apontamentos - ensino de história

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    Apontamentos para pensar o

    ensino de Histria hoje: reformas

    curriculares, Ensino Mdio e

    formao do professor*

    Marcelo de Souza Magalhes**

    O artigo situa os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Mdio emmeio a um conjunto de polticas pblicas de educao implementadas nos anos 1990.Em seguida, recupera aspectos da histria do Ensino Mdio, para entender o projeto dereforma deste nvel contido nos PCNs. Por fim, aponta alguns limites desta proposta,a partir de uma reflexo sobre o ensino da Histria e a formao do professor.Palavras-chave: Ensino Mdio Ensino de Histria Formao de professores

    Notes on the teaching of History in Brazil today: curriculum reformation,

    high education and teachers formation

    The present article focuses the National Guidelines for HighEducation (PCN Parmetros Curriculares Nacionais) issued by the brazilian government as part of

    its educational agenda during the 90s.The author firstly analyses the history of higheducation in Brazil, aiming to understand the reformation proposed by the gover-nment, and secondly, he discusses its limitations in regard to the History teachingand to the teachers formation.Keywords: High education History teaching Teachers formation

    * Artigo recebido em abril de 2006 e aprovado para publicao em junho de 2006.** Professor do Departamento de Cincias Humanas da UERJ e doutor em Histria Socialpela UFF. E-mail: [email protected].

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    DossiMarcelo de Souza Magalhes

    Notes pour rflchir sur lenseignement dhistoire aujourdhui : rformes des

    programmes, enseignement dans les lyces et formation des enseignantsCet article cherche placer les Paramtres des Programmes Nationaux pourlenseignement au niveau des lyces dans le contexte des politiques publiquesdducation tablies dans les annes 90. On reprend aussi certains aspects de lhistoirede lenseignement dans les lyces afin de comprendre le projet de rforme de ceniveau denseignement compris dans les Paramtres des Programmes Nationaux.Finalement, on montre quelques limites de cette proposition partir dune rflexionsur lenseignement de lhistoire et sur la formation des enseignants.Mots-clefs: Lyces Enseignement de lhistoire Formation des enseignants

    As dcadas de 1980 e 1990 foram marcadas por reformulaes curricula-res no Brasil, promovidas por estados e municpios, que no necessariamentesurtiram efeito na modificao de prticas docentes. Estas reformulaestm relao direta com a transio da ditadura civil-militar para um perododemocrtico, em um mundo em processo de globalizao.

    Aps 1982, os governos estaduais eleitos rediscutiram o que se ensinava

    nas escolas, em meio a uma reao dos educadores brasileiros contra os curr-culos mnimos estabelecidos a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) daEducao de 1971 (no 5.692, de 11/08/71).1

    A LDB reforava a tradio herdada dos anos 1930, de centralizao dastomadas de deciso sobre a escola. Atribua aos Conselhos Federal e Estadualde Educao as definies do ncleo comum de contedos e da parte diversi-ficada do ensino, respectivamente. Em tese, o planejamento era feito fora daescola, por rgos de governo criados para tal fim. Isto provocou a resistnciados professores s propostas curriculares, quase sempre vistas como pacotesexternos, distantes da realidade escolar.2

    As reformulaes curriculares dos anos 1980 e 1990 tentaram romper coma idia de impor um pacote diretivo escola. Em funo disto, as Secretariasde Educao procuraram construir suas propostas pela via do dilogo com os

    1 Sobre as reformas curriculares aps a ditadura militar, cf. Selva Guimares Fonseca, Caminhosda histria ensinada, Campinas, Papirus, 1995.2Ibidem, p. 53-54.

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    reformas curriculares, Ensino Mdio e formao do professor

    professores das redes, atravs de reunies e de escolhas de representantes

    docentes. Esta mudana foi significativa, j que o professor, em alguns casos,deixou de ser entendido apenas como transmissor de conhecimento e passoua desempenhar o papel de co-autor, apesar da impossibilidade de mobilizartodos os docentes.

    Em meados da dcada de 1990, este movimento de reformulao curri-cular trilhou um novo rumo. Pela primeira vez aps a ditadura, a Unio tomoupara si a responsabilidade de rever os currculos existentes, estabelecendoparmetros bsicos. As propostas ento desenvolvidas sofreram inmeras cr-ticas, sendo algumas rejeitadas pelos docentes, como foi o caso dos Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Mdio.Divulgados em 1999, os PCNs buscavam superar a lgica disciplinar

    presente nas escolas.3 Entre outras coisas, propunham reorganizar o EnsinoMdio em trs reas:Linguagens, cdigos e suas tecnologias, Cincias da Natu-reza, Matemtica e suas tecnologias e Cincias Humanas e suas tecnologias. Noltimo ano de governo de Fernando Henrique Cardoso, foram publicados osPCNs, contendo um volume para cada rea de conhecimento.4 Esta versomais detalhada das reas surgiu como resposta s crticas feitas ao primeirodocumento, havendo um significativo investimento no sentido de convencero professor da qualidade da proposta e da vantagem em adot-la. Em 2004,agora sob o governo de Luis Incio Lula da Silva, voltou-se a discutir estesPCNs. Depois de idas e vindas, o MEC finalmente reconheceu a pouqussimarecepo que a proposta teve entre os professores do Ensino Mdio.5 A reto-mada da discusso se deu a partir da divulgao de documentos preliminares,escritos por especialistas, acerca do papel de cada disciplina no interior dasreas de conhecimento.6 A fim de compreender sua restrita recepo, tendocomo foco o ensino escolar da Histria, prope-se realizar trs movimentos:

    3 BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAO MDIA E TECNOLGICA, Parmetroscurriculares nacionais, ensino mdio, volume 1 Bases legais, e volume 4 Cincias Humanas e

    suas tecnologias, Braslia, MEC/SEMTEC, 1999.4Idem,PCN+ Ensino Mdio: orientaes educacionais complementares aos Parmetros Curriculares

    Nacionais: cincias humanas e suas tecnologias, Braslia, MEC/SEMTEC, 2002.5 BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAO BSICA, Orientaes curriculares do Ensino

    Mdio, Braslia, Ministrio da Educao, 2004 (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/01Apresentacao.pdf).6 Holiem Gonalves Bezerra, Cincias Humanas e suas tecnologias Histria, ibidem, p.278-313(http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/11Historia.pdf).

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    1. situar os PCNs em meio a um conjunto de polticas pblicas de educao,

    implementadas a partir de meados dos anos 1990; 2. recuperar aspectos dahistria do Ensino Mdio, para compreender o projeto de reforma deste nvelcontido nos PCNs; 3. apontar alguns limites desta proposta, a partir de umareflexo sobre o ensino da Histria e a formao do professor.7

    Um ministro e suas polticas para a educao

    Ao ler textos de educadores que analisam as polticas pblicas de edu-cao implementadas pelo MEC, durante a gesto de Paulo Renato Souza,8

    difcil chegar a qualquer concluso. Tem-se a impresso de no existir consensoacerca dos benefcios destas polticas. Por vezes, alguns aspectos so elogiados.Outras vezes, todas as aes implementadas so criticadas, sendo acusadas deestarem distantes dos projetos formulados por educadores brasileiros e prxi-mos da agenda para a educao proposta por rgos internacionais, tais como:a UNESCO, o BID e o BIRD. Os rgos internacionais so freqentementevistos como defensores de interesses externos sociedade brasileira, muitoligados a grandes corporaes transnacionais.9 A ausncia de um consensomnimo acerca dos benefcios destas polticas pblicas um sinal do quanto

    as questes relacionadas educao eram, na poca, como so at hoje, alvosde intensas disputas, em que diversos grupos, com seus projetos polticos,concorrem entre si.

    Reconhecendo a complexidade do tema, busca-se aqui apenas situaros PCNs como parte de um conjunto mais largo de aes. Durante a gesto

    7 Os PCNs para o Ensino Fundamental no sofreram uma rejeio to grande dos professores.Porm, tal qual os PCNs para o Ensino Mdio, foram relativamente pouco implementados.8 Paulo Renato Souza foi ministro da Educao por 8 anos, de 1995 a 2002, ocupando o cargodurante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso. Sua permanncia nocargo s foi inferior de Gustavo Capanema, que ocupou o ministrio por 11 anos, de 1934 a1945. Antes de ser ministro, passou por duas experincias de gesto na rea de educao. Em1984, foi Secretrio de Educao do Estado de So Paulo, no governo de Franco Montoro. Entre1986 e 1990, foi Reitor da UNICAMP. Ocupou ainda alguns postos em rgos internacionais.Nos anos 1970, desempenhou as funes de especialista e dirigente regional, no Chile, daOrganizao Internacional do Trabalho (OIT), da Organizao das Naes Unidas (ONU).Na primeira metade dos anos 1990, foi gerente de operaes e vice-presidente executivo doBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID).9 Para as crticas s polticas pblicas de educao no Brasil, em sua relao com instituiesestrangeiras, cf. Gaudncio Frigotto e Maria Ciavatta,Educao Bsica no Brasil na dcadade 1990: subordinao ativa e consentida lgica do mercado, Educao & Sociedade, Vol.24, n 82, 2003.

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    do ministro, pode-se claramente perceber uma marca. O MEC, em conjunto

    com o Conselho Nacional de Educao (CNE), se dedicou muito tarefa deplanejamento educacional, atravs de uma intensa produo de propostascurriculares, ento denominadas de diretrizes.10

    Em dois anos, 1998 e 1999, a Cmara de Educao Bsica (CEB) emitiupareceres e aprovou resolues sobre as diretrizes curriculares nacionais paraa Educao Infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Mdio, a EducaoProfissional de Nvel Tcnico e a Formao de Docentes, em nvel mdio, namodalidade Normal. Por sua vez, nos anos 2000, a Cmara de Ensino Superior(CES) desempenhou papel importante na aprovao de resolues acerca das

    diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduao.11Os PCNs para os ensinos Fundamental e Mdio fazem parte deste

    esforo de planejamento do MEC, tendo, certamente, relao direta com ofim da ditadura civil-militar e, alm disto, com a LDB de 1996, que atribuiu Unio o papel de formular diretrizes para o Ensino Superior e para a EducaoBsica, em conjunto com os estados e os municpios.

    As diretrizes curriculares, bem como os PCNs para o Ensino Mdio,possuem uma caracterstica comum: foram organizados a partir da definiode competncias e habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos ao longo doprocesso de ensino-aprendizagem. Logo, tanto para as diretrizes curricularescomo para os PCNs, mais importante do que aprender um contedo relativoa uma rea de conhecimento desenvolver procedimentos que permitam aoaluno aprender a conhecer. Grande parte das diretrizes no faz qualquer men-o aos contedos a serem trabalhados, listando apenas as tais competnciase as habilidades. Esta forma de organizar os currculos, presente em outrospases, tornou-se hegemnica na produo legal do governo brasileiro desdeo final dos anos 1990.

    O importante a ressaltar que no h consenso entre os educadoresbrasileiros no que diz respeito organizao de currculos a partir de compe-tncias e habilidades. H fortes dvidas acerca de como, consensualmente,defini-las em reas menos procedimentais, como o caso de Histria. Emdisciplinas como Portugus e Matemtica, mais fcil chegar a um consensosobre as competncias e as habilidades. Em Matemtica, por exemplo, ao

    10 O CNE composto pela Cmara de Educao Bsica e pela Cmara de Ensino Superior.11 As diretrizes curriculares para os cursos de Histria foram estabelecidas pela ResoluoCNE/CES n 13, de 13 de maro de 2002.

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    final de um certo tempo de estudo, possvel avaliar se o aluno ser capaz de

    realizar as quatro operaes: adio, subtrao, multiplicao e diviso. Criti-cando a estruturao dos currculos a partir de competncias e habilidades,pesquisadores alertam que tais termos esto comprometidos com um certoaprender a fazer, muito relacionado ao mundo da produo.

    Alm do planejamento, houve um investimento significativo do MECna construo de instrumentos de avaliao capazes de realizar um diagnsticoqualitativo do sistema educacional brasileiro. Tarefa que tambm foi definidacomo uma atribuio da Unio na LDB de 1996. Porm, neste caso, a montagemde instrumentos de avaliao anterior e decorre de presses externas, feitaspor rgos internacionais, como a UNESCO. Na gesto de Paulo Renato Souza,o Sistema de Avaliao da Educao Bsica (SAEB) foi aperfeioado e outrasavaliaes foram criadas: o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) e oExame Nacional de Cursos (ENC), todos sob a responsabilidade do INEP.

    O SAEB12 e o ENEM,13 da mesma forma que as diretrizes curricularese os PCNs para o Ensino Mdio, so organizados com vistas a aferir se osalunos desenvolveram, ou no, as competncias e as habilidades de cada n-vel de ensino.14 Estes instrumentos de avaliao, produtores de uma srie de

    12 O Sistema de Avaliao da Educao Bsica foi criado pelo governo da Unio em 1988. Con-siste na coleta de informaes acerca dos alunos, dos professores e dos diretores de escolas emtodo o Brasil. Desde 1990, a cada dois anos, o SAEB avalia, por amostragem, o desempenho dosalunos que esto terminando a 4 e a 8 sries do Ensino Fundamental e a 3 srie do EnsinoMdio, nas disciplinas de Lngua Portuguesa (foco: leitura) e Matemtica (foco: resoluo deproblemas). O objetivo do SAEB oferecer um diagnstico qualitativo da educao bsicabrasileira, a fim de que as vrias esferas de governo possam formular, reformular e monitorarsuas polticas pblicas voltadas para a rea. Os resultados do SAEB vm demonstrando a crticaqualidade da educao bsica brasileira, em que os alunos apresentam srias deficincias deletramento, capacidade de dominar cdigos de leitura do mundo.13 Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Mdio consiste na avaliao do desempenhodos alunos que concluram, ou esto concluindo, o 3 ano do Ensino Mdio. A prova visaavaliar as competncias e as habilidades desenvolvidas pelos inscritos durante os ensinosFundamental e Mdio, imprescindveis vida acadmica, ao mundo do trabalho e ao exer-ccio da cidadania. A inscrio no ENEM voluntria e no h limite de vezes para fazer oexame. Ao final, o candidato recebe um Boletim de Resultados, que divulgado apenas comsua autorizao expressa. A prova composta por questes que abrangem todas as disciplinaspresentes no Ensino Mdio.14 Entre os educadores brasileiros existe uma discusso acerca do carter normativo dos Par-metros. Muitos apontam o paradoxo de serem apresentados como no obrigatrios, auxiliares,e, ao mesmo tempo, servirem como um dos critrios de avaliao qualitativa do sistema edu-cacional brasileiro. Sobre o carter normativo dos PCNs, cf. Corinta Maria Grisolia Geraldi,A cartilha Caminho Suaveno morreu: MEC lana sua edio revista e adaptada aos moldesneoliberais, Maria Teresa Esteban (org.),Avaliao: uma prtica em busca de novos sentidos,Rio de Janeiro, DP&A, 2001.

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    indicadores estatsticos, no so uma especificidade do caso brasileiro, muito

    pelo contrrio, vo ao encontro de um movimento maior, de formulao deinstrumentos de avaliao internacional da educao. Por exemplo, o ProgramaInternacional de Avaliao de Alunos (PISA), implementado pela Organizaopara a Coordenao do Desenvolvimento Econmico (OCDE), avalia alunosna faixa dos 15 anos, construindo indicadores sobre a efetividade dos sistemaseducacionais, dentro de uma perspectiva comparada.15

    Alm do planejamento e da avaliao, os PCNs se fazem presentes,tambm, na produo de materiais didticos. Desde 1995, o Ministrio daEducao retomou a distribuio do livro didtico no Ensino Fundamental,

    para todas as escolas pblicas brasileiras.16 No ano seguinte, pela primeira vez,ocorre o processo de avaliao pedaggica dos livros inscritos no ProgramaNacional do Livro Didtico (PNLD), de 1997. A partir de 1996, o MEC excluide suas compras livros que apresentam erros conceituais, induo a erros, desa-tualizao e preconceito ou discriminao de qualquer tipo. Posteriormente, aoinvs de livros avulsos, so avaliadas somente colees didticas, e os critriosde excluso so aperfeioados. Com o lanamento dos PCNs, passa a ser muitorecorrente a presena de selos nas capas dos livros didticos anunciando suasadequaes aos Parmetros. Logo, h um movimento de reviso dos materiaisdidticos feitos pelas editoras, tanto para se adequar nova proposta curricular,como para se adaptar aos critrios de avaliao do PNLD.

    A divulgao dos Parmetros tambm se faz bastante presente pela viada TV Escola, criada em 1995, cujo sinal transmitido para todas as escolasbrasileiras de porte mdio. Sua grade de programao bastante vinculadaaos PCNs. Os programas apresentados so classificados de acordo com o nvelde ensino (infantil, fundamental e mdio) e a rea de conhecimento a quese destinam. Com isto, sugerem formas de trabalhar com temas ou conceitospresentes nos Parmetros.

    Apesar de eles serem apresentados como auxiliares, a anlise das po-lticas pblicas de educao de Paulo Renato Souza demonstra todo o inves-timento feito pelo MEC em transformar o proposto nos PCNs em realidade,seja adotando-os como um dos critrios de avaliao do sistema de ensino

    15 Cf. www.mec.gov.br.16 Em 2006, a Unio comeou a distribuir livros didticos para as escolas pblicas de EnsinoMdio, iniciando com os livros de Lngua Portuguesa e Matemtica. Os livros didticos deHistria, assim como os demais, sero distribudos em 2007.

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    brasileiro, seja incorporando-os produo de materiais didticos. Mesmo

    aps todos os investimentos, os PCNs para o Ensino Mdio continuam tendopoucos ecos nas escolas; resta saber o porqu. Uma das respostas encontra-sena histria do Ensino Mdio no Brasil.

    O Ensino Mdio: em busca de um lugar

    Desde a dcada de 1990, grande parte dos documentos produzidos pelogoverno federal acerca da situao da educao brasileira utiliza dados estats-ticos elaborados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

    Ansio Teixeira (INEP) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica(IBGE), para demonstrar que o Ensino Mdio passa, desde o final dos anos1980, por um processo de expanso significativo de matrculas. Quanto aoEnsino Fundamental, o processo teve incio nos anos 1970, sendo que, naatualidade, praticamente vivenciamos a universalizao de seu acesso.

    A expanso das matrculas e a distncia da universalizao so os argu-mentos utilizados nos PCNs para justificar a necessidade de uma reforma doEnsino Mdio. Em menos de 10 anos, de 1988 a 1997, as matrculas cresceramem mais de 90%. Apesar da expanso, ao se considerar a populao de 15 a

    17 anos, idade adequada para freqentar tal nvel, constata-se que o ndicede escolarizao no ultrapassa 25%. Bem abaixo dos pases do Cone Sul, emque o ndice alcana de 55% a 60%.

    Ao mesmo tempo em que se verifica uma exploso na demanda, cons-tata-se uma concentrao das matrculas nas redes pblicas estaduais e noperodo noturno. Estudos do INEP, feitos em nove estados, com concluintesdo Ensino Mdio, demonstram que 54% so originrios de famlias com rendamensal de at 6 salrios mnimos. Com base nestes dados, o texto dos Par-metros conclui que, pela primeira vez, existe uma incorporao de jovens e

    adultos de classes sociais que nunca participaram deste nvel de ensino, tovoltado, na sua histria, para a formao das elites brasileiras.

    A histria do ensino secundrio no Brasil, no muito diferente de nossosvizinhos da Amrica Latina, marcada pela existncia de uma dualidade entreos tipos de formao: a profissionalizante, endereada aos trabalhadores, e apropedutica, com vistas ao ensino superior, direcionada para as elites. Estadualidade se faz presente desde o incio da Repblica. poca, a formao

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    profissional era tida como uma maneira eficiente de moralizar os pobres,

    ensinando-lhes um ofcio.17Em 1909, 19 escolas de artes e ofcios foram criadas por todo o Brasil.

    Alm destas escolas, aos trabalhadores era dada a opo de freqentar o cursorural ou o curso profissional, com durao de 4 anos. Para os egressos de taiscursos, no nvel ginasial, s havia opes de ensino para o mundo do trabalho:o curso normal, o curso tcnico comercial e o tcnico agrcola.

    Um outro percurso escolar era planejado para os filhos das elites. Distan-tes dos trabalhos manuais, suas escolas contemplavam uma formao de cunhogeral, iniciando no ensino primrio, passando pelo secundrio propedutico

    e terminando no superior.Esta dualidade na formao escolar obteve reforo na dcada de 1940.

    Por iniciativa de Gustavo Capanema, Ministro da Educao e Sade de GetlioVargas, entre 1942 e 1946, entraram em vigncia as Leis Orgnicas de Ensino.Para os alunos egressos das classes trabalhadoras, foram criados vrios cursostcnicos de 2o ciclo, o ensino agrcola (Decreto-lei no 9.613/46), o comercial(Decreto-lei no 6.141/43), o industrial (Decreto-lei no 4.073/42) e o curso normal(Decreto-lei no 8.530/46). Alm destes, foram criados dois sistemas privadospara a formao profissional: o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial(SENAI) e o Servio Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Osdiplomas de tais cursos no eram aceitos para entrar no ensino superior.

    No caso das elites, mais uma vez a trajetria escolar era distinta. Atravsdo Decreto-lei no 4.244, de 9 de abril de 1942, foram criados o cientfico e oclssico, dois cursos mdios de 2o ciclo, com durao de 3 anos. Estes eramos cursos que mantinham o carter propedutico, dando acesso ao ensinosuperior.

    Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (no 4.024, de 20/12/61)integrou o ensino profissional ao sistema regular, equiparando os cursos profis-sionalizantes e propeduticos, para fins de acesso ao ensino superior. Passados10 anos, em 1971, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao props a su-perao da dualidade, atravs da obrigatoriedade do ensino profissionalizante.Tal medida sofreu enorme resistncia de setores da sociedade, que lutarampela manuteno do carter propedutico deste nvel de ensino. Em 1975, o

    17 O breve histrico do ensino secundrio no Brasil foi extrado de Clarice Nunes, Ensinomdio, Rio de Janeiro, DP&A, 2002.

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    Parecer no 76 eliminou a obrigatoriedade da profissionalizao e restabeleceu

    a formao geral no Ensino Mdio, sendo reafirmado pela Lei no 7.044/82.A Lei de Diretrizes e Bases da Educao de 1996 estabeleceu ser o

    Ensino Mdio a etapa final da Educao Bsica. Pela primeira vez na educaobrasileira, o Ensino Mdio adquiriu uma funo formativa em si, rompendocom as diretrizes propedutica e profissionalizante. Neste sentido, a Lei no9.394, de 20 de dezembro de 1996, busca distanciar-se da dualidade que marcaeste nvel de ensino desde o incio do sculo XX.

    Os PCNs para o Ensino Mdio foram formulados tendo como horizon-te este distanciamento da dualidade. Trata-se de um nvel de ensino que,

    atualmente, ao menos do ponto de vista legal, possui um lugar em si, e nomais voltado para preparar para um ofcio ou para ascender ao ensino supe-rior. Como etapa final da Educao Bsica, o Ensino Mdio adquire o papelde finalizao de uma formao que se inicia, pelo menos, 8 anos antes. Noentanto, preciso lembrar que existe uma grande diferena entre o lugarproposto pela LDB de 1996 para o Ensino Mdio, reafirmado nos PCNs, eo papel que tal nvel desempenha na prtica. Como professor da disciplinaPrtica de Ensino de Histria, na Faculdade de Formao de Professoresda UERJ, trabalhando h 4 anos com colgios pblicos estaduais de EnsinoMdio, situados no municpio de So Gonalo, possvel perceber algumasdas lacunas deste nvel de ensino.

    O Ensino Mdio parece pouco contribuir para a formao dos alunos,muitos possuindo problemas bastante significativos de letramento,18 algo quese verifica com os resultados das provas do Sistema de Avaliao da EducaoBsica (SAEB). Tudo indica que, em muitas escolas, o Ensino Mdio nada mais do que um lugar de certificao, no qual possvel obter um diploma maisvalorizado no mercado de trabalho do que o do Ensino Fundamental.

    Atualmente, o Ensino Mdio parece distante tanto da profissionaliza-o, quanto da formao para acessar o ensino superior. No entanto, muitosde seus alunos querem tentar o vestibular. De alguma forma, a perspectiva delugar de passagem para um outro nvel ainda bastante presente e tende a serreforada, pois vivemos um momento em que se adota como poltica pblicade educao a bandeira da universidade para todos. No por acaso que, nadcada de 1990, se espalham, ao menos pelo Rio de Janeiro, os pr-vestibularescomunitrios, que possuem a tarefa de preparar os alunos carentes para presta-

    18 Letramento o processo de insero na cultura escrita.

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    rem, com mnimas chances, os concursos de acesso a diversas universidades.

    No custa lembrar que o apoio financeiro a estes pr-vestibulares ganhoustatusde poltica pblica durante a gesto de Paulo Renato Souza. No deixa de serum paradoxo, se pensarmos que tal poltica foi implementada justamente nagesto do ministro que props um lugar prprio para o Ensino Mdio, paraalm do carter propedutico e profissionalizante.

    O lugar da Histria nos PCNs e alm

    Nos PCNs referentes aos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental,19

    publicados em 1997, a disciplina Estudos Sociais, marca das reformas curri-culares dos anos 1970, substituda por Histria e Geografia, sinalizando aoprofessor a necessidade de trabalhar noes introdutrias destas disciplinascom os alunos. Alm desta substituio, os PCNs organizam os contedos deHistria por eixos temticos:Histria local e do cotidiano (1o ciclo) eHistriadas organizaes populacionais (2o ciclo).20

    A opo de organizar os contedos por eixos temticos tambm se man-teve nos PCNs voltados para os ciclos finais do Ensino Fundamental, editadosem 1998. Ao professor da disciplina escolar Histria sugerido trabalhar com

    aHistria das relaes sociais, da cultura e do trabalho, no 3o

    ciclo, e aHistriadas representaes e das relaes de poder, no 4o ciclo.21

    Alm de organizarem os contedos por eixos temticos, os PCNs parao Ensino Fundamental traam objetivos gerais para o ensino de Histria,visando que os alunos, ao longo de 8 anos, possam ampliar a compreenso desua realidade.

    Ao analisar os currculos de Histria produzidos no Brasil para o EnsinoFundamental na dcada de 1990, Circe Bittencourt conclui que, quanto aoscontedos, a disciplina Estudos Sociais continuava a ser hegemnica entre a

    1a e a 4a sries; no entanto, da 5a srie em diante, a separao entre Histriae Geografia era um fato. A partir da 5a srie, constata ainda que grande partedos currculos ordenava os contedos, utilizando a terminologia marxista dosmodos de produo. Para a histria do Brasil, tenderam a reparti-la pelos eixos

    19 Os PCNs dividem o Ensino Fundamental em quatro ciclos: 1 ciclo (1 e 2 sries), 2 ciclo(3 e 4 sries), 3 ciclo (5 e 6 sries) e 4 ciclo (7 e 8 sries).20 BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL,Parmetros curricularesnacionais: histria, geografia, Braslia, MEC/SEF, 1998.21Idem,Parmetros curriculares nacionais: histria, Braslia, MEC/SEF, 1998.

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    polticos (Colnia, Imprio e Repblica) ou pelos ciclos econmicos (da borra-

    cha, da cana-de-acar, do ouro e do caf). Eram minoritrios os currculos queorganizavam os contedos por temas geradores ou eixos temticos.22 Logo, asopes feitas nos PCNs para o Ensino Fundamental trilharam o caminho doque no era hegemnico, eliminando os Estudos Sociais de todas as sries eordenando os contedos por eixos temticos.

    Os PCNs para o Ensino Fundamental foram construdos, de algumamaneira, no dilogo com a produo curricular dos estados e municpios dasdcadas de 1980 e 1990.23 Quanto Histria, possvel, inclusive, perceberinspiraes em certas propostas curriculares, como no caso do currculo for-

    mulado pela Secretaria de Educao do Estado de So Paulo, na segundametade dos anos 1980.24 Distante desta produo curricular, os PCNs para oEnsino Mdio foram organizados de modo muito diferente, tendo como base adefinio das competncias e das habilidades que o aluno deveria desenvolverdurante este nvel de ensino. Esta forma de organizao de currculo, comovisto, foi bastante utilizada pelo MEC no incio dos anos 2000.

    Na primeira verso dos PCNs, de 1999, feita uma argumentaoacerca do sentido da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias no EnsinoMdio, baseada na retomada e na atualizao da educao humanista. Estaargumentao associa os princpios estticos, polticos e ticos previstos nasDiretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio como fundamentaispara a organizao escolar e curricular com os princpios propostos pelaComisso Internacional sobre Educao para o Sculo XXI, da UNESCO,fundamentados no aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser. A reaadquire sentido a partir da construo de uma esttica da sensibilidade, que

    22 Circe Bittencourt, Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de histria,

    (org.), O saber escolar na sala de aula, So Paulo, Contexto, 2001, p. 11-27.23 Antes da elaborao dos PCNs, a Fundao Carlos Chagas fez uma pesquisa acerca doscurrculos formulados para o Ensino Fundamental nos anos 1990, que resultou no livro ElbaSiqueira de S Barreto (org.), Os currculos do ensino fundamental para as escolas brasileiras,Campinas, Autores Associados, So Paulo, Fundao Carlos Chagas, 1998.24 Vrios estudos foram realizados acerca desta proposta curricular de So Paulo; para au-mentar o conhecimento sobre suas discusses, cf. Selva Guimares Fonseca, op. cit.; Mariado Carmo Martins, A CENP e a criao do currculo de histria: a descontinuidade de umprojeto educacional,Revista Brasileira de Histria, Vol. 18, n 36, So Paulo, 1998; ClaudiaSapag Ricci, Quando os discursos no se encontram: imaginrio do professor de histria ea reforma curricular dos anos 80 em So Paulo,Revista Brasileira de Histria, Vol. 18, n 36,So Paulo, 1998.

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    A contribuio dos conhecimentos de Histria para a rea de Cincias

    Humanas e suas Tecnologias, assim como de Geografia, Sociologia, Antropo-logia, Poltica e Filosofia, tratada nos PCNs de forma bastante superficial.O texto procura responder por que ensinar Histria, o que ensinar e comofaz-lo. A construo dos laos de identidade e a consolidao da formaoda cidadania so as principais contribuies dos conhecimentos de Histria,alm de ensinar o aluno a ler o mundo nas entrelinhas.27

    A construo da identidade abordada no texto dos PCNs a partir deuma extensa discusso sobre as noes de tempo histrico, referenciadasna cultura.28 A discusso de tempo histrico acaba levando a uma reflexo

    sobre a sociedade atual, vista como um presente contnuo, que tende aesquecer e anular a importncia das relaes que o presente mantm como passado. Nesta sociedade, cabe Histria, junto com o seu ensino, livraras novas geraes da amnsia social que compromete a constituio de suasidentidades individuais e coletivas. Logo, identidade se junta a memriacomo mais um direito de cidadania, que implica pensar no significado delugares de memria, ou seja, festas, monumentos, museus, arquivos e reaspreservadas.29

    No volume dedicado rea de Cincias Humanas e suas Tecnologiasdo PCN, de 2002, h um investimento no sentido de tentar convencer osprofessores das vantagens de se reformular o Ensino Mdio. De forma menossuperficial do que a verso de 1999, o texto explica a opo por romper a lgicade organizao disciplinar dos conhecimentos to presente no nvel mdio.30

    27 Construir identidades e formar cidados so papis atribudos disciplina escolar Histriadesde sua constituio. Para uma discusso sobre os significados destes conceitos nos PCNspara o Ensino Fundamental, cf. Rebeca Gontijo, Identidade nacional e ensino de histria:a diversidade comopatrimnio sociocultural, Martha Abreu e Rachel Soihet (orgs.), Ensinode histria: conceitos, temticas e metodologia, Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003; Marcelo

    de Souza Magalhes, Histria e cidadania: por que ensinar histria hoje?, Martha Abreu eRachel Soihet (orgs.),Ensino de histria, op cit.28 Ver crtica questo da identidade em Eric Hobsbawm, No basta a histria de identidade,Eric Hobsbawm,Sobre histria, So Paulo, Companhia das Letras, 1998.29 A reflexo de Franois Hartog sobre regime de historicidade muito til para pensar opapel do ensino da Histria hoje, pois ajuda a compreender duas importantes funes, tanto dohistoriador quanto do professor, que so a desnaturalizao e a historicizao dos fenmenos.Cf. Franois Hartog, Tempo e histria: como escrever a histria da Frana hoje?,Histria

    Social, Campinas, So Paulo, n 3, 1996, p. 127-154.30 BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAO MDIA E TECNOLGICA,PCN+: ensinomdio: orientaes educacionais complementares aos Parmetros Curriculares Nacionais: cincias

    humanas e suas tecnologias, Braslia, MEC/SEMTEC, 2002.

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    Apontamentos para pensar o ensino de Histria hoje:

    reformas curriculares, Ensino Mdio e formao do professor

    Nos PCNs, a contribuio dos conhecimentos de Histria assim como

    de Filosofia, Geografia e Sociologia valorizada na medida em que os pro-fessores busquem construir aulas baseadas em competncias e habilidades.Basta citar os ttulos referentes aos conhecimentos de Histria para percebero tom de diretivo desta verso complementar: Os conceitos estruturadores daHistria, O significado das competncias especficas de Histria,A articulao dosconceitos estruturadores com as competncias especficas da Histria e, por fim,Sugestes de organizao de eixos temticos em Histria. Diferente da verso de1999, h uma preocupao em adequar a proposta curricular, com seu discursodas competncias e habilidades, a uma linguagem mais familiar aos professores,

    dos conceitos e eixos temticos.O texto dos PCNs comporta uma clara dicotomia entre o velho e o novo

    Ensino Mdio, que se quer construir. O atual Ensino Mdio visto comodespreparado para dar uma formao adequada aos alunos que vivem nummundo em constante transformao, pois, ao invs de ensinar a conhecer, estbastante comprometido com um ensino portador de um carter informativo.

    Ao final de cada volume dos PCNs existe um item intitulado de For-mao profissional permanente dos professores, que se divide em:A escola comoespao de formao docenteeAs prticas do professor em permanente formao.Este item, que no costuma estar presente em propostas curriculares, assimcomo no esteve na verso de 1999, indcio de que o MEC atribui formaodos professores uma parte, talvez significativa, das dificuldades encontra-das em implementar a reforma no Ensino Mdio, presente nos ParmetrosCurriculares Nacionais. Logo, o problema encontra-se no professor, cuja for-mao ainda no est adequada a uma prtica de ensino fundamentada emcompetncias e habilidades.31

    Apontar a formao profissional do professor como um problema permiteconcluir o texto, retornando anlise das polticas pblicas de educao. NasDiretrizes Curriculares Nacionais para a Formao de Professores da EducaoBsica, de 2001, a proposta de uma identidade profissional para o professorsai vitoriosa. Tal proposta critica claramente o modelo aplicacionista do co-nhecimento. De acordo com este modelo, durante um certo tempo, os alunosassistem a aulas baseadas em disciplinas e, em seguida, estagiam, aplicando

    31Ibidem, p. 99-104.

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    os conhecimentos aprendidos. Somente ao terminar a formao inicial que,

    de fato, aprendero o ofcio na prtica.Maurice Tardif, pesquisador canadense da rea de Educao, aponta

    que o principal problema do modelo aplicacionista ser idealizado segundouma lgica disciplinar e no segundo uma lgica profissional centrada no es-tudo das tarefas e realidades do trabalho dos professores.32 Na perspectiva doautor, ao construir uma aula na escola, os saberes profissionais dos professoresso muito mais importantes, diria at decisivos, do que os conhecimentosuniversitrios adquiridos na formao inicial, quase sempre esquecidos. Estapouca importncia dos conhecimentos adquiridos na formao inicial pode ser

    colocada em dvida atravs da prpria resistncia dos professores do EnsinoMdio proposta contida nos PCNs.

    Mais do que no ser implementado por um problema de formao, a pro-posta vai de encontro a anos de experincias formativas acumuladas, tanto nauniversidade como nas escolas. Geraes de professores se formaram pensandona especificidade do ensino de suas disciplinas. No caso de Histria, a lutapelo fim da licenciatura curta, implantada nos anos 1970, e o desenvolvimentoda ps-graduao geraram o pressuposto, at hoje vlido, de que a formaodo professor indissocivel da formao do pesquisador.33 Neste modelo, oprofessor de Histria adquire autonomia em sua prtica docente ao saber,dentre outras coisas, como se constri conhecimento na rea. Isto permiteque o professor e o pesquisador de Histria compartilhem uma linguagemcomum, apesar da especificidade de suas prticas.

    O caminho trilhado neste artigo demonstra que as crticas aos PCNs,sobretudo os do Ensino Mdio, e as dificuldades surgidas na sua utilizaono podem ser unicamente compreendidas a partir do problema da formaodos professores, que, inegavelmente, existem. preciso considerar que aconstruo de uma proposta que se quer fundadora de um novo Ensino Mdiono pode estar dissociada das prticas docentes desenvolvidas neste nvel deensino, das experincias formativas existentes at ento e da histria desteensino no Brasil.

    32 Maurice Tardif, Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitrios: ele-mentos para uma epistemologia da prtica profissional dos professores e suas conseqnciasem relao formao para o magistrio,Revista Brasileira de Educao, n 13, 2000, p. 19.33 Ver, por exemplo, a proposta curricular da UFF produzida na dcada de 1990.