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“DIAGNÓSTICO NA ATES POR CONTRATO: PRIORIZANDO PRODUTOS OU PROCESSOS?” Aportes teórico-metodológicos para o Trabalho de Extensão Rural Pesquisa JAQUELINE MALLMANN HAAS VIVIEN DIESEL PEDRO SELVINO NEUMANN VINICIUS PICCIN DALBIANCO Universidade Federal de Santa Maria Brasil Email: [email protected] – Fone: (55) 99482731 RESUMO A extensão rural brasileira acumula em seu histórico diversas mudanças e, entre as mais recentes e destacadas está a constituição, em 2003, de um serviço de extensão rural específico para assentados, denominado Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária – Ates, coordenado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Estes serviços têm sido ofertados através do estabelecimento de convênios e contratos com instituições públicas, privadas, entidades de representação e coordenação de trabalhadores rurais e ONGs ligadas à Reforma Agrária. Embora os convênios fossem, até recentemente, o instrumento jurídico mais empregado pelo INCRA na execução da ATES, o contrato vem se afirmando como um modelo na mediação das relações entre financiador e executor dos serviços. Normativamente, o INCRA estabelece que as ações desenvolvidas em cada assentamento devam ser balizadas por um planejamento de médio- prazo, elaborado a partir de um processo de intervenção participativo. O presente trabalho se propõe a caracterizar e refletir os processos de diagnóstico e planejamento participativo no contexto da ATES por contrato a partir da experiência das prestadoras de serviço atuantes na região centro do estado do RS no ano de 2009. A caracterização e a reflexão tomam por base a revisão bibliográfica, os dados colhidos por observação direta, a observação participante e a análise dos planos elaborados pelas equipes de ATES. Observa-se que as prestadoras utilizam diferentes metodologias de referência para o diagnóstico e planejamento mas, via de regra, encontram dificuldades para realizar um diagnóstico-planejamento que concilie a geração de conhecimento com a formação e a mobilização, como idealizado na teoria sobre metodologias participativas. Os descompassos se acentuam na redação dos “relatórios” (produtos necessários para comprovar a realização do serviço contratado) que apresentam o registro de um conhecimento cuja origem guarda pouca relação com os processos sociais desencadeados pela intervenção. Tais considerações levantam questões sobre a compatibilização de modelos de contratos e produtos e intervenções “participativas”. Palavras-Chaves: extensão rural, assentamentos, reforma agrária, convênios, contratos, prestadoras de serviço, diagnósticos, intervenção participativa,

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“DIAGNÓSTICO NA ATES POR CONTRATO: PRIORIZANDO PRODUTOS OU PROCESSOS?”

Aportes teórico-metodológicos para o Trabalho de Extensão Rural

Pesquisa

JAQUELINE MALLMANN HAASVIVIEN DIESEL

PEDRO SELVINO NEUMANNVINICIUS PICCIN DALBIANCO

Universidade Federal de Santa Maria

Brasil

Email: [email protected] – Fone: (55) 99482731

RESUMO

A extensão rural brasileira acumula em seu histórico diversas mudanças e, entre as mais recentes edestacadas está a constituição, em 2003, de um serviço de extensão rural específico paraassentados, denominado Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária –Ates, coordenado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Estes serviços têm sidoofertados através do estabelecimento de convênios e contratos com instituições públicas, privadas,entidades de representação e coordenação de trabalhadores rurais e ONGs ligadas à ReformaAgrária. Embora os convênios fossem, até recentemente, o instrumento jurídico mais empregado peloINCRA na execução da ATES, o contrato vem se afirmando como um modelo na mediação dasrelações entre financiador e executor dos serviços. Normativamente, o INCRA estabelece que asações desenvolvidas em cada assentamento devam ser balizadas por um planejamento de médio-prazo, elaborado a partir de um processo de intervenção participativo. O presente trabalho se propõea caracterizar e refletir os processos de diagnóstico e planejamento participativo no contexto da ATESpor contrato a partir da experiência das prestadoras de serviço atuantes na região centro do estadodo RS no ano de 2009. A caracterização e a reflexão tomam por base a revisão bibliográfica, osdados colhidos por observação direta, a observação participante e a análise dos planos elaboradospelas equipes de ATES. Observa-se que as prestadoras utilizam diferentes metodologias dereferência para o diagnóstico e planejamento mas, via de regra, encontram dificuldades para realizarum diagnóstico-planejamento que concilie a geração de conhecimento com a formação e amobilização, como idealizado na teoria sobre metodologias participativas. Os descompassos seacentuam na redação dos “relatórios” (produtos necessários para comprovar a realização do serviçocontratado) que apresentam o registro de um conhecimento cuja origem guarda pouca relação comos processos sociais desencadeados pela intervenção. Tais considerações levantam questões sobrea compatibilização de modelos de contratos e produtos e intervenções “participativas”.

Palavras-Chaves: extensão rural, assentamentos, reforma agrária, convênios, contratos, prestadorasde serviço, diagnósticos, intervenção participativa,

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1. Introdução

O Brasil é um país caracterizado por forte concentração fundiária. O padrão de distribuição de terrasadotado no processo de colonização e as políticas de acesso a este recurso que se sucederam,resultaram na criação e manutenção de latifúndios, que ainda hoje definem a paisagem rural emmuitas regiões brasileiras. As iniciativas de redistribuição fundiária se intensificaram ao longo doprocesso de democratização, mas enfrentam grandes resistências políticas, de modo que seusefeitos se restringem, sobretudo, à escala micro-regional. Mesmo assim, como fruto da política dereforma agrária o estado do Rio Grande do Sul, conta com cerca de 321 assentamentos rurais eaproximadamente 12.300 famílias assentadas1. Trata-se, portanto, de um número considerável defamílias vivendo em assentamentos.

A realidade dos assentamentos do estado do Rio Grande do Sul (RS) é bem diversa: existemassentamentos federais e estaduais, de famílias participantes de movimentos sociais de luta pelaterra e famílias reassentadas por força de obras públicas (barragens) em sua área original. Osassentamentos diferem também quanto à idade e qualidade dos recursos naturais, acesso àmercados e infra-estrutura. Entretanto, de modo geral, considera-se que um dos principais desafios aserem enfrentados se refere a viabilização econômico-produtiva das famílias assentadas. Nestecontexto, o serviço de extensão rural para assentamentos se justifica em meio a um debate que une aviabilidade do Estado com a viabilidade do assentamento. Recorrendo às argumentações de Leite etal (2004), Dias (2004, p.508) coloca:

[...] “ao criar um assentamento, o Estado assume a responsabilidade de viabilizá-lo. Queira o Estado(na pessoa daqueles que o fazem existir) ou não, o desempenho de um assentamento é odesempenho do Estado”. Desse modo, nos assentamentos, a presença ou a omissão do Estado naoferta de condições de produção é decisiva, muito mais do que no caso do amplo e difuso conjuntodos agricultores que são abarcados pela categoria de “familiares”.

Frente a estas constatações verificou-se um esforço político com vistas a reforçar os serviços deassistência técnica e extensão rural para assentados.

Até meados da década de 1990 as famílias assentadas não dispunham de um programa específicode extensão rural, devendo acessar os serviços públicos ofertados pelas organizaçõesgovernamentais - que enfrentavam restrições de recursos humanos e orçamentárias significativas.Neste contexto foi criado, em 1997, o projeto Lumiar. O projeto Lumiar2, foi o primeiro a marcar ohistórico sobre a assistência técnica especifica nos assentamentos de reforma agrária do Brasil. ParaPimentel (2007) o projeto tinha por objetivo transformar o assentado, advindo de distintas trajetórias,diferentes laços culturais e estratégias econômicas diferenciadas, em agricultores “rentáveis”,produtores de alimentos.

O projeto Lumiar vigorou até o ano de 2000 e uma nova tentativa de estabelecer serviços deextensão rural específicos para assentados foi formalizada em 2003, quando foi criado o Programade Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (ATES), coordenado pelo InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)3. O programa tem por objetivo tornar asunidades de produção estruturadas, com segurança alimentar garantida, inseridas de formacompetitiva no processo de produção, voltadas ao mercado e integradas à dinâmica dodesenvolvimento municipal, regional e territorial, de forma ambientalmente sustentável (MDA/INCRA,2008).

1 Dos 321 assentamentos, 150 são federais, 133 estaduais, compartilhados somam 32, ainda 1 municipal ecinco reassentamentos de barragens. Os assentamentos ocupam uma área de cerca de 275.850 ha distribuídosem 91 municípios no estado do RS (dados referentes a outubro de 2008 na base do SIPRA, resgatados porINCRA/RS, 2009).2 Criado com base na resolução nº 95 de 20 de novembro de 1996, do Conselho Diretor do Incra, veio a seconsolidar no segundo semestre de 1997. O projeto Lumiar, foi concebido frente uma crise de legitimidade domodelo de desenvolvimento, que causava exclusão de grande número de agricultores, aliada a uma crise políticado Estado e ascensão de movimentos sociais, acontecendo neste período uma renovação de paradigmas, bemcomo da forma de atuação do Estado nas políticas (PIMENTEL, 2007).3 A ATES integra o Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar, vinculada aoMinistério do Desenvolvimento Agrário e Secretaria da Agricultura Familiar, e é executada em parceria cominstituições públicas, privadas, entidades de representação dos trabalhadores(as) rurais e organizações nãogovernamentais ligadas à Reforma Agrária.

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De modo geral, a viabilização sócio-econômica das unidades produtivas familiares, dosassentamentos, constitui um grande desafio, tendo em vista as condições agroecológicas adversasde muitas das áreas, o desconhecimento dos assentados em relação ao ambiente natural e sócio-econômico (tendo em vista que a maioria é assentado em ambiente distinto de sua origem), adescapitalização dos assentados e acrescidas as restrições de infra-estrutura e das políticas públicasde apoio, entre outros fatores. Neste contexto, a instituição governamental responsável pelosassentamentos rurais (INCRA) têm investido na extensão rural. Consoante com a valorização dasmetodologias participativas na extensão rural e nos processos de elaboração de planos dedesenvolvimento, estes vêm sendo repensados4. Neste sentido, o presente trabalho se propõe acaracterizar e refletir sobre os processos de diagnóstico e planejamento participativo no contexto daATES por contrato a partir da experiência das prestadoras de serviço atuantes na região centro doestado do Rio Grande do Sul (RS) no ano de 2009.

2. Possibilidades e limites da atuação da ATES no desenvolvimento dos assentamentos

2.1. Antecedentes: a atuação extensionista no Projeto Lumiar

As experiências de desenvolvimento de metodologias de intervenção específicas para a extensãorural nos assentamentos de reforma agrária têm início com o projeto Lumiar5. Conforme Ribeiro(2001), a implementação do Projeto Lumiar foi precedida de discussão e capacitação dos técnicos emtorno da metodologia a ser preconizada. A autora (2001, nota 6) aponta: “ A Metodologia de Atuaçãodo Projeto Lumiar é resultado de várias discussões sobre metodologia, a última tendo ocorrido emBrasília nos dias 25 e 26 de março (1996) com a participação de representantes de diversasinstituições (PNUD, FAO, IICA, MST, CRUB, Universidades do Rio de Janeiro e de Ijui, FASER,ASSOCENE e INCRA)”.

Marinho et al. (1999) apontam que foram realizados cursos iniciais de capacitação para as equipesdo Projeto Lumiar que “[...] ofereceram, em sua maioria, uma espécie de “pacote metodológico”, queprovocou uma febre de “participação total” nos técnicos e supervisores“. Pimentel (2007, p.71) dáindicações mais precisas sobre os referenciais utilizados pelas equipes do Lumiar no estado do Riode Janeiro:

Na escolha do método de trabalho a ser desenvolvido pelas equipes houve uma tensão inicial entremembros da equipe de supervisão no estado do Rio de Janeiro. Para isso foram realizadosseminários para a seleção da entidade que iria prepará-los. Dentre essas entidades estavam a AECA(Associação Estadual de Cooperação Agrícola), a ASPTA, entre outras, tendo sido, finalmente,selecionada a ASPTA, que utiliza a metodologia do Diagnóstico, Rápido e Participativo paracompreensão da realidade e para intervir nos processos locais.

A partir deste estudo, muitas equipes do projeto Lumiar adotaram metodologias participativas ebuscavam alternativas ao modelo tecnológico moderno (Bruno et al, 2003).

No caso em questão, Rio de Janeiro, essas metodologias fizeram parte do plano de treinamento dasequipes, realizado pela ASPTA (Assessoria em Projetos de Agricultura Alternativa).

Entretanto, como uma das características principais do Projeto Lumiar foi a terceirização da prestaçãodos serviços, estudos sobre esta experiência mostram que as prestadoras tiveram origensinstitucionais das mais diversas e que não houve formas de assegurar unidade teórico-metodológicana ATES em nível estadual ou nacional (MARINHO et al, 1999).

No Rio Grande do Sul, as avaliações existentes, indicam que durante o período de vigência doProjeto Lumiar procurou-se avançar no sentido de utilizar metodologias participativas, optando porperspectivas próximas ao referencial da educação popular (RIBEIRO, 2001). As limitações

4 Cabe reconhecer que em novas propostas no âmbito do espaço rural, como é o caso do programa de ATES, asmetodologias utilizadas são fundamentais para o sucesso das ações objetivadas.5 A linha indicada pelo projeto Lumiar, e que se apresentava como uma importante inovação, era a participaçãodos assentados e suas organizações no processo de gestão da política de assistência técnica como ponto chavepara o desenvolvimento dos assentamentos. Participação esta entendida como o envolvimento das entidadesrepresentativas dos trabalhadores no processo de decisões a respeito do projeto (PIMENTEL, 2007).

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identificadas por INCRA/COCEARGS/CAPA em relatório de avaliação do Lumiar no RS referem-se,sobretudo, ao perfil dos técnicos (que tinham dificuldades de adotar estas metodologias).

Entende-se que embora os ideais fossem diversos, as práticas extensionistas em muitos dosassentamentos de reforma agrária, sob vigência do Projeto Lumiar, tenderam a aproximar-se dadescrição apresentada por Pimentel (2007), referente a estudos de caso na região sudeste do Brasil.A autora identifica que, no contexto dos assentamentos, tem se destacado a prática de intervençãovia projetos.

Nos assentamentos rurais usa-se bastante o termo “projeto”, seja por parte das políticasgovernamentais ou não. Em Santo Inácio, este termo começou a ser utilizado no período doreconhecimento da posse aos antigos moradores onde foi criado o “Projeto de assentamento SantoInácio”. Posteriormente com os projetos de produção de pêssego, eucalipto, palmito, caqui, projeto dafábrica de banana-passa, projeto galinhas caipiras etc. Já em Capelinha esse termo foi utilizado logono início do acampamento em virtude do auxílio de uma ONG que incentivou uma horta com o“projeto horta comunitária”, projeto de minicooperativa de leite, projeto do trator para associação,projeto da creche, projeto de posto de saúde, projeto de casa de farinha, projeto de galpão, projeto“reforma da associação”, projeto de fábrica de açúcar mascavo etc. Também quando foi se tornarassentamento passou a ser chamado de “Projeto de assentamento Capelinha”. Novos projetos, agoragovernamentais foram sendo pensados: projeto Lumiar, projeto da Energia Elétrica, projeto dehabitação, projeto Procera, projeto custeio, projeto “da ponte” etc. E, dentro desses projetos, outrosse desenvolviam: projeto da melancia, projeto do gado, projeto do coco etc.[...] (PIMENTEL, 2007,p.127, 128).

Os projetos são especialmente valorizados enquanto possibilitadores do acesso à recursos, dos quaiscarecem os assentados para realização de seus projetos de vida. Tal interpretação parte dasobservações de Pimentel (2007, p.130, grifo nosso) que aponta;

[...] Em Capelinha, para alguns assentados, era a possibilidade de realização do sonho de formar umsítio, de se tornar um piscicultor, um fruticultor, um agricultor. Agora, com recursos, poderiam colocarem prática tudo o que não podiam antes, por falta de dinheiro.

Segundo o relato de um técnico a respeito dos projetos

“Eles escolhiam e a gente questionava alguma coisa que a gente achava que não era viável, mas onosso papel era transformar o sonho deles em um projeto, com todos os riscos que isso pudessevir a ter”.

Agrônomo do Lumiar

Entrevista realizada em 15/11/2005

A autora aponta que os projetos eram valorizados, também, pelos movimentos sociais:

[...] O projeto também era utilizado pelos assentados e movimentos sociais para avaliar a atuação daequipe técnica sendo que, quanto mais projetos fossem aprovados, melhor era considerada a equipe.O projeto era um meio essencial de conseguir recursos, independente do seu conteúdo, já que comomencionado anteriormente, a importância dos projetos para os assentados era servir de “ponte” paraaquisição de recursos (PIMENTEL, 2007, p.130).

Na percepção de Pimentel (2007, p.131) os projetos atendiam, também, expectativas do INCRA, pois“Os projetos tiveram também o prisma de contrato. O projeto funcionou como um contrato decumprimento das atividades relativas à produção. Seria por meio dele que se estabeleceria umacobrança, fiscalização do Incra em relação aos assentados.”

Dados de entrevista recolhidos por Pimentel (2007, p.131) indicam que os projetos também:

“[...] funcionaram como instrumentos de capacitação pois, segundo um técnico, os projetosmobilizavam as pessoas, animavam. E os técnicos apontam que os projetos fizeram, por isso, parte

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de sua metodologia de trabalho, serviram de motivo para inserirem a discussão de produção,principalmente em Capelinha.

“A primeira questão é você descobrir como fazer um projeto participativo que contemple o sonho dosassentados, mas que seja economicamente viável e nesse processo jogar a capacitação...

Nós viramos, até tenho que dar razão para um assentado lá,projetistas.”

Agrônomo do Lumiar

Entrevista realizada em 15/11/05

Apontamentos da mesma autora (2007, p.131, grifo nosso) indicam, entretanto, dificuldades emdesenhar projetos de acordo com o “desejo” dos assentados:

“A função do técnico do Lumiar não é bem uma questão técnica e sim uma questão projetista, elesforam super eficientes em questões de fazer projetos, mas eles não deram a escolha para oassentado fazer o projeto daquilo que queria realmente produzir.

E assim fizeram pacotes, foi feito pacote para pecuária, pacote para outro tipo de coisa”.

Assentado de Capelinha

Entrevista realizada em 17/11/05

Ao tentar avaliar os resultados desta prática extensionista, ressaltou-se a sua ineficácia einsustentabilidade, enquanto base de uma estratégia de desenvolvimento dos assentamentos:

Se em determinada configuração o projeto significou para os assentados uma ponte para aquisiçãode recursos, por outro, os projetos são apontados como dívidas a serem pagas e sem muito lucro nasatividades que desenvolveram. Em Capelinha vários cultivos se perderam por conta da falta deirrigação, degradação do solo etc. Já em Santo Inácio havia pouco conhecimento a respeito dosprodutos indicados pelos técnicos (em um período anterior ao Lumiar), o que fez com que osprodutos fossem implantados sem os cuidados necessários para o seu desenvolvimento, indo daaquisição de mudas até o manejo e colheita. Assim, não há relatos de lucratividade por parte doscultivos a partir dos projetos, exceto na pecuária implantada em Capelinha, que é apontado como oúnico projeto bem sucedido (PIMENTEL, 2007, p.131-2).

De modo geral, as falhas identificadas no Lumiar foram atribuídas à dificuldade em adotarradicalmente os princípios das metodologias participativas propostas. Assim, o Lumiar se encerra noano 2000, mas persiste a motivação para a utilização de metodologias participativas no trabalhoextensionista em assentamentos rurais.

2.2 As metodologias participativas na atuação da ATES pós 2004

Inicialmente cabe reconhecer que a reflexão em torno das metodologias de intervenção em áreas deassentamento se dá em permanente diálogo com a reflexão sobre metodologias de extensãoaplicadas junto à outros públicos. Assim, apresenta-se inicialmente uma reflexão mais geral sobre aevolução das metodologias participativas na extensão rural para examinar, num segundo momento,as referências específicas para intervenção em assentamentos rurais.

2.2.1 A reflexão sobre metodologias de intervenção no âmbito da extensão rural

No caso especifico da extensão rural, o histórico acumulado, era de uma abordagem top-down,baseada no modelo teórico de Difusão de Inovações (ROGERS, 2003), que marginalizava o local eos conhecimentos dos indivíduos. Geralmente ignorando também as contribuições dos agricultoresno desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas, além de ignorar contextos políticos e culturais(PACKHAM, 2001).

Na nova perspectiva adotada (participativa), os modelos de extensão são baseados na aprendizageme empoderamento, sendo o agricultor responsável por determinar as demandas para a pesquisa e

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extensão. No entanto, Stacey (1992, apud PACKHAM, 2001), ressalva ser necessário desenvolvernovas perspectivas sobre o significado desse controle, agora repassado aos agricultores, além deincentivar grupos de auto-organização para que descubram seus próprios desafios, metas eobjetivos6. Neste contexto, ressalta-se uma significativa reflexão acadêmica em torno dasmetodologias de diagnóstico na extensão rural a partir de meados da década de 1990.

Para entender a “evolução” recente das metodologias de diagnóstico no contexto do trabalhoextensionista convém partir das considerações de Chambers (1995)7 quando reflete sobre “comoaprende a gente de fora”. O autor identifica que tradicionalmente recorreu-se à aplicação dequestionários para fins de conhecimento da realidade rural. Ao final de sua reflexão o autor coloca:

[...] a conclusão desta discussão é que os métodos de pesquisa rural convencionais eprofissionalmente respeitáveis são muitas vezes ineficazes. Devem-se procurar abordagens abertasao inesperado e capazes de ver e fora para dentro e de dentro para fora o estado dos próprios pobresrurais. Daqui em diante há três pólos de concentração que poderão ser utilizados: primeiro, umainvestigação a longo prazo, cuidadosa, incluindo análise estatística e envolvendo cientistas sociais,do ramo das ciências naturais e médicos; segundo, um trabalho ad hoc, inventivo, que improvise eadapte, a favor da oportunidade e da rentabilidade; e, terceiro, uma pesquisa sensível que, naaprendizagem, transfira a iniciativa para a população rural, como parceira, permitindo-lhe utilizar eaumentar as suas próprias aptidões, saber e poder (CHAMBERS, 1995a, p.83).

Nesta reflexão Chambers (1995) indica que, frente a constatação dos limites dos métodos dediagnóstico convencionais, desenvolveram-se alternativas que preconizavam orientações distintas(mais ou menos participativas). Outros estudos que buscaram descrever a evolução dasmetodologias de diagnóstico (CHAMBERS 1994a, 1994b, 2007), apontam que, num primeiromomento, realizaram-se esforços para desenvolvimento de métodos que, ao mesmo tempo queassegurassem informações válidas e confiáveis – superando os viéses dos métodos “rápidos” entãoconhecidos como “turismo rural” (“métodos inventivos, que improvisam e adaptam em favor daoportunidade e da rentabilidade”). Assim, avançou-se no sentido da definição de métodos dediagnóstico rápido (denominados frequentemente de avaliação rural rápida, diagnóstico rural rápido).Chambers e Guijt (1995b) expõe as motivações para o desenvolvimento destes métodos:

O "turismo" do desenvolvimento rural - especialmente as visitas rápidas ao campo com seus viésesantipobreza - foi reconhecido como parte do problema. Os técnicos de fora recolhiam a informaçãosobre a realidade rural, visitando localidades próximas aos centros urbanos e às estradas principais,muitas vezes em áreas de projetos bem sucedidos, durante a época mais próspera do ano,conversando com os agricultores mais prudentes, quase sempre com os homens.

O defeito destes enfoques está em focalizar apenas a população rural poderosa, de mais alto nível,em sua maioria. As deficiências deste enfoque ajudaram muitos pesquisadores e profissionais dedesenvolvimento a reconhecer que nós, como agentes externos à comunidade para a qual sepretende alcançar o desenvolvimento e nossa confiança em nossos próprios conhecimentos,constituímos a maior parte do problema e que a população local, com seus conhecimentos, é ofundamento da solução. O DRR se desenvolveu como um enfoque investigativo para ajudar aminimizar tais riscos, alternativa que se mostrou eficaz, proporcionando informação suficientementeexata e de forma rápida.

Uma “segunda geração” de métodos de diagnóstico partiu do reconhecimento da necessidade deenvolvimento da população nos processos de diagnóstico, dando origem aos métodos dediagnósticos “participativos” (“na aprendizagem, transfira a iniciativa para a população rural, comoparceira, permitindo-lhe utilizar e aumentar as suas próprias aptidões, saber e poder”). Chambers(1995b) esclarece:

6 As abordagens participativas alicerçam muitas das discussões da década de 1990, embora venham sendotrabalhadas há muitos anos (DELVILLE, MATHIEU, SELLAMNA, 2001). O interesse em se reverter a orientaçãometodológica da extensão, segundo Packham (2001, p. 19), deve-se a diversos fatores entre os quais apreocupação com a questão da segurança alimentar mundial, com a formação de capital social nas zonas rurais;a necessidade de repensar a evolução agrícola, extensão rural e suas práticas pelo reconhecimento de que aciência e a tecnologia não podem fornecer as respostas para todos os problemas, especialmente questões desustentabilidade no longo prazo; pela mudança de paradigma quanto a forma como a sociedade confere sentidoao mundo, com emergência de uma perspectiva multi-(construtivista), valorização de abordagem holística(sistêmica); e mudança para uma abordagem de aprendizagem.7 Com edição original em inglês em 1983.

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No final dos anos 1980, o DRP começou a evoluir na busca de enfoques práticos para a investigaçãoe planejamento que pudessem prestar apoio a um planejamento mais descentralizado e uma tomadade decisão mais democrática, valorizando a diversidade social, trabalhando para a sustentabilidade,aumentando a participação e reforçando o poder da comunidade. O DRP pode ser descrito como umconjunto crescente de enfoques e métodos para permitir que a população local partilhe, aperfeiçoe eanalise seus conhecimentos sobre sua vida e condições com o fim de planejar e agir. Na maioria doscasos, o uso do DRP se inicia com a participação de profissionais externos. Mas, quando bemutilizado, o DRP pode capacitar a população local (rural ou urbana) para empreender seu própriodiagnóstico, análise, ação, segmento e evolução.

Uma “terceira geração” de métodos procura avançar no inter-relacionamento entre conhecimento eação, dando origem aos métodos de diagnóstico e aprendizagem através da ação. Recupera-se,assim, uma tradição da pesquisa-ação (THIOLLENT, 1985).

A potencialidade dos diagnósticos participativos estaria, então, em sua possibilidade de unir geraçãode conhecimento (sobre a realidade), formação/aprendizagem local e mobilização para a ação.

1.2.2 A reflexão em torno das metodologias de ATES

A tradição tecno-burocrática, importante na administração pública brasileira especialmente a partirdos governos militares permeou as mais diferentes ações do Estado. Assim, as iniciativas dasorganizações públicas, via de regra, implicavam o planejamento – denso em aporte técnico-científico.Tal tendência esteve presente, também, no âmbito das ações de reforma agrária, de modo que oplanejamento apresenta-se como elemento tradicionalmente presente na aplicação de políticas.

Nas iniciativas de constituição de serviços de extensão rural exclusivos para assentados em meadosda década de 1990 buscou-se superar a tradição tecnocrática herdada por muitas instituiçõesgovernamentais, conforme anteriormente indicado ao tratar-se do Projeto Lumiar e é retomada noPrograma de ATES, constituído em 20048. Esta orientação está expressa no Manual Operacional,onde se expõe:

Metodologicamente o Programa de ATES, tem como referencial o que está proposto na PNATER.Assim, a metodologia de ATES tem um caráter educativo, buscando promover a geração eapropriação coletiva de conhecimentos, a construção de processos de desenvolvimento sustentável ea adaptação de tecnologias voltadas para a construção de agriculturas sustentáveis. Deste modo, aintervenção dos agentes de ATES deve ocorrer de forma democrática, adotando metodologiasparticipativas por meio de um enfoque pedagógico construtivista e humanista, tendo sempre comoponto de partida a realidade e o conhecimento local. Isso se traduz, na prática, pela animação efacilitação de processos coletivos capazes de resgatar a história, identificar problemas, estabelecerprioridades e planejar ações para alcançar as soluções compatíveis com os interesses, necessidadese possibilidades dos atores envolvidos. Esta metodologia deve permitir, também, a avaliaçãoparticipativa dos resultados e do potencial de replicabilidade das soluções encontradas, parasituações semelhantes em diferentes contextos (MDA/INCRA, 2008, p.12).

As orientações teórico-metodológicas constantes nos manuais são genéricas mas, via de regra,preconizam a adoção de metodologias participativas que partem de processos de diagnóstico eplanejamento participativos.

Recentemente, um conjunto de autores e obras vem retomando o tema do diagnóstico eplanejamento nos assentamentos apresentando proposições metodológicas específicas.

8 Visando rever a estratégia até então adotada e atender as diversas temáticas, com destaque para odesenvolvimento sustentável, com foco na agroecologia, nas metodologias participativas, e contemplando ospúblicos heterogêneos assistidos pela Ater no país, em 2004, juntamente com o lançamento da Política Nacionalde Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), lança-se também uma nova proposta de assistência técnicapara os assentamentos, denominada de Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária(ATES), pelo INCRA/MDA.

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Horácio Martins de Carvalho foi um dos autores que trouxe importantes contribuições para a reflexãosobre as metodologias de planejamento no contexto dos assentamentos rurais9. Publicou umconjunto de trabalhos sobre a organização social em assentamentos rurais e culminou sua reflexãosobre o tema com a proposição de um método de planejamento que veio a ser denominado MVP(Método de Validação Progressiva) (CARVALHO, 2004).

Em sua reflexão sobre o planejamento do desenvolvimento em assentamentos Carvalho reconheceque um dos principais desafios enfrentados é o estabelecimento de um “projeto coletivo” e,sobretudo, a criação de um comprometimento dos assentados com este “projeto coletivo”. Partindoda premissa que o projeto coletivo requer mudanças em nível das práticas familiares, propõe orecurso à validação progressiva das decisões macro (assentamento), no âmbito micro (famílias) e domicro (famílias) no âmbito macro (assentamento). Assim, entende-se que o método proposto porCarvalho (2004) está centrado, sobretudo, na “negociação de projetos coletivos” entre as partesenvolvidas.

Outros autores que tem se dedicado ao desenvolvimento de referências de formação para atuação daextensão rural em assentamentos, são Ribamar e Eliane Furtado, que desenvolveram umametodologia conhecida como Inpa (Intervenção Participativa dos Atores) utilizada na capacitação detécnicos para programa de ATES em 2009. Furtado (2009, p.33) esclarece que esta metodologiatem sua origem em 1993 e vem sendo aperfeiçoada ao longo do tempo. Em Furtado e Furtado (2000,p. 157) são expostos os seus princípios orientadores:

A proposta pedagógica da Inpa implica um processo educativo no qual cada um, individualmente, etodos, no coletivo, tenham clara a sua posição de sujeitos da História. A abordagem e os métodospedagógicos proporcionam a conscientização e compreensão da própria realidade dos técnicos e dosagricultores e ajudam a desenvolver o sentido da busca de transformação dessa realidade. Asinterações oferecidas aos membros do grupo, na forma de investigação sobre a realidade, ajudam atransformar as pessoas envolvidas ou mesmo as organizações, em um grupo com perspectivas eobjetivos comuns, com tarefas e responsabilidades definidas no coletivo. A troca de experiências,idéias e conhecimentos entre técnico e agricultores ocorre num clima de respeito mútuo, de formaque, dependendo de suas experiências e dos temas tratados, um ou outro terá uma maior ou menorparticipação na relação dialógica. Aí se estabelece o compromisso que resulta do trabalho conjunto edo desejo de agir sobre a realidade, o que constitui a base para as ações de mudanças.

Destaca-se, ainda, o esforço empreendido por pesquisadores da Embrapa para desenvolvimento dereferenciais metodológicos, o que resultou no “Método Participativo de Apoio ao DesenvolvimentoSustentável de Assentamentos de Reforma Agrária” (GASTAL et al. 2002).

3. Os diagnósticos na ATES por contrato na região central do RS

3.1. O planejamento do desenvolvimento na ação de ATES no RS

Para entender o contexto atual da ATES no estado do Rio Grande do Sul, é necessário considerar omodelo institucional que vem sendo adotado neste estado. Neste sentido, cabe reconhecer a adoçãode uma estratégia de “terceirização” da prestação de serviços que já era observada no ProjetoLumiar10 e foi reforçada no Programa de ATES, implementado em 2004.

Consoante com a orientação nacional, a superintendência regional do INCRA no Rio Grande do Sul(RS) vinha executando a ATES através de convênios com organizações prestadoras de serviços(sobretudo com uma cooperativa de técnicos denominada COPTEC). Questões de ordem burocrática

9 A reflexão do autor sobre a temática tem como marco importante o trabalho “Comunicação e Planejamento”publicado com Juan Diaz Bordenave entretanto, neste trabalho, trata do planejamento social de modo genérico enão no contexto de assentamentos rurais, especificamente.10 Para Pimentel (2007), fruto das reivindicações dos trabalhadores que demandavam umaassistência técnica diferenciada para as áreas de reforma agrária, o projeto Lumiar representou aruptura da idéia da construção de uma assistência técnica estadual. Representou a terceirização e aprivatização da assistência técnica em áreas de assentamento, fruto da descentralização daspolíticas públicas que estavam sendo implementadas.

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(relativas a prestação de contas e repasse de recursos), vinham dificultando a regularidade equalidade na prestação destes serviços. Frente a estas constatações o estado do Rio Grande do Sulpassou a operar tomando o contrato como base de suas relações com as prestadoras.

Assim, foi feito um modelo de contrato onde eram especificados os serviços a serem prestados erealizou-se processo de seleção pública de prestadoras de serviços por núcleos operacionais (áreageográfica – conjunto de assentamentos - atendida por uma equipe - representa uma territorializaçãodos assentamentos para prestação dos serviços de ATES).

As prestadoras de serviços de ATES, contratadas pelo INCRA foram três: a Coptec (Cooperativa dePrestação de Serviços Técnicos) para atuação em 08 núcleos operacionais, a Emater/RS-Ascar(Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural) paraatuação em 09 núcleos e o Cetap (Centro de Tecnologias Alternativas Populares) para atuação em01 núcleo.

Normativamente, o INCRA estabelece que as ações desenvolvidas em cada assentamento devemser balizadas por um planejamento de médio-prazo, assim a elaboração ou revisão dos planos dedesenvolvimento dos assentamentos aparece como um dos serviços requeridos às prestadoras. Emtermos de planos de desenvolvimento, o INCRA diferencia as seguintes modalidades e estabelecenormatividade para sua execução conforme exposto:

- Projeto de Exploração Anual - consiste em um documento elaborado pelas equipes técnicas ondeconsta o conjunto de ações destinadas a dar suporte aos projetos de assentamentos – PA - em seuprimeiro ano de instalação, em termos de orientação e assistência as famílias no que tange aodesenvolvimento de atividades essenciais ou básicas, e a conseqüente aplicação do Crédito deInstalação. O instrumento que sistematiza um plano de ações para atender este objetivo é o PDA.(MDA/INCRA, 2008, p.49).

- Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) - no PDA devem-se considerar todas as fasesdo processo de evolução do assentamento, da instalação das famílias nas áreas, passando pelaparticipação e capacitação das mesmas na construção e elaboração das propostas dedesenvolvimento para o PA, estendendo-se até a sua completa consolidação e emancipação. Deveser elaborado com a participação dos beneficiários e lideranças locais, assessorados pelas equipesde ATES, fundado em diagnóstico que retrate a atual situação do assentamento, em seus aspectosfísicos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Objetivam-se, assim, posteriores mensuraçõesqualitativas e quantitativas sobre a evolução dos projetos de assentamento, através domonitoramento e avaliação, com o uso de indicadores, onde seja possível examinar o grau deintervenção e a promoção dos órgãos governamentais e não governamentais envolvidos no processode reforma agrária (MDA/INCRA, 2008, p.50).

- Plano de Recuperação do Assentamento (PRA) - é um documento que deve sistematizar umconjunto de ações de ordem complementar, definidas com base em diagnósticos prévios e aplicadasaos projetos de assentamento que se encontrarem nas fases de estruturação ou consolidação. Enfim,o PRA se traduz num conjunto de ações planejadas complementares ao PDA, ou de reformulação ousubstituição deste, voltadas para garantir ao Projeto de Assentamento, o nível desejado dedesenvolvimento sustentável, a curto e médio prazo. Proporcionando crescimento da renda aos seusbeneficiários, geração de empregos, aumento da produção e melhores condições de vida ecidadania, através do atendimento de itens considerados básicos para esse fim (MDA/INCRA, 2008,p. 51).

Tendo este contexto por base, o presente trabalho visa caracterizar e refletir os processos dediagnóstico e planejamento participativo no contexto da ATES por contrato a partir da experiência dasprestadoras de serviço atuantes na região centro do estado do Rio Grande do Sul (RS) no ano de2009.

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3.2. Metodologia

O presente trabalho se restringe ao estudo de uma das fases do processo de diagnóstico eplanejamento dos assentamentos. Neste sentido, na operacionalização do contrato do INCRA com asprestadoras de serviços relativos ao planejamento do desenvolvimento dos assentamentosestabeleceram-se 2 produtos diferentes: um primeiro produto corresponde mais diretamente aoprocesso de estudo da realidade dos assentamentos e o segundo produto ao planejamento de açõesfuturas. Restringimo-nos a analise do primeiro produto tendo em vista o período em que foi realizadoo estudo (durante o segundo semestre de 2009).

Optou-se por realizar, também, uma delimitação de abrangência do universo a ser estudado tendoem vista o grande número de assentamentos existentes no estado. Assim, optou-se pelo estudo dosprocessos ocorrentes na região central do estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente, nosnúcleos operacionais de Jóia, Palmeira das Missões e Tupaciretã. Tanto o núcleo de Jóia quantoPalmeira das Missões são atendidos pela EMATER, enquanto o núcleo de Tupaciretã é atendido pelaCOPTEC.

Para a análise recorreu-se, principalmente, as informações constantes dos produtos apresentadospelas prestadoras11. Foram considerados os Planos de Desenvolvimento e Planos de Recuperaçãode 35 assentamentos12. Nos documentos consultados, além das informações básicas sobre oassentamento (ano de criação e numero de lotes), observou-se a metodologia adotada paraelaboração do diagnóstico. Além da consulta a estes documentos, recorreu-se ao acompanhamentode etapas de diagnóstico em campo13 e, sobretudo, participação em instâncias de discussõesdiversas (tendo em vista que alguns co-autores deste trabalho vêm mantendo um acompanhamento àimplementação da política de ATES no RS)14.

Na análise dos dados procurou-se considerar, inicialmente, as metodologias em relação aos modelosde diagnóstico: tecnocrático, ARR (DRR), DRP e PLA segundo as concepções apresentadas nestetrabalho.

3.3. As metodologias utilizadas na elaboração dos diagnósticos na região centro RS

Por ser uma organização regional, subordinada, as políticas de ATES, implementadas peloINCRA/RS, devem seguir as orientações nacionais expressas no Manual Operacional e em outrasregulamentações. Uma vez que, em nível nacional, opta-se pela utilização de metodologiasparticipativas, o desafio colocado refere-se a definição das estratégias pelas quais o INCRA/RS podeassegurar que o diagnóstico da ATES contemple as visões dos diversos atores envolvidos(assentados, técnicos de ATES), do Estado)15.

11 Tendo em vista o período de realização do estudo, o produto ao qual os pesquisadores tiveram acesso pode ter sidoaperfeiçoado posteriormente tendo em vista a avaliação e solicitação de revisão pelo INCRA.12 Portanto o estudo não inclui análise de PEA enquanto instrumento de planejamento do desenvolvimento.13 Para atingir aos propósitos do presente estudo, realizou-se o acompanhamento, durante o segundo semestre do ano de2009, ao trabalho desenvolvido pelos “Articuladores de ATES”. Em específico, acompanhou-se o profissional responsável pelaregião centro do Rio Grande do Sul. Ao longo do acompanhamento das atividades do articulador de ATES da região central, foipossibilitada, a participação in loco em eventos como reuniões da prestadora com assentados de reforma agrária, reuniõesinternas das prestadoras - entre técnicos envolvidos diretamente com ATES-, reuniões dos núcleos operacionais. Salienta-se,também, que tais atividades aconteceram no âmbito da disciplina de Experiências em Extensão Rural, ministrada junto aocurso de doutorado em Extensão Rural, na Universidade Federal de Santa Maria.14 No estado do Rio Grande do Sul, a Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, através de convênio firmando comINCRA/RS, ficou responsável pelo trabalho de articulação dos serviços de ATES, constituindo para tal uma equipe de 04articuladores para responder pela demanda dos 18 núcleos operacionais existentes no Estado.15 Conforme percepção de entrevistados, uma das principais preocupações, quando da licitação para a prestação de serviçosde ATES, e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no estado do Rio Grande do Sul, estava em fazer comque os assentados desenvolvessem o sentimento de ser integrantes do processo de planejamento do desenvolvimento. Ouseja, o INCRA apresentava preocupação que as prestadoras deixassem bem claro tal item, pois só assim as açõespotencializariam, com investimentos públicos, as iniciativas das famílias. Era necessária então que a elaboração dosdiagnósticos ocorresse de forma participativa, como forma de obtenção, sistematização e análise das informações queconfiguravam as situações problemáticas e os pontos de partida na formulação de um plano de ação maior com vistas asuperação de tais situações criticas. A elaboração de tais diagnósticos, segundo o Projeto Básico Final (2008) deveria ocorrerde forma com que o mesmo fosse “vivenciado” pelas comunidades na perspectiva de que se desenvolvesse uma consciênciacrítica, uma percepção mais clara e objetiva dos problemas sociais, econômicos e culturais enfrentados pelo grupo. Tambémesse processo de elaboração do diagnóstico deveria fazer com que as comunidades desenvolvessem respostas, de formaautônoma, para a superação das situações mais problemáticas em que se encontravam.

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No Rio Grande do Sul, seguindo a orientação constante no Manual Operacional (nacional), prevê-seque a prestação de assessoria técnica deveria ocorrer através de metodologias participativas,educativas e interativas, envolvendo os agricultores e suas famílias. Valendo-se ainda de processosde base sustentável, valorizando o conhecimento popular e fortalecendo iniciativas com vistas aodesenvolvimento da cooperação e da economia popular solidária (PROJETO Básico, 2008).

Ao elaborar a solicitação do serviço de diagnóstico, a equipe técnica do INCRA considerou apossibilidade de definir uma referência metodológica única (a ser aplicada por todas as prestadoras)oportuna e adequada à heterogeneidade das situações empíricas. Entretanto, dadas as dificuldadesde selecionar referência e conduzir em prazo hábil a formação de equipes, optou-se por definirapenas o roteiro do documento (que discrimina a natureza das informações requeridas), indicarprincípios metodológicos e resguardar-se requerendo a validação do diagnóstico pelas famílias.Assim, criava-se oportunidade para que a prestadora pudesse fazer certas opções metodológicas,desde que princípios gerais fossem respeitados.

O quadro 1 apresenta uma síntese do método adotado na elaboração dos diagnósticos nos casosexaminados.

NO ANO DECRIAÇÃO

NUMERODE

LOTESTIPO METODO DE DIAGNÓSTICO TIPO

1 A 2001 12 PRA Descrição Insuficiente -

2 A 1983 12 PRA Descrição Insuficiente -

3 A 2001 27 PRA Descrição Insuficiente -

4 A 1986 22 PRARevisão do PDA de 2001 (reuniões –

atualização das informações + caminhadatransversal + entrevista a 30% das famílias)

-

5 A 2002 37 PRACom base em “repactuação” dos

resultados do curso de Gestão Ruralrealizado em 2007

-

6 B 1996 117 PRAEntrevistas semi-estruturadas sistemas deprodução e modo de vida – orientado por

hipóteses DRR

7 B 2000 54 PRAEntrevistas semi-estruturadas sistemas deprodução e modo de vida – orientado por

hipóteses DRR

8 B 1995 234 PRAEntrevistas semi-estruturadas e gruposfocais sistemas de produção e modo de

vida – orientado por hipóteses DRR

9 A 1997 36 PRA Reunião (sensibilização + estudo desituação + demandas) + visitas DRR

10 A 2001 5 PRA (Reunião + visitas – ênfase em sistemas deprodução) + Dados secundários EM DRR

11 A 2000 15 PRA (Reunião + visitas – ênfase em sistemas deprodução) + Dados secundários EM DRR

12 A 2000 11 PRA (Reunião + visitas), (Dados secundários +lideranças) + Reunião devolução

DRR comdevolução

13 A 2002 40 PRA

(Reunião + visitas – ênfase em sistemas deprodução/ segurança alimentar) + Dados

secundários secretarias + reunião devalidação (+ FOFA)

DRR comdevolução

14 A 1996 66 PRA (Reunião + visitas – ênfase em sistemas de DRR com

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produção/ segurança alimentar) + Dadossecundários secretarias + reunião de

validação (+ FOFA)

devolução/ analise

15 A 2000 46 PRA

(Reunião + visitas – ênfase em sistemas deprodução/ segurança alimentar) + Dados

secundários secretarias + reunião devalidação (+ FOFA)

DRR comdevolulção/analise

16 C 2001 54 PRA

Reunião (Sensibilização e constituição deuma coordenação para PRA) + reuniãoequipe + Coord. Para levantamento dedados situação atual + levantamento desistemas de produção (visita) + reunião

devolução (R+CG+V+D)

DRR/DRP

17 C 2002 06 PRA (R+CG+V+D) (SISTEMAS DEPRODUÇÃO) DRR/DRP

18 C 1999 15 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

19 C 2001 70 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

20 C 2002 14 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

21 C 1985 60 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

22 C 1991 30 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

23 C 2000 42 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

24 C 1998 129 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

25 C 2000 22 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

26 C 2002 6 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

27 C 1996 65 PRA (R+CG+V+D) (SISTEMAS DEPRODUÇÃO) DRR/DRP

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28 C 2001 18 PRA(R+CG+V+D) (SISTEMAS DE

PRODUÇÃO) DRR/DRP

29 C 2000 56 PRA (R+CG+V+D) (SISTEMAS DEPRODUÇÃO) DRR/DRP

30 A 2000 13 PRAVisita exploratória às famílias + reuniãoproblematização + caminhada + reunião

discussão temáticasDRR/DRP

31 B 1997 29 PRA Curso de Gestão - adaptado DRP

32 B 2000 49 PRA Curso de Gestão - adaptado DRP

33 B Curso de Gestão - adaptado DRP

34 B 2007 83 PDA Curso de Gestão - adaptado DRP

35 B 2000 34 PRA Curso de Gestão - adaptado DRP

Inicialmente cabe reconhecer a existência de um conjunto de diagnósticos que apresenta descriçãometodológica insuficiente para os objetivos da presente caracterização.

Na análise geral dos documentos com informações suficientes, fica evidente a diferença entreprestadoras.

A proposição metodológica apresentada pela prestadora X (que atendeu os núcleos A e B) naocasião da contratação foi de Diagnóstico Rural Participativo – DRP, que basicamente é um conjuntode técnicas e ferramentas que permitem que as comunidades façam o seu próprio diagnóstico e apartir daí comecem a auto-gerenciar o seu planejamento e desenvolvimento (VERDEJO, 2006)16.

Entre as características deste método destaca-se que é um processo que procura incluir asperspectivas de todos os grupos de interesse, impulsionar mudanças nos papéis tradicionais detécnicos e de agricultores, reconhecer o valor dos conhecimentos dos/as comunitários/as. Já comoprincípios básicos a metodologia de DRP traz o respeito a sabedoria e a cultura do grupo, a analise eentendimento das diferentes percepções, a escuta a todos da comunidade (VERDEJO, 2006).Entretanto, os dados analisados evidenciam que a prestadora X apresenta diversidade de métodosdentro de um mesmo núcleo e entre núcleos.

Por ocasião da contratação a prestadora Y (que atendeu o núcleo C), declarou que utiliza como basea denominada Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários (DSA), partindo do principio que odiagnóstico deve dar conta da complexidade e da diversidade que, em geral, caracterizam a atividadeagrícola e o meio rural. A proposta da metodologia é centrada nos atores da história dos sistemasagrários, com ênfase nos agricultores, principal objeto de preocupação (GARCIA FILHO, 1995). Osprincípios gerais do método, segundo Garcia Filho (1995) são cinco: baseia-se em passosprogressivos, partindo do geral para o particular; a busca da explicação e não somente da descriçãodos fenômenos observados; a estratificação da realidade, estabelecendo conjuntos homogêneos econtrastados (pode ser realizado por intermédio: - do zoneamento agroecológico; - da tipologia(estudo dos diferentes tipos) de produtores; - da tipologia de sistemas de produção); enfoquesistêmico; amostragens dirigidas, de forma que se possa analisar a diversidade dos fenômenos maisimportantes observados. Nos dados analisados, a prestadora Y declara utilizar um mesmo métodoem todos os assentamentos. Tal método se aproxima da DSA, mas não representa a fiel aplicação domodelo de Garcia Filho.

16 Os diagnósticos realizados pela prestadora X, de forma geral, apresentam uma reflexão sobre os problemas efalhas de diagnósticos e planejamentos realizados anteriormente. Basicamente a preocupação retratada é sobreo comprometimento dos beneficiários com os projetos em execução, sobre a falta de sentimento depertencimento/participação, sentimento de sentir-se realmente parte do projeto.

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3.4. Orientação predominante da participação nos diagnósticos analisados

Observa-se que os diagnósticos apresentam uma significativa variabilidade com relação aparticipação das famílias.

Um conjunto significativo de diagnósticos aproxima-se ao modelo de diagnóstico rural rápido (DRR).Nestes casos, a partir das informações levantadas em visitas e oficinas realizadas ao longo doprimeiro semestre de 2009, os técnicos estabeleceram hipóteses sobre os sistemas sócios produtivose a partir da definição de uma tipologia, realizou-se entrevistas semi-estruturadas com o objetivo deter uma visão dinâmica da evolução da unidade de produção (lote) e verificar as oportunidades demudanças, além de definir os objetivos da família. A partir destas informações, obtidasindividualmente, em alguns casos, realizou-se encontros coletivos para a validação dos dadoslevantados. No diagnóstico rural rápido (DRR) há um esforço por “escutar” as famílias, mas estasparticipam especialmente como fonte de informações, por isso é definida por Chambers como umaabordagem extrativa. Assim, no máximo, temos a participação por consulta.

Como, no DRR, recorre-se frequentemente à entrevista individual pode-se dizer que há possibilidadede estabelecimento de um fluxo unilateral de informações do agricultor para o técnico onde “quemaprende” é o técnico. Quando a consulta se faz em reuniões coletivas o fluxo de informações sediversifica na medida em que cada participante além de fornecer recebe informações (prestadaspelos outros assentados), mas não necessariamente busca-se promover, coletivamente, o confrontoou síntese destas informações – qualificando o conhecimento gerado. Entende-se que os casos de 6- 11 tenderiam a enquadrar-se nesta categoria. A realização de atividades de “devolução” (casos 12 e13) significa um avanço no sentido de compartilhamento dos aprendizados do processo e a previsãode realização de análises coletivas com a aplicação da ferramenta FOFA, como ocorre nos casos 14e 15, por exemplo, possibilita ainda maior interação de aprendizagem dentro deste modelo geral sem,entretanto, desconfigurá-lo.

Uma situação intermediária entre DRR e DRP se configura quanto lideranças são convidadas a fazerparte “do grupo que aprende”. Nos casos examinados (casos 16 a 29) há menção de criação de umcomitê gestor do processo de planejamento que interagiu com a equipe na formulação dosdiagnósticos17. Dividida em quatro etapas, a metodologia utilizada iniciou com um processo desensibilização das famílias assentadas e de constituição de uma coordenação do Plano deRecuperação do Assentamento, levando em consideração as lideranças locais já constituídas comotambém novos atores que mostraram interesse em contribuir com o êxito do trabalho. Num segundomomento, reuniu-se a coordenação do assentamento e a equipe da prestadora a fim de fazer olevantamento de dados da situação atual do assentamento como também as potencialidades e aslimitações a serem tratadas na seqüência. No terceiro momento, realizou-se trabalho de campo comas famílias, agora já identificadas a partir de “tipologias”, que refletiam a diversidade produtiva doassentamento. No quarto momento foi realizado um trabalho de retorno dos apontamentos realizadospela equipe de sistematização da prestadora junto as famílias dos assentamentos. Embora os dadosdisponíveis não sejam suficientes para avaliar a qualidade das interações entre equipe e liderançaslocais, este modelo tenderia a aproximar-se de um modelo de DRP na medida em que prevêparticipação de representantes dos assentados nas decisões relacionadas a formulação dodiagnóstico.

Alguns casos (31 a 35) apresentam maior aproximação ao modelo do DRP. Para atender a questãoparticipativa, a prestadora X, em alguns assentamentos, utilizou-se de uma “adequação”, assimdenominado pela instituição, de um curso que une conhecimento da realidade, formação eplanejamento. A metodologia de DRP utilizada é composta por seis módulos desenvolvidos nosassentamentos, descritos a seguir:

17 Esta seria a situação dos diagnósticos realizados pela prestadora Y, onde almeja-se uma mobilização dasfamílias assentadas, através do estimulo ao pensar e repensar do processo de luta pela terra, suas conquistas,potencialidades e limitações. Além da coleta e problematização de dados, existe segundo o diagnóstico, aprevisão da construção conjunta de uma nova pauta de ação, consolidada através da elaboração de um conjuntode planos e programas que visam potencializar a caminhada de luta do presente e da nova realidade que sequer construir.

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Módulo Temática Abordagens

Modulo 1 Percepção Desenho do local onde vivem: como enxergam os espaçoscircundantes (propriedade, família, comunidade, sociedade).Discussão e provocações questionadoras.

Modulo 2 Leitura dapaisagematravés decaminhadacoletiva

Construção de roteiro da caminhada observando aspectoseconômicos, sociais, ambientais, segurança alimentar(sustentabilidade). Sistematização das visitas; Apresentação ediscussão. Caminhadas de leitura da paisagem são a base para ostemas e debates de todo o processo.

Modulo 3 Gestão dosrecursosnaturais (solo,água, flora efauna)

Visualização do ambiente: caminhada com observação equestionamentos sobre ciclo da água (microbacias hidrográficas)desmatamentos e eliminação de campos naturais (perda debiodiversidade, APPs, situação dos rios e córregos). Formação dosolo X sucessão vegetal (plantas indicadoras). Sistema deavaliação da qualidade do solo (roteiro prático), ressaltando aimportância de atributos físicos, químicos e biológicos para aqualidade do solo.

Perda de biodiversidade: animais e plantas, incluindo sementescrioulas. Perda de segurança e soberania alimentar.

Modulo 4 Gestãoeconômica eAdministração

Organização da propriedade, uso racional dos meios de produção.Informação como insumo fundamental da produção. Tipo deinformação. Sistemas de produção nos assentamentos.Planejamento dos fatores de produção. Cálculo de custos deprodução, depreciações, margem bruta. Planilhas de custos.

Módulo 5 Segurança eSoberaniaAlimentar

Sensibilização para o alimento (o que é alimento), valorização doagricultor produtor de alimentos. Valoração da produção desubsistência: quanto custa o que produzimos para comer?Consideramos isso como renda? O que compramos de comida nacidade? Quanto custa? Trabalho individual ou por família.Apresentação e discussão. Teoria: O que é segurança alimentar e oque ela implica. Soberania: poder decidir o que plantar e comer. Oque é alimento de qualidade? Como deve ser produzido? Fazemosisso?

Modulo 6 Relaçõeshumanas

Sensibilização do EU, exposição participativa do EU, família,comunidade, sociedade e meio ambiente. Associativismo ecooperativismo (princípios). Avaliação final do diagnóstico com aconstrução de proposições de melhorias.

Quadro 02. Resumo dos módulos adotados pela Prestadora X, para realização do diagnóstico.

Fonte: Elaboração dos autores

A proposta utilizada parece tender a despertar uma maior aprendizagem das famílias sobre suarealidade. No entanto, o que se verificou é que dos cinco assentamentos em que esta metodologia foiaplicada, em quatro deles somente foram realizadas três etapas (das seis previstas) até o momentoda conclusão do produto de diagnóstico apresentado ao INCRA. Tal desempenho pode ser devido arestrição de prazo, mas indicações de campo apontam que nos primeiros módulos havia umaparticipação significativa, e que, com o passar das etapas, a participação diminuiu ao ponto deinviabilizar a realização dos demais módulos. Para contornar tal problema e cumprir com asdemandas, realizou-se encontro final, com abordagem de todas as etapas, de forma sintetizada, e aapresentação e apreciação do diagnóstico desenvolvido pela prestadora, que normalmente eraaprovado sem restrições pelos assentados.

Realizando uma análise das propostas metodológicas, percebe-se que muito pouco se avançou emtermos de efetiva participação nos processos decisórios e de aprendizagem relativos aosdiagnósticos.

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3.5. Sobre a qualidade da informação gerada

Um dos pontos questionados na elaboração dos diagnósticos participativos refere-se a qualidade dasinformações geradas – visto que o diagnóstico frequentemente é percebido como processo degeração de um conhecimento sistematizado sobre a realidade local. Em tese este conhecimentoestaria registrado no Plano (produto apresentado ao INCRA). Os casos estudados permitem umainteressante análise sobre os processos de geração de conhecimento.

Cabe, inicialmente, reconhecer que muitas vezes o diagnóstico é percebido como “peça técnica”, quepode ser importante para fins institucionais diversos: fornece respaldo institucional frente aquestionamentos jurídicos diversos, pode servir para fornecer informações necessárias aencaminhamentos burocráticos (licenciamento ambiental, por exemplo), dá base para o planejamentode investimentos de infra-estrutura, por exemplo, ou para processos de monitoramento e evoluçãodos assentados, entre outros18. Tendo em vista estes interesses diversos, definiu-se um “roteirobásico” para o documento resultante do diagnóstico (quadro 3).

ITEM

2. METODOLOGIA

2.1 Metodologia – método

2.2 Descrição da aplicação do método

3. DIAGNÓSTICO

3.1 CARACTERIZAÇÃO DO PROJETO DE ASSENTAMENTO

3.1.1 Geral

3.1.2 Específica

3.2 DIAGNÓSTICO RELATIVO À ÁREA DE INFLUÊNCIA DO PA

3.2.1 Localização e acesso

3.2.2 Contexto sócio-econômico e ambiental da área de influência do PA

3.3 DIAGNÓSTICO DO PROJETO DE ASSENTAMENTO

3.3.1 Condições físicas e edafoclimáticas do PA

3.3.1.1 Relevo

3.3.1.2 Solos

3.3.1.3 Recursos hídricos

3.3.1.4 Flora

3.3.1.5 Fauna

3.3.1.6 Uso do solo e cobertura vegetal

3.3.1.7 Áreas de reserva legal e preservação permanente

3.3.1.8 Estratificação ambiental dos agroecossistemas

3.3.1.9 Capacidade de uso do solo

3.3.1.10 Análise sucinta dos potenciais e limitações dos recursos naturais e da situaçãoambiental do assentamento

18Utilizado para embasamento dos Planos de Desenvolvimentos dos Assentamentos (PDAs) e Planos deRecuperação dos Assentamentos (PRAs), os diagnósticos também servem para o INCRA, enquanto instituição,conhecer a realidade de forma mais sistêmica e a partir disto deter um “banco de informações” sobre cadaprojeto de assentamento existente e a ele vinculado.

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3.3.2 Organização espacial atual

3.3.2.1 Distribuição de famílias na área

3.3.2.2 Descrição das habitações

3.4 SITUAÇÃO DO MEIO SÓCIO-ECONÔMICO E CULTURAL

3.4.1 Histórico do PA

3.4.1.1 Trajetória das famílias

3.4.1.2 Origem dos assentados

3.4.1.3 Formas de organização (passado e presente)

3.5 POPULAÇÃO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

3.5.1 Caracterizar e analisar o total da população por faixa etária, gênero e nível de escolaridade(política educacional)

3.6 INFRAESTRUTURA FÍSICA, SOCIAL E ECONÔMICA

3.6.1 Identificar as estruturas de interesse grupal ou comunitário

3.6.2 Identificar equipamentos de interesse grupal ou comunitário

3.7 SISTEMAS PRODUTIVOS

3.7.1 O que é produzido no PA (quanto e por quem)

3.7.2 Sistemas de produção (como é produzido e seus limites)

3.7.3 Canais de comercialização

3.7.4 Renda auferida pelas famílias (bruta + não comercializada)

3.7.5 Apontamento das atividades não agrícolas

3.7.6 Pontos positivos e negativos dos sistemas de produção (infraestrutura, ATES, organização daprodução e economia municipal/regional)

3.8 SERVIÇOS DE APOIO À PRODUÇÃO

3.8.1 Assistência Técnica, Pesquisa e Capacitação Profissional

3.8.1.1 Quais os atores e atividades desenvolvidas no apoio à produção no PA, no município eregião (pesquisa e assistência técnica)

3.8.1.2 Descrever a capacitação profissional existente no assentamento e no município.

3.8.2 Crédito

3.8.2.1 Identificar as linhas de crédito existentes para o assentamento e suas fontes

3.8.2.2 Estimar o grau de endividamento das famílias por assentamento.

3.9 SERVIÇOS SOCIAIS BÁSICOS

3.9.1 Saúde e Saneamento

3.9.1.1 Identificar a política de saúde e saneamento existentes no município, para o meio rural.

3.9.1.2 Problemas e alternativas

3.9.1.3 Identificar o destino do lixo, dejeto e esgoto e qual a procedência e qualidade da águapara consumo humano.

3.9.2 Lazer

3.9.2.1 Identificar as principais manifestações de práticas de lazer para os adultos, jovens,crianças, mulheres e idosos.

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3.9.2.2 Estruturas existentes (no município e no assentamento)

3.9.2.3 Potencialidades

3.9.3 Cultura

3.9.3.1 Identificar traços culturais relevantes de que são dotados os diferentes grupos sociais

3.9.3.2 Espaços de troca de vivências

3.10 SISTEMATIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO, VALIDAÇÃO, POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES

3.10 SISTEMATIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO, VALIDAÇÃO, POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES

Quadro 03. Roteiro básico para documento resultante do diagnóstico

Fonte: Elaboração INCRA

O exame deste roteiro revela que ele promove uma demanda por informações de distintas naturezas(ambientais, sociais, produtivas). Algumas destas informações são de natureza técnica (tipo derelevo, de solo, de vegetação, por exemplo), ou se referem a agregados sociais (do contexto sócio-econômico onde se encontra inserido o projeto). Entende-se que este tipo de informação requerconsulta a fontes secundárias (bibliografia, documentos, bases de dados). Outras informaçõespossivelmente referem-se, idealmente, a especificidades locais ou visão dos assentados sobredeterminadas questões. Assim, entende-se que o atendimento ao roteiro requer a definição de umaestratégia metodológica específica conforme o tipo de informação requerida. Para obtenção deinformações primárias (locais e específicas), por exemplo, identificaram-se diferentes estratégias:

DEFINIÇÃO DO M ÉTODO PARA OBTENÇÃO DE CONHECIM ENTO

ROTEIRO BÁSICO INCRA

Relativas a dados primários

Entrevistaindividual -famílias

Entrevistasgrupos de famílias

Reuniõescom famílias

Consulta ediscussão comrepresentantes

No contexto de processos deaprendizagem coletiva

1 2 3 4 5

Nos diagnósticos da prestadora Y destaca-se a ênfase na estratégia 4. Neste caso, o documentoapresenta muitas informações referentes ao município ou a região onde o assentamento estalocalizado mas, limitadas em relação ao assentamento em si (locais) de modo que não é possível

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identificar em que o assentamento colabora ou difere em tal contexto, sendo que as informaçõesaparecem muito genéricas.

As opções da prestadora X, por exemplo, referem-se sobretudo às estratégias 1 e 3 de modo que aquantidade de informações, presentes na maioria dos diagnósticos, permite uma melhorcaracterização das condições do assentamento. Geralmente, os diagnósticos desta prestadora sãobastante ricos em informações e procuram, na maioria das vezes, estabelecer uma relação dainformação prestada com a realidade do assentamento, evidenciando potencialidades e limitação dosaspectos tratados19.

Os diagnósticos foram enviados ao INCRA e submetidos a uma avaliação. A avaliação ocorreu apartir de uma matriz, onde os diagnósticos deveriam alcançar a pontuação mínima de 50 pontos.Tomando por base o roteiro, muitos diagnósticos foram “devolvidos” para qualificação tendo em vistaa inexistência ou problemas na qualidade das informações prestadas. Tais circunstâncias podemapontar para divergências potenciais entre objetivos técnicos e de mobilização social. De modo geral,destaca-se que os diagnósticos retratam muito bem questões pontuais, como nível de endividamento,nível de escolaridade, problemas ambientais, etc, o que subsidia a proposição de ações específicas,que atendam problemas pontais. Além disto, se considerar-se que a elaboração de um plano dedesenvolvimento de médio prazo requer identificação e problematização de tendências, conclui-seque há necessidade de avançar qualitativamente na reflexão.

4. Diagnóstico na ATES por contrato: priorizando produtos ou processos?

Fica evidente a pouca relação existente entre os processos e produtos realizados e as expectativasapresentadas pelo INCRA, especialmente no que se refere a utilização de metodologias participativasde diagnóstico. Da forma como foram apresentados os documentos20, pode-se inferir que se foramfeitos usos de metodologias participativas, foram sobretudo no sentido de extração de informações enão para a capacitação/mobilização das populações de forma a gerar apropriação coletiva deconhecimento e mobilização, como se tinha por objetivo inicialmente.

Numa avaliação crítica destas observações, caberia questionar-se, por que os métodos aplicados nãoprivilegiaram a participação e se haveria de preconizar-se que o modelo mais próximo ao ideal deDRP fosse aplicado em todos os assentamentos.

Para fazer as reflexões propostas pode-se partir do reconhecimento de que os processos dediagnóstico envolvem diferentes atores com diferentes interesses. Segundo entrevistados, queparticiparam das discussões iniciais referentes a este processo, há uma normativa institucional nosentido de definir que o diagnóstico é um requisito da ação de ATES. Assim, não há muitapossibilidade de não realizá-lo ou de adiá-lo. Do mesmo modo, a abrangência temática dosdiagnósticos é relativamente pré-definida. Assim, o diagnóstico apresenta-se como um “produto” comcontornos relativamente bem definidos. E é este “produto” que é, em síntese, requerido àsprestadoras.

Tomando por base o produto almejado, cada grupo parece ter operado no sentido de definir umaestratégia que assegurasse sua obtenção dentro com a melhor relação custo-benefício visualizada.Em assentamentos onde já se dispunham de informações previas, estas foram revalidadas /atualizadas, com procedimentos de amostragem evitando-se processos de mobilização social maisintensivos, que poderiam demandar maiores esforços e tempo. Tal procedimento aproxima-se ao

19 Os diagnósticos apresentam boa sistematização de dados secundarios, sejam eles referentes à região,município ou ao próprio assentamento, o que demonstra que as equipes de ATES desta prestadora dispõem defontes de informação referentes a realidade em que estão intervindo. Estas fontes de informação poderiamauxiliar para uma reflexão sobre as transformações ocorridas ao longo dos anos e sobre os condicionantes queinterferem para tal.20 Não é possível a identificação nos diagnósticos das visões dos diversos atores sociais envolvidos no processo,ou seja, não é possível perceber as distinções entre as visões dos técnicos e assentados, parecendo assim quetodos compartilham de uma visão única sobre a realidade que se discute.

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identificado por Kreutz e Pinheiro (2004) que reconhecem que certas situações propiciam umarejeição na aplicação de metodologias participativas21:

Em muitos municípios a proposta não foi bem aceita por algumas lideranças como os prefeitos, ossecretários de agricultura e alguns sindicalistas. Dentre outras coisas, se alegava que se perdia muitotempo com esta atividade, que o custo era muito elevado, que não adiantava planejar se não existiamrecursos financeiros, que seriam criadas muitas expectativas nas comunidades e que seaumentariam as demandas para as prefeituras que não contavam com os recursos necessários paraatender tais reivindicações.

Dentro da EMATER/RS também existiam resistências à proposta. Uns alegavam que o processo eramuito extenso e requeria muito tempo. Outros reclamavam do grande contingente de pessoas queera preciso para realizar as entrevistas e a sistematização dos dados. Esse processo entrava emchoque com a realidade dos extensionistas nos municípios, onde a falta de tempo dos profissionaistem sido a tônica, em função de seu envolvimento com a elaboração e o acompanhamento deprojetos para programas como o PRONAF, Banco da Terra9, RS-Rural, Pró-Guaíba10 entre outrostantos.

Em síntese, a adoção do DRP não prosperou no interior da extensão rural como se esperava.

Nos casos examinados, as situações dos assentamentos são bem diversas em termos de tamanho(muitos assentamentos tem menos de 10 famílias assentadas, outros mais de 100), de histórico(muitos tem mais de 20 anos e outros são recentes), de histórico da intervenção técnica (alguns seiniciam outros trocaram de prestadora, noutros mantém-se a mesma prestadora) e de organizaçãosocial. Nos casos em que manteve-se a prestadora, possivelmente esta já trabalha com um “pactosocial” sobre sua atuação, mesmo que este seja informal, ou pode ter redefinido o mesmorecentemente (como num dos casos examinados). Metodologias de DRP, que mobilizam para odesenvolvimento, em geral implicam o estabelecimento de um “novo pacto social” entre as partesenvolvidas. O cumprimento deste “pacto” por cada uma das partes passa a ser um requisito dotrabalho conjunto. Neste contexto pergunta-se: pode a prestadora comprometer-se (estabelecer umpacto sobre seus serviços futuros junto ao grupo), se seu trabalho atual é regulado por metas pré-determinadas22?

Ainda, percebe-se que as prestadoras não são cobradas pelas metodologias apresentadas quandoda contratação da empresa para a prestação de ATES. Isto remete a uma problemática recorrente nocampo da extensão rural, que é de se cobrar e apoiar iniciativas participativas, mas não existir osdevidos meios/mecanismos para realizar o monitoramento e avaliação efetiva dos processos.Compreende-se que é muito difícil para o INCRA, monitorar se os processos de elaboração dosdiagnósticos foram efetivamente participativos.

Assim, uma das únicas possibilidades de ser efetivado um processo verdadeiramente participativo,seria com o comprometimento pessoal dos técnicos, ou seja, que os mesmos acreditassem na causae na importância da participação, que fossem motivados e não realizassem o diagnóstico tendo porbase unicamente o produto a ser apresentado ao INCRA. Entretanto, a formação dos técnicosenvolvidos no processo remete à experiência de grande parte destes com o modelo difusionistaobservando-se que nem todos os técnicos conseguiram assimilar as novas orientações e assimcolocá-las em prática. Como ressaltado, o modelo hoje colocado, prima pela educação, eaprendizagem mutua de técnico e agricultor, no entanto, muitos técnicos tem dificuldade em exercereste papel ou entendem essa abordagem como perda de seu status de conhecimento, o que os levaa não agir como ouvintes e facilitadores de processos de organização social.

Assim a possibilidade de uma “nova” extensão para assentamentos de reforma agrária, preocupadacom a complexidade do meio rural, com questões sociais e ambientais, ainda parece bastantedistante frente à realidade que identificamos neste estudo.

21 A temática da transição para o novo modelo de extensão rural é abordada também por Caporal e Ramos(2010)22 Se faz necessário lembrar que a adoção de procedimentos participativos pode ter implicações diretas emtermos do descrédito dos técnicos, pois os mesmos requerem um envolvimento significativo de tempo doagricultor e, segundo o técnicos entrevistados, nunca trouxeram mudanças significativas.

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