anos epode voltar ao mercado internacional de dí-vida ainda neste ano. Em novembro, a CEF jáhavia obtido US$ 1,5 bilhão. C12

Computação em Nuvem

Estado deve perda com a URVSupremo Tribunal Federal decide que osEstados devem pagar aos servidores asperdas decorrentes da conversão de cru-zeiros reais para URV, em 1994, mas sóaté a adoção de planos de carreira. E1

O PSI está programado para acabarem 31 de dezembro. O BNDES não seopõe ao fim do programa ou a uma re-dução drástica nos valores e nos subsí-dios oferecidos. O Va l o r apurou que ogoverno deve manter o programa,mas sob condições mais estritas.

A Caixa reduziu os empréstimos agrandes corporações, mas poderá serobrigada a ir além. Uma fonte diz que, noleque de alternativas, há a possibilidadede tornar mais conservadores os mode-los de risco de crédito, restringindo aoferta. Outra opção seria aumentar os ju-ros e deslocar parte da demanda para osbancos privados. Já o Banco Brasil, commeta de expansão da carteira de 17% a21%, não necessitaria rever muito sua es-tratégia. O BB tem contribuído na atra-ção de bancos privados para consórciosque financiarão as concessões. Página C1

Brasil Solair terá fábrica na ParaíbaA Brasil Solair, criada em 2009 pelo fun-dador da Brasil Ecodiesel, Nelson da Sil-veira, vai investir em uma fábrica de pai-néis solares em João Pessoa (PB). A pro-dução deve começar até o fim do ano. B2

O Brasil real na Feirade Frankfurt EU& Fimde Semana

D e st a q u e s

B ove s p a ( 26 / 0 9/ 1 3 ) -0,88 % R$ 5,1 bi

Dólar comercial M e rc a d o 2 , 24 4 0 /2 , 24 6 0

( 26 / 0 9/ 1 3 ) BC 2 , 227 9/2 , 22 8 5

Dólar turismo São Paulo 2 , 1 6 0 0 /2 , 3 6 0 0

( 26 / 0 9/ 1 3 ) Rio 2 , 20 0 0 /2 , 3 5 0 0

Eu ro Reais/Euro (BC) 3,0041 /3,0054

( 26 / 0 9/ 1 3 ) US$/Euro (BC) 1,3484/1,3486

Infraestrutura precária e problemas de se-gurança representam quase um terço doscustos no setor de logística. A DHL, porexemplo, mantém frota reserva de 10% acio-nada em emergências para cumprir entre-gas, diz Mirele Mautschke. Caderno especial

Logística Integrada

.ANA PAULA PAIVA/VALOR

Gerdau: “hoje, são duas novas frentes de negócios (aços planos e mineração) e uma nova g e o g ra f i a ”

Mesmo semSeara, Marfrigainda sofreAlda do Amaral Rocha e Graziella ValentiDe São Paulo

A venda da Seara Brasil para a JBS,anunciada no dia 10 de junho, nãotrouxe até agora o alívio esperado peladireção do frigorífico Marfrig, pressio-nado especialmente por seu endivida-mento elevado. Desde então, a empre-sa perdeu quase 23% de seu valor demercado na bolsa.

A expectativa era que o negócio aju-dasse a reduzir a alavancagem (relaçãoentre dívida líquida e Ebitda) da Mar-frig — de 4,4 vezes na época da opera-ção — e que isso levasse à retomada daconfiança do investidor. Houve, de fato,uma redução da alavancagem para 3,8vezes, mas o mercado mostra que aindatem dúvidas sobre o desempenho dacompanhia, que após a venda da Searaficou um terço menor. Página B14

Fibra ópticadá sobrevidaà BR 319André BorgesDe Porto Velho (RO), Humaitá e Manaus (AM)

Nos 877 quilômetros da BR 319, entreManaus e Porto Velho, não há posto poli-cial ou de serviço para apoio aos motoris-tas. O que dá sobrevida à estrada — quevem sendo engolida pela floresta — econdições mínimas para que veículostransitem por ela são serviços de manu-tenção executados pela Embratel em suarede de fibra óptica, malha que foi insta-lada para conectar Manaus à internet dealta velocidade. Regularmente, 20 fun-cionários da operadora percorrem dis-tintos trechos da estrada, trabalho refor-çado com a contratação de moradoresque estão há décadas na região e que vi-vem os riscos da BR 319. É o caso dos “Ca -tarinos”, como é conhecida a família do“seu Vilson”, que presta serviços para aoperadora há 17 anos. Página A16

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A16 | Valor | Sexta-feira e fim de semana, 27, 28 e 29 de setembro de 2013

Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 27/9/2013 (21:28) - Página 16- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Es p e c i a l

I n f ra e st r u t u ra Manutenção de rede mantém condições mínimas da estrada que liga Manaus a Porto Velho

Sobrevida da BR-319 passa por fibra ópticaRUY BARON/VALOR

Cabos de fibra óptica na BR-319: operadora mantém condições mínimas de tráfego para fazer a manutenção da rede

André BorgesDe Porto Velho (RO), Humaitá,Manaus (AM) e Brasília

Sem ter uma noção muito cla-ra de onde iria se enfiar, uma fa-mília decidiu pegar o carro e par-tir pela BR-319, de Manaus paraPorto Velho. Depois de algumashoras de viagem, marido, esposae crianças estavam sozinhos nomeio da mata, sem combustível,alimentação ou água. Nenhumsinal de telefonia celular. Deses-perado, o pai não teve dúvidas doque fazer. Cortou o cabo de fibraóptica instalado nos postes quepercorriam a estrada. Em poucashoras, uma equipe de fiscaliza-ção chegou para resolver o pro-blema na rede. Era o socorro.

O que hoje dá sobrevida econdições mínimas de trafega-bilidade à BR-319 são os serviçosde manutenção executados narede de fibra óptica instaladapara conectar Manaus ao serviçode internet em alta velocidade.Em mais de 800 km da estrada,não há posto policial, nenhumtipo de serviço de apoio paraquem cruza a rodovia.

Com 5.388 postes enfileirados,a malha de fibra da operadoraEmbratel começa em Porto Velhoe avança mata adentro, seguindoo traçado daquilo que um dia jápôde ser chamado de rodovia fe-deral. Regularmente, 20 funcio-nários da operadora, divididosem equipes, percorrem diferen-tes trechos da estrada, para fisca-lizar se não há riscos de queima-das que possam afetar os cabos,ou de galhos e árvores que amea-cem cair sobre a rede.

Para ter condições de trafegarna estrada, a operadora foi obri-gada a adaptar jipes e motos. Otrabalho das equipes é reforça-

do com a contratação de mora-dores que vivem há décadas naregião e que conhecem os riscosda BR-319. É o caso dos “Catari -nos”, como é conhecida a famíliado senhor Vilson, que presta ser-viços para a operadora há 17anos, época em que a Embrateltinha apenas torres de comuni-cação via rádio na região.

Os Catarinos consertam pon-tes, tapam buracos e apoiam aação de técnicos que atuam dire-tamente na rede. “Se não fosse es-sa fibra, a gente estava perdido.Isso aqui tinha virado mato devez”, diz Vilson, que saiu de SantaCatarina 21 anos atrás para viverna Amazônia, lugar onde preten-de ficar “até o fim da vida”, apesarde todas as dificuldades.

Sobre a promessa de repavi-mentação da rodovia, Vilson dizque não acredita que a obra vásair do papel. “Estou ouvindo is-so desde que pisei nessa terra. Éconversa demais, muita rouba-lheira e nenhum compromissocom a população que vive aqui.”

A desconfiança dos Catarinosse espalha pelas casas e vilas ins-taladas ao longo da BR-319. Emalguns casos, o sentimento é derevolta. Em mais de uma localida-de, moradores afirmaram à re-portagem que, uma hora dessas,vão derrubar o cabo que leva a in-ternet até Manaus, como formade protesto contra as várias pro-messas, nunca cumpridas, de re-pavimentação da estrada .

Até hoje, com exceção da fa-mília que cortou o cabo ópticopara pedir socorro, não houvenenhum registro de caso de van-dalismo que tenha tirado a redede funcionamento, diz Maria Te-resa Lima, diretora-executiva daEmbratel. “Já ocorreram quei-madas que causaram a paralisa-

ção temporária, mas nossasequipes combateram o fogo erestabeleceram o serviço rapida-mente. Nunca tivemos umaocorrência de vandalismo ali.Pelo contrário, a população localsempre nos ajudou a tomar con-ta da fibra”, afirma Maria Teresa.

Os cabos ópticos que cruzam aBR-319 foram instalados em2005. Mais de R$ 160 milhões fo-ram investidos no empreendi-mento. Desse total, R$ 30 milhõesforam usados para fazer a instala-ção dos cabos no fundo dos riosNegro e Solimões, porta de entra-da de Manaus. Ao todo, três cabosforam lançados, até tocarem ofundo do leito dos rios, numa tra-vessia que chega a até 10 quilô-

Nova promessa do governo é criar uma estrada-parqueDe Porto Velho (RO), Humaitá,Manaus (AM) e Brasília

A BR-319 voltará a ser uma es-trada pavimentada. Carros e ôni-bus poderão circular novamentepela rodovia que, até 25 anosatrás, ligava as cidades de PortoVelho (RO) a Manaus. A promes-sa já foi feita incontáveis vezespelos governos federal, estadualou municipal. Pode até ter rendi-do um bom punhado de votosem anos de eleição, mas nunca seconverteu em fato.

Mais uma vez, o Palácio do Pla-nalto empenha a sua palavra deque a repavimentação sairá defi-nitivamente do papel. Nas pala-vras do general Jorge Ernesto Pin-to Fraxe, presidente do Departa-mento de Infraestrutura de Trans-portes (Dnit), “a presidenta daRepública não tem dúvida de queessa estrada precisa ser refeita eda sua importância para o país.”

Fraxe garante que fala com co-nhecimento de causa. Há 40 anos,quando foi concluída a constru-ção da BR-319, ele diz ter cruzadotodo o traçado da rodovia dentrode um Fusca 1.200, quando ainda

Rodovia foisubstituídapor hidroviaDe Porto Velho, Manaus e Brasília

A rodovia que liga Manaus aPorto Velho não chegou à situa-ção caótica em que está hoje ape-nas por conta do clima hostil quea Amazônia reserva para qual-quer asfalto que se meta em seucaminho. Tampouco pode-se re-sumir a situação ao esgotamentode recursos e à irresponsabilida-de do governo militar.

Boa parte do descaso históricoque transformou a BR-319 em umgolpe no bolso do cidadão tam-bém pode ser explicada pela faltade viabilidade econômica da estra-da e do alto custo para manter emcondições razoáveis uma rodoviaaberta numa região onde o volu-me médio de chuva chega a atingir3 mil milímetros por ano, mais deduas vezes a média de São Paulo.

Ao contrário da maioria dasobras de infraestrutura de trans-porte realizadas no país, aBR-319 nunca foi objeto de umplano detalhado de viabilidadefinanceira. Se tivesse sido, certa-mente o cenário econômico nãoseria dos mais atrativos. Enquan-to a estrada apodrecia nos últi-mos 30 anos, outras alternativasde escoamento se consolidavam.

Hoje, a hidrovia do Madeira —que começa em Porto Velho ecorre paralelamente à estrada ,numa distância média de 50 a100 quilômetros — segue nave-gável até a sua foz, próxima aosportos de Manaus e Itacoatiara, áno rio Amazonas. A viagem peloMadeira já se consolidou comouma rota competitiva para otransporte das commoditiesagrícolas que saem do MatoGrosso e acessam a hidrovia apartir de terminais de grãos er-guidos em Porto Velho.

Quem dá o tom é o senador eex-governador do Mato GrossoBlairo Maggi (PR-MT). Um dosmaiores produtores agropecuá-rios do país, ele não titubeia aoser questionado se passaria a uti-lizar a BR-319 como rota de es-coamento rodoviário, caso a ro-dovia estivesse hoje em perfeitascondições de uso. “Sinceramente,eu não usaria. Temos outros ca-minhos mais viáveis”, diz.

A situação não muda de figu-ra no outro extremo da rodovia,onde está localizada a ZonaFranca de Manaus. Os produtosindustrializados que hoje dei-xam Manaus em milhares decontêineres buscam apenas doiscaminhos: o transporte poravião, ou a descida pelo rioAmazonas, até chegar a Belém e,a partir daí, o transporte por ca-minhão para todo o país.

“O fato de a rodovia não ter hojeforte vocação para carga não signi-fica que ela não seja necessária”,afirma Maggi. “Sempre há espaçopara o transporte de alguns pro-dutos, principalmente os de maiorvalor agregado. Além disso, todocidadão deve ter direito a serviçosbásicos, como água, energia, edu-cação ou comunicação. Não há porque ser diferente quando o assun-to é transporte.”

Nos anos em que esteve em ope-ração, entre 1973 e 1988, a rodoviaPorto Velho - Manaus chegou a in-comodar muita gente, principal-mente donos de balsas que faziamo transporte de produtos e pessoaspelo rio Madeira. Corre a históriade que balseiros, preocupadoscom a competição que a estradairia gerar, chegaram a contratartratores para arrancar o asfalto.

Em diversos trechos da rodoviaé possível ver cortes precisos, comtrechos de terra e pedaços de asfal-to ainda em bom estado. Quem vi-ve nas margens da estrada desdeaquela época afirma que as máqui-nas entravam no trecho, jogavam oasfalto para o acostamento e su-miam, sem dar explicações. Os bal-seiros não confirmam. (AB)

metros de extensão. Foram distri-buídos em pontos diferentes datravessia. Se um dia ocorrer de al-gum barco cortar um cabo, outroentra em operação.

“Nosso objetivo é garantir amanutenção da fibra. Por isso, te-mos que estar sempre dando ma-nutenção na região”, diz Maria Te-resa. O cabo óptico da Embratelfoi o primeiro a chegar a Manaus.Hoje, já existe outra operação defibra que alcançou a Zona Francaa partir da Venezuela. A linha detransmissão de energia Tucuruí-Manaus, prestes a entrar em ope-ração, também distribuirá inter-net por fibra para a capital doAmazonas, onde vivem hoje cer-ca de 2,5 milhões de pessoas.

No meio da floresta, os desa-fios continuam. Recentemente,técnicos da operadora tiveramtrabalho redobrado para encon-trar um ponto específico de falhana rede. Por horas, percorreramuma região onde o sistema apon-tava para a ocorrência da falha,mas não enxergavam nenhum si-nal de problema que tivesse afe-tado a malha. Depois de uma ins-peção mais minuciosa, finalmen-te acharam um buraco no cabo etrocaram a fibra. Àquela hora, navila de Realidade, já corria a notí-cia de que um morador haviaacertado um tiro de espingardabem no meio cabo, quando mira-va um pássaro para cozinhar noalmoço. (Colaborou Ruy Baron)

era cadete do Exército. “Era umtapete aquela estrada, asfaltadi-nha. Tinha desvios com pontes demadeira e algumas balsas, mas apista era impecável”, comenta.

O Dnit já colocou o bloco narua, com a expectativa de iniciarobras na estrada no ano que vem,no próximo verão amazônico,entre maio e novembro, períodomais seco na região amazônica.As intervenções na estrada nãocomeçaram até agora porque,nos últimos 12 anos, o governonão conseguiu obter licencia-mento ambiental para repavi-mentar um trecho de 405 km.

Desde 2007, três versões de es-tudos de impacto ambiental fo-ram apresentados ao InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renová-veis (Ibama). Nenhum deles, po-rém, conseguiu passar pelo crivodos analistas ambientais, sim-plesmente porque continhamproblemas básicos, como falhasgraves de metodologia e falta dedados sobre a fauna e a flora daregião. Em 2009, o Ibama voltou apedir complementações ao Dnitsobre os planos para a BR-319.

Em março deste ano, o Ibamafinalmente concluiu que, porconta da desatualização e inade-quação de uma série de infor-mações, boa parte do processoteria que ser refeita. O Dnit aca-tou a decisão e, recentemente,deu ordem de serviço a uma no-va consultoria ambiental.

“Contratamos uma empresaem Manaus para fazer os estu-dos complementares. São levan-tamentos finais, que devem serconcluídos em breve. Já gasta-mos R$ 76 milhões em compo-nentes ambientais. Nós vamosatender o Ibama e vamos con-cluir a repavimentação da rodo-v i a”, afirma Fraxe, batendo amão na mesa.

A ideia do governo é transfor-mar a BR-319 em uma “estrada-p a r q u e”. O traçado da rodovia te-ria passagens especiais para osanimais que vivem na região,postos de vigilância seriam dis-tribuídos ao longo da estrada e oExército cumpriria a missão devigiar as saídas da BR, em Ma-naus e Porto Velho.

A fiscalização reforçada, segun-do o comandante do Dnit, inibiria

a ação de grileiros de terras e o des-matamento ilegal. O custo da re-pavimentação da rodovia é esti-mado em cerca de R$ 800 milhõese a obra faz parte da carteira deprojetos do Programa de Acelera-ção do Crescimento (PAC).

“Hoje, a BR-319 é forrada porunidades de conservação de umlado e do outro. Dá para fazer umenorme cinturão de proteçãonessa estrada. Essa é a nossai d e i a”, afirma Fraxe.

Para especialistas em ambiente,a repavimentação da estrada podeter um efeito perverso sobra a flo-resta, porque potencializa a espe-culações em torno de terras paraexploração ilegal de madeira eabertura de pastagens. Fraxe nega.“Dizem que, se a estrada for transi-tável, vai destruir a floresta. Entãovamos ter que mandar cercar osrios também, porque as pessoasnavegam por ali”, afirma.

Outro fator que inibiria o des-matamento, diz o presidente doDnit, seria a baixa qualidade do so-lo da região para a agricultura. “Aterra daquela região da Amazôniasó presta para manter a floresta e oecossistema em equilíbrio, dife-

rentemente do solo encontradoem Rondônia ou Mato Grosso.”

Antes de qualquer interesseque envolva a necessidade de re-construção da rodovia, o gover-no avalia que a regularização es-tá diretamente associada a umacondição social. “Cerca de 500mil pessoas vivem na região daestrada, segundo os prefeitosdos municípios que ela corta. Es-sas pessoas estão condenadas aoisolamento por rodovia? Isso éjusto? Não são brasileiros, quetêm o direito de ir e vir? Nin-guém se preocupa com isso?”,questiona Fraxe.

Para o pesquisador do Institu-to Nacional de Pesquisas da Ama-zônia (Inpa), Philip Fearnside, asintenções do governo não se es-gotam com a retomada daBR-319. O Dnit, lembra ele, jáguarda na gaveta planos paraabrir novas estradas na regiãocentral da Amazônia, a partir ro-dovia Porto Velho-Manaus. “O ris-co que estamos correndo é de me-xer profundamente com a ocupa-ção da Amazônia, incentivandoum desmatamento explosivo edescontrolado na região.” (AB)

RUY BARON/VALOR

No trecho central da BR-319, com 405 km , crateras surgem por todos os lados e a mata invade a pista; governo novamente promete que a estrada será repavimentada e prevê o início das obras em 2014

RUY BARON/VALOR

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