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Aos diabos quem veste PradaARNALDO GODOY

Juventude e partilha desaberes na escola pública

ANALISE DE JESUS DA SILVA

Admirável mundo novoBETO CURY

Violência na televisão:a juventude colonizada

CAMILA SILVA NICÁCIO

Juventude, sexualidade edireitos sexuais e reprodutivos

CRISTIANE S. CABRAL

Exercício comparativo entre conselhos nacionais dejuventude: uma análise promissora

DANIELPERINI

Trabalho e desemprego entre os jovens:desafios para as políticas públicas

GERALDO LEÃO

A juventude como sintoma da culturaMARIA RITA KEHL

Juventude e meio ambienteMARINA SILVA

A empregabilidade desafiada.Comentários sobre o desemprego juvenil

MIGUEL ABAD

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Fausto negociou sua alma com o diabo em troca da juventude e expôs suas razões: �Assensações da espécie humana em peso, quero-as dentro de mim; assim me torno eu próprioa humanidade; e se ela ao cabo perdida for, me perderei com ela�, confessou a Mefistófeles.

Nos lábios do primeiro herói da literatura moderna, Goethe cinzelou o mito da juven-tude como símbolo da luta para modificar uma cultura estagnada e já obsoleta e para aconstrução de novos valores humanos. No entanto, o autor não se esqueceu que paraexistir nesse novo mundo, a juventude fáustica deveria carregar consigo os valores dasolidariedade e do compromisso com o seu tempo para atingir a plenitude do ser humano.

O momento histórico em que vivemos é inédito para a juventude brasileira. Ela está napauta das ações governamentais e, também, de forma intensa, nos meios de comunicação.De um lado, a criação da Secretaria Nacional de Juventude, no governo Lula, e decoordenadorias nas administrações municipais, sobretudo petistas, assegura condiçõespara que os jovens sejam protagonistas de sua realidade; para que possam ultrapassarnossas mazelas históricas e inaugurar, enfim, o Brasil mais justo, inclusivo e verdadeira-mente democrático. Esse é o viés solidário, por meio da construção das políticas públicas.

Do outro lado, porém, há a exacerbada utilização da juventude como símbolo deconsumo, de manutenção de uma condição capitalista que remete, apenas, à repetiçãodas velhas formas de existir. Assim como Fausto, todos nós queremos ser jovens hoje emdia, pois para além de um estado de espírito, a juventude significa uma revolução perma-nente que não lamenta nostalgias de um passado real ou ilusório e que se empenha numaconstante renovação. Porém, precisamos estar precavidos para que o nosso desejo não semeça pelo valor do narcisismo individual capitalista � vender a alma ao primeiro �diaboque veste Prada�.

Foi com o intuito de melhor compreender esses dois paradoxos presentes na juventudeatual é que dedicamos esta nova edição da Revista Outro Olhar ao tema. Por meio dacontribuição voluntária e camarada de importantes figuras que pensam a juventude noBrasil e na América Latina, pretendemos revelar os avanços obtidos na esfera federal etambém apontar novos caminhos, ao mesmo tempo em que buscamos instigar o debate eprovocar reflexões para que a juventude brasileira seja muito mais do que �uma camisaaberta ao peito�.

Sejamos jovens no que a juventude carrega de melhor: a utopia da mudança.

Arnaldo Godoy�A vida não é só isso que se vê.�

Aos diabos quemveste Prada

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Nossa intenção com este texto é con-tribuir com a construção de um �olhar�social marcado pela positividade sobre ajuventude estudante pobre. É situar a im-portância da didática na formação de pro-fessores e na prática pedagógica como umaalternativa à compreensão dos reflexos deabordagens educacionais que pautam osposicionamentos de jovens estudantes, pro-fessores e gestores. É trazer elementos paracompreender as razões de situações enfren-tadas no cotidiano escolar e indicar pistasapontadas nas falas de alguns jovens en-trevistados como possibilidades de supe-ração de desafios.

Juventude e partilha desaberes na escola pública1

As análises sociais, jornalísticas ouacadêmicas têm privilegiado a juventudepobre como objeto de estudo de questõesligadas a delinqüência e violência urbana.Nelas, a juventude pobre ocupa lugar dedestaque nas estatísticas sobre vitimados eagressores; sobre o mercado de trabalhoinformal; sobre evasão e/ou fracasso es-colar e consumo de drogas. Justifica-seafirmar que, dependendo da forma comoanalisamos, como lemos os dados e comointervimos a partir deles, nossas análisescontribuem para afetar, positiva ou negati-vamente, a imagem social que se tem des-sa juventude pobre, em maioria negra,

ANALISE DE JESUS DA SILVA

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excluída de vários espaços, reprovada.Nos limites deste texto, situamos o lu-

gar físico, político e pedagógico do qualfalamos e do qual fizemos a escuta dosjovens estudantes pobres entrevistados.

Escola Plural e Juventude:Escola Plural e Juventude:Escola Plural e Juventude:Escola Plural e Juventude:Escola Plural e Juventude:construção de um novo olharconstrução de um novo olharconstrução de um novo olharconstrução de um novo olharconstrução de um novo olhar

Na capital mineira, o Programa Edu-cacional é a Escola Plural. A Escola Plural,mais que um programa degoverno, deve ser entendidacomo parte integrante do mo-vimento de renovação pedagó-gica que se desenvolve há qua-se quatro décadas, no mínimo.Ao propor a alteração, de for-ma radical, da organização dotrabalho, dos tempos e dos es-paços escolares, enfim, das ló-gicas e da cultura escolar emvigor, esse Programa rompecom os processos decorrentesde concepções tradicionais e tecnicistas deensino. Essa diretriz político-pedagógica re-presenta o reconhecimento de uma novaforma de conduzir o processo de constru-ção de conhecimento, de humanização dossujeitos e de reconhecimento da diversida-de cultural, pautado nos momentos dodesenvolvimento humano: infância, adoles-cência, juventude e vida adulta.

Com a Escola Plural, ganhacentralidade institucional a defesa de prin-cípios como o da inclusão, da Educaçãocomo direito e o reconhecimento da diver-sidade, que vinham se revelando, no inte-rior das escolas municipais, por meio depráticas inovadoras e transgressoras deprofessores individualmente e em seus co-letivos. Assim, a Escola Plural apresenta,de maneira própria, uma proposta de rela-ção dos sujeitos com o conhecimento, com

outros sujeitos, com o mundo e consigomesmo, pois recoloca um dos atributos dosseres humanos que é pensar-se como serem construção. Proporciona também aconstrução de um novo olhar sobre o pro-cesso educativo escolar como direito quese alia a outros direitos desses seres huma-nos. Importante ressaltar a necessidade dainterlocução da escola com outros movi-mentos e órgãos, como os movimentos ju-venis e os conselhos de educação, de ju-

ventude, de direitos, poisnão se espera que os profes-sores realizem, sozinhos, essatarefa.

A conversa comA conversa comA conversa comA conversa comA conversa comos jovens estudantesos jovens estudantesos jovens estudantesos jovens estudantesos jovens estudantes

Os resultados de nossapesquisa de doutorado mos-tram que o conteúdo de umainovação pedagógica nãotem um sentido único nem

consensual muito menos definitivo. Ao con-trário, as mudanças propostas estão sem-pre sujeitas a interpretações variadas porparte dos sujeitos envolvidos, em funçãode sua história pessoal e profissional, desua visão de mundo, de seus pertencimentosgrupais, de seus valores e crenças, de suasvivências coletivas e isso caracteriza umprocesso complexo de interações, positi-vas ou não, entre diferentes perspectivassociais. Também interferem aqui os signifi-cados atribuídos à escola, à educação e àrelação educativa.

Entendemos que práticas pedagógicasinovadoras são ações propositivas e inten-cionais existentes no espaço escolar. Entre-tanto, o objetivo a que se prestam e a con-cepção que as embasa podem constituirdiferenciais definidores de seu resultado noprocesso educativo dos jovens, pois os pro-

...a EscolaPlural apresen-ta, de maneiraprópria, umaproposta derelação dos

sujeitos com oconhecimento...

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cessos inovadores lutam contra as formasinstituídas e os mecanismos de poder.

Por muitas vezes, os jovens entrevis-tados, pautados em um olhar positivo,isto é, localizando as �aulas diferentes�como mobilizadores de sua permanên-cia e de seu sucesso na trajetória esco-lar, nos falaram de vários significadosatribuídos por eles às práticas pedagógi-cas de seus professores.

Esses significados são, segundo nosdisseram, a possibilidade de que tais prá-ticas colaborem para a mudança do olharpor meio do qual a sociedade vê a realida-de de estudantes e de professores e a expe-riência escolar superando a negatividade;contribuam com a humanização dos jovensestudantes pobres; propulsionem uma rela-ção educativa; remetam à elevação da auto-estima demandada pelos jovens estudan-tes; promovam o reconhecimento da identi-dade juvenil desses estudantes; oportunizemo lazer e o acesso à cultura; signifiquem umlugar no qual se pode ter notícias de outroslugares.

A ponta do icebergA ponta do icebergA ponta do icebergA ponta do icebergA ponta do iceberg

A didática, enquanto um campo deconhecimento em construção, ao tomar asquestões pedagógicas como base para asua produção, traz para si a necessidadedo trabalho que reconhece e valoriza osmovimentos juvenis. O objeto do campoda didática define-se, pois, como o atopedagógico em determinada situação. Nocaso da educação de nossos jovens, esseobjeto define-se pelo contexto das práticaspedagógicas e educacionais e não pelaanálise de cada um dos fatoresdeterminantes da juventude, de forma iso-lada. Em outras palavras, a priorização dajuventude, entendida como momento dodesenvolvimento humano, desvelando acondição juvenil e a situação juvenil comoobjetos de análise específicos, são de inte-resse intrínseco da didática que observa,descreve, analisa, critica e propõe umadeterminada intervenção. Assim, trata-se deuma produção de conhecimento � expres-

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são da ação prática dos envolvidos � queindique possibilidades de avanços em re-lação às vivências originadas da relaçãoem que se manifesta essa prática.

Nessa perspectiva, uma didática paratrabalhar com a juventude não demanda acriação de uma nova pedagogia ou de umanova didática. Demanda, sim, que se cap-te dos movimentos juvenis, de seus proces-sos práticos de inserção, de busca de reco-nhecimento e de construção da visibilida-de, os elementos necessários para o suces-so da partilha de saberes queenvolve os sujeitos davivência escolar. Assim, evi-dencia-se a necessidade deuma didática da educaçãocom jovens que expresse umprocesso educacional volta-do para a lógica, a necessi-dade, a demanda e o olharda juventude, em contra-posição a uma escola quetorna-se palco de concep-ções pedagógicas que secontradizem, dificultando a construção deuma escuta ao mundo juvenil. A escola é oespaço público mais freqüentado pelos jo-vens e os professores são os profissionaiscom os quais eles convivem por mais tem-po. O desafio da didática é desvendar a se-riedade das questões vivenciadas pelos jo-vens estudantes pobres e que geram insatis-fações oriundas, muitas vezes, em diferentescampos e manifestas no espaço escolar.

A leitura que fizemos dos dados denossa pesquisa nos autoriza afirmar queos jovens estudantes pobres estão insatis-feitos com a maneira como nosso modeloeconômico capitalista os trata e com o fu-turo (ou a ausência de futuro) que essemodelo desenhou para eles. Estão insatis-feitos com a habitação que lhes foi desti-nada nas favelas, nas vilas, nas periferias;

com as distâncias que precisam percorrera pé ou pagando caro pelas tarifas de trans-portes urbanos em condições precárias;com o preço de alimentos, da roupa e docalçado que precisam comprar.

Insatisfeitos com o preço do ingressodo cinema, do teatro, do CD, do livro, darevista, do acesso à internet, do cartão derecarga do celular, da entrada no baile,enfim, com a negação do direito ao lazer eà cultura, com a inexistência de vagas paratodos os interessados na universidade.

Os jovens estudantes po-bres estão insatisfeitos comseus cabelos que a mídia dizcom freqüência que são ruins;com a cor de pele que a soci-edade diz, com freqüência,que é a cor da marginalidade.Insatisfeitos com suas relaçõessexuais, pois, se para as gera-ções anteriores o uso do pre-servativo era uma alternativa,para os jovens atuais consti-tui-se uma obrigação diante da

ameaça da Aids. Outro motivo de insatis-fação com suas relações sexuais é que,muitas vezes, essas resultam em gravideznão planejada, em abortos mal feitos, emfilhos não desejados.

Insatisfeitos com seus trabalhos de ser-viços gerais, quando desejariam estar ge-rando renda cultural ou estudando; com otratamento que recebem da polícia, quan-do são abordados na rua, e, por vezes, naescola. Estão insatisfeitos com a pobreza,com o desemprego, com a invisibilidadeque adquirem em algumas políticas públi-cas universalizantes, quanto à idade, gê-nero, raça, orientação sexual e classe soci-al; por não terem seu potencial emprega-do na proposição de soluções para desafi-os juvenis e para desafios sociais. Estãoinsatisfeitos com a falta de perspectivas a

�O desafio da didáticaé desvendar a serieda-

de das questõesvivenciadas pelosjovens estudantes

pobres e que geraminsatisfações...�

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serem apontadas a eles por nosso modelosocial e com o olhar negativo que a socie-dade, em geral, destina a eles.

Entretanto, a sua insatisfação não gerainércia ou mata expectativas e esperanças.Assim, os jovens estudantes que ouvimosna pesquisa, em sua maioria, demandam,sim, de seus professores, o trabalho compráticas pedagógicas inovadoras; querem,sim, �aulas diferentes�. Diferenciam o tra-balho dos professores que os reconhecem,que os respeitam e que se relacionam comeles considerando diversos componentes desua identidade. Afirmam que esses profes-sores não são a maioria e denunciam quenão é essa a prática que experimentam co-tidianamente. Partilham saberes � pois re-conhecem que os têm � e constroem co-nhecimento.

Também é possível perceber que osmotivos, os sentimentos e as experiênciasde vida que nos contaram constróem aadesão que manifestam a uma ou a outra,ou às mesclas de várias das abordagenseducacionais. Para alguns, a escola é olugar, exclusivamente, da diversão, poisacreditam, em função das vivências esco-lares anteriores, que o conhecimento nãovirá. Alguns entendem que é o lugar de secalar, pois somente quem cala aprende.Para outros, a escola é o lugar de construirconhecimentos, por meio da partilha desaberes com os outros sujeitos presentesnaquele lugar. É o lugar de namorar. É ain-da o lugar de manifestar sua insatisfaçãocom as situações impostas a eles por nos-so modelo econômico-social.

As insatisfações manifestas no interiorda relação juventude e escola focadas,muitas vezes, na insatisfação com as práti-cas pedagógicas vivenciadas, mesmoaquelas consideradas �inovadoras�, sãoexpressões de uma insatisfação mais pro-funda e, portanto, nem sempre manifesta.

Juventude e EscolaJuventude e EscolaJuventude e EscolaJuventude e EscolaJuventude e Escola

Atualmente, não é difícil encontrarmosescolas onde professores planejam o currí-culo a partir das informações que têm acer-ca das vivências dos jovens com os quaistrabalham. Mas encontrar escolas onde aprática pedagógica pressuponha a relaçãoeducativa ainda é difícil. A relaçãoeducativa é aquela que, uma vezestabelecida entre professor e estudante,promove o aprendizado de um �conteúdo�e se concretiza em uma escuta e em umafala, ou seja, num diálogo. Por exemplo,não temos notícias de escolas onde a prá-tica pedagógica envolva os jovens no pla-nejamento do currículo.

De acordo com os jovens estudantesque ouvimos, a avaliação do envolvimentodo estudante no planejamento das ativida-des aparece, por várias vezes, como omotivador da sua permanência com sucessona escola. Ao comentar o descontentamentodo professor com o resultado da aula pla-nejada, um dos jovens nos disse que:

�Ele fala que preparou a aula com todocarinho e que a gente nem liga. Eu fico compena, mas, se ele perguntasse antes do que eugosto, o que eu ainda não sei e o que eu jáenchi de saber, ele não ficava puto e nem eu.�

O depoimento de outra jovem estu-dante nos revelou uma situação na qual aescola instrumentaliza a expressão culturaljuvenil para alcançar seus objetivos esco-lares sem incorporá-la:

�Não sei quem falou pras professorasdaqui que a gente gosta � todo mundo � dehip hop. Agora, tudo que acontece, a gentetem que dançar hip hop. (rsrsrs de todos)Não sei... Alguém aqui gosta de hip hop?Tá, você gosta, mas você dança? Aí, távendo... não dança. Mas agora, toda mão,a gente tem que dançar hip hop.�

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A leitura que é possível fazer das fa-las dos jovens estudantes que entrevista-mos é que �aula diferente� é a prática pen-sada como mediadora de recuperação daauto-estima, restabelecedora da confian-ça, do diálogo e do comprometimento dosdiferentes sujeitos com o projeto político-pedagógico que colabore na construçãode um olhar positivo sobre nossa juventu-de, sobre nossa escola, sobre nossa socie-dade, enfim, de um �outro mundo possí-vel�, de um novo olhar, de um �outro olhar�.

Analise Da Silva é doutura emEducação pela FaE/UFMG e profes-

sora da Rede Municipal de BH e dapós- graduação.em Educação Básica

para professores da [email protected]

NotasNotasNotasNotasNotas

1 Texto baseado na tese de doutoramento:�Significados atribuídos por jovens estudan-tes pobres às práticas pedagógicas deno-minadas inovadoras por seus professores�,aprovada na Faculdade de Educação daUFMG, em 2007, pautada em entrevistascom 48 jovens estudantes.

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Nas últimas décadas, ocorreram pro-fundas transformações sociais, econômicase culturais, que afetaram as rotinas produ-tivas e as relações sociais, comerciais e tra-balhistas em todo o mundo. Esse novo con-texto aumentou as desigualdades sociais eexigiu um novo olhar para enfrentar o qua-dro de exclusão. O progresso que a huma-nidade tem alcançado, neste curto espaçode tempo, e a rapidez com que surgem asinovações nos fazem pensar nesse admirá-vel mundo novo, de conquistas e questio-namentos.

A juventude é um tema recente naagenda política do Brasil e do mundo. Atéa década de 90, o trato da temática juve-nil se dava apenas pelo princípio do sane-

Admirável mundo novoBETO CURY

amento social, meramente reativo. No 1°Código de Menores, em 1927, a ênfaseestava na criação de tribunais próprios paraaqueles que ainda não tinham completa-do 18 anos, sem qualquer política públicaespecífica para esse público de caracterís-ticas tão singulares.

Pesquisadores, organismos internaci-onais, movimentos juvenis e gestores mu-nicipais e estaduais começaram, então, aenfatizar a necessidade de ações que tra-balhassem as peculiaridades dessa faixaetária. O debate público e a mobilizaçãosocial que ocorreram em torno do Estatutoda Criança e do Adolescente (ECA) � umadas mais avançadas leis existentes no mun-do e que completou recentemente 17 anos

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de existência � foram decisivos para a visi-bilidade dada aos direitos da infância e daadolescência e às políticas públicas des-tinadas a essa faixa etária. Ainda que essaperspectiva seja importante, se mostrou in-suficiente para a elaboração e implementa-ção de políticas públicas para a juventude.

Jamais, em tempo algum, nossa soci-edade teve tantos jovens como agora. Se-gundo dados da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (PNAD), são 50,5milhões de brasileiros com idade entre 15e 29 anos. Desses, 21% têm de 15 a 17anos, 48% estão entre 18 e24 anos e 31% de 25 a 29anos, o que nos guiou a am-pliar a faixa etária das açõesde juventude nesse segundomandato do governo federal.A pesquisa ainda demonstraque 18% dos jovens entre 15e 17 não freqüentam a esco-la. Já entre 18 a 24 anos,68% não vai à escola. Outrocontingente de 87%, de 25 a29 anos, não freqüenta assalas de aula. Se somado àqueles que nãoconcluíram o ensino fundamental e estãodesocupados ou inativos, na faixa etáriade 15 a 29 anos, teremos 4,5 milhões dejovens. Devido ao atual quadro demográfi-co, esse segmento significará, daqui a al-guns anos, cerca de 40% da população en-tre 30 e 60 anos de idade. São jovens acaminho da maturidade e de se tornarem aprincipal força produtiva do país.

Nos últimos anos, grande parte des-ses jovens vem se adaptando aos paradig-mas desse novo mundo, convivendo comos avanços tecnológicos e conquistando seuespaço, sua liberdade de escolha e suaprópria identidade. Até recentemente, aspolíticas públicas incluíam as questões re-lacionadas à juventude por motivos emer-

genciais, já que os jovens são os mais atin-gidos pelas transformações no mundo dotrabalho e pelas distintas formas de violên-cia física e simbólica que caracterizam oséculo XXI.

A abordagem no universo juvenil nãopode se ater apenas num caráter emergen-cial, cujo foco seja o jovem em situação derisco social. É preciso considerar as hetero-geneidades da juventude, com caracterís-ticas distintas que variam de acordo comaspectos sociais, culturais, econômicos eterritoriais. Este novo olhar não pode ser

pautado por um modelo úni-co, condicionando o jovem auma atitude padronizada. Ajuventude precisa ser vistacomo um segmento socialportador de direitos e prota-gonista do desenvolvimentonacional.

Esse novo tempo nos fazrefletir sobre os caminhos dacivilização, os perigos e van-tagens que todas as mudan-ças trazem e como lidar com

cada uma delas. O jovem precisa de es-paço para colocar seus questionamentos edúvidas, conflitos, desejos e ansiedades.As políticas públicas precisam se adaptara essa primazia do conhecimento audiovi-sual, da convergência sistêmica das mídi-as, da educação à distância, do teletraba-lho, do teleprocessamento, da autogestãoe do empreendedorismo. As políticas pú-blicas precisam ensinar o jovem a enfrentaressa realidade virtual que se coloca, semperder os sonhos do imaginário, perseguin-do os objetivos e superando obstáculos. Esseé o novíssimo desafio que devemos enfren-tar: um mundo onde o homem, o jovem,seja senhor de sua própria história.

E é nesse admirável mundo novo queo jovem encontra sua individualidade e

�A juventude preci-sa ser vista como

um segmentosocial portador de

direitos eprotagonista dodesenvolvimento

nacional.�

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passa a respeitar o coletivo, trabalhandocom ele e em prol dele, por uma socieda-de cada vez mais democrática e inclusiva.É preciso entender que, por sua natureza,a condição de vida dos jovens é transitóriae sua posição social é precária. Eles seguiam por dimensões simbólicas e tempo-rárias, mais do que por metas físicas e pla-nos objetivos; mais por emoções do quepela razão. Carregam consigo a marca dadisposição, mentes abertas, corações em-polgados. Logo, o conjunto de políticas aeles dedicado não deve encará-los comoseres carentes, meros beneficiários de pro-jetos e programas, mas como protagonis-tas, agentes estratégicos da construçãosocial.

Há uma clara tendência mundial, re-conhecida pela Organização das NaçõesUnidas (ONU) e Organização Ibero-ame-ricana de Juventude (OIJ), da necessidadede prever nas políticas voltadas para a ju-ventude um aumento da produtividade,garantindo oportunidades por meio doacesso à educação, à qualificação profis-sional e à cidadania. A parceria com esta-dos e municípios e sociedade civil organi-

zada possibilita, em uma maior amplitu-de, utilizar as capacidades dos jovens eofertar serviços que garantam a satisfaçãodas necessidades básicas e condições ne-cessárias para enfrentar todos os desafios.Nesse sentido, o governo federal elaborauma parceria com a OIJ na formação degestores e na troca de experiências comoutros países que investem em políticaspúblicas de juventude.

Essa nova forma de considerar a ju-ventude teve como marco importante a cri-ação, em 2004, de um grupo interministe-rial composto por 19 ministérios para le-vantar os principais programas federais paraesse segmento, além de realizar um diag-nóstico da situação dos jovens brasileiros.A definição da Política Nacional de Juven-tude, em 2005, com a criação da Secreta-ria Nacional de Juventude, do ConselhoNacional de Juventude e do lançamentodo Programa Nacional de Inclusão de Jo-vens (ProJovem), foi resultado imediatodesse trabalho. O momento revelou a pri-oridade do governo em estimular o desen-volvimento de novas ações e consolidarpráticas para gerar oportunidades e asse-

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gurar direitos aos jovens brasileiros.A Secretaria Nacional de Juventude é

resultado desse Grupo do Trabalho Inter-ministerial e segue os nove desafios traça-dos pelo diagnóstico da juventude brasi-leira para nortear a consolidação da Políti-ca Nacional de Juventude. Entre eles, aampliação do acesso ao ensino e a per-manência em escolas de qualidade, a er-radicação do analfabetismo, a preparaçãopara o mundo do trabalho, a geração detrabalho e renda, a promoção de uma vidasaudável, a democratização do acesso aoesporte, ao lazer, à cultura eà tecnologia da informação,a promoção dos direitos hu-manos e das políticas afir-mativas, o estímulo da cida-dania e da participação so-cial e a melhoria da quali-dade de vida no meio rurale nas comunidades tradici-onais.

Nesse sentido, o gover-no segue a linha de garantiroportunidades para que ojovem adquira capacidades, com acesso àqualificação profissional, à cidadania e àeducação, oportunidades de utilizar essascapacidades, com o acesso ao mercadode trabalho, ao crédito, à renda, aos es-portes, ao lazer, à cultura e à terra, e agarantia dos direitos, com a oferta de ser-viços que garantam a satisfação das ne-cessidades básicas do jovem e as condi-ções necessárias para aproveitar as opor-tunidades disponíveis.

Segundo dados do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), o índicede desemprego entre a população jovem,entre 15 e 24 anos, cresceu mais do quenas demais faixas etárias. Em 2005, aquantidade de jovens sem emprego eraquase 107% superior à de 1995. No en-

tanto, dados do Cadastro Geral de Empre-go e Desemprego (CAGED), do Ministériodo Trabalho, mostram que, entre 2003 e2006, foram gerados 4.650.710 novosempregos. Desses, 4.072.402 foram parajovens até 24 anos.

A questão do emprego juvenil é umdos desafios que enfrentaremos nesse se-gundo mandato. O ProJovem, por exem-plo, vem cumprindo esse papel. Outrosprogramas do governo federal, como oConsórcio de Juventude, Juventude Cida-dã e Soldado Cidadão, também já estão

respondendo a esse desafio dodesemprego juvenil. Os dadosdo Ministério do Trabalho de-monstram a consolidação des-sa nova cultura e refletem tam-bém uma tendência do merca-do em absorver mão-de-obramais jovem. Com a implemen-tação do Pacote de Aceleraçãodo Crescimento (PAC), a pers-pectiva é que a economia bra-sileira cresça em torno de 5%ao ano, o que será fundamen-

tal para que os investimentos em políticaspúblicas, focados em qualificação profis-sional e na elevação da escolaridade, se-jam ampliados.

Em todos os níveis de governo, inúme-ras ações beneficiam a juventude, direta eindiretamente. Há inegáveis avanços, porexemplo, nos campos da educação, do tra-balho e da saúde, como a ampliação dasoportunidades de escolarização, acessoaos níveis superiores, formação profissio-nal e prevenção de doenças.

Desde 2005, o governo federal já in-vestiu mais de 1 bilhão de reais nos 19programas que envolvem a juventude, ex-cluindo recursos do ProUni, que é executa-do por meio de renúncia fiscal. Entre asações, executadas em todas as áreas de

O momentorevelou a prioridade dogoverno em estimular o

desenvolvimento denovas ações e consoli-dar práticas para geraroportunidades e asse-

gurar direitosaos jovensbrasileiros.

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governo, estão o Agente Jovem, Bolsa-Atle-ta, Brasil Alfabetizado, Escola Aberta, Es-cola de Fábrica, Promed, Juventude e MeioAmbiente, Nossa Primeira Terra, CulturaViva, Proeja, PNPE, ProJovem, PNLEM, Ron-don, Pronaf Jovem, Saberes da Terra, Se-gundo Tempo e Soldado Cidadão.

Ao todo, são mais de 800 mil jovensem todo o país que participam de açõesespecíficas, que reconhecem todos os as-pectos sociais, culturais, econômicos e ter-ritoriais desse segmento. Em apenas doisanos, desde a implementação de uma Po-lítica Nacional de Juventude, o governofederal deu grandes passos para garantir oacesso à educação, à qualificação profis-sional e à cidadania.

A inclusão digital dos jo-vens também é essencial paraa consolidação de uma Políti-ca Nacional de Juventude.Com programas específicos,como o Casa Brasil, e outrasparcerias com empresas públi-cas, o governo federal incor-porou em sua agenda políticao conceito de uma nova soci-edade da informação. Comum mercado de trabalho cadavez mais competitivo, é preciso oferecer aosjovens não somente a elevação de escola-ridade, mas cursos de formação e qualifi-cação profissional que gerem oportunida-des de acesso a essas novas tecnologias.

Os Pontos de Cultura, do Ministérioda Cultura, são um exemplo da democra-tização da cultura popular brasileira pormeio da produção multimídia. O progra-ma contribui para fortalecer a produçãoaudiovisual e sua distribuição, o contatodos jovens entre as comunidades, além deestimular o protagonismo juvenil.

O Programa Nacional de Inclusão deJovens (ProJovem), que proporciona a mais

de 170 mil jovens a elevação de escolari-dade, o aprendizado de uma nova profis-são e o desenvolvimento de ações comuni-tárias, também trabalha em uma das suasunidades formativas a comunicação na vidado jovem em um contexto contemporâneo.A qualificação profissional do programatambém prevê, entre os 23 arcos profissio-nais oferecidos, o aprendizado em áreascomo Arte e Cultura, com ocupação emoperador de câmera e vídeo, ou Telemáti-ca, optando por operador de microcompu-tador, helpdesk ou telemarketing.

Um estudo apontado pelo Sistema deAvaliação do ProJovem, em parceria comuniversidades federais, mostrou que, a

cada ano, menos jovens che-gam aos 18 anos sem o en-sino fundamental. No entan-to, os excluídos não conse-guem se inserir sem a ajudade políticas específicas. Ape-nas 20% dos jovens atendi-dos no programa nunca tra-balharam e a maioria (53%)começou a trabalhar antesdos 18 anos. A formaçãoprofissional também eramuito precária antes do in-

gresso no ProJovem: 83% não fizeram qual-quer curso de qualificação, o que demons-tra a necessidade das políticas em unir obinômio educação e qualificação, garan-tindo melhores condições desse jovem dis-putar vagas de emprego.

Com apoio de gestores estaduais,municipais e sociedade civil, está sendopossível mudar essa realidade e elevar aescolaridade e incentivar a volta dos jo-vens ao ambiente escolar. O governo fede-ral ainda ampliou os investimentos empolíticas universais como o Fundo de Ma-nutenção e Desenvolvimento da EducaçãoBásica (Fundeb), que assegura financiamen-

No segundomandato do GovernoLula, essas políticasde juventude serão

integradas e amplia-das, sob a ótica da

educação, trabalho edesenvolvimento

humano...

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to para o ensino infantil e para o ensinomédio, o que beneficia os jovens.

Para resgatarmos essa dívida do Esta-do com os jovens brasileiros, é preciso terespaços institucionais de juventude, secre-tarias ou assessorias responsáveis pela ar-ticulação de programas nas diversas esfe-ras de governo. A constituição de espaçosde diálogo entre a sociedade civil e o go-verno, como Conselhos de Juventude, cum-prem também um papel fundamental paraa consolidação do tema como uma políti-ca de Estado.

O Conselho Nacional de Juventude,criado em fevereiro de 2005, tem o objeti-vo de assessorar a Secretaria Nacional deJuventude (SNJ) da Secretaria-Geral da Pre-sidência da República na formulação dediretrizes da ação governamental, promo-ver estudos e pesquisas acerca da realida-de socioeconômica juvenil e assegurar quea Política Nacional de Juventude do gover-no federal seja conduzida por meio do re-

conhecimento dos direitos e das capacida-des dos jovens e da ampliação da partici-pação cidadã.

O Conjuve é formado por represen-tantes do poder público e da sociedade. Asociedade civil é representada por dois ter-ços dos membros do Conselho e participa,por meio de entidades, movimentos e re-des de jovens, de organizações não-gover-namentais que trabalham com os mais di-versos segmentos juvenis e de especialis-tas na temática da juventude. Também in-tegram o Conselho os Ministérios que de-senvolvem programas e ações voltados paraa juventude, representantes do Fórum deGestores Estaduais e da Frente Parlamentarde Políticas Públicas de Juventude e dasentidades municipalistas. A constituição doConselho transforma em política de Estadoa questão da juventude e revela um consis-tente pacto pelos direitos dos jovens.

No segundo mandato do GovernoLula, essas políticas de juventude serão in-

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tegradas e ampliadas, sob a ótica da edu-cação, trabalho e desenvolvimento huma-no, beneficiando milhões de jovens. Embreve, o presidente Lula lançará um gran-de programa unificado para a juventude apartir da experiência acumulada nas dife-rentes ações desenvolvidas atualmente emvários ministérios. Esse novo programadeverá articular os programas de juventu-de em função da diversidade da popula-ção jovem, promovendo o seu protagonis-mo e sua emancipação, por meio de açõessucessivas e complementares, de modo apermitir múltiplas entradas e saídas de acor-do com o perfil dos jovens e as oportunida-des a eles oferecidas.

Todas essas ações do novo programadevem integrar educação, trabalho e de-senvolvimento humano, abordando aspec-tos como elevação de escolaridade, quali-ficação social e profissional e inserção ci-dadã no mundo do trabalho, bem comoacesso aos direitos humanos, à cidadania,ao esporte, à cultura, ao lazer e à saúde.Nessa linha, iremos ampliar a faixa etáriade atendimento para 15 a 29 anos, dandouma oportunidade de continuidade ao jo-vem, da alfabetização e conclusão de seusestudos ao ensino de uma profissão e in-gresso em escolas técnicas e até mesmono ProUni.

Com a expectativa de atender mais de4,5 milhões de jovens até 2010, por meiodessas ações integradas, o governo fede-ral espera reinserir aqueles que estão forado ensino formal e proporcionar uma for-mação técnica geral para jovens entre 15e 17 anos, com cursos de duração de 24meses, que esteja de acordo com a reali-dade do jovem, e também aqueles de 18a 29 anos, com uma ofensiva na qualifica-ção profissional. A gestão será comparti-lhada nos três níveis de governo e, no âm-bito federal, com atribuições entre os mi-

nistérios do Desenvolvimento Social e Com-bate à Fome, Trabalho e Emprego, Espor-te, Cultura e Secretaria Especial de Direi-tos Humanos.

Outra questão importante é a aprova-ção do Plano Nacional de Juventude peloCongresso Nacional, que estabelece umconjunto de metas para os próximos dezanos para assegurar, também nos âmbitosmunicipais e estaduais, direitos aos jovens.A juventude, além de estar pautada de for-ma permanente na agenda pública, con-quistou papel relevante como um dos ei-xos de diversas medidas que serão lança-das em breve pelo presidente Lula paraacelerar a inclusão social no país. Essa é alógica e o olhar que incentivam, motivame orientam a Secretaria Nacional de Juven-tude a pensar o jovem como protagonistado desenvolvimento nacional. Afinal, apos-tar na juventude é investir no Brasil.

Beto Cury ésecretário nacional

de Juventude

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As discussões acerca da inclusão dejovens em situação de risco no Brasil giramem torno, normalmente, de questões comoo acesso a direitos fundamentais, entendi-dos corriqueira e restritivamente como edu-cação, saúde, moradia, trabalho, dentreoutros. Pesquisa realizada pela represen-tação da UNESCO no país corrobora talassertiva e, para além, aponta uma duplaconstatação:

�No Brasil, não existe uma tradiçãode políticas públicas destinadas especifi-camente aos jovens. Os programas para ajuventude são geralmente incorporados eatrelados àqueles voltados às crianças.Além disso, eles centram-se, sobretudo, nasclasses populares e partem de uma visãode que o jovem pertence a um grupo em

Violência na televisão:a juventude colonizada

CAMILA SILVA NICÁCIO

�situação de risco�. (...) Os programas sãovoltados ao atendimento do adolescenteem �situação de risco� ou, em alguns ca-sos, aos jovens considerados infratores�. 1

Ou seja, a temática da inclusão vemà baila identificada diretamente com amarginalização causada por um contextosocioeconômico iníquo, em que o jovemé, no mais das vezes, também negro, tam-bém pobre e, finalmente, infrator. Éevocada, pois, para fazer frente a essequadro, a efetivação de direitos, tais comoos que enunciamos de partida. E não po-deria ser diferente.

De fato, em um contexto social comoo brasileiro � em que se apresenta umataxa de pobreza/indigência acima de 40%2

� marcado, portanto, por constrangimen-

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tos e necessidades básicas de toda ordem,ampliar a discussão para além dos limitesem que os direitos fundamentais são nor-malmente concebidos pode parecer supér-fluo ou mesmo perverso.

Outras perspectivas restam menos ex-ploradas e não menos relevantes, contudo.

Nesse sentido, pretende-se, neste arti-go, suscitar a reflexão acerca do papel damídia, sobretudo da televisão, na percep-ção e reprodução da violência por partedos jovens e adolescentes, inscrevendo talreflexão no marco da criação e defesa denovos direitos, como o de acesso a umaestrutura midiática inclusiva, responsávele comprometida com interesses comuns.

Cumpre primeiro justificar a opção poresse recorte: a televisão está em toda partee, democraticamente, atinge o sul e o nor-te, a periferia e o centro e, para dar se-qüência à metáfora, os incluídos e os ex-cluídos. Como uma nova invasão bárba-ra, ela se encontra onipresente, conformeníveis diferenciados de permeabilidade evulnerabilidade, mas como fator nãonegligenciável na colonização de desejos,imaginários, projetos de vida, tendências eestruturas de valores e importâncias.

A UNESCO, a partir de um estudo que

visou investigar os impactos da violêncianos meios de comunicação de massa, rea-lizado com 5.000 mil estudantes de 23países, cujas culturas societárias são emi-nentemente diversas � como, por exem-plo, as do Canadá, Tadjiquistão ou IlhasFiji � aponta que:

�Um total de 93% das crianças inclu-ídas neste estudo tem acesso a um apare-lho de televisão. A abrangência correspondea 99% no hemisfério norte e 83% na Áfri-ca, permanecendo neste intervalo as cifrasda América Latina e da Ásia. Nas áreas emque foram feitos os levantamentos, a telade TV já se tornou um meio de comunica-ção universal. Para as crianças em idadeescolar, ela é a força mais poderosa detransmissão de informação e divertimento.Nem mesmo o rádio ou os livros têm omesmo espectro de distribuição global�. 3

O mesmo estudo indica que os estu-dantes passam, em média, três horas emfrente ao aparelho de televisão, dedicandoa esse meio de comunicação 50% a maisdo tempo do que a outras atividades não-escolares, como convívio familiar, amigosou leituras. E arremata:

�Dessa forma, a televisão tornou-sefator primordial de socialização e domi-

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na a vida de estudantes das regiões ur-banas e das áreas rurais eletrificadas detodo o mundo�. 4

Parece-nos claro que a �demonização�pura e simples do meio de comunicação,descomprometida de uma postura crítica eabrangente, não é, em hipótese alguma,produtiva ou justa. Levadas em conta asemissoras em geral, destacam-se algumasprogramações televisivas sabidamenteengajadas no propósito deconstruir espaços e diretrizescomuns de sociabilidade eintegração. Por outro lado,uma observação mais atentado panorama das programa-ções vai evidenciar um pro-cesso contínuo e implacávelde massificação cultural, emque se observam a idiotizaçãode adultos, jovens e crianças.

Não nos parece, pois,oportuno silenciar a esse res-peito, vez que os dados são inequívocos:se a televisão representa fator primordialde socialização, constituindo-se �agênciasocial, que não a família, que influencia nodesenvolvimento social, cognitivo e emoci-onal da criança e do adolescente�, 5 restaprimária a conclusão de que deve, então,comprometer-se com uma abordagem éti-ca das temáticas trabalhadas, atenta igual-mente ao imperativo de equilibrar a unida-de das programações e a pluralidade dosuniversos de telespectadores.

Um exemplo singelo serve-nos paraproblematizar esse impasse, esse alarme:88% dos 5.000 estudantes entrevistadosna pesquisa acima mencionada conhe-cem a figura mítica e já lendária do �Ex-terminador�, interpretada pelo ator ArnoldSchwarzenegger. Desses 88%, dentre me-ninas e meninos, negros e brancos, po-bres e abastados, 55% desejam ser como

ele: o exterminador do futuro. 6

Ora, tem-se evidente que as visões demundo dos jovens são forjadas e influenci-adas tanto pelo real, vivido cotidianamen-te, quanto pelo virtual, trazido pelos meiosde comunicação. Daí não ser adequadoresponsabilizar, unicamente, a TV pelo ce-nário de violência generalizada observadoem alguns países, dentre os quais, o Bra-sil. O argumento é de que a TV contribui

definitivamente para abanalização desse estado deviolência, fazendo-a parecernatural, dado incorporado naestrutura física e fisiológica decidades e regiões � tudo o quese deveria evitar.

Antes mesmo da publica-ção do estudo a que nos refe-rimos, estudiosos da área,dentre educadores e psicólo-gos, apontavam para o fatode que a violência é facilmen-

te assimilada por jovens por trazer implíci-ta ou explicitamente componentes deescapismo e de compensação. Ou seja, aviolência compensaria, por um lado, as ca-rências e frustrações vividas por aquelesvindos de áreas problemáticas ou mais vi-olentas; e por outro, proporcionaria dosesextras de emoção aos jovens de áreas maistranqüilas ou menos violentas. 7

Somada a esse argumento, despontaa verificação de que práticas violentas, talcomo as exibidas à exaustão pelas TVs,seja em telenovelas, filmes, noticiários, pro-gramas de auditório etc., não são neces-sariamente reprovadas socialmente: isto é,vale a velha máxima de que �o crime com-pensa�. A violência é, não raro, associadaa posturas positivas, tais como as do per-sonagem que, ainda que eticamente repro-vável, �cresce na vida� ou �tira proveito�� imortalizadas pela imbecilidade

...dentre meninas emeninos, negros ebrancos, pobres a

abastados, 55% dese-jam ser como ele: o

exterminador dofuturo.

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tupiniquim na expressão �jeitinho brasilei-ro�, também repetida à exaustão...

Além disso, estudos longitudinais su-gerem que a conexão entre a TV e aagressividade é recíproca: assistir a pro-gramas violentos aumenta a tendênciaagressiva, que estimula o interesse por pro-gramas violentos, que, por sua vez, pro-move maior agressividade.8

Em face desse estado de coisas e dodado de que, a cada uma hora, de cinco adez cenas de violência são exibidas pelasemissoras brasileiras e es-trangeiras9, pode-se dizer queuma ordem global cada vezmais violenta e agressiva seanuncia e quer se impor. Amanchete no jornal nos reme-te palidamente a um desfe-cho reticente e melancólico:�Por hora, sete jovens entramnas prisões do país�. 10

Um paradoxo e um de-safio se afiguram explícitosna esteira dessa reflexão.

O paradoxo: nunca, como hoje, fa-lou-se tanto em comunicação. E mais, nademocratização da comunicação e, comela, da informação. O desenvolvimentotecnológico teria, então, por meio dainternet, da televisão digital etc., criadocondições ideais para �aproximar�, sejamculturas, línguas, países ou pessoas dife-rentes. No entanto, igualmente, nunca seobservou um grau tão significativo de fo-bia do homem diante do homem; tamanhomedo do diálogo e do reconhecimento emrelações de alteridades. 11 Daí a necessi-dade de um número cada vez maior deintermediários, que, chamados não raro�mediadores�, pululam daqui e dali,travestidos em alternativas como Orkut,Second Life, MSN, para citar apenas três �remédios simples que aproximam sem to-

car; que mostram sem expor; que constro-em pontes de vento. Comunicação ruido-sa: a inclusão e a ilusão digital.

O desafio: pesquisa aponta que ospais, ao analisar o papel da escola naeducação dos filhos, mostram-se descon-tentes em relação à formação para o exer-cício da cidadania, de valores cívicos eafetivos. 12 Por outro lado, a mesma pes-quisa demonstra que, dentre as causasapontadas por profissionais da educaçãopara o comportamento mais violento dos

jovens de hoje em dia, desta-ca-se, em segundo lugar, com28,6%, �a influência dos meiosde comunicação�, perdendoapenas para o fator �desestru-turação das famílias/ausênciados pais� (29,2%). Além de umtriunfante e nada surpreenden-te terceiro lugar para �a faltade limites/excesso de liberda-de�, com 26,2%.13 Ou seja,entre pais e educadores, algoparece ecoar de um discurso

a outro, contemplando-se, comple-mentando-se � ainda que se façam ouvi-dos moucos de lado a lado.

No momento atual, em que se discu-te a adequabil idade e mesmo aconstitucionalidade de uma �ClassificaçãoIndicativa� para os setores midiáticos na-cionais, um diálogo aberto e abrangentepoderá comprometer diversos setores so-ciais em torno de interesses e valores co-muns, a partir de um exercício crítico e de-mocrático de cidadania.

Inaugurá-lo, tal diálogo, pode pare-cer, a princípio, tarefa hercúlea se levadosem conta o passivo de liberdade históricoe o ressentimento quase intransponível dei-xado pelo regime militar, em que discutirsobre limites e parâmetros para a proteçãoda infância e adolescência ganha

A violência entrejovens é mais uma

marca de nossacontemporaneidade enão faz distinção de

cor, raça, sexo,condição social.

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inexoravelmente contornos de �censura pré-via�, segundo um discurso perversa e cini-camente alinhavado pelos setores da co-municação de massa (com destaque paraas redes de televisão) � interessados, evi-dentemente, em cifras, audiências, mono-pólio de informações, controle social depadrões de comportamento etc.

Como dissemos, pensar a inclusão dejovens, a partir do ponto de partida adota-do, carece, em primeiro plano, abandonara perspectiva da �situação de risco� emque eventualmente se encontram. A vio-lência entre jovens é mais uma marca denossa contemporaneidade e não faz distin-ção de cor, raça, sexo, condição social.Pode, sim, potencializada pela exposiçãomidiática, representar elemento catalisadorde exclusão dos já excluídos e exclusãodos até então incluídos, em seus condomí-nios de luxo e faculdades privadas. Episó-dios como o do índio pataxó queimado emBrasília; do assassinato em série no cine-ma de São Paulo ou do espancamento dadoméstica no Rio de Janeiro são alertaspara uma mudança premente de perspec-tiva e análise.

Nessa seqüência, refletir sobre aefetivação de direitos passa necessariamen-te pelo reconhecimento de novos atores dedireitos e, sobretudo, pelo reconhecimentode novos direitos, em que não serdiuturnamente bombardeado pelas emis-soras de televisão deixa de ser artigo de�perfumaria� e se torna condição sine quanon para uma democracia que se pretendeconsolidada.

Camila Silva Nicácio é coordenadorados Núcleos de Mediação e Cidadania doPrograma Pólos de Cidadania da Facul-

dade de Direito da UFMG

NotasNotasNotasNotasNotas

1 WAISELFISZ, Júlio J. (Coord.). Juventude,violência, cidadania: os jovens de Brasília.UNESCO, 1997, pg. 134.

2 GUSTIN, Miracy B. S. Resgate dos direi-tos humanos em situações adversas de pa-íses periféricos. In:www.elocidadania.org.br/textos/miracy,acessado em 11 de julho de 2007.

3 GROEBEL. J. Percepção dos jovens sobrea violência nos meios de comunicação.Brasília, UNESCO, 1998, pg.7.

4 Idem, pg. 9.

5 SHAFFER, David R. Psicologia do desen-volvimento: infância e adolescência. Capí-tulo 16 - Influências Extra-familiares � Te-levisão, Escola e Pares. São Paulo: Pionei-ra Thomsom Learning, 2005.

6 Idem, pg. 8

7 Idem, pg. 9.

8 SHAFFER, David R. Psicologia do desen-volvimento: infância e adolescência. Capí-tulo 16- Influências Extra-familiares � Tele-visão, Escola e Pares. São Paulo: PioneiraThomsom Learning, 2005.

9 Idem, pg. 9.

10 Folha de São Paulo � Caderno �Cotidi-ano�, Segunda-feira, 9 de julho, C1, capa.

11 SIX, Jean-François. Le temps desmédiateurs. Paris, Seuil, 1990, pg. 248.

12 WAISELFISZ, Júlio J. (Coord.). Juventu-de, violência, cidadania: os jovens deBrasília. UNESCO, 1997, pg. 54.

13 Idem, pg. 54.

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Muitas das representações correntessobre adolescência e juventude carregamestereótipos como �fase problemática davida�, �existência de uma personalidadeespecífica�, cuja leitura principal é a no-ção de �crise�. Essa caracterização guardacontribuições científicas do início do sécu-lo XX, tal como da psicologia e da psica-nálise, que difundem uma ótica essencia-lista a partir de aspectos universais e atem-porais, calcada em termos de marcas bio-lógicas, hormonais e psicológicas. Estudosde caráter mais socioantropológico têmprivilegiado o conceito de �subcultura ju-venil� que no âmbito da sociologia urba-na, se apóia em conceitos de marginalida-de social e de desvio como potencialmente

Juventude, sexualidadee direitos sexuais

e reprodutivosCRISTIANE S. CABRAL

característicos da conduta juvenil. Nessaperspectiva, pressupõe-se um padrão típi-co de comportamento em oposição às ge-rações anteriores, que se constitui em umreferencial fortemente presente no imagi-nário coletivo contemporâneo.

Pode-se falar ainda de adolescência ejuventude segundo uma concepção etapis-ta, ou seja, definindo-a em termos de mar-cos etários. Afirma-se que adolescência éo período compreendido entre os 10 e os19 anos, tal como posto pela Organiza-ção Mundial da Saúde (OMS), por exem-plo. Já a Política Nacional de Juventudeconsidera jovem todo aquele com idadeentre 15 e 29 anos. Assim, de um ponto devista geracional, juventude é tomada como

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um conjunto social cujo principal atributoé o de ser constituído por indivíduos per-tencentes a uma dada fase da vida em queuma geração é definida em termos etários.

Entretanto, outra abordagem é possí-vel: me refiro aqui à concepção social so-bre as idades da vida. Uma larga tradiçãode estudos já se dedicou a demonstrar ocaráter de invenção da infância (Ariès,1978); estudos mais recentes têm aponta-do a criação de uma novaconcepção de velhice, porexemplo. Nessa perspectiva,adolescência e juventude sãonoções historicamente data-das e guardam, hoje em dia,resquícios das formulaçõesconstruídas ao longo dos sé-culos XIX e XX. Além disso, osmarcos etários que delimitamas fronteiras entre as fases dociclo de vida ou categoriasde idade são móveis e vari-am ao sabor de novas concepções sociaisacerca do humano e das relações interge-racionais. Essa suposição de uma concep-ção de divisão arbitrária entre as idadespermite uma ordenação no mundo socialpor meio da construção de categorias taiscomo infância, juventude, adultez e velhice.

Portanto, pode-se falar em adolescên-cia e juventude como categorias social-mente construídas, que abrigam não ape-nas similaridades mas também diferençassociais entre os jovens, pois guardam es-pecificidades em termos de classe, gêne-ro, raça/etnia.

A concepção de juventude enquantodiversidade permite que se dê ênfase emprocessos e demarcadores subjacentesdessa fase da vida. Trabalhos recentes en-fatizam o processo social de passagem ouentrada na vida adulta, caracterizada, gros-so modo, por quatro marcos: o término dos

estudos, o início da vida profissional, asaída da casa dos pais e o início da vidaconjugal (Galland, 1997). Esses eventossão vividos de modos distintos, configuran-do diversas formas possíveis de passagemà vida adulta, tendo em vista o acentuadocontexto de desigualdades sociais e regio-nais presentes em nosso país. Em outraspalavras, há diversas juventudes assimcomo são muitas e heterogêneas as possi-

bilidades de vivenciá-las.Ressalta-se que a idéia

de processo e de passagem àvida adulta não implica aadoção de uma perspectivaadultocêntrica. O foco incidenas transições que conformamum ciclo de vida, compostaspor um conjunto de pequenase sucessivas experiências deprimeira vez que modulam asocialização do jovem, talcomo o primeiro namoro, a

primeira relação sexual, o primeiro traba-lho, a primeira gravidez. Assim, uma des-sas transições é a passagem à sexualidadecom parceiro.

Alguns autores defendem a perspecti-va de um processo de aprendizado, lento egradual, sobre as formas de interação quese dá entre os parceiros, sobre o início e oestabelecimento de um relacionamento afe-tivo e sexual (Azevedo, 1981; Bozon, 2004;Giami, Schiltz, 2004; Heilborn et al., 2006).Nesse sentido, a sexualidade com parceirodepende de uma contínua decifração decódigos de conduta, gestos, leitura das in-tenções dos envolvidos e de um processode negociação em torno dos significados(Berger; Kellner, 1970; Gagnon; Simon,[1973] 2005). Essa perspectiva é devedo-ra do pressuposto de que há um processoem termos de aprendizado da sexualida-de, a qual se antepõe às noções da sexua-

... adolescência ejuventude são no-

ções historicamentedatadas e guardam,hoje em dia, resquí-cios das formulaçõesconstruídas ao lon-

gos dos séculosXIX e XX.

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lidade enquanto inata ou natural, deriva-da de instinto ou pulsão. Contudo, essecaráter de aprendizado não é retido pelaconsciência; ele é, de tal forma, interioriza-do, que determinadas atitudes são inter-pretadas como espontâneas. O jargão �agente já nasce sabendo� é um exemplo.Mas se falamos de aprendizado da sexua-lidade, é porque podemos falar então depreparação para a vida sexual. Voltarei aesse ponto adiante.

A sexualidade juvenil se dá em umcontexto marcado por umcomplexo e intrincado pro-cesso de mudanças e perma-nências em relação a deter-minados elementos dos cos-tumes sexuais no Brasil. De-tidamente analisado na Pes-quisa Gravad (�Gravidez naadolescência: estudo multi-cêntrico sobre jovens, sexua-lidade e reprodução no Bra-sil�)1, os marcos da iniciaçãosexual ressaltam algumasmudanças que vêm se processando nas es-feras convenções da sexualidade em nossasociedade (Heilborn et al., 2006). Contu-do, depreende-se dos resultados que de-terminadas concepções resistem às recen-tes mudanças, seja no plano dos valoresseja no das condutas.

Podemos identificar a temporalidadeda sexualização do namoro e de outrasformas de relacionamento juvenis comouma das recentes modificações nos costu-mes sexuais na sociedade brasileira. Porexemplo, o exercício de relações sexuaisno namoro tornou-se uma questão pararapazes e moças. Ele não é mais uma eta-pa preparatória para a conjugalidade, masuma etapa de experimentação afetiva esexual para os jovens de ambos os sexos.A iniciação sexual masculina não se pro-

cessa mais com prostitutas, e sim com par-ceiras estáveis. No caso das moças, pas-sou a ser aceitável o fato de que elas inici-em sua vida sexual antes do casamento, oque se expressa, por exemplo, na quedada idade média da iniciação sexual femi-nina ao passo que a dos homens se man-teve relativamente estável (Bozon, 2003).A iniciação sexual feminina integra-se a umprocesso de construção de um primeiro re-lacionamento estável, aspecto que revela,entretanto, a persistência de uma categori-

zação tradicional sobre o gê-nero feminino, traduzido pelaexpectativa de construção deum vínculo conjugal. Esse ce-nário torna-se campo fértilpara a ocorrência da reprodu-ção precoce na medida emque tais alterações não vieramacompanhadas de ações sig-nificativas em termos de polí-ticas contraceptivas dirigidasaos jovens; estas permanecemsendo maciçamente preconi-

zadas para mulheres com vida conjugal.A sexualidade juvenil e a reprodução

precoce não podem ser examinadas forado campo de discussões acerca dos inex-trincáveis vínculos existentes entre sexuali-dade e gênero, os quais se modulam emdeterminados contextos sociohistóricos es-pecíficos. Há uma vasta literatura socioan-tropológica que salienta a forte demarca-ção de gênero que permanece na culturasexual brasileira (Heilborn, 1993; Leal, Boff,1996; Duarte, 1986 e 1987; Fonseca,2000). Essa delimitação de esferas reser-varia atitudes e qualidades para cada umdos sexos de modo distinto. Assim, mascu-linidade e atividade estão intimamente as-sociadas, em contraposição à feminilida-de e passividade (Parker, 1991). Os rapa-zes estariam submetidos a uma forte pres-

A iniciação sexualfeminina integra-se aum processo de cons-trução de um primeirorelacionamento estável(...), pela expectativa deconstrução de um vín-

culo conjugal.

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são social para que se iniciem sexualmen-te, e com pessoas do sexo oposto, o quegarantiria sua heterossexualidade � e aquiestou me referindo a uma sociedade forte-mente marcada pela heteronormatividade.Essa tensão pode ser exemplificada peloresultado encontrado na Pesquisa Gravadem termos de uma não-diferenciação daidade mediana da iniciação sexual mas-culina segundo variáveis sociodemográfi-cas estudadas (16,2 anos).

Há também uma vigilância sobre asmulheres no sentido de demonstrarem umjeito passivo e ingênuo em torno do exercí-cio sexual, embora haja mudanças emcurso. Essa expectativa sobre o gênero fe-minino traz implicações para a esfera con-traceptiva: ela configura-se como um dosobstáculos existentes para o uso consisten-te dos métodos contraceptivos pois, embo-ra a expectativa de proteção esteja associ-ada à mulher, esta deve parecer estar �des-preparada� tanto ao iniciar sua vida sexual

quanto a cada novo relacionamento. As-sim, estar usando algum método nessassituações poderia significar o planejamen-to de um intercurso sexual, o que não cor-responde ao imaginário da mulher ingê-nua e inexperiente (Luker, 1996). Parado-xalmente, espera-se hoje em dia que aadolescente tenha relações sexuais pré-maritais (Bajos et al., 2002; Heilborn etal., 2006). Em outras palavras, ainda quea perda da virgindade não constitua maisuma condição passível de estigmatizaçãodas mulheres, permanece certa exigên-cia de virgindade moral, sob a forma deum jeito passivo e ingênuo em torno doexercício sexual, o que traz implicaçõespara a abordagem de questões de se-xualidade ou de contracepção com par-ceiro, por exemplo.

O recente elo entre juventude e repro-dução tem sido estimulado pelo acalora-do debate sobre �gravidez precoce� no Bra-sil. A expressão �gravidez na adolescên-

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cia� abriga uma faixa etária que foi, du-rante muito tempo, considerada uma ida-de ideal para a mulher ter filhos. Entretan-to, na atualidade, quando se fala em �gra-videz na adolescência� (GA), o evento équalificado como �precoce�. Assim, a gra-videz precoce sobressai particularmente noquadro geral de redução da fecundidade eganha visibilidade pela maior proporçãode gestações e nascimentos na juventudefora de união. Além disso, há novas expec-tativas sociais em relação à juventude, que,associadas ao aumento das taxas de esco-larização e de sua duração, contribuempara a produção desse tipo de representa-ção. Nesse contexto, a gravidez ou experi-ência de maternidade ou paternidade najuventude passa a ser vista como um acon-tecimento que perturba o desenvolvimentoideal do jovem nessa etapa da vida.

Os discursos sobre GA ignoram amudança dos costumes sexuais no Brasil.A sexualidade feminina pré-conjugal pas-sou a ser mais aceita socialmente e a ex-perimentação sexual, amplamente permi-tida (e mesmo incentivada) aos rapazes,até algumas décadas atrás, com parceirasespecíficas, geralmente consideradas des-viantes, passou a ser exercida com moçasem contexto de namoro. Entretanto, essasinterações se desenrolam em um contextoqualificado como espontaneísta e poucoreflexivo acerca do exercício da sexualida-de, traço atribuído a certas convenções dasexualidade características de nossa socie-dade (Heilborn et al., 2006). Esse cenárioreforça os estereótipos de gênero e dificul-ta a adoção de medidas de prevenção con-tra a gravidez não prevista e as DSTs/Aidspelos jovens.

Por exemplo, em nosso estudo (Pes-quisa Gravad), cujo foco é o processo deaprendizado da sexualidade, foram feitasperguntas que possibilitassem a discussão

sobre o grau de preparo dos jovens paraa primeira relação sexual. Foram propos-tas questões sobre ter havido ou não con-versa com o parceiro antes da primeirarelação sexual, sobre as formas de evitaruma gravidez, bem como a forma de pro-teção ou o método contraceptivo utiliza-do na primeira vez.

Embora proporções equivalentes dehomens e de mulheres (70%) tenham de-clarado a utilização de alguma forma decontracepção ou de proteção durante oprimeiro intercurso sexual (o preservativofoi o método mais citado), há níveis dife-renciados de proteção dos jovens segundocaracterísticas biográficas e sociais: porexemplo, 60% entre homens e mulherescujas mães não estudaram (ou cuja famí-lia tem renda muito baixa) em contraposi-ção a mais de 80% entre os jovens cujasmães têm nível superior de instrução (oucuja família tem um nível elevado de ren-da) fizeram uso de algum método na pri-meira relação sexual. O percentual dos queconversaram com parceiro(a) sobre asmaneiras de evitar uma gravidez, antes daprimeira relação, foi maior entre as mulhe-res (62%) que entre os homens 41% doshomens, diferença que parece indicar queos homens têm interesse menor que o dasmulheres em conversar com sua parceirasobre as conseqüências do ato sexual.Observou-se ainda que a tomada efetivade precaução no momento da primeira veznão se prolonga nas relações sexuais sub-seqüentes. Alguns trabalhos têm demons-trado que tão logo o relacionamento ga-nhe um relativo grau de estabilidade, no-meado pelos jovens como �confiança�,ocorre o abandono do preservativo, semque haja a incorporação necessária deoutro método contraceptivo (Cabral, 2003;Marinho, 2006).

Ainda citando a pesquisa, o não-uso

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de contraceptivo na primeira relação (31%)foi justificado de forma majoritária pelosjovens com o argumento de que �nem pen-saram nisso�, resposta que é homóloga àenunciada em relação à expectativa emtorno da primeira relação sexual, a saber,a de que �não pensavam muito sobre esseassunto�. Ambas justificativas se caracteri-zam por um tom �espontaneísta�, que pa-rece ser o �adequado� para se falar sobresexualidade. Essa representa-ção espontaneísta da sexua-lidade se articula com o sis-tema de gênero, que designapapéis bastante específicos(tradicionais) para cada umdos sexos. Esse cenário podeensejar uma fraca preparaçãopara a vida sexual em termosde planejamento contracepti-vo (Heilborn et al., 2006).

Argumento, portanto,que a socialização à sexuali-dade vem acompanhada por uma sociali-zação contraceptiva. Todavia, questões degênero atuam sinergicamente nesse cená-rio uma vez que a preocupação com a con-tracepção e a responsabilidade sobre estatêm reiteradamente caído sobre as mulhe-res (pelo menos nos últimos 40 anos com oadvento do anticoncepcional oral). Assim,as conseqüências dos atos sexuais em ter-mos de reprodução e seu controle fazemparte de um cenário cultural em que taisquestões seriam inerentemente assunto dasmulheres (Arilha, 1998), deixando excluí-dos os homens (Garcia, 1998). Mais ain-da, ressalto que a dimensão da contracep-ção, e certamente isso não é exclusivo dosjovens, coloca questões que vão muitoalém da problemática sobre acesso e usode métodos contraceptivos.

Contudo, o debate sobre reproduçãoe planejamento familiar freqüentemente

coloca em cena os elementos sobre conhe-cimento e difusão dos métodos contracep-tivos, bem como responsabilização femini-na pela reprodução. É comum ouvir aargumentação de que �engravidou por-que quis�, pois �hoje em dia todos sa-bem dos métodos para evitar filhos�, oque joga as mulheres que engravidam,sobretudo as adolescentes e/ou as maispobres, na posição de grandes respon-

sáveis da reprodução.Todos os embates em tor-

no da gravidez na adolescên-cia, bem como acerca dastaxas de fecundidade entre asmulheres mais pobres e/oumenos escolarizadas, sãoexemplos de �problemas� quefreqüentemente estão na pau-ta dos discursos políticos quereclamam por programas deplanejamento familiar quepossam �controlar� a fecun-

didade desses grupos. Não é incomum verem tais discursos a responsabilização dotamanho das famílias pelos altos índicesde pobreza existentes no país. Contudo, aboa difusão quanto a informação sobre ouso correto dos métodos contraceptivosbem como o acesso aos mesmos não ga-rantem a �eficácia prática� (Bajos et al.,2002) dos métodos. Essa argumentaçãorejeita a ótica de uma responsabilizaçãoindividual e enfatiza que o comportamentocontraceptivo adotado está vinculado aoutras lógicas que remetem para além dosusos e desusos dos métodos, tais como ocontexto da relação em que se está enga-jado, o tipo de parceria, a possibilidadede negociação no âmbito dos relaciona-mentos afetivo-sexuais etc.

Enfim, há novas concepções acerca dajuventude. Espera-se que essa etapa davida seja um tempo dedicado aos estudos

É preciso criarcondições que

possibilitem apoioaos jovens parauma entrada na

vida sexual prote-gida da reprodu-

ção não-prevista edas DSTs/Aids...

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e não comprometida com a reprodução.Contudo, com as mudanças dos valoressociais, o exercício da sexualidade adoles-cente e juvenil também sofreu importantestransformações. A sexualidade feminina éa novidade nesse cenário. Hoje em dia éaceitável que as mulheres iniciem sua vidasexual antes do casamento, mas diversosestudos apontam que ainda vigora a ne-cessidade de certa virgindade moral paraelas. Esse cenário abriga a representaçãode que as práticas sexuais juvenis são maiscorriqueiras, porém menos preparadas doponto de vista das possíveis conseqüênci-as que uma vida sexual ativa pode ensejar,entre elas a reprodução precoce (Heilborn,Cabral, 2006).

A promoção de discussões sobre gê-nero e sexualidade, nesse cenário que abri-ga mudanças e permanências nos costu-mes sexuais, torna-se necessário e salutar.É uma postura que respeita os diretos se-xuais dos jovens e propicia o distanciamentocrítico de concepções controlistas que vãona contramão das tendências observadasem países ocidentais. É preciso criar con-dições que possibilitem apoio aos jovenspara uma entrada na vida sexual prote-gida da reprodução não-prevista e dasDSTs/Aids, o que transcende a oferta eacesso a informações técnicas e a méto-dos anticonceptivos.

O não-reconhecimento social da se-xualidade juvenil tem efeitos sobre o graude proteção contraceptiva que os jovensestabelecem; assim, a assunção da sexua-lidade juvenil como legítima para os doissexos, bem como um debate aberto sobreas recentes transformações, poderiam con-correr para a constituição de um cenárioque propicie melhor preparação e reflexãodos jovens a respeito da entrada na vidasexual. Em outras palavras, argumentar afavor da legitimidade do exercício da sexu-alidade na juventude implica reconhecer edar importância a essa dimensão comoconstitutiva da construção da autonomiados jovens. Essa perspectiva se alinha in-teiramente à concepção da juventude comouma fase de aquisição crescente de habili-dades em diferentes esferas sociais, dentreelas a da sexualidade.

Cristiane S. Cabral é pesquisadora do

Centro Latino Americano em Sexualidade

e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) e

doutoranda em Saúde Coletiva do

Instituto de Medicina Social da

Universidade do Estado do

Rio de Janeiro (IMS/UER).

31

NotasNotasNotasNotasNotas

1 Trata-se de um estudo sobre juven-tude e comportamento sexual, constituídopor duas etapas: uma inicial, qualitativa,com realização de 123 entrevistas indivi-duais e outra, quantitativa, com execuçãode um inquérito domiciliar, com amostradomiciliar probabilística estratificada em trêsestágios, com jovens de 18 a 24 anos (n4634), de ambos os sexos e moradores dePorto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador. Oestudo foi realizado por três centros depesquisa: Programa em Gênero, Sexuali-dade e Saúde do IMS/UERJ, Programa deEstudos em Gênero e Saúde do ISC/UFBAe Núcleo de Pesquisa em Antropologia doCorpo e da Saúde da UFRGS. Os princi-pais resultados do inquérito encontram-sepublicados no livro �O aprendizado dasexualidade: reprodução e trajetórias soci-ais de jovens brasileiros� (Rio de Janeiro: FI-OCRUZ/Garamond, 2006), onde podem serobtidas informações sobre a composiçãodetalhada da equipe de pesquisadores.

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33

A participação política da juventudebrasileira tem sido foco de diversos estu-dos no campo das ciências sociais. A maiorparte deles aponta para a formação denovas esferas de participação política, le-vando a uma readequação da pauta dedemandas na qual os jovens deixam de seruma aposta para o futuro, tornando-ossujeitos de direitos no presente. Dentre asdiversas reivindicações relacionadas à edu-cação, cultura, trabalho, renda, qualidadede vida e direitos humanos, vale destacara busca por maior participação juvenil juntoao Estado. Muitas vezes, essa aproxima-ção se traduz em implementação de con-selhos de juventude que contemplem o di-álogo com os jovens na elaboração de

políticas públicas ou na fiscalização dasações governamentais em execução.

Essa situação nos traz novos desafiospara além daqueles que já fazem parte dorepertório brasileiro. A novidade está naconstrução efetiva de mecanismos partici-pativos que dêem conta de aproximar go-vernos, sociedade civil organizada, benefi-ciários de programas e Poder Legislativo.Vale a ressalva de que a referida aproxi-mação não significa a produção de con-sensos; tampouco a cooptação dos repre-sentantes. O que há, de fato, é a formaçãode arenas de debate onde as contradiçõese conflitos de interesses possam orientar aspolíticas públicas de forma a garantir queum número maior de beneficiários recebam

Exercício comparativo entreconselhos nacionais dejuventude: uma análise

promissoraDANIELPERINI

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serviços públicos de qualidade. Nesse sen-tido, experiências exitosas no campo daeducação, saúde, criança e adolescentedemonstram o verdadeiro potencial dessasações. Contudo, no campo da juventude,essas concepções encontraram eco somentea partir da segunda metade da década de90 e uma boa parte dos conselhos de ju-ventude implementados estão em fases ini-ciais de trabalho buscando se colocar eagir frente às questões concretas que per-passam a vida dos jovens e das jovens.

Soma-se a este cenárioo fato de que os conselhosde juventude encontram-se naencruzilhada onde estão ato-res políticos de característicasdiversas e, por vezes, diver-gentes. Por um lado, o Esta-do com seu poder hegemô-nico e incapaz de implemen-tar sozinho políticas efetivas,por outro, organizações dasociedade civil que buscamcoerência entre as posiçõesdefendidas e seus respectivos aportes polí-ticos institucionais. Nesse lugar, convergemdificuldades características desses doiscampos: participação e políticas públicasde juventude. Tratando exatamente dessetema, o psicólogo Pedro Pontual destacaalguns desafios importantes; dentre eles,podemos dar relevo à necessidade de re-conhecer a especificidade do segmento dajuventude sem abrir mão de toda diversi-dade inerente aos coletivos juvenis, aprimo-rando os canais de diálogo. Outra noção im-portante trabalhada pelo estudioso está empontuar o aspecto de que não deve se restrin-gir o diálogo aos espaços institucionalizados.Contudo, a consolidação dos conselhos dejuventude representa uma possibilidade rele-vante uma vez que estes podem significar umainterface entre jovens e poder público.

Nesse sentido, há uma diversidade deexperiências institucionalizadas atuantesque podem contribuir na busca de cami-nhos que levem à melhoria efetiva da qua-lidade de vida da juventude e de toda asociedade brasileira. Com essa perspecti-va, analisar experiências vivenciadas pordiversos países podem nos trazer dadosúteis para uma melhor compreensão donosso próprio contexto. Com isto em men-te, serão feitas breves descrições de conse-lhos nacionais de juventude em atividade

no Brasil, em Portugal e emSingapura. A idéia não é cons-truir um quadro analítico quenos permita chegar a conclu-sões definitivas. Trata-se deuma aposta orientada por in-tenção meramente explorató-ria, cujos resultados serão in-terpretados como base parauma pesquisa científica sóli-da. A escolha desses conse-lhos seguiu critérios relativa-mente simples. O Conselho

Nacional de Juventude brasileiro é de inte-resse para a presente reflexão por repre-sentar a nossa experiência. Os conselhosde Portugal e de Singapura serão descritospor fornecerem informações suficientes empáginas próprias de internet e representamexperiências que ocorrem há mais tempo econstituem continentes e culturas diferen-tes. Enfim, espera-se que essa análise pre-liminar nos traga elementos para avaliar-mos melhor a atuação brasileira e apontarpara um caminho de consolidação dessasarenas de construção de políticas públicas.

Para tanto, serão observados algunsaspectos importantes para o cotidiano deum conselho. O primeiro deles se refere àrepresentação política. A composição deum conselho sinaliza qual a noção de ju-ventude dada por cada um desses gover-

Os conselhos dejuventude encon-tram-se na encru-

zilhada ondeestão atores

políticos de carac-terísticas diversas

e, por vezes,divergentes.

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nos. Aponta para os pressupostos dadosantes da implementação dos mesmos edizem respeito aos processos de renova-ção e relação com os movimentos sociais.Outro aspecto importante a se consideraré a pauta dos debates em cada um dessesespaços. Esse aspecto pode nos ajudar aentender quais são as questões das juven-tudes locais colocadas. Infelizmente, esselevantamento não poderá nos dizer comosão abordadas e quem toma a frente decada uma delas. Finalmente, quais os ob-jetivos de cada conselho. Isso pode nosajudar a pensar sobre as funções e buscaruma noção geral de atuação dos conse-lhos de juventude.

O Conselho NacionalO Conselho NacionalO Conselho NacionalO Conselho NacionalO Conselho Nacionalde Juventude / Brasilde Juventude / Brasilde Juventude / Brasilde Juventude / Brasilde Juventude / Brasil

Foi implementado em agosto de 2005a partir da Lei 11.129 de 30 de junho de2005. Tem como foco as políticas públi-cas de juventude naquilo que se refere àformulação de diretrizes para elaboração,acompanhamento e implementação des-sas políticas. É constituído por 60 mem-bros distribuídos em 40 cadeiras para re-presentações da sociedade civil e 20 pararepresentações governamentais.

As representações não-governamentaissão vinculadas, principalmente, a institui-ções como ONGs e redes juvenis. Há tam-bém a presença de especialistas e estudio-sos que compõem o conselho na condiçãode conselheiros efetivos.

Em um documento intitulado �PolíticaNacional de Juventude � Diretrizes e Pers-pectivas�, nota-se que o Conselho Nacio-nal de Juventude (CONJUVE) brasileiro

encontra-se em um momento de debate denatureza conceitual com vistas a um para-digma de trabalho focado na diversidadee nos direitos da juventude. Os debates seorganizaram em três câmaras temáticas,que buscaram agrupar alguns aspectosrelativos às políticas públicas. A CâmaraTemática 1 (Desenvolvimento Integral) pro-duziu noções para políticas voltadas paraeducação, trabalho, cultura e tecnologiasde informação. A Câmara Temática 2 (Qua-lidade de Vida) se preocupou com o meioambiente, saúde, esporte e lazer. Finalmentea Câmara Temática 3 (Vida Segura) se de-bruçou sobre aspectos relacionados à va-lorização da diversidade e respeitos aosdireitos humanos.

Os debates mais recentes do CONJU-VE têm sido orientados para uma aproxi-mação dos gestores das políticas federaisem execução, do Poder Legislativo e dasociedade civil. Nesse sentido, foram cria-das comissões de acompanhamento depolíticas e programas, relacionamento coma sociedade, acompanhamento parlamen-tar e uma comissão específica para a for-mulação da conferência nacional de juven-tude. Vale salientar que um recente decre-to do presidente da República prevê a rea-lização de eleições para a nova composi-ção do CONJUVE.

Conselho Nacional deConselho Nacional deConselho Nacional deConselho Nacional deConselho Nacional deJuventude / PJuventude / PJuventude / PJuventude / PJuventude / Portugalortugalortugalortugalortugal

O Conselho Nacional de Juventude dePortugal foi criado, em 1985, por uma leida Assembléia da República. Trata-se deum órgão representativo das organizaçõesde juventude, considerando as agremiações

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juvenis vinculadas aos movimentos sindi-cais, partidários, estudantis, culturais, am-bientais e confessionais.

Em linhas gerais, seus objetivos sevoltam para a produção de informação parao poder público, articulação entre demaisconselhos de juventude e organizações ediscussão da problemática juvenil, comvistas a um entendimento das aspiraçõesdos jovens, promovendo diálogo com en-tes nacionais e internacionais.

O Conselho se organiza em comissõesque se dividem em cinco temas: MeioAmbiente e Qualidade de Vida; Empregoe Assuntos Sociais; Associativismo e Parti-cipação Juvenil; Educação e, por último,Relações Internacionais e Cooperação.

A representação é formada por Mem-bros de Pleno Direito e Membros Associa-dos. As representações de pleno direito sãoocupadas por organizações de atuaçãonacional, constituídas, de maneira majori-tária, por jovens de 12 a 35 anos, quedesenvolvem trabalhos voltados para a ju-ventude e delegam aos jovens a represen-tação no conselho. As representações as-sociadas são aquelas que não cumpremcom um dos critérios estabelecidos pararepresentações plenas, mas que compro-vam atuação específica em âmbito local.As organizações que desejarem integrar aoconselho deverão comprovar uma gestãodemocrática a partir da apresentação deestatutos e serão aceitas pela AssembléiaGeral do Conselho Nacional de Juventu-de. Os membros de pleno direito e associ-ados têm acesso aos mesmos serviços einformações fornecidos pelo órgão, dandoexclusividade de voto às representaçõesplenas. Compõem ainda o Conselho Re-presentações Externas, tratando, nesse caso,de outros conselhos e do conselho de Ad-ministração do Instituto Português da Ju-ventude.

Conselho Nacional de JuventudeConselho Nacional de JuventudeConselho Nacional de JuventudeConselho Nacional de JuventudeConselho Nacional de JuventudeSingapuraSingapuraSingapuraSingapuraSingapura

Criado em 1º de novembro de 1989,o Conselho Nacional de Juventude de Sin-gapura tem como objetivo desenvolver,junto aos jovens, habilidades para a vidaem um mundo globalizado. Em seu domí-nio na internet, o conselho assume, comdiretrizes, desenvolver e financiar projetosvoltados para o desenvolvimento de lide-rança comunitária, além de ações que con-templem as juventudes em situação de ris-co social. Interessam ao conselho desen-volver e divulgar publicações específicas,além de promover intercâmbios internaci-onais e locais entre jovens visando oportu-nidades em outros países e aumentandocoesão social e discutindo a cultura local.

Fazem-se representar no conselho en-tidades não-governamentais, empresas,ministérios, meios de comunicação, univer-sidades e organizações juvenis, totalizan-do um grupo de 25 representações.

Os objetivos se expressam em açõesnos seguintes campos: desenvolvimentojuvenil, engajamento juvenil, premia-ções, parcerias internacionais, pesqui-sas, juventude em risco social e juven-tude comunitária

A partir de análise das informações daspáginas eletrônicas de cada conselho, po-demos detectar algumas semelhanças im-portantes. A principal delas é uma noçãoplural de juventudes amplamente defendi-da por movimentos organizados. Essa plu-ralidade se reflete não somente nas maisdiversas representações, mas também noamplo leque de atribuições assumidas pe-

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los estatutos de fundação. Outras seme-lhanças estão no fato de que todos estescontam, em graus diferenciados, com re-presentações de governo além das própri-as organizações juvenis. Isso significa queo papel da juventude na formulação depolíticas é considerado relevante para qual-quer um desses países.

As diferenças entre as experiências re-velam, contudo, um rico campo de produ-ção de conhecimento. Sobre a representa-ção, podemos dizer que há um caminhoespecial na experiência portuguesa, pelofato de criar categorias de representaçãodiferenciadas. Os portugueses desenvolve-ram meios para as organizações juvenis secadastrarem e aproximarem das ações naarena de debate na qual estão sendo trata-dos temas de seu interesse. Essa dinâmicanão foi realizada no Brasil, que hoje discu-te meios de democratizar o conselho. Pode-se notar que, em Portugal, há uma autono-mia maior do Conselho. Isso se deve aofato de que o próprio conselho realiza aescolha de entidades representadas. Oscritérios apresentados para o ingresso deentidades nos dá a entender que a noção

de conselho de juventude em Portugal apro-xima-se de uma ação de natureza geracio-nal. No Brasil adotamos um caminho dife-rente. Em primeiro lugar, trata-se de umconselho que se refere mais claramente àspolíticas públicas e não apresenta nenhumtipo de critério para ingresso de entidadesjuvenis. Esses debates permeiam as atri-buições do conselho e um primeiro resul-tado está claro no decreto presidencial, queprevê a realização de eleição de organiza-ções. Contudo, há ainda um longo percur-so para se chegar a posição conclusiva emque se definam mais especificamente aforma com que serão realizados os pleitos,considerando a diversidade da juventudebrasileira.

No que se refere às atribuições, nota-mos uma preocupação em Portugal e emSingapura de articular-se com instituiçõesinternacionais e com outros países. No casobrasileiro, esse aspecto não é explicitadoem nenhum dos textos produzidos e nemem documentos oficiais. Em contraste a isso,preocupação com a cultura local faz partede todos eles, ressaltando a relevância dacultura popular ao se tratar de juventude.

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Outra característica interessante e presenteapenas no conselho de Singapura é a possi-bilidade de financiamento de projetos quedizem respeito às atribuições institucionais.Isso se traduz para o contexto brasileiro, naausência de fundos que possam ser demo-craticamente disputados, com foco em açõesjunto aos jovens e entidades juvenis.

As análises comparativas, de fato, sãocomplexas e requerem esforços de pesqui-sa que não se traduzem no presente artigo;esforços dessa natureza podem contribuirpara uma melhor compreensão das açõespraticadas por governos e representaçõesda sociedade. Nesse sentido, caberiam tra-balhos que dessem conta de avaliar a atu-ação efetiva desses organismos junto àsjuventudes de cada país considerando nãosomente os movimentos organizados, mas,também, a capacidade de influenciar aspolíticas públicas colocadas em prática.Outro aspecto importante diz respeito auma abordagem histórica com olhar nosmovimentos políticos que antecederam àimplementação desses organismos. Noslimites do presente artigo, contudo, pode-se inferir que uma breve comparação nosleva a considerações importantes. Dentreelas, pensar em formas de diálogo com asociedade que dêem conta da diversida-de, mas também da territorialidade. Issoquer dizer que é interessante para os con-selhos criar mecanismos de reconhecimen-to que não se restrinjam a critérios de abran-gência territorial e considerar o protago-nismo dos jovens dentro de cada organiza-ção representada.

Páginas de InternetPáginas de InternetPáginas de InternetPáginas de InternetPáginas de Internet

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estrutura_presidencia/sec_geral/Juventude/Cons/

conjuve/integra_view

Conselho Nacional de Juventude � Portugal

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Daniel Perini é presidente do Conse-lho Municipal da Juventude de Belo Hori-

zonte e representa a ONG Contato -Centrode Referência da Juventude no Conselho

Nacional de Juventude

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Nas sociedades modernas, trabalharé uma dimensão muito relevante. Segundoo sociólogo Anthony Giddens (2005), mes-mo sob condições adversas, o trabalho éuma prática social que estrutura a vida daspessoas. Ele permite a independência fi-nanceira, produz uma estruturação do tem-po tendo como referência uma rotina diá-ria de trabalho, promove laços de sociabi-lidade e nos coloca em convívio com ou-tras pessoas e outros espaços sociais. Alémdisso, pelo trabalho produzimos um senti-do de investimento e identidade pessoal.Dessa maneira, o fato de não trabalhar ou

Trabalho e desemprego entreos jovens: desafios para as

políticas públicasGERALDO LEÃO

de ser obrigado a ajustar-se a qualqueremprego pode significar para muitos jo-vens, principalmente aqueles com menosrecursos econômicos e sociais, uma fontede sofrimento e ausência de perspectivasquanto ao futuro.

No Brasil, o trabalho é uma experiên-cia comum para os jovens. Muitas vezes,ele surge precocemente na sua vida. As-sim, compreender a condição juvenil emnosso país exige também um olhar sobre asua relação com o mundo do trabalho, suasexperiências e condições de trabalho. Tra-balhar é uma prática social alimentada por

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diferentes expectativas e projetos de vida,o que produz diversos sentidos e represen-tações para os jovens.

Infelizmente, para muitos, tal experi-ência tem sido marcada pela precarieda-de, quando não pela sua falta. De acordocom dados de uma pesquisa da UNESCO(2006), no Brasil, 56,1% dos jovens esta-vam ocupados em 2004, contra 22,8%desocupados e 21,1% inativos. Entre osjovens que estavam trabalhando, uma boaparte (38,4%) disse não receber benefíciosde seus trabalhos, o que revela uma inser-ção ocupacional precária. Além disso,61,3% consideravam que as atividades quedesempenhavam não tinham relação comaquilo que estudavam ou estudaram. Nessecontexto, boa parte deles buscava melho-rar as suas condições de inserção no tra-balho. Metade dos jovens brasileiros(46,9%) estava à procura de um trabalhoem 2004.

Segundo Edna Queiroz e Maria Tere-za Canesim (2002), o trabalho assume umlugar de destaque entre os jovens apesarde muitos deles manifestarem uma �atitu-de realista� e �desencantada� em relaçãoao trabalho, em face das dificuldades queencontram hoje para se inserir e se manter

no mercado de trabalho. Segundo essasautoras, para os jovens �falar sobre si éfalar sobre o seu trabalho, ou sobre a suafalta, mostrando que a experiência ou ainexperiência de trabalho constitui elemen-to fundamental para sua definiçãoidentitária�.

De uma maneira geral, podemos di-zer que o trabalho assume um lugar privi-legiado para os jovens como possibilidadede construção de sua autonomia e reco-nhecimento perante os familiares e os ami-gos. Ele tem diversos significados e desen-cadeia diferentes atitudes e trajetórias de-pendendo do contexto e segundo os recor-tes de gênero, raça, classe e origem social.

Uma atitude comum entre os jovenstem sido a centralidade que o fato de estarempregado adquire para além do sentidodo trabalho em si, o que se justifica emfunção das altas taxas de desemprego.Assim, estar empregado é uma condiçãopara a realização dos projetos pessoais eisso toma uma relevância muito grandepara todos. Ao mesmo tempo, outros sen-tidos para o trabalho se fazem tambémpresentes entre esses jovens como a inde-pendência pessoal, o sentido de dignidadeou como fonte de realização pessoal. Para

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Nadya Araújo Guimarães (2005), o traba-lho tem um lugar de destaque na vida dosjovens brasileiros. Ela reúne as representa-ções dos jovens em torno de três idéias.Para alguns, ele é um valor: a dedicaçãoao trabalho. Para outros surge como umproblema ou necessidade, tendo em vistaa pressão por conseguir uma ocupação emanter-se nela. E, para outros, se apre-senta como um direito a que todos devemter acesso.

Tal importância atribuí-da ao trabalho pelos jovense suas famílias defronta-sehoje com a sua ausênciapara muitos deles. A experi-ência da juventude brasilei-ra tem sido marcada pelasdificuldades de acesso e per-manência no mercado de tra-balho em um contexto mar-cado pelas transformaçõesprodutivas a partir dos anos90. Segundo dados da Pes-quisa Mensal de Emprego do IBGE, emfevereiro de 2007, a taxa geral de desocu-pação no Brasil estava em 9,9%. Entre osjovens, a taxa chegava a corresponder aquatro vezes a média para a populaçãoem geral, atingindo 37% entre os jovensde 18 a 24 anos. Se considerarmos aspessoas em busca de um primeiro empre-go, o índice correspondia a 18,1%.

Assim, se o trabalho tem um valor cen-tral para os jovens como possibilidade deautonomia e reconhecimento, sua ausên-cia tem representado uma dificuldade, con-tribuindo para aumentar a incerteza e asensação de risco. Para alguns jovens quetêm melhores recursos econômicos, cultu-rais e sociais, esse período pode ser usadocomo um tempo de investimento na suaformação geral ou profissional, se prepa-rando para o vestibular ou fazendo um curso

profissionalizante. Mas, para muitos jovensque não trabalham, a situação de desem-prego pode ser vivida de uma forma nega-tiva, como uma incapacidade quanto a pro-jetar o futuro. Para esses, o desempregoacarreta sentimentos de tédio, vazio, ansi-edade, vergonha e culpa, gerando, muitasvezes, uma atitude de isolamento da vidasocial. Muitos desanimam de procurar umaocupação, não sendo considerados assimno cômputo dos índices de desemprego.

Mesmo para os jovensocupados, a relação com otrabalho passa a ser mediadapela ameaça do desemprego.Esse passa a ser um elementoconstitutivo dos horizontes pos-síveis para a experiência juve-nil nas sociedades contempo-râneas. A esse respeito, a so-cióloga Heloísa HelenaTeixeira de Souza Martins(2000) diz: �Fiquei impressio-nada com o número de jovens

já com famílias constituídas, sem possibili-dade nenhuma de desfrutar algum tipo delazer, de participar de um grupo de jovens,de se associar a um movimento � mesmoos sindicalizados não participam do sindi-cato, não gostam de política �; a únicapreocupação visível diz respeito à ameaçade perda do emprego. Que futuro é possí-vel para esses jovens? Que alternativas elespodem ter?�

Nesse contexto, os processos de tran-sição para a vida adulta, antes compre-endidos como uma passagem linear dafamília à escola e ao trabalho até a con-figuração de um novo lar, parecem já nãocorresponder à realidade. A noção detransição para a vida adulta passa serrevista tendo em consideração uma sériede mutações sociais, para as quais astransformações nas dinâmicas do merca-

...se o trabalhotem um valor centralpara os jovens como

possibilidade de autono-mia e reconhecimento,

sua ausência tem repre-sentado uma dificuldade,

contribuindo paraaumentar a incerteza

e a sensaçãode risco.

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do de trabalho têm um papel central.Segundo o sociólogo português José

Machado Pais (2001), as trajetórias juve-nis contemporâneas se tornaramdiversificadas e sempre passíveis dereversibilidade. Tratam-se de �trajetóriasioiô�, pois o percurso da vida tem sido mar-cado por idas e vindas, projetos que seinterrompem ou são retomados. Para alémda linearidade, as trajetórias juvenis pare-cem marcadas pela idéia de labirintos: arealidade atual oferece uma gama de pos-sibilidades ao mesmo tempo em que seconvive com o risco constante de se perdernas suas teias.

Nesses labirintos da vida, os sujeitossão testados cotidianamente na sua capa-cidade de fazer escolhas e na sua habili-dade para realizar seus projetos de vida.Segundo esse autor, as políticas públicasoperam com uma lógica inversa, pois �ten-dem a estandardizar as transições dos jo-vens para a vida adulta � definindo escola-ridades mínimas, circuitos escolares, for-mação profissional, políticas de emprego�,ao passo que os jovens parecem se enqua-drar cada vez menos nessas políticasprescritivas.

PPPPPolíticas públicasolíticas públicasolíticas públicasolíticas públicasolíticas públicase trabalho juvenile trabalho juvenile trabalho juvenile trabalho juvenile trabalho juvenil

Nesse quadro de dificuldades de in-serção no mercado de trabalho que im-põem limites à construção de projetos fu-turos para os jovens brasileiros, nos per-guntamos o que eles podem esperar emtermos de ações que promovam melhorescondições de formação e acesso ao traba-lho. Podemos esperar políticas públicas quepromovam uma rica vivência da condiçãojuvenil? Como as ações públicas podem

proporcionar aos jovens experiências queos instrumentalizem para construírem pro-jetos profissionais numa sociedade emconstante mutação? Como podemos de-senvolver políticas que não digam aos jo-vens o que fazer, mas que incorporem suasaspirações e projetos de vida?

Aos olharmos para as experiências deprogramas públicos voltados para a juven-tude brasileira, parece-nos que somos con-frontados com um modelo recorrente naconcepção e implementação das políticasde juventude no Brasil. Esse modelo, quese ampliou a partir da segunda metade dosanos 90 e se expande mais fortemente noinício deste século, se assenta preferenci-almente no desenvolvimento de programasde transferência de rendas focalizados emjovens pobres, que, em geral, combinamtrês tipos de ações: oficinas de qualifica-ção profissional e formação humana, açõesde promoção da escolaridade e desenvol-vimento de trabalhos comunitários.

Esses programas, no entanto, têm sidomarcados por um baixo impacto. Além denão atingirem um grande número de jo-vens e de serem desenvolvidos geralmentede maneira improvisada, eles acabam be-neficiando justamente os jovens, que, dealguma forma já conseguiriam se inserir. Éo que constata Felícia Madeira (2004) aoanalisar o caso do Programa Primeiro Em-prego desenvolvido pelo Governo de SãoPaulo. O mesmo podemos dizer do Pro-grama Nacional do Primeiro Emprego, que,desde a sua edição tem apresentado par-cos resultados.

Outro problema no âmbito das políti-cas de trabalho para jovens é a sua fracaarticulação com outras políticas setoriais,principalmente com os sistemas de ensino.A fraca articulação entre as ações do Esta-

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do impede que os programas atendam àsdiversas demandas postas pelos jovens.Num contexto como o descrito acima, emque as trajetórias de vida já nãocorrespondem a uma linearidade mais oumenos previsível, as políticas públicas de-vem se pautar por uma maior flexibilidadee pela capacidade de dar respostas rápi-das às necessidades dos cidadãos.

As escolas, por exemplo, em particu-lar as do Ensino Médio, não têm propostaspedagógicas que incorporem a questão dotrabalho, muito menos conseguem se arti-cular com outras instituições que proporci-onem aos jovens o acesso a cursos de for-mação profissional de qualidade.

Assim, podemos dizer que, se a rela-ção dos jovens brasileiros com o trabalho émarcada pela experiência precoce do tra-balho precário e do desemprego, o PoderPúblico não tem sido capaz de responder àssuas demandas nesse campo. Certamente,a questão do desemprego juvenil não podeser resolvida num �passe de mágica�, masessa é uma realidade que merece uma aten-ção especial no âmbito das políticas sociaispara além do que tem sido feito.

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Geraldo Leão é professorna FaE/UFMG e membro doObservatório da Juventude

da UFMG

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Difícil precisar o que é juventude.Quem não se considera jovem hoje em dia?O conceito de juventude é bem elástico:dos 18 aos 40, todos os adultos são jo-vens. A juventude é um estado de espírito,é um jeito de corpo, é um sinal de saúde edisposição, é um perfil do consumidor, umafatia do mercado em que todos querem seincluir. Parece humilhante deixar de ser jo-vem e ingressar naquele período da vidaem que os mais complacentes nos olhamcom piedade e simpatia e, para não utili-zar a palavra ofensiva � velhice �, prefe-rem o eufemismo �terceira idade�. Passa-mos de uma longa, longuíssima juventu-de, direto para a velhice, deixando vazio o

A juventude comosintoma da cultura

MARIA RITA KEHL

lugar que deveria ser ocupado pelo adul-to. O cineasta Jean-Luc Godard, sempreantenado nos sintomas do sofrimento e daalienação contemporâneos, faz os perso-nagens de seu filme, Elogio ao amor (2001),repetirem insistentemente a pergunta: qu�estque c�est un adult? Evidentemente Godarddeixa a questão sem resposta.

O prestígio da juventude é recente. �OBrasil de 1920 era uma paisagem de ve-lhos�, escreveu Nelson Rodrigues em umacrônica sobre sua infância na rua Alegre.�Os moços não tinham função, nem desti-no. A época não suportava a mocidade�.O escritor estava se referindo aos sinais derespeitabilidade e seriedade que todo moço

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tinha pressa em ostentar, na primeira me-tade do século XX. Um homem de 25 anosjá portava o bigode, a roupa escura e oguarda-chuva necessário para identificá-lo entre os homens de 50, e não entre osrapazes de 18. Homens e mulheres erammais valorizados ao ingressar na fase pro-dutiva/reprodutiva da vida do que quandoainda habitavam o limbo entre a infância ea vida adulta chamado de juventude ou,como se tornou hábito depois da décadade 1950, de adolescência.

Já o futuro escritor doano 2030, quando escreversuas lembranças da vida noinício do terceiro milênio,poderá afirmar: �O Brasil de2004 era uma paisagem dejovens��. Há mais de 40anos somos todos jovens.Sempre que a expressão �nomeu tempo...� é empregada,ela se refere aos anos dou-rados da vida, a juventude.Pois foi uma ou duas décadas antes do�meu tempo�, que os adolescentes e jo-vens começaram a sair de uma certa obs-curidade culposa e obediente, à qual dis-cursos médicos e morais os haviam rele-gado, para se transformarem em uma fai-xa da população privilegiada pela industriacultural.

A puberdade como fase de amadure-cimento sexual das crianças, que marca atransição do corpo infantil para as funçõesadultas da procriação, tem lugar em todasas culturas. Da Grécia clássica às socieda-des indígenas brasileiras, o/a púbere é re-conhecido enquanto tal, e a passagem dainfância para a vida adulta é acompanha-da por rituais cuja principal função é reins-crever simbolicamente o corpo desse/a quenão é mais criança, de modo a que passea ocupar um lugar entre os adultos. Mas o

conceito de adolescência, que se estendeem certos países até o final da juventude(hoje em dia, não hesitamos em chamar deadolescente a um moço de 20 anos), temuma origem e uma história que coincidecom a modernidade e a industrialização. Aadolescência na modernidade tem o senti-do de uma moratória, período dilatado deespera vivido pelos que já não são crian-ças, mas ainda não se incorporaram à vidaadulta. O conceito de adolescência é tri-

butário da incompatibilidadeentre maturidade sexual e odespreparo para o casamen-to. Ou, também, do hiato en-tre a plena aquisição de ca-pacidades físicas do adulto �força, destreza, habilidade, co-ordenação etc � e a falta dematuridade intelectual e emo-cional, necessária para o in-gresso no mercado de traba-lho. O aumento progressivodo período de formação esco-

lar, a alta competitividade do mercado detrabalho nos países capitalistas e, mais re-centemente, a escassez de empregos obri-gam o jovem adulto a viver cada vez maistempo na condição de �adolescente�, de-pendente da família, apartado das deci-sões e responsabilidades da vida pública,incapaz de decidir seu destino.

Nessas circunstâncias, a adolescênciasó poderia se tornar uma idade crítica. Mascomo, na economia capitalista, do boi seaproveita até o berro, essa longa crise quealia o tédio, a insatisfação sexual sob altapressão hormonal, a dependência em re-lação à família e a falta de funções no es-paço público, acabou por produzir o queas pesquisas de marketing definem comouma nova fatia de mercado. A partir daí �viva o jovem! Passou a ser considerado ci-dadão, porque virou consumidor em po-

O prestígioda juventude é recente.�O Brasil de 1920 era

uma paisagem de velhos�escreveu Nelson

Rodrigues em umacrônica sobre sua

infância na rua Alegre.

tencial. De início, o fenômeno tinha o vigore a beleza caótica típicos do retorno dorecalcado. �Jovem� era o significante paratudo o que até então vivia nos porões dacivilização. Jovem era a inteligência quan-do se aventurava a pensar para além doscânones universitários. Jovem era a rebel-dia contra os padrões estabelecidos, con-tra a moral hipócrita que sacrificava os pra-zeres do corpo em nome de uma dignida-de vazia. Jovem era a adesão a utopiaspolíticas que propunham um futuro melhor.Não deixa de ser sintomático que hoje aspessoas de 40, 50 anos, continuem a seinteressar apaixonadamente pela política,enquanto os adolescentes parecem confor-mados em fazer da luta pela cidadaniamera afirmação dos direitos do consumi-dor. Mas também não é preciso repetir queforças bem mais poderosas do que osanseios de uma ou duas gerações de filhoslogo entraram em jogo. Que as forças decapital � as mesmas que contribuíram paraevocar espíritos juvenis adormecidos e pro-vocar a onda de demandas jovens da dé-cada de 1960 �, com seu senso imbatívelde oportunidade, souberam reorganizar ocaos em torno da chamada lógica do mer-cado. Ser jovem virou slogan, virou clichêpublicitário, virou imperativo categórico �condição para se pertencer a uma certaelite atualizada e vitoriosa. Ao mesmo tem-po, a �juventude� se revelava umpoderosíssimo exército de consumidores,livres dos freios morais e religiosos queregulavam a relação do corpo com os pra-zeres, e desligados de qualquer discursotradicional que pudesse fornecer critériosquanto ao valor e à consistência, digamos,existencial, de uma enxurrada de merca-dorias tornadas, da noite para o dia, es-senciais para a nossa felicidade.

Isleide Fontenelle, em seu minuciosoestudo sobre a expansão da marca

McDonald�s nos Estados Unidos e em todoo planeta, situa nos anos 1950, anos dou-rados do pós-guerra, a emergência de umacultura adolescente na sociedade norteamericana.

A �cultura dos jovens� de que se pas-sa a falar nos anos 60 começara bem an-tes e já se podiam vislumbrar todas as suascaracterísticas no início dos anos 50. Era operfil de um adolescente diferente das ge-rações anteriores, em função de seu... �nú-mero, riqueza, autoconsciência. Tratava-seda primeira geração de adolescentes nor-te-americanos privilegiados... A figura doadolescente que de tal modo emergia eraassociada, sobretudo, à vida urbana e en-contrava seu habitat na high school � queparecia transformada num cosmos em simesmo � com os clubes, as atividades es-portivas e outras atividades e lugares aces-sórios como a drugstore, o automóvel, obar para jovens�. (...) Uma geração vistacomo problemática, mas, também, comoespelho refletor da sociedade americanado pós-guerra: �muita da insistência sobreos jovens como consumidores � novo e gi-gantesco mercado que se abria à venda deCoca-Cola, goma de mascar, balas, dis-cos, roupas, cosméticos, acessórios paracarros e carros usados � podia ser trans-mitida, apesar dos tons de escândalo, aoprazer secreto de ver confirmada a filosofiado consumo que representava uma bíbliado bem-estar americano�.

Essa transformação do adolescente emfatia privilegiada do mercado consumidorinaugurada nos Estados Unidos, e rapida-mente difundida no mundo capitalista, trou-xe alguns benefícios e novas contradições.Por um lado, a associação entre juventudee consumo favoreceu o florescimento deuma cultura adolescente altamentehedonista. O adolescente das últimas dé-cadas do século XX deixou de ser a criança

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grande, desajeitada e inibida, de pele ruime hábitos anti-sociais, para se transformarno modelo de beleza, liberdade e sen-sualidade para todas as outras faixasetárias. O adolescente pós-moderno des-fruta de todas as liberdades da vida adul-ta, mas é poupado de quase todas asresponsabilidades.

Parece que, ao escrever isso, estou li-mitando o foco dessa análise aos adoles-centes da elite, os únicos que, de fato,podem consumir e desfrutar da condiçãode jovens adultos cujos desejos e capri-chos são sustentados pelos pais. Não é bemassim. Na sociedade pautada pela indús-tria cultural, as identificações se constitu-em através das imagens industrializadas.Poucos são aqueles capazes de consumirtodos os produtos que são oferecidos aoadolescente contemporâneo � mas a ima-gem do adolescente consumidor, difundi-da pela publicidade e pela televisão, ofe-

rece-se à identificação de todas as classessociais. Assim, a cultura da sensualidadeadolescente, da busca de prazeres e novas�sensações�, do desfrute do corpo, da li-berdade, inclui todos os adolescentes. Do�filhinho de papai� ao morador de rua, dojovem subempregado que vive na favelaao estudante universitário do Morumbi (oudo Leblon), do traficante à �patricinha�,todos os adolescentes se identificam com oideal publicitário do adolescente hedonista,belo, livre, sensual. O que favorece, evi-dentemente, um aumento exponencial daviolência entre os que se sentem incluídospela via da imagem, mas excluídos daspossibilidades de consumo. Volto a esseponto mais adiante.

O efeito paradoxal do campo de iden-tificações imaginárias aberto pela culturajovem é que ele convoca pessoas de todasas idades. Quanto mais tempo pudermosnos considerar jovens hoje em dia, melhor.

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Melhor para a indústria de quinquilhariasdescartáveis, melhor para a publicidade �melhor para nós? O fato é, que nas últi-mas décadas, viramos jovens perenes. Porque não? Se no tempo de Nelson Rodriguestodos queriam ser velhos; se cada épocaelege um período da vida para simbolizarseus ideais de perfeição � que lei, moralou natural, deve determinar os critérios dematuração humana, os padrões delongevidade, o limite para o que podemosexigir ou desfrutar de nossos corpos? Seainda não se sabe do que a máquina hu-mana, feita de apetites e de linguagem, écapaz, por que o poder da cultura, do di-nheiro, do cinema e da televisão não po-dem congelar cinco, seis gerações numestado de juventude perpétua? O pontode vista da psicanálise.

Freud escreveu a respeito da adoles-cência muito antes dessa �emancipação�,quando só era possível observar os efeitospatogênicos da moratória sexual. �A meta-

morfose da puberdade� é o último e o maisenxuto de seus três ensaios para uma teo-ria sexual (1905). Como o foco de suaanálise é a sexualidade, Freud privilegiano adolescente o desenvolvimento de umanova finalidade sexual � a genitalidade,em contraste com o polimorfismo que ca-racteriza a sexualidade infantil �concomitante ao amadurecimento dos ór-gãos genitais, que se tornam aptos paraexercer sua função procriativa. O �mani-festo crescimento dos genitais externos�,aliado ao desenvolvimento dos genitaisinternos, culmina na constituição de �umcomplicado aparato que espera sua utili-zação�. As conseqüências dessa espera, àépoca bastante prolongada, foram exami-nadas por ele em textos posteriores, nosquais abordou os efeitos patogênicos dotabu da virgindade ou a relação entre moralsexual e neurose.

O aspecto mais relevante dos três en-saios, no que se refere à adolescência, é a

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intensificação do complexo de Édipo pro-duzida em função do amadurecimento dasexualidade genital. Para Freud, os �res-tos� não resolvidos do complexo de Édipoinfantil, que ficaram como que em repousodurante o período de latência � aproxima-damente entre os sete e os 12, 13 anos �voltam a produzir efeitos perturbadoressobre o psiquismo a partir da puberdade.A �crise da adolescência� é compreendi-da, na psicanálise, como um retorno dacrise edipiana em proporçõesaumentadas; no adolescen-te, os desejos incestuosos setornam mais ameaçadores,em função da maturidadehormonal/genital, e a riva-l idade edípica com ogenitor do mesmo sexo seintensifica, aliada às mo-ções de liberdade própriasda ambigüidade (não maiscriança/ ainda não adulto)desse período.

Um estudioso contemporâneo da ado-lescência, Jean-Jacques Rassial, escreveque o adolescente se vê, de uma hora paraoutra, �excedido por seu corpo�, sem basede apoio para constituir uma atitude, umapostura, uma �personalidade� que acom-panhem seu crescimento físico. Para isso,ele tenta se valer de objetos-fetiche: o sutiãna menina, o barbeador no menino etc,que sustentem, como apêndices do corpo,o crescimento que ele reivindica. A análisede Rassial nos ajuda a compreender o lu-gar privilegiado do adolescente como con-sumidor, em todas as classes sociais. Ca-ros ou baratos, vendidos em shoppings ouem camelôs, os acessórios compõem amascarada adolescente, funcionando comoobjetos transicionais que ajudam na difíciltarefa de reinscrever esse novo corpo, es-tranho até para o próprio sujeito, nesse lugar

também de transição entre a infância e avida adulta que ele passa a habitar. Emnossas sociedades laicas, em que faltamritos de passagem para sinalizar o ingressona vida adulta, os objetos de consumo eos espaços próprios para freqüentaçãoadolescente � a lanchonete, o baile funk, aboate, os mega shows de rua � substitu-em os ritos característicos das culturas pré-modernas. Os jovens também inventam seuspróprios ritos. Penso que o consumo de

drogas leves, como a maco-nha ou a cerveja, funcionacomo prova ou desafio paradecidir a entrada dos novatosem certos grupos, estabelecen-do a linha não só entre os ca-retas e os entendidos, mas entreos que são vistos como aindacrianças e os que já se consi-deram com um pé na vidaadulta.

Enquanto as sociedadesfundadas na transmissão oral

preservavam, nos ritos iniciáticos, o espa-ço potencial desse não-lugar da adoles-cência, pondo em cena o que aí entra emjogo de �morte� e de �renascimento, as leisescritas, por sua vez, só podem definir limi-tes e rejeitar a dimensão mesma de um fora-de-lugar, de um lugar outro. (...) De certomodo, ao contrário da utopia, o bandoconstitui, na atualidade, um verdadeiro gru-po social de tipo tribal. (...) ...é ponto dereferência, aquém ou além da identidadecivil, de uma outra dimensão do sujeito.�

Rassial relaciona (como Freud, emoutro texto) a proteção oferecida pelo gru-po com os atos de delinqüência bastantefreqüentes entre jovens de todas as classessociais. Mas ele observa também que adelinqüência é tanto patologia de um ououtro sujeito particular quanto �da socie-dade em seu conjunto�. Podemos, por

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A �crise daadolescência� é compre-endida, na psicanálise,como um retorno da

crise edipiana emproporções

aumentadas�

exemplo, entender o aumento da delinqüên-cia juvenil nos nossos dias entre os efeitosdo que venho chamando de �teenagização�da cultura ocidental. O primeiro que meocorre é o seguinte: todo adulto sente umacerta má consciência diante de sua experi-ência de vida. Se a regra é viver com adisponibilidade, a esperança e os anseiosde quem tem 13, 15 ou 17 anos, que fazerda seletividade, da desconfiança e atémesmo da consolidação de um certo perfilexistencial mais definido, inevitáveis paraquem viveu 40 ou 50 anos? O adulto quese espelha em ideais teen se sentedesconfortável ante a responsabilidade detirar suas conclusões sobre a vida e passá-las a seus descendentes. Isso significa quea vaga de �adulto�, na nossa cultura, estádesocupada. Ninguém quer estar �do ladode lá�, o lado careta, do conflito de gera-ções, de modo que o tal conflito, bem oumal, se dissipou. Mães e pais dançam rock,funk e reggae como seus filhos, fazem co-mentários cúmplices sobre sexo e drogas,frequentemente posicionam-se do lado datransgressão nos conflitos com a escola ecom as instituições.

Essa liberdade cobra seu preço emdesamparo: os adolescentes parecem vi-ver num mundo cujas regras são feitas poreles e para eles, já que os próprios pais eeducadores estão comprometidos com umaleveza e uma nonchalance jovem. �Tô nemaí�, diz o refrão de uma cançoneta da modano verão de 2004. Tô nem aí, lê-se estam-pado nas camisetas usadas por mães qua-rentonas e pais bebedores de cerveja, nabeira da praia, vivendo e deixando viverseus rebentos. Poderia ser uma atitude sau-dável se, em vez de tolerância e compre-ensão, não revelasse uma grande omissãoem oferecer parâmetros mínimos para ori-entar o crescimento dos filhos. Não que ospais �de antigamente� soubessem como os

filhos deveriam enfrentar a vida, mas pen-savam que sabiam; e isso era suficientepara delinear um horizonte, constituir umcódigo de referência � ainda que fossepara ser desobedecido. Quando os paisdizem: �Sei lá, cara, faz o que você estivera fim�, a rede de proteção imaginária cons-tituída pelo o que o Outro sabe se desfaz,e a própria experiência perde significação.E, como nenhum lugar de produção dediscurso fica vazio muito tempo sem quealgum aventureiro lance mão, atenção! �o Estado autoritário, puro e simples, podevir fazer as vezes dos adultos que se pre-tendem teen. Nesse caso, em vez da ela-boração da experiência, teremos �razõesde Estado� (ou pior, razões do Banco Mun-dial) ditando o que fazer de nossas vidas.

A desvalorização da experiência esva-zia o sentido da vida. Não falo da experi-ência como argumento de autoridade ��eu sei porque vivi�. Sobretudo numa cul-tura plástica e veloz como a contemporâ-nea, pouco podemos ensinar aos outrospartindo da nossa experiência. No máxi-mo, que a alteridade existe. Mas a experi-ência, assim como a memória, produz con-sistência subjetiva. Eu sou o que vivi. Des-cartado o passado, em nome de uma eter-na juventude, produz-se um vazio difícil desuportar.

Parece contraditório supor que umacultura teen possa ser depressiva, sobretu-do quando se aposta no império das sen-sações � adrenalina, orgasmo, cocaína� para agitar a moçada. Mas é o que setem observado, pelo menos entre os jovensde classe média, que recebo no consultó-rio. Depressão e, o que é mais preocupante,crises fóbicas � que a psiquiatria contem-porânea batizou de pânico para transfor-mar a angústia em sintoma medicável.

Pânico: entrar no mundo adulto semauxílio dos adultos, que querem todos per-

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tencer ao mundo jovem. Sem modelosidentificatórios. Pânico: entrar na adoles-cência e ter que responder ao imperativodo gozo que a cultura lança sobre essafaixa etária. Paranóias: jovens que se recu-sam a sair do quarto, medo das ruas, an-gústia braba.

A cultura daA cultura daA cultura daA cultura daA cultura damalandragemmalandragemmalandragemmalandragemmalandragemadolescenteadolescenteadolescenteadolescenteadolescente

�Problemas com a esco-la eu tenho mil, mil fitas/ éinacreditável, mas seu filhome imita./ No meio de vocêsele é o mais esperto/ gingae fala gíria � gíria não, dia-leto! (....) Esse não é maisseu, tomei, cê nem viu/ en-trei pelo seu rádio,fiuuu...subiu!� No tomprovocativo de sempre ecom grande talento de poe-ta, Mano Brown lançou seu desafio àque-les que ele chama de �senhores de enge-nho� no CD dos Racionais, Vida Louca, de2002: pelas ondas livres do rádio, o rappernegro da periferia �rouba� a identidade dofilho da burguesia branca. Alguma coisamudou na atitude de Brown e seus manosdepois de Sobrevivendo no inferno, ondeeles demarcavam o território do rap exclu-indo os �filhinhos de papai� que se faziampassar por malandros escutando os Racio-nais MCs no rádio do carro. Em 2002, osmúsicos mais populares do hip hop paulistaentenderam que a potência de seu �rhythmand poetry� ultrapassa barreira de classe ede raça. Ninguém consegue impedir queos jovens do Jardim América se identifiquemcom o discurso produzido pelos morado-res do Jardim Ângela.

Alguns pais se preocupam � não sei

se deveriam. Cada vez mais, os adoles-centes adotam as roupas, a gíria (�gíria não,dialeto!�), a música, a estética da favela.Uma amiga me conta que os amigos dofilho tomaram os personagens do filme�Cidade de Deus� como ídolos. O espan-toso é que os garotos não têm idade paraassistir ao filme; identificaram-se com arepresentação da representação: o carismados personagens é transmitido pelos clipsde divulgação na TV ou em conversas com

amigos mais velhos. Outroconhecido, morador doPacaembu, diz que o filho de15 anos superou uma crise deinsegurança e ansiedadequando começou a freqüentaro setor mais barra pesada daquadra dos Gaviões da Fiel,tentando confundir-se com ostorcedores da periferia. Umcolega de minha filha fez ami-zade com os garotos da fave-la vizinha à sua casa e sai to-

das as noites para grafitar muros e fumarcom eles.

Pode ser uma estratégia de proteção.Para um adolescente em idade de come-çar a sair sozinho pelas ruas � felizmente,nem todos se conformam com a vidinhaclaustrofóbica de shopping center, moto-rista e DVD �, é mais seguro ser confundi-do com um �mano� do que com um�playboy�. Alguns fazem pose de bandi-dos: �É melhor ser amigo dos caras do quepassar pelo otário que eles vão assaltar�.Uma das polarizações que nossa socieda-de violenta e competitiva criou não é entrericos e pobres, brancos e negros: é entreespertos e otários. Claro que, para o garotode classe média, posar de �esperto� nãogarante muita coisa: os �enquadres� dapolícia podem oferecer tanto perigo quantoos eventuais encontros com um assaltante.

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�Para umadolescente

em idade de começar asair sozinho pelas ruas (...)

é mais seguro serconfundido com um

�mano� do quecom um

�playboy��.

Mas não é só de proteção que se tra-ta. Os adolescentes não estão tentandoenganar os bandidos: estão se identifican-do, de fato, não necessariamente com oscriminosos mas com os marginalizados, osmeninos e meninas da periferia e das fave-las. Identificam-se com a cultura hip hop:rap, skate, grafite, �bombeta e moleton�.Há um aspecto político nessa atitude, éclaro. Cresce entre os adolescentes umarecusa dos padrões consumistas predomi-nantes em sua classe social e uma buscade �autenticidade�, de valores que façammais sentido no mundo injusto em que vi-vem. Verdade que é uma recusa ingênua,pois também passa pelo consumo: trata-se de comprar outras roupas, outros CDs,freqüentar outras casas noturnas. Mas comotoda estética comporta uma ética, a esco-lha do modelo da periferia faz alguma di-ferença. É como se só fosse possível en-contrar alternativas para a falta de sentidoda vida pautada pelo consumo identifican-do-se com aqueles que não têm recursospara consumir.

Vejo também um movimento deexogamia, de saída do círculo protegidoda família para o vasto mundo � e o mun-do fora da família, hoje, tem sido insisten-temente apresentado à criança e ao jovemcomo o mundo do perigo. Só que não épossível viver indefinidamente protegidosdo mundo. Vamos a ele, então. Sejamosperigosos.

Nada disso é muito grave. É preferí-vel, para a formação moral de um adoles-cente, que ele veja o mundo como umaselva a desbravar do que como uma vitrinede butique. O que é preocupante, a meuver, não é a identificação dos meninos daelite com a estética dos excluídos, mas aidentificação com a violência. Opreocupante é quando a curiosidade e aousadia em romper com o circuito estreito

da vida burguesa desembocam na identifi-cação com a estética da criminalidade. Quenão é exatamente a linguagem dos crimi-nosos � esta, só conhecemos de fato quan-do estamos na posição de vítimas. O �es-tilo� da vida bandida que os adolescen-tes tentam imitar é a linguagem elabora-da e estetizada pelo cinema, pelo rap,pela televisão.

O fenômeno das identificações dos�incluídos� com os marginais revela umefeito inesperado da nova onda de filmesque tentam dar visibilidade aos excluídos.São muitos. Evoco rapidamente: �O inva-sor�, �Uma onda no ar�, �Ônibus 174�,�Cidade de Deus�, �Carandiru� e outros,só do ano de 2003 para cá. É que vivemosem uma cultura em que o espetáculo ditaas normas de cidadania, organiza as rela-ções sociais, estabelece valores, formataas identificações. Os filmes que denunci-am a miséria, a criminalidade e a violên-cia policial são presas dessa contradição:ao tentar mostrar aquilo que a sociedadepreferia ignorar, estão necessariamenteespetacularizando o mal.

Será inevitável que todas as tentativasde denunciar a violência pela via do ima-ginário cinematográfico (ou televisivo) aca-bem produzindo a identificação do públi-co com o próprio mal que se pretende con-testar? Por que a realidade do crime,transformada em espetáculo, parece criaruma aura positiva em torno da imagem docriminoso? Qual será o carisma do perso-nagem Zé Pequeno, traficante psicopata deCidade de Deus, que faz com que um gru-po de pré-adolescentes o eleja como sím-bolo da força, da ousadia e da radicalidadeque eles desejam para si?

É verdade que a violência confere po-der, ainda que ilegítimo, a quem faz usodela. Impotentes diante do caos social,adolescentes flertam com a fantasia de se

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tornar tão violentos (ou poderosos) quantoos bandidos que os intimidam.

Por outro lado, há um efeitoidentificatório que é próprio da lógica doespetáculo. A espetacularização do crime,independente das intenções do autor ou docineasta, faz do criminoso o símbolo dapotência que a imagem lhe confere. Potên-cia de visibilidade. Potência de ser. É ne-cessário construir uma nova ética da ima-gem para dar conta dessa contradição.

A cultura daA cultura daA cultura daA cultura daA cultura damalandragemmalandragemmalandragemmalandragemmalandragem

entre os adultosentre os adultosentre os adultosentre os adultosentre os adultos

Os pais das famílias declasse média andam preocu-pados com a falta de ética naconduta dos adolescentes. Te-mem as más influências dos�maloqueiros� do bairro �mas não percebem que os pi-ores exemplos deirresponsabilidade e falta deeducação provêm da própria elite nacio-nal, acostumada a conviver com uma sériede práticas ilegais, de maior ou menor gra-vidade. Uma parte da classe dirigente bra-sileira considera que a lei só serve paraenquadrar os outros. A lei é para os ma-nés. Os espertos e os privilegiados sabemcomo se colocar acima ou à margem dela.�Quem tem trinta contos de réis no Brasilnão vai para a cadeia�, dizia Lampião.

Os adolescentes ricos convivem comessa criminalidade soft dentro, ou perto,de suas próprias casas. É o pai que oferececaixinha ao guarda para escapar a umamulta por excesso de velocidade, ou vai àescola pedir a cabeça do professor quereprovou, por razões justas, seu filho. Ospais que se apavoram quando um filhocomeça a fazer amizade com os favelados

da vizinhança são os mesmos que contra-tam e demitem empregados sem pagardireitos trabalhistas e oferecem suborno aosfiscais da receita que descobrem as irregu-laridades de suas empresas.

São mães que se consideram no direi-to de estacionar em fila dupla na porta daescola atrapalhando o trânsito, como se arua fosse sua propriedade privada. Ou jo-gam latas de refrigerante e embalagens decomida pela janela do carro, como se acidade, onde caminham os �outros�, fosse

sua lata de lixo. Esses paisestão ensinando a seus filhosque o dinheiro compra até oque não tem preço: a vergo-nha, a educação, a lei.

Uma vez, esperava ummanobrista trazer o meu car-ro, na saída de uma casa deespetáculos. De repente, umsenhor furou a fila, tirou omanobrista de dentro do meucarro gritando que ele deve-ria pegar, com urgência, o

seu Porsche. �O senhor tem um Porsche,mas não tem educação?�, perguntei. Ima-ginem se ele se incomodou. Pela sua lógi-ca, quem pode pagar um carro importadopode dispensar as normas de bom conví-vio com os seus semelhantes. �Se eu pago,eu posso�, diz o pai de família burguêsaos seus rebentos, sem imaginar que é poresse caminho que sua autoridade vai sedesmoralizando até o ponto dele perder orespeito dos filhos. De um modo ou deoutro, os adolescentes lhes respondem: sevocê quer que eu te obedeça, me pague.

A convivência com a criminalidade dosmarginais e dos miseráveis acovarda ecorrompe os adolescentes, principalmentequando estes perdem a confiança na Justi-ça e na polícia que deveria proteger a so-ciedade toda. Mas a convivência com o

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�Uma parte daclasse dirigentebrasileira consi-dera que a leisó serve paraenquadrar os

outros.�

cinismo e com a ilegalidade das práticas daelite corrompe e educa para o crime boa partedas novas gerações, de maneira muito maisprofunda e mais eficiente.

Se, para os meninos, a saída do pânicopode ser a identificação com o marginal queo ameaça, para as meninas, é a gravidez.Sinal, no corpo, que dá conta do imperativode gozo e, ao mesmo tempo, apresenta umforte argumento para parar de gozar.

Meninas e mãesMeninas e mãesMeninas e mãesMeninas e mãesMeninas e mães

Se os meninos andam se fantasiandode bandidos para dar conta do mundoameaçador que os espera e do imperativode gozo que pesa sobre elas, as meninasdo novo milênio estão virando mães cadavez mais cedo. Como as mulheres de tri-bos indígenas, ou como nossas bisavós �só que em outro contexto cultural �, elasestão engravidando aos 13, 14 anos.Quase imediatamente depois de começa-rem � não sei se precocemente ou não,pois isso também depende da cultura � ater experiências sexuais.

As mães dessas adolescentes perten-cem a uma geração que derrubou algunstabus, tanto no que se refere à virgindadedas mulheres quanto ao aborto, como so-lução considerada legítima para os casosde gravidez indesejada. Hoje, o abortoparece ter retomado o estigma da maldi-ção que a Igreja e os conservadores lança-ram sobre ele. As meninas grávidas ficammais horrorizadas que seus pais ante aperspectiva de abortar. A afirmativa �queroter o meu filho� já aparece pronta, semcontestação, tão logo a gravidez se confir-ma. A maternidade volta a ter prestígio nageração pós-feminismo.

Só que, ao contrário de nossas bisa-vós, ou das jovens mães indígenas, pou-cas das meninas-mães de hoje estão em

condições de criar seus filhos como adul-tas. Quando têm a sorte de contar com oapoio familiar, continuam vivendo na casados pais, cuidando de seus bebês comomeninas crescidas que ainda brincam debonecas, enquanto pai e mãe providenci-am seu sustento.

As adolescentes grávidas são presasda contradição que atinge todos os ado-lescentes na atualidade: o descompassoentre uma vida sexual �adulta�, que acom-panha as condições da maturação bioló-gica, e o lugar social de dependência emrelação à família que lhe confere uma con-dição infantil. A liberação dos costumesbeneficiou o adolescente com uma grandeliberdade sexual, na mesma cultura em quemeninos e meninas de 17, 18 anos sãoconsiderados como pouco mais do quecrianças. Vivem com a família e, quandotêm sorte, estudam, dependendo exclusi-vamente do trabalho dos adultos. As restri-ções crescentes do mercado de trabalhovão empurrando o final da adolescênciapara cada vez mais longe; nas classesmédia e alta, a perspectiva é de continuaros estudos bem além da graduação, pro-longando, com isso, a dependência finan-ceira. Mas, apesar de todos os inconveni-entes práticos que uma gestação na ado-lescência implica, há uma espécie de acei-tação prévia da maternidade, que se er-gue como valor incontestável acima dospercalços que acarreta. Espera-se que,desse �acidente�, decorra um novo sentidopara a vida da menina. Que representeuma reviravolta positiva, ocasião para seuamadurecimento. Espera-se que a mater-nidade dê um jeito na vida da adolescentetransgressora.

Até poucas décadas atrás, a gravidezna adolescência era uma catástrofe ou umavergonha na família. A virgindade valori-zava as moças em idade de casar e a gra-

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videz precoce indicava algo de podre nafamília, incapaz de transmitir a uma dasfilhas o código da moral burguesa que lhegarantiria um casamento digno, no futuro.A possibilidade de um �com casamento�comprometeria a possibilidade de sucessoem eventuais projetos profissionais. Atémesmo para o pai da criança, caso se apre-sentasse como co-responsável, o incidentetraria o inconveniente de um casamentoantes da hora, encerrando precocementeuma fase que não era só de estudos e for-mação profissional, mas também de direi-to a diversão irresponsável, que, até en-tão, estava reservada aos adolescentes dosexo masculino.

O que significa essa valorização dagravidez e maternidade precoces, na mes-ma cultura que encara a adolescênciacomo a fase áurea da vida, a ser desfruta-da com mais liberdade que a dos adultose com a mesma irresponsabilidade da in-

fância? Como entender essa avaliação oti-mista, promissora da maternidade adoles-cente na mesma cultura que projeta sobreessa fase da vida os sonhos de impuni-dade, liberdade, falta de limites e o di-reito ao supremo individualismo, fazen-do da adolescência o ideal de adultos,velhos e crianças?

Maria Rita Kehl é doutora em psicaná-lise pelo Departamento de Psicologia

Clínica da PUC de São Paulo. Conferencis-ta, ensaísta e poeta. Desde 1974, publica

artigos na imprensa sobre cultura, compor-tamento, literatura, cinema, televisão

e psicanálise.

Esse artigo foi originalmente publicado em�Juventude e Sociedade: Trabalho, educação, cultura e

participação�, compilação de artigos organizada porRegina Novaes e Paulo Vannuchi.

Editora Perseu Abramo (2004).

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Os recursos naturais do planeta e ajuventude dos países são mensagens dofuturo para a minha geração. São tambémdesafios éticos, porque esperam de nós ocuidado presente com as condições natu-rais e sociais que eles herdarão de nossasmãos nesse futuro.

Duas preocupações são fundamentaisna construção desse legado: o respeito aosrecursos naturais do planeta e o esforçopara preparar os que nos sucederão paraque eles também tenham e exerçam a éti-ca dos guardiões em relação ao futuroque é deles. Essa é a lealdade com a ca-deia da vida.

Há, na tradição judaico-cristã, um re-lato sobre um dos patriarcas, chamadoAbraão, que é, para mim, o exemplo maisacabado dessa lealdade. Aos cem anos deidade, Abraão plantou um bosque na lo-

Juventude e meio ambienteMARINA SILVA

calidade Berseba. Não havia mais chancede que ele pudesse usufruir sequer da som-bra de pequenos arbustos, quanto maisexplorar economicamente a madeira oucolher frutos de árvores adultas. Era ape-nas um gesto de amor e confiança em dire-ção aos que viriam a seguir e encontrari-am ali seu tributo ao futuro, materializadoem um bosque. Era também um gestoexemplar que atravessaria milênios parainspirar-nos, nos dias atuais, à prática degestos que não nos beneficiam diretamen-te como indivíduos, mas fazem um enormebem a nossa espécie em sua trajetória decivilização humana.

A juventude, como herdeira, tem po-tenciais maravilhosos e cabe a nós, adul-tos na administração do planeta, a ajudara torná-los realidade. Ela ainda não estácomprometida com certos paradigmas per-

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versos em relação ao uso de recursos na-turais e às respectivas visões sobre o de-senvolvimento das comunidades humanas.Seu olhar, movido pelo anseio da desco-berta, busca as oportunidades para criar,refazer, repensar e adotar rumos novos. Ajuventude lança-se a essa tarefa com ge-nerosidade, entusiasmo e a energia neces-sários ao enfrentamento das resistências einteresses calcificados dos que não têmcompromisso com o amanhã. Podemosdizer que, por isso, são osherdeiros ideais.

A ameaça à biodiver-sidade, a degradação dosolo, a poluição atmosféricae a contaminação das águasnão são uma herança que seentregue aos jovens. Aindamais porque existem agra-vantes do quadro como a ex-clusão social e a má distri-buição de renda. Um qua-dro de dor do planeta e dospobres, resultante da forma como os sereshumanos usam o meio ambiente e estabe-lecem suas relações sociais.

Preparar a juventude para herdar é,desde já, promover ocasiões para que elaparticipe dos processos que tratam de seusinteresses. Desde 2003, o Ministério doMeio Ambiente estimula a participação dajuventude em todos os seus programas,além de ter iniciativas no formato de par-ceria e apoiar projetos desenvolvidos porinstituições de jovens. A iniciativa mais vi-sível dessa preocupação do MMA e commaior carga simbólica é, sem dúvida, aConferência Nacional Infanto-Juvenil peloMeio Ambiente (CNIJMA), que já teve duasedições de 2003 para cá.

Realizada em parceria com o Ministé-rio da Educação, por intermédio do ÓrgãoGestor da Política Nacional de Educação

Ambiental, a CNIJMA já promoveu a parti-cipação de 6 milhões de estudantes, distri-buídos em 16 mil escolas, em sua primei-ra edição, e 3,8 milhões, em 11,4 mil es-colas, na segunda. Jovens indígenas,quilombolas e membros de movimentossociais também estiveram presentes nosdebates dos temas ambientais que maispreocupam a juventude brasileira.

Em ambas as ocasiões os jovens de-bateram temas relevantes para as suas co-

munidades e também para asociedade nacional e finaliza-ram a segunda edição da Con-ferência, ocorrida em 2006,entregando ao presidente daRepública a sua �Carta de Res-ponsabilidades�, em que, des-de já, assumem compromissospróprios em relação ao mo-mento presente e ao futuro doPaís.

Fundamental para a rea-lização dessas conferências foi

o movimento de juventude pelo meio am-biente. Apoiado pelo Órgão Gestor daEducação Ambiental no país, o movimentoorganizou-se na Rede da Juventude peloMeio Ambiente e Sustentabilidade (Rejuma)e nos Coletivos Jovens de Meio Ambiente(CJ), articulando os jovens de todo o Brasil.

Além da conferência, o MMA e o MECvêm desenvolvendo programas, projetos eações que contribuem para promover aparticipação efetiva da juventude na for-mulação de políticas públicas para elamesma.

Todo o movimento daí gerado permi-tiu a elaboração do Programa Juventude eMeio Ambiente, que desde 2005 tem pro-curado estimular e ampliar o debate e aação socioambiental desse segmento dapopulação brasileira. Esse programa foielaborado a partir de uma pesquisa reali-

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Preparar ajuventude para herdar

é, desde já,promover ocasiões

para que elaparticipe dos

processos que tratamde seus

interesses

zada em 2004 e 2005, com mais de 150integrantes dos Coletivos Jovens de MeioAmbiente (CJs) de todo o país.

O Programa Juventude e Meio Ambi-ente tem o objetivo de enfrentar os princi-pais desafios identificados pela pesquisa,não de modo centralizado, mas em umprocesso de parceria entre o governo fede-ral, por meio do Órgão Gestor, e os Cole-tivos Jovens de Meio Ambiente.

Seus objetivos são contribuir para for-talecer organizações e movimentos de ju-ventude e as pessoas que deles participam,ou queiram participar, com especial aten-ção para os coletivos e seus processos deeducação ambiental. Também pretendemaprofundar o debate socioambiental comfoco em políticas públicas, propiciando aformação de jovens e o fortalecimento dosseus espaços de atuação, além de ampliaro surgimento de lideranças ambientalistas.Informações sobre o programa podem serobtidas em documentos disponíveis no sí-tio www.pjma.cjb.net

A participação da juventude na cons-trução de um projeto de nação, cuja pers-pectiva é de cidadania e sustentabilidade,parte da ação local, da união na busca darealização de seus sonhos coletivos e tor-na-se realidade, por meio da atuação emprocessos de enfrentamento das questõespúblicas.

A promoção de espaços e condiçõesde encontros e diálogos sobre motivações,desejos, sonhos e expectativas contribuipara a construção de um projeto de Brasil.A despeito de todo o tipo de alienação,pode-se sentir a resistência emergente deum espírito gregário, solidário, de união ecomunhão em torno de sentidos comuns.

Os questionamentos e a inquietaçãotípicos dessa faixa etária, em relação a for-mas de se relacionar com a realidade, avida, o meio ambiente, os seres, as utopi-

as, as necessidades materiais e simbóli-cas, os padrões de produção e consumo,com lazer e com a espiritualidadecorrespondem às reflexões e ações rumo amudanças culturais para a construção desociedades sustentáveis. Essesquestionamentos também estão relaciona-dos à superação das injustiças sociais, daapropriação da natureza e da humanida-de pelo capital, da desigualdade social,da privatização de benefícios/lucros emcontraponto à socialização dos custos/mazelas.

A identificação da juventude com aquestão ambiental oferece uma permanentepossibilidade de renovação das suas idéi-as, principalmente da capacidade de in-dignação com o que oprime e cerceia opleno desenvolvimento do ser humano.

Considerando tudo isso, é preciso to-mar medidas para repor as coisas no rumoético que falei no início deste artigo. Assimtem sido feito o que me cabe nesse esfor-ço, que deve ser da mesma dimensão quetem a existência da vida na terra. Onde al-guém ou algo respirar, deve poder fazê-loem condições dignas e seguras, com ga-rantia de perenidade. Onde uma florestaexistir, deve estar protegida para prestar seusserviços ambientais, benefícios econômicose trazer à vida seus frutos. Onde um fio deágua correr, deve ser sem ameaças de po-luição ou obstrução. Onde uma mãe �humana ou animal � estiver criando seusfilhos, deve haver paz para o seu exercíciode amor. Esse é o legado legítimo para asgerações futuras, a começar da juventudeque convive conosco agora.

Marina Silvaé ministra do Meio Ambiente

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A empregabilidadedesafiada.

Comentários sobreo desemprego juvenil

Perto está o deus e difícil é captá-lo.Mas onde existe perigo cresce

o que nos salva.Friedrich Hölderlin

A situação laboral dosA situação laboral dosA situação laboral dosA situação laboral dosA situação laboral dosjovens na América Latinajovens na América Latinajovens na América Latinajovens na América Latinajovens na América Latina

O último informe da OIT sobre ten-dências do emprego mundial indica que,com relação à taxa de desocupação, de-pois de dois anos sucessivos de diminui-ção, esta se manteve em 6,3% como em2004, quando alcançou um aumento re-lativo em relação a 2003. Em númerosabsolutos, verificaram-se, em 2005, pe-quenos aumentos com relação ao ano an-

MIGUEL ABAD

terior na quantidade de pessoas maioresde 15 anos empregadas e desemprega-das, mantendo nesta última a mesma ten-dência de aumento verificada desde 1993.A População Economicamente Ativa (PEA)� pessoas maiores de 15 anos emprega-das e/ou a disponíveis para aceitar umemprego �, foi reduzida a 1.4% entre1995 e 2005, e atualmente está em61.4%, índice mais baixo em 10 anos.

Um fator importante dessa diminuiçãofoi o descenso contínuo da taxa de partici-pação juvenil na PEA (as pessoas com ida-des de 15 a 24 anos), que passou de 51,7%em 1995 a 46,7% em 2005, seja devidoa um aumento da permanência dentro dossistemas educativos ou por que abando-

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naram a busca ativa de emprego. Mesmoassim, em 2005 quase a metade das pes-soas desempregadas � 89 milhões de191.8 milhões de pessoas �, são jovens,enquanto sua participação como grupo deidade na PEA não chega a 25%. Assim,enquanto a quantidade de pessoas na PEAmundial aumentou 16,8% entre 1995 e2005, a quantidade de jovens apenasconseguiu aumento de 4% durante omesmo período, o que supõe uma pro-babilidade de desemprego três vezesmaior para uma pessoa jovem que parauma adulta (ILO, 2006).

A tudo isso se deve somar a desvanta-gem relativa dos jovens nas economias emdesenvolvimento, em que correspondem auma maior proporção da PEA que nas eco-nomias desenvolvidas (21,8% diante de14%, respectivamente, em 2003), e estãocolocados diante de condições estruturaismais desfavoráveis comparativamente.Nesses países, a probabilidade de um jo-vem não ter trabalho é 3,8 vezes maiorque um adulto, enquanto, que nas econo-mias industrializadas, os jovens têm 2,3vezes mais possibilidade de estarem de-sempregados (BIRD, 2007; OIT, 2004).

Entretanto, além da questão do desem-prego, a vulnerabilidade comparativa dosjovens com relação aos trabalhadores adul-tos, tanto nos países industrializados quantonas economias em desenvolvimento, influina má qualidade dos empregos a que as-cendem, seja em relação a uma maior ex-posição a fatores de insalubridade, horári-os mais prolongados, contratos informaisou de curta duração, baixas remunerações,e/ou pouca proteção social:

�Jamais houve tantos jovens em situa-ção de pobreza ou subemprego. Entornode 106 milhões de jovens trabalham, masvivem em lares onde a renda é inferior aoequivalente a um dólar americano ao dia.

Além disso, milhares de jovens encontram-se envolvidos em empregos temporários,de tempo parcial involuntário ou em traba-lhos eventuais que oferecem poucas alter-nativas de formação e promoção.� 1.

Situações desse tipo vem sendo umainfluência determinante nas economias dospaises em desenvolvimento, onde �o cres-cimento [do emprego] concentra-se funda-mentalmente nas atividades por conta pró-pria e em microestabelecimentos� (Tokman,1997). É ilustrativo o caso da América La-tina e do Caribe, onde 2/3 dos novos pos-tos de trabalho criados nos últimos 10 anosforam no setor informal e a diminuição doapoio público e familiar aos ingressos noemprego juvenil, tem relação com o fatode que quase todos os postos de trabalhorecém criados ocupados por jovens estãona economia informal (OIT, 2005) 2. Aomesmo tempo, a América Latina registrouo maior aumento no desemprego em 2005,que somou 1,3 milhões ao número de pes-soas desocupadas em 2004, elevando ataxa TD a 0,3% para chegar ao total de7,7% (OIT, 2006).

No caso dos jovens, se em 2003 ha-via 13,1% mais de jovens que 1993, aporcentagem de jovens com emprego ape-nas cresceu em 2,8%, em contraste com oresto do mundo, que durante o mesmoperíodo aumentou sua população jovemem 10,5%, enquanto os jovens com em-prego chegaram a 0,2% (OIT, 2004). Es-ses dados parecem reforçar o maior dina-mismo na geração de empregos para jo-vens, que se daria por meio de postos detrabalho em setores com baixa produtivi-dade, instáveis e carentes de segurança eproteção social. Ao mesmo tempo, essespostos de trabalho se convertem na únicaou principal via de acesso a habilidades eaprendizagem necessárias para o mundodo trabalho, o que afeta as condições de

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sua empregabilidade futura em função daperda de qualificações e certificados, prin-cipalmente quando associados à baixaescolaridade e condição familiar.

Essa situação parece levar às conclu-sões gerais do informativo da CEPAL sobrea juventude na América Latina, Espanha ePortugal, que mostram como nos últimos10 anos, a situação laboral dos jovens la-tino-americanos caracteriza-se pelo aumen-to do desemprego, da concentração cres-cente do emprego nos setores de baixa pro-dutividade e da queda dos ingressoslaborais médios que os jovens têm acesso(Hopenhayn, 2004).

Tais transformações do trabalho, lon-ge de ser uma exceção, representam paraos jovens uma realidade que começa aafetar também os trabalhadores adultos.

Talvez em vez de continuar pensando odesemprego juvenil em termos de ocupa-ção/desocupação, seja preciso admitir aheterogeneidade do mercado de trabalho,a indeterminação de sua fronteira e a di-versidade das transições que conformamas trajetórias instáveis dos jovens no mer-cado de trabalho, reforçado pela existên-cia de �zonas gris� entre o emprego, a ina-tividade e o desemprego juvenil.

PPPPPolíticas de empregoolíticas de empregoolíticas de empregoolíticas de empregoolíticas de empregoou de empregabilidade?ou de empregabilidade?ou de empregabilidade?ou de empregabilidade?ou de empregabilidade?

A situação apresentada contrasta deforma surpreendente com a hipótese oti-mista colocada nos princípios da décadade 1990 em relação a uma tendência po-sitiva para o emprego juvenil na região

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enquanto se dava continuidade ao ajusteestrutural da economia latino-americana dadécada passada com uma segunda gera-ção de reformas destinadas a remover asbarreiras institucionais que existiam atéentão e que obstruíam a inserção laboraldos jovens nas décadas passadas. Esse fatofacilitaria assim o aproveitamento das opor-tunidades abertas pela liberação emundialização dos mercados de bens efatores de produção (incluindo o trabalho).

Diante dessas premissas e sustentadaspor uma duvidosa seleção de cifras e ex-periências avaliadas inconsistentemente, aspropostas dos organismos de cooperaçãomultilateral e suas equipes de consultoresdestacaram em seus informes as seguintesrecomendações gerais para melhorar a in-serção laboral dos jovens na região:

! Os jovens como atores estratégi-cos do desenvolvimento, a partir da con-corrência de fatores �internos�, intrínse-cos a uma natureza juvenil, e outros �ex-ternos�, atribuíveis ao modelo atual dedesenvolvimento, as novas tecnologias deinformação e comunicação, e as tendên-

cias demográficas; 3

! Traçar políticas públicas específicasde emprego juvenil segundo estratégias queestejam centradas nos grupos vulneráveisdevido à pobreza;

! A necessidade de melhorar o im-pacto das políticas sociais direcionadas paraos jovens a partir da aplicação de soluçõestécnicas relacionadas à gestão com a pre-missa de racionalização do Gasto PúblicoSocial (GPS) mediante:

a) Implementação da desconcentraçãoe descentralização de funções até atingirníveis municipais e a �sociedade civil�;

b) Introdução paulatina de mecanis-mos de mercado nos serviços sociais deformação profissional;

c) Promoção de focos que incentivema busca de emprego, que condicionem re-cursos para a capacitação para a inserçãolaboral;

! Em um nível político, controlar os in-teresses de associativistas dos trabalhadoresadultos apontando uma perspectivageracional nas políticas de emprego juvenil;

! Na linha das ações, priorizar o apoio

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à transição a vida adulta dos jovens medi-ante a criação de ingressos a partir damelhoria da empregabilidade.

As políticas de apoio ao emprego ju-venil resultam assim em políticas de pro-moção da empregabilidade dos jovens, ouseja, assumem que o desemprego juvenilé de caráter estrutural entendendo por issoque suas origens sociais são uma combi-nação de decisões individuais ruins e defi-ciências institucionais.

O foco dos programas� dirigidos aos jovens em si-tuação de exclusão � é justi-ficado por meio da análiseque se faz da pobreza comoresultado de um baixo inves-timento de capital humanoque produz um bloco de tiposociocultural nas populaçõesvulneráveis. As políticas deempregabilidade, antes deproteger os jovens mais vul-neráveis (jovens pobres, mu-lheres e adolescentes que não estudam nemtrabalham) das flutuações da demanda detrabalho, atuam sobre a oferta procurandocorrigir os desequilíbrios e imperfeições domercado mediante estratégias deintermediação laboral, a formação em com-petências sociais, a reescolarização e asmedidas para flexibilizar sua contratação.

No que diz respeito ao desenhoinstitucional, as políticas deempregabilidade estão subordinadas aos�sinais do mercado�, que definem os re-querimentos e competências e os conteú-dos das qualificações implementadas, aomesmo tempo em que se busca a maisampla e eficiente coordenação publica-pri-vada, em que o Estado central assume afunção de condução, administração e ava-liação dos programas, delegando sua exe-cução aos níveis municipais e aos prove-

dores privados locais dos serviços, de acor-do com um esquema de competências esubsídio da demanda dos serviços.

Essas políticas de emprego juvenil sãoelaboradas a partir de enfoques dos orga-nismos de cooperação internacional dospaises centrais e da bancada multilateral,como orientação a tese de garantir �o in-gresso de toda a população, mas não de-pendendo do pleno emprego � que já nãoé possível � mas sim de seu empre-

gabilidade� 4. Como se vê,essa idéia contrasta com aspolíticas de trabalho anterio-res, os programas deempregabilidade juvenil con-tinuem uma política restritivade intervenção sobre o merca-do de trabalho, que se sobre-põe às políticas de luta contraa pobreza: a vulnerabilidadedos jovens que necessitam dequalificações adequadas de-mandadas pelos empregado-

res, recebem uma ajuda financeira que de-manda uma contrapartida: a obrigação detrabalhar ou, mais amplamente, de parti-cipar em programas que preparam para oemprego. Mantem-se assim a visão domi-nante da �política de emprego� norte-ame-ricana (Perez, 1998; Morel, 1998), guiadapela teoria do capital humano, que,centrada no individuo, em suas aptidões ecomportamentos, oculta qualquer reflexãosobre as dinâmicas econômicas e sociaisde criação e eliminação de empregos.

Por outro lado, sem questionar as li-mitações de sua inserção e a pouca efici-ência administrativa dos recursos,5 mais dedez anos de políticas e programas de em-prego juvenil acabaram por colocar emevidência três rompimentos fundamentais:i) que a educação tanto formal quanto com-pensatória, não melhora os índices de ocu-

63

As políticas deempregabilidade,

antes de proteger osjovens mais

vulneráveis (...)atuam sobre a oferta,procurando corrigir os

desequilíbrios eimperfeições

do mercado...

pação dos jovens; ii) que ter um empregonão é garantia de ingresso satisfatório paraas novas gerações; iii) que nem o cresci-mento econômico nem a estabilidademacroeconômica geram postos de traba-lho para os jovens e nem mesmo para osadultos. (Abad, 2005).

Entretanto, as estratégias para geraremprego juvenil, especialmente as que es-timulam diretamente o setor privado paraa contratação de jovens combinandocapacitação subsidiada pelo Estado, be-nefícios tributários e a flexibilização laboral,reforçaram os componentes de uma rela-ção salarial cada vez mais insegura, hete-rogênea e fragmentada, conseguindo dis-solver o desemprego em uma hiper-mobi-lidade laboral a partir das categorias desubemprego, �produção flexível�, workingpoors, trabalho voluntário, trabalho infor-mal, trabalho de tempo parcial, etc. Essesconstituem as modalidades de emprego aque tem acesso os jovens por meio daspolíticas de emprego.

A sobreposição das políticas de lutacontra a pobreza e as políticas de empregosão levadas a cabo com a mesma lógicaassistencialista: a precarização e a depen-dência da situação econômica como modode regulação dos comportamentos indivi-duais, em uma situação em que o contratosocial entre os pobres e o Estado tende aorientar o GPS a partir de novos critérios:

! A redefinição das bases sobre asquais outorgam as prestações sociais, des-montando particularmente as que privile-giam a relação salarial regulada;

! A redução e privatização da cober-tura de segurança social e prestaçõeslaborais, buscando reduzir o custo da for-ça de trabalho;

! O modelo do Workfare no lugar domodelo welfare na luta contra a pobreza ea mudança dos direitos incondicionais para

os direitos condicionados;! O cálculo diferenciado das presta-

ções sociais segundo ingressos tributáriosdo Estado;

! A descentralização da gestão dosgastos sociais, delegando aos municípiosa responsabilidade, onde a relação comos beneficiários e mais fácil de controlar;

! A combinação de estratégias decontrole policial focalizado com programasde inserção condicionada.

Sob esse foco de análise, o persistentefracasso das políticas públicas direcionadasaos jovens, particularmente as de empre-go � que já não existem as políticas deempregabilidade, o que tentamos aquidemonstrar, é uma outra coisa �, é a evi-dencia de que as instituições e políticasorientadas para facilitar as transições à vidaadulta seguem operando sob o pressupos-to de um modelo linear do curso da vida,em que a integração social é equivalente aintegração no mercado de trabalho (duBois-Reymond e López Blasco, 2004).

Porém, considerando a exclusão nãocomo uma situação dada mas como umaconstrução social resultante de um proces-so biográfico estruturalmente determinado,o desemprego dos jovens e suas dificulda-des de inserção laboral representam umacrise mais ampla situada na organizaçãosocial e institucional dos ciclos de vida nasociedade, que tende a concentrar-se nosjovens que provem de famílias com escas-sos recursos, muitas das quais se encon-tram em situação de pobreza, gerando umcírculo vicioso de transmissão da pobrezaentre gerações (Lépore e Schleser, 2005),pois a mobilidade social descendente as-socia-se a rupturas irrecuperáveis nas tra-jetórias de acumulação de competênciasindividuais e coletivas das famílias, umasituação

�� que se estende por mais de uma

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década, já experimentada pelos pais (�) éuma segunda geração com inserção instá-vel. (�) Assim a instabilidade torna-se na-tural a medida que a imagem do trabalhocomo situação estável vai apagando-se daexperiência transmitida por seus pais e ou-tros adultos a sua volta. Os jovens enxer-gam diante deles um horizonte de precari-edade duradoura onde se torna impossívelvislumbrar alguma possibilidade de �car-reira laboral�.� (Kessler, 2002: 142).

Não quero, com isso, dizer que o temado emprego juvenil deva ser abandonado;ao contrário, seguindo essa linha de refle-xão, sendo o emprego uma parte essencialdo destino social da grande maioria dapopulação: existem condições para umapossível luta pelo estabelecimento de �no-vas proteções� das situações laborais, ca-racterizadas pela hiper-mobilidade,heterogeneidade, fragmentação e a flexi-bilidade do mercado de trabalho?

As possibilidades de uma nova em-As possibilidades de uma nova em-As possibilidades de uma nova em-As possibilidades de uma nova em-As possibilidades de uma nova em-preitada da classe trabalhadora napreitada da classe trabalhadora napreitada da classe trabalhadora napreitada da classe trabalhadora napreitada da classe trabalhadora na

América LatinaAmérica LatinaAmérica LatinaAmérica LatinaAmérica Latina

No contexto atual latino-americano derecuperação de níveis de crescimento eco-nômico superiores aos da década passadana região, o mercado de trabalho começaa dinamizar-se. A partir daí, o aumento nataxa de atividade, produto do efeito dapercepção de novas oportunidades deemprego para os desempregados desalen-tados que retornam a busca de emprego.Por outro lado, persistem problemas estru-turais para além do bom desempenho dealguns indicadores, como a taxa de de-semprego, toda vez que o sistemainstitucional e político que respalda o fun-cionamento das relações de produçãoinalterado: mantém-se o ajuste fiscal, oendividamento público, o estancamento dos

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ingressos laborais e as transferências re-gressivas a favor dos grupos mais concen-trados dos poderes econômico e político ea metáfora do �derramamento� do cresci-mento econômico segue operando comonas versões liberais anteriores.

Em uma perspectiva macroeconômica,as maiores economias latino-americanasestão mais bem preparadas para enfrentaras crises externas tato pelo superávit fiscalquanto pela alta cotização doscommoditties pela demanda dos paísesemergentes, particularmente China e Índia,e o bom momento dos países exportadoresde petróleo � sua sustentabilidade segueessencialmente apoiada em fatores vulne-ráveis, como a manutenção de um tipo detroca desvalorizada, os baixos custoslaborais e o congelamento das tarifas, semque se modifiquem substancialmente oselementos que definem sua competitividadesistêmica.

A restrição externa ao crescimento emuma economia fundamentalmente orienta-da para a exportação reflete o sistema depreços que define uma estrutura econômi-ca com produtividades distintas entre dife-rentes setores segundo seus graus de inser-ção internacional, assim como a tensãoentre o tipo de troca e os salários pagos,o que impõe limites às políticas de distri-buição de ingressos mediante aumento dastaxas de ocupação formal e incrementode salários.

Nesse cenário, se coloca em questãoos limites de crescimento econômico paragerar em quantidade e qualidade os pos-tos de trabalho que demanda uma popu-lação empobrecida por três décadas dereformas neoliberais, que, por outro lado,começa a recompor seis níveis salariais ede organização política, o que reverte emuma diminuição da tolerância para a desi-gualdade social por parte dos setores mo-

bilizados da classe trabalhadora.O conflito entre a distribuição do pro-

duto social e a taxa de ganância em con-textos em que a acumulação de capital estáinduzida por parâmetros internacionais seagrava, à medida que se recuperam osníveis de ocupação da população. Enquan-to continua durando a recuperação � es-pecialmente pela �memória� das péssimascondições iniciais �, a demanda internavai produzir sinais positivos mediante arecuperação do consumo, particularmen-te nas classes médias, apoiando a cria-ção de empregos no setor secundário eespecialmente no terciário, tanto formalquanto informal.

Enquanto isso, a situação do empregona América Latina segue mostrando altosgraus de segmentação intersetorial e entreempresas, heterogeneidades por idades,gênero e capacidades e informalidade, afe-tando de maneira desigual grupos vulne-ráveis como mulheres, jovens e homensmaiores de 45 anos. O sistema de prote-ção e seguro-desemprego são ainda limi-tados ou incipientes, vinculados ao traba-lho formal não cobrando, portanto, as situ-ações de desemprego, subocupação e pre-cariedade que caracterizam a inserçãodesses grupos no mercado de trabalho.

A modificação dos sistemas de prote-ção social para torná-los mais universais emenos dependentes do trabalho formal,poderia ser uma medida eficaz contra atensão inflacionária, mas conduziria a trans-formações institucionais do mercado de tra-balho, que resultam incompatíveis com omodelo atual de inserção internacional daregião. Aliás, a sustentabilidade de umadinâmica de crescimento autônoma depen-derá da demanda e investimento interno,em que a própria distribuição regressivado ingresso ao mercado de trabalho setransforma em um obstáculo para o desen-

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volvimento econômico.Não obstante, melhorar essa distribui-

ção se traduz em reformas mais profundasdo mercado de trabalho para maiores ní-veis de proteção, o que vai aumentar opoder social e político dos trabalhadores,que, por sua vez, afetará a manutençãodos baixos custos laborais nos quais osgovernos da região embasaram sua estra-tégia de competitividade, na aliança comos empresários e os sindicatos oficialistas.6

Entretanto, coloco em dúvida que se-jam produzidas mudanças substanciaismediante um conselho técnico, se este nãofor antecedido e acompanhado por umaluta política liderada por um pólo da clas-se que assuma, conscientemente, a tarefade autovalorização do seu trabalho no cen-tro da luta de classes. Ela deve ter assumiruma tática baseada no incremento doGasto Público Social como a parte da re-produção social que o capital deve pagar,mediante ações sociopolíticas em torno dadefesa, recuperação e ampliação de di-reitos, até que provoque uma crise de valorna própria lei que sustenta as relações deprodução capitalista, forçando até os li-mites da superação da legalidade do es-tado burguês.

Nesse cenário, a discussão se abre apartir de um desafio histórico para as clas-ses trabalhadoras: construir uma cidada-nia com proteções sociais associadas àscaracterísticas do novo mercado de traba-lho que considere as novas trajetórias tra-balhistas, marcadas por situações aleató-rias e de descontinuidade.

Miguel Abad é psicólogo argentinoe consultor internacional

em temas de juventude.E-mail: [email protected]

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NotasNotasNotasNotasNotas

1 OIT, 2006.2 �Os jovens que contam com um emprego(�) enfrentam problemas específicos. Con-siderando sua escassa formação e experi-ência laboral, os jovens geralmente termi-nam aceitando trabalhos mais precários.No Peru, por exemplo, do total de filiadosao sistema de seguro social de saúde, ape-nas 10% são jovens de 15 a 24 anos (mes-mo quando seu peso no emprego é supe-rior a 40%) e dois de cada três destes jo-vens trabalha sem contrato assinado. A si-tuação � comenta o informe � é similarem outros países da região� (OIT, ibídem).

3 �A relevância destas iniciativas coincidecom a presente conjuntura históricamarcada pela oportunidade do�boomdemográfico�, o desafio da construção da�sociedade do conhecimento� e a possibili-dade de reformas estruturais do Estado, quedesejam investir mais e melhor nos jovens�(Rodríguez, 2004).

4 Abdala, 2004:34.

5 Estudos e analises sobre os enfoques e astendências das políticas de emprego juve-nil na América Latina e no Caribe podemser encontradas em Jacinto (1999), Gallart(2000), Rodriguez (2004) e Abdala (2004),entre outros (Cit. Abad, 2005).

6 Precisamente é a presença de uma altataxa de informalidade laboral e fenômenoscomo a crescente terceirização da econo-mia, o que assegura baixos custos.

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Referências BibliográficasReferências BibliográficasReferências BibliográficasReferências BibliográficasReferências Bibliográficas

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Os grafites que ilustram esta edição

foram fotografados por Rômulo Garcias,

no entorno da estação do metro no Bairro Horto

e nos tapumes que circundam a Universidade Fumec. Esses últimos

fazem parte da intervenção �Muros Efêmeros�, que tem

como curador o artista plástico Rui Santana.