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APONTAMENTOS SOBRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE N O
ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL
Rodrigo Brum Silva *
SUMÁRIO: Introdução. 1.Defesa do Consumidor e sua Concepção Constitucional. 2. O Código de Defesa do Consumidor. 3. Relação de Consumo. 4. Os Direitos da Personalidade no Código de Defesa do Consumidor. 4.1. Direito à vida e à incolumidade física e psíquica. 4.2. Direito à honra e à intimidade. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas. Introdução
A Constituição da República de 1988 realizou profundas
modificações no ordenamento jurídico nacional, principalmente quanto às relações
civis, dentre as quais, a inserção da defesa do consumidor como direito individual e
coletivo, a sua classificação como princípio geral da ordem econômica, e, ao final, a
determinação de que fosse elaborado um Código de Defesa do Consumidor.
Tal inserção não é de se estranhar, na razão em que a dignidade da
pessoa foi elevada a fundamento da República, influenciando todo ordenamento
jurídico subjacente, cuja obrigação é salvaguardar a pessoa em qualquer momento e
independentemente de suas atividade, inclusive a econômica, ao fito de alcançar os
objetivos constitucionalmente designados.
Dentro desse quadro geral, importantíssima a identificação dos
principais direitos da personalidade, protegidos e tutelados pelo Código de Defesa
do Consumidor, na medida em que reste demonstrada a concretização dos
* Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil (2003). Graduado em Direito pela mesma instituição (UEL) (1997). Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (PR) sob nº 25.920, atuante no Norte do Paraná, principalmente na Comarca de Londrina, desde 1998, nas áreas Cível, Empresarial e Consumerista. Na área acadêmica atua em diversas instituições de Ensino Superior, ministrando aulas em Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Atualmente é Professor Titular de Direito Civil (Direito das Obrigações, Direito Contratual e Direito das Coisas) e Direito do Consumidor, do Curso de Direito da Faculdade Paranaense (FACCAR) (http://lattes.cnpq.br/5002989513614627).
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princípios propugnados pela norma constitucional, principalmente a cláusula geral de
proteção e de tutela da pessoa, no sentido de construir uma sociedade justa e
igualitária, garantindo o desenvolvimento nacional, com a redução das
desigualdades sociais e regionais.
E é exatamente isto que o presente trabalho propõe, sem qualquer
pretensão de esgotamento do tema, face à brevidade indispensável a estudos desta
natureza1, passando pela origem constitucional, o nascimento do Código, até a
individualização dos principais direitos da personalidade, presentes e tutelados pelo
microssistema.
1. A Defesa do Consumidor e sua Concepção Constituc ional
Visando a promoção da dignidade da pessoa humana e a superação
das desigualdades, sociais e regionais, a Constituição Federal de 1988, positivando
princípios fundamentais da República, realizou a inserção da defesa do consumidor
no Capítulo Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no Título dos Direitos e
Garantias Fundamentais2.
Comentando a inovação constitucional3, desconhecida de nossas
constituições anteriores, James Marins4 sustenta que:
“A inclusão desta matéria no plano constitucional, conforme afirma Reich, coaduna-se com a função do Estado em intervir em situações de desigualdade e desequilíbrio social que não poderiam ser satisfatoriamente acomodadas ou corrigidas com o uso de instrumentos meramente políticos ou econômicos. Poder-se-ia afirmar, avançando na proposição acima, que o tratamento
1CARNEIRO, M. F. Pesquisa Jurídica. 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2001, p. 51. 2“estas garantías fundamentais son el núcleo inviolable del sistema político de la democracia constitucional, regiendo como principios superiores al ordem jurídico positivo, aun cuando no estén formulados em normas constitucionales expressas. Em su totalidad, estas libertades fundamentales encarnan la dignidad del hombre.” LOWENSTEIN, K. Teoria de la Constitución. 2ª ed. Barcelona: Ariel, 1970, p. 390. 3“Na verdade, esse ingresso recente da figura do consumidor nos textos constitucionais é bem compreensível, pois o próprio direito do consumidor, em seu conjunto, como realização de uma política pública, é algo de novo na evolução do Direito.” COMPARATO, F. K. A proteção ao Consumidor na Constituição Brasileira de 1988. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, v. 80, 1990, p. 66. 4Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto. São Paulo: RT, 1993, p. 26.
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constitucional dos direitos dos consumidores, seria mesmo uma conseqüência do próprio Estado de Direito, revelando incessante reivindicação do reconhecimento da existência de uma real igualdade e participação social equivalente para todos os cidadãos.”.
A inserção da matéria em sede constitucional é justificável em face
das proeminentes mudanças sociais e econômicas havidas no decorrer do século
XX, que clamaram, e ainda clamam, no curso da transmodernidade5, por uma maior
proteção e defesa do consumidor, sempre sujeito a abusos, a ameaças, a lesões, à
sua pessoa e ao seu patrimônio, perpetrados por fornecedores, cada vez mais
fortalecidos, em uma economia em vias de total globalização.
Com efeito, essa busca de equilíbrio, na relação jurídica de
consumo, era tão gritante e premente, que a defesa do consumidor foi inserida com
a qualidade de cláusula pétrea, no Capítulo I, Título II, dos Direitos e Garantias
Fundamentais, não podendo, destarte, a emenda que tente aboli-la, sequer ser
objeto de deliberação, nos exatos termos do art. 60, §4º, inc. IV, da Constituição
Federal.
Além disso, a inserção constitucional do tema é o resultado
identificável do surgimento de uma nova ideologia, ambicionando uma maior
participação do Estado6 nas relações privadas, sendo certo que este não pode
assistir impassível, como o neutro espectador de outrora, a existência de uma irreal
e superada igualdade formal que, em verdade, mais desiguala, acabando por laborar
em favor dos detentores do poder, econômico e intelectual.
Assim, quando o legislador constitucional, no art. 5º, inc. XXXII,
expressamente, determina competir ao Estado à defesa do consumidor, está
5“A transmodernidade é um termo novo com o qual se faz referência à época atual; é igualmente uma nova categoria apta a catalizar a crítica à pós-modernidade, utilizada por Warat para enfatizar o caráter de transição da pós-modernidade, isto é, de passagem para novo ciclo histórico cujos contornos ainda não são bem nítidos, mas que tende a afirmar-se como tendo sua identidade própria.” COELHO, L. F. Saudade do Futuro. Florianópolis: Boiteux, 2001, p. 41.
6Quanto à publicização do Direito Privado e temas correlatos, é inovadora a abordagem, já em 1961, do Professor Michele Giorgianni, in O Direito Privado e suas Atuais Fronteiras. Revista dos Tribunais. Porto Alegre, v. 787, 1998, p. 35-55.
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fazendo uma verdadeira promoção social da pessoa consumidora, ou seja, e em
grande parte, do grupo dos juridicamente excluídos, dos economicamente
arruinados, dos moralmente humilhados, dos intelectualmente desprezados, enfim,
de todo aquele que se vê impotente, nos planos físico e moral, diante da sanha
capitalista dos fornecedores.
Da mesma forma, quando a Constituição Federal, no art. 170, inc. V,
eleva a defesa do consumidor ao status de princípio essencial da ordem econômica,
no mesmo plano dos princípios da soberania, da função social da propriedade, da
livre concorrência, do meio ambiente7, entre outros, está a significar, no mínimo, que
Judiciário, Legislativo e Executivo, não poderão privilegiar, por exemplo, a
propriedade privada, ou a livre concorrência, em detrimento dos direitos do
consumidor8, eis que estão em ordem de paridade principiológica9, só podendo ser
entendidos e, conseqüentemente, aplicados, à luz da proporcionalidade10.
Nesse sentido, como preleciona Walter Ceneviva “com referência ao
direito do consumidor o conteúdo material da normatividade inserida na Carta Magna
é interpretado sistematicamente, no seu conjunto, evitada a leitura de norma isolada
que privilegie a livre empresa ou ponha toda força no termo defesa em relação ao
destinatário final do consumo”11.
Não obstante, é necessário ressaltar, especialmente em razão do
tema em estudo, que a concepção da defesa do consumidor, no âmbito da
Constituição Federal (seja como direito individual e coletivo, seja como princípio da
ordem econômica), obriga a uma interpretação infraconstitucional à sua luz, não só
7Com entendimento contrário esteve Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que enxerga na norma apenas a enfatização da proteção do consumidor contra abusos praticados pelos fornecedores, in Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 303. 8“Alguns desses princípios se revelam mais tipicamente como objetivos da ordem econômica, como, por exemplo, o da redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego. Mas todos podem ser considerados princípio, na medida em que constituem preceitos condicionadores da atividade econômica.” AFONSO DA SILVA, J. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 758. 9COMPARATO, F. K. op. cit., p. 70-71. 10BARROS, S. T. O princípio da Proporcionalidade e o Controle de Co nstitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 153-179. 11Publicidade e Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 1991, p. 81.
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em razão de sua hierarquia normativa, supremacia, imperatividade e eficácia12, mas
também em virtude do fundamento valorativo que acolhe, isto é, a realização da
pessoa em todos os seus aspectos, assegurando-lhe uma existência digna,
conforme os ditames da justiça social.
Tanto é assim, que o próprio texto constitucional, já em seu art. 1º,
declara expressamente que, ao lado da soberania, da cidadania, do pluralismo
político, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil é o da dignidade da pessoa humana, fato que deve
influenciar não só a interpretação da própria norma maior, como também de todo o
ordenamento jurídico subjacente, para o qual representa a pedra angular.
Além dos dispositivos, supra comentados, que constituem a
verdadeira gênese constitucional da matéria consumerista, a Constituição Federal de
1988, em outros momentos normativos, busca privilegiar a situação jurídica do
consumidor, quer seja de forma direta, cuja demonstração se encontra nos arts. 24,
incs. V e VII, e 150, §5º, que tratam, respectivamente, da competência legislativa e
da informação tributária ao consumidor, quer seja de forma indireta, no caso dos
artigos 175, parágrafo único, inc. II, quando utiliza a expressão “os direitos dos
usuários”, e 221, inc. IV, ao dispor que a produção e a programação das emissoras
de rádio e televisão deverão obedecer “o princípio do respeito aos valores éticos da
pessoa e da família”.
Por último, é digno de nota que a defesa do consumidor era uma
necessidade tão presente, na elaboração e na promulgação da Constituição Federal
de 1988, que o art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, visando
a efetiva regulamentação da matéria, no arcabouço normativo infraconstitucional,
determinou expressamente a confecção de um Código de Defesa do Consumidor,
no prazo de cento e vinte dias.
12A respeito da aplicação direta das normas constitucionais, é interessantíssimo é o trabalho desenvolvido pela Professora Maria Celina B. M. Tepedino, in A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, nº 65, 1993, p. 433-438.
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2. O Código de Defesa do Consumidor
Em cumprimento da diretiva constitucional, impulsionada pelo
denominado ‘movimento consumerista brasileiro’, nasce no dia 11.09.90, ainda que
fora do prazo constitucionalmente determinado, o Código de Defesa do Consumidor
(Lei nº 8078/90), que teve como verdadeiros padrinhos, já que autores do
anteprojeto, brilhantes juristas pátrios como Ada Pellegrini Grinover, Daniel Roberto
Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Zelmo Denari, além de Antônio
Herman de Vasconcellos e Benjamin e Nelson Nery Júnior 13.
A necessidade de um código, que regulamentasse as relações
jurídicas entre consumidores e fornecedores, na procura do equilíbrio entre
produção, fornecimento e consumo, já era sentida, desde a década de 70, em nosso
país, fato que pode ser observado, sobremaneira, na obra do ilustre J. M. Othon
Sidou, autor da primeira tentativa de imprimir ordem à matéria consumerista, através
de seu “Esboço de Lei de Proteção ao Consumidor”14.
Malgrado os esforços da doutrina nacional, apoiada em análises de
Direito Comparado15, até a promulgação da Lei nº 8078/90, não existia, em nosso
ordenamento jurídico, uma coerência legislativa sobre o tema, cuja dimensão foi,
com perspicácia, detectada por Orlando Gomes16:
13FILOMENO, J. G. B. et alii. Código de Defesa do Consumidor - Comentado pelos Au tores do Anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 11. 14“O Esboço por nós elaborado não tem outra pretensão que servir de ensaio ao exercitamento de uma política nacional protetora do consumidor, aproveitando a colaboração privada, a partir de organismos associativos, na tarefa fiscalizadora, indispensável, indelegável e irrenunciável, do Poder Público. Se o Projeto se resumisse em estimular a criação e multiplicação desses organismos associativos de sorte a dar cobertura ao maior número possível de comunidades, teria, só por isto, cumprido grande parte de sua tarefa como lei de proteção ao consumidor.” Proteção ao consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p 07-08. 15“As preocupações com a proteção do consumidor de há muito deixaram de ser novidade (a não ser, talvez, em certas áreas do nosso meio social), posto que nos países ditos desenvolvidos, trata-se de tema que há vários anos vem sendo estudado e discutido, com repercussões além dos lindes doutrinários, também no plano legislativo e no judiciário tomando com o tempo uma dimensão universal, do qual são exemplos várias resoluções de âmbito internacional, como as da ONU.” BULGARELLI, W. Questões contratuais no Código de Defesa do Consumi dor. São Paulo: Atlas, 1991, p. 17-18. 16Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986, p. 120.
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“A conclusão é que a política legislativa de proteção ao consumidor contra abusos da sociedade de consumo ainda não possui diretrizes coerentes para regência uniforme das relações entre produtores e distribuidores, de um lado, e consumidores, de outro. A matéria continua a ser objeto de textos esparsos, de vacilantes construções jurisprudenciais e de análises doutrinárias que não conduzem a uma teoria montada sobre uma política de consumo que permita aos consumidores defender-se das práticas incontroladas e abusivas quanto ‘à segurança, à qualidade, à distribuição e ao preço dos bens e serviços.’”
Com a edição do Código, a situação, antes vivenciada, não mais
persistiu, considerando que não ocorreu, apenas, a reunião ou aglutinação dos
principais textos normativos em um único corpo legislativo, mas, sim, a total
sistematização da matéria consumerista, que acabou adquirindo coerência,
conformidade, consonância, coesão e, por conseguinte, indiscutível autonomia, a
merecer a criação de um novo Ramo do Direito17.
A autonomia resta bem individualizada, ao se observar que não se
trata tão somente de uma lei (no sentido de acrescentar um plus de tutela ao
consumidor), mas, além disso, sim de um verdadeiro codex, que, positivando os
fundamentos constitucionais da República, especialmente a preservação da
dignidade da pessoa, regula os aspectos essenciais da temática do consumidor,
desde a identificação de seus principais direitos, passando pela tipificação dos
crimes contra o consumidor, até a defesa de seus direitos e interesses em Juízo.
A despeito da codificação realizada, o novo codex não se limita a
adotar a sistemática oitocentista ou setecentista18 do Código Civil19 de 1916 (em
parte renovada pelo Código Civil de 2002), constituída a partir de uma estrutura que
se pretende perene e totalizadora20, ou seja, com a constante utilização de
fattispecie fechada, circundada de extremo casuísmo.
17“O CDC, instrumento normativo regente dos direitos do consumidor, e como tal dotado de particularidades inerentes à relação de consumo, encontra na sua base princípios próprios que distinguem o direito do consumidor dos demais ramos do direito.” EFING, A. C. Contratos e procedimentos Bancários à luz do Código de Defesa d o Consumidor. São Paulo: RT, 2000, p. 29. 18CAENEGEM, R. C. von. Uma Introdução Histórica ao Direito Privado. Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 170 e segs. 19TEPEDINO, M .C. B. M. Op. Cit., p. 433. 20“Um código não totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes que o ligam a outros copos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas bem, trilhadas, que o vinculam,
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Antes disso, o Código de Defesa do Consumidor é permeado de
disposições abertas21, que por possuírem uma dose de vagueza nos significados,
permitem não só a comunicação interdisciplinar e multidisciplinar, mas também a
permanente atualização e evolução do corpo normativo22.
Sem entrar fundo na problemática da validade contemporânea de
uma codificação23, bem como da existência de um verdadeiro microssistema24, cabe
constatar que o início da vigência do Código de Defesa do Consumidor, em março
de 1991, marca um instante histórico, consubstanciado no afastamento da aplicação
de grande parte do Código Civil de 1916 e do Código Comercial. Com efeito, várias
matérias, tradicionalmente tratadas (v.g. compra e venda, seguros, crédito), sofrem a
abrangência e os efeitos das novas disposições protetivas e defensivas, mais hábeis
à consolidação de uma igualdade substancial e da salvaguarda da dignidade da
pessoa, nas relações jurídicas de consumo.
Mais comprova aquela afirmação, o texto do próprio art. 1º,
estabelecendo as normas do Código de Defesa do Consumidor, como de ordem
pública e de interesse social, porque está a dizer que os dispositivos são cogentes,
verdadeiramente inderrogáveis pela vontade dos particulares25, tudo em prol do
efetivo equilíbrio entre as partes na relação jurídica de consumo.
dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais.” COSTA, J. M. O Direito Privado como um ‘sistema em construção’. Revista de Informação Legislativa. Brasília, nº 139, 1998, p. 06. 21“O Direito Civil deve, com efeito, ser concebido como ‘serviço da vida’, a partir de sua real raiz antropocêntrica, não para repor em cena o individualismo do século XVIII, nem para retomar a biografia do sujeito jurídico da Revolução Francesa, mas sim para se afastar do tecnicismo e do neutralismo. O labor dessa ‘repersonalização’ e ‘reetização’ leva em conta um sistema aberto e rente à vida, como afirmou o professor Orlando de Carvalho. É nessa via que o Direito Civil pode e deve resistir ao ‘ritualismo epidérmico’, centrado num conjunto de fórmulas que virtualmente abraçam o mundo e o faz nela se esgotar.” FACHIN, L. E. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2000, p. 218-219. 22Necessário ressaltar que o novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2001, ainda não vigente no momento da elaboração do presente artigo, já recepciona essa tendência contemporânea, adotando várias cláusulas gerais, como é exemplo o artigo 421, quando afirma que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”. 23GOMES, O. A Agonia do Código Civil. Rio de Janeiro: Revista de Direito Comparado Luso-Brasileiro, Forense, 1988, v. 757, p. 172-180. 24KARAM, M. O Processo de Codificação do Direito Civil – Inovações da Parte Geral e do Livro das Obrigações. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 757, 1998, p. 11-28. 25ALVIM, A. et alii. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: RT, 1991, p. 10.
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Ressaltando a natureza de ordem pública e de interesse social das
normas do Código de Defesa do Consumidor, José Geraldo Brito Filomeno afirma
que “embora se admita a livre disposição de alguns interesses de caráter
patrimonial, ...”, como é o caso do art. 107, que dispõe sobre as convenções de
consumo, “o caráter cogente, todavia, fica bem marcado sobretudo na Seção II do
Capítulo IV ainda do Título I, quando se trata das chamadas ‘cláusulas abusivas’,
fulminadas de nulidade (cf. 51 do Código), ou então já antes, nos arts. 39 a 41 que
versam sobre as práticas abusivas.”26.
Inobstante a indiscutível cogência, vale ressaltar que o objetivo do
Código não é o de substituir a vontade das partes, dentro da relação de consumo
(ou mesmo antes desta perfectibilizar-se, sobretudo no negócio jurídico), pela
vontade do Estado, pura e simplesmente, mas, sim, o de proporcionar uma
verdadeira igualdade, inexeqüível sob o império do poder econômico e fático do
fornecedor, em pleno detrimento da pessoa do consumidor.
O que ocorre, por meio do Código de Defesa do Consumidor, é a
constatação de um fato, há muito conhecido pelo senso comum: o poder, em
qualquer aspecto analisado, corrompe a relação entre os agentes de consumo, em
benefício do seu titular, que tem à sua disposição os recursos materiais e imateriais
necessários, para dirigir a sua forma e o seu conteúdo27, além da sua criação,
modificação e extinção.
Assim, claramente, há uma contraposição, predisposta pelo Estado,
do PODER JURÍDICO X PODER DE FATO28, para a proteção e a defesa dos
desfavorecidos, hipossuficientes, que não possuindo os recursos, a informação ou a
26FILOMENO, J. G. B. et alii. op. cit., p. 23. 27“No que se refere ao princípio da igualdade, Ferreira de Almeida chama-o de ilusório, uma vez que os agentes econômicos se distinguem claramente entre si pelo seu poder econômico, o que gera diferentes graus de poder negocial. A igualdade formal, afirma, cria ou sustenta desigualdades de fato, e somente o tratamento jurídico desigual, no sentido inverso da potência econômica, pode elimina-las.” COELHO, F. U. O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 40. 28“Surge a lei com um regime estruturado em consonância com os avanços obtidos no exterior, em especial nos Estado Unidos e na Europa Ocidental, o qual se baseia, fundamentalmente, na técnica do direito social de proteção ao economicamente mais fraco, mediante normas de reforço à sua posição jurídica, na busca do justo equilíbrio de forças.” BITTAR, C. A. Direitos do Consumidor. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 22.
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solidez de vontade, indispensáveis para produzir igualdade (na sua acepção mais
substancial e não meramente formal), têm seus interesses devidamente tutelados,
com o estabelecimento de princípios e dispositivos, que visam realizá-la,
plenamente.
Nesse contexto, ganha importância ímpar a temática da identificação
dos direitos da personalidade, protegidos e defendidos pelo Código de Defesa do
Consumidor, uma vez que quase todos, enquanto pessoas, mesmo que apenas em
algum efêmero instante existencial, podem ser qualificados como consumidores.
Entretanto, por razões metodológicas, antes da consecução desse
estudo, cabe verificar em qual âmbito se dá a tutela protetiva dos direitos da
personalidade, no codex, ou seja, pela análise da relação jurídica de consumo, sem
a qual resta, juridicamente, impossível a aplicação do estatuto.
3. A Relação de Consumo
Não é demais advertir, que a relação de consumo nada mais é do
que uma espécie do gênero relação jurídica29, certo de que todos os elementos
constitutivos30 da segunda, podem ser encontrados na primeira, embora esta seja
dotada de características especiais, ou seja, o consumidor, o fornecedor, o produto e
o serviço.
29“As situações subjetivas encontram sua justificação e o seu ponto de confluência na relação jurídica. Esta deve ser colocada ao centro do direito civil, apesar da manualística moderna, contrariamente àquela menos recente, não lhe atribuir a devida importância. Na maioria das vezes, a atenção detém-se nas situações individualmente consideradas, independentemente das suas relações individualmente consideradas, independentemente de suas relações, enquanto que seria necessário não se limitar à análise de cada direito e obrigação, mas, sim, examinar as suas correlações. Não é suficiente aprofundar o poder atribuído a um sujeito se não se compreendem ao mesmo tempo os deveres, as obrigações, os interesses dos outros. Em uma visão conforme os princípios da solidariedade social, o conceito de relação representa a superação da tendência que exaure a construção dos institutos em termos exclusivos de atribuição de direitos.” PERLINGIERI, P. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: RENOVAR, 1999, p. 113. 30O Professor Miguel Reale destaca quatro elementos essenciais da relação jurídica, o sujeito ativo, o sujeito passivo, o vínculo de atributividade e o objeto, in Lições Preliminares de Direito. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 213.
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Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 2º, caput,
afirma: consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos
ou serviços como destinatário final31. Da mesma forma, no art. 3º, visando a
conceituação mais abrangente possível, denomina fornecedor: toda pessoa física ou
jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.
Já Produto, com base no parágrafo primeiro, do mesmo artigo, vem
a ser qualquer bem (móvel ou imóvel, material ou imaterial), enquanto que Serviço,
conforme o §2º, é qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, mediante
remuneração.
Diante dessa estruturação normativa, fácil constatar que, como regra
geral, e à exceção dos arts. 17 e 29, para a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor, se faz indispensável à existência de uma relação de consumo, ou seja,
de um vínculo relacional32, no mais das vezes, de natureza contratual33, que una os
dois sujeitos, de um lado, o consumidor e, de outro, o fornecedor, em função de um
objeto34, cuja ausência implicará na transformação da suposta relação consumerista
em civil ou comercial, com a aplicação dos respectivos Estatutos.
Com isso, não se pretende afirmar que o Código Civil e o Código
Comercial são inaplicáveis, diante das relações de consumo, mas apenas, e tão
somente, que a sua utilização é subsidiária, na razão em que os dispositivos (ou
31“A definição jurídica de consumidor não está assentada nem mesmo naqueles países que possuem legislação especial para protegê-lo. Por outro lado, é difícil definir consumidor com base apenas no direito tradicional” BENJAMIN, A. H. B. O conceito Jurídico de Consumidor. Revista dos Tribunais. São Paulo, nº 628, 1988, p. 70. 32COELHO, F. U. op. cit., p. 43. 33“Essa relação especial é normalmente estabelecida por um contrato entre o consumidor e o fornecedor, embora outras pessoas fora deste negócio jurídico possam também ser protegidos pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, caso sofram um dano em razão de alguma prática comercial daquele fornecedor no mercado.” TIMM, L. B. A Prestação de Serviços Bancários Via Internet ( home banking ) e a Proteção do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, nº 38, 2001, p. 82. 34“A relação de consumo compreende o vínculo contratual de fornecimento e aquisição de produtos e serviços.” CENEVIVA, W. op. cit., p. 81.
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princípios, que se desejam ver aplicados) não colidam com os princípios instituídos
pelo microssistema.
Assim, para se identificar uma relação de consumo35, âmbito no qual
se opera, na grande maioria das vezes, a proteção e a defesa dos direitos da
personalidade, mister o conhecimento anterior dos elementos indispensáveis à sua
existência.
4. Os Direitos da Personalidade no Código de Defesa do Consumidor
Ao ingressar na matéria, mesmo que através de breve inserção,
indispensável ressalvar que, em raras oportunidades, dentro da magnitude e
dimensão do Direito, podemos encontrar um tema cercado de tantas dificuldades,
teóricas e práticas, ao fito de definir os direitos da personalidade, sua natureza
jurídica, conceito, objeto etc.
O problema resta agravado, ao se observar que, na
transmodernidade, o diálogo de implicação entre cibernética, globalização e
capitalismo (neoliberalista), conduz a um desreferencial paradigmático, interferindo
na compreensão do direito, das ciências sociais e de todos os setores da atividade
humana36.
Assim, para os efeitos desse estudo, ou seja, identificar os principais
direitos da personalidade, sua proteção e defesa, dentro do âmbito do Código de
Defesa do Consumidor, sem nos ater aos intensos e profundos debates entre
pluralistas (que vêem a existência de múltiplos direitos da personalidade) e monistas
(que afirmam a existência de um único direito da personalidade), é preciso dizer que,
em razão do texto constitucional, mais precisamente, como já se mencionou, o inc.
III, art. 1º, existe no Brasil uma verdadeira “cláusula geral de tutela e promoção da
35“São relações de consumo apenas aquelas que envolvem bens (ou produtos) entregues a seu destinatário final. O mesmo conceito serve para os serviços, também abrangidos nas relações de consumo.” PASQUALOTTO, A. Conceitos Fundamentais no Código de Defesa do Consu midor. Revista dos Tribunais. São Paulo, nº 666, 1991, p. 50. 36COELHO, L. F. op. cit., p. 33.
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pessoa” 37, que é entendida como valor máximo do ordenamento, influenciando-o em
todos os seus aspectos.
Na trilha de Gustavo Tepedino, “não se trataria de enunciar um único
direito da personalidade, senão, mais tecnicamente, de salvaguardar a pessoa
humana em qualquer momento da atividade econômica, quer mediante os
específicos direitos subjetivos (previstos pela Constituição e pelo legislador especial
– saúde, imagem, nome, etc.) quer como inibidor de tutela jurídica de qualquer ato
jurídico patrimonial ou extrapatrimonial que não atenda à realização da
personalidade.” 38.
Tal cláusula resta bem delineada, ao se verificar que o princípio da
dignidade da pessoa humana, ao lado da cidadania, dos valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa, é elevada ao patamar de fundamento da República (inc. III, art.
1º), que tem, como principais objetivos, de construir uma sociedade justa e
igualitária, de garantir o desenvolvimento nacional, de erradicar a pobreza,
reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º).
Assim, como sustenta o ilustre autor, “a tutela da personalidade –
convém, então, insistir – não se pode conter em setores estanques, de um lado os
direitos humanos e de outro as chamadas situações jurídicas de direito privado. A
pessoa, à luz do sistema constitucional, requer proteção integral, que supere a
dicotomia direito público e direito privado e atenda a cláusula geral fixada pelo texto
maior, da promoção da dignidade humana.”39.
Dentro dessa perspectiva, determinada pela Constituição Federal, o
Código de Defesa do Consumidor, inundado por aquela luminosidade, constitui-se
num dos diplomas, onde mais se encontra a consolidação da cláusula geral de
salvaguarda da pessoa, vez que, em todos os seus aspectos40, a meta é a de busca
37TEPEDINO, G. Temas de Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2001, p. 48. 38Idem, ibidem, p. 47. 39Idem, ibidem, p. 50. 40“Feitas estas considerações conceituais, que delimitam e informam, definindo premissas e estabelecendo conexões temáticas, deve-se dizer que os direitos do consumidor albergam, em sua textura, direitos da personalidade. São, mais propriamente, em parte, e não em sua totalidade, concretização de direitos da personalidade.” BITTAR, E. C. B. Direitos do Consumidor e Direitos
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de desenvolvimento, da proteção e da defesa da personalidade, tutelando e
protegendo o consumidor, em qualquer momento da relação de consumo, e até
mesmo antes ou depois de sua formação.
Com efeito, a vida, a integridade física e mental, a honra e a
intimidade, são valores de constante proteção e defesa dentro da sistemática
adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, tudo com o objetivo de tutelar, a
pessoa consumidora, onde quer que ocorra a ameaça ou a lesão a seus direitos e
interesses41.
Para a comprovação desta afirmação, necessário analisar,
articuladamente, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, onde mais se
revela a constante e profunda proteção e defesa dos direitos da personalidade,
dentro da relação de consumo, seja direta, seja por equiparação, em obediência ao
texto constitucional.
4.1. Direito à vida e à incolumidade física e psíqu ica
O art. 6º, no inc. I, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece,
como direito fundamental do consumidor, “a proteção da vida, saúde e segurança
contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos;”.
Como se observa, já no primeiro inciso, o Código de Defesa do
Consumidor demonstra a sua preocupação não só de proteger a vida, bem maior do
Direito42, que é a este anterior, e até independente, mas também de assegurar a
da Personalidade: Limites, Intersecções, Relações. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, nº 33, p. 183. 41“Percebe-se, pois, que a tônica é a do respeito aos valores fundamentais da personalidade humana, que, por sua índole, se sobrepõe a todos os demais, constituindo-se a sistemática do Código em edição de regras de prevenção de danos ou inibição de condutas tendentes a lesar os consumidores.” BITTAR, C. A. op. cit., p. 34. 42“Dentre os direitos de ordem física, ocupa posição de primazia o direito à vida, como bem maior na esfera natural e também na jurídica, exatamente porque, em seu torno e como conseqüência de sua existência, todos os demais gravitam, respeitados, no entanto, aqueles que dele extrapolam (embora constituídos ou adquiridos durante seu curso, como o direito à honra, o à imagem e o direito moral do
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incolumidade, a integridade, a higidez, física e psíquica, do consumidor. Mais
destaca essa prioridade, o fato do legislador ter optado pela utilização das palavras
“saúde” e “segurança”, cujo significado, por óbvio, é o de perfeita e harmônica
conservação do corpo e da mente do consumidor.
Apesar do inc. I, patentemente, dispor apenas dos produtos e do
serviços considerados perigosos e nocivos por sua própria natureza, ou seja,
aqueles que são normalmente perigosos, tais como: remédios, herbicidas, fogos de
artifício, produtos químicos, entre outros43, quer parecer que para o art. 6º, do
Código de Defesa do Consumidor, a preservação da vida e da incolumidade física e
mental do consumidor, incontestáveis direitos da personalidade, deverá ser
estendida a todos os produtos e serviços introduzidos no mercado de consumo,
mesmo que, aparentemente, inexista risco, perigo ou nocividade.
A constatação da proposição pode ser observada, através do inc. III,
do mesmo artigo, que objetivando o perfeito conhecimento do consumidor, sobre
todos os aspectos essenciais do produto e do serviço44, afirma ser seu direito
básico, e, portanto, dever do fornecedor, a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com a especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem.
É de fácil percepção, que esses dois direitos básicos, somados ao
do inc. II, ou seja, “educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos
e serviços”, estabelecem um dever para os fornecedores45, no sentido de
autor, a desafiar o vetusto axioma ”mors omina solvit”” BITTAR, C. A. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p. 65. op. cit., p. 34. 43MUKAI, T. et alii. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 14-15. 44“Trata-se de um dever exigido mesmo antes do início de qualquer relação. A informação passou a se componente necessário do produto e do serviço, que não podem ser oferecidos no mercado sem ela.” NUNES, A. L. R. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 114. 45“A educação de que cuida o inc. II, art. 6º do Código de Defesa do Consumidor deve ser aqui encarada sob dois aspectos: a) a educação formal, a ser dada nos diversos cursos desde o primeiro grau de escolas públicas e privadas, ... b) a educação informal, de responsabilidade desde logo dos próprios fornecedores quando, já mediante a a ci6encia do marketing, como já acentuado noutro passo, e se tendo em conta seus aspectos éticos, procurando bem informar acerca das
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respeitarem a vida e a integridade física e psíquica do consumidor, quando
realizarem a produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de quaisquer produtos ou prestação de
serviços, mesmo que não, intrinsecamente, perigosos ou nocivos.
Nesse mesmo sentido é que, segundo o art. 8º, do codex, os
produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à
saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e
previsíveis, em virtude de sua natureza e de sua fruição46, obrigando-se os
fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas
a seu respeito.
Da mesma forma, o art. 10, proibindo a introdução, no mercado de
consumo, de produtos perigosos ou nocivos à saúde e à segurança do consumidor,
dispõe que o fornecedor não poderá colocar, no mercado, produto ou serviço que
sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde
ou à segurança47.
É fácil observar, que a proteção da vida, além da saúde e da
segurança, melhor dizendo, da integridade física e psíquica, na aquisição e
utilização de produtos e serviços, é objetivo constante do microssistema.
características dos produtos e serviços já colocados no mercado, ou ainda os que serão aí colocados à disposição do público consumidor.” FILOMENO, J. G. B. et alii. op. cit., p. 114. 46“Há aqui que se proceder a diferenciação entre o produto ou serviço considerado perigoso em si mesmo (=normalmente perigoso), e o produto ou serviço considerado perigoso em si mesmo (=anormalmente perigosos) em razão de alguma forma possível de defeito. ... Na primeira categoria (produtos e serviços normalmente perigosos) estão os produtos e serviços de cujas próprias e normais características se possa prever alto grau de periculosidade, sem que o risco advenha de defeito de criação, produção ou informação, como por exemplo, os venenos propriamente ditos, os produtos que apresentam toxidade, como Herbicidas, e ainda, as armas de fogo. ... Na segunda categoria, ou seja, dos produtos e serviços indevida e anormalmente perigosos, estão todos aqueles que apresentem potencial periculosidade relacionada a defeito de fabricação ou de produção...” ALVIN, A. et alii. Op. cit., p. 37. 47“Deve-se interpretar esta disposição em conjunto com o art. 8º, ou seja, somente é vedada a introdução no mercado de consumo de produto que apresente alto grau de nocividade que não sejam os normais e esperados de seu uso...” ALVIN, A. et alii. Op. cit., p. 40.
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Tal assertiva pode ser constatada também, quando o codex dispõe
haver responsabilidade objetiva (exceto para profissionais liberais48),
independentemente da existência de culpa, e solidária, entre os fornecedores que
participaram da cadeia de consumo, por danos causados em razão de produto ou
serviço, adquirido ou utilizado pelos consumidores (arts. 12, 13 e 14).
Destarte, as disposições não poderiam ir em outra direção, até
porque, não obstante o art. 6º, inc. VI, prever a efetiva prevenção e reparação de
danos materiais e morais, individuais, coletivos e difusos, causados aos
consumidores, significando completa e integral reparação de todos os danos
havidos, há um título inteiro, a partir do art. 61, definindo condutas tipificadas como
crimes contra o consumidor e contra o mercado de consumo.
Além disso, há de se constatar, que pelas disposições acima
numeradas, o Código de Defesa do Consumidor concretiza exatamente aquela
cláusula geral de tutela e promoção da pessoa, contida na Constituição Federal, não
só no o inc. III, art. 1º, mas também no art. 5º, caput, que garante, a brasileiros e
estrangeiros, a inviolabilidade do direito à vida, à segurança, à igualdade, à
liberdade e à propriedade.
Entretanto, não só em relação à vida e à integridade física e mental,
há uma clara defesa dos direitos da personalidade do consumidor, no Código, certo
de que protege e defende também, outros inequívocos direitos da personalidade,
como a honra e o direito à intimidade, além da liberdade.
48“A teoria da culpa não é adequada para ser aplicada em todos os casos de responsabilidade civil de ordem pessoal dos profissionais liberais. Nas obrigações “de resultado”, ela se revela inadequada e, nas agressões aos direitos dos consumidores que são perpetradas através de condutas e práticas de mercado (na oferta, na propaganda enganosa, na cobrança de dívidas, no uso de práticas e cláusulas abusivas, etc.) ela se revela, além de inadequada, quase impertinente.” PRUX, O. I. Responsabilidade Civil do Profissional Liberal no C ódigo de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 188.
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4.2. Direito à honra e à intimidade
A honra, além do sentimento de dignidade que o próprio indivíduo
guarda de si, é seu valor íntimo absoluto, conscientemente reconhecido, e é também
a estima e a consideração que a coletividade social lhe reserva, uma vez que, como
nos lembra o Padre Vieira, nos Sermões: “a fama vive nas almas, nos olhos e na
boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais,
esculpida nos mármores, e repetida sonoramente, sempre nos ecos e trombetas da
mesma fama”.
Nesse passo, como bem esclarece Carlos Alberto Bittar: “no direito à
honra – que goza de espectro mais amplo – o bem jurídico protegido é a reputação
da pessoa, ou a consideração social a cada pessoa devida, a fim de permitir-se a
paz na coletividade.”49.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, em pelo menos
dois momentos normativos, de forma absolutamente específica, defere proteção
especial à honra, tanto no aspecto objetivo, quanto no subjetivo, certo de que sua
relação é íntima e indissociável.
Assim, não obstante da proteção genérica do art. 6º, inc. VI, o
Código de Defesa do Consumidor, no art. 42, prevê que, na cobrança de débitos, o
consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, muito menos submetido a
constrangimento ou ameaça.
A proibição, como é fácil observar, não é a da cobrança de créditos,
legal e permitida, através de vários meios, inclusive o judicial, mas sim a cobrança
vexatória, que constrange e humilha o consumidor, acabando por comprometer a
sua honra, bem como paz indispensável e necessária, inclusive, para que obtenha
capital necessário para o cumprimento de sua obrigação.
49BITTAR, C. A. op. cit., p. 125.
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A preocupação quanto à cobrança é tão acentuada, que o art. 71
tipifica como crime, o ato de cobrar dívidas através de ameaça, coação,
constrangimento físico ou moral, bem como divulgar afirmações falsas, incorretas ou
enganosas, além de qualquer outra ação que exponha o consumidor a ridículo ou
interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.
A matéria não poderia ser tratada de forma diversa, considerando
que as ameaças e violações à honra, além de acarretarem indiscutível diminuição
social, nos mais variados ambientes, inclusive familiar e de trabalho, ocasionam,
para o consumidor, graves conseqüências na esfera pessoal, pela humilhação, pelo
constrangimento, pela vergonha, pela dor, pelo opróbrio, pelo embaraço etc50.
O problema resta agravado, ao observarmos que na sociedade de
consumo, a rapidez com que são celebradas as relações jurídicas, bem como a
impessoalidade de tratamento dispensada ao consumidor pelos fornecedores, e pelo
mercado, de modo geral, aliados à sanha de aumento de capital, proporcionam o
ambiente ideal para que os ataques à honra e à dignidade sejam perpetrados e
consolidados, fato que, à evidência, não passou despercebido aos idealizadores do
Código.
Tema de indissociável ligação com a honra, é a proteção à
intimidade e à vida privada, considerando que qualquer ataque a uma dessas
esferas da personalidade, não pode deixar de representar um ataque também às
demais.
Nesse sentido, o art. 43, protegendo a vida privada e a intimidade51
do consumidor, afirma que este terá acesso às informações existentes em
50“...a personalidade do indivíduo é o repositório de bens ideais, que impulsionam o homem ao trabalho e à criatividade. As ofensas a esses bens imateriais redundam em dano extrapatrimonial, suscetível de reparação. Afinal, as ofensas a esses bens causam, sempre, no seu titular, aflições, desgostos e mágoas, que interferem grandemente no comportamento do indivíduo.” REIS, C. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 74. 51“A privacidade é expressão mais ampla do espectro particular da vida humana e de sua personalidade. Deriva da expressão anglicana privacy e do latim privus, significando tudo aquilo que é reservado do público ou exclusivo do particular. Caracteriza-se por ser o aspecto negativo da liberdade, constituindo-se no direito de estar só, no direito a uma vida anônima, ou ainda no refúgio impenetrável da coletividade. A intimidade, por sua vez, deriva do latim intimus, expressando o núcleo da privacidade, o espaço mais recôndido da vida humana. A constituição brasileira, seguindo a
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cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele,
bem como sobre as suas respectivas fontes.
A regra, como se vê, visa resguardar a intimidade do indivíduo e a
sua vida privada, na medida em que está não sofra a intervenção indiscreta e
agressiva da sociedade de consumo, viabilizada pela rapidez com que a informação
é captada e produzida, e até reproduzida.
Em verdade, existe uma busca normativa de assegurar ao
consumidor a tranqüilidade indispensável à sua paz e bem estar, resguardo-o da
divulgação de seus dados mais íntimos, ou seja, aqueles aspectos de sua
existência, de intimidade pessoal, de completa privacidade quanto a hábitos, gostos,
desgostos, que o mesmo tem a liberdade de expressar ou não, de ver divulgado ou
não, de falar ou não.
Nesse sentido é que a norma, sem proibir a formação desses
bancos de dados, permite que o consumidor interfira em todos os momentos de sua
criação, corrigindo e exigindo que se corrijam todas as informações a seu respeito,
inclusive as desfavoráveis52.
Assim, mais uma vez, há de se constatar, que pelas disposições
acima numeradas, o Código de Defesa do Consumidor preserva a já enunciada
cláusula geral de tutela e promoção da pessoa, em perfeita obediência, inclusive, ao
art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, que dispõe sobre a inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
esteira de outros diplomas, não estabelece qualquer diferença entre a privacidade e a intimidade, impondo a mesma tutela protetiva.” GONÇALVES, R. A. Bancos de Dados nas Relações de Consumo. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 27-28. 52“O consumidor tem o direito de acesso aos dados sobre ele existentes no arquivo do fornecedor. A lei não estabelece a forma, de sorte que basta solicitar, por escrito, diretamente ao proprietário do cadastro. Este, verificando que se encontra legitimado o requerente, deve transmitir-lhe o inteiro teor de todas as informações existente sobre o interessado. Poderá exigir pagamento por este serviço, desde que o valor correspondente não inviabilize o exercício do direito do consumidor. O direito de acesso ao cadastro compreende também o de ser informado acerca da fonte dos dados sobre ele armazenados.” COELHO, F. U. et alii. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 177.
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5. Conclusão
À guisa de conclusão, podemos afirmar que o Código de Defesa do
Consumidor acolhe, indiscutivelmente, em sua essência, a proteção e a defesa de
direitos da personalidade, salvaguardando e protegendo a pessoa consumidora em
qualquer dos momentos da relação de consumo, e até mesmo antes, ou depois, de
sua perfectibilização e extinção.
Em verdade, as disposições que regulamentam a criação, a
introdução no mercado e a posterior comercialização de produtos e prestação de
serviços, além das normas afetas à informação e à publicidade, reparação e
compensação de danos, bem como tipificação de crimes, possuem, como objetivo
maior, a realização daquela cláusula geral de proteção e de defesa da pessoa,
predisposta pela Constituição da República, e que constitui o valor máximo do
ordenamento jurídico.
Assim, o Código de Defesa do Consumidor, através dos princípios
que enuncia e das disposições que cria, concretiza o fundamento constitucional da
dignidade da pessoa humana, na exata medida em que, protegendo e defendendo
diversos aspectos da personalidade, acaba por viabilizar a busca de uma sociedade
livre, justa, solidária e igualitária, conforme os ditames estabelecidos pela justiça
social.
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