apoio mútuo nº 2 - janeiro 2013

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Apoio Mútuo Revista anarcosindicalista - Fazer sindicalismo p. 3 - E atingem-se os pontos de ruptura p. 4 - A contestação pelos monitores p. 5 - Sobre uma visita p. 6 - Media, Estado e Capitalismo p. 7 - Mais um que morreu… dizem que foi um acidente p. 9 - Importância da geografia na actividade anarco-sindicalista p. 10 - A CGT e a fundação da AIT p. 11 - Há noventa anos: o congresso de fundação da AIT... p. 17 - Entrevista: KRAS - secção russa da AIT p. 18 - Saint Imier – Encontro Internacional Anarquista p. 21 - Crise? p. 22 - Entre esquerdas e direitas p. 23

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Revista anarco-sindicalista, publicada pela Associação Internacional dos Trabalhadores - Secção Portuguesa

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Page 1: Apoio Mútuo nº 2 - Janeiro 2013

Apoio MútuoRevista anarco­sindicalista

# 2Janeiro201 3

- Fazer sindicalismo p. 3- E atingem-se os pontos de ruptura p. 4- A contestação pelos monitores p. 5- Sobre uma visita p. 6- Media, Estado e Capitalismo p. 7- Mais um que morreu… dizem que foi um acidente p. 9- Importância da geografia na actividade anarco-sindicalista p. 10- A CGT e a fundação da AIT p. 11- Há noventa anos: o congresso de fundação da AIT... p. 17- Entrevista: KRAS - secção russa da AIT p. 18- Saint Imier – Encontro Internacional Anarquista p. 21- Crise? p. 22- Entre esquerdas e direitas p. 23

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Apoio Mútuo #2 Janeiro 20132

As opiniões expressas nos artigosassinados não correspondemnecessariamente a posições da AIT­SP

Editorial

A correspondência para o ApoioMútuo deve ser enviada para:

Apartado 50029 / 1 701 -001 LisboaPortugale-mail : ait. l isboa@gmail .com

Este segundo número da revista anarco­sindicalista Apoio Mútuo sur­ge mais de três anos depois do primeiro, publicado em Maio de 2009.A razão de tal demora prende­se com as vicissitudes de uma organi­zação totalmente fundada no esforço voluntário e militante dos seus mem­bros.Apesar das dificuldades, insistimos em afirmar o anarco­sindicalismocomo a corrente do movimento social dos trabalhadores que contém em sias práticas mais consequentes com os princípios de auto­organização e au­tonomia das lutas. Acreditamos que cabe aos próprios trabalhadores toma­rem a luta nas suas mãos, deixando de a confiar a intermediários e repre­sentantes. São necessários novos sindicatos, que não sejam meros gabinetesjurídicos, nem corpos de funcionários que já nada têm a ver com o mundodo trabalho e muito menos máquinas de mobilização das massas ao serviçode partidos políticos.Assistimos cada vez mais a um incremento da ofensiva do patronato edos governos contra as condições de vida dos trabalhadores. Mas, ao mesmotempo que se torna cada vez mais urgente organizar a resistência a este ata­que, constatamos que as organizações que se reclamam defensoras dos tra­balhadores são completamente inúteis para esta tarefa. Não podemos deixarde concluir pelo acerto da tendência antiautoritária no seio do movimentodos trabalhadores, que, pelo menos há cerca de século e meio, vem defen­dendo a descentralização e a autonomia organizativas, e recusando qual­quer estratégia de conquista do poder ou de utilização de métodos político­representativos na luta pela emancipação do trabalho.Sabemos que hoje, num contexto em que cada vez mais trabalhadoresestão dispostos a trabalhar sob quaisquer condições, as condições para fazersindicalismo são também muito mais difíceis. Da mesma forma, a constitui­ção de sindicatos de acordo com os nossos princípios, sem funcionários pa­gos, mantidos apenas pelo esforço dos seus membros, onde tudo deve serdiscutido em assembleias e que praticam a solidariedade efectiva entre tra­balhadores é extremamente exigente. Esta concepção de sindicalismo exigedos membros do sindicato uma militância, um compromisso e uma dispo­nibilidade que nem todos estão dispostos a assumir. É claro que não é ne­cessário ser um militante activo para ser membro de um sindicato organiza­do segundo o modelo anarco­sindicalista, mas sem militantes activos estesindicato nunca poderá funcionar nem avançar rumo aos seus objectivos.A melhoria imediata das condições de vida dos trabalhadores é um ob­jectivo importante do anarco­sindicalismo, quer através da conquista de di­reitos, como também através do estabelecimento de redes de apoio mútuo esolidariedade, quer ainda através da realização de projectos de produção econsumo alternativos. Mas sabemos, e a realidade insiste em demonstrá­lo,que os grandes problemas que enfrentamos, como, por exemplo, a destitui­ção de sentido do trabalho ou a brutal destruição do planeta, não podem serresolvidos no contexto do modelo económico e político actual. É por issoque defendemos um projecto de transformação da sociedade, com vista aestabelecer as máximas condições de liberdade e igualdade social.A Associação Internacional dos Trabalhadores comemora este ano o seunonagésimo aniversário. Desde que foi criada, na passagem do ano de 1922para 1923, as organizações que a compõem enfrentaram grandes adversida­des. Os sindicatos revolucionários tiveram de se bater, durante largas déca­das, contra o predomínio de concepções autoritárias e vanguardistas da lutaoperária; contra a repressão das ditaduras, fascistas ou ditas “comunistas”,que aniquilaram e levaram para a prisão muitos militantes, obrigando asorganizações à clandestinidade; e, finalmente, contra o triunfo de um capi­talismo integrador e de um Estado dito “social”, que conseguiram iludir ostrabalhadores, levando­os mesmo a pensar que já não existiam classes soci­ais, e que os seus problemas se resolveriam tão­somente com o preenchi­mento de um formulário ou com o voto no candidato mais bem­falante dequatro em quatro anos.Chegados ao ano de 2013, quando está à vista de todos uma guerra socialde que são os trabalhadores as grandes vítimas não podemos deixar de nossentirmos orgulhosos por pertencermos a esta comunidade de luta quetransporta no seu seio um mundo novo.

Associação Internacional dosTrabalhadores

Secção Portuguesa

http://ait-sp.blogspot.com

Contactos:

Núcleos e sindicatos:

LisboaNúcleo de LisboaApartado 50029 / 1 701 -001 Lisboae-mail : ait. l isboa@gmail .com

PortoSindicato de Ofícios VáriosRua dos Caldeireiros, n.º 21 34050-1 41 Porto(à Cordoaria, junto da Torre dos Clérigos)e-mail : sovaitporto@gmail .comweb: sovaitporto.blogspot.com

Outros contactos:

Algarvee-mail : aitsp.contacto.algarve@gmail .com

Chavese-mail : [email protected]

Guimarãese-mail : aitguimaraes1 2@gmail .com

Setúbale-mail : setubal.aitport@gmail .com

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Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 3

A partir do momento em que es­sa pressão desaparece, haverá,em primeiro lugar, a tendênciapara ignorar a lei e, posteriormente, apartir do momento em que surja algoque convide a burguesia a aumentar aexploração sobre os trabalhadores, apressão para que as leis sejam, nãoapenas ignoradas, mas reescritas. Nãoé possível para a classe trabalhadoracontrariar esta pressão por meios polí­ticos, visto que os aparelhos políticosque dominam o Estado não lhes per­tencem. Ainda que assim não fosse, acapacidade da classe trabalhadora pa­ra tornar válidos quaisquer triunfosconseguidos na esfera legal tem por li­mite a sua força e capacidade de resis­tência na esfera das relações de traba­lho. Ou a classe trabalhadora consegueimpor ao patronato o cumprimento dalei por via da sua força e organizaçãono próprio local onde a exploraçãoacontece, ou a lei é inútil. Em situaçõesde fraqueza, como se conhecem tantas,o próprio trabalhador irá colaborarcom o patrão na tarefa de o ajudar afurtar­se à lei.A luta contra as tentativas de rees­truturação das relações de classe porparte do Estado não deve limitar­se asimples manifestações de descontenta­mento passíveis de serem ignoradas e,consequentemente, inúteis. Um sindi­cato não é um grupo de cidadãos ou desimples activistas, e não deverá actuarcomo tal, conferindo à sua acção umcariz peticionário que apenas contri­buirá para embotar a sua capacidadeefectiva de luta, alimentando pelo ca­minho ilusões cidadanistas no seio daclasse trabalhadora, nomeadamente anoção da neutralidade do Estado e dalei perante as classes sociais. As leis la­borais não estão constantemente a serreescritas desde há 10 anos a esta par­te devido a «equívocos», ou por os de­cisores políticos se encontrarem refénsde uma má ideologia, nomeadamenteo neoliberalismo, mas porque o meiomais expedito que a burguesia tem aoseu dispor para ultrapassar as crises écolocá­las sobre os ombros da classetrabalhadora. Quando o Estado pre­tende facilitar os despedimentos ou

cortar nas indemnizações argumen­tando que desta forma aumentará oemprego, não se deve replicar afir­mando que existem estudos que de­monstram que a criação de novos pos­tos de trabalho é negligenciável, masdenunciando a intenção real por trásde semelhantes manobras, nomeada­mente o desejo de enfraquecer a capa­cidade negocial dos trabalhadoresdentro da empresa.As greves gerais deverão ser decla­radas com reivindicações concretas e adisposição para as prosseguir até ondeseja necessário. Não compete aos sin­dicatos fazer o trabalho do Estado e li­mitar as reivindicações e os métodosde luta dos trabalhadores àquilo que asociedade burguesa consegue digerir.Uma greve geral não é uma «demons­tração de descontentamento», masuma luta que se desencadeia, no míni­mo, com o objectivo de exercer coac­ção sobre um aparelho de coacção, deobrigar o Estado a ceder, enquanto re­presentante e regulador da sociedadeburguesa, naquilo que os trabalhado­res desejem e, se os trabalhadores con­seguirem, pela sua força, derrubar aprópria máquina de opressão capita­lista, tal não será uma catástrofe, umatragédia, uma «crisepolíti­ca»,mas otriun­fo. Se­rá ofim daopres­são e o fimdo capitalismo. Eum trabalhadorque não aspira aoderrube do capita­lismo é um traba­lhador que não as­pira a ser livre.Vemos o sindi­calismo a ser mani­etado por partidospolíticos que, ou sãosimples apêndices dopoder burguês e, con­sequentemente, pouco

inclinados a favorecerem os interessesdos trabalhadores, ou, por não o se­rem, permanecem minoritários, dis­pondo de pouca força e poder, umaparte nada menosprezável da mesmadevendo­se justamente ao controloexercido sobre o movimento sindical.Longe de lhe serem úteis, de terem al­go a oferecer­lhe, os partidos políticosvêm ao mundo do trabalho para o pa­rasitar, fazendo dos sindicatos simplescâmaras de ressonância para as suasfrases de ordem e paralisando­lhes osmovimentos de acordo com as conve­niências do sistema político onde seencontram bem instalados. Para todasas finalidades práticas, os partidos po­líticos são uma correia de transmissãoentre o poder burguês e o movimentooperário, actuando sempre no sentidode ensaiar a integração dos trabalha­dores no aparelho burocrático de ad­ministração do capitalismo, integraçãoessa que só poderá levar o sindicalis­mo à morte mas, como os trabalhado­res não podem prescindir de resistir aocapitalismo e uma organização criadapara a luta mas que se recusa a lutar éinútil, é forçoso que à integração dosindicalismo na sociedade burguesacorresponda, a prazo, o colapso dopróprio sindicalismo e a necessidadede criar novos instrumentos de luta deraiz.JTOutubro de 2012

Fazer sindicalismoTudo o que concerne à lei e não se limite à defesa dosprivilégios da classe dominante e às necessidades dearbitragem para as suas quezílias internas, apenas existeporque a pressão da classe trabalhadora a isso obrigou.

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E assim foi: a austeridade paracombater a dívida produziu maisdívida e há­de continuar a fazê­

lo, visto que ainda há muito que cami­nhar até se chegar a esse ponto, cadavez mais semelhante a uma linha do ho­rizonte, onde finalmente se obtém umexcedente orçamental. É apenas a partirdesse momento que a dívida começa re­almente a ser paga e, para cortar pelomenos ao meio, como o pacto orçamen­tal de Bruxelas prevê, uma dívida públi­ca superior (120%) à totalidade da ri­queza produzida neste país durante umano, será necessário que o Estado semantenha em austeridade durante mui­to tempo. Portanto, mais, muito maisausteridade e talvez durante décadas.Ou isso, ou o cancelamento ou recom­pra da dívida. Ou, como Portugal já é aGrécia, as duas coisas simultaneamen­te.

A armadilha institucional onde aburguesia portuguesa se prendeu, desua muito livre e espontânea vontade,deixou fora do alcance do Estado os ar­tifícios habituais para a redução do dé­fice, nomeadamente a desvalorizaçãoda moeda – cujo emprego, como a es­querda esquece constantemente, acaba­ria por repartir uma proporção nadanegligenciável dos custos do ajusta­mento pela classe trabalhadora, ao de­vorar­lhe os salários reais – e forçando­o a colocar­se à disposição dos chama­dos mercados financeiros, visto o finan­ciamento junto do Banco Central Euro­peu, na prática pura emissão monetá­ria, também lhe estar estatutariamenteinterdito. Mas, em função do desempe­nho medíocre do capitalismo portuguêse visto que a dívida do Estado sobe con­tinuamente desde há décadas, começa­ram a ser exigidas taxas de juro cadavez mais elevadas, e, como isso não bas­tasse, os bancos portugueses, os mais«alavancados» de toda a Europa, tam­bém começaram a ser atacados pelascélebres agências de rating, acabandopor empurrar definitivamente o Estadopara o resgate.

Possivelmente, se o problema se ti­vesse circunscrito à Grécia, nada teriaimpedido a Troika de continuar a aper­tar o torniquete até o paciente sucum­bir, mas a crise alastrou­se. Para a Ir­landa e Portugal primeiro e, posterior­mente, para a Espanha e até a Itália.Nestas condições, impôs­se outro trata­

mento que não a sangria, porque toda asaída real para a crise passa por o capi­talismo alemão entender que, ao fim eao cabo, participar no Euro significatambém participar nas perdas. Mas aburguesia alemã resiste, visto ser aprincipal beneficiária do sistema vigen­te, e resistirá enquanto lhe for possível.Torna­se inclusivamente duvidoso acre­ditar que ela aceite fazer, à escala euro­peia, aquilo que a burguesia catalã jánão quer fazer à escala espanhola.

Até à data, não andámos tanto asentir os efeitos da presença da Troika,quanto os dos projectos de engenhariasocial da direita coligada, mas o mo­mento em que a Troika tinha que come­çar a fazer­se sentir como algo mais doque uma espectadora parece ter chega­do. Porque, após a tentativa gorada deaumento na TSU e o fiasco nas contaspúblicas, o Governo teve que fazer assuas intenções passarem para um se­gundo plano. Houve a pressão da rua,evidentemente, naquela que foi uma dasmaiores manifestações da história re­cente portuguesa. Mas não apenas: oconsenso no seio da burguesia sobre aausteridade acabou, porque a economiamergulhou na maior crise desde 1975.Para o patronato, impedir medidas quepossam significar um aprofundamentoda crise tornou­se uma questão de so­brevivência. Para a Banca, sobrecarre­gada de títulos da dívida pública portu­guesa e a receber uma parcela nada me­nosprezável da «ajuda» de Bruxelas, aausteridade pura e simplesmente não énegociável.

A disputa daria origem a uma muitomediatizada troca de galhardetes entreAntónio Borges, verdadeiro «ministrosem pasta», e diversos representantesda confederação patronal. Portanto, es­ta espécie de governo de representaçãode todas as classes possidentes, paraonde concorriam todos os interesses eonde a todos algo se ofereceu, invaria­velmente à custa dos de baixo, acabouporque a crise tornou­se tão grave quesobrepôs à guerra da burguesia contraos trabalhadores a guerra no seio daprópria burguesia, e a instabilidade noGoverno, onde apenas o receio de umacrise política a somar à crise económicamantém de pé a actual coligaçãoPSD/CDS, por entre ameaças de demis­sões, é o reflexo mais imediato desta si­tuação.

A baixa produtividade crónica docapitalismo português, onde as qualifi­cações dos patrões já são, em média,inferiores às dos trabalhadores e novedécimos de todas as empresas têm me­nos de cinco empregados, já nos ofere­ceu uma crise de características seme­lhantes há um século atrás. Ainda quenão se possa menosprezar o papel que aintegração europeia teve no declínio daagricultura portuguesa, importa não es­quecer que a mesma, entre o minifún­dio que produzia pouco e o latifúndioque não produzia nada, era à partidaum alvo fácil. Mesmo a industrializaçãofoi, em boa medida, produto do afluxode capital estrangeiro, com 75% de cer­tos ramos de actividade nas mãos decapitais americanos. A indústria autóc­tone, ou dependia dos mercados prote­gidos das colónias, ou das subvenções econdições especiais oferecidas pelo Es­tado fascista, sem as quais Champali­maud jamais teria conseguido montar asua Siderurgia, ou ainda de taxas de ex­ploração só possíveis mediante uma re­pressão sem piedade ao movimentooperário. Eliminados esses factores, nãopodia ficar muito de pé. Mais tarde, oprojecto de utilizar os trabalhadoresportugueses como fonte de mão­de­obra barata para o capital estrangeiroviu­se gorado ao surgirem fontes demão­de­obra mais baratas noutras par­tes. Inútil culpar por isso a Europa e oEuro.

A situação grega pode fornecer­nospistas úteis acerca do nosso próprio fu­turo, com um ano a um ano e meio deantecipação, mas as analogias têm limi­tes. Não se imagina que um movimentofascista de tipo clássico venha a conse­guir a mesma força em Portugal que aAurora Dourada grega, ainda que boaparte do ímpeto do fascismo seja sim­plesmente o resultado dos aparelhossecuritários do Estado a empurrarempor trás. Assistimos nas ruas a um dis­curso sobre a classe política, a corrup­ção e a soberania nacional que poderiaser facilmente instrumentalizado pelaextrema­direita, apesar de a esquerdainstitucional também estar presentepara cantar em coro e produzir uma li­teratura abundante onde tenta explicartoda a situação como o resultado dapromiscuidade entre o poder político eo económico mas, de Estado para Esta­do, apenas vemos variar as modalidades

... E atingem-se ospontos de ruptura

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Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 5

específicas desta «promiscuidade», que nãosignifica outra coisa senão a unidade da classedominante, que não se pode cindir em duas,uma para a economia e outra para a política, eargumentos desta ordem não são explicaçãopara nada.

A aspiração a um Estado burguês semburgueses, tutelando um capitalismo onde seoperaria, finalmente, a «justiça na econo­mia», constitui todo um programa para umacerta esquerda facilmente identificável, masvive de fantasias sobre o que são ou podemser o Estado e a Lei. Apesar de nada disto serinédito, apetece dizer que falta ainda à es­querda das ilusões passar por aquele choquede realidade que é afrontar directamente opoder da burguesia em vez de apenas falarsobre fazê­lo. A burguesia não se faz obedecerporque capturou o Estado e esvaziou a De­mocracia; é a Democracia que, mesmo pre­tendendo outra coisa, tem que lhe prestarvassalagem porque a produção social está nassuas mãos. Os trabalhadores apenas têm umapalavra a dizer sobre isso na medida em que,se assim o quiserem, podem fazer com que aprodução se interrompa e, se a força da bur­guesia está já na própria instituição da pro­priedade privada, a força dos trabalhadoresnão é um dado adquirido mas depende da suacapacidade para agir concertadamente, deuma capacidade de organização que podeexistir ou não, funcionar melhor ou pior, peloque varia bastante.

A exigência de «gente séria» para gover­nar, que tanto se faz notar nas ruas, adquirecontornos no mínimo conservadores, vistobasear­se ainda no apego a um «deve» dis­tante do «haver». Este movimento de protes­to revela­se profundamente ambivalente, pri­mário e confuso. Ele significa na prática odescrédito completo, total, do sistema políticoexistente e a tendência para o ver substituídopor qualquer coisa de contornos imprecisos,até para os próprios manifestantes e que, nofuturo, ao clarificar­se, terá invariavelmenteque operar uma ruptura no seio daqueles queontem, solidariamente, calcaram as ruas, po­larizando­os e atirando­os uns contra os ou­tros. Porque parte disto desemboca necessa­riamente no fascismo e torna­se necessárioque a outra parte, pelo menos, lhe resista.

JTOutubro de 201 2

Pelos monitores de televisão (eafins), é possível ver imagensque aparentemente denunci­

am o descontentamento com a clas­se política, uma luta contra as medi­das de austeridade impostas pelosrepresentantes das multinacionais.Político vaiado é político integradonum círculo próprio para ilustresrepresentantes do povo. O políticovaiado é um político reconhecido,com imagem famosa, não passa des­percebido, entra na caderneta.

Pelos livros e pelo contacto comas pessoas, aprende­se que ao longoda história sempre existiram uns fu­lanos que sempre quiseram impormedidas de austeridade e de contro­lo da população, medidas que se­gundo os implantadores foram em­pregues para o bem de povos, viu­seos resultados: a segunda guerramundial e os crimes contra a huma­nidade perpetrados pelos Estadosnazi e soviético entre outros, seusparceiros. No caso português a estu­pidez da ditadura durou tanto (amais longa da Europa) que ficoumesmo enraizada no sistema políti­co e social (o filho do pide hoje é di­retor de escola, ministro, secretáriode estado, etc.; o bufo da secretariahoje é chefe, por exemplo), mesmodepois de um cenário de revoluçãomilitar.

Cenário é a palavra que descrevebem a farsa que se vive na atualida­de, pois o território dito portuguêstem cerca de dez milhões de habi­tantes que fazem um milhão de en­dividados, consumidores da tecno­logia, de centros comerciais e afins,a reclamarem dos governantes quelhes garantiram uma vida a crédito.

A televisão, a comunicação soci­al, quer o direto, o acontecimento, oato performativo, a morte em direto,qual sociedade barroca, agora é queé: a imagem comove e vale milhõesde euros ou de dólares; quanto custauma imagem às agências noticiosas?(Quanto ganha um jornalista?)

Se as manifestações não fossemdos endividados e dos clientes daslojas da moda, ainda se fossem ummilhão de pessoas a arremessar coma tecnologia aos bancos, a não vertelevisão, mais os milhões de pesso­as que não elegeram nenhum dos

politiqueiros que se dizem governo(foi a abstenção que ganhou as elei­ções), mais os milhões que não têmordenado algum, mais os que têmpensões de miséria e trabalharam avida toda, mais os milhões que nãotêm qualquer qualidade de vida,nessa condição talvez qualquer go­verno fique abalado. Assim, isto nãopassa de fazer imagens e notíciaspara difundir na tecnologia e nosmeios que sustentam o capitalismo.

Na Idade Média as cidades pa­gavam para não serem atacadas,contratavam mercenários para asproteger, assim se fizeram os nobresheróis e senhores do passado (epresente), assim se defenderam osburgueses, pois uma espécie deburguesia mercantilista continua naatualidade a manter a casta em ci­ma, não deixa que o poder caia narua. Assim temos as manifestaçõesconvocadas via internet, telemóvel,manifestações do andar à volta co­mo carneiros, sim, um centro e an­da­se à volta tudo muito contido,muito politicamente correto, o car­taz com a frase que vai mudar omundo, a faixa do sindicato impres­sa em alta tecnologia, os brindes damanifestação não devem faltar aaparecer, assim como o kit manifes­tação. Enquanto a manifestaçãoocorre, os bancos continuam a rou­bar, os politiqueiros de carreira agovernarem­se, milhares de pessoasmorrem vítimas da guerra paga pe­los Estados democráticos para ani­quilarem e subjugarem outros povosao capitalismo.

Como diz alguém "nesta latrinahá muito que cheira mal", mesmosendo um jardim à beira­mar, chei­ra a morto!

A crise é mundial, para ondeformos lá está um Estado sujo, poli­tiqueiros corruptos e amigos para segovernarem.

O Planeta Terra não é proprie­dade de nenhum grupo de pessoas,é de todos/as: pessoas, animais evegetais, é um organismo vivo, nin­guém tem de se subjugar a um go­verno nem a um Estado.

Até quando isto vai ser assim?HM

Setembro 2012

A contestaçãopelos monitores

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Apoio Mútuo #2 Janeiro 20136

No próprio dia em que Merkel vi­sitava Portugal, Álvaro SantosPereira, ministro da Economia,

foi peremptório: tudo o que a burguesiaportuguesa faz, fá­lo para o seu própriobem, não por desejar ser a «boa aluna»das burguesias estrangeiras. Não deve­mos esquecer que foi a pressão da Ban­ca portuguesa que levou à vinda daTroika, que uma parte muito considerá­vel do empréstimo destina­se a recapi­talizá­la e que uma bancarrota do Esta­do atirá­la­ia imediatamente para a in­solvência. A Alemanha insere­se nestalógica na medida em que os bancos ale­mães emprestaram muito dinheiro aosda Europa do Sul, traduzindo­se esteúltimo em crédito barato para financiarbolhas imobiliárias e um endividamen­to crescente nestes países. A haver fa­lências, os seus congéneres alemães, jáde si fragilizados pelo crash financeirode 2008, seriam afectados de uma for­ma muito dura. De igual modo, a maiorparte da dívida pública portuguesa egrega encontra­se nas mãos de fundos

estrangeiros e estima­se que um default(incumprimento) grego seja quantobaste para levar os mercados financei­ros europeus ao colapso. Merkel sabeque tem de ser cautelosa com o uso quedá aos seus superavits (excedentes) or­çamentais. Ainda pode carecer delespara socorrer a sua própria banca.

Apesar de aludir frequentemente aum «descontrolo orçamental» que podeparecer desconcertante aos olhos depessoas como nós, que viram os orça­mentos de austeridade a sucederem­seuns aos outros desde há anos a estaparte, a classe política alemã compreen­de muito bem que, se a única forma deobter orçamentos equilibrados consisteem impor aos Estados grego e portu­guês uma dieta que raia a greve de fo­me, os défices voltarão a crescer assimque esses Estados regressarem a umfuncionamento normal. Por isso FrauMerkel, Herr Schäube, o seu colega dasfinanças e Herr Weidemannn, do Bun­desbank, personagem que só parecesair da obscuridade e abrir a boca para

cravar mais um prego no caixão dosgregos, resistem tanto a perdões parci­ais da dívida grega e insistem em medi­das estruturais que significam na práti­ca pelo menos o fim do Estado Socialnesses países.

Existe consonância entre Passos eMerkel porque a forma como a últimaespera conseguir combater a crise dadívida que ameaça o Euro, é idêntica aoque o primeiro planeou para combater acrise que ameaça a burguesia portugue­sa desde a entrada no Euro e, ainda quetudo isto possa ser contraproducente doponto de vista restrito do défice, é ne­cessário para relançar a acumulação ca­pitalista em Portugal, mesmo que, comoem qualquer outra crise, muitos capita­listas tenham que ficar pelo caminho.Quanto ao défice, e ainda que o «Pe­dro», o Gaspar e os seus amigos nuncanos venham interromper o jantar para odizer, tudo o que resta aos decisorespolíticos é aguardar que a austeridadecontinue a falhar e a burguesia alemãaceda finalmente a fazer a sua parte epartilhar a factura dos «choques assi­métricos» da globalização com os seusdepauperados vizinhos do Sul, masMerkel está tão determinada a empur­rar os problemas com a barriga quantoos nossos amáveis governantes e, ape­sar dos malabarismos numéricos deGaspar, das datas salvíficas sucessiva­mente adiadas e das «visitas que valemmais do que qualquer manifestação», élíquido e certo que o Estado português,a braços com um serviço da dívida denove mil milhões de Euros por ano, sóvai escapar da bancarrota à custa dedeclarar uma série de bancarrotazinhas.

JT12 de Novembro

Sobre uma visita

Anarco­sindicalismo na Internet:Página oficial da AIT:www.iwa­ait.orgBlog de notícias das secções da AIT:www.internationalworkersassociation.blogspot.comBlog da AIT­Secção Portuguesa:www.ait­sp.blogspot.com

Page 7: Apoio Mútuo nº 2 - Janeiro 2013

Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 7

Os Media e a Construção socialda realidadeA objectividade, a imparcialidade,a isenção dos(as) jornalistas oucomentadores(as), é um dado

como adquirido. O 4º poder, afirma­se,são os Media. A realidade a aconteceracontece na televisão. O verdadeiro es­pírito do jornalismo acontece na rádio.Se não deu nas notícias, não existiu, nãoaconteceu. Estas são premissas do nos­so quotidiano, as quais comentamos ereproduzimos no nosso discurso e nanossa “abordagem pessoal” da realidadelocal mas igualmente internacional, e nanossa relação com o mundo e, em parti­cular, com o campo dos Media, dos mei­os de informação jornalística.

A importância dos Media em grandeparte das sociedades “modernas” actu­ais tem uma marca histórica e socialconcreta e um percurso de objectivaçãoda realidade, de construção da mesma,que podemos encontrar no princípio doséc. XIX, mas cujas raízes podemos en­contrar na malha antropológica da his­tória humana. Pretende­se salientar so­bretudo que os Media são um produtoda sociedade capitalista, da sua formade organização e divisão do trabalho so­cial, intimamente ligada ao consumo eaos estilos de vida de onde deriva gran­de parte da explicação da sua massifica­ção. A importância que se atribui aosMedia e ao papel que desempenham nassociedades capitalistas é um aspectoque deve ser central na crítica anarquis­ta actual, pois esta é uma faca com doisgumes e um terreno pantanoso em que

é necessária uma posição de permanen­te confronto e de debate, porque o queestá aqui em causa é a construção socialda realidade por parte dos jornalistas edos meios de comunicação para osquais trabalham. Temos que ter presen­te a manipulação capitalista e democra­ta forjada através das mensagens quetodos os dias comentamos, ouvimos, le­mos e vemos nas notícias, comentários,opiniões, desmascarando o seu discursopara compreendermos o que se escondepor detrás de cada mensagem.

Os Media, os meios de comunicaçãoe informação actuais, são uma das pe­dras bases do sistema capitalista actuale a sua influência junto da opinião pú­blica um assunto de permanente debatee rivalidade democrática entre partidose facções empresariais na luta pela pos­se do poder de dominar através da in­formação. É um campo de lutas ideoló­gicas e de poder, assim como de interes­ses políticos e económicos mais ou me­nos dissimulados. Isto é facilmente ve­rificável ao assistirmos à enorme pre­ponderância de comentadores políticose económicos em especial na televisão,rádios e jornais. Estes comentadores,por muito que apregoem imparcialida­de, a verdade é que não são jornalistas,não podendo como tal esconderem­secom essa capa ética. São mediadoresdos corporativismos em que se moveme dos interesses políticos e económicosque se utilizam (e se deixam utilizar)das suas capacidades oratórias e da me­diatização que os rodeia. As luzes e ascâmaras são palcos de notoriedade, ainscrição do nome por debaixo da colu­

na do jornal condição de status, o grauacadémico de Doutor equivale a poderopinar sobre tudo e todos com o maiorgrau de certeza de que o que diz corres­ponde à mais pura e crua realidade. Eos jornalistas? Não possuem interessesnem valores individuais para além daética normativa jornalística? Sim, por­que eles afirmam a sua objectividade eimparcialidade porque se regem peloCódigo Deontológico que assim o exige.Então, o que entendemos por neutrali­dade jornalística? A faculdade do ou dajornalista serem neutros no que dizem eno que fazem na produção de uma notí­cia, na apresentação de um facto jorna­lístico? Vejamos: a realidade social, arealidade que vivenciamos diariamenteem diversos pontos de globo, não é algototalmente coerente e homogéneo queos Media se limitassem simplesmente arevelar e a mostrar ao mundo; aquiloque os jornalistas classificam como“acontecimento” não existe como umfacto isolado, mas na convergência en­tre a ocorrência e a percepção que te­mos dele; os Media não são estruturas àparte da sociedade, nem os jornalistasvivem numa redoma separada do restodos comuns mortais, eles pertencem aoambiente que os rodeia e são agentes dahierarquização e tematização da reali­dade social, seleccionando as notíciasnessa simbiose de articulação entreaquilo que são as convicções pessoais eindividuais de cada um e as directrizesda orientação jornalística do meio deinformação ao qual pertencem; o olharjornalístico não é algo exterior e distan­te, totalmente independente e com umaneutralidade infalível, como se existisseuma barreira entre o que se narra e ojornalista. Factualmente não existequalquer distanciamento temporal, es­pacial ou cultural por parte desse mes­mo olhar. Mais: o jornalista ao escreversobre alguma coisa, escreve­o no interi­or de um grupo de comunicação social,que tem a sua própria prática de fazerjornalismo, os seus valores e isso condi­ciona objectivamente a prática jornalís­tica. Vemos como em Portugal, e discu­te­se na praça pública este caso, temosassistido à concentração de diversosmeios de comunicação em grandes gru­pos empresariais (muitas vezes nem se­quer ligados ao mundo do jornalismo) equestiona­se até que ponto isso não irácondicionar o trabalho dos jornalistasdevido à necessidade desses grupos emfazerem dinheiro sem olhar à “qualida­

Media, Estado e Capitalismo

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de” do que é produzido. Uma empresaserve para fazer dinheiro e o mundo daGestão não é de modo algum o mundodo jornalismo. A prática jornalística se­rá sempre objectivamente condicionadano que produz de modo a apresentar lu­cros, levando à deterioração ainda mai­or da maioria dos conteúdos jornalísti­cos.O Anarco­Sindicalismo face aosMedia: pedagogia e acção

Narrar sobre alguma coisa, já é re­flectir sobre aquilo que aconteceu, eclassificar esse procedimento e o seuproduto como total e inequivocamentecomo realidade é ter um poder de do­minação e de construção da opinião pú­blica deveras preocupante e do qual de­vemos ganhar consciência e capacidadede compreender para além daquilo quelemos, vemos ou ouvimos. Não nos di­zem como pensar, mas indicam­nos so­bre o que pensar. E esse facto não signi­fica que tudo o que lemos, vemos e co­mentamos é a total manipulação porparte dos Media. Eles são, sem dúvida,agentes sobre a forma como percepcio­namos a realidade, mas felizmente hojepossuimos ferramentas sociais e cultu­rais provenientes das mais diversas áre­as de conhecimento que nos permitemquestionar, recusar e lutar contra essaimposição de uma realidade normativa.O que nos coloca perante algumasquestões: como nos relacionamos e quala nossa posição, enquanto anarquistas eanarco­sindicalistas, face aos Media?Como pensar os Media actuais no con­texto inseparável de um mundo globali­zado? Que formas de luta e de interven­ção equacionamos neste campo? Deveesta questão ficar no âmbito laboral ouestender a sua actuação para outros?Claro que podíamos colocar outrasquestões, sobre os mais diversos assun­tos, contudo proponho uma discussão euma reflexão aberta face a estas e quemais possam surgir. Esta abordagemprivilegia a pedagogia e a educação nossindicatos e associações anarco­sindica­listas como base de formação teórica eprática.

A forma como nosrelacionamos com osMedia não deve ser al­go a tomar de ânimoleve e automaticamen­te descartado como uminimigo a abater, édesnecessário reafir­mar o anti­capitalismoque norteia a acçãoanarquista, logo, osMedia capitalistas in­cluem­se nesse rol. Ou

seja, é­nos impossível fugir ao efeitoque os Media têm sobre a sociedade esobre nós, por muito revolucionário queseja o nosso coração, muit@s de nóscompramos jornais que entendemospertencerem a esses Media capitalistas,assim como lemos e comentamos diver­sos assuntos baseados nas mais diversasnotícias desses meios de comunicação.Podemos é ter uma atitude crítica faceaos mesmos, um constante e objectivoataque à construção mediática da desi­gualdade e a muita da normatividadeque nos querem impor. Sim, porquenem tudo o que lemos, ouvimos e lemosnos Media é essencialmente capitalistana forma de agir e nos objectivos de ex­ploração a que se propôem, a dificulda­de reside na filtração da informaçãocom que somos inundados a um nívelcada vez mais superior e a de propor al­ternativas factuais da realidade do dia adia. Quanto à nossa posição, ideologica­mente referi anteriormente a questãoanti­capitalista, e desse ponto de vistapuramente teórico e prático, os Mediacapitalistas incluem­se nessa luta. Con­tudo, julgo importante salientar que aliberdade de imaginação e construçãocom objectivos claros de recusa do pa­pel de construção mediática da realida­de por parte dos meios de comunicaçãocapitalistas é um ponto a ter em conta.Pensar essa luta representa igualmentecompeender a linguagem dos Media e ocontexto em que operam, a nível globale local. Como pensar então os Mediaactuais no contexto de um mundoglobalizado? Essa questão deve seralicerçada (e colocada) na realida­de em que vivemos a nível global econcretizada pelas, e nas, diversi­dades geográfica e cultural de cadaacção. Assim como o mercado detrabalho e as condições laboraisvariam de país para país, aindaque a tendência seja a de umahomogeneização cada vez maior,os Media de cada país assentamnuma posição ideológica diversi­ficada, variam no apoio a certacor partidária, pertencem a certaempresa privada (que muitas das

vezes nem à área da comunicação per­tence), têm nos seus quadros indivíduosque são comentadores, lobbystas emembros de partidos políticos ou deinteresses privados dissimulados, emuito importante: empregam e explo­ram trabalhador@s que cada vez maissão precários, inclusive na profissão dejornalistas. Como lidar então com estesfactos? Esta questão remete­nos tam­bém para a necessidade de pensar aslutas em termos laborais ou deslocan­do­a, num movimento pendular, paraoutros campos. Nesta questão ela deveser colocada contextualizando o que édesejável nos objectivos d@s trabalha­dor@s face à situação que requer umaintervenção da sua parte, ou seja, seriainteressante pensar justamente essa ac­ção num movimento pendular de inter­venção entre a contra­informação, ori­entada para desmascarar a informaçãocapitalista, e a própria informação ca­pitalista, que permita não simplesmenteuma aculturação ideológica das ideiasanarquistas, mas igualmente dos meca­nismos de desinformação utilizados pe­los Media vistos numa perspectiva ex­terna ao contexto do grupo ou dos indi­víduos anarquistas. Por exemplo, comrecurso ao conhecimento que já existenas ciências sociais sobre esses mesmosmecanismos mediáticos, desse modo

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contribuindo para esbater a desigual­dade que existe entre os que têm aces­so ao conhecimento e os que não têm,porque tendo­o, cada um decidirá co­mo utilizá­lo.. Porque nem todos osque pertencem a um sindicato ou asso­ciação anarco­sindicalista são, ou se­rão, necessariamente anarquistas, e aeducação e propaganda que se faz noseu interior e exterior não deve sermais uma voz crítica na multidão devozes críticas que diariamente ouvimosno nosso quotidiano. Felizmente nãosomos @s únic@s a reclamar ummundo melhor (ainda que os contor­nos desse mundo sejam divergentes) ese pensarmos que um dos principaisproblemas apontados por um dos críti­cos do marxismo, Herbert Marcuse1,da modernidade, é justamente a tenta­tiva de destruição do pensamento críti­co através da acção cultural e social docapitalismo sobre os indivíduos, é real­mente reconfortante que existam mui­tos espíritos críticos do capitalismo eda democracia no sentido de um pen­samento livre do ser humano, em quenós possamos pensar sem constrangi­mentos que nos consomem e destroemas vidas.

Uma questão contudo fica por res­ponder nesta reflexão: que formas deluta e de intervenção equacionamosneste campo? Essa resposta, no meuentender, deve ficar na acção práticados indivíduos e na discussão abertadesta questão. A luta anarco­sindica­lista não é uma acção no seu essencialdominada por constrangimentos teóri­cos (ainda que ideológicos) mas assen­te na acção directa, ou seja, na capaci­dade de intervenção que tenha comobase a acção individual e/ou em gruposem constrangimentos de hierarquiaou de poder, numa base anti­autoritá­ria, que tome nas suas mãos a decisãode modificar as desiguais condições deexistência que o sistema capitalista im­põe indiscriminadamente. Trata­se deagir sobre os problemas procurandonão a sua reforma, mas a sua melhoria,ou a sua substituição como fomenta­dores de desigualdade humana. Torna­se importante reflectir sobre a práticanesse campo porque está em causa atransformação da nossa consciênciaque posteriormente terá repercurssõesno campo da acção, porque o que pen­samos e agimos deve ser coerente coma crítica de uma realidade transforma­da pelos meios de comunicação capita­listas.

Nuno1 - Marcuse, Herbert, A Ideologia da Socieda-

de Industrial, 1 964, Zahar Editores, Brasil .

Em 25 de março de 1911, irrompeuum incêndio na fábrica téxtil“Triangle Shirtwaist”, um dos pi­

ores desastres industriais dos EstadosUnidos da América, impulsionando umforte movimento laboral, que contoucom a violenta repressão do Estado. Ini­cialmente, as testemunhas no local des­creveram fardos de roupa a saltar pelajanela, para então se aperceberem deque eram pessoas, trabalhadores, na suamaioria jovens mulheres, que haviamsaltado num acto de desespero. Após orescaldo do incêndio, os bombeiros des­creveram portas, que haviam sido tran­cadas, com marcas de unhas. Foi devidoàs más condições laborais. Resultaram146 mortos.

Em 14 de dezembro de 2010, cercade 100 anos depois, irrompe um incên­dio numa fábrica textil, em Ameen, noBangladesh. A mesma descrição, a mes­ma história. Devido às más condições detrabalho, resultaram mais de 100 víti­mas. Os trabalhadores protestaram, oEstado ofereceu­lhes o cassetete.

Todos os dias ouvimos, por intermé­dio de amigos, familiares ou conhecidos,sobre alguém vítima de um acidente detrabalho ou doença profissional, a maio­ria das vezes sob a forma da famosa ex­pressão: “está de baixa”. No entanto, sea maioria dos casos de acidente laboraltem consequências reversíveis, já outrosresultam em danos ou lesões permanen­tes, outros ainda, acabam na forma maisirreversível de todas, a morte. E, se emPortugal os acidentes laborais, que deacordo com a ACT, ascendem a mais de250 000 por ano, tornaram­se dema­siado familiares, então as 115 mortespor acidente de trabalho e as 132relacionadas com doenças profis­sionais, em 2009, são aterrorizadora­mente comuns. A maioria destas tive­ram a sua origem nas indústrias que, se­gundo os moralistas (os capitalistas e osseus defensores), têm sido o pilar daeconomia e do progresso em Portugal, atransformadora e o sector da constru­ção. A título de exemplo, dentro do sec­tor da construção, uma das principaiscausas de morte é a “queda em altura”.E são esses mesmos moralistas que de­fendem regras mais apertadas para adefesa do capital e da propriedade pri­vada, mas que torcem o nariz quando sefala de melhores condições de trabalho,pois, segundo eles, isto já representa um“impedimento ao mercado livre” ou algoque nos torna “incompetitivos”.

E para quem ainda tenha dúvidas,um acidente de trabalho, assim comouma doença profissional, não é fruto doacaso. Estes não, simplesmente, “acon­tecem”, da mesma forma que o céu nãoirá, eventualmente, cair­nos em cima.Isto são mitos. Estes fenómenos são fru­to de negligência. Uma negligência cri­minosa, pois mata e quando não matapode deixar danos que marcarão a víti­ma para o resto da sua vida.

E o Estado? Esse cria “autoridades”,como a autoridade para as condições detrabalho (ACT), para logo a seguir de­pauperá­la de meios humanos, tornan­do­a ineficaz e ineficiente para cumprira sua função fiscalizadora.Na Europa

Engana­se quem acha que isto éapenas um fenómeno exclusivamenteportuguês. Na Europa, de acordo com aAESST ocorre 1 acidente a cada 5 se­gundos resultando na morte de umtrabalhador a cada 2 horas, e maisde 140 mil casos de doença profis­sional, todos os anos. Um terço destesatribuíveis à exposição de substânciasperigosas no local de trabalho. E o tem­po não pára...No mundo

Quando observamos o todo, somosconfrontados com a realidade. Em todoo mundo, segundo a OIT, ocorrem 270milhões de acidentes de trabalhoproduzindo mais de 2 milhões de ví­timas mortais, e 160 milhões decasos de doença profissional, porano. E, ao compararmos os números,concluímos que os acidentes de trabalhoprovocam mais vítimas que os con­flitos armados (500 mil por ano, se­gundo a AI)! E isto tem um nome: ter­rorismo! Pois a melhor forma de con­tinuar vivo, não é evitando uma guerra,mas antes o trabalho.

Mais um que morreu... foi umcrime...

Hoje, como ontem, acidente la­boral é terrorismo patronal!

O.

Mais um que morreu...dizem que foi um acidente...

Fontes: OIT (Organização Internacional de Traba-lho), Agência de Bilbao, ACT (Autoridade para asCondições de Trabalho), GEP (Gabinete de Estraté-gia e Planeamento), CNPCRP (Centro Nacional deProtecção contra os Riscos Profissionais), PRIO(Peace Research Institute Oslo), AESST (AgênciaEuropeia para a Segurança e Saúde no Trabalho), AI(Amnistia Internacional)

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A lgumas das figuras historica­mente mais conhecidas do anar­quismo internacional eram geó­

grafos: Élisée Reclus, refugiado da Co­muna de Paris e impulsionador em Por­tugal da Iª Internacional, do anarquis­mo e do sindicalismo revolucionário,nos fins do séc. 19, foi geógrafo e o autorda obra geográfica magistral “A Terra eo Homem” – da qual foi editado há unsanos, por um conhecido diário portu­guês actual, um pequeno resumo. Tam­bém Kropotkin, outra figura do Anar­quismo histórico internacional, foi geó­grafo, tendo inclusive algumas monta­nhas do território russo o seu nome. Po­rém a importância da geografia ­ e so­bretudo da geografia social, econó­mica e ambiental ­ hoje liga­se à ne­cessidade da acção de ligação emergenteda nossa actividade aos meios sociaismais explorados e dominados pelo capi­talismo e pelo Estado.

À escala de cada cidade ou vila, decada região, de cada província como decada país e grupo de países, temos a ne­cessidade de ter uma visão de con­junto, rápida, clara, elucidativa e evo­lutiva da situação das populações traba­lhadoras, empregadas e desempregadas,da localização das principais concentra­ções laborais, das fábricas, empresas,serviços públicos, dos bairros, das zonasdegradadas, dos locais de habitação, depassagem, de lazer, das principais fon­tes de contaminação ambiental das po­pulações, das zonas “azuis” de habitaçãoe luxo da burguesia, etc., etc.

Tal é a função da geografia social,económica e ambiental – que não seráavatar apenas de geógrafos profissionaisespecializados – embora eles possamajudar se estiverem implicados na nossaactividade. A NET e o Google Earth,com as suas coberturas espaciais devastas zonas do globo terrestre, às vezesem indiscreto pormenor, promovidospela “National Geographic” e ao serviçodas CIAs e outras polícias planetáriascom vista ao controlo mundial das po­pulações e das regiões, podem ser utili­zados por qualquer pessoa interessada– pelo menos por agora!... Mas o bom evelho hábito de leitura e utilização dasvárias cartas topográficas, mapas geo­gráficos, plantas urbanas, mapas turísti­cos, etc., “equipando­os” com a infor­mação e localizações que se vão desco­

brindo no terreno, são algo imprescin­dível numa actividade que se pretendemilitante e continuada. Assim faziamos velhos militantes anarquistas e anar­co­sindicalistas para irem registando aevolução da sua implantação local e re­gional, ou para “baterem o terreno” dassuas actividades de propaganda, agita­ção e organização, assim o deveremosfazer hoje.

Um núcleo de militantes local, umcomité regional, uma secção empresari­al, um comité popular, não passam semtal instrumento – que logicamente, pelasua importância táctica, não é algo quedeva ser acessível a pessoas fora da or­ganização e constitui um instrumentode trabalho evolutivo, em cada reuniãoorganizativa, em cada decisão de acçãocolectiva, em cada avaliação da situaçãoda nossa implantação nos meios labo­rais e populares.

Numa situação em que nem sequersomos ainda aquilo a que os compa­nheiros brasileiros chamam de “sindi­cato de porta de fábrica”, num momen­to em que temos princípios e tácticasgerais (acção directa, anti­representati­vismo, etc.) mas não temos ainda umaestratégia comum, tácticas, métodos,etc., para assumirmos perseguir conse­quentemente na prática os nossos ob­jectivos estatutários de construção deuma confederação sindical revolucioná­ria, à semelhança da velha CGT portu­guesa ou mesmo da actual CNT espa­nhola, rumo ao comunismo libertário –que passam pela implantação local e re­gional nos meios laborais e populares,hoje na maioria “controlados” pelaCGTP­IN e pelo PCP (e conviriamuito analisarmos oporquê da sua contí­nua implantaçãonalgumas re­giões), numa si­tuação em queproclamamosa nossa von­tade de lutar­mos ao ladodos demaistrabalhado­res, classecontra classe,na situação so­cial miserável emque Troikas, FMIs,

patronato, governos e “concertações so­ciais” e seus “concertantes”, todos, estãoa meter a maioria da população de quefazemos parte, independentemente dafiliação sindical ou partidária dos ex­plorados e dominados (mas não do graude envolvimento dessa filiação…) é­nosportanto imprescindível este instru­mento prático­teórico que faz parte dageografia: o mapa monográfico lo­cal/regional e o seu completamentopermanente.

O bom conhecimento da geografia­social (e ambiental) da cidade ou/e daregião onde vivemos deverá servir naactualidade para algo mais do que reali­zarmos trajectos históricos – emboraeles possam ser sempre úteis na forma­ção de militantes e associados. Deveráservir sobretudo para nos ajudar deuma forma gráfica a planear, programare observar a nossa acção actual, as nos­sas limitações e pontos fortes (porqueos há!..), tanto no que já fazemos nestemomento como no que nos falta e émais prioritário fazer, em termos deimplantação local e regional.

Avante na implantação local eregional anarco­sindicalista!

Avante na organização da AIT­SP!

Avante na resistência social!Viva o comunismo libertário!

Porto, Fev. 2012Pego Negro

Importância da geografia na actividadeanarco-sindicalista (e anarquista social)

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Já no Congresso Pró­Paz realizadoem 1915 na cidade portuária gale­ga de Ferrol, no qual o anarquista

Manuel Joaquim de Sousa representoua secção Norte da União Operária Naci­onal (UON)[3], os delegados portugue­ses e espanhóis haviam concordado nanecessidade de “estreitar os laços de so­lidariedade entre o proletariado de am­bos os países, dando­se assim princípioà organização da Federação Ibérica, cé­lula inicial da Federação Internacionaldos Sindicatos Operários, contra aguerra, contra todas as guerras, contraa exploração capitalista e contra a tira­nia do estado”[4].

Em Setembro de 1919, realiza­se emCoimbra o 2º Congresso Operário Naci­onal[5], no qual é criada a ConfederaçãoGeral do Trabalho, que agrupa cerca deduas centenas de sindicatos, represen­tando pelo menos 85 mil trabalhado­res[6]. A fundação da CGT tem lugarnum contexto de expansão e radicaliza­ção do movimento sindical. Sucedem­seos movimentos grevistas que colocam

violentamente em confronto o operaria­do, o patronato e o Estado[7]. A 23 deFevereiro de 1919, inicia­se a publicaçãodo diário A Batalha, ainda como órgãoda UON, que rapidamente se torna noterceiro jornal de maior tiragem emPortugal.

No Congresso de Coimbra é discuti­da a questão da filiação internacional daorganização confederal, concluindo­sepela rejeição da adesão à Internacionalde Amesterdão (reformista) e pela ne­cessidade de estabelecer relações comcentrais sindicais de outros países comvista à criação de uma internacionalsindicalista revolucionária. É aprovadaa seguinte tese da autoria de ManuelJoaquim de Sousa:

“1.º O Congresso Operário Portu­guês, reunido em Coimbra, resolve pôrde parte a resolução votada no Congres­so de Tomar, segundo a qual a Confede­ração Operária Portuguesa se deveria fi­liar na União Sindical Internacional(Amesterdão), executando e fazendoexecutar as suas resoluções, tanto por­

que aquele organismo parece já não darsinal de vida, como e principalmente,porque, dado que existe, não corres­ponde às necessidades e objectivos deemancipação da classe operária inter­nacional.

“2.º O proletariado português, orga­nizado pela sua Confederação Nacional,entrará, desde já em relações com asCentrais operárias dos outros países,sem alienar ou apoucar a sua autono­mia, respeitando reciprocamente osmesmos princípios, por parte das orga­nizações dos outros países, condiçãoindispensável para um bom entendi­mento dentro dos moldes sindicais.

“3.º A Confederação Operária Por­tuguesa influirá nas conferências, con­gressos internacionais ou nas simples eamistosas relações quotidianas com asCentrais dos outros países, para que seinstitua a Confederação Internacionaldo Trabalho, com representantes exclu­sivamente operários, não sendo estesinvestidos de qualquer mandato políti­co, para que por este organismo novo se

A Confederação Geral do Trabalho e a fundaçãoda Associação Internacional dos TrabalhadoresOs anarco­sindicalistas e sindicalistas revolucionários[1] portugueses foram, desde a primeira hora,defensores da criação de uma Internacional do sindicalismo revolucionário, um desejo que se viria aconcretizar no Congresso de Berlim, realizado entre os dias 25 de Dezembro de 1922 e 2 de Janeiro de1923, que criou a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Este artigo, redigido para assina­lar o 90º aniversário da Associação Internacional dos Trabalhadores, pretende recuperar alguns ele­mentos da história das relações internacionais da organização operária portuguesa – constituída comoConfederação Geral do Trabalho (CGT) a partir de 1919 – e do seu contributo para a criação da AIT[2].

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coordene a acção geral dos trabalhado­res de todos os países que aspiram aofim comum da sua integral emancipa­ção.

“4.º O Congresso do OperariadoPortuguês declara contribuir, na medi­da das suas possibilidades, para a exe­cução de qualquer resolução votada pe­lo operariado organizado dos outrospaíses, no sentido de apressar a quedado regime económico actual da produ­ção e sua substituição pela gestão dotrabalho emancipado por meio dos seusorganismos de classe”[8].

A revolução russa teve um profundoimpacto no movimento operário portu­guês, sendo desde cedo saudada nas pá­ginas da imprensa operária, que faz asua defesa contra os ataques e calúniasda imprensa burguesa. A imprensaanarco­sindicalista mostrava­se “espe­rançada nos bolcheviques”, embora pu­blicando opiniões diversas e contraditó­rias sobre o regime soviético. Emborasoubessem que o regime bolcheviquenão respeitava os princípios libertári­os[9], os anarco­sindicalistas recusavamcolocar­se ao lado da reacção burguesaque ameaçava a revolução russa[10].

É sobretudo a tentativa de apropria­ção e reformulação da doutrina sindica­lista revolucionária, através da adopçãode métodos bolcheviques, que vai darinício a uma batalha ideológica que, apartir de 1919, se manifesta na impren­sa operária[11].

Ao longo do ano de 1919, os sindica­listas partidários da “ditadura do prole­tariado” bolchevique organizam­se em“conselhos maximalistas”, começando apublicar, em Outubro, o semanário ABandeira Vermelha, órgão da FederaçãoMaximalista Portuguesa, anunciado co­mo um “valioso instrumento de propa­ganda sindicalista e libertária”[12] .

Por outro lado, entre Novembro de1920 e Fevereiro de 1921, o sindicalistarevolucionário Carlos Rates tentará,através de uma série de artigos publica­dos nas páginas de A Batalha, harmoni­zar a doutrina sindicalista revolucioná­ria com as ideias de “ditadura do prole­tariado” e de “vanguarda revolucioná­ria”. Grande defensor da fórmula se­gundo a qual le syndicalisme se suffit àlui­même [“o sindicalismo basta­se a sipróprio”] na polémica que em 1913 opôssindicalistas revolucionários e anarquis­tas, Rates advoga agora que este precei­to clássico do sindicalismo revolucioná­rio corresponderia ao papel da organi­zação operária na direcção da vida soci­al, advogando a conquista do poder pelaCGT, que deveria assumir o papel devanguarda revolucionária, para instituiruma ditadura proletária, descentraliza­

da e exercida directamente pelos sindi­catos e suas federações[13]. As ideias deCarlos Rates são contrariadas por Emí­lio Costa que refuta a ideia de ditadurado proletariado com base no exemploda Rússia, onde esta forma de ditaduranão é mais que “uma ditadura propria­mente dita, com os seus decretos, assuas sanções, os seus agentes executivose sobretudo a sua força armada...”[14].

Apesar de o órgão da CGT, A Bata­lha, permanecer durante muito temponeutral em relação à clivagem ideológi­ca entre sindicalistas anarquistas e sin­dicalistas defensores do bolchevismo, areacção anarco­sindicalista à tendênciabolchevista envolverá activamente opróprio secretário­geral da CGT, Ma­nuel Joaquim de Sousa, no diário anar­

quista de que é director, A Comuna[15].Só em Dezembro de 1920, a redacção deA Batalha toma uma posição, negando aconquista do poder enquanto métodorevolucionário, numa série de editoriaisintitulada “O caminho a seguir”[16].

Em Fevereiro de 1921, o primeiroCongresso da Federação de JuventudesSindicalistas[17] afirma “os meios sindi­calistas revolucionários como meios deluta económica e de acção, a dentro daactual sociedade, educando­se e prepa­rando­se para receber um novo regimesocial, que tendo por sistema político oanarquismo e como regime económico­social o comunismo anárquico”[18].

Notas:

1 - Embora os termos sindicalismo revolucionário e anarco-sindicalismo sejam frequentemente utilizados como sinóni-mos, tomamo-los aqui com diferentes acepções. ManuelJoaquim de Sousa dá conta das divergências que opuseramsindicalistas revolucionários e anarquistas, em 1913, noseio do movimento sindical: os primeiros, como Manuel Ri-beiro e Carlos Rates, “seguindo a interpretação de Sorel”,defendem que “o sindicalismo se basta a si próprio”, os se-gundos, como Emílio Costa, Clemente Vieira dos Santos eNeno Vasco, concluem que “se o Sindicalismo exprime oconceito de luta de classes, à margem dos partidos políticose visa à transformação económica da sociedade, a suaexistência como doutrina e acção cessa no momento emque o acordo livre e voluntário determina novas fórmulasque atendem a novas necessidades materiais e espirituaisda vida humana nas suas mais variadas e complexas mani-festações” (SOUSA, Manuel Joaquim de – O sindicalismoem Portugal. Porto: Afrontamento, 1972 [1ª ed. 1931],p. 95-96).O sindicalista holandês Christiaan Cornelissen, ao estudar omovimento sindicalista revolucionário do seu tempo, “dis-tinguiu três grupos entre os activistas do sindicalismo revo-lucionário: os sindicalistas, que consideravam o sindicalismocomo 'auto-suficiente' e distinto de qualquer outra ideolo-gia […]; os anarquistas, que viam no movimento sindicaluma possibilidade de passar da agitação à acção; e, final-mente, membros dos partidos socialistas e grupos que de-sejavam retirar o socialismo do impasse do parlamentaris-mo” (DAMIER,V., Anarchosyndicalism in the 20th Cen-tury. Edmonton: Black Cat Press, 2009 p. 24). Todas es-tas tendências são observáveis do seio do movimento sindi-cal português das primeiras duas décadas do século XX.

2 - É inegável a enorme contribuição, neste sentido, deManuel Joaquim de Sousa, militante anarquista activo emtodos os debates sobre relações internacionais no seio domovimento operário português. Manuel Joaquim de Sousa,operário do calçado, nasceu em 1885 em Paranhos, na ci-dade do Porto. Desde cedo aderiu às ideias anarquistas, in-tegrando o movimento operário portuense. Apesar de pos-suir apenas a 2ª classe da instrução primária foi um influ-ente orador, polemista, jornalista e militante do movimentoanarco-sindicalista. Em 1919, foi eleito como primeiro se-cretário-geral da Confederação Geral do Trabalho e maistarde foi o redactor principal do diário confederal “A Bata-lha”. Respondendo a um pedido da AIT redigiu o livro OSindicalismo em Portugal, uma das principais fontes para ahistória do movimento operário no primeiro quartel do sé-culo XX.

3 - A União Operária Nacional, a primeira organização naci-onal unitária do movimento operário português, foi consti-tuída em Março de 1914 no Congresso de Tomar. Nestecongresso, confrontaram-se as correntes reformista e revo-lucionária do movimento sindical, resultando deste embateuma solução de conciliação. A influência do Partido Socia-lista Português era ainda grande, sobretudo nos sindicatosdo Norte do país. Os “elementos revolucionários foramobrigados a relevantes cedências”, mas “lograram oficiali-zar a independência sindical face ao poder e aos partidospolíticos”. Este congresso terá tido por efeito “um recuo dainfluência socialista mas também anarquista nas associa-ções de classe”, sendo os sindicalistas revolucionáriosquem garantia a “unidade entre reformistas e anarco-sindi-calistas” (PEREIRA, Joana Dias - Sindicalismo revolucio-nário: a história de uma idéa. Lisboa: Caleidoscópio,2011, p. 85-88).

4 - SOUSA, Manuel Joaquim de – O sindicalismo em Por-tugal. Porto: Afrontamento, 1972 [1ª ed. 1931], p. 105.

5 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 133. A tese princi-pal deste congresso, respeitante à criação da Confederação,“consagra claramente os princípios do sindicalismo revoluci-onário - a autonomia de base federativa, a inde

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Pouco depois do congresso, a facçãobolchevista liderada por José de Sousaabandona as Juventudes Sindicalistas,assumidamente anarco­sindicalistas,para integrar o Partido Comunista Por­tuguês (PCP) fundado em Março[19].

Ainda em Fevereiro, Manuel Joa­quim de Sousa publica um artigo em ABatalha, intitulado “Relações Internaci­onais”, em que anuncia a realização deuma conferência sindical revolucionáriaem Berlim[20] e desafia o proletariado apensar a questão da organização operá­ria, colocando de parte a InternacionalComunista “por ir contra o estabelecidoem Coimbra de não estabelecer relaçõescom partidos políticos”[21].

Em Julho de 1921, em resposta aomanifesto de fundação do PCP, o Comi­

té Confederal da CGT publica a NotaOficiosa “Em face de um novo partidopolítico”. Nesta, o Comité Confederal“afirma “a característica anti­colabora­cionista da organização sindical com asinstituições da burguesia e com quais­quer partidos políticos, seja qual for oseu método de acção e a sua finalidadepolítico­social” e defende que “o prole­tariado, a caminho da sua emancipaçãopela libertação da tutela dos senhoresde hoje, não quer criar novas cadeiasonde o prendam, amanhã, novos se­nhores”. Face às afirmações do PCP, deque constitui “um organismo político­revolucionário de administração políti­

ca” e que preconiza a socialização dosmeios de produção, “entregando a ges­tão da produção às Federações de In­dústria”, a “CGT afirma que a organiza­ção sindical – os Sindicatos, as Uniõesde Sindicatos, as Federações de Indús­tria e a Confederação – sendo organis­mos de combate, serão organismos deexpropriação e não confiam a qualquerpartido político […] o que só os traba­lhadores podem e devem realizar pelaacção directa, nos seus organismos declasse”. Contrariando a afirmação doPCP de que “a organização sindical nãose basta a si própria”, o Comité Confe­deral responde que “a CGT aceita o sig­nificado da frase […] se com ele se querexplicar que para conseguir um estádiosocial, filosoficamente superior, nãobasta a luta económica pela acção dosindicalismo; mas se se quer tirar a ila­ção de que a acção do operariado, comoclasse social escravizada, não basta serexercida no terreno económico, para oser simultaneamente no terreno políticoparlamentar e com o concurso estéril eperigosamente nocivo dos videirinhosda política, então a CGT fiel às decisõesdos Congressos Nacionais sindicais, de­clara que a acção do operariado basta, eque, como tal, nem emparceira comqualquer partido político, nem consenteque no seio da organização se desenvol­va a deletéria acção política”[22].

Em Julho de 1921, realizou­se oCongresso da Internacional SindicalVermelha (ISV) em Moscovo[23]. Graçasa um sistema de representação que osfavorecia, os bolcheviques conseguiramlevar adiante o seu plano de criação deuma internacional sindical (Profintern)subordinada à Internacional Comunista(Comintern). As organizações sindica­listas revolucionárias, muitas das quaisainda sem possuírem uma posição claraem relação à ISV, não conseguiram le­var adiante o projecto de uma internaci­onal sindical revolucionária, apesar deos seus delegados presentes no Con­gresso terem adoptado um “Manifestodos sindicalistas revolucionários inter­nacionais” e concordado em criar uma“associação de elementos revolucionári­os internacionais”[24].

Mas, à medida que foram tomandoconhecimento da repressão que atingiaos anarquistas e anarco­sindicalistas naRússia bolchevique, endurecida ao lon­go do ano de 1921, as posições das orga­nizações sindicalistas revolucionáriasforam­se clarificando. Em Junho de1922, realizou­se em Berlim “uma con­ferência sindicalista internacional como objectivo de estudar as diferenças deposições existentes entre o movimentosindicalista revolucionário de todos os

ependência face a toda a escola política ou doutrina religio-sa, o objectivo da supressão do salariato pela posse de to-dos os meios de produção”. “Neste congresso procura-secontornar já não as diferenças entre reformistas e revolucio-nários mas entre os militantes influenciados pela revoluçãorussa e os anarquistas”, funcionando o sindicalismo revolu-cionário como a solução de conciliação (PEREIRA, Joana Di-as – Op. Cit., p. 133).

6 - FREIRE, João – Anarquistas e operários: ideologia,ofício e práticas sociais: o anarquismo e o operariadoem Portugal, 1900-1940. Porto: Afrontamento, 1992, p.203. Este autor estima em 85 mil o número de trabalha-dores confederados em 1920-1921, 90 mil em 1922, 55mil em 1923-1924 e 70 mil em 1925. Outros autores,como Rudolf Rocker, colocam a afiliação da CGT em 150mil membros em 1922 (ROCKER, Rudolf - Anarcho-syndi-calism), provavelmente seguindo a informação de Manuelda Silva Campos, delegado da CGT ao 2º Congresso da AITem Amesterdão (FREIRE, João – Ibid.).

7 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 120. Neste contex-to, o Partido Socialista Português vê “a sua influência nomeio sindical reduzida ao mínimo” e os seus representan-tes abandonam “a pretensão de hegemonizar o movimen-to operário” (p. 120-121).

8 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 112-113.

9 - A revista anarquista A Sementeira, respondendo à per-gunta lançada por Pierre Monatte ao movimento operáriofrancês - “O Soviet é porventura coisa muito diversa daUnião Local de Sindicatos?” - afirmava o seu receio face a“certas superfetações políticas, resultantes do dualismo daorganização económica (soviet económico ou sindicato) eda organização política centralizada (sindicato político)”(PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 127).

10 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 126-127.

11 - Os primeiros protagonistas desta polémica, que temlugar nas páginas do diário da CGT A Batalha, serão o sindi-calista revolucionário Manuel Ribeiro, que começa a defen-der que o melhor caminho para obter a “emancipação dosproletários” é “a conquista do poder”, divulgando “a for-midável obra de remodelação social feita pelos sovietes”, eo anarquista Emílio Costa, que recusa a “táctica socialistade conquista dos poderes públicos” e a “ditadura do prole-tariado”, “um perigo para (…) a base necessária de umamelhoria na vida colectiva: a liberdade” (citados por PEREI-RA, Joana Dias – Op. Cit., p. 127-128).

12 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 138. A BandeiraVermelha fará a apologia do regime soviético, divulgandoas ideias dos líderes bolcheviques russos e procurando legi-timar a “ditadura do proletariado” como uma fase de tran-sição para a sociedade desejada pelos sindicalistas portu-gueses e o “sovietismo” como a “fórmula slava do sindica-lismo operário ocidental”. Defendendo a “Revolução Socialconcretizada na Ditadura do Proletariado” como uma novaera no plano das ideologias (Manuel Ribeiro, “Novas Ten-dências Sociais”, A Bandeira Vermelha, 7 de Outubro de1919, citado por PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 139),a Federação Maximalista Portuguesa não descurava assu-mir o papel de vanguarda revolucionária quando houvesseas condições para a constituição de um poder soviético emPortugal e afirmava já a necessidade de um “forte organis-mo extra-sindical de carácter proletário e revolucionário”(PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 139). Mas a confusãoideológica entre os partidários do bolchevismo em Portugalera de tal ordem que, em resposta às críticas que foramsurgindo, A Bandeira Vermelha afirma ainda: “todo o indi-víduo que em Portugal se declare bolchevista é anarquistaou sindicalista revolucionário (…) adoptando contudo adesignação de bolchevistas, comunistas, maximalistas ousovietistas desde que combatam intransigentemente as ins-tituições burguesas e apressem a evolução do regime capi-

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países e a Internacional Sindical Ver­melha” e para chegar a um acordo sobrea formação de uma Internacional deSindicatos Revolucionários, caso as di­ferenças com a ISV não possam ser re­solvidas”[25]. A conferência acabou pordecidir a ruptura com a ISV e a convo­catória de um congresso internacionalde sindicatos revolucionários.

Entretanto, em Portugal, nos pri­meiros dias de Outubro de 1922, reali­za­se na Covilhã o 3º Congresso Operá­rio Nacional. As principais teses apre­sentadas a votação diziam respeito à es­truturação orgânica da CGT, destacan­do­se a tese “Organização Social Sindi­calista”[26], e às relações internacionais,com uma proposta de adesão à Interna­cional Sindical Vermelha. O Congressoacabou por ser dominado pela questãodas relações internacionais, porquantoesta colocava em confronto a facção bol­chevista, minoritária, que pretendiaconquistar a CGT, e a grande maioriasindicalista revolucionária e anarco­sin­dicalista, que pretendia conservar o ca­rácter sindicalista revolucionário, autó­nomo e apolítico da confederação ope­rária. O debate foi vivo, tendo 40 dele­gados pedido a palavra para intervirnesta questão.

Fernando de Almeida Marques, re­presentando as Juventudes Sindicalis­tas, pronunciou um discurso em queafirmou: “As Juventudes Sindicalistasdiscordam da adesão a Moscóvia, decla­rando­se fiéis aos princípios sindicalis­tas revolucionários que sempre defen­deram. […] Se se aceitar a adesão aMoscóvia temos de aceitar a ligaçãocom o P.C.P., quando há pouco tempotoda a organização o repeliu solidari­zando­se com a nota oficiosa da C.G.T.[…] A transformação da I.S.V. é impos­

sível porque Portugal só teria 1 votodentro dela, enquanto a Central Russatem 17. Semelhante sistema de votaçõesé o esmagamento”[27].

A proposta de adesão à Internacio­nal de Moscovo acabou por ser rejeita­da, com a aprovação, com 55 votos a fa­vor, 22 contra e 8 abstenções, de umamoção de Clemente Vieira dos Santos,que começa por tecer uma série de con­siderações: “Considerando: que o sindi­calismo revolucionário teve a sua ori­gem histórica nas pugnas desencadea­das no laboratório ideológico da 1.ª In­ternacional, levada a efeito pelos fervo­rosos partidários dos princípios autori­tários e centralistas; que a tese “Orga­nização Social Sindicalista” preconiza oprincípio da 1.ª Internacional […]; que atese em alusão confirma também que omovimento operário sob a inspiraçãosuprema do sindicalismo revolucioná­rio, partiu de um momento de espontâ­nea revolta contra o predomínio dospartidos políticos; que a organizaçãoportuguesa moderna tem visado umideal, afirmando uma tática – a do sin­dicalismo revolucionário, e uma finali­dade – o comunismo livre; que […] oSindicalismo, organização baseada nasprofissões, tem por fim imediato e sub­jectivo, a defesa, a luta directa de clas­ses e a expropriação contra o regimeburguês, patronal e estatal; que, porconsequência, […] tem uma acção ex­clusiva e puramente anti­política e es­tatal e é estranha a qualquer poder go­vernativo, rejeitando, ipso­facto, osprincípios e meios de acção da demo­cracia; […] que os princípios ideológicosconsignados na tese “Organização Soci­al Sindicalista” condizem perfeitamentecom os princípios expressos nas moçõesaprovadas na Conferência Internacional

talista para a sociedade anarquista que é o objectivo paraque tendem os bolchevistas russos” (“Declaração de Prin-cípios”, A Bandeira Vermelha, 12 de Outubro de 1919, ci-tado por PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 139). Em ABandeira Vermelha “a recorrência às grandes figuras da es-cola libertária será muito frequente”, sendo os ideólogosanarquistas “praticamente tão citados como Lenine” (PE-REIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 140).

13 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 147-149.

14 - Emílio Costa, “A Revolução sem Ditadura, Para EvitarConfusões”, A Batalha, 21 de Janeiro de 1921, citado porPEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 149.

15 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 151.

16 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 152.

17 - As Juventudes Sindicalistas (JS) existiram enquantomovimento organizado entre 1913 e 1927, filiando-se si-multaneamente nos movimentos anarquista e sindical. Aorganização das Juventudes Sindicalistas baseava-se emNúcleos locais autónomos, cujas finalidades passavam pelaeducação moral, intelectual e física dos seus associados,pela dinamização do espírito associativo e reivindicativo,pela propaganda dos princípios do sindicalismo revolucio-nário e da acção directa operária, pela difusão das ideiasinternacionalistas e anti-militaristas. Em 1921, sofreramuma cisão provocada pelo seu secretário-geral José deSousa, que constituirá a organização juvenil do Partido Co-munista com uma fracção de membros das JuventudesSindicalistas. Só no Congresso Operário da Covilhã se dá oreconhecimento oficial da Federação das Juventudes Sindi-calistas (FJS) por parte da CGT. No período 1913-1937terão existido 35 Núcleos estáveis das JS. Em 1922, jádepois da cisão bolchevique, as JS contariam com 5000 fi-liados, que, em 1923, seriam cerca de 3000 e, em1926, aproximadamente 2000. Na Declaração de Princípi-os aprovada no seu 2º Congresso de 1926, a FJS afirmaser “anarquista a sua ideologia” e “sindicalista revolucio-nário o seu método de acção”, afirma-se igualmente anti-militarista, anti-autoritária, revolucionária, sendo de “fran-ca hostilidade a sua atitude em face dos partidos políti-cos”. As JS foram um alvo preferencial da repressão polici-al devido à sua reputação de radicalismo, que a partir de1920 começa a ser associada às bombas e aos atentadospessoais. Em 1921, o próprio Congresso da Federaçãoconsagra a violência como meio de acção e decide a cria-ção secreta do Comité de Defesa Sindical, uma organiza-ção paralela e secreta destinada a acções de apoio às lutassindicais. A repressão levou, só em Março de 1922, à de-tenção de cerca de 200 militantes e ao encerramento dosNúcleos de Lisboa, Almada e Évora. Um grande número demilitantes das JS sofreram a deportação para as colóniasportuguesas de África e para Timor. Cf. FREIRE, João – AsJuventudes Sindicalistas: um movimento singular. Penélo-pe, 4 (1989).

18 - “O I Congresso das Juventudes Sindicalistas”, A Bata-lha, 2 de Fevereiro de 1921, citado por PEREIRA, JoanaDias – Op. Cit., p. 155.

19 - OLIVEIRA, César – O Primeiro Congresso do PartidoComunista Português. Lisboa: Seara Nova, 1975, p. 35.Segundo este autor, a fundação do PCP decorre da acçãoda Federação Maximalista, mas “não resulta do cresci-mento desta organização nem corresponde ao aumento dasua influência de massas. De facto o período áureo da CGTsitua-se exactamente entre 1919 e 1923-1924” (p. 35-36).

20 - Em Dezembro de 1920, a sindicalista revolucionáriaFAUD (Freie Arbeiter-Union Deutschland) acolheu uma con-ferência internacional em Berlim, que teve por objectivotentar obter um acordo entre os sindicalistas revolucionári-os sobre a questão internacional e, particularmente, sobre

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de Berlim […]”.Referindo­se à tese apresentada no

Congresso a favor da adesão à Interna­cional Sindical Vermelha, a moçãoaprovada classifica­a como “erro la­mentável que revoga toda a característi­ca doutrinária e originária do Sindica­lismo Revolucionário”, uma vez que aISV “defende a conquista dos poderes ea ditadura do proletariado nas mãos deum poder central erroneamente prole­tário; […] determina um contacto es­treito e uma ligação orgânica e técnicaentre a Internacional Sindical Vermelhae a Internacional Comunista; […] esta­belece uma junção real e estreita entreos sindicatos operários e o partido co­munista russo aceitando a interpene­tração de membros dum e doutros nosseus corpos directivos; […] estando per­feitamente ligado ao Partido ComunistaRusso, que está no poder, encontra­se,ipso­facto, ao lado do Estado e do go­verno moscovita […] sendo assim, estáconsiderada como um instrumento doestado russo, sendo sua subordinadapolítica, o que destrói toda a essênciasindicalista revolucionária que a orga­nização operária portuguesa deve man­ter a todo o custo”.

Desta forma, a moção de ClementeVieira dos Santos conclui:

“O Congresso Nacional Operário,reunido na Covilhã, resolve:

“1.º ­ Rectificar a sua plena concor­dância, para manter a tese já aprovadasobre a Organização Social Sindicalista;

“2.º ­ Manter a genuína característi­ca do sindicalismo revolucionário emque a organização operária portuguesatem assentado;

“3.º – Não aceitar a adesão a qual­quer uma das duas Internacionais exis­tentes, uma (a de Amsterdão), por fal­sear a sua missão histórica, colaboran­do com a burguesia; outra, a I.S.V, porestabelecer a coligação com os partidospolíticos comunistas e estatais que pre­tendem estagnar e absorver a revolu­ção, e por estar intimamente relaciona­da com o Estado russo;

“4.º – Aceitar os princípios estabele­cidos na Conferência de Berlim, por es­tarem consentâneos com o espírito re­volucionário pré­estabelecido na teseOrganização Social Sindicalista, aguar­dando, para resolução definitiva, a efec­tivação do Congresso marcado pelamesma Conferência, no qual se fará re­presentar – se possível for – o operaria­do português”[28].

O congresso de constituição da in­ternacional anarco­sindicalista, desig­nada Associação Internacional dos Tra­balhadores, teve finalmente lugar emBerlim, entre os dias 25 de Dezembro

de 1922 e 2 de Janeiro de 1923. A CGTportuguesa enviou o seu apoio por es­crito e foi reconhecida como membro depleno direito do congresso[29].

Apesar da indicação precisa sobre aorientação das relações internacionaisda C.G.T., dada pelo Congresso da Covi­lhã, era necessária uma decisão definiti­va sobre a adesão à Associação Interna­cional dos Trabalhadores, entretantofundada em Berlim. Esta decisão defini­tiva chegou em 8 de Setembro de 1924,quando 115 sindicatos se pronunciaram,a pedido do Conselho Confederal daC.G.T., num referendo sobre a adesãointernacional da organização operáriaportuguesa. O resultado foi ainda maisesclarecedor, segundo Manuel Joaquimde Sousa porque no Congresso da Covi­lhã “estavam os delegados, no referen­dum falaram os próprios organismos”:104 sindicatos pronunciaram­se pelaadesão à AIT, contra apenas 6 que vota­ram favoravelmente à adesão à ISV deMoscovo, registando­se 5 abstenções[30].

Em 1923, teve lugar em Évora aConferência das Organizações Operári­as de Espanha e Portugal, com a pre­sença de Ácrato Lluhl, Manuel Pérez eSebastián Clara, como delegados daCNT, e de José da Silva Santos Arranhae Manuel Joaquim de Sousa, pela CGT.Nesta reunião, segundo Edgar Rodri­gues, “Manuel Joaquim de Sousa – como apoio de Manuel Pérez – propôs, pelaprimeira vez, a unificação do Movimen­to Confederal e Libertário da PenínsulaIbérica, englobando anarquistas espa­nhóis e portugueses”[31]. A ditadura dePrimo de Rivera instaurada em Espa­nha em 1923, que ilegalizou a CNT, e aditadura militar em Portugal em 1926, ea consequente ilegalização da CGT, em1927, tornariam impossível o projectode uma confederação operária ibéri­ca[32].

Entretanto, o Partido ComunistaPortuguês prossegue o seu trabalho deoposição dentro da CGT, com o objecti­vo de a “conquistar“, seguindo as or­dens do regime de Moscovo e recebendodo mesmo orientação e apoio[33].

Em 1924, sucedem­se os congressosoperários, onde a adesão à AIT é apro­vada (3ª congresso Corticeiro; 3º Con­gresso dos Operários do Calçado, Couroe Peles; 1º Congresso dos Operários daIndústria das Conservas; 2º Congressoda Indústria da Tanoaria)[34]. O 6º Con­gresso dos Trabalhadores Rurais aprovauma Declaração de Princípios em queafirma: “Os trabalhadores rurais rejei­tam o salariato, nem o compreendemdentro do regime de comunismo livrecom as terras socializadas. Preferem oacordo fraternal entre os organismos

o congresso para a criação de uma internacional sindicalanunciado para Maio de 1921 em Moscovo (este congres-so seria adiado para Julho). Estiveram presentes delega-ções das organizações: FAUD (Alemanha), Comités Syndi-calistes Révolutionnaires (França), SAC (Suécia), NAS (Ho-landa), Shop Stewards' and Workers' Comittee Movement(Grã-Bretanha), Federación Regional Obrera Argentina e In-dustrial Workers of the World (EUA). A conferência recebeuainda manifestações de apoio da Fagoppositionens Sam-menslutning dinamarquesa, da Norsk Syndikalistik Federa-tion norueguesa e da CGT portuguesa. Também esteve pre-sente um representante da central sindical soviética. A con-ferência não pôde contar com a presença da Unione Sinda-cale Italiana, devido ao seu envolvimento no movimentode ocupações de fábricas em Itália, nem com a Confedera-ción Nacional del Trabajo de Espanha, a braços com umavaga de repressão. Destas organizações, os Shop Stewardsda Grã Bretanha e os CSR de França já haviam aderido àISV. A Declaração saída da Conferência de Berlim, aprovadapor todos os delegados com a excepção dos franceses edos russos, apela à participação das organizações revoluci-onárias no congresso de Maio de 1921 em Moscovo, comvista à formação de uma internacional de sindicatos revolu-cionários de todo o mundo, ao mesmo tempo que afirma opapel dos sindicatos na revolução e a independência dosmesmos em relação aos partidos políticos. Foi também es-tabelecido um Bureau de Informação Sindicalista (THORPE,Wayne – The workers themselves”: revolutionary syn-dicalism and international labour, 1913-1923. Dordre-cht: Kluwer, 1989, p. 150-153).

21 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 155.

22 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 130-136.Analisando mais tarde as desinteligências provocadas peloscomunistas no seio da CGT, Manuel Joaquim de Sousa lem-brará que, na CGT, “Nem todos os militantes eram anar-quistas, mas todos eram revolucionários, antiparlamentaris-tas e pouco ou nada colaboracionistas mesmo no terrenoeconómico” e que “às primeiras manifestações do desviopreconcebido do PC em formação, respondeu a CGT com aNota Oficiosa […] e toda a organização respondia apoi-ando-a sem a menor restrição” (Manuel Joaquim de – Op.Cit., p. 159).

23 - A CGT enviou como observador ao Congresso da ISV osindicalista Perfeito de Carvalho. Manuel Joaquim de Sousanarra assim a história da delegação portuguesa ao Congres-so da ISV: “a CNT convidou a CGT a enviar à Rússia um de-legado para assistir ao Congresso da ISV e dando contaque de Espanha iriam 5 delegados. O Comité da CGT Portu-guesa ignorava que aquela delegação fosse ilegal e arbitrá-ria (Pleno de Lérida) e que o Pleno de Logronho da CNT adesautorizasse, desautorização confirmada, mais tarde pelaConferência de Saragoça. Aceitou como leal e bom o convi-te e nomeou Perfeito de Carvalho. Este, porém, devendoassistir ao Congresso da ISV, respeitando os princípios e de-cisões da organização portuguesa votados no Congresso deCoimbra, deveria, segundo prévio compromisso seu, elabo-rar uma brochura relatando as condições de vida do povorusso dentro do novo regime e sobretudo as do proletariado– relato baseado nas suas observações directas com o fimde elucidar o proletariado português. Não satisfez, porém,o compromisso. Na sua vinda a Portugal, Novembro de1921, limitou-se a dar explicações verbais e a traduzir osdiscursos pronunciados no Congresso da ISV – a que já nãopôde assistir, por ter chegado tarde – duma brochura dodelegado comunista francês, Rosmer. Investido dum man-dato da ISV, retirou de novo de Portugal, para voltar quan-do do Congresso da Covilhã ainda no desempenho deste úl-timo mandato, mas sem ter-se desempenhado do que lhefoi confiado pela CGT portuguesa.” (SOUSA, Manuel Joa-quim de – Op. Cit., p. 138-139).

24 - “Todas as organizações sindicalistas revolucionáriasque tomaram parte na conferência de Berlim de 1920 en-viaram representantes (com a excepção da FAUD)” (DAMI-

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camponeses e os organismos industriaispara a troca recíproca de produtos utili­záveis, as ferramentas e as matérias­primas, no país por intermédio da CGTe no mundo pela AIT”[35].

Entre os dias 23 e 27 de Setembrode 1925, realiza­se o 1º Congresso Con­federal (4º Nacional) em Santarém,com a presença de 164 delegados, re­presentando 113 sindicatos, 11 federa­ções de indústria e 5 uniões de sindica­tos. Manifestaram a sua adesão ao Con­gresso ainda 22 sindicatos que não pu­deram enviar delegados. A AIT foi re­presentada neste congresso por Arman­do Borghi e a CNT de Espanha por Ave­lino Gonzalez e Segundo Blanco. OCongresso ratificou, sem polémica, aadesão à AIT[36].

A participação activa da CGT na ac­tividade da Internacional prolongou­seao longo da década de 20, com particu­lar empenho de Manuel Joaquim deSousa. Em 1925, a CGT foi representadano 2º Congresso da AIT, em Amester­dão, por Manuel da Silva Campos. Em1926, Manuel Joaquim de Sousa foi odelegado da CGT à Conferência Inter­nacional de Paris. Também em 1926,Manuel Joaquim de Sousa representoua AIT, juntamente com ArmandoBorghi, no Congresso de Marselha, daFederação de Grupos Anarquistas deLíngua Espanhola[37].

Apesar de não ter estado presentenas reuniões internacionais que condu­ziram à criação da Associação Interna­cional dos Trabalhadores, a organizaçãooperária portuguesa foi, desde cedo,uma forte apoiante da criação de umainternacional sindicalista revolucioná­ria. A criação desta internacional inte­grava, para os sindicalistas revolucioná­rios e anarco­sindicalistas portugueses,um projecto de transformação social anível global, a levar a cabo pelas organi­zações sindicais revolucionárias. A par­tir de 1920­21, passou também a cor­responder à necessidade de manter aconfederação sindical numa linha revo­lucionária e independente de qualquerformação política. Este último objecti­vo, tornou­se premente face às tentati­vas de um sector do sindicalismo fasci­nado com a “ditadura do proletariado”na Rússia, entretanto organizado en­quanto Partido Comunista Português(PCP), de subordinar a organizaçãoconfederal às directrizes do governobolchevique de Moscovo, tentando asua adesão à recém­criada Internacio­nal Sindical Vermelha (ISV). Da mesmaforma, a federação das organizações re­volucionárias do movimento operário,primeiro a nível ibérico e depois a nívelmundial, era um objectivo que vinha

sendo defendido, pelo menos desde1915, pelos militantes anarco­sindicalis­tas portugueses.

R. Pereira

ER, V. - Anarchosyndicalism in the 20th Century. Ed-monton: Black Cat Press, 2009, p. 74).

25 - DAMIER, V. - Op. Cit., p. 78-79.

26 - A tese “Organização social sindicalista” preconizava aadesão “à Internacional que mais esteja de harmonia como ideal sindicalista revolucionário” (SOUSA, Manuel Joa-quim de – Op. Cit., p. 213).

27 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 143-144.

28 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 144-147.

29 - Estiveram representadas a FORA (Argentina), a USI(Itália), a FAUD (Alemanha), a secção chilena da IWW, aSAC (Suécia), a NSF (Noruega), a Syndikalistik Propagan-daforbund (Dinamarca), a NAS (Holanda), a CGT (Méxi-co). Os delegados da CNT (Espanha) foram detidos antesde chegarem a Berlim. O delegado da FORU (Uruguai)também chegou demasiado tarde para participar. Foramainda concedidos votos consultivos a organizações deFrança, Alemanha, Rússia e Checoslováquia (THORPE,Wayne – Op. Cit., p. 214-215).

30 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 148-149.

31 - RODRIGUES, Edgar – História do Movimento Anar-quista em Portugal, Piracicaba: Ateneu Diego Giménez,2010, p. 17.

32 - GARDNER, Jason – Creating Unity or Division? TheOrigins of the Federacion Anarquista Iberica. University ofSussex Journal of Contemporary History, 6 (2003), p.9. Segundo Jason Gardner, “só quando a Federação sindi-calista Ibérica se tornou uma impossibilidade, o processoda criação da FAI [Federação Anarquista Ibérica] começouseriamente a avançar” (p. 9). Criada em 1927, a Federa-ção Anarquista Ibérica correspondeu a uma “sentida ne-cessidade de unir o movimento libertário da Península Ibé-rica”, com vista, também, à revitalização do anarquismo edo sindicalismo em Espanha e Portugal (GARDNER, Jason– Op. Cit., p. 10).

33 - Jules Humbert Droz, enviado pela Internacional Co-munista a Portugal para organizar o PCP, escreverá em1923 no seu relatório: “O trabalho no seio da CGT a favorda Internacional Sindical Vermelha é feito pela minoriasindical que mantém as melhores relações com o partido eque concluiu com ele um pacto pelo qual o partido deixa àminoria sindical o cuidado de conduzir a acção no seio daCGT. Mas o partido impõe aos seus membros a obrigaçãode aderirem à minoria sindical. Reserva-se o direito de aípropor e defender o seu ponto de vista e conserva o direi-to de formar em todos os sindicatos os seus núcleos comu-nistas que apoiarão a acção da minoria e farão propagan-da comunista. O partido é o braço direito da minoria sindi-cal e a sua acção é muito importante para a conquista daCGT”. E afirma ainda, Humbert Droz, acerca da “minoriasindical”: “Organizei-a no mês de Agosto e ela já fez umtrabalho interessante. […] A maioria sindicalista está emplena crise; o secretariado queria aplicar sanções à mino-ria; foi reprovado pelo conselho e teve de se demitir. Foinomeado um novo secretariado que tolera a minoria, maseste incidente provocou lutas muito vivas no seio da maio-ria, lutas individuais e de prestígio que aproveitarão aosnossos amigos”. Citado por OLIVEIRA, César – O PrimeiroCongresso do Partido Comunista Português, p. 94-96.

34 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 154

35 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 157

36 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 161-162

37 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 189

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Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 17

Ocongresso de fundação da inter­nacional sindicalista revolucio­nária AIT, na viragem dos anos

1922­1923, realizou­se num contexto degrandes convulsões. A Primeira GuerraMundial tinha terminado poucos anosantes, sendo imediatamente seguida poramplos movimentos revolucionários emvários países, que estabeleceram ten­dências duradouras na história mundi­al.

Durante a guerra, a internacionalsocial­democrata entrou em colapso eos partidos a ela filiados atiraram o seuinternacionalismo pela borda fora. Soba liderança do seu secretário­geral belgaEmilie Vandervelde, deram apoio activoà guerra em nome dos seus países. A in­ternacional sindical reformista tambémentrou em colapso mais ou menos namesma altura.

Após o fim da Guerra, iniciaram­setentativas para reconstruir as organiza­ções internacionais. A Internacional Co­munista organizou um congresso emMoscovo em 1919, como continuação dachamada Internacional de Zimmerwald,que tinha sido estabelecida já durante aguerra. A internacional sindical refor­mista foi restabelecida no mesmo anonum congresso em Amesterdão. A in­ternacional social democrata foi forma­da em 1921 num congresso realizado emViena, tendo o austríaco Fridrich Adlercomo o seu principal promotor. Esta or­ganização fundiu­se com a outra inter­nacional social democrata em 1923.

Por iniciativa dos comunistas, umcongresso realizado em Moscovo em1921 criou a chamada InternacionalSindical Vermelha. Esta organizaçãodesenvolveu grandes esforços para queos sindicalistas aderissem à mesma,mas as organizações sindicalistas revo­lucionárias recusaram, por não estaremdispostas a envolver­se numa internaci­onal sindical liderada por um movimen­to político, neste caso os comunistas.

Entre os dias 25 de Dezembro de1922 e 2 de Janeiro de 1923, delegadosde 10 países, representando cerca dedois milhões de trabalhadores organiza­dos, realizaram um Congresso em Ber­lim. Foi neste congresso que a interna­cional sindicalista revolucionária AITfoi fundada.

O congresso não conseguiu trabalharsem ser vítima de perturbações. Era ne­cessário ter cuidado, uma vez que al­guns delegados haviam chegado ali deforma ilegal, sem o conhecimento da

polícia. O primeiro dia do congresso te­ve lugar num edifício nos arrabaldes deBerlim. O plano era continuar o con­gresso no dia seguinte num outro lugarmas, devido à vigilância policial, foi da­da uma mensagem secreta aos delega­dos para que se encontrassem num ter­ceiro lugar, em Nieder­Schönweide, ou­tra área de Berlim. Durante a tarde, ostrabalhos prosseguiram normalmenteaté que uma patrulha da polícia irrom­peu subitamente pelo edifício exigindoos documentos de identificação dos de­legados. Os companheiros alemães pro­testaram vigorosamente e exigiram quea polícia mostrasse provas de que tinhamandato para aquela acção. A patrulhapolicial não possuía tais documentos,pelo que se retirou, deixando dois polí­cias no local a vigiar. Os delegados aocongresso afluíram então para a porta,saíram para a rua, afastaram os políciase desapareceram.

O congresso reuniu­se de novo nodia seguinte, desta vez perto de Alexan­derplatz no centro de Berlim, não muitolonge da sede da polícia.

Neste edifício, o congresso prosse­guiu sem interrupções durante algunsdias. Mas num dia, antes do meio­diateve lugar um novo ataque policial. To­do o edifício foi cercado por políciascom espingardas e com revólveres egranadas nos cintos. Forçaram a suapassagem para a sala da reunião, ondeos delegados levantaram grande alvoro­ço e protestaram fortemente. Um dele­gado que carecia dos documentos ne­

cessários saltou pela janela, mas foiapanhado pela polícia no exterior. Umdelegado polaco que também não tinhapapéis resistiu à polícia, mas foi postofora de combate. Uma delegada france­sa avançou então e desferiu um soco nacara de um polícia com o punho cerra­do. Foi detida e transportada com ou­tros companheiros para a prisão emMoabit. Todos os delegados foram re­vistados minuciosamente. Entre elesestava Emil Manus, que representava aDinamarca e a Noruega, e EdvindLindstam e Frans Severin, que repre­sentavam a SAC da Suécia. Também es­tiveram presentes outros dois membrosda SAC, não como delegados, mas a tí­tulo individual, passando por Berlim acaminho de Paris. Eram os autores,mais tarde famosos, Eyvind Johnsson eViktor Vinde, o último dos quais se tor­naria editor do jornal Stockholmstid­ningen.

Após tudo isto, a polícia abandonoua reunião e o congresso prosseguiu. Cri­ou a Associação Internacional dos Tra­balhadores. A Internacional sindicalistarevolucionária continuou a funcionardurante a Segunda Guerra Mundial, en­quanto as outras internacionais colap­saram, e prossegue a sua actividade nosdias de hoje.

John Andersson(“Solidaritet”, Ago.­Set. 1959)

Texto traduzido a partir da versão inglesapublicada em: http: //www.iwa-ait.org/

Há noventa anos: o congresso de fundação da AITé interrompido duas vezes pela polícia alemã

Alguns participantes do Congresso de fundação da AIT, em Berl im, Dezembro de 1 922

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Podem falar­nos um pouco davossa organização? Como come­çou a KRAS? Estiveram envolvi­dos em conflitos laborais? Comodescreveriam o panorama geralda classe trabalhadora na Rússianos dias de hoje?

A nossa organização surgiu de formagradual nos anos de 1991­1995. A suacriação resultou de alguma clarificaçãode posições no seio do movimento liber­tário na Rússia. É claro que a tradiçãoanarquista na Rússia foi destruída du­rante a ditadura “vermelha” e, após oressurgimento do movimento no finaldos anos 80, prevaleceram posiçõesmuito estranhas: de tal forma que, nachamada “Confederação de Anarco­Sin­dicalistas” (apesar do seu nome, era an­tes uma federação anarquista generalis­ta), predominavam conceitos de “socia­lismo libertário de mercado”, e tambémexistiam algumas ideias confusas comoo “anarco­capitalismo”, etc. Apesar dis­so, criámos uma corrente anarco­comu­nista (a Iniciativa de Anarquistas Revo­lucionários, IREAN, em 1991 e a Fede­ração de Anarquistas Revolucionários,FRAN, em 1992) e reorientámo­nos pa­ra a Associação Internacional dos traba­lhadores, a única organização internaci­onal que tem por finalidade o comunis­mo libertário (a tendência pró­AIT exis­tiu na IREAN e na FRAN desde 1992). AKRAS foi oficialmente fundada em 1995e em 1996 aderimos enquanto secção à

Internacional.Há que dizer que a fundação da

KRAS ocorreu em condições muito ad­versas. Foi o período do crash económi­co, da atomização quase total da socie­dade e da prevalência da passividadesocial. Os trabalhadores dedicaram­se àsobrevivência individual e praticamentenão ofereceram resistência às reformasselvagens dos mercados. Quaisquer ten­tativas de protesto estavam sob o con­trolo rígido da burocracia sindical, quedeclarou abertamente que o seu objecti­vo era manter o protesto dentro de “li­mites civilizados”.

É claro que, nesta situação, a nossaorganização apenas poderia ser uma pe­quena associação de militantes activos,envolvidos principalmente em activida­des de propaganda como a publicaçãodo jornal “Acção Directa”, organizaçãode comícios de rua, distribuição de pan­fletos informativos sobre os princípios etácticas do anarco­sindicalismo e naagitação dirigida à constituição de sin­dicatos anarco­sindicalistas. De início,faziam parte da KRAS­AIT grupos deMoscovo e de Baykalsk (cidade na Sibé­ria), assim como um grupo da cidadebielorussa de Gomel. Em Moscovo, tí­nhamos uma pequena célula num cen­tro de informação, que tentou protegero interesse dos trabalhadores, mas logoos seus membros tiveram de abandonaro seu local de trabalho. Em Baykalsk, osnossos companheiros foram os promo­

tores do sindicato local dos trabalhado­res da indústria da pasta de papel. Or­ganizaram uma greve, mas sofreramuma derrota e depois o grupo foi esma­gado. Quanto ao grupo de Gomel, evo­luiu gradualmente para uma espécie deanarquismo mais geral. Desta forma, nofinal da década de noventa, o nossogrupo de Moscovo ficou sozinho, apesarda existência de membros individuaisnoutras cidades.

Apesar de não termos a possibilida­de de organizar greves, participámosactivamente no apoio a outros trabalha­dores em greve. Os activistas da organi­zação de Moscovo da KRAS­AIT deramapoio e assistência técnica a alguns mo­vimentos grevistas, por exemplo: dosprofessores na região de Moscovo(1999), dos trabalhadores da fábrica“Rostselmash” (em Rostov do Don), deuma fábrica de maquinaria em Yasno­gorsk (1999) (onde a greve foi levada acabo por assembleias dos trabalhado­res), dos trabalhadores da construçãoem Moscovo (1999), dos trabalhadoresda Ford (2007) e de trabalhadores daloja “Detsky Mir” em Khimki, um su­búrbio de Moscovo (2009). Ao apoia­rem estas greves, os membros daKRAS­AIT tentaram partilhar com ostrabalhadores as ideias e tácticas anar­co­sindicalistas.

Os membros da KRAS­AIT forammuito activos na propaganda antimili­tarista. Participaram em acções contraas guerras da Chechénia, contra a guer­ra na Ossétia do Sul (2008) e em outrasacções anti­guerra. Participamos acti­vamente em manifestações, piquetes eoutras acções de protesto, promovendoexperiências, métodos e ideias do anar­co­sindicalismo. Desde o fim de 2008,os activistas da KRAS­AIT têm vindo aorganizar acções contra o aumento depreços.

No entanto, as nossas possibilidadessão claramente limitadas. Têm um limi­te objectivo: a grande passividade socialda classe trabalhadora na Rússia, o seubaixo nível de preparação para a resis­tência e para a luta pelos seus própriosdireitos. Mesmo nas actuais condiçõesde severa recessão económica, de falhasde produção, de despedimentos massi­vos e deterioração das condições de tra­balho, praticamente não existem movi­mentos grevistas.

EntrevistaKRAS - secção russa da AIT

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Como descreveriam a situaçãopolítica na Rússia de hoje? Quaissão as bases sociais e de classe doactual sistema político russo e navossa opinião, para onde se diri­ge?

O regime político pode ser descritocomo autoritário. Formalmente, as ins­tituições da democracia representativafuncionam e existe um sistema repre­sentativo. Mas, na verdade, o poder estánas mãos de um reduzido círculo depessoas próximas do actual primeiro­ministro Putin. Por um lado, ele incli­na­se contra o apoio dos principais gru­pos económicos da oligarquia e das for­ças repressivas. Por outro, as pessoaspertencentes ao grupo político domi­nante também criaram o seu própriogrupo económico. Há lutas periódicaspela repartição da propriedade entre to­dos esses grupos e corporações (e elescontrolam quase toda a economia naci­onal e também, na realidade, o que so­bra do sector público).

O clima geral político piorou tam­bém no quadro da política de "combateao extremismo". As manifestações e oscomícios de rua (mesmo os legais) sãomuitas vezes dispersados. As autorida­des organizam processos contra antifas­cistas e contra as vítimas de abusos dapolícia, acusadas de "resistência". Hácasos de assassinatos políticos: as víti­mas são activistas antifascistas e repre­sentantes da oposição pública.

Como é a situação social geralna Rússia de hoje? O que se man­teve do anterior sistema comu­nista? E o que mudou mais desdeentão? Como é que as pessoas ge­ralmente se sentem relativamen­te à transição do capitalismo deEstado para o capitalismo depropriedade privada e como issoos afectou?

Em termos gerais, nos anos 90, deu­­se uma transição do capitalismo de Es­tado para o capitalismo oligárquico. Foiacompanhada pela destruição dos ele­mentos de "Estado social" que existiamna "União Soviética". Agora, há uma as­fixia gradual dos sistemas de educaçãoe de saúde gratuitos. Foi introduzidauma reforma das pensões, com base nacapitalização de pensões. Muitos dosapoios para pessoas idosas foram can­celados. O sistema progressivo de im­postos foi abolido: agora tanto os bilio­nários como os trabalhadores pagamuma taxa de 13% sobre os rendimentos.

A acentuada queda do padrão de vi­da dos trabalhadores ocorreu nos anos90 após a introdução de preços de mer­cado. As pessoas sobreviveram à custa

de pequenos jardins e hortas que muitasfamílias das cidades têm nas aldeias. Osespecialistas consideram que só por estarazão não houve fome em massa. Ape­sar de no início dos anos 2000 a posiçãode algumas categorias de trabalhadorester melhorado um pouco (o aumentodos preços do petróleo a nível mundiallevou a um crescimento económico), asituação geral continua muito pesada.Os salários na Rússia são os mais baixosda Europa, embora os preços sejamcomparáveis ao nível europeu.

A situação piorou ainda mais devidoà crise económica actual. O volume deprodução na Rússia caiu para 16% du­rante os primeiros 9 meses de 2009. Onúmero oficial de desempregados é demais de 2 milhões, mas se usarmos oscritérios da Organização Internacionaldo Trabalho é de 6­7 milhões e, até o fi­nal do ano [de 2009], espera­se quase10 milhões de desempregados. De acor­do com o Ministério da Saúde e do De­senvolvimento Social, desde o início dacrise cerca de 700 mil pessoas foramdespedidas. Muitas centenas de milha­res de pessoas foram colocadas em ho­rários reduzidos de trabalho com oscorrespondentes cortes nos salários.

Por detrás destes números frugaisescondem­se pessoas reais, destinos re­ais. Para eles é a depressão, a falta demeios de subsistência, a inutilidade e odesespero. A doença, o suicídio, o alcoo­lismo... Muitas pessoas não têm dinhei­ro para medicamentos: o seu consumona Rússia caiu para um mínimo de 9%.

Os patrões utilizam a crise comopretexto para mais ataques contra ostrabalhadores: redução de salários eagravamento das condições de trabalho.Crise é negócio.

Infelizmente, ao contrário do quesucede em muitos outros países, a po­pulação reage à crise sobretudo de for­ma passiva. A reacção às reformas demercado dos anos 90 foi também basi­camente passiva. A destruição do velhomodelo deixou atrás de si uma profundafrustração. As pessoas comportam­secomo egoístas, muitas vezes tentandosobreviver à custa dos outros.

Agora, quase nunca acontecem gre­ves e já não há acções radicais, como aocupação de fábricas ou as greves de so­lidariedade. Como é óbvio, os dados ofi­ciais que registam uma só greve no pri­meiro semestre do ano, envolvendo 10pessoas, são uma mentira. Mas mesmoas estatísticas de organizações em prin­cípio favoráveis à acção dos trabalhado­res caracterizam­se pela decepção: fo­ram registadas apenas algumas peque­nas "disputas laborais".

As autoridades, a oposição e os sin­

dicatos burocráticos agem conjunta­mente para tentar evitar qualquer pro­testo social. Os sindicatos oficiais e "al­ternativos" pregam a "paz social" e acolaboração de classes, preferindo ape­lar ao envolvimento do Estado parauma "reestruturação". Todas as tentati­vas de auto­organização da luta dostrabalhadores são extremamente pe­quenas e têm sido brutalmente repri­midas. Tivemos informações de váriasfábricas e empresas onde foram despe­didos activistas que estavam a tentarformar sindicatos independentes. Hou­ve casos repetidos de ataques físicos di­rectos contra sindicalistas. Num dessesataques foram, alegadamente, encon­tradas drogas, motivo pelo qual um sin­dicalista está preso.

Infelizmente, é possível afirmar queuma década e meia de reformas demercado não conduziu a um cresci­mento do conteúdo social­revolucioná­rio do protesto contra o capitalismo,mas sim ao crescimento do nacionalis­mo nas suas mais diversas formas. E aluta contra este nacionalismo é, paranós, uma tarefa importante.

Como descreveriam a relaçãoentre a KRAS e as restantes sec­ções da AIT? O que é que conside­ram positivo nessa relação e oque acham que poderia ser me­lhorado? A KRAS, como a AIT­SP,é mais ou menos um grupo depropaganda anarco­sindicalista.Como vêem a relação entre osgrupos de propaganda e os sindi­catos anarco­sindicalista já esta­belecidos na AIT?

A nossa organização está na AITdesde 1996. Mantemos relações comoutras secções da Internacional, emboracom diferentes níveis de intensidadereal. Estamos em contacto com menorou maior regularidade com secções co­mo a FORA, a AIT­SP, a CNT­AIT (F), aNSF, a ZSP, a PA e também com com­panheiros checos. Mas queremos de­senvolver relações também com as ou­tras secções. Genericamente, temosuma posição determinada no seio domovimento anarco­sindicalista, quepode ser descrita como "forista". Talcomo a FORA argentina, nós conside­ramo­nos uma organização "finalista",que tenta juntar as funções de um sin­dicato com as de uma organização ide­ológica. Assim sendo, não estamosabertos a "todos os trabalhadores, in­dependentemente de seus pontos devista", mas estamos abertos apenas atrabalhadores que compartilhem o ob­jectivo do comunismo libertário.

Mas isto não quer dizer que agora

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devamos trabalhar, basicamente,como uma organização de propa­ganda. Neste momento, não pode­mos criar qualquer célula numa em­presa ou estabelecimento, não por­que não queiramos, mas devido à si­tuação real do movimento operáriona Rússia. E não pensamos que, porquestão de princípios, devam existirquaisquer problemas entre gruposde propaganda anarco­sindicalista eorganizações que funcionam comoverdadeiros sindicatos. A diferençaentre estes dois tipos de organiza­ções pertence à esfera da dimensão edas possibilidades e não à esfera daobservância mais "estrita" ou mais"indulgente" para com os princípios.Mas é importante não procurar ocrescimento das fileiras dos sindica­tos a qualquer custo, em detrimentoda qualidade e convicção dos mem­bros. Não estamos a dizer que todosos membros de um sindicato anar­co­sindicalista devam necessaria­mente considerar­se subjectivamen­te como anarquistas. O anarquismonão é uma doutrina de gabinete.Muito mais importante é que osmembros actuem como anarquistas,do que se intitularem anarquistaspara depois agirem como autoritári­os. Mas é necessário que procuremalcançar ambos os objectivos doanarco­sindicalismo: lutando tantopor melhorias materiais imediatas,como por uma sociedade livre base­ada no comunismo libertário. Casocontrário, isto não seria anarco­sin­dicalismo, mas apenas um tipo desindicalismo um pouco mais radical.Porque o anarco­sindicalismo é acorrente anarquista no seio do mo­vimento dos trabalhadores, não ha­vendo nele lugar para anti­anarquis­

tas, tais como membros de partidospolíticos, etc.

Quais são as vossas pers­pectivas para o futuro da AIT edo anarco­sindicalismo?

Como é claro, esperamos o me­lhor. Especialmente agora, nesta si­tuação em que os sindicatos buro­cráticos não podem nem queremdefender os interesses e direitos dostrabalhadores e começa a haver es­paço livre para o desenvolvimentode uma alternativa. Mas o renasci­mento do anarco­sindicalismo não éum processo automático. Temos delevar em conta factores como a ato­mização social, a desintegração dacultura tradicional do trabalho, asatitudes individualistas e a frustra­ção geral. Nesta situação, para anossa Internacional e para as suassecções, uma coisa permanece: tra­balhar duro para os nossos objecti­vos e finalidades, procurando atingiro máximo. E, em primeiro lugar, éimportante fortalecer as relaçõesentre as organizações anarco­sindi­calistas de diferentes regiões, demodo a que, mais cedo ou mais tar­de, possamos ser capazes de condu­zir uma verdadeira luta de classes anível internacional. Quando virmosuma verdadeira greve de solidarie­dade internacional entre trabalha­dores, organizada pelos anarco­sin­dicalistas, estaremos em situação depoder afirmar que as perspectivasfuturas da nossa AIT são as melho­res de toda a metade do século pas­sado.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -* Entrevista realizada no final de 2009.

Faro: Sotavento, 2011, 380 p.«E se o regicídio de 1908 tivesse sidolevado avante por anarquistas e não porrepublicanos? E se o 5 de Outubro de 1910também tiver, no essencial, sido feito poranarquistas intervencionistas que pres­cindiram da orientação de chefes republi­canos prematuramente desactivados comoMiguel Bombarda ou Cândido dos Reis? Ese, uma vez implantada a República, assuas principais vítimas tiverem sido osanarquistas e os trabalhadores persegui­dos e não os monárquicos ou os católicosque, sob o disfarce ideológico, faziam par­te ao fim e ao cabo da mesma classe bur­guesa que os republicanos? E se um dosmaiores inimigos dos anarquistas tiver si­do um republicano “de esquerda”, AfonsoCosta, chefe do Partido Democrático ecognominado “o Racha­Sindicalistas”? Ese, em resposta à repressão brutal da gre­ve geral de 1918 e da ocupação de terrasno Alentejo, o homem que matou SidónioPais também tiver sido um anarquista,como aliás os restantes companheiros en­volvidos no movimento? E se, já implan­tado o regime fascista, o único movimentoproletário que se lhe opôs – o 18 de Ja­neiro de 1934 – também tiver sido de ma­triz e inspiração libertárias e anarco­sin­dicalistas, aliás como o atentado de 1937contra Salazar? E se, enfim, a nível penin­sular, tanto português quanto espanhol,aquilo que é autenticamente ibérico e re­volucionário for o anarquismo e, muitoespecialmente, o anarco­sindicalismo?»

Pedidos para:Edições SotaventoApartado 5 / 8001 -901 Faro

O regicídio, o 5 de Outubrode 1910, a I RepúblicaPortuguesa e a intervençãoanarquistade Júlio Carrapato

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Saint Imier– Encontro Internacional AnarquistaDe 8 a 12 de Agosto de 2012 teve lugar em Saint Imier, na Suíça, o maior Encontro Internaci­onal Anarquista das últimas décadas. Mais de 3.000 participantes comemoraram os 140anos do Congresso de St. Imier que marcou a criação da Iª Internacional Anti­autoritária em1872, categoricamente posicionada contra as ideias centralistas e autoritárias de Karl Marxe que viria a dar mais tarde origem à AIT.

No âmbito do Encontro realizou­se o 9º Congresso da IFA (In­ternacional das Federações

Anarquistas), no qual participaram naqualidade de observadores ou convida­dos várias secções da AIT ­ a secçãoportuguesa esteve presente como convi­dada ­ com o objectivo de fortalecer asideias e práticas anarquistas e promovera cooperação entre as organizações.Congresso da IFA

A IFA reúne federações provenientesde várias partes do mundo: FederaçãoAnarquista Francesa, Federação Anar­quista Ibérica, Federação AnarquistaItaliana, entre outras. Neste congressoparticiparam também a CNT e secçõesda AIT em algumas sessões abertas domesmo. Destacamos aqui a sessão ondefoi apresentada uma análise da criseeconómica e social actual, que, aborda­da também de um ponto de vista técni­co e especializado, procurou tornar cla­ro para os presentes os meandros dosmecanismos financeiros, económicos epolíticos da crise habitualmente escon­didos debaixo da capa do “difícil e do“complicado”, só acessível a especialis­tas. Estes conhecimentos permitemconceber de forma mais esclarecidaprojectos de economia auto­gerida, as­sim como podem ajudar na concretiza­ção efectiva dos mesmos, na medida emque procuramos destruir o modelo capi­talista ou, pelo menos, provocar­lhe du­ros golpes e criar alternativas económi­cas auto­geridas e efectivamente solidá­rias. Outra sessão que gostaríamos dedestacar, pela importância e actualidadedo tema, diz respeito à relação entre Ge­ografia e Anarquismo na perspetiva deÉlisée Reclus, o geógrafo anarquista.Nesta sessão apresentou­se e discutiu­se sobre a actualidade e importância daconcepção e métodos de E. Reclus apli­cados ao estudo da geografia social, sa­lientando o papel da experiência e daprática da geografia para a compreen­são dos problemas sociais de forma apodermos criar modelos alternativos à

sociedade de classes e estatista. Aindanesta sessão foram apresentadas váriasiniciativas no campo do comunalismo(comunas rurais e urbanas em França)e federalismo. Fizemos a feliz constata­ção que essas iniciativas são realizadase consolidadas por anarquistas bastantejovens que simultaneamente empreen­dem lutas nos campos e nas cidades.

Paralelamente a este programa ofici­al do congresso da IFA, as secções (es­panhola, portuguesa e polaca) da AITrealizaram duas reuniões de trabalhocom os grupos anarco­sindicalistas(ASB da Holanda, IASR da Roménia eMASA da Croácia). Estes grupos levama cabo nos respectivos países acções depropaganda anarco­sindicalista assimcomo acções de luta com os trabalhado­res e desempregados. Participam tam­bém em acções de solidariedade inter­nacional tendo como um dos seus ob­jectivos tornarem­se secções da AIT.Desta forma os assuntos abordadosnestas reuniões de trabalho incidiramsobre estratégias de organização e con­solidação destes grupos; estratégias deimplementação e desenvolvimento dasideias e práticas anarco­sindicalistas;

reforço da aproximação e cooperaçãoentre as secções já existentes da AIT as­sim como com os grupos em fase deformação. Foi assim levada a cabo umatroca de experiências e práticas bastanteenriquecedora que nos deu conta dasdiferentes realidades e circunstânciasde cada país, muitas vezes bastantehostis à apresentação e divulgação dasideias anarco­sindicalistas como nosrelataram os companheiros da Roméniae da Croácia.Encontro Internacional deAnarquistas

O primeiro lugar para o qual todosse dirigiam era o centro cultural liber­tário autogerido Espace Noir, que pôs àdisposição a única sala de cinema da ci­dade, uma sala de conferências, umataberna, uma galeria de arte e uma bi­blioteca. Foi também o centro de emis­são da Rádio Libertaire, durante os diasem que decorreu o Encontro. Na entra­da do espaço havia uma mesa redondacontendo informações diversas: mapasda cidade, informações turísticas, pan­fletos e centenas de programas. O pro­grama continha um pequeno mapa a

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indicar os locais e as actividades aserem realizadas bem como os res­pectivos horários. Apresentava tam­bém informações acerca do aloja­mento e logística, onde se destaca­vam a existência de um parque decampismo, um espaço infantil e du­as cozinhas autogeridas por compa­nheiros alemães e holandeses quepreparavam refeições veganas, paraas quais cada um contribuía segun­do as suas possibilidades.

No total, havia oito centros deactividades e dois espaços de cine­ma. Sale du Dojo, para a realizaçãode workshops; Salle St. Georges, on­de se realizou o 9º Congresso IFA;Tente Anarkismo, que pertencia aoanarkismo.net; Espace Noir, pontode informação, concertos e projec­ção de filmes; Mémoires d’ici, eraprincipalmente um ponto de leitura;Salle de spectacle et Salle du Con­seil, um espaço muito grande para arealização de conferências, reuniões,debates e encontros; Patinoire, de­dicado à Feira do Livro e, por fim, oCentre de Culture et Loisir et Musée,onde era possível visitar a exposiçãointitulada “Revolução Espanhola1936­39”, com cartazes, revistas eoutros testemunhos pertencentes aomovimento anarquista daquele pe­ríodo.

Sendo assim, tivemos a oportu­nidade de participar activamente emvárias conferências e debates, quena maioria foram traduzidos espon­taneamente por voluntários. De des­tacar a participação de alguns mem­bros do SOV do Porto da AIT­SP naconferência sobre o sindicalismo debase, onde participaram tambémoutras organizações. O SOV/AIT­Porto partilhou assim a sua experi­ência apresentando os seus objecti­vos e aspirações, as acções levadas acabo no seio da classe trabalhadorae desempregada, estratégias utiliza­das, não deixando de partilhar tam­bém os reveses e experiências me­nos boas, pois este SOV encontra­seainda em fase embrionária. De sali­entar também outras conferênciascomo a de M. Pinto sobre a criseeconómica, a de Alexandre Samissobre o Neno Vasco e o anarquismointernacionalista no Brasil e Portu­gal, sendo esta apresentada com oapoio do nosso companheiro doSov/AIT­Porto. No que respeita àtemática da educação anarquista, oscolectivos Terra Libre, AtivismoABC e Grupo de Estudios DomingoG. Rojas levaram a cabo a conferên­cia sobre Práticas contemporâneas

de educação anarquista. F. Mintzapresentou um tema polémico masactual e muito pertinente na confe­rência: A questão do voto sindical(proporcional) ao longo da históriada AIT e noutras organizações anar­co­sindicalistas actuais. Também aactual situação da Grécia e as lutassociais que aí têm palco deram lugara um tema de conferência, por R.Dreis assim como por A. Jappe Acrise mundial e a sociedade de mer­cado; entre outras. Em cada diahouve projecção de filmes, a menci­onar “Memória Subversiva” de JoséTavares e várias curta­metragensinteressantíssimas realizadas pelaProductora de Comunicación Social,uma organização de propagandaanarquista dedicada à difusão dasideias e práticas libertárias do Chile.Os filmes e documentários apresen­tados versaram sobre uma diversi­dade de temas como: Utopia, Revo­lução Espanhola, Militância Anar­quista, Sexualidade, Poder e Autori­dade, entre outros.

A caminhada ou a trilha pedestrefoi também contemplada no progra­ma deste Encontro. Assim foi reali­zado um percurso a pé designadopor “No rastro da Federação do Ju­ra…”, através do qual conhecemosespaços físicos emblemáticos comoo Hotel da vila em St. Imier, o Caférestaurante de la Balance e o café laClef em Sonvillier bem como infor­mações sobre a formação da Fede­ração Anarquista do Jura e do con­tributo de Bakunine, na medida emque ele esteve exilado na Suíça e vi­veu em Sonvillier durante algumtempo.

À noite, nos momentos maisdescontraídos, companheiros ecompanheiras dos cinco continentesjuntavam­se para acompanhar a As­sociação Cultural Voci di Mezzo,cantando em conjunto canções li­bertárias num momento de convi­vência e partilha profunda dos nos­sos ideais.

Saudamos os esforços individu­ais e colectivos que tornaram possí­vel este encontro, que é a prova in­questionável de que hoje em dia oanarquismo continua a ser, não sóuma política e uma ideologia mastambém uma prática e uma formade ser e agir cada vez mais impres­cindível.

Anita N.Lena

Existe crise? Não! É apenas o sistema deeconomia de mercado, associado a umagrande falta de fraternidade, em pleno vigore com a bênção da sociedade que continua aapostar e apoiar a sua própria miséria esubserviência.

A classe média só agora sentiu que existea “crise”, e graças a ela se socializou essapalavra, porque só desde 2008 deixou de terpoder de compra para manter ou adquirirobjectos e modos de vida. Enquanto houvedécadas em que uma camada enorme dapopulação vivia no limiar da pobreza, essaclasse média brindava a essa situação e noNatal, lá dava uma esmola aos indigentes,para limpar a sua consciência. (Caridadenão é solidariedade).

Esta “crise” não é nenhuma fatalidade.Tal como não é o empréstimo a juros altos eprazos curtos (em vez de ser pago conformeo crescimento económico) por parte datroika. Esta crise não é nenhuma fatalidade,porque é nada mais nada menos que o capi­talismo em marcha e a consequência de po­líticas anti­sociais. É óbvio a qualquer pes­soa que sem salários altos, não se consome,como tal, não se produz e então não se em­prega nem se pode pagar salários altos.Simples. Mas para beneficiar uns quantosamigos e famílias (políticas, maçónicas…),tem que se passar a conta a quem produz,para pagar os lucros das Parcerias Público­Privadas (PPP), concessões, salários de ges­tores públicos, tecnocratas e afins, reformaspor inteiro de políticos (político é profis­são?)…

Falamos dos impostos altos e que conti­nuam a subir, para alimentar a máquina doEstado e a banca, mas ninguém questionaaonde é gasto esse dinheiro, pois o acessoaos direitos fundamentais e previstos naconstituição da República Portuguesa, talcomo saúde, educação, habitação, justiça… écada vez mais limitado e precário.

E andamos a pagar a dívida de quem?Nossa? Ou de quem a fez? De bancos e deuma ilha? Que pague quem a fez. Não é?Porque nunca mais se falou da Islândia?Que em referendo, decidiu não pagar a dí­vida dos outros e está a recuperar economi­camente, sem nunca ter metido o garfo nasquestões sociais. Aqui no mediterrâneopõem o garfo, a faca, e o pior de tudo: nós

Crise?Há aqueles que lutam um dia;e por isso são muito bons;Há aqueles que lutam muitos dias;e por isso são muito bons;Há aqueles que lutam anos;e são melhores ainda;Porém há aqueles que lutam toda a vida;esses são os imprescindíveis.­ Bertolt Brecht

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agradecemos! Se a razão da nossa austeri­dade (que não é para todos) são os merca­dos, acabem­se com os mercados! O meumercado é o da Ribeira, em Lisboa, essesim é que é um feliz mercado: do produtorao consumidor!

Os governos que governaram a regiãoportuguesa, nunca enganaram o povo, nemnunca governaram mal. O povo é que andailudido. Porque esperar justiça social e tri­butária de quem vive às custas do laboralheio, é o mesmo que querer cozer batatasnuma frigideira com óleo quente! Os me­dia, na mão de grandes monopólios tam­bém contribuem para a desinformação eestupidificação, sendo uma boa arma dealienação de massas, onde os fabricantes deopinião, não hesitam em dar soluções paraesta “crise” e as causas dela, e o pior de tu­do: os espectadores aplaudem! E aindavendem (e é um best­seller) que antes dacrise é que se vendia bem… A falta de me­mória dos portugueses está a enterrá­losvivos. Tal como a grande arma do Estado edo capital é o conformismo geral, que é cri­ado através da ignorância e do medo!

Que resposta dar a esta “crise”?Podia aqui afirmar: acabar com as PPP,

gestores públicos, zona franca da Madeira(80% das empresas são uma caixa de apar­tado), cobrar nas transacções na bolsa e asmais valias, cobrar a riqueza, etc. e investirmais no ensino (estilo escola oficina nº1,Ferrer …), na agricultura (rasgar a políticaagrícola comum), pescas (cagar na políticade pescas comum), e por aí fora… até a po­pulação se emancipar através da autoges­tão generalizada e do colectivismo consci­ente! Mas parece que as pessoas preferemcontinuar o canibalismo quotidiano e aapoiar a miséria terrorista no qual elas sãocriadoras e vítimas! Também não acreditoque se forme um governo (se sabes gover­nar­te, não deixes que te governem) consti­tuído por mestres da ciência, mundo artís­tico, medicina, desporto, humanistas… Co­mo tal, vejo como boas alternativas ­ quenos podem levar mais além ­ experiênciasde hortas urbanas, sistema trocal, banco dehoras, cooperativas de produtores e consu­midores, o “do it yourself” e a economiaparalela, okupações e demais projectossaudáveis, para além de continuar a con­testação (e informação/consciencializaçãosobre a situação actual) a esta “crise” pelasmais variadas e criativas formas de agita­ção social, nunca deixando de parte a auto­defesa da liberdade, igualdade e fraterni­dade contra qualquer tipo e forma de pato­logia autoritária e exploração vil!

O medo de ser livre provoca o orgulhode ser escravo! Nenhuma agressão semresposta!

SkalgesOutono de 2012

Entre Esquerdas e Direitas

Socialmente aglomerados empatamares e castas (como vinhas),as pilhas alimentam uma máquinaburguesa pobre de essência e autista:não se apercebe como só se representaa si mesma na democracia do capital ena paz da NATO, paraíso fortificado.Qual Primeiro de Maio, qual crisemundial, qual luta mundial dostrabalhadores,a não ser a luta das contas pagas e dacomida na mesa, quando o dinheiro opermite?!Que escravatura tentam prometer?A educação para o consumo das novastecnologias?A vida da TV e do tóxico PC?Quem paga a fibra óptica para o bemdos herdeiros do golpe de Abril 74?(E que grande golpe, os fachos estão cátodos e mais organizados, ademocracia é o que se vê e sente,os ricos mais ricos, os pobres maispobres e os iludidos mais endividados)A nova burguesia e a tecnologia jádominam o mercado e as guerras depoder económico!O betão é um albergue para o plasma euma carapaça para a fibra!Comprar e vender imagem luz nummundo artificial e cinzento,iluminado pela tecnologia do paládio egládio...e do cobre e do ouro ...e da luz LED...e pelo brilho do plasma e o consumodo índio...tudo na defesa hipócrita do ambiente eda sociedade de centro e periferia,animada pela caridade contemporâneacom mofo de outros regimestotalitários e democráticos.Lutas laborais ou corporativas, grevegeral?Que horror! Tudo parado, sem cafénem hiper, qual jumbo qual mini!

A todo o preço nada pára!...A pilha tem de animar os "coelhinhoslet`s play do capital":de guerreiros a gestores, governos,governados, qual goiabada.A autonomia e estímulo dascapacidades do indivíduoé pedida em sacrifício do objectivoparasita e unilateral da ilusóriaimagem do colectivo.Estímulos e sentimentos confundem­se na roda alternativa.Só conta o jogo da aparência e dobrilho barroco da tecnologiae do consumo de produtos préfabricados testados,indutores de padrões sociais eestéticos que existem apenas nosmedia e nos derivados,também eles produtos rentáveisindispensáveis à afirmação do Estadoe da burguesia...E viva o negócio da cafeína!!Nem só com amoras se pensa emcultura...Mas educar para autonomia é maisum cliché que fica bem no estudo deimpacto de novos processos docapitalismo e da burguesia seadaptarem para o controlo da massade pilhas aglomeradas em periferiasgeridas e assistidas a fim de manteremo centro no centro.Os Burgueses de Calais*, mesmo comimagem de "pobres" são os Burguesesde Calais!!!E qual é a burguesia que não segoverna?As lutas dos sindicalistas não são paraa burguesia comprar ou assimilar,são factos do passado que lembramque o futuro pode ter muitos cenáriose nenhum é garantido!

2009MH* Obra do escultor Auguste Rodin - Paris, 12 de Novembrode 1840 - Meudon, 17 de Novembro de 1917

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O que é a AIT-SP?O que é a AIT?

A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) éuma organização anarco-sindicalista, constituída pororganizações activas em diferentes partes do mundo,que se organizam em federações locais, regionais enacionais, e finalmente internacionais (a AIT), sem lí-deres nem hierarquias, sem burocracias ou centralis-mo. As lutas locais são internacionalizadas através daacção concertada e solidária de todas as secções.

O que é a Secção Portuguesa da AIT?

A AIT-SP, Secção Portuguesa da AIT, organiza-se emnúcleos locais, sindicatos de ofícios vários e de ramoe em secções sindicais nas empresas. Apoiamos, deforma activa e solidária, todas as iniciativas popularesorganizadas horizontalmente, sejam elas na comuni-dade ou no local de trabalho contra o patronato e ospoderes instituídos.A AIT-SP não aceita quaisquer subsídios do Estado ede estruturas patronais ou estatais.A AIT-SP não aceita a ideia e a prática da chamada"concertação social" pois ela é uma hipocrisia e umamaneira das classes trabalhadoras se "conciliarem"com quem as explora e rouba. A AIT-SP defende sima inevitabilidade da luta de classes entre explorados eexploradores pois não há conciliação possível entre

uns e outros.Na AIT-SP vais encontrar trabalhadores, estudantes,desempregados e reformados, como tu, fartos de serexplorados pelo Estado, pelos patrões, pelos senhori-os ou manipulados pelos partidos.

Anarco-sindicalismo

O Anarco-sindicalismo é um meio de organização eum método de luta, que pretende abolir o capitalismoe o Estado, agindo autonomamente das instituiçõesde poder, sejam elas partidárias ou parlamentares.Defende que a libertação das pessoas, de qualquer ti-po de exploração e opressão, só pode ser obra delaspróprias.A defesa integral da personalidade humana, a liberda-de, a solidariedade, o apoio-mútuo e a associação vo-luntária e federativa, constituem a base sobre a qualos anarco-sindicalistas sustentam a sua acção.É contra o centralismo e a burocracia e tem sido aolongo da história intransigente contra a manipulaçãodas lutas populares por partidos políticos ou centraissindicais, que as dirigem tendo em conta os seus pró-prios interesses.Os seus métodos de luta são, entre outros: a greve, oboicote, a sabotagem, o bloqueio ou a ocupação, ex-propriação e autogestão das empresas pelos própriostrabalhadores.

Princípios básicos:

Autogestão- Gestão directa em assembleias, seja notrabalho ou na comunidade, pelos envolvi-dos e mais ninguém. Os cargos são rotati-vos, não remunerados e os mandatos revo-gáveis a qualquer momento.

Acção Directa- Recusa em depositar nas mãos dos repre-sentantes, tarefas e decisões que as assem-bleias de base deverão tomar e repartir en-tre si.

Solidariedade e apoio mútuo- Os problemas de um são os problemas detodos.

Internacionalismo- Os explorados não têm pátria – a nossa pá-tria é o mundo inteiro.

Autonomia- Independência frente ao Estado, patronato,partidos, direcções sindicais oficiais e outrasorganizações autoritárias.