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APLICAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS COSTA, Graciele Lima 1 SILVEIRA, Kamila Adão da 2 TEMPORIM,Patrícia Gama³ RESUMO O objetivo deste artigo é tecer algumas considerações sobre as especificidades que envolvem o bilinguismo na educação de pessoas surdas. Pelo fato de nascerem em famílias ouvintes, à maioria das crianças surdas cresce sem uma língua constituída, uma vez que a língua majoritária na modalidade falada, usada pela família, é inacessível às crianças surdas e a língua de sinais, acessível a elas, é desconhecida ou mesmo rejeitada pela família ouvinte. A proposta de uma educação bilíngue, que contemple a Língua Brasileira de Sinais, como primeira língua, e a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua, são apresentadas e discutidas neste artigo. Palavras-chave: Língua Portuguesa; Bilinguismo; Surdez. ABSTRACT The purpose of this article and some considerations about the specificities of bilingualism in the education of deaf people. Because born into hearing families, the majority of deaf children grow up without a made up language, since the majority language in spoken form, used by the family, is inaccessible to deaf children and sign language, accessible to them, it is unknown or even rejected by the listener family. The proposal for a bilingual education, covering the Brazilian Sign Language as a first language, and the Portuguese language, in written form, as a second language, are presented and discussed in this article. 1 Graduanda do Curso de Letras Língua Portuguesa do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]. 2 Graduanda do Curso de Letras Língua Portuguesa do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]. 3.Professora Orientadora:professora do colegiado de Pedagogia, Centro Universitário São Camilo- ES,[email protected] de Itapemirim-ES,Agosto de 2016.

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APLICAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS

COSTA, Graciele Lima 1

SILVEIRA, Kamila Adão da2 TEMPORIM,Patrícia Gama³

RESUMO

O objetivo deste artigo é tecer algumas considerações sobre as especificidades que envolvem o bilinguismo na educação de pessoas surdas. Pelo fato de nascerem em famílias ouvintes, à maioria das crianças surdas cresce sem uma língua constituída, uma vez que a língua majoritária na modalidade falada, usada pela família, é inacessível às crianças surdas e a língua de sinais, acessível a elas, é desconhecida ou mesmo rejeitada pela família ouvinte. A proposta de uma educação bilíngue, que contemple a Língua Brasileira de Sinais, como primeira língua, e a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua, são apresentadas e discutidas neste artigo.

Palavras-chave: Língua Portuguesa; Bilinguismo; Surdez.

ABSTRACT

The purpose of this article and some considerations about the specificities of

bilingualism in the education of deaf people. Because born into hearing families, the

majority of deaf children grow up without a made up language, since the majority

language in spoken form, used by the family, is inaccessible to deaf children and sign

language, accessible to them, it is unknown or even rejected by the listener family. The

proposal for a bilingual education, covering the Brazilian Sign Language as a first

language, and the Portuguese language, in written form, as a second language, are

presented and discussed in this article.

1 Graduanda do Curso de Letras Língua Portuguesa do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]. 2 Graduanda do Curso de Letras Língua Portuguesa do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected].

3.Professora Orientadora:professora do colegiado de Pedagogia, Centro Universitário São Camilo-

ES,[email protected] de Itapemirim-ES,Agosto de 2016.

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Keywords: Portuguese language; bilingualism; Deaf.

INTRODUÇÃO

O aprendizado da Língua Portuguesa para os lecionandos surdos é relevante

como uma segunda língua para os sujeitos não oralizados, proporcionando um melhor

convívio social, desenvolvimento acadêmico e conhecimento de mundo.

A aprendizagem da Língua Portuguesa é um desafio para quem desconhece a

oralidade. O importante uso do bilinguismo oferece a base necessária para que esse

sujeito seja capaz de compreender e construir a língua oralista em sua modalidade

escrita. O papel da família e dos professores é muito importante no processo de

aprendizagem desses discentes, mas como trabalhar com o bilinguismo, para auxiliar e

melhorar o estudo da Língua Portuguesa com os alunos surdos?

As línguas de sinais são visuais-gestuais e utilizam o espaço para se articularem,

por isso se distanciam das línguas oralistas, que são orais-auditivas. No entanto, elas

possuem os mesmos níveis de construção e expressão qualquer conceito, seja

emocional, racional literário, metafórico ou descritivo. Por um longo período de tempo,

quase cem anos, houve uma proibição do uso da língua de sinais. Os surdos eram

obrigados a utilizarem a Língua Portuguesa em sua modalidade oral auditiva. O

resultado foi o baixo nível de compreensão e expressão oral.

Um projeto para proporcionar o estudo da Língua Portuguesa para surdos como

segunda língua, presente no livro “Ensino de Língua Portuguesa para Surdos”, do

Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos, afirma a considerável seriedade

do aprendizado do Português para a comunidade surda:

Com um olhar lançado para o futuro e, conseqüentemente, com a intenção de contribuir para projetar a língua portuguesa no mundo, o Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula (LIV) da Universidade de Brasília tomou, a partir do ano de 2000, medidas na área educacional, de acordo com os fins acadêmicos de sua responsabilidade,

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que é o ensino da língua portuguesa. O LIV tem, como objetivo principal, a pesquisa conjunta, que conduza os especialistas a desenvolverem métodos e técnicas adequados ao ensino da Língua a comunidades que não têm o português como língua materna. Essa responsabilidade se situa no âmbito da Licenciatura em português do Brasil como Segunda Língua, curso com objetivos definidos. Um deles, e principal, é a formação de professores de língua portuguesa para ensinar o Português do Brasil - língua, literatura e cultura - a falantes e usuários de outras línguas.

(SALLES, 2004, p.32)

Quando os discentes com deficiência auditiva, que já sabem se comunicar em

Libras, chegam ao ensino fundamental espera-se que sejam capazes de escrever o

próprio nome, tendo em vista que passaram pela educação infantil. Esses alunos

desconhecem a modalidade da língua falada, portanto não partem dos mesmos

primórdios dos ouvintes, para aprender a ler e escrever. O ensino das letras do alfabeto

deve apropriar-se do uso de materiais visuais, letras móveis, imagens e exercícios

intensos de leitura e interpretação em Libras.

No sexto ano do Ensino Fundamental II, espera-se que o lecionando surdo seja

capaz de construir textos coerentes, ainda que não sejam eficientemente coesos.

Poucos surdos conseguem fazer as ligações corretas entre os morfemas e entre as

palavras, tendo em vista as várias diferenças entre a língua oral e a língua de sinais.

Exercícios de reestruturação de textos são pertinentes, para que esse estudante seja

capaz de apropriar-se cada vez mais da Língua Portuguesa escrita como segunda

língua.

Algumas áreas da Linguística tem outorgado atenção a Libras como afirma

Ronice Müller de Quadros, professora e investigadora, em uma entrevista para a

Universidade Federal de Santa Catarina:

Como as produções acadêmicas são pontuais ainda, temos trabalhos que envolvem diferentes áreas da Linguística. No entanto, há uma produção intensa em pesquisas envolvendo a aquisição da linguagem, no campo da psicolinguística. Isso se dá, em função da necessidade de responder aos problemas identificados no desenvolvimento da criança surda. A questão da aquisição da linguagem, portanto, torna-se fundamental.

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(QUADROS, 2012, p.366)

A língua de sinais surge do desenvolvimento linguístico por meio de uma

modalidade gestual. Lucinda Ferreira de Brito, doutora em Linguística, afirma que:

A LIBRAS é dotada de uma gramática constituída a partir de elementos constitutivos das palavras ou itens lexicais e de um léxico (o conjunto das palavras da língua) que se estruturam a partir de mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos que apresentam especificidade, mas seguem também princípios básicos gerais.

(BRITO, p.5)

As palavras constituem um meio de contato social com outras pessoas. Nesse

sentido, a linguagem já está presente na criança desde os seis meses de idade.

Tratando-se do ensino de uma língua verbal, como propiciar à criança surda esse

instrumento linguístico? O contato com a Língua Portuguesa geralmente é tardio,

porque, normalmente, a preocupação dos pais é que eles aprendam a língua de sinais.

O uso do bilinguismo faculta o conhecimento. O educando surdo é possibilitado de

atribuir sentido ao que lê e escreve, convertendo em eficiência a educação inclusiva

com mais qualidade para esses aprendizes.

METODOLOGIA

A pesquisa é básica, quali-quantitativa, exploratória, bibliográfica e documental.

Ela teve como objetivo examinar a situação do estudo da Língua Portuguesa para os

lecionandos surdos no Brasil, e tem como finalidade o aprimoramento e a exploração

do uso do bilinguismo nas escolas brasileiras. É cabível afirmar que o ensino dos

surdos através do bilinguismo propicia maior rendimento e compreensão do Português

em sua modalidade escrita. Salienta-se que a educação inclusiva não se abstém de

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novos modelos no letramento dos surdos. Diante do exposto acima, observa-se

que a necessidade dos alunos com deficiência auditiva não exclui o uso da sua primeira

língua, a Libras. O aprendizado da língua oral auditiva possibilita o melhor

conhecimento de mundo e convívio com a comunidade ouvinte.

DESENVOLVIMENTO

A abordagem educacional por meio do bilinguismo visa capacitar à pessoa surda

para a utilização de duas línguas: a língua de sinais e a língua da comunidade ouvinte.

As propostas educacionais começam a estruturar-se a partir do Decreto 5626/05 que

regulamentou a Lei de Libras (Língua Brasileira de Sinais). Dessa forma, os surdos

passaram a ter direito ao conhecimento a partir desta língua. O português é utilizado na

modalidade escrita, sendo a segunda língua, e a educação dos surdos passa a ser

bilíngue.

Existem, algumas divergências relacionadas à inclusão dos alunos surdos, visto

que, para alguns, a escola especial é segregadora, pois os alunos isolam-se cada vez

mais, e os resultados obtidos não são os esperados. Já para outros, essa escola

enaltece a comunidade surda, sua cultura e sua identidade, enfatizando que esse

espaço de aquisição de uma língua efetiva promove o desenvolvimento cognitivo da

criança.

O Bilinguismo e a Educação dos Surdos

A Língua Brasileira de Sinais teve sua origem na França, durante o século XV.

Eduard Huet (1822-1882), professor surdo francês, chegou ao Brasil em 1852 e, com o

incentivo do imperador Dom Pedro II, fundou uma escola para surdos no Rio de

Janeiro.

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O Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES) foi fundado em 26 de

setembro de 1857, Órgão do Ministério da Educação (MEC), tem como missão

institucional a produção, o desenvolvimento e a divulgação de conhecimento científicos

e tecnológicos na área da surdez em todo o território nacional, bem como subsidiar a

política nacional de educação na perspectiva de promover e assegurar o

desenvolvimento global da pessoa surda, sua plena socialização e o respeito as suas

diferenças, assim como afirma Goldfeld:

O conceito mais importante que a filosofia bilíngue traz é de que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua própria. A noção de que o surdo deve a todo o custo tentar aprender a modalidade oral da língua para aprender se aproximar o máximo possível do padrão de normalidade é rejeitado por esta filosofia. Isto não significa que a aprendizagem da língua oral não seja importante para o surdo, ao contrário, este aprendizado é bastante desejado, mas não é percebido como único objetivo educacional do surdo nem como uma possibilidade de minimizar as diferenças causadas pela surdez.

(GOLDFELD, 2002, p. 43).

Esta afirmação aponta para as especificidades das pessoas surdas, que têm

acesso ao mundo por meio, principalmente, da visão e língua de sinais, do qual exerce

o mesmo papel da língua de modalidade oral, para os ouvintes. Isto não significa,

porém, que a aprendizagem da língua oral não seja importante para o surdo. Na

verdade, esse aprendizado é bastante desejado, embora não seja percebido como o

único objetivo educacional do surdo, nem como uma possibilidade de minimizar as

diferenças causadas pela surdez. Em contrapartida Rocha Coutinho considera que

Um deficiente auditivo não pode adquirir uma língua falada como língua nativa porque ele não tem acesso a um sistema de monitoria que forneça um feedback constante para sua fala. A língua falada sempre será um fenômeno estranho para o surdo, nunca algo natural. Os deficientes auditivos, provavelmente experimentam um grau considerável de ansiedade ao usar a língua oral porque eles não têm nenhuma forma de controlar a propriedade técnica e social de sua fala, exceto através de movimentos lábias e da relação de pessoas a sua fala. O deficiente auditivo apesar de contar com expressões faciais e movimentos corporais, não possui uma das fontes de informação mais rica da língua oral: monitorar sua própria fala e elaborar sutilezas através da entonação, volume de voz, etc.

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(ROCHA, Coutinho, 1986. p.79-80)

A questão principal para o bilinguismo é a Surdez, do qual os estudos se

preocupam em entender o surdo, sua cultura, sua forma singular de pensar, agir, e não

apenas os aspectos biológicos à surdez.

Se por um lado, é possível afirmar que linguagem é pensamento tem origens separadas, por outro lado é possível admitir com Vigotsky que uma vez que estas forças se combinam começam a exercer entre si uma ação mútua. Assim, à medida que a criança se desenvolve, a linguagem pode servi como impulso para o pensamento.

(FERNANDES, 1989. p.63)

O Uso do Bilinguismo no Ensino Fundamental

A inclusão do aluno com surdez deve acontecer desde a educação infantil até a educação superior, garantindo-lhe, desde cedo, utilizar os recursos de que necessita para superar as barreiras no processo educacional e usufruir seus direitos escolares, exercendo sua cidadania, de acordo com os princípios constitucionais do nosso país.

(BRASIL, 2007, p. 14).

Não basta que a criança somente decodifique, mas sim aprenda com eficiência a

língua oralista como afirma Morais Kolinsky e Grimm-Cabral:

No momento em que a criança começa a aprender a ler, ela já possui, por necessidades da comunicação falada, todas essas capacidades, com exceção do Descodificador. Se o Descodificador for pouco eficiente, a compreensão de textos será deficiente. Desenvolver um bom Descodificador não oferece garantia suficiente de compreensão. No entanto, aprender a ler é, essencialmente, adquirir esse Descodificador.

(MORAIS KOLINSKY E GRIMM CABRAL, p. 54-55)

Fazendo uma análise do ideário da Escola-Nova no Brasil, Dechichi (2001), apontou que apesar desse movimento defender a diminuição das desigualdades sociais, sua influência na Educação Especial contribuiu

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para a exclusão dos indivíduos considerados diferentes nas escolas regulares. Ao ressaltar o estudo das diferenças individuais, propor um ensino adequado e especializado e adaptar técnicas de diagnóstico, os seguidores da Escola-Nova estimularam o processo de identificação de alunos que não conseguiam acompanhar as exigências da escola, mostrando a necessidade deles receberem uma educação mais adequada, justificando, assim, sua segregação em classes ou escolas especiais.

(MIRANDA, 2008, p. 33)

Estudos linguísticos indicam que o processo de aquisição da segunda língua é

mais fácil e mais garantido quando já se tem o domínio da primeira língua e quando a

linguagem for elemento do desenvolvimento cognitivo da pessoa.

É fato que a linguagem e processos cognitivos são fenômenos que têm seu desenvolvimento de forma independente nos primeiros meses de vida e se manifestam, portanto, com autonomia. Num determinado momento, no entanto, as curvas da evolução de pensamento e da linguagem se encontram e passam a exercer uma relação de mútua dependência, digamos, uma interdependência. Essa união provoca o início de uma nova forma de comportamento.

(FERNANDES, 1995, p. 55)

Cárnio et al. (2000) enfatiza a importância de se ter uma base linguística bem definida,

para que haja motivação do uso social da leitura e escrita. Marchesi, (1995) afirma que:

A compreensão de texto está vinculada à amplitude do vocabulário, o conhecimento das estruturas sintáticas e o conhecimento que se refere tanto à estrutura da narração como a sua experiência pessoal, das situações, dos interesses e habilidade de fazer inferências e o da utilização da língua de sinais no contexto.

(MARCHESI,1995,p.204)

Frequentemente, autores da área da surdez, como Góes, (1996), Lacerda,

(2000), Friães, (2000), abordam problemas no processo de aprendizagem da leitura da

criança surda.

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Mendes e Novaes, partem de uma experiência de oficina de leitura com surdos

adolescentes dando enfoque a intervenção de mediadores para que melhor houvesse

compreensão da leitura:

O processamento em que os elementos do texto são integrados da menor unidade para a maior (da micro para a macroestrutura), para se chegar ao significado, daí o nome ascendente. O leitor faz uso linear e indutivo das informações visuais, lingüísticas e o significado é construído pelo processo de análise e síntese do sentido das partes presentes no texto.

(MENDES E NOVAES, 2003, p.129)

O profissional ao adotar a língua de sinais como primeira língua aponta para uma mudança na concepção de surdo. De deficiente, ele passa a ser visto como diferente, na medida em que o acesso ao conhecimento vai se dar por meio de uma língua processada através do canal visual/manual, que não oferece nenhuma dificuldade para os surdos.

(PEREIRA, 2000, p.98)

LLessa ,traz no livro “Língua Portuguesa para surdos” o sistema que reúne um conjunto

de ações a favor desse modelo de educação para os discentes surdos:

Essa responsabilidade se situa no âmbito da Licenciatura em português do Brasil como Segunda Língua, curso com objetivos definidos. Um deles, e principal, é a formação de professores de língua portuguesa para ensinar o Português do Brasil - língua, literatura e cultura - a falantes e usuários de outras línguas.Para esse fim, elaborou-se o Programa de Gestão para implantação da Língua Portuguesa como Segunda Língua, que reúne um conjunto de ações cuja base é a pesquisa acadêmica com vistas à difusão do português por meio do ensino. É destinado a falantes - nacionais ou estrangeiros - de outras línguas. Para levar adiante a proposta, os projetos são organizados por meio de adesão para a formação de Grupos de Trabalho (GT) que se proponham a resolver problemas lingüísticos de comunidades em que o português é língua não-materna ou estrangeira.

(LLESSA, 2004, p.32)

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Nesse livro ela também traz os requisitos para as comunidades que são alvos

desse ensino, e ainda a importância da língua Portuguesa como segunda língua:

Um dos grupos, o GT LIV - Comunidades de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), visa ao desenvolvimento da competência comunicativa dos brasileiros surdos por meio do ensino sistemático da língua portuguesa ao lado da Língua Brasileira de Sinais. Assume, assim, a tarefa de instaurar o bilingüismo, nas comunidades de usuários de LIBRAS, entendendo que bilingüismo é um processo de médio a longo prazo. Não passa despercebido ao GT que é preciso dotar os falantes do português do conhecimento de LIBRAS. Esse conhecimento servirá para sensibilizar os que venham a ensinar português como segunda língua a falantes da LIBRAS de que a aquisição de uma língua natural se processa de acordo com métodos próprios, em função da natureza das línguas envolvidas.

(LLESSA, 2004, p.33)

Libras e a Linguística

A partir dos estudos realizados a respeito da linguagem, houve empenho em descobrir

respostas para compreender a ligação entre linguagem e sociedade. Barbosa (2008) retrata

que:

Em qualquer período o homem sempre utilizou uma forma de comunicação: nos primórdios, a comunicação oral e, em seguida, a escrita. Essas duas modalidades fazem parte de um sistema linguístico de uma comunidade linguística, o qual permite ao ser humano estabelecer contato com o outro e interagir.

(BARBOSA, 2008).

Como afirma Labov (In: Monteiro, 2000, p.16-17):

A função da língua de estabelecer contatos sociais e o papel social, por ela desempenhado de transmitir informações sobre o falante constitui uma prova cabal de que existe uma íntima relação entre língua e sociedade [...] A própria língua como sistema acompanha de perto a evolução da sociedade e reflete de certo modo os padrões de comportamento, que variam em função do tempo e do espaço.

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(LABOV, 2000).

Algumas áreas da Linguística tem outorgado atenção a Libras como afirma

Ronice Müller de Quadros, professora e investigadora, em uma entrevista para a

Universidade Federal de Santa Catarina:

Como as produções acadêmicas são pontuais ainda, temos trabalhos que envolvem diferentes áreas da Linguística. No entanto, há uma produção intensa em pesquisas envolvendo a aquisição da linguagem, no campo da psicolinguística. Isso se dá, em função da necessidade de responder aos problemas identificados no desenvolvimento da criança surda. A questão da aquisição da linguagem, portanto, torna-se fundamental.

(QUADROS,Ronice,2012,p.366).

A "Declaração universal dos direitos linguísticos", uma construção política

coletiva com ideais marcados pela discriminação vivida por diferentes povos diz que:

Os direitos linguísticos são simultaneamente individuais e coletivos, e adota, como referência da plenitude dos direitos linguísticos, o caso de uma comunidade linguística histórica no respectivo espaço territorial, entendendo- se este não apenas como a área geográfica onde esta comunidade vive, mas também como um espaço social e funcional indispensável ao pleno desenvolvimento da língua.

(DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS LINGUÍSTICOS, 1996).

É desta sucessão de gerações de direitos universais (DOUZINAS, 2012) que os

direitos linguísticos têm sido mais tematizados. Assentados sobre o princípio ético da

diversidade cultural como riqueza e como patrimônio da humanidade e de seus

específicos grupos, os direitos linguísticos têm sido proferidos dentro dos marcos da

imprescindível pluralidade humana. Segundo Fonseca:

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No cenário internacional, a questão da diversidade linguística se insere no universo mais amplo da preocupação com a diversidade cultural. Em 2002, a Unesco publicou o Atlas das línguas em perigo no mundo; em 2003 foi aprovada pela Assembleia Geral da organização a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, que inclui no seu Artigo 2, intitulado Definições, ‘a língua como vetor do patrimônio cultural imaterial’; e, em 2005, a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais reconhece em seu Preâmbulo que ‘a diversidade linguística é um elemento fundamental da diversidade cultural’. Acha-se em estudo, na ONU, a proposta de uma Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, proclamada em Barcelona em 1996 (grifos do autor).

(FONSECA, 2007).

Sobre o letramento dos alunos surdos Eulália Fernandes afirma que:

O bilinguismo não é uma nova proposta educacional em si mesmo, mas uma proposta de educação onde atua como possibilidade de integração do indivíduo ao meio sócio-cultural a que naturalmente pertence, ou seja, as comunidades de surdos e ouvintes. (...) O bilinguismo não vem constituir uma nova maneira de educar os surdos, mas uma forma de garantir uma melhor possibilidade de acesso à educação.

(FERNANDES, 2004, p.105)

Alpia Couto, professora linguista, acredita que a oralização do surdo resulta em um

melhor rendimento no estudo do Português escrito:

É através da educação auditiva que o educando vai preparar-se para compreender a Língua e para expressar-se com maior clareza e melhor voz. Com o trabalho de estimulação, através da linguagem natural, este desenvolverá dentro do seu próprio ritmo até alcançar a ‘maturação de sua capacidade inata para falar’.

(COUTO, 1998 p.81)

O processo de estudo inclusivo dos discentes surdos é visto como método

gradual, que pode tomar formas diversas a depender das necessidades dos alunos.

Pressupõe-se que a integração possibilite a construção de processos linguísticos

adequados, o aprendizado de conteúdos acadêmicos, a leitura, escrita, sendo o

professor instrumento de mediação na construção do conhecimento.

[...] para ser caracterizada como escola bilíngue, é necessário que a escola se organize em todos os

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aspectos para promover bilingualidade por parte de todos os alunos atendidos, bem como promover aos alunos, acesso a componentes culturais relacionados às línguas, ampliando suas competências comunicativas e sua visão de mundo. O currículo deve prever uma carga horária dedicada ao ensino de cada língua, presente como meio de instrução nas áreas do conhecimento. O ambiente deve promover o contato com ambas as línguas por meio do oferecimento de materiais e oportunidades de interação. Os professores precisam ter o necessário conhecimento do objeto de ensino – as línguas – para poder ensiná-lo pela comunicação com os alunos.

(MOURA, p. 53-4).

Educação bilíngüe envolve, pelo menos, duas línguas no contexto educacional. As diferentes formas de proporcionar uma educação bilíngüe a uma criança em uma escola dependem de decisões político- pedagógicas. Ao optar se em oferecer uma educação bilíngüe, a escola está assumindo uma política lingüística em que duas línguas passarão a co- existir no espaço escolar, além disso, também será definido qual será a primeira língua e qual será a segunda língua, bem como as funções que cada língua irá representar no ambiente escolar. (QUADROS, 2006, p.18).

Nesse sentido, a educação bilíngue abrange o ensino de duas línguas, sendo a

primeira língua a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais)- L1 e a segunda a Língua

Portuguesa-L2 na modalidade escrita. É relevante que as decisões político pedagógicas

sejam tomadas e que a escola participe para a inserção dessa educação na mesma.

Como diz Perlin (1998:54), “os surdos são surdos em relação à experiência visual e

longe da experiência auditiva.”

Os surdos usam as línguas de sinais, no caso do Brasil, a LIBRAS (Língua

Brasileira de Sinais). Ela é visual-espacial diferente da Língua Portuguesa que é oral-

auditiva, portanto, os surdos têm um sentido mais apurado na questão visual e não

auditiva.

De acordo com Brito (1993) no bilinguismo a língua de sinais é considerada uma importante via para o desenvolvimento do surdo, em todas as esferas de conhecimento, e, como tal, propicia não apenas a comunicação surdo – surdo, além de desempenhar a importante função de suporte do pensamento e de estimulador do desenvolvimento cognitivo e social.

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(BRITO,1993)

A partir disso, constata-se que o bilinguismo é uma ferramenta muito importante

para a inserção do discente surdo no mundo acadêmico e social, sua interação não

será apenas com o surdo, mas com a comunidade ouvinte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fica evidente que a língua de sinas é imprescindível para o processo de

aprendizagem, bem como a Língua Portuguesa, visto que, a primeira, servirá de

mediadora para a segunda, e a alfabetização será de forma natural, primeiramente

entende-se a Libras, e, aos poucos, associa-se ao português.

É preciso, que a escola, não se preocupe apenas em alfabetizar os alunos surdos, mas

oferecer condições para que se tornem leitores e escritores, não apenas codificadores e

decodificadores dos símbolos gráficos, apoiando-se menos na relação oralidade/escrita,

e sim, no aspecto visual da escrita como fator relevante no processo de sua aquisição.

Desse modo, teremos surdos alfabetizados em ambas as línguas, conhecedores de sua

cultura, bem como da cultura ouvinte, favorecendo assim o pleno desenvolvimento

desses sujeitos, e a sua participação na sociedade, exercendo seu papel de cidadão.

Nessa perspectiva, o Bilinguismo tornar-se essencial para uma inclusão dos

discentes surdos na escola regular, interagindo com a comunidade ouvinte e tendo o

direito de conhecer através da Língua Portuguesa (L2)na modalidade escrita a cultura,

literatura e entre outros aspectos sociais que o sujeito alfabetizado tem acesso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n°. 9394, de 20 de dezembro

de 1996.

COUTO, Alpia. Como posso falar aprendizagem da língua portuguesa pelo deficiente

auditivo. Rio de Janeiro: AIPEDA, 2006.

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SALLES, Heloísa Maria Moreira Lima; FAULSTICH, Enilde; CARVALHO, Orlene Lúcia

et al. Ensino de língua portuguesa para surdos: Caminhos para a Prática

Pedagógica. Brasília: Seesp, 2004. 134 p.

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